Slang #1

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#1 Marรงo - Abril 2006 Portugal 3,00 EUR







EDITORIAL p. 009 COLABORADORES p. 011 TRANSGRESSÃO, REAPROPRIAÇÃO Miguel Moore p. 012-013 PAROLE. DATA CITY, INFO TOWN Nuno Ferreira de Carvalho p. 014-015 THE VICIOUS FIVE. O BETÃO É O LIMITE Boldfinger p. 016-017 NUNO COELHO. COMPACT DISCOTHÈQUE p. 018-019 UK DUBSTEP Georgina Cook p. 020-035 NUNO VALÉRIO p. 036-049 DIGGIN’. OS MINEIROS DO VINIL Boldfinger / José Sérgio p. 050-063 DIRTY COP. WE’LL FIGHT BACK? p. 064-069 ED, SKATER Rui Serrão / Luís Colaço p. 070-081 STORYTAILORS. OS CONTADORES DE HISTÓRIAS Cláudia Castelo p. 082-091 POWER TO THE BLOGGERS Boldfinger p. 093 capa Ilustração de Paulo Arraiano Fotos de Luis Cruz e Nuno Carvalho

O ENCANTO DO TUBO DE ESCAPE Boldfinger p. 094-095



THIS IS A MAGAZINE HUGE BROKEN COMPILER UNIVERSES IN UNIVERSE A Prior Boom Eye Filter Radical Philosophy Rojo Juice Magnet Big Pupu Dazed & Confused Foreword Pages Frieze Cânhamo Digit I-D Dot Dot Dot Bail Giant Robot Parachute Thrasher Re:Up Spike Juxtapoz Adrenalin Icon Punk Knowledge Utopia DisInformation Roots Skateboarder Slap Artforum Fecal Face ANP Quarterly Frame Dif Edge Cream Heckler Backjumps Interact Ctheory Hello Trudi Mr. Kim Says Nothing Lasts Forever Op Critical Enquiry Urbe Neighborhood Arkitip Swindle Virose Found Hip Hop Nation Hustler Made Ficções Ridebmx Undercover Wooden Toy Dusted Alternative Press Fest Forward The Wire Boon McSweeneys Bulgarian Magazine Flaunt Z Rua de Baixo Woofin’ Número Uno Crutz The Face WAD Crash Difere Ollie Urban Virus Radical Software Re-Magazine Adbusters Born Experimental Camouflage No Cover Jointz Resonance Vapors Chicago Reader Fugue The Neozine Sideway Stealth Framework Parkett Bidoun Risen Texte zur Kunst Version Beinghunted Transworld Skateboard Crown Dozen Res Spine Fauxami Wax Poetics Relax Shoes Master Vice Mark You Need To Get Out More Ride Lowrider Bycicle Dogway Vibe The Fader XLR8R Art Monthly I Love DZN Springerin Artecontexto Belio Straight no Chaser Staf Wired Gossip Afterart News Uovo Lodown The Skateboard Mag Digbmx Creative Review Numero Yen Zembla Idea Signal to Noise Synthesis West Colors Metropolis M Urb Neo2 Archis Hint Kingpin Shift Surface IdN Fran Playmusic Encore Monster Skateboard Adiktion Exit The Royal Afterall Cabinet Monster Children Bomb


Propriedade Magnoliasport, Lda.

SLANG #1 ANO ZERO www.slangculture.com

Periodicidade Bimestral

Largo de Santos, nº 1, 2º esq.º - Sala C 1200-808 Lisboa (+351) 210 155 584 info@invadestrategies.com NIF: 506 779 980

Directora Geral Zézé Adão da Fonseca

Tiragem 20.000 exemplares

Director Editorial Miguel Pedreira

Pré-impressão Pré&Press

Publicidade Sandra Pereira Coutinho ads@invadestrategies.com

Editor Nuno Ferreira de Carvalho edition@slangculture.com

Impressão Heska Portuguesa

Marketing Bruno Ribeiro dos Reis mkt@invadestrategies.com

Direcção de Arte Paulo Arraiano Luis Cruz

Relações Públicas Filipe Aleluia rp@invadestrategies.com

Designer Luis Cruz design@slangculture.com Colaboradores Texto Boldfinger Cláudia Castelo Georgina Cook Miguel Moore Rui Serrão Fotografia Luis Colaço Georgina Cook José Sérgio

Distribuição Logista Portugal Depósito legal Nº 219681/04, registado no ICS nº 124578


Cláudia Castelo

Aprendiz de jornalista e surfista, Cláudia Castelo tem trabalhado desde sempre na área da cultura. A passagem pela Zé dos Bois, à frente do projecto editorial Flirt, deu-lhe as bases para perceber que com dois paus se pode fazer uma canoa. De entre outros projectos mais institucionais contam-se a passagem pelo Público e pelo Instituto das Artes. STORYTAILORS. p. ???

LUÍS COLAÇO

Geração de 73, fotógrafo. “A cidade é o meu habitat natural! O skate mostra-me outra faceta dela.” ED, SKATER p. ???

Georgina Cook

Entre 2000 e 2004 fotografou o rock, o drum’n’bass e o hip-hop para um jornal do sul de Londres, de onde é natural. Foi no último ano desta colaboração que foi surpreendida pelo dubstep, que passou a documentar intensivamente, através de imagens e textos publicados em www.drumzofthesouth.com. UK DUBSTEP p. ???

JOSÉ SÉRGIO

DJ Distinction!! DMZ de Novembro, 2005

Nasceu em Maputo há 35 anos e ali começou a fotografar em 1988. Acompanhou os Médicos Sem Fronteiras, captou imagens para jornais e revistas e mudou-se para Lisboa em Abril de 2000. É, desde então, colaborador permanente do semanário Blitz. DIGGIN’. OS MINEIROS DO VINIL p. ???

Miguel Moore

RUI SERRÃO

Jornalista e tradutor. Tem vivido entre a Austrália, a Nova Zelândia e a exploração da Ásia, entre vindas irregulares a Portugal. Divide interesse entre a análise e a participação em fenómenos gráficos urbanos, viagens e exploração. Vegetariano, tem 32 anos, dois passaportes muito carimbados e pouco mais. TRANSGRESSÃO, REAPROPRIAÇÃO p. ???

SLANG /// colaboradores /// 011

Há skaters que andam de skate. Outros há que vivem o skate. De uma relação com quase 18 anos nasceram já o Tributo e o Cidade (2003 e 2005), com lugar reservado na história como os dois primeiros filmes de skate portugueses dignos desse nome. Para além do skate… o Sporting. ED, SKATER p. ???


Texto e fotografia de Miguel Moore

Cada cidade é um espaço singular, um mundo em si que parece poder distinguir-se através de um carácter próprio que a demarca das demais. Os seus habitantes recorrem a esta ideia para evocar uma identidade colectiva, pensando que o meio reflecte a sua vontade em participar num espaço que espelhe as suas emoções e objectivos comuns. Mas nem tudo é linear nesta relação. O facto de o espaço em si ser determinantemente unidireccional assinala a fraudulência da relação; o imperativo é de facto a exclusão do indivíduo do processo de gestão e criação. O espaço urbano, enquanto expressão do progresso civilizador, tem servido de reflexo e evoluído enquanto meio de criação e sustentação do modelo de ordenação social em voga. A cidade contemporânea reflecte inevitavelmente os cânones do urbanismo capitalista, e, como os anteriores modelos, serve-se do palco social urbano como meio para comunicar de modo unidireccional os valores intrínsecos à sua proposta de dominação e controlo social (gestão do território, bens e pessoas). Este modelo pode diferir um pouco conforme as influências culturais locais, mas a sua lógica obedece aos mesmos princípios de ordenação em todo o mundo. Cada cidade é, deste modo o reflexo desta ordem, e como tal, também reflexo das demais. Submetidas à mesma lógica de ordenação, às mesmas esferas de influência, às mesmas imposições ideológicas, todas caminham para a formatação padronizada, não singular. Marcham em direcção à uniformização, tentando amalgamar pelo caminho o espaço do indivíduo na sua relação com o colectivo.


O espaço urbano é, por excelência, o espaço de toda a confrontação. A segmentação das áreas, o emparcelamento retalhado do espaço, a pressão das formas, o condicionamento artificial do movimento, catalisam a circulação em ondas cíclicas de choque, contestação, conflito. A vertigem, a aglutinação, o ambiente em permanente expansão, o ruído, as luzes, o movimento, a amálgama e sobreposição de mensagens unidireccionais de carácter comercial e ideológico, impõem de forma padronizada um compasso rítmico inescapável, que pode no entanto ser reciclado, reinterpretado e reutilizado. Das últimas décadas para cá fenómenos sub culturais têm-se multiplicado com uma atitude singular de resposta que tem tomado conta do meio de forma única: através da reapropriação do espaço. Não é um fenómeno novo. A cidade impõe um modo de vida estrutural, desenvolvido segundo uma linguagem própria que tem dado origem ao longo do tempo a reacções contestatárias. Percepcionando o modo como as linguagens da imposição funcionam, apropriando-se dos seus códigos, reciclando-as num novo léxico urbano, a reacção criativa tem-se alastrado de forma global ao mesmo modelo de urbanismo que a catalizou, sublinhando duplamente a sua ubiquidade: tão presente e massificada quanto a cultura que lhes deu origem. Imersos

no gigantesco playground urbano, agentes desta nova percepção readaptam o meio às suas finalidades. Há quem redefina o espaço de betão e seus obstáculos e verticalidades como uma nova fronteira de navegação e recreação; há quem revitalize a rua com festas e gatherings; há quem traduza o ritmo e ruído do movimento em tendências musicais; há quem redefina a expressão visual através da reivindicação do espaço de comunicação urbano. O traço comum: a reapropriação do espaço público como plataforma de afirmação da acção individual em reacção ao esmagador peso da imposição do modelo uniforme de gestão social. Apropriam-se objectos, recria-se a comunicação, subvertendo os suportes no próprio contexto. Arquitectura, mobiliário urbano, transportes, objectos condicionantes do espaço urbano são transformados em telas, suportes de expressão gráfica e política, obstáculos de diversão, novos emblemas culturais. Esta actividade transformadora é essencialmente ecléctica, multidisciplinar, reapropriacionista. Vive da edição, da samplagem, da reinterpretação, mas ao contrário de fenómenos criativos anteriores, não vive em espaços fechados, retirados do contexto maior, mantém-se na rua, na esfera de onde surgiu e onde reside o seu sentido. Basta ir lá fora e interagir.

SLANG /// transgressão, reapropriação /// 013



Texto de Nuno Carvalho

Quando surgiu em 2000, por ocasião da 7.ª Bienal de Arquitectura de Veneza, Parole foi apresentado como um dicionário dinâmico online sobre a cidade contemporânea. Mas a mera organização de significados foi extravasada e o website tornou-se ele próprio uma cidade. Uma cidade de conteúdos – artigos, citações, definições, comentários, fragmentos, links, fotografias, mapas, esquemas, desenhos, reproduções de maquetas, vídeos, imagens em tempo real, sons, ... – indexados através de mais de 900 conceitos, todos eles relacionados com a paisagem urbana. O visitante recém-chegado depara-se com uma imagem, que rapidamente é substituída por outra e assim sucessivamente, consegue ainda identificar uma organização alfabética que, num primeiro contacto, lhe permite vislumbrar um modo de circulação. Mas a tendência é para se perder numa sequência interminável e cativante de conteúdos. Parole foi concebido – os seus criadores são o colectivo de arquitectos italianos A12, o artista e web-designer Udo Noll e o arquitecto Peter Scupelli – como um espaço aberto para informação, discussão e arquivo, alimentado pelos seus próprios utilizadores (por via de um sistema de gestão de conteúdos que permite aos parolees a fácil criação de objectos hipermédia a partir de qualquer lado na Internet), onde se desenvolve uma cartografia fluída da condição urbana actual e universal. Tornando-se, com a evolução do projecto, numa estrutura permanentemente instável e desprovida de hierarquia, sujeita a mudanças e alterações imprevisíveis, ou seja, em certa medida um reflexo do seu próprio objecto, a cidade. Para além da sua existência na Internet, Parole conheceu já diferentes formulações físicas, normalmente instalações multimédia, em espaços de exposição como o ZKM em Karlsruhe ou o P.S.1 em Nova Iorque. Nestas apresentações foi sempre privilegiada uma interacção com o contexto local, com o intuito de partilhar com os visitantes uma visão da condição da cidade contemporânea e do seu estado de permanente mudança.

SLANG /// data city, info town /// 015


Compact Discothèque é o nome que designa as noites que organizo desde 2001, onde também sou responsável pela escolha musical como DJ. O nome é uma alusão ao CD, único formato utilizado nas minhas actuações, e à música electrónica dançável tocada em sítios de pequena dimensão, mais intimistas e com espírito da chamada “club culture”. Realizei também a concepção gráfica do logótipo e dos flyers das festas que se realizam mensalmente no bar Triplex, no Porto. Recorri a um imaginário das artes gráficas que não deixa de ser familiar à maioria das pessoas que com ele contactam no seu dia-a-dia. Encontram-se representadas pequenas banalidades que ganham valor plástico quando transpostas para um flyer. Penso que a maioria dos flyers não é graficamente apelativa, mas para mim é mais importante que a forma seja sempre resultado do conteúdo. O vernáculo, o quotidiano e a apropriação são, por isso, três conceitos intimamente ligados ao imaginário concebido. A linguagem pretendeu-se simples, de leitura clara, directa e – tanto quanto possível – interactiva. Cada flyer espera do público um gesto, uma acção, ou simplesmente um sorriso, pois é deliberada a introdução de humor em todos eles. Por serem materiais comunicativos efémeros, também se valorizou uma economia na sua produção, imprimindo num máximo de duas cores e/ou recorrendo a elementos exteriores. O conjunto de flyers foi considerado como proposta vencedora da área de Design Gráfico do Concurso Jovens Criadores 2003. Consequentemente, foi um dos trabalhos que em 2005 representou Portugal na Bienal de Jovens Criadores da Europa e do Mediterrâneo em Itália. Compact Discothèque foi também um dos Projectos Tangenciais na edição de 2005 da Experimenta Design, Bienal de Lisboa.

Texto e imagens de Nuno Coelho - www.nunocoelho.net

Nuno Coelho nasceu em Bruxelas em 1976. Vive e trabalha no Porto.


SLANG /// compact discothèque /// 017


Texto de Boldfinger Ao som de “Up On The Walls”, The Vicious Five (2005)

No momento em que estas páginas se publicam, os portuguesíssimos Vicious Five não são já um pastel de nata quentinho. Mas são, provavelmente, o melhor exemplo de como a cidade e o rock’n’roll podem produzir gente que sabe misturar prazer e conceitos inteligentes. Como muito daquilo que nos anos mais recentes tem recuperado na memória colectiva o longínquo apego pelas guitarras incandescentes e as vozes desabridas, também os Vicious Five nasceram para o conhecimento público através de um micro-culto gerado a partir da Internet. A partir daí, e de computador em computador, tomou forma a fama das celebrações desmedidas também conhecidas como concertos. Em pequenos espaços, mais tarde em festivais de dimensão assinalável, os Vicious Five alaparam-se a um lugar onde só eles reinam, muito por via de uma conduta marcada pela convicção absolutamente moderada e por um sentido de humor amiúde desarmante, como aqui se pode constatar pelas palavras de Joaquim Albergaria, o homem que cospe palavras como se não houvesse amanhã. “Up On The Walls”, o seu primeiro álbum, inicia-se com um eloquente “Here is now/ We miss the future”. Rodando o periscópio no sentido do passado recente, não é difícil alimentar a teoria de que não pode ser um acaso uma banda com as características dos Vicious Five parecer tão acertada numa época tão certa. Começo por provocá-los: os Vicious Five são oportunos ou oportunistas? “Vamos ter que dizer que somos tanto uma banda oportuna, por acrescentarmos algo de nosso ao que se fez de música até agora, como somos uma banda oportunista porque, desde há escassos anos, voltou-se a ouvir guitarras e a usar calças de ganga apertadas”, diz-me o vocalista, que também não despreza a gravata, sue ele o que suar.

