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MINDLIN O BRASIL E A CULTURA PERDEM AQUELE QUE MAIS AMOU O LIVRO ENTRE NÓS Desprendido e generoso, ele doou à Universidade de São Paulo a mais preciosa biblioteca particular do País, com cerca de 40 mil títulos. VIDAS | PÁGINAS 43, 44 E 45

Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

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Jornal da ABI

F EVEREIRO 2010

SUPREMO IMPLANTA O CAOS NO JORNALISMO Com a decisão capitaneada pelo Ministro Gilmar Mendes, oito meses depois instalou-se a balbúrdia em relação à questão do registro profissional para o exercício da atividade de jornalista. PÁGINAS 19 E 20

SÓCIO COOPERADOR DA ABI PODE VOTAR ASSEMBLÉIA-G ERAL DA CASA AMPLIA O DIREITO DE VOTO . P ÁGINAS 7 E 8

JORNAIS IMPORTANTES AGORA NO COMPUTADOR NA TELINHA, VEÍCULOS COMO A UH, DE W AINER . P ÁGINAS 3, 4, 5 E 6

TEMOS NOME PARA O NOBEL: ABDIAS ALIEDO

INSTITUIÇÕES DAQUI E DO EXTERIOR DÃO APOIO. P ÁGINAS 34, 35 E 36

TIRA DE SEQÜESTRO NO CONE SUL PROCESSA JORNALISTA

L IBERDADE DE IMPRENSA | PÁGINAS 22 E 23


Editorial

DESTAQUES DESTA EDIÇÃO 03

Documentação - Memória virtual e bem real

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P olêmica - Um mar de desacordos

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Depoimento - Carlos Alberto Luppi

CONSERVADORISMO E MÁ-FÉ A INSTITUIÇÃO DO III Programa Nacional de Direitos Humanos, objeto de decreto firmado pelo Presidente da República em 21 de dezembro passado,desencadeou uma onda de críticas, reparos e recriminações de setores e personalidades inconformados com as disposições do texto elaborado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República como coroamento de demorado esforço coletivo, de que participaram, em conferências estaduais e no âmbito federal, organizações da sociedade civil que tinham significativa contribuição a oferecer acerca de tão relevante tema. MUITAS DAS CRÍTICAS refletiam a insatisfação legítima de respeitáveis setores da vida social e suas instituições, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, que se insurgiu, por razões de princípio, contra as disposições do Programa referentes à polêmica questão do aborto, que divide a sociedade e até mesmo segmentos da própria Igreja Católica. As manifestações da CNBB acerca desse ponto não constituíram surpresa, já que é conhecida de há muito a posição do Vaticano contrária à interrupção da vida durante o processo de gestação. Não há por que, portanto, estranhar os pronunciamentos não só da CNBB, como órgão maior da hierarquia da Igreja Católica, mas também dos clérigos que intervieram e ainda intervêm nesse debate, que tende a se prolongar pelo tempo afora. NÃO SÃO FUNDADAS em qualquer réstia de legitimidade outras objeções ao Programa, muitas das quais fruto de evidente má-fé e de incontestável tentativa de enganar a opinião pública, como a de se apresentar como fato acabado e em plena vigência tudo o que consta do texto subscrito pelo Presidente, sem se aler-

Jornal da ABI Número 351 - Fevereiro de 2010

Editores: Maurício Azêdo e Francisco Ucha Projeto gráfico e diagramação: Francisco Ucha Edição de textos: Maurício Azêdo Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz, André Gil, Conceição Ferreira, Diogo Collor Jobim da Silveira, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Mário Luiz de Freitas Borges. Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas (Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva, Paulo Roberto de Paula Freitas. Diretor Responsável: Maurício Azêdo Associação Brasileira de Imprensa Rua Araújo Porto Alegre, 71 - Rio de Janeiro, RJ Cep 20.030-012 Telefone (21) 2240-8669/2282-1292 e-mail: presidencia@abi.org.br

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tar que a adoção de inúmeras disposições nele contidas depende de formulação de projeto a ser encaminhado ao Congresso Nacional para ser por este aprovado ou rejeitado. Os autores desses questionamentos são macacos velhos, para usar a expressão popular, têm absoluto conhecimento dessa premissa essencial, mas insistem em esgrimi-la como forma de atacar o Governo. No fundo, porém, não é este o atingido pelos golpes a respeito desfechados, mas sim o conjunto da sociedade, que, através de organizações representativas, viu incorporadas ao Programa mudanças e inovações que correspondem às opiniões e sentimentos recolhidos ao longo de sua militância social, como é o caso da própria legislação do aborto. A MOTIVAÇÃO ILEGÍTIMA de outras objeções fica clara, por exemplo, na alegação de que o Programa Nacional de Direitos Humanos inclui entre outras medidas a criação de um ranking sobre a atuação da imprensa, o qual constituiria uma demonstração de que o atual Governo estaria propenso ou cogitaria de impor restrições à liberdade de expressão e à liberdade de informação. Esse aspecto é apresentado como novidade do Programa, omitindo-se a informação de que tal proposição não é original, pois constara dos dois Programas anteriores, elaborados sob a liderança de uma personalidade de comprovada militância democrática, o ex-Secretário de Direitos Humanos José Gregory. ESTAMOS, POIS, DIANTE de manifestações preocupantes não tanto por seu teor conservador ou, em muitos aspectos, reacionário, mas pela absoluta falta de ética daqueles que dela não podem abrir mão, até em respeito à credibilidade que precisam ter.

DIRETORIA – MANDATO 2007/2010 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Tarcísio Holanda Diretor Administrativo: Estanislau Alves de Oliveira Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê) Diretor de Jornalismo: Benício Medeiros CONSELHO CONSULTIVO 2007-2010 Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira (in memoriam), Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura. CONSELHO FISCAL 2009-2010 Geraldo Pereira dos Santos, Presidente, Adail José de Paula, Adriano Barbosa do Nascimento (in memoriam), Jorge Saldanha de Araújo, Luiz Carlos de Oliveira Chesther, Manolo Epelbaum e Romildo Guerrante. MESA DO CONSELHO DELIBERATIVO 2009-2010 Presidente: Pery Cotta 1º Secretário: Lênin Novaes de Araújo 2º Secretário: Zilmar Borges Basílio Conselheiros efetivos 2009-2012 Adolfo Martins, Afonso Faria, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Álvarez Campos, Jorge Miranda Jordão, José Ângelo da Silva Fernandes, Lênin Novaes de Araújo, Luís Erlanger, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho, Pery de Araújo Cotta e Wilson Fadul Filho.

