Workshop CATS Cataguases 2016

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"URBANISMO TÁTICO - ESTRATÉGIAS DE TRANSFORMAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO" E A IMPORTÂNCIA DOS ESPAÇOS LIVRES NA REABILITAÇÃO DO PATRIMÔNIO EDIFICADO. "TACTICAL URBANISM - STRATEGIES FOR THE TRANSFORMATION OF PUBLIC SPACE" AND THEIR IMPORTANCE IN THE REHABILITATION OF THE ARCHITECTURAL AND ENVIRONMENTAL HERITAGE.

Mariela Salgado Lacerda de Oliveira | ​marielasloliveira@gmail.com Carolina Guido Monteiro | ​carolgmonteiro@live.com

Resumo Este trabalho apresenta um caso prático de intervenção em espaço livre público, realizado em Cataguases, Minas Gerais, Brasil, em sítio histórico tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). A intervenção "Urbanismo tático - estratégias de transformação do espaço público" foi realizada a partir da colaboração da ​startup de projetos urbanos Urb-i com arquitetos e estudantes durante o Congresso de Arquitetura, Turismo e Sustentabilidade - CATS, ocorrido na cidade em Outubro de 2016. A proposta objetivou evidenciar a criação de espaços urbanos mais humanos e contribuir com o poder público na definição de propostas no tecido urbano existente, criando diretrizes de intervenção para a preservação e reabilitação em área de interesse cultural. A metodologia do projeto consistiu em definir um local que apresentasse desafios em sua transformação, identificar problemas e potencialidades, e propor um projeto em cinco fases. Foi implementada a fase efêmera experimental e concluiu-se que é possível criar coletivamente uma mudança positiva no ambiente construído da cidade, valorizando seu patrimônio e oferecendo espaços de convívio e lazer, preservando uma relação harmônica entre o novo e o preexistente.

Palavras-chave urbanismo tático, requalificação, patrimônio cultural, placemaking, economia colaborativa


Abstract

This work presents a practical case of intervention in public space, held in Cataguases, Minas Gerais, Brazil, in a historical site listed by the National Historical and Artistic Heritage Institute (IPHAN). The intervention "Tactical Urbanism Strategies for Transformation of Public Space" was carried out from the collaboration of the startup of urban projects Urb-i with architects and students during the Congress of Architecture, Tourism and Sustainability - CATS, held in the city in October 2016 The purpose of this project was to highlight the creation of more humane urban spaces and to contribute to the municipal government in the definition of proposals in the existing urban fabric, creating intervention guidelines for preservation and rehabilitation in an area of ​cultural interest. The project methodology consisted in defining a site that presented challenges in its transformation, identifying problems and potentialities, and propose a project in five phases. The experimental ephemeral phase was implemented and it was concluded that it is possible to collectively create a positive change in the built environment of the city, valuing its assets and offering spaces for living and leisure, preserving a harmonious relationship between the new and the preexisting.

Keywords Tactical urbanism, built and urban regeneration, cultural heritage, placemaking, collaborative economy

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1. INTRODUÇÃO

Este trabalho se insere no contexto da discussão sobre a importância dos espaços livres públicos na valorização do patrimônio edificado. Tem como objeto de estudo a cidade de Cataguases, situada na região sudeste do Estado de Minas Gerais, Brasil. Em 1994, a cidade teve seu conjunto arquitetônico, histórico e paisagístico da área central da cidade, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). É reconhecida principalmente pelo rico acervo arquitetônico e artístico modernista construídos entre as décadas de 1940 e 1970, com projetos de Oscar Niemeyer, Francisco Bolonha, Aldary Toledo, entre outros. O patrimônio de Cataguases demonstra que o ambiente e as manifestações culturais ocorridas em meados do século XX a coloca como um "lugar de modernidade" revelando-se uma cidade atuante em diversos planos simultaneamente - a arte, a literatura, o cinema, a arquitetura. A escolha do local de intervenção relaciona-se com a problemática da preservação em uma área de interesse cultural, que carece de um tratamento urbanístico e paisagístico que possa revelar o forte caráter simbólico e a importância histórica desta área para a cidade. Fig.01 Perímetro de tombamento e em destaque os 16 imóveis tombados. Fonte: Folha nº068, Volume II do Processo 1.342-T-94. IPHAN. Arquivo Noronha Santos, RJ