A voz estridente dos Vicious Five admite, precisamente, que é no palco que acontece a catarse, muito mais do que no álbum registado e publicado no ano passado: “Soamos e suamos mais”. As razões e a motivação: “Eventualmente tocamos mais rápido e mais alto. As celebrações que fazemos, cada vez que tocamos para um público, são essencialmente tentativas – mais ou menos frustradas – de subverter o espectáculo. Até ao presente momento ainda não conseguimos fazer isso”. Falei ou não falei de humor? Joaquim Albergaria: “Depois de cada música acontece sempre um aplauso, seguido de uma salva de palmas e de gritos desesperados por mais música”. Missão por cumprir, portanto, porque (ainda) não é assim que se subverte um espectáculo. “Up On The Walls” tem menos de 34 minutos de duração. É o rock’n’roll comprimido em 11 temas que a cada refrão impelem à rebelião, à desobediência civil, eventualmente ao motim generalizado por quem em nada se revê no universo que fomos construindo. A questão merece, apesar de tudo, ser colocada. Sendo a música também contexto, serão os Vicious Five uma visão efémera, uma tradução sazonal de uma tresloucada vontade de insurreição? “Todos os cinco membros da banda têm focos de atenção curtíssimos. Todos os membros da banda acham que só se deve falar quando se tem alguma coisa para dizer ou nada para acrescentar. Todos os membros da banda se regem por princípios de prazer. Todos os membros da banda acham que logo se vê,” conclui Albergaria. São portugueses e lisboetas,


O BETÃO É O LIMITE

os Vicious Five. A fúria da sua música (reter a frase “smells like teen piss”) é espontânea. É o “logo se vê.” É aquilo que, quando quiserem, se transformará na reconhecida resposta à passividade do povo. Unido. Entre respostas, os Vicious Five deixam quatro ideias, a que chamam “máximas”, e que devem ser usadas como alternativa aos livros de auto-ajuda para uma vida mais feliz. Máxima #1: a demagogia é sempre feita a dois. Máxima #2: O mais certo é estares sempre errado sobre a ideia que os outros têm de ti. Máxima #3: a hipocrisia é a coisa mais honesta que há. Máxima #4: sê paciente para não seres um paciente.

SLANG /// the vicious five. o betão é o limite /// 019


A cena londrina de Dubstep fotografada e comentada por Georgina Cook

LOEFAH’S MUG

Loefah in his old studio in South Norwood, 08.2005 I’m fond of this shot as to me it’s not only a good representation of DMZ’s Loefah, the drinker of endless amounts of tea, but also refers to the town that we both used to live in. Known more for it’s shabby 1970’s architecture, alcohol fuelled Saturday night fights, teenage pregnancies and soulless shopping centres, Croydon has a bit of a bad reputation in the UK. Thanks to Dubstep and other art forms that have emerged through the concrete, Croydon is finally receiving some good publicity. Loefah, who has since moved out of Croydon, is not only one of the most respected producers in the scene but also a very good photographer and visual artist, something which few people know. His knowledge and love of art has helped me to view my own work with a more critical eye, making my role as DMZ’s photographer all that more interesting.

Gosto desta fotografia, não só por ser uma boa representação do Loefah da DMZ, bebedor de intermináveis quantidades de chá, mas também por referir a cidade em que ambos vivíamos. Mais conhecida pela sua arquitectura dos anos 70 em decadência, lutas de sábado à noite movidas a alcóol, adolescentes grávidas e centros comerciais abandonados, Croydon tem uma reputação pouco boa no Reino Unido. Graças ao Dubstep e a outras formas de arte que romperam o cimento, Croydon está finalmente a ter alguma boa publicidade. O Loefah, que entretanto se mudou de lá para fora, é não só um dos mais respeitados produtores, mas também um excelente fotógrafo e artista visual, algo que pouca gente sabe. O seu conhecimento e amor pela arte ajudou-me a ter um olhar mais crítico sobre o meu trabalho, tornando o meu papel enquanto fotógrafa da DMZ muito mais interessante.


SLANG /// uk dubstep /// 021



Skank

Forward>> @ Plastic People dancefloor, 07.2005 Run by Sarah Lockhart aka Soulja of Tempa Records, Forward>> was the first London night to embrace Dubstep, as well as being the first Dubstep night that I photographed. The dancefloor at Forward>> is different every time but usually holds a good mixture of people. I like the depth of this photo – at the front we see a dread shaking down, on the left hand side, a man looking at the beautiful woman next to him and in the layers of the crowd, in the backgrounds, various people all standing in their own space, absorbing the music in their own individual ways, something which is very specific to the Dubstep crowds. Dirigido por Sarah Lockhart, aka Soulja, da Tempa Records, a noite Forward>> foi a primeira em Londres a abraçar o Dubstep, tendo sido também a primeira que fotografei. A pista de dança do Forward>> é sempre diferente, mas normalmente tem uma boa mistura de gente. Gosto da profundidade desta fotografia – em primeiro plano vemos uns dreadlocks a abanar, um homem a olhar para a linda mulher ao seu lado, e nas camadas de gente, na retaguarda, pessoas variadas, cada uma no seu próprio espaço, a absorver a música à sua maneira, algo que é muito característico das audiências do Dubstep.

SLANG /// uk dubstep /// 023


Guilty Skream

Skream pushing the stop button during a DMZ set, 05.2005 Skream, the boy wonder of Dubstep is not only an amazing producer but a very fun and lovable man. Here he’s up to no good; pushing the stop button for a rewind of what is probably a remix of one of his own tunes. Many people dislike rewinds as they supposedly break the listeners concentration. At DMZ they only add to the excitement on the dancefloor, something which Skream makes the most of at every opportunity, earning him the bellows of “Skream – Ya Guilty!” from DMZ’s mic man Sgt Pokes.


Skream, o puto-maravilha do Dubstep, não é só um produtor espantoso, mas também uma pessoa divertida e afável. Aqui está ele a preparar-se para fazer alguma, carregando no stop para um rewind do que muito provavelmente é um remix de um dos seus próprios temas. Os rewinds desagradam a muita gente porque, supostamente, quebram a concentração dos ouvintes. Na DMZ eles apenas contribuem para atiçar a pista de dança, algo que o Skream aproveita para fazer sempre que tem oportunidade, o que levou já o Sgt Pokes, homem do mic da DMZ, a chamar-lhe: “Skream – Ya Guilty!”

Feet on the Floor 1, 2 and 3 DMZ, 09.2005

September’s DMZ saw me move away from the front of the deck platform where I’m often based and right into the heart of the crowd. I spotted this line on the floor and became fascinated with the legs and feet of the people crossing it. To me, the movement of the hands and feet as well as their clothing say just as much about the dancefloor as the images in which faces are seen.

Na DMZ de Setembro afastei-me da frente da plataforma dos pratos, onde fico normalmente, para ir em direcção ao coração do público. Encontrei esta linha no chão e fiquei fascinada com as pernas e o pés das pessoas que a atravessavam. Para mim, o movimento das mãos e dos pés das pessoas, bem como as suas roupas, dizem tanto sobre a pista de dança quanto as suas caras.

SLANG /// uk dubstep /// 025



Dangerous by name, dangerous by nature DMZ, 07.2005

I’m not sure if SLT Mob’s Dangerous has seen this shot or not but it’s one that always makes me giggle. The photo was taken during July’s Summer Blazedown DMZ which saw an increased number of ladies in what is still a very male dominated scene. The lady in the photo had brought a whole load of stars and puppets on to the dancefloor which kinda gave it a nice feminine vibe that Dangerous had probably picked up on. Whether he was attempting to chat her up or whether he was simply sitting down for a break remains unknown, but either way, he looks exhausted.

Não tenho a certeza se o Dangerous da SLT Mob viu ou não esta fotografia, mas é uma daquelas que me faz sempre sorrir. Foi tirada durante o Summer Blazedown DMZ, que viu aumentar o número de mulheres naquela que é ainda uma cena dominada por homens. A rapariga que está na foto tinha levado uma série de estrelas e fantoches para a pista, que emanaram uma vibração feminina, a que o Dangerous provavelmente não resistiu. Se ele estava a tentar meter conversa ou se estava apenas a fazer um intervalo fica por saber, o que sei é que ele parece exausto.

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Here’s lookin at you kid

Skream sitting on the stage at Subloaded during the DMZ set, 04.2005 Pinch’s Subloaded night at the Black Swan played host to Digital Mystikz, Kode9, Vex’d, and ThinKing amongst others. The night was particularly memorable as it was the first very successful night outside of London. This image of Skream sitting on the stage on which Mala and Loefah played has ended up on the studio wall of a US producer called Jason H. After seeing the photo he emailed me to say he wanted it as he’s inspired by the music of Skream and Digital Mystikz. I think it’s apt that there’s a shaft of light shining down on Skream who is easily one of the great shining lights of the scene. To the right you can see the arms of what was a great crowd lifted into the air as Mala dropped another big bass tune, to the left, DMZ’s legendary mic man Sgt Pokes who was no doubt hyping up the crowd even like only he can. Noite Subloaded a abarrotar no Black Swan com Digital Mystikz, Kode9, Vex’d e ThinKing, entre outros. Particularmente memorável por ter sido a primeira noite bem sucedida fora de Londres. Esta fotografia do Skream sentado no palco onde o Mala e o Loefah actuavam, acabou numa parede do estúdio de um produtor norte-americano chamado Jason H, que depois de a ter visto me enviou uma mensagem a dizer que a música do Skream e dos Digital Mystikz o inspirava. Acho que tenho de sublinhar o foco de luz que ilumina o Skream, que é simplesmente uma das mais brilhantes luzes desta cena. À direita podem ver-se os braços de uma excelente audiência suspensa por mais uma grande linha de baixo lançada pelo Mala. À esquerda, o lendário MC Sgt Pokes a puxar pelo público como apenas ele sabe.

Dubstep’s first allstar DJ Hatcha @ DMZ, 07.2005

Alongside the likes of Kode9 and Horsepower, Hatcha is considered as one of Dubstep’s godfathers. Hatcha was at the forefront of the scene due to his role at Big Apple Records in Croydon, where the very founders of this new Jungle and Garage inspired sound – Artwork, El B, Zed Bias and Kode9 – could be found hanging out. Back in 2004 I was given a copy of “The Dubstep Allstars 1” cd mixed by Hatcha and ever since hearing that seminal record, which included classic tunes such as “Highland Spring” and “Monsoon”, I’ve been hooked. The fact that the majority of it was produced in my home, South London, made it all that more exciting. Lado a lado com Kode9 e Horsepower, Hatcha é considerado um dos padrinhos do Dubstep. Esteve na vanguarda desta cena devido ao seu papel na Big Apple Records, em Croydon, onde Artwork, El B, Zed Bias e Kode9, os fundadores deste novo som inspirado no Jungle e no Garage, podiam ser encontrados. Em 2004 deram-me uma cópia do cd “The Dubstep Allstars 1” misturado pelo Hatcha, um disco seminal que inclui temas clássicos como “Highland Spring” e “Monsoon”, que me cativaram desde o primeiro momento. O facto de a maior parte do disco ter sido produzido em South London, a minha casa, tornou-o ainda mais excitante. SLANG /// uk dubstep /// 029



The evil mastermind

Shackleton, Skull Disco Party, 09.2005 Skull Disco’s Evil Mastermind aka Shackleton aka Widow Twanky has got to be one of the scenes biggest and quirkiest characters. There’s something ironic about a bloke dressed in a cloak and scary horned mask sticking his thumb up and I can almost hear him grinning behind it. Whilst Shackleton is obviously crazy, his music is crazier, particularly his remix of “Limb by Limb” which has got to be his biggest success to date. As for the Skull Disco nights, they were one of my highlights of last year as they allowed Dubstep fans to hear the sound in an altogether different environment. Uma das maiores e mais peculiares personagens desta cena tem de ser o Evil Mastermind da Skull Disco, aka Shackleton, aka Widow Twanky. Há algo de irónico nesta imagem, quase que consigo ouvi-lo a dar uma gargalhada bem alto. Se o Shackleton é obviamente louco, a sua música é ainda mais louca, particularmente a remistura de “Limb by Limb”, que deverá ser o seu maior sucesso até à data. Quanto às noites Skull Disco, elas foram um dos meus destaques do ano passado, já que permitiram aos fãs do Dubstep ouvir o seu som num ambiente totalmente diferente do habitual.

SLANG /// uk dubstep /// 031



Grime meets Dubstep

Jammer, JME, Wiley, MC Sgt Pokes, Mala (Digital Mystikz), 042005 I was fortunate to capture the moment that Jammer, JME and Wiley heard Skream’s “Midnight Request Line” for the very first time at last April’s Forward>>. The three of them went crazy as it dropped as did the rest of the crowd which included a somewhat shocked Skream. What’s so poignant about this moment is the fact that Skream’s “Midnight Request Line” is the first Dubstep tune to unite Grime and Dubstep. Everyone from Skepta to Dizzee Rascal have dropped bars to this tune and now the tune (released on Tempa) is being played everywhere from Rinse FM to Radio1 and 1Xtra. Tive sorte em capturar o momento em que o Jammer, o JME e o Wiley, ouviram o “Midnight Request Line” do Skream pela primeira vez, na Forward>> de Abril. Os três foram ficando loucos à medida que o tema se ía revelando, tal como o resto do público, que incluia um Skream razoavelmente pasmado. O que impressiona neste momento é o facto de que este é o primeiro tema de Dubstep a uni-lo com o Grime. Todos, do Skepta ao Dizzee Rascal, já largaram rimas ao som deste tema (lançado pela Tempa), que agora é tocado em todo o lado, da Rinse FM à Radio 1, passando pela 1Xtra.

Kode9 and Space Ape

Task checking text messages

In Dubstep’s earlier days, the highly respected Kode9 was responsible not only for a flow of classic tunes such as “Fat Larry’s Skank” and “Babylon”, but also for shedding some light on the underground through his Hyperdub label and website. A true pioneer of the sound, Kode9’s open-minded approach to music and love of vocals, represented through both his collaborations with the Space Ape (formerly Daddi Gee) and his inclusion of grime in his mixes, has impacted the scene in a big way and granted Kode9 a distinctly original sound.

There are very few MC’s within the Dubstep scene so those that are in it are very much respected. I was lucky enough to be invited down to Rinse 100.3, the U.K’s no. 1 pirate station for Dubstep, last year to take some shots of one of Dubstep’s most successful shows of the time, Youngsta and Task. Task is a good MC because he allows space for Youngsta’s particularly dark and dubby selection to breathe, choosing simply to host Youngsta’s set by reading out the text messages that come in from far and wide, bigging up his favourite tunes and people and at times cracking the most tasteless jokes known to man.

Nos primórdios do Dubstep o muito respeitado Kode9 foi responsável, não só por uma corrente de temas clássicos como “Fat Larry’s Skank” e “Babylon”, mas também por lançar alguma luz sobre o underground através da sua editora Hyperdub e do website desta. Kode9, um verdadeiro pioneiro deste som, tem uma abordagem livre de restrições à música e uma paixão pelas vozes (confirmada pelas suas colaborações com Space Ape – ex Daddi Gee – e pela inclusão do grime nos seus mixes), que tiveram um grande impacto nesta cena musical e lhe garantiram um som original e distinto.

Não há muitos MCs na cena Dubstep, o que torna muito respeitados os poucos que existem. No ano passado tive sorte em ser convidada pela Rinse 100.3, a rádio pirata n.º 1 no Dubstep, para fotografar o mais bem sucedido dos programas actuais, o do Youngsta e do Task. O Task é um bom MC porque dá espaço para respirar à selecção particularmente dark e dubby do Youngsta, optando por animar o set deste simplesmente lendo as mensagens de texto que chegam de longe e de muitos locais, enaltecendo os seus temas e pessoas favoritos e dizendo algumas das mais refinadas piadas que se podem conhecer.