Representação de São Paulo Diretor: Rodolfo Konder Rua Dr. Franco da Rocha, 137, conjunto 51 Perdizes - Cep 05015-O4O Telefones (11) 3869.2324 e 3675.0960 e-mail: abi.sp@abi.org.br

Conselheiros efetivos 2008-2011 Alberto Dines, Antônio Carlos Austregesylo de Athayde, Arthur José Poerner, Carlos Arthur Pitombeira, Dácio Malta, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima (in memoriam), Leda Acquarone, Maurício Azêdo, Mílton Coelho da Graça, Pinheiro Júnior, Ricardo Kotscho, Rodolfo Konder, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa.

Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda. Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1.808 Osasco, SP

Conselheiros efetivos 2007-2010 Artur da Távola (in memoriam), Carlos Rodrigues, Estanislau Alves de Oliveira, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico, José Rezende Neto, Marcelo Tognozzi, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê), Sérgio Cabral e Terezinha Santos.

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L e ggislação islação - Diploma: STF desencadeou contradições

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Meio ambiente - André Trigueiro, destaque especial

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Prêmios - Mais duas premiações para Época

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Campanha - Imagens a serviço da solidariedade

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Publicação - Para aplaudir de pé

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Bióg rafa - Uma autora de estrelas Biógrafa

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Memória - 200 anos do nosso primeiro grande editor

Mobilização - Nobel da Paz para Abdias Nascimento ○

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SEÇÕES SA GEN S 09 M E N NS AG NS A C O N T EEC CEU NA AB BII 07 A ABI amplia o direito de voto ○

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L I B E RRD D A D E D E IM P R E N SA NS Uma história que não pode ser apagada ○

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Uma profissão sob constante risco

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D I R E I TTO O S HU M A N O S Ranking na imprensa foi proposto no Governo FHC

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“Tortura não é crime político. Está fora, portanto, da Lei da Anistia”

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Anistia para operários e para Mário Covas

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L IVROS Adolpho Lutz, o cientista que descobriu as doenças de massa no Brasil

Murilo Antunes Alves

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Pedro França Pinto

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Antônio Castigliola

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V I DA S José Mindlin ○

Conselheiros suplentes 2009-2012 Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Argemiro Lopes do Nascimento (Miro Lopes), Arnaldo César Ricci Jacob, Ernesto Vianna, Hildeberto Lopes Aleluia, Jordan Amora, Jorge Nunes de Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marcus Antônio Mendes de Miranda, Mário Jorge Guimarães, Múcio Aguiar Neto, Raimundo Coelho Neto (in memoriam) e Rogério Marques Gomes. Conselheiros suplentes 2008-2011 Alcyr Cavalcânti, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Ruy Bello (in memoriam), Salete Lisboa, Sidney Rezende,Sílvia Moretzsohn, Sílvio Paixão e Wilson S. J. de Magalhães. Conselheiros suplentes 2007-2010 Adalberto Diniz, Aluízio Maranhão, Ancelmo Góes, André Moreau Louzeiro, Arcírio Gouvêa Neto, Benício Medeiros, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Luiz Sérgio Caldieri, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio. COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Jarbas Domingos Vaz, Presidente, Carlos Di Paola, José Carlos Machado, Luiz Sérgio Caldieri, Marcus Antônio Mendes de Miranda, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Toni Marins. COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Orpheu Santos Salles, Presidente; Wilson de Carvalho, Secretário; Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva e Yacy Nunes. COMISSÃO DIRETORA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Paulo Jerônimo de Sousa, Presidente, Ilma Martins da Silva, Jorge Nunes de Freitas, José Rezende Neto, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli e Moacyr Lacerda. REPRESENTAÇÃO DE SÃO PAULO Conselho Consultivo: Rodolfo Konder (Diretor), Fausto Camunha, George Benigno Jatahy Duque Estrada, James Akel, Luthero Maynard, Pedro Venceslau e Reginaldo Dutra.


DOCUMENTAĂ‡ĂƒO

MEMĂ“RIA VIRTUAL E BEM REAL Projetos de diversas instituiçþes pĂşblicas recuperam a HistĂłria da Imprensa no PaĂ­s com a digitalização e publicação na internet de centenas de periĂłdicos e milhares de pĂĄginas de periĂłdicos que marcaram ĂŠpoca.

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A internet e a imprensa vivem uma relação tensa de longa data. Adorada por uns devido aos novos recursos e agilidade que trouxe Ă reportagem e odiada por outros, especialmente quando se fala da atual crise dos impressos ou de sua vocação para a efemeridade e a superficialidade, a rede mundial de computadores agora ĂŠ uma aliada do jornalismo em outra ĂĄrea: a preservação da memĂłria. Diversas instituiçþes e ĂłrgĂŁos pĂşblicos, de universidades e bibliotecas a arquivos pĂşblicos, aproveitaram as comemoraçþes dos 200 anos da imprensa no Brasil, celebrados em 2008, para iniciar projetos de digitalização de jornais e revistas que marcaram ĂŠpoca. Atualmente, centenas de tĂ­tulos e milhares de pĂĄginas estĂŁo on-line, a um clique de distância de pesquisadores, estudantes e interessados nĂŁo apenas na trajetĂłria da imprensa, mas na descoberta do modo de vida e do caminho percorrido por uma nação inteira. Graças Ă tecnologia, periĂłdicos como Ăšltima Hora, de Samuel Wainer, a revista O Malho, o Correio Paulistano, primeiro diĂĄrio da provĂ­ncia de SĂŁo Paulo, e O Universal, uma das mais antigas folhas mineiras, podem ser lidos novamente, desta vez no mundo virtual. POR MARCOS STEFANO