2. PLACEMAKING: PLANEJAR, CRIAR E GERIR LUGARES PARA PESSOAS

Neste sentido, a discussão que se coloca neste trabalho relaciona-se com a questão da preservação do patrimônio edificado e sua interface com os espaços públicos procurando oferecer diretrizes para a proteção e valorização do ambiente 3


construído da cidade através do conceito ​“bottom up” de ​Placemaking​, ou “fazer-lugares”. Este conceito se caracteriza pela preocupação em produzir cidades voltadas para as pessoas e tem se expandido nos últimos anos pelo mundo, sendo utilizado em lugares como Nova York, Medellín e Bogotá, e se contrapõe ao modelo da cidade produzida sob a lógica do automóvel particular em que se perdeu a escala humana no espaço público (MONTEIRO, 2016, p.43), assim como promove a elaboração e execução de propostas práticas de intervenção através de ações de curto prazo com visão de projeto a longo prazo. Unido a isso, pode-se requalificar os espaços livres públicos por meio das estratégias do Urbanismo Tático, ferramenta que busca através da prática experimental, modificar os espaços com participação da população. A meta é gerar maior consciência social e sensibilizar os diversos atores da importância dos espaços livres públicos de maior qualidade, gerando ao mesmo tempo, dados para melhoria do projeto. É economicamente vantajoso por diluir no tempo os custos de projeto e agindo de forma experimental com feedbacks constantes, em que a chance de erro de projeto é menor. Além disso, este modelo abre possibilidade para a criação de novas políticas públicas que beneficiem a produção de espaços mais amigáveis, redefinindo a lógica vigente. Fig.02 Conceito de formação de conhecimento e implementação através do Urbanismo Tático. Fonte: Baseado em diagramas retirados de Urbanismo Tactico 2

STREET PLANS / A Batata Precisa de Você. (2014)

3. URBANISMO TÁTICO - AÇÃO DE CURTO PRAZO, VISÃO A LONGO PRAZO

O conceito de "Urbanismo Tático" abarca a criação de projetos urbanos temporários, de baixo custo e de construção rápida com o objetivo de atrair pessoas e tornar as cidades mais amigáveis a seus habitantes. Propõe repensar hábitos e motivar novas ações de coesão social. Sua fundamentação teórica baseia-se nas novas dinâmicas de interação político-sociais e tecnológicas, aliadas aos mais recentes estudos e teorias sobre Urbanismo, que se afastam da concepção de cidade espraiada e 4


se aproximam do conceito de cidade compacta ou "cidade para as pessoas" na qual a qualidade de vida e a concepção dos espaços com participação da sociedade se tornam as principais prerrogativas do planejamento urbano (Fig.03). Fig.03. Metodologia do Placemaking usando como ferramenta o Urbanismo Tático: Engajamento, análise e co-criação, limpeza e pintura, mobiliário, inauguração e acompanhamento. Fonte: Acervo Urb-i

Neste contexto, como exemplo de uma ação de curto prazo visando o alcance a longo prazo, tem-se o Programa NYC Plazas que nasceu a partir de ações da Gestão do prefeito Michael Bloomberg de 2002 a 2013, que promoveu uma renovação socioeconômica e urbana na cidade de Nova York, sob o comando de Janet Sadik-Khan pelo New York City Department of Transportation (NYC DOT). Um dos casos mais emblemáticos de transformação é o do Times Square, que era previamente ocupado intensamente por pessoas, mas de forma inadequada e mal distribuída. No verão de 2009, foi feita por três meses a primeira experiência no local, em que o NYC-DOT fechou o grande cruzamento para os carros usando cones viários e mobiliários simples e baratos. O tráfego se rearranjou e as pessoas se identificaram com o novo espaço, decidindo então deixar como estava até o final do verão. Então, durante o inverno, avançaram para etapa temporária em que a rua foi pintada, bancos e mesas foram colocados, além de uma programação de eventos, permanecendo assim de 2009 até o verão de 2014, quando iniciaram as obras de infraestrutura permanente para torná-lo aberto para as pessoas definitivamente (MONTEIRO, 2016) (Fig.04). Fig.04 Projeto de transformação da Time Square - NY em 3 momentos: Efêmera com o fechamento da rua em 2009; Fase temporária com pintura e mobiliário leve e baixo custo; obras de infraestrutura e realização do calçadão. Fonte:​http://www.urb-i.com/before-after