Radio 1 Breezeblock show January 2006

MC Task, Rinse FM, 05.2005

SLANG /// uk dubstep /// 033



Bubbling dancefloor DMZ dancefloor, 01.2006

This was taken at January’s DMZ rave and shows just a fraction of the immensely packed dancefloor that the night and it’s solid sound-system now attracts. At the time of writing this, it was by far the biggest and best DMZ and probably the greatest night in the history of the scene in general. Not only did I experience a fantastically diverse mix of people from all over the globe, but also one of the happiest dancefloors I’ve ever been onto. On the recent BBC Radio 1 Breezeblock Dubstep Wars show, Loefah said that the night he founded with Digital Mystikz has no moodiness, doesn’t attract drug dealers, and isn’t a place for men to pick up women, something that I think this image strongly reflects. The success of DMZ’s first rave of 2006 is a good indication that this year is going to be huge for Dubstep. Esta foto foi tirada na DMZ de Janeiro e mostra apenas uma fracção da sobrepovoada pista de dança, que actualmente esta noite e o seu sólido sound-system proporcionam. Até ao momento em que escrevi isto, esta foi de longe a maior e melhor noite DMZ e, provavelmente, a grande noite da história do Dubstep em geral. Não só presenciei uma fantástica mistura diversa de pessoas de todo o mundo, mas também uma das mais divertidas pistas em que já estive. Na recente edição do programa Breezeblock da Radio 1, entitulada Dubstep Wars, o Loefah disse que a noite que ele fundou com os Digital Mystikz não tem caprichos, não atrai traficantes e não é um local de engate, algo que, na minha opinião, esta imagem reflecte fortemente. O sucesso da primeira rave DMZ deste ano é uma boa indicação da grandiosidade que o Dubstep poderá alcançar em 2006.

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A.K.A. BIG VAL A.K.A. UIU TUDO NA 1.ª PESSOA! O CHOKE! O DRAMA! TRANKI! TRANKI! NÃO VOU DAR O NOME DE NENHUM PILANTRA, MAS AS MERDAS ACONTECEM! E AS PAIXÕES TAMBÉM! LOVES, FIGHTS, BY NIGHTS... BY THE WAY: START THE FIREWORKS! (ONTEM DISSERAM-ME NUM SONHO, POR DETRÁS DO OUVIDO: “NUNCA TE ESKEÇAS KE K.O. É O ESPELHO DO OK”... OU SERIA AO CONTRÁRIO) COMEÇEM! COMEÇEM!OK! A ROLAR FITA E: ACÇÃO!


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O desafio para este artigo, lançado e coordenado pelo Paulo Arraiano, teve pressupostos um pouco diferentes de todos os outros feitos até agora sobre o meu trabalho. Sendo assim tentámos fugir à entrevista típica pergunta/resposta, e fiquei de desenvolver uma crónica biográfica, estimulada por algumas dicas e tópicos que o Paulo deixou no ar, quando esteve comigo em Barcelona na última passagem de ano, e noutras conversas por telefone e net. O Paulo não veio a Barcelona só curtir o fim-de-ano, também esteve a rockar com a crew da Musa, numa potente apresentação realizada na loja Mercado, no Borne, dia 30 de Dezembro, e ainda deu uma saltada à minha primeira exposição por aqui, no espaço NIU, no Poble Nou, onde fez algumas das fotos que ajudarão a ilustrar este artigo... mas que a passagem de ano foi bruta, isso foi! A exposição no NIU (big abraço Sergi) foi 5 estrelas para mim, tinha chegado à um mês a Barcelona, e no lançamento do meu primeiro livro, editado pela ROJO (numa colecção de monografias de 5 artistas), surgiu a hipótese de realizar uma exposição em adjacência (em que pude intervir no espaço, tal como aconteceu no projecto tangencial para a EXD-2005, intitulado “Stórias dentro de Stórias”, ou na entrada da galeria ZDB). Cenário que melhorou ainda mais quando o Boris Hoppek (também a editar um livro pela ROJO) me perguntou porque não fazíamos a apresentação dos livros e a exposição em conjunto, depois de uma partidinha de basket; genial! Eu já conhecia o Boris do tempo das Artstorms da ROJO para a Indian Rose/Rags, mas mais uma vez surpreendeu-me com a sua genialidade... não queria pintar nas paredes, deixou essa parte praticamente toda para mim, e passou a semana a montar uma instalação de bonecos de cartão mecanizados, inventou para lá cada sistema que só visto; um autêntico Da Vinci germânico. O Poble Nou é uma zona muito industrial, e havia uma loja de ferragens um quarteirão acima do NIU, onde o Boris ia desencantar os seus cúmplices peculiares (arame, roldanas, camarões, etc). Uma dessas vezes fui lá com ele; que viagem!... Aquele

chavalo repara em cenas que me partem todo, mas melhor do que falar do Boris é vocês conhecerem-no um dia; é um big massive, acreditem! E todos os dias, depois do almoço, entrava no NIU com um bolo pendurado na mão, para o nosso lanche; à antiga! (como dantes e meliantes). E por falar em antiga, tenho de aproveitar para mandar outro big abraço, desta vez ao meu amigo, tipo espectáculo: CHARUTO! (casualidade: fazemos anos no mesmo dia) Que acabou por ser a pessoa chave na minha vinda definitiva para Barcelona (visto que já andava nesse dilema-impasse à 3 anos). Tal como o Boris, o Charuto foi daquelas pessoas com quem houve logo uma grande sintonia, e isso para mim é muito forte (e ao revés, muito fraco), no entanto são muito distintos um do outro, genuinos à sua maneira. Só o conheci em Julho quando vim passar uma semana cá, os dois de boleia com o Nandix (que já estudou e viveu em BCN, agora vai dar cursos de mergulho para o México; ka maluco!), e ficou logo combinado ele ir procurando casa para nós. As coisas não correram exactamente assim por condicionantes várias da vida de cada um, mas dia 9 de Novembro 2005 lá estava o meu amigo à minha espera no Aeroporto, e fiquei em casa dele, lá para os lados do Badal, até me mudar para o meu ninho na dels Enamorats. Divido piso com um brazuca, Ivan, e uma catalã, Núria.. ah, e uma gata, a Michelle (a minha ficou na minha avó Natália). Tenho um quarto mínimo, outro dia pintei aqui umas cenas com spray e fiquei com expectoração granulada de fúchsia fluorescente. Mas sinto-me confortável aqui, e se quiser loucura, é só descer à rua. Loucura saudável que alguns andam a tentar assassinar por estas bandas, com balelas de leis cívicas em que querem proibir todas as actividades de rua que molestem a comunidade, como grafitti, skate, malabares, etc... e beber, fumar, jogar à bola, correr… ou seja reprimirem as pessoas de se expressarem, de darem aso ao lúdico, ao ócio, à sua liberdade individual; e como pode molestar cada um ser como é? Se fores a assobiar na rua, cuidado, podes estar a molestar alguém e vão-te passar uma multa.


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E quando passeio nas ruas e vejo paredes borradas em tons de cinza pelos serviços camarários de limpeza, onde há 4 meses atrás haviam obras de arte notáveis. Então, eu pergunto: QUEM É MAIS CRIMONOSO? O ARTISTA QUE PINTA A SUA ARTE NA RUA (fazendo dela Arte Pública!) OU OS DO AYUNTAMENTO QUE MANDAM PINTAR POR CIMA DESSA ARTE? Quando se tenta fazer tábua-rasa de qualquer coisa, isso é muito grave, mas por outro lado demonstra como alguém pode ser livre ao ponto de oferecer a sua arte à rua, assusta, e assusta de sobremaneira todos esses ditadores de algibeira que continuam a atrasar isto tudo, como a expressão 100% tuga: atrasos de vida! É uma luta que seria sempre minha, usasse ou não a rua como suporte e veículo duma mensagem, pois eu acredito na rua como espaço público de mediação e não apenas de passagem, de ligação entre pontos chave de uma rotina urbana (casa-trabalho-ginásio-casa... levar o cão a cagar), como se tem vindo a acentuar, conferindo à rua uma tremenda carga negativa, que todo o artista de rua ajuda a positivar; seguríssimo! O que estas leis cívicas pretendem, e nem sei se alguém se dá conta disso, tal como a globalização, é polir tudo bem polidinho, eliminando o atrito que mantem as culturas vivas. Depois venhas a Barcelona ou vás a Goa, é tudo igual! Há gajos espertos! E nós votamos neles! Outro dia lembrei-me que as coisas não mudam assim tanto ao longo dos anos, o que muda mais são as mediações. Veja-se então o namorar à janela. Continuamos a namorar à janela, pelas novas janelas virtuais abertas pela Internet, em chats IRC ou MSN (como se percebesse muito disto). O acto é o mesmo, mudou o meio de mediação, certo? Pensem comigo, vá lá ajudem-me, isto só se torna interessante se houver troca de ideias, e se essa troca se for multiplicando; cada vez acredito mais no poder do milagre da multiplicação. E cá ando eu a desfrutar um bom bocado desta nova etapa da minha vida em Barcelona, se bem que ainda patino um coche... e avarias e tal. Firmeza aí a tentar aprender castelhano, mesmo para as ruas é em espanhol que estou a tentar

SEM FEAR! LÁ PRO MIDDLE E FRITARIA! (NA THUGA HÁ UM OESTE HEARTCORE!)


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compor, mas o portugñol não é fácil de perder, mais depressa perdes outras ligações à terra-mãe. Trouxe a vida em duas malas, e não coube tudo, deixei muita coisa para trás, muita coisa de que sinto falta e tenho imensa saudade, há noites complicadas... e nada será o mesmo depois de tudo isto, mas são opções, eu fiz a minha, penso que podia ter vindo mais cedo, mas fui ficando nas Caldas pelas pessoas de quem gosto e porque criei ali o meu estilo de vida, numa fase muito complexa da minha vida, e igualmente fértil, uma coisa levou à outra e vice-versa, completando-se. (selekta: REWIND!): Cheguei às Caldas em 1996, para estudar design gráfico, numa escola que me deu muita azia, mas onde conheci gente muito interessante e decisiva no traçar do caminho que tenho percorrido. Acho que ter conhecido o Paulo Barros ou a Ana Teresa foi como descobrir tesouros mil de surpresa, o trabalho deles foi muito encorajador. Nos meus últimos anos de Caldas essa trocas de afectos deu-se por exemplo com o João Belga (+ Joana = OZZY), o Calvete, o Tiago, o Creyz, o Hélio, o Azevedo, etc... (ou o Zorba e a Sónia Matos, outros dois que não percebo como estão tão à margem, nem eles)… fui um privilegiado em ter convivido com essa gente toda, em ter feito coisas com eles, e com muitos outros que estiveram lá, se deram a conhecer e representaram em grande! Massa neles! E os outros manaças e massives todos que andaram a disparar comigo, grandes aventuras, à descoberta, vá ver, sempre a subir! SEM FEAR! Lá pro middle e fritaria! (na THUGA há um Oeste HEARTcore!) No Verão passado, fui disparar ao Sudoeste e a Paredes de Coura com o people das Caldas; foi bruto! Que dias e noites loucas, toucas, tendas HOTEL e iglos, concertos TOP, reggae, house, rock, a galope, e DJs, banhos, mergulhos, novas amizades, cumplicidades, altos vôos, quebras de tensão e aterras no chão; nunca nos vamos esquecer disso, pois não? Pelo meio estive um ano a dar aulas em Castelo Branco, na ESART, uma escola muito fechada, e quando precisei de espaço, começaram-me a acossar, e sabem como é: animal estimado dá a pata, animal acossado dá patada! E dei de fuga! Valeu pelos alunos, e ainda bem, porque as escolas são feitas para eles. Entretanto estive quase, quase a dar aulas nas Caldas, mas quando chegou a hora H, os factores de azia voltaram a mover bem as suas enzimas e queimaram-me; coisas de pulhas pequenos... outra vez: atrasos de vida! Só mais um atraso, mas fiquei revoltado... e no ano seguinte pelo sim pelo não o esquema foi ainda mais idiota e irritaram-me a sério! Foi da maneira que enterrei isso de vez, já fedia... que alívio. A seguir massacrei os ateliers de design gráfico de Lisboa e Porto com mail-bombings do meu curriculum ilustrado, e só tiros na água. Fiz isto durante um ano a fio e às poucas entrevistas para as quais fui chamado, e compareci, levei sempre para contar. Ouvi muitas críticas e poucos elogios, gozaram com o meu portfolio, inclusive em pseudo-ateliers das Caldas, e ninguém me contratou, nem me chamou para este ou aquele trabalho como freelancer, como parecia ter ficado em aberto. Paralelamente à minha incansável busca por bules, que só me dava aborrecimentos, regressei às ruas em força, com stickers e stencils novos, o que foi remédio santo, para bem da minha felicidade e equilíbrio espiritual. As frases de ordem que outrora escrevia nas paredes a spray, assinando “XOK”, foram substituídas por uma abordagem

esteticamente mais tranquila mas de teor não menos incisivo, e passei a ser UIU mesmo. (E agora uma sinopse à parte – antes escrevia: “Change!” ou “MUDA d’ATITUDE”, agora colava desenhos onde tinha escrito: “Cenas Novas”, “Coisas da Vida” ou “Outras Dicas” – fim de sinopse). Espalhei pelas ruas e pela net e fui chegando às pessoas, a cada vez mais pessoas, e quero chegar ao máximo de pessoas possível, e não apenas às elites. Redomas não são para mim, sou biologicamente contra qualquer tipo de prisões, prefiro sempre as ficções, e melhor se forem científicas. Ora cola acolá, ora pinta acolé e: fui salvo pelo gongo. No meu caso, pela revista ROJO, de Barcelona, com quem, depois de ter enviado trabalhos meus (e chuva de e-mails) e estes terem sido publicados, colaborei noutros projectos, como as Artstorms (que é outra stória longa), a ilustração para uns ténis da Pepe Jeans (edição limitada: 100 exemplares), e finalmente, o meu primeiro livro: “HEARTcore”. Eles foram a base do meu sustento nestes últimos 3 anos, fora um ou outro trabalho como freelancer em Portugal, mas coisa pouca. No Verão ia à pêra rocha, cheguei a tomar conta duma sala de jogos à noite, também ia pôr som em festas e bares, estava envolvido nos projectos 3someCRÚ, Jahmmin Massive Roots e Dear John, e outros biscates. Deu para me ir aguentando, independente, sempre poupadinho, e nessas andanças continuo. Em Barça desde que cheguei também já tive reacções desmotivadoras em relação ao meu trabalho, cá ou lá vai sempre acontecer, os comerciais são espécimes globais e têm receio da criatividade... passou-se assim: tenho uma amiga que estava a fazer um stand de uma marca de street-wear, para uma feira de tendências que vai haver cá, e eles queriam aplicar uma linguagem de rua, e ela lembrou-se: o Valério! Falou comigo, fiquei bué contente por ela ter pensado em mim para o trabalho, e com todo o entusiasmo esbocei-lhe uma proposta, que no entanto foi recusada, pois segundo os BOSSes dela, o meu trabalho era demasiado cómico e eles queriam algo mais urbano, ou seja, queriam tags e stencils de letras, queriam estereótipos, não queriam um original. Ok, eu vou continuar a pintar nas ruas e vocês vão continuar a dar bitaites em escritórios agrestes, talvez me dedique também a uma carreira paralela de comediante; aí está um boa ideia Fonseca! E já não faltará muito para ir trabalhar no telemarketing (estão por cá tantos assim), para orientar uns trocados, mas como volta e meia o gongo soa, pode ser que continue a viver só do meu trabalho, e isso era um luxo! Só comédias, e continuo a editar fanzines (SABONIZ, e outras) (risada geral!), a colaborar em diversas publicações, projectos e sítios que despertam o melhor que há em mim, logo: ‘tamos juntos! OZZYproject, Blindado, Conspira, Musa, Palm, YNTGOM, KRV, Niponik, Gangue, C.R.U.E.L., 18|11, Duudle, NCC, Camouflage, Base-V, Amostra, Dif, DFR, Magnólia, Flirt, Bactéria, Bélio, HOT, ZDB, Quadrum, CAL, A062, Abadia, Souk, etc, etc... tudo family!!!!... (e no fim vou pôr uma lista com os sites e blogs deste pessoalzinho todo, que é para depois verem com atenção e não dizerem que não conhecem por isto e acoloutro; ok?!) (peçam a este gajo para parar de escrever que a malta está cheia de cólicas de tanto rir) (AH! AH! AH!) (e se eu agora escrevesse: “deixem jogar o Mantorras!” aí é que era a risada da morte, como a do sketch dos Monty Python, o pessoal lia a piada e quinava!)