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ários desses projetos surgiram a partir da microfilmagem do acervo físico guardado por hemerotecas e bibliotecas públicas, trabalho que vem sendo feito há algum tempo. O Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, por exemplo, participou do Plano Nacional de Microfilmagem de Periódicos Brasileiros, coordenado pela Biblioteca Nacional, que reproduziu e preservou milhares de títulos de periódicos de todo o Brasil. Em 1986, uma parte do material capixaba já fora disponibilizado na forma de catálogo. Desde então, outros títulos se somaram ao projeto e mais recentemente, em comemoração ao centenário do Arquivo Público, o primeiro exemplar de cada um dos 72 veículos de 13 diferentes Municípios do Espírito Santo foi para a rede e pode ser baixado em formato PDF. Está lá até mesmo o primeiro número do Correio de Victória, com o qual nasceu efetivamente, em 1849, a imprensa capixaba. Em alguns casos, as publicações digitalizadas são de alguma coleção. É o caso do Acervo Linhares, formado por centenas de títulos que circularam em Belo Horizonte entre os anos de 1895 e 1954. Apesar de não ser jornalista, Joaquim Nabuco Linhares era fascinado pela imprensa de seu tempo. Ele rastreava todos os jornais publicados na capital mineira e colecionava um a um sem fazer qualquer julgamento. Não interessava se era sofisticado ou não. Assim adquiriu publicações mimeografadas, folhas datilografadas e gazetas mais elaboradas, daquelas que existem até hoje, mas que começaram a ser produzidas em Belo Horizonte no começo da industrialização da imprensa, em 1920. Quando faleceu, em 1956, Linhares deixou para a família aquilo que chamou de “itinerário da imprensa”, com 839 títulos e uma resenha escrita de

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próprio punho de cada um. São milhares de exemplares de natureza política, literários, culturais, humorísticos, associativos, esportivos e de operários. Também de italianos, árabes, alemães; folhas católicas, maçônicas, protestantes, espíritas, boletins e revistas estudantis; informes de blocos carnavalescos, panfletos publicitários e grandes jornais comerciais. Desde que o acervo foi adquirido pela Universidade Federal de Minas Gerais, em 1976, começou-se a buscar alternativas de se preservar esse material e torná-lo acessível ao maior número de interessados. Se a primeira questão foi resolvida com a microfilmagem, a última só se tornou possível com a digitalização e publicação da Biblioteca Digital Linhares na internet. Mesmo assim, o caminho ainda promete ser longo: estão disponíveis na web os veículos com títulos que começam até a letra H, ou seja, pouco mais de um terço do total.

266 periódicos “democratizados” A formação dos acervos que estão sendo digitalizados costuma ser comparada pelos pesquisadores e responsáveis pelos projetos à própria edição de um jornal: nada é aleatório. Assim como a imprensa seleciona, ordena, estrutura e narra as notícias, aqueles jornais formam uma imagem da sociedade da época. Os exemplares guardados precisam ser escolhidos, assim como os que serão digitalizados: – Esse tipo de material é muito consultado. Manter o acervo físico disponível para exame dos interessados é caro e limita muito o acesso. Os jornais estão microfilmados desde os anos 1970, mas leitoras de microfilme custam caro. A internet nos ofereceu uma forma de democratizar a informação e um novo meio de preservar tudo – explica o professor Renato Pinto Venâncio. Em 2005, quando Venâncio era o Superintendente do Arquivo Público

Mineiro-APM, começou a ser projetada a digitalização de uma das mais completas coleções de impressos do País, o Jornais Mineiros do Século XIX: digitalização, indexação e acesso. Realizado pela Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais, através do Arquivo Público e da Superintendência de Bibliotecas Públicas/Hemeroteca Histórica, e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais-Fapemig e Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, o projeto já colocou desde 2006 na internet mais de 70 mil páginas de 267 periódicos mineiros publicados entre os anos de 1825 e 1900. Além de periódicos responsáveis pela divulgação de ações governamentais, a coleção virtual mineira possui periódicos de cunho religioso, como O Bom Ladrão, criado em 1873, na cidade de Mariana, e O Lar Catholico, fundado em Juiz de Fora, em 1891. Ainda


há jornais de cunho republicano, que começaram a ser publicados na segunda metade do século XIX e se transformaram em instrumentos de agitação política. Um dos mais conhecidos foi o Minas Livre, também de Juiz de Fora, que no ano de 1891 alcançou tiragens de mil exemplares por edição. Apesar da quantidade de páginas online, é curioso que o primeiro periódico do Estado, o Compilador Mineiro, de 1823, não faça parte do projeto. A única coleção que se sabe ainda existir da publicação pertence à Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Em contrapartida, O Universal, uma folha de tendência moderada lançada no mesmo mês em que o Compilador fechou, no ano de 1825, está completa no site do APM. Durante 17 anos, esse jornal funcionou como uma espécie de diário oficial da província: era responsável pela publicação dos atos governamentais e trazia em suas páginas decretos, editais, leis da Presidência da Província e discussões das Assembléias Provincial e Geral. Outro jornal responsável por divulgar atos governamentais, O Correio de Minas, também teve exemplares digitalizados e disponibilizados na rede. A ação do Arquivo Público Mineiro mostra a importância dos projetos de digitalização para a conservação da memória da imprensa e do País. O acervo que agora ganha a web começou a ser formado em fins do século XIX pelo historiador e Deputado provincial José Pedro Xavier da Veiga. Fundador e primeiro diretor do APM, Veiga foi um dos responsáveis pela determinação de que o trabalho da recém-criada repartição não se limitaria ao recolhimento de documentos da administração pública estadual, mas se estenderia aos Municípios. Para tanto, instituiu correspondentes encarregados da aquisição dos documentos em cada localidade. Segundo levantamento feito pelo ór-

gão, somente de 1824 a 1897 Minas Gerais teve 863 gazetas, publicadas em 118 cidades, vilas ou arraiais. O APM teve em seu poder grande parte desses jornais, mas apenas 266 sobraram para contar a história. – É uma pena, pois nada melhor do que documentos de época para falar sobre nossa trajetória. No site do Arquivo Público há fotografias históricas, filmes que contam o passado de Minas Gerais, documentos manuscritos e teses acadêmicas. Esse material, além de preservado, tem acesso irrestrito. E os jornais se juntam a eles, acredito, de forma pioneira no Brasil. Na coleção temos jornais de todos os tipos: políticos, culturais e até voltados para o público feminino, como o Mimo. Além disso, não estamos centralizados apenas na capital, mas temos feito diversas parcerias com Municípios do interior. Iniciativas como a da cidade de Oliveira, que digitalizou o jornal Gazeta de Oliveira de 1887 a 2000, mostram que esse trabalho

só será bem feito com envolvimento de todos – afirma Venâncio. Quem pesquisar a coleção Jornais Mineiros do Século XIX: digitalização, indexação e acesso terá um recurso importante para facilitar o trabalho. Trata-se do Sistema Integrado de AcessoSAI, a base informatizada que permite analisar o material de diferentes formas. Tanto se pode procurar o periódico pelo nome quanto pela data de sua publicação ou pela cidade onde circulou. A consulta ainda permite cruzar esses dados, apontando para veículos específicos em certas datas. Com ferramentas de ampliação de imagem, a leitura torna-se bastante simples. Essa é uma história que ainda promete ir longe. Isso porque o processo de digitalização continua sendo feito, agora com jornais da primeira metade do século XX. Essa nova etapa está a cargo da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa, a guardiã de todo o acervo físico da imprensa mineira:

– Já temos cerca de 500 mil páginas digitalizadas. Entre elas, veículos como O Minas Gerais, que surgiu em 1897, a Folha de Minas, no período de 1934 a 1954, o Diário de Minas e o Estado de Minas. Esse material pode ser consultado pelos pesquisadores que vierem até aqui. Não colocamos na internet ainda por causa da questão dos direitos autorais – justifica a Diretora da Biblioteca, Thaís Queiroz Brescia. Apesar disso, está sendo feito um levantamento sobre quais dessas publicações, todas datadas até 1945, não terão impedimentos legais para ir ao site da instituição tão logo sejam liberados os recursos para a publicação. Última Hora e Movimento Veículos que marcaram época no País são destaque da mais nova página temática lançada por outro Arquivo Público, o de São Paulo. Já é possível encontrar na Memória da Imprensa boa parte das edições do jornal Última Hora,

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mil páginas e imagens em seu site: – Um dos novos jornais que deve entrar na rede chama-se O Combate. É uma folha publicada entre 1915 e 1930, com oito páginas e que saía duas vezes por semana. Já foi considerada injustamente um veículo comunista, quando nem o Partido Comunista ainda havia sido fundado no País. Na verdade, o jornal era uma dissidência da elite cafeeira, que apoiou o Movimento Tenentista e se opôs ao Correio Paulistano. Um veículo essencial para se compreender a Primeira República e que, agora, está disponível a todos – exemplifica Ávila. Como outros arquivos públicos, o de São Paulo trabalha não apenas com os jornais. Entre suas páginas temáticas há uma que conta a formação de São Paulo e dos Municípios por meio de correspondências. Outra traz diversas instruções públicas paulistas na história. Logo deve entrar no ar a do Rio de Janeiro, de revistas como O Malho, no período de 1902 a 1954, e da chamada imprensa alternativa dos tempos da ditadura militar, especialmente do semanário Movimento. Estão on-line 15 diferentes títulos que a instituição guardava em microfilme e que agora podem ser consultadas pela internet. Além das publicações citadas, foram digitalizadas as revistas A Cigarra (1914-1975), Panóplia (1901-1935), Anauê! (1935), Vida Moderna (19071925) e Escrita (1975-1988); os jornais Lanterna (1901-1935), Acção (1936), Germinal (1902-1913), Diário de Santos (1872-década de 1920), o sindicalista Notícias Gráficas (1945-1964) e o anarquista La Barricata (1912-1913). Nenhuma coleção, no entanto, é tão completa quanto a do Correio Paulistano (1854-1963), o primeiro diário da Província de São Paulo. O desenho da página da Memória da Imprensa é outro atrativo à parte. A diagramação lembra um jornal em que as coleções mais completas e consultadas ganharam destaque e aparecem na forma de “manchetes”. Ainda é possível fazer o download de algumas capas para utilizar como papel de parede. – Nem todo o acervo está no ar. Boa parte do material será usada para alimentar periodicamente o site, com a inclusão de mais títulos e outros exemplares dos periódicos disponíveis e daqueles conseguidos com parcerias. Neste primeiro momento, nossa prioridade não foi tanto a quantidade, até por causa dos recursos que tínhamos. A Cigarra, por exemplo, está apenas em sua primeira fase na internet. Ainda falta uma parte expressiva. Queremos apresentar os veículos, mostrar a potencialidade de pesquisa e ir aumentando – diz Lauro Ávila Pereira, Diretor do Departamento de Preservação e Difusão do Acervo do Arquivo Público do Estado. Ávila considera que jornais e revistas dialogam com a documentação oficial preservada pelos arquivos públicos. A prova disso está na própria página da 6

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Memória da Imprensa. Ali é possível encontrar em primeira-mão acontecimentos marcantes e conhecer os meandros da sociedade em cada período. É o que acontece quando se acompanha as edições do Diário de Santos. Encontrase o debate público ocorrido no início do século passado sobre as deficiências do tratamento de esgoto na cidade. O jornal registra as reivindicações da população e a solução adotada, que foi implementar o projeto de saneamento básico desenvolvido pelo engenheiro Saturnino de Brito, com seus canais, a obra mais marcante do projeto e, até hoje, uma referência urbana na localidade. Ao ler essas publicações percebe-se como, sem a pressão da periodicidade e do tempo, a imprensa narra a história. O periódico de Samuel Wainer, responsável por consolidar a moderna identidade do jornalismo popular brasileiro, apoiando os Governos Getúlio Vargas e João Goulart e suas políticas trabalhistas, tem apenas sua versão carioca na rede. A paulista pertence à Folha de S. Paulo. Também nem todos os exemplares do período – 1951 a 1971 – estão digitalizados, mas o material disponibilizado é o mais importante da existência do veículo. A digitalização, nesse caso, foi uma ótima estratégia para preservar um material bastante danificado pelo tempo. Em 1989, a Secretaria de Cultura de São Paulo, então comandada pelo jornalista Fernando

Morais, adquiriu a coleção da família Wainer. Junto com os jornais, 160 mil positivos e 600 mil negativos fotográficos, boa parte material inédito, nunca publicado. Vieram também 2.160 ilustrações, muitas de artistas renomados como Lan e Jaguar, material com os clássicos O Corvo, que personificava Carlos Lacerda, e O Abutre, que representava Assis Chateaubriand. Depois de intenso trabalho de recuperação, os jornais já foram digitalizados e estão disponíveis na internet. Desde junho de 2009, o trabalho de conversão digital foi intensificado. A instituição quer, em breve, ter mais de 200