Como resultado da ação, foi criado o programa ​NY 5


Plazas e uma série de bases de dados que demonstram melhorias, como o relatório “​Measuring the Street: New Metrics for 21st Century Streets”​, lançado pelo NYC DOT em 2012, que demonstrou avanços nas relações das pessoas com o espaço público através de medições e dados das transformações em diversos pontos da cidade, como aumento de vendas no comércio e diminuição de número de acidentes envolvendo pedestres. No Brasil, uma experiência que vale ser abordada neste sentido, é a do Concurso 3 Estações em 2014, patrocinada pela ONG WRI Brasil e USP Cidades. A proposta vencedora da Urb-i elaborou um Plano de Bairro para a região do entorno da Estação de trem Berrini, localizada na centralidade empresarial de São Paulo, Brasil. A área de estudo apresenta diversos conflitos entre automóveis e pedestres e má qualidade do espaço público, observados a partir da vivência diária dos autores do projeto como também, de acordo que foi apresentado em Diagnóstico produzido pela WRI. Baseado na estratégia de implantação do NY Plazas, o projeto abrange um olhar integrado da estação em relação a cidade, buscando uní-la de formas variadas, tendo como ponto zero na implantação, transformações na Rua Joel Carlos Borges, contígua à estação que possui diariamente tráfego intenso de pessoas, porém em ambiente de má qualidade e que coloca o pedestre em risco (Fig 05). Fig.05 Concurso 3 Estações Etapas de transformação da Rua Joel Carlos Borges - Acima à esquerda, situação atual da rua e fase 1 de projeto com o evento da Virada da Mobilidade em 22/09/2016. Abaixo à esquerda, , ilustrações do projeto representando as fases temporária e permanente. Fonte:​http://www.urb-i.com/​ ​3-estacoes

4. OFICINA CATAGUASES: FASE EFÊMERA EXPERIMENTAL NO ESPAÇO PÚBLICO

A intervenção realizada em Cataguases, que ocorreu no âmbito do Congresso 6


de Arquitetura, Turismo e Sustentabilidade - CATS, em outubro de 2016, baseia-se na premissa de que para melhorar a qualidade de vida das pessoas nas cidades, muitas vezes é necessário iniciar um processo de questionamento do “status quo”, refletido tanto no espaço físico da cidade e nas políticas de planejamento pelo poder público. A cidade de maneira geral vive sob a lógica do automóvel, em que mesmo curtas distâncias são percorridas de carro. Há poucas alternativas de transporte: não há ciclovias, as calçadas são estreitas e o transporte público alimentado por ônibus é mal sinalizado e apesar de ser uma cidade pequena, convive com intensos congestionamentos diários. O carro ocupa grande parte do espaço público, tornando a experiência de caminhar pouco agradável. Caracteriza-se por ser um local de intenso comércio e grande oferta de serviços, com grande fluxo de pedestres e veículos, o que pode ser um ponto de partida para um projeto mais amplo para transformação da área em um local mais agradável para os pedestres. Após a escolha do local foi elaborado um diagnóstico ou plano de ação que consistiu em identificar os problemas e as potencialidades do entorno da área de intervenção tendo como objetivo sensibilizar o olhar das pessoas para todos os elementos que influenciam o ambiente urbano e que o tornam mais ou menos agradável para as pessoas (Fig.06). Fig.06 Ficha de análise do espaço público foi usada como exercício de identificação de elementos que compõem o espaço como lixeiras, arborização, estado das calçadas.

Nesse sentido foram observados os seguintes

conteúdos:

pontos

de

interesse - usos predominantes e equipamentos importantes que possibilitam maior fluxo e atração de pessoas; lugares subutilizados, ermos ou sujos que trazem desconforto e insegurança para quem transita; a existência ou não de mobiliário urbano, seu estado de conservação e se são oferecidos de maneira satisfatória; a distribuição de fluxos, compatibilidade da largura das calçadas com o fluxo de pessoas, travessias de pedestres e acessibilidade; fechamentos das fachadas que compõe a transição entre público, semipúblico e 7


privado e o grau de relação com a rua; e, por fim, a vegetação e sombreamento, importante fator de conforto para as pessoas tratando-se de uma cidade com temperaturas elevadas. A metodologia utilizada na oficina de intervenção consistiu em estabelecer um faseamento de projeto de curto, médio e longo prazo que poderia acontecer em etapas gradativas e independentes. No caso da intervenção em Cataguases, foi realizada a fase efêmera experimental, em que foi possível experimentar o espaço sob uma ótica diferente daquela observada no dia-a-dia da cidade (Fig.07).