GALERIA.NIU.BARCELONA www.niubcn.com

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Fui escrevendo, escrevendo, mas isto da narrativa aberta de 1 take só... quando começa a mastigar e entra na fase: castigo... todavia, o HEARTcore não pode parar! Siga!... siga pela tenda dos materiais. (Por amor de Deus, pára de ser cómico!) Eu gosto de variedade em geral (lol), e quanto a materiais é igual, uso tudo o que me ocorrer usar e tenha a hipótese de meter a mão, ferramentas ou suportes, tudo pode servir de veículo, meio ou instrumento, e vou-me embrenhando pelas mesclas daí resultantes. Nunca tive muito dinheiro para investir em material, então fui aprendendo com a reciclagem e a reutilização (incluindo a dos espaços públicos… ok, tens carro e casa, mas a rua ée de todos); NÃO HÁ ESPIGA! RESPIGA FUNDO! E se tudo for um enorme puzzle que no fim faça sentido?! Por exemplo, eu se tivesse dinheiro à séria para investir em material, punha-me aí a pintar que nem um maluco, sem parar e ainda me dava uma coisa má, é que mesmo na minha condição socio-económica débil nunca consigo estar quieto... a cabeça anda a mil, e há tanta coisa a fazer, tanta stória a contar... e durmo pouco. E por falar nisso, como é SLANG mastas Paulo e Roka, acho que ficaram aqui uma série de tópicos por abordar (pois... e estiquei-me ali um bocado atrás c’as graçolas e tal; comédias da vida! desculpem qualquer coisinha!), mas a narrativa já vai longa e acho que não têm muito mais linhas para mim e ainda queria fazer aqui uma saída à antiga. Rematando isto, estou há 2 meses a viver em Barcelona e por cá penso ficar (tenho de passar boas vibrações ao Deco para ele ser o melhor jogador do Mundial e levar a seleção ao título). Voltar a Portugal para viver vai ser difícil nos tempos mais próximos, a tuga chega a um ponto em que sufoca, perdemo-nos nas merdas mais pequenas e o horizonte fica no ângulo morto, amorfo, até faz mofo, e no entanto é um país de pequenos quês fascinantes que nos agarram, de um potencial incrível, e de sucessivos governos muito chôchos e de chacha. Estou a morrer de saudades de imensas pessoas e sítios, a que me fui afeiçoando e dando como adquiridos, e de ir pintar com o meu sócio MNK-B, e das futeboladas, golo a golo, e cada bujardão! JARDEU! XUMBA!!!!... Hei-de voltar, talvez para casar, ter uma casa de praia com um jardim lindo à volta, que cultive dia-a-dia com a mulher da minha vida, os filhos, cães e gatos, e coelhos. Tenho 30 anos e sinto que ainda tenho tanto a viver, tantas cenas novas a conhecer... há que sair, viajar, voar... os sonhos vivem-se e fazem-se por viver, fazem-nos correr, e eu, estou apenas a correr atrás; e não devíamos andar todos? A mensagem final é simples: atrevam-se a ser felizes! e cuidem-se bastante! Isso é o mais importante.

... AFINAL AINDA TENHO DE CONTAR OUTRA STÓRIA.

No dia em que escrevi d’improviso a biografia activa (pode-se dizer assim?), chegou a BCN o meu amigo Nandix (o tal que foi para o México, chegou quarta e foi domingo) e fomos à Apolo (eu, o Nandix e o Charuto). Perguntaram-nos à porta se eramos fumadores, se fôssemos só poderíamos fumar no andar de cima. Estava muito estranho, tudo lá em cima apertado e a pista quase vazia... querem proibir tudo e não vejo que este tipo de politiquices proibicionistas nos levem a algum lado melhor, ou a algum lado qualquer... que enfado! Mas lá demos o nosso pézinho. Aquilo berrou mais cedo do que era suposto e quando saímos ainda

faltavam uns 20 minutos para o metro abrir. Um dedinho de conversa e o metro abriu. Foi uma noite muito porreira, antes tínhamos estado no Marselha, eles beberam absinto, eu bebi sumo, até fizemos um desenho os três... à saída o Nandix já estava bem enfrascado, pediu-me o marcador e fez um boneco dentro da carruagem e escreveu: FIESTA!, eu também deixei a minha dica e arrumei o marcador. Mas ele virou-se e disse: “ainda falta aqui À ANTIGA! Valério o marcador.” E lá escreveu, com meio corpo fora da porta e zás! Apareceram 2 securitas a correr e já está; catadíssimo! E comigo, que me farto de pintar por aí, não se passou nada. O que se seguiu foi muito mau, e de mal a pior. Ordenaram-lhe que esvaziasse os bolsos, resvistaram-no a ele e à carteira, identificaram-o e confiscaram-lhe o marcador e o cinto. Uma tensão enorme no ar, uns 10 securitas no pedaço, altamente modernizados, foram logo tirar fotos à carruagem e enviar pela net à polícia, mas o tipo de comportamento (agressivo, de peito feito) e os comentários era bem arcaico, e eu a pensar: sacanas! mais criminosos são estes tolos do que qualquer grafitteiro... e todos os que entravam no metro a olharem para o Nandix e a tentarem imaginar que patifaria teria feito. Estávamos cheios de fome à saída da Apolo, e quase uma hora de espera pela polícia depois, não estávamos menos. Fui à cafetaria do metro Paralel e comprei uma garrafa de água e 2 donuts. Aproximei-me do Nandix pra lhe dar 1 donut e a água e os gestapos cairam-me logo em cima: “Oie! Oie! Onde vais tu? Isto é algum piquenique ou quê? Para trás!!!!” E eu a bater-me: “mas ele está com fome e com sede... ao menos a água.” e eles sempre: “para trás! para trás!” logo a seguir chegaram os moços troncos... e levaram o Nandix algemado, detido por dano público, não me deixaram ir com ele e recusaram-se a dizer para onde o levavam. Na esquadra deram-lhe um café e uma madalena, um colchonete e uma manta, e detiveram-no numa cela partilhada, mal iluminada e lixiviada, durante 12 horas. 12 horas incomunicado! Isso não é sequestro??? A partir do meio-dia começei a fazer telefonemas a outros tugas amigos que estão a viver cá há mais tempo que eu, e fomos fazendo as nossas manobras e trocando informações. Uma dada pela polícia ao telefone, era que ele estava detido em Les Corts. Fui lá com o Charuto e voltaram-nos a negar qualquer informação, só se fossemos da família, e nós cada vez mais à toa. Acabou por ser apenas torturado psicologicamente, e ao fim de 12 horas soltaram-no, até da multa, que pode chegar aos 1500 euros, se livrou. Chegou para o susto e para o demover de pintar nas ruas... allô-allô México; tequilla!!!!... Contudo o moral da stória não é deixar de pintar onde nos dá na gana, isso quanto a mim não me afecta, mas sim ter constatado uma vez mais, que não é apenas com os pequenos ditadores (d’algibeira) que temos que nos preocupar, maior preocupação me dão estes exércitos urbanos, insurrectos mas legitimados, fardados e armados, que usam e abusam dos poderes conferidos. Eles sim são os bandidos que merecem castigos! E contestação! E já que o metro abre processos a quem lá pinta, então porque não processá-los também, e motivos arranjam-se, da mesma maneira que se arranjam estas leis cívicas da tanga. Por exemplo, aquele apito infernal que soa antes das portas das carruagens fecharem não vos molesta?


EXPERIMENTA.DESIGN.2005 www.experimentadesign.pt

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http://www.blindado-massive.net http://www.musacollective.com http://www.conspira.net http://www.yntgom.com http://www.re-searcher.com http://www.pauloarraiano.com http://www.palmshirts.com http://www.revista-rojo.com http://www.creyz.edpt.net http://www.stick2target.tk http://www.duudle.dk http://www.basev.has.it http://www.teamilksugar.org http://www.passvite.net http://www.camouflage.com.pt http://amostra.mgoffline.com http://www.mercadodelborne.com http://warnungproject.blogspot.com http://www.flickr.com/photos/eime http://tigerlilydorme.blogspot.com http://toinjoints.blogspot.com http://www.caldesign.pt http://www.niubcn.com http://ubbibr.fotolog.com/pacolli


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texto_Boldfinger fotos_José Sérgio

som Coming On Strong Hot Chip Reggae to the King of Dancehall Beenie Man Radio Soulwax 7 & 8 (bootlegs) Soulwax


O DIGGIN’, ÓBVIA ADULTERAÇÃO URBANA DO VERBO TO DIG, É COISA QUE EM PORTUGAL MUITOS VIRAM APENAS NUM OU NOUTRO DOCUMENTÁRIO DEDICADO À CULTURA HIP-HOP, CASOS COMO SCRATCH OU O MENOS CONHECIDO (ENTRE NÓS) DEEP CRATES. O DIGGIN’ TRADUZ-SE NA PROCURA COMPULSIVA DE DISCOS DE VINIL EM SEGUNDA MÃO, NORMALMENTE EM LOCAIS QUE SE QUEREM SECRETOS PELOS SEUS FREQUENTADORES. A SLANG JUNTOU TRÊS DIGGERS E SAIU EM BUSCA DOS BEATS MAIS DÍSPARES QUE SE PODEM IMAGINAR NO LOCAL MAIS IMPROVÁVEL QUE SE PODE IMAGINAR.

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Rui Miguel Abreu, D-Mars e José Belo são sócios da Loop Recordings, etiqueta portuguesa que tem como estandarte “The finest in hip-hop since 2001” e que, entre outros, deu à luz edições assinadas pelos Micro, Ofício, Melo D, Prince Wadada, Camarão ou o mui aplaudido “The Pyramid Sessions”, de Rocky Marsiano (nada menos do que D-Mars). Em comum, além do negócio da edição e distribuição de discos, têm o vício do diggin’. Cada um com motivações distintas, cada um com uma finalidade própria a dar às peças de vinil que encontram nos mais e nos menos recônditos cantos onde se vendem os objectos em segunda mão. Para Rui Miguel Abreu, também conhecido pela sua já longa actividade jornalística, o vinil tem como que o valor incalculável de algo que se tem numa biblioteca. Para D-Mars, principal responsável por toda a produção dos discos editados pela Loop, os beats e os breaks escondidos num objecto de 7, 10 ou 12 polegadas são, em boa medida, ferramentas para samplagem e utilização na criação de música. Para José Belo, a coisa passa essencialmente por, à boa maneira daquilo que em Nova Iorque se iniciou ainda na década de 70 do século passado, encontrar pedras preciosas que encaixem nos seus frequentes sets como DJ. Não são os únicos adictos do diggin’ em Portugal, como se imagina, mas são dos seus principais dinamizadores. Exemplo superior disso mesmo é o altamente recomendável blog que Rui Miguel e José Belo mantêm na Internet, o Hit da Breakz, alcançável em hitdabreakz.blogspot.com. Tarde de sexta-feira, 6 de Janeiro Combino com o Rui Miguel Abreu uma boleia que nos leva dos estúdios da Antena 3, onde dá vida regular a um programa sobre uma das suas grandes especialidades, o hip-hop, aos estúdios da Loop, em Linda-a-Velha, onde nos esperam D-Mars e José Belo para uma viagem até um dos locais nos arredores de Lisboa mantidos no segredo possível por quem o conhece e se dedica ao diggin’. Fotógrafo pronto, rumamos a uma povoação em jeito de jogo de cabra cega para os menos informados, repórter e fotógrafo. A curiosidade, confesso, é imensa. À chegada, deparamo-nos com uma viagem em vão. O spot, nada menos que um dos centros onde uma associação de solidariedade recolhe objectos em segunda mão que depois vende para saciar a necessidade de uma comunidade de pessoas carenciadas, está encerrado para arrumações e nem o teor jornalístico da missão convence o gentil porteiro a penetrar naquele mundo de objectos de toda a espécie e onde, em prateleiras e caixas, se acumulam os discos que os três interlocutores da Slang pretendem vasculhar como que para dar forma física àquilo que, em 1982, Afrika Bambaataa resumiu na expressão “Looking for the perfect beat”. Mas não é só o beat perfeito que estes diggers procuram, como mais à frente se conclui na entrevista que o escriba resolve realizar no regresso ao edifício Pirâmide, onde está o quartel da Loop Recordings. Sem perguntas alinhadas previamente, ao lado da pequena sala onde quase tudo o que tem o selo da editora toma forma, vamos fazendo desfilar os contornos desta peculiar actividade que para milhares de pessoas em todo o mundo se comporta como um vírus, uma droga de que não se foge e que não faz mal à saúde, apenas provocando aquilo que se traduz no título de uma das séries discográficas mais populares entre os diggers: “Dusty Fingers”.

Qual é a diferença entre um coleccionador de discos e um digger? D-MARS: Um coleccionador de discos é comparável a um coleccionador de qualquer outra coisa. O diggin’ é diferente, a própria técnica é diferente. Por exemplo, quando encontro um disco dos [The] Commodores, se é da década de 80 já não curto, mas se for logo do início… Tenho essa noção. Porque sei que o som do início dos Commodores era mais samplável, tem mais a ver com a música que faço. JOSÉ BELO: Para mim, o diggin’ é mais do que coleccionar discos. Para seres um bom digger tens que ser um bom coleccionador, tens que ter aquela perspectiva de cuidar do vinil, de ter cuidado com os discos. Por acaso não tenho muito esse cuidado. Se encontrar um disco, gostar dele e estiver pronto para ouvir no prato, para mim está bom. Há coleccionadores e diggers que vão fazendo upgrades das cópias más. Eu, quando vejo uma cópia de um disco que já tenho, só a compro se for mesmo barata. Além disso, tenho uma outra vertente, que é comprar música para tocar, como DJ. Há toda uma cultura de música de dança que está a ser relançada. Acho que o ano passado foi o ano em que mais saíram edits de discos antigos. Essa cultura dos re-edits está a sair para o mainstream. Isso vai provocar muito a busca de discos antigos aplicados à música de dança. RUI MIGUEL ABREU: Acho que sou um bocadinho das duas coisas. Considero-me coleccionador de um par de artistas, de um par de editoras. Estou a lembrar-me, por exemplo, de uma editora como a Mo’ Wax, de que sempre procurei ter tudo, de artistas como o [DJ] Shadow. Aí considero-me um pouco coleccionador. Tenho, por exemplo, discos do Shadow em quatro formatos diferentes, em quatro edições diferentes. O primeiro álbum do Shadow [“Entroducing”, 1996], por exemplo, tenho-o em vinil de edição corrente, vinil de edição limitada, o CD de edição corrente, o CD de edição limitada, a reedição recente. Mas, basicamente, aquilo que me move quando procuro música é a curiosidade. Por um lado, também brinco aos DJs de vez em quando e 90% do conteúdo do saco que levo é feito de discos encontrados no terreno, como gosto de dizer. Também gosto do lado do sampling, da produção, embora quando encontramos alguém que o faz muito melhor do que nós [referindo-se a D-Mars], remetêmo-nos à nossa humildade. O D-Mars, já lho disse, foi provavelmente o responsável por eu deixar essas maluqueiras, por achar que fazia música. Mas gosto da cultura dos samples também por documentação, perceber que não sei quem usou tal sample e que foi em tal disco que encontrou inspiração. Há uma curiosidade que abraça a música toda. O que aprendi com o diggin’ foi a não desprezar género nenhum. Existe boa música em absolutamente todos os géneros. Foi com o diggin’ que descobri a library music, foi com o diggin’ que descobri o electro-funk. Descobri uma coisa com o D-Mars: chegava a 1976, 1977, e já não comprava os discos. E depois descobri que em 78, 79, 80, 81, 82 havia coisas muito interessantes. Isso é uma coisa que o diggin’ nos ensina e que outros diggers nos ensinam.