Para acessar e aproveitar Página da Imprensa Capixaba no site Arquivo Público do Estado do Espírito Santo: www.ape.es.gov.br/imprensa_capixaba/index.html Página da Biblioteca Digital Linhares no site da UFMG: www.linhares.eci.ufmg.br/index.php Página Jornais Mineiros do Século XIX no site do Arquivo Público de Minas Gerais: www.siaapm.cultura.mg.gov.br Página Memória da Imprensa no site do Arquivo Público do Estado de São Paulo: www.arquivoestado.sp.gov.br/memoria/index.php

memória do Dops, com panfletos, cartilhas e cartazes – materiais de domínio público –, que poderão ser pesquisados na internet. Mas para que todo esse trabalho continue a ser feito, é preciso parcerias. Não apenas no sentido de fornecer acervos. Também de prover recursos. Por meio da Lei Rouanet, qualquer empresa pode apoiar iniciativas em qualquer lugar do País com benefícios fiscais. A torcida dos representantes do Arquivo Público de São Paulo é para que uma dessas parcerias logo se torne real. Se a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo-Fapesp aprovar um projeto para aquisição de novos equipamentos, a previsão é de que entre junho de 2010 e julho de 2011 sejam digitalizadas mais de 1 milhão de novas imagens e todas estejam disponíveis no site da instituição na internet. Um projeto audacioso, mas urgente, ainda mais no caso da imprensa, em que seu suporte, o papel, é um dos mais rápidos a se degradarem. Diante de todas essas iniciativas, quem agradece é o Brasil, que parece estar recuperando sua memória e deixando para trás a imagem de ser uma nação esquecida.


Aconteceu na ABI

A ABI amplia o direito de voto O associado da categoria Cooperador terá o direito de votar e de ser votado na eleição de abril próximo. A medida democratizadora foi aprovada na Assembléia-Geral Extraordinária que reformou o Estatuto Social da Casa. Os associados da ABI da categoria Cooperador poderão votar e ser votados na próxima eleição da Casa, programada para o dia 30 de abril próximo. Eles poderão também participar, com direito de voz e voto, da sessão de abertura da Assembléia-Geral Ordinária que apreciará o Relatório e as Contas da Diretoria Executiva da Casa, que se instalará na véspera, dia 29, às 10 horas da manhã. A medida democratizadora, que retira os sócios da categoria Cooperador de um status de inferioridade em relação aos da categoria Efetivo, foi aprovada na Assembléia-Geral Extraordinária realizada no dia 2 de fevereiro, convocada com a finalidade exclusiva de discutir a reforma do Estatuto. A Assembléia-Geral acolheu por esmagadora maioria a Proposta-Base apresentada pela Conselheira Zilmar Borges Basílio, a qual continha 17 alterações no Estatuto. Além dessa alteração, a Assembléia-Geral promoveu também a revogação do artigo 44 do Estatuto, que limitava a dois mandatos a possibilidade de eleição do associado para o mesmo cargo na Diretoria Executiva. Esse item da Proposta-Base foi o mais debatido na sessão e ensejou manifestações contrárias, como a do associado Lima de Amorim, que ponderou que a eleição por tempo ilimitado pode gerar abuso de poder. Prevaleceu na decisão o princípio invocado pelo associado Jesus Chediak na reunião especial do Conselho Deliberativo que aprovou a PropostaBase. Diretor de Cultura e Lazer da ABI e um dos oradores da AssembléiaGeral, Chediak sustentou que o voto é soberano e deve sobrepor-se a inelegibilidades prévias. Embora Diretor da ABI, Chediak não será beneficiado pela revogação aprovada, pois sua primeira condução ao cargo não ocorreu em Assembléia-Geral, e sim por decisão do Conselho Deliberativo.

PRESENÇA EXCEPCIONAL

Realizada no Auditório Oscar Guanabarino, no nono andar do Edifício Herbert Moses, a Assembléia-Geral Extraordinária foi

a segunda maior em freqüência registrada nos últimos anos, com a participação de mais de uma centena de associados, que caracterizaram o quórum para a instalação da sessão em segunda convocação. Além de associados da categoria Efetivo que detinham até então a exclusividade do direito de votar e ser votado, tiveram acesso ao plenário sócios da categoria Cooperador, alguns dos quais assinaram o Livro de Presença, embora não fossem contados para efeito de quórum. Ao abrir a sessão, incumbência que lhe cabe por disposição estatutária, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, assinalou que fora atingido o quórum estatutário, deu conta dos objetivos da Assembléia, expostos no edital de convocação publicado no Diário Oficial da União e no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, e informou que a Mesa recebera declaração de associados com número regimental indicando o sócio Orpheu Santos Salles para presidir a sessão. Posta a votos e aprovada a proposta, Orpheu assumiu a presidência dos trabalhos e, como determinado pelo Estatuto, convidou para integrar a Mesa os associados José Ângelo da Silva Fernandes e Zilmar Borges Basílio, esta para esclarecer, se necessário, aspectos da sua

Proposta-Base. A convite de Orpheu, o Presidente da ABI permaneceu na Mesa. Após reiterar a finalidade da Assembléia, Orpheu colocou em discussão a Proposta-Base, sobre a qual se pronunciaram os associados Arnaldo Luiz Fontes, Bernardino Capell, Nivaldo Pereira, Lima de Amorim, André Moreau Louzeiro, Adail de Paula, Jesus Chediak, Mário Augusto Jakobskind, Mílton Coelho da Graça e Pery Cotta. Encerrada a discussão, Orpheu submeteu duas vezes a votos a Proposta-Base, que foi aprovada contra o voto de apenas três sócios. Lima de Amorim diria dias depois que houve mais votos contrários, entre os quais o dele, que não teria sido computado pela Mesa. Ele pareceu desconhecer que poderia ter obtido verificação de votação, como garantido pelo Estatuto. Durante a discussão e diante de orador que prosseguia numa intervenção que parecia interminável, o associado Sérgio Cabral fez fora do microfone, em voz alta, um apelo à Mesa: “Vamos votar!” Juntando-se a associados que freqüentam habitualmente a sede, compareceram à Assembléia-Geral sócios que se fazem presentes