Fig.07 Faseamento do projeto, respectivamente: Etapa 1-fase efêmera, Etapa 2-fase efêmera experimental, Etapa 3-fase temporária e Etapa 4-fase de projeto permanente Fonte: ​http://www.urb-i.com/cataguases

Procurou-se também criar uma forma de interlocução com a população através de um banner em que as pessoas poderiam expressar sua opinião com relação à intervenção. Foram criados alguns campos de perguntas nos quais as pessoas que passavam pelo local poderiam marcar com adesivos coloridos suas respostas de acordo com as perguntas colocadas (Fig.08). Fig.08

Ferramentas

de

interlocução com a população local

-

registro

de

opiniões.Fonte: http://www.urb-i.com/cataguases

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A partir da observação do local e da análise de seus problemas e potencialidades, partiu-se para a execução da fase prática de intervenção. Dessa forma, foi possível ressignificar temporariamente o local, subvertendo a ordem diária e quase intocável da ocupação pelos veículos que impossibilitam um fluxo mais acessível e confortável para os pedestres.

5. CONCLUSÃO E DESDOBRAMENTOS

Procurou-se com este trabalho, através do conceito ​Placemaking e de estratégias ​bottom-up do "Urbanismo Tático", evidenciar a importância do reconhecimento das dinâmicas na micro escala e da leitura territorial a nível local como instrumento de análise e intervenção na proposição de projetos nos espaços livres públicos da cidade como forma de fortalecer e qualificar sua utilização pelas pessoas. Na fase efêmera implantada não houve resistência por parte da população local com relação à intervenção proposta, o que reforça a avaliação de que uma transformação gradual do espaço tende a ser menos impactante do que a decisão unilateral por parte do poder público em modificá-lo sem consultar a população. Durante a intervenção muitas pessoas participaram e expressaram as suas dúvidas e opiniões através do banner, cujas principais perguntas para avaliar as condições atuais do local e a aprovação quanto à intervenção eram: “Sente falta de lugares para sentar nessa rua?” e “Você gostaria que esse espaço fosse uma praça?”, os adesivos verdes representavam a resposta “sim” e os adesivos vermelhos, “não” no qual foi possível observar que há, sim, uma demanda pelo melhor planejamento dos espaços livres. A experiência deste trabalho, procurou, portanto, chamar a atenção para a valorização dos espaços externos às edificações que abrigam o encontro, o convívio, a troca, a observação e a experimentação do lugar como forma de estabelecer um maior vínculo e sensação de pertencimento entre as pessoas e o patrimônio edificado. Novas ações como esta no local, podem abrir caminho para um novo projeto no local ou mesmo criação de políticas públicas neste sentido. 9


6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS LYDON, Mike; KHAWARSAD, Aurash; BARTMAN, Dan; WOUDSTRA, Ronald Urbanismo Táctico: Acción a Corto Plazo ​- Cambio a Largo Plazo. Vol 2. disponível em http://issuu.com/streetplanscollaborative/docs/urbanismo_tactico_2_digital_edition​. 2012 LYDON, Mike. CIUDAD EMERGENTE | STREET PLANS. Urbanismo Táctico 3 _ Casos Latino Americanos. 2012. GEHL. Jan. Cidade para Pessoas. São Paulo. Perspectiva Editora. 2013. MONTEIRO, Carolina Guido. Urbanismo Tático: A força do Coletivo na Transformação da Cidade. São Paulo. 2016. Monografia Especialização Planejamento e Gestão de Cidades. PECE-POLI

Universidade

de

São

Paulo.

Disponível

em

https://issuu.com/carolinaguido/docs/pgc_poli_2016_urbanismo_tatico_caro Sobre Cataguases INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL – IPHAN. Processo 1.342- T-94. Tombamento Cataguases. Rio de Janeiro. Arquivo Noronha Santos. 3 volumes.

Sites http://www.urb-i.com/cataguases http://www.urb-i.com/3-estacoes http://www.urb-i.com/antes-depois http://www.placemaking.org.br/home/ https://www.pps.org http://issuu.com/laurasobral/docs/publicacaobatata-final-web www.archdaily.com.br/br/764366/o-que-e-placemaking-criativo-e-como-ele-se-relaciona-com -a-resiliencia http://thecityfixbrasil.com/2015/09/10/ctbr2015-pensando-as-cidades-para-pessoas www.iabrj.org.br/entrevista-jan-gehl

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