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A arte do diggin’ está forçosamente ligada à música antiga. JB: Sim, porque estamos a falar de vinil. O vinil foi o suporte principal não só da música, mas de muitas outras coisas. Neste momento, a maior parte das pessoas tem CDs. Nós não fazemos diggin’ de CDs. Nem sequer consigo conceber diggin’ de mp3. Há pessoas que passam a vida no Soulseek [software de partilha livre de música via Internet] à procura de discos. Quantos discos de vinil tem cada um de vós? RMA: Cheguei a uma conclusão: se até hoje tivesse guardado todos os discos que me passaram pelas mãos, desde os que recebo das editoras até aos que compro para tentar perceber o que são e de que depois não gosto nada, a minha casa inteira não chegaria para guardar tudo. E uma colecção é uma coisa em evolução constante. As pessoas adaptam-se às colecções e as colecções adaptam-se às pessoas. Neste momento, estimaria que tenho à volta de 8 mil discos. JB: Tenho cerca de 3.500 discos. DM: A maioria dos discos que tenho é de hip-hop. De discos antigos diria que tenho uns 2 mil. O que levou cada um de vós ao diggin’? O que fez com que a música deixasse de ser entretenimento para dar origem à procura obstinada de discos antigos? JB: Foi a música em si. Foi o gostar tanto de música. RMA: Para mim, posso dizer claramente que foi o hip-hop. Comecei a comprar discos com 14 anos e acho que já não tenho praticamente nenhum dos discos que comprei nessa época – lá está, a colecção vai-se modificando. Recebi o meu primeiro gira-discos como prenda no meu 14.º aniversário e comecei a comprar discos nessa altura. Se calhar aí era um pouquinho mais coleccionador, havia dois ou três grupos de que gostava muito, mas sem grandes preocupações de ter as edições originais. A questão era ir a uma loja e comprar. Depois, através do hip-hop, comecei a ter curiosidade de ir às raizes à procura dos samples originais. As primeiras bandas que me levaram a fazer isso foram os Beastie Boys e os De La Soul. Tudo acontece por acaso. Um dia, compras um disco, estás a ouvi-lo descansadamente e surge um pedaço que já conheces. E se usam este ou aquele tema de soul nesta música, então se calhar usam outros temas nas outras músicas. E depois começas a ler as fichas técnicas e a procurar. A minha grande paixão, já o disse, eram os Queen. E gostava tanto dos Queen que queria gostar daquilo de que eles gostavam. Então procurava sempre, com muita atenção nas entrevistas que davam, os grupos que indicavam como sendo as suas referências. Lembro-me que o primeiro murro no estômago que levei foi quando eles falaram de um tal David Bowie, que eu não conhecia de lado nenhum. Se o meu ídolo tinha um ídolo, então ele tinha que ser meu ídolo também. Então cheguei ao David Bowie, e daí aos Velvet Underground, e daí aos Sonic Youth. Essa curiosidade que existe ligada aos samples já existia, mas cresceu com o hip-hop, que não tem pruridos de espécie alguma. Para mim, abriu o livro de tudo: o jazz, a soul, o reggae, o funk, o rock. Foi assim que isto ganhou o aspecto de bola de neve.

JB: Já compro CDs desde miúdo, mas vinil foi desde que vim para cá, para Portugal. Vivia em Macau e ali não encontrava vinil. Foi também através do hip-hop que me questionei por que razão as coisas se desenvolviam assim. Foi a partir daí que cheguei à Procura, e sobretudo por causa de um artista, o DJ Shadow, que trabalha a arte do diggin’ e do sampling a um nível que ainda está para ser batido. Surgiu a tal curiosidade: estás a ouvir uma coisa e perguntas-te de onde vem aquilo. Vês o booklet, perguntas, tens curiosidade. DM: Lembro-me da minha festa dos 14 anos, a minha última ainda na Croácia, e umas semanas antes tinha comprado o meu primeiro vinil de hip-hop, do Mantronix. O que é curioso, porque a primeira cassete de hip-hop era também do Mantronix. Dantes comprava cassetes piratas que se vendiam lá na Croácia e um dos primeiros grupos que tive a sorte de ouvir foram os Public Enemy. Depois, por causa da guerra, saí da minha terra e estive um ano em Itália, em Roma. E Roma tinha uma coisa fantástica, que espero que ainda tenha [confirma-se que sim, depois de uma pesquisa na Internet], que era uma loja chamada Goody Music. Tinha só vinil e existia uma montra especial para os CDs. Havia muito poucos. Como tinham muito hip-hop dos anos 80, da chamada Golden Age ou Golden Era, fiquei logo a saber que o hip-hop não era uma coisa como a maioria das pessoas hoje pensa que é. Lembrava-me das coisas de quando era ainda mais puto, das bandas-sonoras do “Beat Street”, de ter ido ao cinema e não saber o que era aquilo. Comecei a fazer rimas muito cedo e a fazer beats muito cedo. Fazia os meus primeiros beats com duas cassetes. Numa cassete, pegava num trecho que não tinha vozes, e fazia loops: rec, pause, rec, pause. Entretanto comecei a ver que havia maxis só com instrumentais, e comprei montes deles. Todo o dinheiro que recebia, mesadas e por aí fora, era todo para o vinil. Não era para o gelado nem para sair à noite e curtir com as gajas. Se calhar, como estava num país estranho, fechei-me um pouco no meu próprio mundo do hip-hop. Depois, em Portugal, o vinil era para esquecer até abrir a Godzilla. Continuei a fazer beats e tive a sorte de os meus pais terem muitos discos de vinil. Muitos dos discos que samplei no início eram dos meus pais. Não era preciso samplar CDs. O disco do Rocky Marsiano foi quase todo feito com vinil dos meus pais. Entretanto, vi um documentário sobre os Public Enemy em que mostravam como os seus produtores foram revolucionários ao colocar várias camadas de samples uns em cima dos outros – chamavam-lhe Multiple Sample Situation. Aquilo para mim parecia o nome de um programa de computador. E no primeiro álbum dos Micro comecei precisamente a fazer isso. A produção, para mim, foi a motivação principal para comprar vinil. O que aconteceu depois foi que, como o hip-hop que tem saído nos últimos anos é tão mau e o que é bom é inacessível, com o fim da Kingsize (loja) e da própria Rawkus (editora), comecei a ouvir os meus discos antigos. E há uns cinco anos que comecei a passar os meus discos antigos e a perceber, por exemplo, que coisas de disco eram igualzinhas a coisas de alguma música de dança. Punha na noite e o pessoal curtia. Hoje até procuro muito mais coisas de funk, com groove, do que de hip-hop.

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Um digger tem padrões de compra? Que tipo de discos compra um digger? JB: Há padrões, sim. Eu, por exemplo, já desisti de comprar 7 polegadas em Portugal. Sei que estou a falhar em alguns campos, mas já perdi horas em demasia à volta dos 7 polegadas. Isto do diggin’ é uma arte de persistência, de ir às feiras, de ir às lojas, e saberes que muitas vezes vens de lá sem nada. Por exemplo, vivo em Coimbra e passo lá muito tempo. Há lá uma Cash Converters e lá não há nada. Tem aquelas coisas do Reader’s Digest e aquelas compilaçoes habituais, tipo “Polystar”. Nessa Cash Converters, e falo contra mim, 95 por cento das vezes que lá vou não acontece nada. Vejo os discos e vou-me embora para casa. Depois, há uma vez que lá vou e que compro uma colecção de 100 ou 120 sete polegadas de música brasileira dos anos 60 e 70. Alguém deixou lá numa determinada semana e o lixo de uns é o tesouro de outros. Uma colecção dessas custa-me o preço de dois CDs. RMA: Eu tenho fases. Há fases em que só quero álbuns de jazz, há fases em que me atiro só a 7 polegadas. Isto porque, numa semana, descubro um 7 polegadas engraçado, que me redesperta o interesse pelo formato ou pelo género musical. Depois acaba por aparecer outra coisa que me faz virar as antenas. Mas tento comprar tudo: 7 polegadas, 10 polegadas, 12 polegadas, LPs. É o que aparecer. E isto é mesmo uma questão de persistência. Entre nós já houve vários casos caricatos, como um de nós dizer que vai à Cash Converters de Benfica e o outro responder-lhe que esteve lá no dia anterior e não trouxe nada. Passada uma hora e meia telefona a dizer que comprou lá o disco dos Konk. No nosso blog, andei não sei quanto tempo a queixar-me de que as feiras da Linha [do Estoril] estavam uma porcaria, era só lixo. Ia a todas e não comprava um disco, ou levava um em desespero porque lá tinha ido de propósito. Levava uma coisa que sabia que era horrível, mas tinha a ténue esperança de que não fosse. E era sempre horrível. De repente, nos últimos meses melhoraram outra vez. Com o vosso blog, mas não apenas por causa dele, pode falar-se de uma comunidade de diggers em Portugal? DM: Se pegares no termo diggin’ como algo ligado ao hip-hop, diria que somos muito poucos. Mas, felizmente, sentimos que há uma nova geração a trabalhar à base de samplagem, que já tem as suas MPCs [as lendárias máquinas da Akai] e que segue o blog do Rui e do Zé, que já faz os seus próprios blogs. Eu sempre disse: quantos mais produtores houverem que tenham como meio principal a samplagem, melhor. Acho que a música ganha com isso. RMA: É uma coisa que está a crescer. O Zé colocou, há pouco tempo, no blog um post sobre os novos blogs que estavam a aparecer. Um deles é o dos Major Eléctrico, que são pessoas que sempre estiveram mais ligadas ao lado mais experimental da música electrónica. O que é certo é que, nos últimos tempos, sempre que encontrava o Zé Moura ele dizia-me que já tinha ouvido um tal disco de que eu havia falado. No próprio blog dos Major Eléctrico há uma secção dedicada aos discos que eles encontram e muitos deles são, nitidamente, discos em segunda mão que andam a comprar. Ou seja, acho que há uma disseminação e que passa muito pela música de dança. Nos anos seguintes ao acid house, por exemplo, nunca via os produtores de house preocupados em pensar se o tema

que passavam era ou não samplado, a preocupação era se funcionava ou não funcionava. De repente, a própria música de dança conduziu-os até um ponto em que as referências do passado, do presente e do futuro são muito extremas, muito complexas. De repente, percebeu-se que há muitas referências ao que foi feito no passado. Aquela curiosidade que se sentia no hip-hop quando se deu a explosão do sampling está, se calhar, a sentir-se na música de dança. Alguma da própria música de dança actual referencia coisas do passado. Logo, quem está interessado naquilo que se está a passar neste momento nessa área poderá ficar curioso em ir também ao passado. E o que é curioso é que, por exemplo, no nosso blog aparecem pessoas ligadas à música de dança, ao jazz, que têm comum essa curiosidade sobre o passado, que os conduziu até ao ponto em que hoje se encontram enquanto melómanos. JB: Todos temos em comum o diggin’. Mas desde o princípio que cada um procura as suas coisas e nenhuma das nossas colecções é igual. A única coisa que temos em comum é irmos à procura dos discos. Não sei se no futuro isto se vai especializar e haver lojas de diggin’ especializado. Fora de Portugal existem algumas, como a Sound Library, a A1, a Toxic. Na Sound Library, em Nova Iorque, há uma parede em que estão os troféus, os chamados holy grails. Sei que, por causa daquela parede, há muitos miúdos que vão andar em Nova Iorque à procura dos discos, para dizer que compraram por um dólar aquilo que na loja está á venda por 120. É o tal holy grail que vai para a colecção. Outra coisa que queria dizer é que acho que há uma série de pessoas que já fazia diggin’ há uma série de tempo, mas não sabia que era esse o termo utilizado para descrever a actividade. Não é preciso saber a palavra para fazer o que estão a fazer. Faz-se naturalmente. O que acho é que a mensagem está a passar para fora. No meu caso, faço isso há muitos anos mas só há pouco tempo comecei a partilhá-lo. RMA: Há uma coisa que é verdade: já não sou o único gajo na feira de cu para o ar a olhar para os discos. Já existe a mini-fila, três gajos à espera de procurar na mesma caixa. Isso dantes nunca acontecia. Existem técnicas de diggin’ que se ensinam e que se aprendem? É possível ensinar alguém a ser mais eficiente, a passar duas horas em vez de cinco à procura daquilo que ambiciona ter? DM: É difícil, mas existem algumas regras para saberes o que é bom. Para saberes o que está escondido é muito mais difícil, já requer uns bons anos. Há uma coisa que dizemos sempre quando fazemos workshops: se vires um disco com cinco negros com afros na capa, compra. Se vires um disco com uma capa estranha, vira a capa e vê os instrumentos. Se tiver um Moog ou um [Fender] Rhodes, compra. Há coisas assim que são lógicas, Mas é óbvio que há discos com Moogs que são uma merda. Aí, se calhar, vale a pena ver o ano, a editora. Há aqueles discos, por exemplo, só com órgãos Hammond que são uma merda. Como há discos de jazz com um gajo a tocar Hammond que são precisamente o contrário. Para mim, o diggin’ tem muito a ver com o erro. Embora os discos sejam baratos, não gostas de gastar dinheiro numa coisa de que não gostas. Pessoalmente, adoro quando posso ouvir os discos antes de comprar. Mesmo assim, numa loja com milhares de vinis não tenho tempo para lá estar uma


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semana inteira, tenho que filtrar. Penso logo que só posso gastar “x”. Agarro nuns 100 e faço nova filtragem. Mas ensinar a arte toda não dá. Tem muito a ver com o teu próprio gosto. RMA: O que ele está a dizer é verdade: há regras. Podem passar por épocas, por países, passam muito por editoras. Por exemplo, há uma regra muito simples: compraste um disco de uma editora obscura que é muito bom. Compra todos os discos que tenham a mesma etiqueta, porque são provavelmente todos muito bons. JB: Ultimamente temos comprado muitos discos de uma editora que nenhum de nós conhecia, a Quality. Ainda ontem, por causa disso, apanhei uns três ou quatro discos lá em casa por causa da noite de hoje [José Belo deslocou-se a Lisboa neste fim-de-semana de Janeiro para uma sessão de DJing dos Loop Diggaz]. Encontrámos um disco, ouvimos e era muito bom. O disco era estranhíssimo, de uns tipos chamados Cabeleireiros, ou lá o que era. RMA: Esse é um bom exemplo: descobrimos essa editora, a Quality, com um electro-funk muito bom alí de 1982. Na semana seguinte descobri dois discos da Quality e comprei. Um deles era de hard rock. Portanto, isto tem muito a ver com o erro. Se calhar os discos da Quality são todos bons menos aquele que comprei. Pode acontecer. DM: Há pessoal que gosta de ter discos do Paul Mauriat na colecção e outros que acham que aquilo é muito mau. Pessoalmente, já samplei o Paul Mauriat. A música dele é má, mas todos os temas do gajo têm um interlúdio que dá para samplar. O resto é para esquecer. Um dos grandes beats que fiz, “No Topo do Mundo”, é um loop inteiro, só pus a bateria por baixo. Foi ele que tocou, que fez e eu agradeço. RMA: Outra regra é ler muito, angariar informação ao ler revistas, livros de música, um artigo sobre a Blue Note… Falando de leitura, em que medida uma revista como a Wax Poetics é para um digger mais importante do que uma Record Collector? RMA: Exactamente pela distinção que fizemos entre um digger e um coleccionador. A Record Collector é uma revista que pontualmente interessa a diggers, mas é uma revista para coleccionadores, aquelas pessoas que se preocupam com o número de catálogo. Aqueles para quem um disco dos Beatles não interessa porque o número não é o KL, é o ML. Há uma coisa que me ultrapassa um bocadinho nos coleccionadores: uma label cinzento vale mais do que uma label azul, por exemplo. Embora não tenha dúvidas: se vir uma edição original e uma reedição ao mesmo preço, compro a original. A Wax Poetics é uma revista feita por e para diggers. Wax significa vinil e depois fala desta poesia… Só um digger vai no mesmo dia à feira e leva para casa um disco do Art Blakey na Blue Note, um disco do Paul Mauriat ou coisa do género, um disco de electro-funk e outro de uma banda de rock progressivo norueguesa. Só um digger consome coisas tão distintas no mesmo dia. E o que é que um digger absorve de uma revista como a Wax Poetics? JB: O tipo de informação. Como aquilo é feito para diggers, as perguntas feitas nas entrevistas são específicas. Ou seja, como digger consegues perceber todo o nexo das perguntas,

coisa que, se calhar, numa Record Collector, numa Rolling Stone ou numa Wire é muito mais geral. Não quer dizer que essas outras não interessem à mesma, mas ali é específico para aquilo. As perguntas que fazem a um David Axelrod são específicas para os diggers. O próprio David Axelrod está muito agradecido aos diggers por o terem redescoberto, ele próprio refere isso. RMA: Nas entrevistas que eles fazem, acabam por ilustrar muito a música que nos interessa às vezes sem sabermos porquê. O digger quando faz uma entrevista a um produtor como o David Axelrod vai perguntar-lhe de certeza por que raio a bateria nos seus discos estava sempre tão alta. Aí está a procura do break. Eles fizeram-lhe essa pergunta, por que razão ele gravava discos com orquestras mas com a bateria muito alta. Aí está a curiosidade de um digger. De repente, conheces um produtor obscuro chamado David Axelrod cujos discos, fossem orquestrais, de jazz ou easy listening, tinham sempre essa característica importante. Quando põem um digger à sua frente, ele vai querer saber porquê, porque é que os seus discos têm todos um som tão diferente de todos os outros da mesma época. Isso é informação. De repente ele diz que o faz porque tinha um baterista muito bom. Normalmente, o nome do baterista não está na contracapa, mas na entrevista ele menciona-o. Da próxima vez que fores à procura de discos, tens esse nome na cabeça e se calhar vais procurar outros discos em que ele tenha tocado. O diggin’ passa muito por comprar discos “às escuras”, sem ouvir. Ou usam gira-discos portáteis? RMA: Eu tenho um. A única vez que o tentei usar na Feira da Ladra juntou-se uma tal multidão à minha volta que fiquei completamente encavacado: “Que traquitana é esta?”; “Ouvir discos no chão?”. JB: Lá está, já eu gosto do erro. DM: Eu prefiro ouvir. Se posso, oiço. Já comprei tantos discos que detestei em casa… Se não posso ouvir, vou usar todo o knowledge que tenho. Se posso ouvir, oiço e uso também todo o knowledge que tenho. Até porque gosto de ouvir logo os discos. Estive numa garagem em Setúbal, quando estávamos a fazer o vídeo do Rocky Marsiano, e o Rui emprestou-me o Sound Burger [o gira-discos portátil] dele. O resultado é que saí de lá com uma data de discos bons e um amigo nosso levou para casa uma data de discos menos bons. JB: Nesse dia também levei para casa discos muito maus. Levei dois ou três bons e outros muito maus. DM: Por acaso estava lá um dos primeiros álbuns dos Kool & The Gang e levei-o logo, até porque a capa era daquelas todas desdobráveis, em que para leres o nome dos temas tinhas que dar a volta àquilo tudo. Depois peguei num disco de um percussionista em que a primeira coisa que oiço é um dos breaks mais clássicos do b-boying. O álbum não tem mais da, só tem aquilo, mas aí quis dar uma de coleccionador e ter o original. Assim é que aprendes. Já me aconteceu comprar discos que não valem nada mas que têm uma flauta que vale a pena. Porquê? Porque consegui ouvir antes de comprar. Prefiro fazer isso porque faço diggin’ muito especificamente para samplar. Aí gosto de distinguir: isto é samplável, isto não é samplável. Se der para matar o assunto logo ali, prefiro fazê-lo.