apenas nos eventos mais relevantes da Casa. Alguns fizeram sacrifício para comparecer, como Villas-Bôas Corrêa, decano da crônica política do País e membro do Conselho Deliberativo, que revelou que teria de voltar logo para casa, pois sua esposa estava enferma e se encontrava sozinha. “Vim pela preocupação de contribuir para a obtenção do quórum e, também, por apreço à Diretoria da ABI, que me tem distinguido com homenagens”, disse Villas. Entre os presentes encontravamse, segundo a ordem com que assinaram o Livro de Presença, Ivan Cavalcânti Proença, Paulo Cavalcânti Valente, Dácio Malta, Ely Moreira da Silva, Rubem dos Santos (Rubem Confete), Alfredo Belmont Pessoa, Gerdal dos Santos, Elza Soares Ribeiro, Moisés Celeman, Erno Schneider, Fernando Abelha, Carlos Alberto Luppi, Thales José Maciel Bento, Marcos de Castro, Vicência Pinto Heluey, Bernardo Cabral, Avanir Nikko, Lindolfo Machado, Chico Caruso, Francisco Canavarro, Jeff Thomas, Luiz Fernando Taranto, Fernando Foch, Léo Malina e Leonor Guedes, que fez um esforço especial: aos 85 anos e mesmo em cadeira de rodas, ela faz questão de participar ativamente da vida da ABI.

Lima de Amorim, voz dissonante

para o Conselho em abril de 2009. Sua carta ao Presidente dizia o seguinte: “Caro Maurício, Comunico, a partir de hoje, minha renúncia como membro suplente do Conselho Deliberativo desta entidade, por discordar da decisão aprovada na Assembléia-Geral Extraordinária deste colegiado, no dia 2 de fevereiro de 2010, que revogou o artigo 44 do Estatuto Social da ABI. Reiterando o que já disse de viva voz durante a Assembléia, discordo frontalmente da supressão do referido artigo, por considerar que a possibilidade de reeleição ad aeternum dos dirigentes pode comprometer o futuro da instituição, além de ferir os princípios democráticos pelos quais a ABI sempre lutou.

Respeito as opiniões contrárias, mas entendo que o propósito original do artigo 44, limitando a reeleição para apenas um mandato, era importante. Além de estimular a renovação de quadros representativos, esse dispositivo era uma barreira contra a eventual ambição de dirigentes personalistas, manipuladores, continuístas e autoritários. A reeleição de dirigentes por número indefinido de mandatos costuma causar graves danos, como a História de muitos povos e instituições já demonstrou, em várias épocas e contextos. Solicito que meu pleito seja comunicado ao conjunto do Conselho Deliberativo, bem como as razões da presente renúncia. Cordialmente, (a) Lima de Amorim.”

Dois dias depois da Assembléia-Geral, o jornalista Lima de Amorim comunicou ao Presidente da ABI que renunciava ao cargo de membro suplente do Conselho Deliberativo, por discordar da decisão que revogou o artigo 44 do Estatuto Social da Casa. “A reeleição de dirigentes executivos por número indefinido de mandatos costuma causar graves danos”, disse ele. Sócio da ABI desde 28 de janeiro de 1975, quando ingressou na Casa por proposta endossada por Fausto Guimarães Cupertino, Lima de Amorim foi eleito

EXEMPLOS DE ESFORÇO

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Aconteceu na ABI

As modificações aprovadas Foram as seguintes as modificações feitas pela Assembléia-Geral Extraordinária, que aprovou integralmente a proposta da Conselheira Zilmar Borges Basílio: Art. 3° Acrescenta no inciso VI: VI - prestar assistência ao associado e sua família e às pessoas em situação de vulnerabilidade social que recorrerem aos seus serviços. (Esse artigo é o que define as finalidades da ABI. Acrescenta-se à redação atual o texto em itálico.) Art. 5° Suprime o inciso V. (O Estatuto atual inclui entre as categorias de sócio a Empresarial, cuja supressão foi proposta.) Art. 6° Parágrafo 1° Onde diz “é atribuída a vantagem de votar e ser votado”, leia-se: “é atribuído o direito de votar e ser votado”. Substitui-se em todas as menções seguintes a expressão “vantagem de voto” por “direito de voto”. O parágrafo 1° passa a ter esta redação: § 1 ° Aos associados Efetivo e Colaborador é atribuído o direito de votar e ser votado, desde que tenham mais de 60 (sessenta) dias de vinculação ao quadro associativo e estejam quites com as obrigações estatutárias. (Acrescenta-se à redação atual a menção à categoria Colaborador, para o fim de lhe conceder o direito de votar e ser votado.) Acrescenta-se este parágrafo 2° ao artigo, renumerando-se os atuais parágrafos 2° e 3°: § 2° Os cargos de Presidente da Diretoria Executiva e de Presidente do Conselho Deliberativo são privativos de sócio da categoria Efetivo. (Embora estenda o direito de voto aos sócios da categoria Colaborador, a Proposta dispõe que os cargos de Presidente da Diretoria Executiva e de Presidente do Conselho Deliberativo são privativos de sócios da categoria Efetivo.) Art. 8° - Revogado. (Dispunha esse artigo: Remido é o associado Efetivo que tiver mais de 35 anos, sem interrupção, de contribuição através do pagamento das mensalidades. Essa disposição pode privar a ABI, a médio prazo, de uma receita significativa.) Art. 10 - Revogado. (Esse artigo definia a categoria Empresarial, descrita como “a empresa do setor de comunicação social e o sindicato de empresas ou de

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empregados deste mesmo segmento, de todo o território nacional”.)

impostas. (Correção meramente gramatical.)

Art.17 Acrescenta no fim da disposição as expressões em itálico: (...) ; tenha desviado receitas, valores ou bens da Associação; tenha causado lesão econômica à Associação.

Art. 42 O inciso I passa a ter a seguinte redação: I - aprovar contratos, convênios, ajustes e obrigações da Associação, no limite das dotações orçamentárias, os quais serão submetidos à apreciação prévia ou a posteriori do Conselho Fiscal e, por iniciativa deste, à aprovação do Conselho Deliberativo. (O texto atual diz:”aprovar contratos, convênios, ajustes e obrigações da Associação, dentro das verbas orçamentárias, os quais só entrarão em vigor depois de apreciados pelo Conselho Fiscal e aprovados pelo Conselho Deliberativo”.)