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JB: Nisto não há certo ou errado. Nem eu estou certo nem ele está certo. Trata-se apenas de ajustar aquilo que tens àquilo de que precisas. Dessa vez da garagem em Setúbal, tive azar, porque ele [o D-Mars] levou grandes discos. Eu levei a mesma quantidade e, depois de chegar a casa, apeteceu-me lá voltar mas com o Sound Burger. Acontece. Acontece-nos a todos. Chegam ao ponto de ter na agenda marcadas as datas das feiras, por exemplo, onde se encontram os discos procurados pelos diggers? RMA: Eu sei essas coisas todas. Segundo domingo do mês em Belém, primeiro domingo do mês em Oeiras, último domingo do mês em Algés, todos os sábados em Setúbal. Sei isso tudo. DM: Quando quero sei essas coisas, fico mais atento a isso tudo. Porque eu faço diggin’ por fases, a cada três meses, por exemplo, porque tenho que fazer beats também. Neste momento ainda tenho centenas de beats para fazer e se estiver sempre a comprar discos não consigo apanhar tudo o que tenho para samplar. Agora comecei a fazer música um pouco diferente da que fazia, embora também ainda faça da outra. Nesse sentido, na Discolecção descobri uns discos de library music, com sons específicos, do espaço e por aí fora. Comprei um uma vez, fiz um grande instrumental a partir daí e há umas semanas lembrei-me de fazer um beat em que aquela música ficava bem. Voltei lá e comprei mais três discos. São os chamados discos secretos. JB: Gosto muito desta parte da reciclagem. Isto que ele faz é das coisas mais interessantes do diggin’: ires a uma loja, pegares num disco pelo qual já ninguém dá nada, levá-lo para casa, fazeres um beat e voltares a dar aquela música ao mundo. Com outra roupagem, com actualização. Há vários artistas que estão agradecidos aos diggers, que gostam de ser samplados. Vêem vantagem nisso, gostam de ver recriar, renovar. Tens “n” exemplos de bandas que voltaram ao activo por causa do diggin’. Como existem editoras que aparecem, como a VampiSoul, especificamente ligadas às reedições. Há todo um mercado que surgiu única e exclusivamente por causa dos diggers. Quais são os vossos limites mínimos e máximos de valor a pagar por um disco quando fazem diggin’? DM: Para mim há sempre limites. Eu digo isso ao pessoal, até lá de fora: graças a Deus que os donos das lojas aqui ainda não percebem o que nós fazemos com os discos que lá sacamos, mesmo como DJs. Discos que custam, muitas vezes, 50 cêntimos. O meu mínimo foi 25 cêntimos. O máximo deve ter sido 25 euros. JB: Também foi 25 cêntimos. Já dei 25 cêntimos por tudo, até por álbuns duplos. O máximo terá sido 150 euros e não tenciono passar esse limite nos próximos 25 anos, não tenciono repetir a brincadeira. RMA: Eu ainda sou do tempo em que se compravam os singles na Feira da Ladra a 10 escudos. Esse terá sido o mínimo. Há discos que, na feira, se estão a dois euros não compro, porque sei que na semana seguinte vou encontrá-los a um euro. Há determinados discos que são muito bons mas são muito comuns, por isso tenho todo o tempo do mundo para encontrá-los. O máximo que paguei foi no e-Bay, por um disco de rock progressivo, que também andou à volta dos 150

dólares. Só o comprei porque era com aquele dinheiro virtual, do PayPal. Dar 150 euros numa loja não seria capaz. Em dinheiro vivo, o máximo que já paguei deve ter sido na Discolecção: 20 euros. Essa loja tem um conteúdo que em Nova Iorque via o valor multiplicado por cinco. Como em alguns desportos ditos radicais, também no diggin’ há os chamados secret spots? RMA: Então não? E tencionam mantê-los assim? RMA: Claro. Que tipo de locais são esses secret spots? RMA: A garagem de Setúbal, o sítio onde te levámos hoje… DM: Os secret spots mais fantásticos são sempre… aquelas cenas [risos]. O Rui, por exemplo, sabe que se fechou uma discoteca na Póvoa de St.a Iria vale a pena passar por lá porque estão lá milhares de discos. Dá uma vista de olhos, encontra coisas do arco-da-velha e paga 100 euros por mil discos porque se querem livrar daquilo. O sítio onde agora é o Mercado tinha por cima um secret spot que era uma loucura. Ainda pilharam quando estava aberto, mas depois a dona fechou aquilo. JB: Aquilo era uma coisa fantástica. A maior parte dos meus discos dos anos 80 veio toda daquele sítio. Mas lá está: em mau estado porque eram discos de DJs. Eram tocados todas as noites na altura e eram tratados como discos de DJs. RMA: Mas há muitos secret spots por aí. No outro dia estava a falar com um grande amigo meu, que conhece muitos sítios, e falávamos sobre Leiria. Perguntei-lhe se também tinha ido ao café. Nesse café, onde bebes uma imperial ou tomas um café e um pastel de nata, estás a ouvir discos – há sítios inimagináveis. O homem tem lá os discos e tu podes vê-los. Ele nunca te diz que os discos estão à venda. Perguntas-lhe se podes ver e ele diz-te que sim. Perguntas se estão à venda e ele diz que depende. De repente, escolhemos 10. DM: Negociar a venda também é importante. Nessa garagem de Setúbal usei o truque clássico. Pegas em 10, alguns que são mais caros mas que não queres. Dizes para fazer um preço por tudo e ele responde-te 50 euros. Aí tiras uns de que não gostas e pões outros. Às tantas ele vende por 40. O que dá impressão é que estou apenas a escolher discos que são mais baratos. E neste caso é um entendido, embora não em todas as áreas.Depois há coisas que nunca fazes, como esse outro amigo nosso fez: vê um disco da Alice Coltrane e mostra alto entusiasmo quando ele custa 25 euros. Eu, por exemplo, fui capaz de mentir a um amigo para ficar com um vinil. Com 15 anos, na tal loja em Roma, estávamos a ouvir vinil e a dizer um ao outro se os discos valiam ou não a pena. Eu já tinha estoirado a guita toda e ele não. O gajo pegou um disco, num clássico de hip-hop, e eu disse-lhe que era uma grande merda. No dia seguinte de manhã estava lá. Acho que foi por isso que ele deixou de falar comigo. JB: Há regras e há ética. Na mesma caixa só está uma pessoa. Esperas a tua vez descansadinho. Só depois da pessoa que lá está sair é que tu lá vais. É também uma questão de educação. Isso está institucionalizado. Vais a Utrecht, por exemplo, e eles lá estão organizados em filas. Outra coisa engraçada é cada um estar a ver a sua pilha e a deitar o olho à pilha do lado.


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É impensável viajar sem fazer diggin’? JB: É impossível. Eu e o Rui fizemos várias viagens por cidades à procura de vinil. Vai a mulher dele e vai a minha namorada, elas vão à vida delas e nós vamos à nossa. Combinamos encontrar-nos daí a sete horas, depois de passar um dia dentro de lojas à procura de discos. Numa viagem que fizemos a Espanha, não limpámos Sevilha porque nos faltou o cashflow para suportar aquilo tudo. São opções. O diggin’ é onde cada um de vós gasta mais dinheiro? DM: Claro que é. Não gasto dinheiro em quase mais nada. RMA: Gasto mais dinheiro com a família, como é óbvio. Se não falarmos nas coisas sérias, como a renda da casa, no telefone, no gás, na roupa da filha, etc., o resto é em discos. Gasto mais dinheiro em discos do que em roupa, do que em filmes, do que em copos, do que noutra coisa qualquer. Mesmo sabendo que a resposta seria outra se a pergunta fosse feita daqui a meia hora, qual o disco que mais gozo vos deu encontrar e de que nunca se desfazeriam? RMA: Há muitos… Assim de repente, lembro-me dos lotes. Neste momento, menciono todo o meu lote de library music, que tive a sorte de apanhar num estúdio que estava fechado há uns 20 anos e alguém me deu a dica de que lá haviam discos. Lá descobri os discos sobre os quais andava a ler há uns 10 anos: as primeiras compilações da KPM na Strut, por exemplo, que jurava que não existiam em Portugal. JB: No meu caso, também o lote de library music. Não são tão bons como os dele, que são a nata, mas deram-me muito gozo comprá-los. DM: No meu caso, se calhar são os que comprei naquela fase em Itália. São discos que naquela altura era normal comprar e que hoje valem muito dinheiro. Tenho lá discos que hoje são muito procurados por diggers, até. Tenho a edição original do primeiro disco do KRS-One, por exemplo, que é um dos melhores de hip-hop de sempre. Dá-me gozo ter aquilo tudo porque depois nunca mais encontrei ou porque os encontrei muito mais caros.

HORA DE ALMOÇO DE SÁBADO, 7 DE JANEIRO O quinteto, três diggers, jornalista e fotógrafo volta a encontrar-se, desta vez com a certeza de que o tal secret spot do dia anterior está aberto, ali disponível para ser vasculhado entre caixotes, candelabros, sofás, máquinas registadoras veteranas e milhares de livros a preços absolutamente mágicos. Tudo em segunda mão, como pressupõe a actividade do diggin’. Voltamos a uma espécie de viagem de cabra cega, tão sinuosa é a ligação que nos leva de Linda-a-Velha ao local de culto. É aí que jornalista e fotógrafo se colocam no papel de espectadores, como que de juvenis em rito de passagem para uma dimensão até aqui apenas conhecida na teoria e naquilo que se foi vendo em documentários sobre o género. O espaço não é o mais adequado para pessoas de porte assinalável, como o repórter e um dos convidados na missão, mas ainda assim encontramos as prateleiras e os caixotes onde se acumulam os objectos que dão água na boca, aquelas rodelas de vinil com estrias que, a estarem em bom estado, constituem frequentemente tentação irresistível sabendo-se que os preços dificilmente ultrapassam um euro. E é aí, também, que se dá início a manifestações claras de cumplicidade, solidariedade e amizade entre os três protagonistas da sessão. Ninguém se acotovela, ouvem-se expressões como “esses já vi, passa-me os de baixo” ou “tira aí um macito para mim”. Passamos por todo o tipo de música imaginável. Enquanto o repórter se detém em meia-dúzia de objectos portugueses com algumas décadas, acabando depois por não resistir a um single de 7 polegadas em que na capa pode ler-se “Jimmy Cliff canta. Cat Stevens escreve”, Rui Miguel Abreu, D-Mars e José Belo passam os olhos e os dedos, gradualmente mais cinzentos do pó, por discos que vão desde a citada library music às compilações clássicas para breakdance, da música brasileira da era tropicalista ao inevitável Paul Mauriat, com lugar cativo no coração de D-Mars. Houvesse mais tempo e a busca poderia ter-se transformado num dia de “trabalho”, neste caso interrompido por uma futebolada em que participavam, além do jornalista de serviço, D-Mars e José Belo. Avançando para a área onde se procede à negociação, a Rui Miguel Abreu começam por pedir 15 euros pela fornada que desta vez o acompanha e na qual se inclui a tal bizarria de Jimmy Cliff e Cat Stevens, para compor o ramalhete. “Amigo, este é o dinheiro que trago no bolso, 12 euros”, diz o mais do que batido digger. “Fica a dever e depois vem cá pagar”, respondem-lhe. “Por três euros?”, indaga o comprador. “Três euros dá para pagar dois quilos de arroz. Dois quilos de arroz dá para fazer duas refeições na comunidade”, diz-lhe o altruísta vendedor com a missão solidária da organização em mente. Não se discute mais o preço e abandonamos o espaço. Naturalmente, o repórter não resiste ao desafio de lá voltar com a mesma companhia, até porque o caminho para lá chegar não se reteve na retina. Alguém pensava que não se fazia diggin’ em Portugal?

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Will you fight back?


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Conceito, produção e direcção de arte: Dirty Cop Fotografia: Ricardo Quaresma Vieira Assistentes de fotografia: Natasha Pinto e Christina Oette Modelo: Nuno Poli Food styling: Comida no Chiado Agradecimentos: Museu do Chiado – MNAC, João Faria e Gobi


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Entrevista a Hélder Lima por Rui Serrão Fotografias de Luís Colaço

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“Tudo o que é fora de Portugal é melhor.”

Os pais e a escola são pilares mestres na grande obra que é a vida, mas não são mais do que isso. O resto da construção depende de nós, só cada um a pode realizar e para isso é necessário viver. Há muita coisa que nem os pais nem a escola ensinam. Na rua pode aprender-se muito, porque aí é como se se passasse da teoria à prática. O Ed é um miúdo de 16 anos que, por razões que só ele conhece, cedo optou por passar à prática. Em determinadas circunstâncias isso faz dele um adulto, mas um adulto que anseia aproveitar tudo o que a vida tem para dar. Isso e realizar um sonho – ser profissional de skate. - Porque é que és tão difícil de encontrar? - Não sei, não me perguntes a mim. Olha, para já não gosto de usar telemóveis e essa deve ser uma das razões... - Não gostas ou vende-los quando não tens dinheiro? - Não! Não gosto de usar. - O que é que fazes na vida? - Neste momento é skate até não poder mais. E faço uns trabalhitos de vez em quando. - Que tipos de trabalhos? - Pá, quando o meu irmão precisa de ajuda lá no emprego dele vou lá ajudá-lo. - Então e a escola? O que é que aconteceu? - A escola é só para o ano. Supostamente eu já devia estar em Londres e... - Londres? - Sim. Vou para lá estudar porque lá é melhor a vida. E a minha família vai começar a mudar-se toda para lá. É melhor... Tudo o que é fora de Portugal é melhor. - E o que pensas ir para lá estudar? - Ainda não sei. O que a minha irmã me disse foi que eu ia ter aulas teóricas de manhã e à tarde uma espécie de bules. Aquelas cenas do estado. - Tipo ensino técnico-profissional? - Iá! E ganham-se 500 Euros à semana. Só que claro que a vida lá é mais cara e se te baldas os teus pais vão de cana, não andas aí à gandaia. O estado é fodido! - Eu ouvi dizer que a razão para te teres baldado à escola foi conseguires viver do skate. Tornares-te pró, foi isso? - Sim, sim... Bem, não é bem assim. O problema foi que quando eu era mais novo era mais burro – como todos nós – e não pensava nas consequências, e como quero ir para Londres... E mesmo que não quisesse, eu tenho certas obrigações e isto do skate dura o quê? Até aos 30 e depois? Um gajo ganha dinheiro, sim senhora, e diverte-se, mas tem sempre que contar com alguma coisa para ajudar no fim disso tudo. Para isso tenho de ter o 12.º ano, ou pelo menos mais do que o 9.º tem de ser. E já que estou lá numa cena fixe e a ganhar mais dinheiro do que aqui... E posso skatar, a minha irmã mora em frente ao skateparque da Playstation, ‘tás a ver? Estou orientado.


Nollie tailslide. Praรงa do MAC. Almada

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- A tua ida para Londres vai alterar a tua vontade de ser pró? - Não, a diferença é que se perder um ano de skate intenso não vai ser assim tão mau, como eu pensava quando era mais novo. Pelo menos perco um ano de skate, mas ganho quatro ou cinco. É melhor do que o contrário, quando for mais velho. - Achas que Londres te vai ajudar a ser pró? - Não, Londres é só para a escola. A única vantagem de Londres é a facilidade com que aparecem prós por lá. - O que é que tens de fazer para ser pró? - Eu não sei o que é ser pró, por enquanto, porque ainda não sou... - Não é isso. O que eu quero saber é o que é que tu achas que tens de fazer para ser pró? - Para ser pró?... Tens de ser tu próprio... Para mim é isso. Isso é o que distingue muitos prós. - Mas achas que é suficiente andares aqui em Lisboa e os patrocinadores vêm cá ter contigo? - Não, tens de fazer por isso, tens de chatear... Para já o nível do skate tá muito alto, mesmo que tu sejas um gajo bacano e não queiras mandar filmagens [para os patrocinadores], se queres ser pró tens de fazer por isso. - Mas achas que não é necessário ires para os E.U.A.? Ou basta filmar aqui na Europa e consegues? - Consegues. E tens bons exemplos disso, como o Lucas Puig, o australiano Cale Nuske (que ‘tá na És internacional), o brasileiro Rodrigo Teixeira... Pá, há muitos skaters aí a partir nas horas que não são americanos. - Outra razão pela qual és conhecido é por te vestires num estilo um pouco punk, e isso não é muito normal nos skaters negros. Porque é que adoptaste esse estilo? - Porque gosto, sinto-me bem e é mesmo assim! - O teu irmão foi uma grande influência para ti, para começares a andar de skate, e eu não me lembro de ele usar calças elásticas como as gajas... - Muitos podem pensar que é calças à gaja, mas para outros nem sequer faz diferença. - Mas porque é que começaste a vestir assim? Lembraste-te ou foste influenciado por alguém? - Talvez tenha sido influenciado... Mas penso que não. Quando eu comecei a andar de skate já usava calças apertadas. Já há algum tempo. E quando experimentei usar umas largas não me senti bem porque têm muito tecido, sinto-me pesado, não vejo o skate... Pá, não curto. Já não me sinto bem a andar. O que não quer dizer que fui influenciado por outros porque eu estou-me bem cagando para os outros... Mais ou menos n’é?! - Muita da roupa que usas é alterada por ti. Achas que ao optares pelo skate estás a passar ao lado de uma grande carreira com estilista? - Não... Backside nose grind. Restauradores. Lisboa


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“O tempo que estou em casa passo quase todo a coser. É bacano, é um bom hobby.”

- Achas que podias ser o novo Jean Paul Gaultier? - É capaz! Se calhar... Estamos aqui a rir, mas se calhar. - Gostas de costurar? - Curto bué. O tempo que estou em casa passo quase todo a coser. É bacano, é um bom hobby. - Que tipo de música ouves? - Oiço de tudo. Tudo é como quem diz né? Muito punk, algum hip-hop português – quando é bom, porque é bom ouvir música portuguesa, como nasci cá, pronto! Também drum’n’bass, electro, techno progressivo, transe... Martelos p’rá cabeça é o que eu gosto... - Gostas de martelos? Gostas de ir para as discotecas ouvir uma boa martelada? - Não, porque nas discotecas não passam martelos agressivos. As discotecas são para os betos, tipo o João Pinto [outro skater que passava por nós naquele momento] que vai para o Garage. E isso não rende muito, entendes? - Tu passas muito tempo na rua e dás-te com todo o tipo de pessoas. O que é que leva a isso? - Primeiro, é porque curto. Se não fosse assim eu não andava por aí. Segundo, eu não passo assim tanto tempo na rua. Se calhar os percursos que eu faço são é dispersos demais, ‘tás a ver? E isso envolve mais pessoas, mais conhecimentos. E curto socializar e dar-me bem. Dou-me com toda a gente. Dou-me com mitras, com dilons, betos, modelos, com toda a gente. Quando era miúdo conhecia muita gente e ia para bué da sítios. Ia com o meu irmão mais velho. - Achas que aprendes mais na escola da rua do que numa escola normal? - O ideal é conseguires conciliar as duas coisas, é tornar o útil agradável. A vida da rua é mais dolorosa, na escola é tudo mais por fora. É tudo muito abstracto. Se calhar mais para uns do que para outros. - Tu és um miúdo que se começou a desenrascar logo muito cedo. Lembro-me que na primeira vez que foste a Barcelona, estavas connosco e, sem dizeres nada a ninguém, logo na primeira noite bazas para uma festa de uns espanhóis que não conhecias de lado nenhum. E na altura tinhas 13 anos... Sentes-te à vontade em lugares estranhos? - Sim. Não sei porquê. Mas tem muito a ver com as pessoas. Eu conheço-me bem e sei a cor que tenho, mas às vezes fico parvo com certas e determinadas atitudes que o pessoal tem para comigo. Muita gente é preconceituosa. - Achas que há racismo em Portugal? - Mais ou menos... Acho que há razões para haver, entendes?... - Como assim? - Eu sou negro, mas não sou mitra nem nada disso. Há niggas que roubam, uns por prazer, e depois há outros que pagam por isso... Envolve muita coisa.


Feeble grind. Av. EUA. Lisboa

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- Mas voltando atrás. Outra situação em Barcelona foi ao voltar para casa de um spot, tu ias todo maluco, à abrir, e foste para uma estação de Metro errada. Eu, na tua situação, com 13 anos e numa cidade que não conhecia ia ficar à rasca. Mas tu, passado pouco tempo, apareces na mesma carruagem em que nós estávamos. Achas que isso tem a ver com o começar muito novo a andar pelas ruas de Lisboa? - Acho que sim. Isso deveu-se também às amizades. Até tenho a certeza que se eu não conhecesse o skate e a ter vida que tenho, era um mitra e andava para aí à gandaia a fazer como qualquer um. Tenho também muitos amigos meus que lhes aconteceu o mesmo, tinham pensamentos maus. - Achas que o meio onde vives e as pessoas com que te dás é que te definem como pessoa? - Sim, não digo totalmente, mas uma boa percentagem sim. - Gostas muito de viajar? - Adoro, por mim passava a vida em viagens. É fixe conhecer novas coisas, se calhar é por issso que eu ando tanto na rua. (Não tanto como possa parecer!). Gosto de descobrir coisas, mas também tenho capacidade para decidir o que quero e distinguir o bom do mau. - E se não fosse o skate, achas que ias gostar na mesma de viajar? - Não tanto de viajar, mas de conhecer novas pessoas. E digo-te já que a mentalidade dos mitras é ter a cena deles, a guita como eles fazem, e não interessa como, sair à noite. E se eu ganhasse esse bichinho... Eu já fui a muitas discotecas. Com 12 ou 13 anos entrámos no Day After em Viseu e... - ... supostamente tu devias ter ficado na carrinha... Qual foi a viagem que mais curtiste? - Foi uma aos Açores. Fui com o Jamie (Nuno Relógio), curtimos bué, tínhamos dinheiro para o que nós queríamos, que era beber e comer, no fundo para estarmos à vontade mesmo à patrões. - Foram dar uma demonstração? - Exactamente. Fomos para uma cascata que fica em Sete Cidades, que é numa zona vulcânica, onde a água é bué quentinha, foi fixe... A primeira tour que fiz ao Algarve também foi bacana. Fui com o João Pinto, o Jamie, o Humberto, o Antão, e foi lindo, conheci o Algarve todo. A viagem a Barcelona também foi fixe porque foi diferente... - Qual delas? - Qualquer uma delas. Tens sempre boas e más lembranças. - Em relação a esta última, tens alguma história para contar? - Sim. No primeiro dia, assim que chegamos à cidade, estamos à frente de um restaurante que era de uma portuguesa, e estou eu com o meu skate todo novinho e de calções e levo com um saco de água que me molha o skate todo. Fico logo todo na merda a mandar logo tudo para o caralho. Depois fui a casa trocar de roupa e fui com o João e com o Jamie para o MACBA, que é o spot mais conhecido de Barcelona.


Heelflip. Praรงa do MAC. Almada

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O Ed é um daqueles skaters que deixa perceber que tem um dom ao executar a mais simples das manobras, Mas infelizmente isso não basta. De desenrasque em desenrasque as coisas vão acontecendo, mas o esforço derradeiro ainda está por fazer. Já tínhamos conhecido uns prós, assim do nada, e estávamos a andar com uns alemães e de repente começámos a beber, fizemos uns negócios com os monhés e gastámos uns 100 Euros. O João, que é o mais maluco, decide ir às putas, não sei porquê! E todos bezanas lá fomos. O João conta uma história de uma puta a que ele tinha chupado as mamas no ano anterior e de repente vimos a mesma puta a apontar para ele e fomos lá. Eram duas, mas uma era um manolo [transexual], mas como estávamos todos bêbados não dava para ver muito bem... sabes aquela altura em que bebes até ela ser bonita?

- Mas referes-te à maneira de andar ou de vestir? - Às duas coisas, mas isso são coisas que se vão criando ao longo dos anos. Até eu sou influenciado, mas se calhar tenho outra maneira de ver as coisas.

- Isso quer dizer que não há mulheres feias, há é homens que bebem pouco! - Iá, Iá. Depois o Jamie tentou alguma coisa, mas não conseguiu nada e eu não me dou com essa espécie de putas. O João pôs a mão nas cuecas da gaja e sentiu um nabo! E ele: “Pá! Ele tem pila, tem pila...” E tudo a rir. Passado meia hora ele cagou na cena e deixou a puta fazer-lhe um bico, mesmo sabendo que era um homem.

- E estrangeiros? - O Leo Romero e para além dele muito poucos... Chris Cole, Andrew Reynolds, Jon Aley.

- Achas que ele vai ficar chateado contigo por estares a contar essa história? - Não! Ele diz que ela era um canhão, por isso não há problema. - Como é que vês a situação do skate em Portugal? - É complexo porque uns entram nisto para fazer dinheiro e outros entram para ajudar quem não tem, mas isto baseia-se tudo no dinheiro. Houve importadores que me ajudaram e outros que só queriam era chupar guita, sem quererem levar isto para a frente. - E em termos de nível e campeonatos? - Está mau. O Radical [Skate Clube] não pode fazer muito mais e o pessoal só critica o pouco que tem, falam mal e dizem que é uma merda. Até pode ser uma merda, mas ninguém faz o que eles fazem. Mas eu gosto [do circuito nacional de provas de skate] porque tenho amigos em muitas cidades e aproveito essas alturas para me encontrar com eles. - E o nível? - Há pessoal novo a andar bem, mas são muito influenciados pelos vídeos americanos.

- Existe alguém em Portugal que te influencie ou que gostes de ver a andar? - O Tiago Relógio que é um chavalo simples. O Ricardo Fonseca e, principalmente, o Hugo Braz, que era o que tinha mais estilo a andar.

- Anda aí uma febre do Euromilhões, se te saísse o que é que compravas? - Não faço ideia, comprava uns acessórios que eu queria, uma grande casa para a minha família, dava-lhes guita até eles morrerem e o resto ficava para mim. - Tens uma família grande? - Não é muito grande, somos 5 irmãos o que é um pouco para além do normal das famílias portuguesas que só querem ter 2 ou 3 filhos no máximo e pronto. - Qual é a origem da tua família? - Angola, mais propriamente Luanda. Eu nasci cá. - Queres dizer alguma coisa sobre ti para finalizar? - Sobre mim, não sei... Sou brincalhão, talvez um pouco gozão demais, mas só quando tenho confiança com as pessoas, divertido, às vezes chato... - Agradecimentos? - Quero agradecer ao Humberto da Volcom, que trata sempre dos meus problemas e vê se não tenho falta de nada; ao Ricardo, que me dá material e me filma; ao João, que me telefona para ir filmar contigo; a ti e aos meus patrocinadores, ao Falcão da Vans. E é isso.


Backside 360 ollie. Sta. Apolรณnia. Lisboa

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Os contadores de histórias O encontro foi no atelier numa mesa redonda enquadrada por dois charriots e uma estante que faz de biombo e nos separa da parte mais técnica deste espaço de trabalho. Do lado de lá, mesas altas, peças de tecido, carrinhos-de-linha gigantes de várias cores e bocados de papel cortados em molde. O espaço é concorrido. Tocam telefones, chegam amigos, colaboradores, enquanto a nossa conversa corre ao sabor das histórias que estes alfaiates têm para contar. Em jeito de provocação, pergunto se os Storytailors se sentem os meninos protegidos da moda portuguesa, riem-se, dizem que tiveram alguma sorte e que o percurso, acidentado, tem de ser gradual e para eles ainda agora começou. Por isso as luzes deste atelier estão acesas sete dias por semana.

Texto de Cláudia Castelo Imagens de Luís de Barros

Fotografia: Luís de Barros Maquilhagem: Antónia Rosa Cabelos: Yohann Peres para Mod’s Hair Manequim: Ellin, Dxl Models

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Mas como é que a moda se cruzou no caminho de João Branco e Luís Sanchez? João Branco percebeu no fim do liceu que Ciências não era a sua área, não tanto pelas disciplinas mas pelas pessoas e pelas saídas profissionais. Assim acabou por ingressar no curso de Design de Moda da Faculdade de Arquitectura de Lisboa. Foi um “atirar-se de cabeça” para uma área com a qual não percebia muito bem que tipo de afinidades tinha.“Nunca fui muito fascinado nem por roupa, nem por marcas, nem por nada, era até um bocado ‘anti’ tudo o que tivesse a ver com o tipo de discriminação social através das peças de vestuário. Às vezes até, enquanto estudante de liceu, tomava a atitude de me vestir deliberadamente mal por saber que ia chocar pessoas que se geriam por esses códigos de conduta.” Talvez o interesse pela moda derivasse do gosto e da facilidade em desenhar que nutria desde criança, nas personagens e histórias que gostava de criar. E então depressa percebeu que a moda reunia uma série de vertentes que lhe interessavam, como a psicologia, o desenho, a aplicação da matemática e da geometria à construção de formas tridimensionais. Havia contudo aspectos neste universo que o desagradavam, como o “giro”, as tendências e o efémero, que passaram a desafio, o de perceber de que forma podia fazer face a eles. O percurso de Luís Sanchez é bem diferente. Nasceu na Venezuela e a apetência para as artes e trabalhos manuais foram sempre incentivados pelos pais e pelas tias, que fomentaram uma infância de experimentação. O choque entre o tropicalismo de uma infância na Venezuela com a adolescência vivida na Madeira, só foi compensado pelo ingresso na Escola Secundária Francisco Ferro, no Funchal, voltada para o ensino das artes. Foi aí que Luís Sanchez deu os primeiros passos neste meio ao conhecer, no início dos anos 90, uma série de pessoas que trabalhavam na moda e que circulavam entre desfiles, aberturas de lojas e performances, num circuito que nada tinha a ver com a super-estrela da moda madeirense, Fátima Lopes. Mas os grandes interesses de Luís Sanchez eram a arquitectura e a escultura pela possibilidade da criação em três dimensões. O interesse definitivo pela moda, apesar de segunda escolha, chegou no fim de um ano de frequência do curso, pelo imediatismo dos resultados na criação de moda comparado com o tempo da arquitectura. Foi o espírito de partilha de informação, de entre-ajuda e de competição saudável que viviam na Faculdade, que acabou por aproximar os dois criadores. Gradualmente foi nascendo um interesse pelos projectos um do outro e pela forma como opinavam e interferiam nos trabalhos. Daí até começarem a trabalhar juntos foi um curto passo. Para João Branco “é mais rico trabalhar em equipa na medida em que se cruzam vários universos e experiências”. O importante para estes criadores é não cair nos vícios de forma do trabalho individual e no modo, por vezes claustrofóbico do fazer, controlando todo o processo. “No trabalho colectivo as ideias complementam-se e pode ser muito compensador não ter 100% de certeza sobre o produto que se está a criar,” afirma ainda. Mas sendo o trabalho criativo solitário por natureza, como se encontram estes dois criadores? A liberdade é a palavra-chave, seguida de respeito e abertura. “A ideia é chegar a uma conclusão comum e produtiva,” diz-nos Luís Sanchez.


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As ideias surgem de forma individual, como é próprio delas, e são trabalhadas por ambos, discutidas, construídas até se transformarem numa nova coisa, onde está diluída a centelha inicial. Depois, essa ideia ganha vida própria e todas as decisões servem o projecto. A ideia dá o mote a um contexto, uma teia simbólica, uma rede de personagens envolvidas numa narrativa imaginada e é neste universo conceptual que nascem as colecções dos Storytailors. Depois surge o aspecto mais técnico e prático do trabalho, que tem que ver com a criação de formas, a estruturação das peças da colecção onde a experimentação não tem limites e todos os métodos são válidos para se conseguirem novas formas. As referências são muitas, desde contos tradicionais, passando pela versão transformers da Rainha de Copas de “Alice no País das Maravilhas” com a Rainha Santa Isabel, ou ainda a Cinderela em versão chinesa. O que contam as histórias dos Storytailors? O universo dos Storytailors é o dos contos de fadas, dos símbolos, da literatura popular e da fantasia. É com esta linguagem que os criadores respondem a uma certa tendência racionalista e minimalista da moda. Uma reacção a um sistema que consideram fútil, volátil e efémero e por isso tentam, com as suas criações, apresentar alguma substância que resista ao espírito do tempo. Para João Branco, os Storytailors pretendem criar “um sistema de funcionamento para o nosso projecto que para além de ser viável economicamente, seja intelectualmente compensador, e que não tenha de obedecer a todos os parâmetros do sistema: colecções de 6 em 6 meses, o que se usa agora já não se usa depois, vão-se usar as mini-saias, as cores x, y, z.” Querem criar uma alternativa a essa indústria voraz que rapidamente condena as colecções ao esquecimento e que tolhe a criação com tantos princípios. Assim, põem de lado as tendências e criam histórias como álibi para o processo criativo, exógenas ao sistema, a partir das suas experiências e vontades pessoais. Estas narrativas não obedecem a ditames internacionais, surgem de elementos caóticos, de associações inverosímeis, de memórias de infância como o “Touro Azul”, baseado num conto popular alentejano. Não existe o corte ou a cor da estação, existem sim uma série de referências simbólicas, visuais e gráficas que surgem deste método criativo. No caso do “Touro Azul”, onde se respira casa portuguesa pelos poros, com naperons em cima da televisão, colchas de renda e imagens de N.ª Senhora, são transportados para a colecção as lérias (tipo de croché em padrão de fractal) ou ainda o nome da personagem, Júlia, que faz referência ao mais pequeno fractal que há registo. A reacção ao sistema da moda não passa apenas pela definição de um universo conceptual, mas por uma atitude de pesquisa constante que perdura entre as colecções, de exploração de novos processos de construção. Um desses novos processos de construção foi sugerido pela leitura do “Touro Azul”. “Uma das partes da história que mais nos intrigava era que, a dada altura, a personagem principal tirava um lenço branco do ouvido do Touro Azul, desdobrava-o e lá dentro havia um lanche inteiro,” conta Luís Branco. Este elemento surrealista da narrativa levou-os a criar peças muito estruturadas, sem corte, fazendo uso também de Origami, uma técnica que envolve a construção de volumes por dobragem.


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Mas até que ponto esta subversão do sistema não resulta como uma fórmula de criação que fecha, mais do que abre, os horizontes? Para os Storytailors este método é a sua linguagem, o seu fio condutor que determina a pesquisa, sistematiza o conhecimento e permite que, de umas colecções para outras, se desenvolvam descobertas, se aperfeiçoem técnicas e até se descubram ligações temáticas. Assim, tal como estas histórias são intemporais, também as suas colecções o pretendem ser. Tanto as peças da colecção como as personagens que as habitam vivem para lá do seu contexto. As histórias ficam escritas, registadas e podem ser lidas no site dos Storytailors. Neste momento todas estas peças do processo criativo se independentizam, são vários produtos que vivem por si, peças de vestuário com vida própria sem touro azul com um lanche dentro do ouvido. A história fica, tal como as produções fotográficas que têm feito com o fotógrafo Luís de Barros. Porque a certa altura do processo, da história surgem imagens tão concretas que têm que ser materializadas. Mas esta imagem que acompanha as colecções dos Storytailors, produzida em sessões fotográficas elaboradas, pretende também ela ser uma reacção à indústria de sonhos que é a moda, ao consumo desenfreado que ela convoca em imagens de sucesso, de mulheres bonitas, irreais, com liftings de Photoshop. Para Luís Sanchez e João Branco retratar Júlia com tez azul petróleo é levar as pessoas a questionar aquela imagem, ao mesmo tempo que as transporta para o seu universo onírico. E para quem é que os Storytailors criam as suas colecções? Para todos, dizem, mas principalmente para aqueles que por fuga à realidade se identificam com este universo e que até estabelecem relações de cumplicidade com as peças que adquirem ao vestir a pele dessas personagens. Por enquanto as peças dos Storytailors podem ser adquiridas em apenas algumas lojas em Lisboa (Zen, Alma Lusa), Leiria (Maison) e Porto (Nova Deluxe, Cocktail) e, claro, no atelier dos criadores, mas o projecto passa por encontrar um espaço próprio que possa ser a casa de todas estas histórias. A estratégia dos Storytailors é a de criar duas colecções paralelas. De um lado a Storytailors Atelier, a linha que deriva directamente das histórias, no fundo o balão de ensaio dos criadores. Peças com carácter único, tempos de produção elevados, processos artesanais de construção que dão origem a produtos com preços de venda ao público acima dos 300 Euros. Em paralelo os criadores desenvolvem uma outra linha, a Narkë, que se destina a criar peças numa lógica de pronto-a-vestir que possam ser produzidas industrialmente. Em termos de concepção a Narkë resulta da experimentação desenvolvida na criação das colecções/história, é um apanhado das conclusões que tiram sobre os processos de construção, uma espécie de menor denominador comum das peças. O que fica de estrutural de todos os processos explorados e ao qual se aplica o filtro da indústria de forma a democratizar o produto. Se para já esta democratização passa pela presença em algumas lojas e pela afirmação em projectos como um guarda-roupa para o extinto Ballet Gulbenkian ou para o grupo musical Music Box, a ambição dos Strory Tailors é o mercado internacional. Os Storytailors, tais como outros criadores da sua geração com quem têm afinidades como Sara Lamúrias ou Ricardo Dourado, procuram novas formas de criar e de fazer chegar o seu produto aos interessados. Mas apesar de reconhecerem que a moda nacional vive um bom momento, dizem que ainda estão à espera de tempos mais auspiciosos.

www.storytailors.pt


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Texto de Boldfinger Ao som de John Coltrane, “Giant Steps” (1959)

“A democracia exerce-se no supermercado.” A frase, cujo autor deveria ser por ela nomeado para o Prémio Nobel da Literatura, pode adaptar-se ao universo dos blogs, transformando-se em qualquer coisa do tipo: A liberdade exerce-se na blogosfera. O termo blogosfera é ainda uma criatura relativamente sinistra para a maioria da população portuguesa, mesmo para aquela que com alguma regularidade utiliza a Internet. É nela que se acolitam, basicamente, pensamentos, imagens e sons de uma forma verdadeiramente democrática: qualquer pessoa pode transmitir ao mundo o que bem lhe aprouver. Há uma categoria da chamada blogosfera portuguesa em crescendo considerável e a contribuir fortemente para a manutenção da parte boa da ideia de “intelectualidade”. São os blogs alimentados por amantes de música, jornalistas, críticos, músicos, o que quer que seja que se relacione com a arte que mais consumimos. Os blogs portugueses que se dedicam à música são, progressivamente, o espaço onde se toma contacto com realidades que quase obrigatoriamente escapam à chamada indústria discográfica. De resto, a própria indústria é pródiga em atacar tudo o que surja por via informática como combate ao papão da pirataria. É, portanto, nesses blogs que muitas vezes encontramos o que realmente importa para alimentar a fome de conhecimento. De notícias a opiniões, de críticas a crónicas de viagens, de preciosas indicações de como fazer e encontrar isto ou aquilo à disponibilização de música para que melhor se entenda o alcance dos posts (aquilo que se escreve nos blogs), da recomendação de livros à chamada de atenção para este ou aquele jornalista ou publicação – de tudo está actualmente disponível nos sites de uma série de pessoas que pensam, vivem e generosamente partilham aquilo que sabem e ouvem. A proliferação deste relativamente recente meio de comunicação não é alheia a uma conjuntura que é tão económica quanto cultural. Na realidade, a forma como os mais informados consumidores da coisa musical não se revê em 90 por cento dos órgãos de comunicação que dedicam espaço à música está na origem de muitos destes blogs. Em Portugal, as rádios de dimensões nacionais, ditas de maiorias, ignoram olimpicamente o papel da divulgação, da formação. Os canais de televisão, salvo excepções que ainda com escassa frequência chegam via cabo, são reflexos simétricos de uma população que maioritariamente não deseja saber mais do que aquilo que lhe dizem estar “no top”. Na imprensa, que alguns teimam em adjectivar como “escrita”, encontram-se os melhores exemplos de análise, pensamento, reportagem, entrevista, crítica. Simplesmente, são em número limitado para a quantidade de pessoas realmente habilitadas para fazê-lo, elas próprias atentas a publicações que não são feitas em Portugal. Por isso mesmo, angariam e desenvolvem mais ideias, mais e novas formas de partilhar a sua obstinação pelas canções e por tudo o que lhe está à volta.

Blogs nacionais: A Forma do Jazz http://aformadojazz.blogspot.com/ A Vítima Respira? http://avitimarespira.blogspot.com/ Clube de Fãs do José Cid http://clubedefansdojosecid.blogspot.com/ Crónicas da Terra http://cronicasdaterra.weblog.com.pt/ Hit da Breakz http://hitdabreakz.blogspot.com/ Juramento Sem Bandeira http://juramentosembandeira.blogspot.com/ O Som e a Fúria http://osom-e-afuria.blogspot.com/ Planeta Pop http://planeta-pop.blogspot.com/ Rita Carmo http://ritacarmo.blogspot.com/ Sound + Vision http://sound--vision.blogspot.com/

Blogs estrangeiros: BlissBlog http://blissout.blogspot.com/ Diggin’ Music http://www.digginmusic.blogspot.com/ Fluxblog http://www.fluxblog.com/ Michaelangelo Matos http://m-matos.blogspot.com/ Notes From a Different Kitchen http://differentkitchen.blogspot.com/ Online Music Blog http://www.onlinemusicblog.com/ Poplife http://poplifeblog.blogspot.com/ Recording Industry vs The People http://recordingindustryvspeople.blogspot.com/ Review Stalker http://reviewstalker.blogspot.com/ Royal Music http://royalmusic.blogspot.com/

SLANG /// power to the bloggers /// 093


NUNCA COMO NA ACTUALIDADE O DENOMINADO MUNDO OCIDENTAL MOSTROU TAMANHO GRAU DE SATURAÇÃO FACE AO MUNDANO, AO QUOTIDIANO, AO ROTINEIRO. MAIS DO QUE EXOTISMO, PROCURA-SE HOJE O ESCAPISMO E, NO LIMITE, A ESPIRITUALIDADE QUE NOS PARECE INTACTA EM CIVILIZAÇÕES AINDA NÃO DEVORADAS PELA LÓGICA DO DEVE E DO HAVER.

“A Praia”, provavelmente um dos dois ou três filmes com tradução inteligente do título para português (no original é “The Beach”), é uma mão cheia de inconsequência estética e intelectual e, com toda a certeza, a pior película de toda a vida passada e futura de Danny “Trainspotting” Boyle. Leonardo Di Caprio a isso muito ajuda, no papel de um inócuo Richard com os cueiros ainda agarrados ao traseiro. O livro que lhe dá origem, por seu turno, é uma assombrosa ilusão sobre um grupo de cidadãos ditos ocidentais que encontram numa indescritível praia tailandesa o ponto de partida para a construção de uma comunidade organizada em torno da ideia da rejeição da sobrevivência em cenário urbano. Publicado em 1997, “A Praia” funciona na perfeição como ponto de partida para aquilo de que nestas simbólicas linhas se fala. Ainda que sem correr os riscos com que a personagem central do livro se debate na conquista da sua quimera, são aos milhares os indivíduos que, actualmente, procuram em Histórias e culturas que lhes não pertencem essa nobilíssima arte do escapismo. Entalados entre uma comunidade que, de forma arrogante, julga saber demais e uma outra que, de forma criminosa, se recusa a saber o que quer que seja, essa mole encontra nas mais diversas formas de expressão, consumo e diáspora, soluções pontuais para uma existência aparentemente sem razão de ser. O universo artístico é, por natureza, aquele em que de forma mais radical se manifesta esse desapego pela vivência urbana em sentido amplo. Não é por acaso que Miguel Sousa Tavares e as suas viagens se vendem como pãezinhos quentes, como não é por acaso que o tardiamente emergente Gonçalo Cadilhe se transformou no guru de numerosos jovens (à falta de palavra melhor, que se use esta) com ânsia de conhecer mais do que aquilo que conhecem. Também não é por acaso que, na música, em Portugal se assiste há meia-dúzia de anos

à disseminação da chamada world music (com África, os Balcãs e o mundo arábico no topo das preferências) e, muito concretamente, da que tem origem na Jamaica, essa ilha distante onde se alia uma espiritualidade resgatada a um questionável líder e imperador etíope ao consumo daquilo que se inscreve em diversos escritos como “a erva do conhecimento”, mais precisamente a marijuana. A arte do escapismo não passa pela viagem mortífera proporcionada por uma seringa, antes pela pesquisa, preferencialmente diletante, em torno de paradigmas e fórmulas diversas que ajudam a aceitar o atraso no subsídio de desemprego, a descrença absoluta na actividade política, a cegueira assustadora de quem, por uma razão ou por outra, tem na mão a ferramenta (o graveto) para mexer na ordem estabelecida, os dias do ano perdidos num autocarro poluente que invariavelmente cumpre a função de ligar a casa ao local de trabalho. Hoje, as crianças, filhos nossos e de outros, tentam explicar-nos o encanto da fantasia que se acolita em torno de feiticeiros, ogres e criaturas de semelhante calibre. Também elas procuram o que não as constrange. Há uns anos, não sei precisar quantos, o optimismo epidérmico do Dalai Lama era posto à prova quando, numa entrevista, lhe perguntavam como encarava ele o absoluto desrespeito pela ecologia demonstrado por entidades individuais e colectivas. Com a naturalidade que se lhe reconhece, respondeu que estávamos então numa situação muito melhor do que aquela que até aí se conhecia. Pelo simples facto de que havíamos tomado consciência do problema, começado a discuti-lo e iniciado um esforço de inversão de marcha. É precisamente isso que muitos fazem no momento presente. Conscientes dos anos de vida que a cidade como a conhecemos nos rouba, mas inevitavelmente a ela ligados por razões tão díspares quanto a falta de coragem ou a falta de dinheiro, todos os momentos não devorados pela máquina da produção são investidos no consumo, na criação e na partilha de saberes que nunca herdámos. Por essas e por outras, somos muito mais ricos do que pensamos ser. Nem o finado imposto sucessório conseguiria fazer alguma coisa contra isso.

Texto de Boldfinger Ao som de “Drum Song”, Jackie Mittoo (2003) Ilustração de Paulo Arraiano


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slangexpression.blogspot.com




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