Art. 24 Passa a ter a seguinte redação; Art. 24 - Dos trabalhos e deliberações da Assembléia-Geral serão lavradas uma ata sucinta, assinada pelos membros da Mesa e por associados presentes com direito de voto, e uma ata descritiva, que relatará as decisões adotadas pela Assembléia-Geral. (A redação atual estabelece que “será lavrada uma ata, assinada pelos membros da Mesa e pelos associados presentes com vantagem de voto”. Seu parágrafo 1º diz que “para a validade da ata é necessária a assinatura de quantos bastem para constituir a maioria prevista no artigo 25 deste Estatuto para as deliberações tomadas na Assembléia-Geral”. O parágrafo 2º diz que “da ata poderão extrair-se certidões e cópias autenticadas”.) Art. 24 Suprimem-se os parágrafos 1 ° e 2°. (São os parágrafos reproduzidos no item anterior.) Art. 28, Inciso X Onde diz operações impostos, leia-se

Art. 44 - Revogado. (Dizia esse dispositivo: “Os membros da Diretoria poderão ser reeleitos para os mesmos cargos por mais 1 (um) mandato.” Art. 45 – Acrescenta-se o inciso a seguir: XII - exercer a direção administrativa e intelectual da Biblioteca Bastos Tigre. (Esse artigo define as competências do Presidente da Diretoria Executiva.) Art. 50 Acrescenta ao inciso I esta alínea, renumerando-se as alíneas seguintes: c) redigir as atas das reuniões da Diretoria e proceder aos registros

cabíveis das atas da Assembléia-Geral Ordinária e das Assembléias-Gerais Extraordinárias; (Esse dispositivo define as atribuições da Diretoria Administrativa e seus Departamentos.) Art. 52 Suprime a alínea j. (Essa alínea dispunha que cabe à Tesouraria “informar à Diretoria, a cada mês, a relação dos associados com 6 (seis) meses de inadimplência, para que sejam suspensos” Art. 58 Suprime o inciso I e suas alíneas e renumera os incisos seguintes. (Esse inciso define as competências da Diretoria de Cultura e Lazer no que concerne à Biblioteca Bastos Tigre, que, pela Proposta, será dirigida intelectual e administrativamente pelo Presidente.) Art. 60 Suprime o parágrafo único do inciso I. (Essa disposição estabelecia que o Diretor de Jornalismo autorizará, na forma do inciso IX do artigo 45, as despesas sociais previstas.) Suprime o inciso II e sua alínea, renumerando-se os incisos seguintes. (Esse inciso dispunha que cabe ao setor de Pesquisa da Diretoria de Jornalismo “realizar pesquisas objetivando a criação e a manutenção do Centro de Memória do Jornalismo”.)

QUEM ESTEVE PRESENTE Compareceram à Assembléia-Geral Extraordinária os associados relacionados a seguir.

A Achyles Armando Jalul Peret Adail José de Paula Adalberto Geraldo Diniz Adolfo Martins de Oliveira Adônis Karan Abrão Afonso Maria de Assis Faria Alcyr Mesquita Cavalcânti Alfredo Aurélio de Belmont Pessoa Antônio Castanheiro da Purificação Antônio Idaló Neto Antônio M. Lopes Filho - Toni Marins Antônio Nery Araquém Moura Roulien Argemiro do Carmo Lopes do Nascimento Arnaldo Luiz Fontes Arthur José Poerner Avanir de Oliveira Magalhães Júnior

B Benício Neiva de Medeiros Bernardino Capell Ferreira Bernardo Cabral

C Carlo Alberto Luppi Carlos Simões Cosme Ademir Pereira Simas

D Dácio Malta Daniel Mazola Fróes de Castro

Domingos João Meirelles

E Eliane Ferreira Martins Ely Moreira da Silva Elza Soares Ribeiro Epaminondas Lima de Amorim Erno Schneider Estanislau Alves de Oliveira Everaldo Lima D'Alverga

F Fernando Abelha Salles Fernando Figueiredo Milfont Fernando Foch Francisco de Assis D'Veras (Jeff Thomas) Francisco Paulo Hespanha Caruso Francisco Silva Canabarro Francisco Ucha

G Gerdal Renner dos Santos Getúlio Gama Glória Suely Alvarez Campos

I Ilma Martins da Silva Itamar Guerreiro Ivan Cavalcanti Proença Ivan Vinhieri

J Jaime Correa de Souza Jesus Chediak Jesus Soares Antunes Jorge Saldanha de Araújo

José Ângelo da Silva Fernandes José Cristino da Costa Ferreira José da Costa Andrade José Ernesto Muzzel Vianna José Henrique Cordeiro José Hilário Carneiro Freitas de Souza José Manuel de Carvalho Mesquita José Ubiratan Solino

N

L

P

Lênin Novaes Léo Malina Leonor Guedes Lindolfo Machado Lóris Baena Cunha Luarlindo Ernesto da Silva Lucy Mary Corrêa Moreira Carneiro Luiz Antônio Villas-Bôas Corrêa Luiz Carlos de Oliveira Luiz Eduardo Souto Aguiar Luiz Fernando Taranto Martins

Paulo Cavalcânti Valente Pery de Araújo Cotta

M Manoel Pacheco dos Santos Manolo Epelbaum Marcelo José de Mesquita Márcia da Silva Guimarães Márcio de Almeida Marcomed Rangel Marcos de Castro Maria Ignez Duque Estrada Bastos Mário Augusto Jakobskind Mário Gomes Filho Martha Arruda Dias de Paiva Milton Coelho da Graça Moisés Celeman

Nacif Elias Hidd Sobrinho Nivaldo Pereira

O Oscar Maurício de Lima Azêdo Osmar Amicucci Galo Osmar Frazão

R Rosângela Magalhães de Amorim Rubem dos Santos Rubem Mauro Machado

S Salete Lisboa Sérgio Cabral Sérgio Caldieri Silas Pereira Bastos

T Thales José Maciel Bento

V Vicência Pinto Heluey

W Waldir Muniz Pereira Wilson Rocha Meirelles

Z Zilmar Borges Basílio


Aconteceu Mensagens na ABI FRANCISCO UCHA

Aplauso de Teixeira Heizer à Edição 350 Em e-mail ao Presidente da ABI, o jornalista Teixeira Heizer, membro do Conselho Consultivo da Casa, expressou seu aplauso à Edição 350 do Jornal da ABI, com data de capa janeiro de 2010, a qual, disse, constitui “mais uma razão para orgulhar-me de estar na atual Diretoria que comanda nossa entidade”. Diz sua mensagem:

Saturnino anuncia projetos para o Instituto Casa Grande Empossado Presidente do Instituto Cultural Casa Grande, o ex-Prefeito do Rio e ex-Senador Roberto Saturnino Braga ofereceu à ABI uma visão geral da programação que a instituição pretende realizar nas áreas de cinema, literatura, teatro, artes plásticas e outros campos da vida cultural, independentemente do desfecho do litígio com a Secretaria de Cultura do Estado do Rio, que se nega a cumprir a lei estadual que destinou sete andares do Shopping Leblon ao Instituto. Saturnino fez sua exposição em visita ao Presidente da ABI, em 24 de fevereiro, durante a qual o Diretor do Teatro Casa Grande, Moysés Ajhaenblat, criador do Instituto Cultural, manifestou seu otimismo em relação

à disputa judicial travada com o Estado do Rio de Janeiro. A expectativa do Instituto é baseada nas decisões favoráveis já obtidas por ele em primeira e segunda instância da Justiça do Estado do Rio. Disse Saturnino que o ideal seria que o Governo do Estado recuasse da posição de intransigência que vem mantendo na questão e reconhecesse a legitimidade da reivindicação do Instituto Cultural Casa Grande, fundada numa lei que viabilizou a construção do Shopping Leblon, atualmente um dos principais do Rio, sob a condição, agora insuscetível de revogação ou retificação, de que os sete andares em litígio sejam ocupados pelas atividades do Instituto.

IAB-RJ propõe ações em defesa da cidadania O Instituto de Arquitetos do Brasil no Rio de Janeiro está empenhado em estabelecer uma colaboração com as entidades representativas da sociedade civil, como a ABI, o Clube de Engenharia e outras entidades de profissionais de nível superior com o fim de promover iniciativas relacionadas com as questões urbanas, a defesa do meio ambiente e a melhoria dos serviços públicos, para assegurar a elevação da qualidade de vida da população carioca e fluminense. Essa disposição foi comunicada ao Presidente da ABI, Maurício Azêdo, pelo novo Presidente do IAB-RJ, Sérgio Magalhães, em visita que realizou à Casa em companhia do Vice-Presidente Ricardo Villar, em 25 de janeiro, dias após sua posse na presidência da instituição. Magalhães, que foi Secretário de Urbanismo do Município do Rio de Janeiro, salientou a importância das políticas públicas a serem aplicadas no âmbito das cidades, onde vive atualmente a maioria da população.

A esse respeito o Presidente da ABI lembrou entendimento sustentado há anos pelo ex-Governador do Paraná e ex-Prefeito de Curitiba Jaime Lerner, segundo o qual a solução dos problemas do País passa necessariamente pela solução dos problemas das cidades. Sérgio Magalhães observou que esse diagnóstico é correto, assim como é correta, também, a proposição de intervenções eficazes para melhorar a vida nas cidades e, em conseqüência, da cidadania. Entre as iniciativas já programadas pelo IAB-RJ na gestão Sérgio Magalhães figura a realização de uma série de seminários relacionados com a preparação do Rio para os Jogos Olímpicos de 2016, em que serão discutidos aspectos da preparação da Cidade para abrigar o evento à luz da experiência de cidades que sediaram as Olimpíadas recentemente, como Barcelona e Pequim. O primeiro seminário da série, agora em março, será dedicado ao tema Conexão Barcelona.

“Azêdo, amigo, Na minha frente o nº 350 do Jornal da ABI. Juro que é a melhor notícia do dia. Sei que sua inspiração repousa sobre todos os temas. É mais uma razão para orgulhar-me de estar (com pequena participação, é verdade) na atual Diretoria que comanda nossa entidade. Abraços na Marilka. (a) Teixeira Heizer.”

Lauro elogia a “Cronologia dos Quadrinhos” Sócio da ABI há 21 anos, Lauro Gomes de Araújo classificou de “ótimo” o número especial do Jornal da ABI dedicado à “Cronologia dos Quadrinhos”, Edição 348, data de capa novembro de 2009. Lauro, morador em Niterói, assinala a importância da revista Epopéia, publicada a partir de agosto de 1952 pela Ebal (Editora Brasil América), de Adolfo Aizen. Eis sua mensagem: “Caro Maurício, Permita-me chamá-lo assim e explico a ousada familiaridade. O nosso amigo comum Jonas Vieira há alguns anos mantinha um programa sobre música popular na Roquette- Pinto. Certa vez, homenageando o inesquecível Orlando Silva, colocou alguns depoimentos no ar, por telefone, dentre eles o nosso. Embora não pessoalmente, é desse tempo que o conheço e o objetivo desta carta (preferi-a ao email) é dar-lhe as minhas congratulações e à sua equipe pela qualidade das publicações que chegam mensalmente às nossas mãos. Destaque especial para os números comemorativos do centenário da ABI, dos quais consegui alguns exemplares que enviei para colecionadores, inclusive de outros Estados.

Agora, outro aplauso: o número especial sobre a cronologia dos quadrinhos. Ótimo. Acredito que já esteja previsto na continuação mas, caso contrário, gostaria de lembrar a importância da revista Epopéia, publicada a partir de 1952 (salvo engano) pela Ebal. Era essencialmente cultural e foi através dela que aprendi a gostar de História. Era História em quadrinhos, contando com as colaborações de vários nomes de peso, como o do pintor Quirino Campofiorito. Havia mais: um resumo de uma ópera, além da reprodução de um quadro na quarta capa. Colecionei-as todas devidamente encadernadas. Sem qualquer intenção de interferir na política editorial da ABI, entenda esta como apenas uma sugestão para que se faça justiça à memória de uma revista que não deveria ter desaparecido. Fico-lhe grato pela atenção e volto a manifestar meus parabéns pelo perfil de que hoje desfruta a ABI. Atenciosamente (a) Lauro Gomes de Araújo.”

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POLÊMICA

Um mar de desacordos As mudanças adotadas pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, elaborado pela Academia Brasileira de Letras, são alvo de críticas de professor especializado no idioma.

Em vigor no País desde janeiro de 2009, o Acordo Ortográfico ainda gera muitas dúvidas nos brasileiros – em especial junto a estudantes e professores. E não deixa de fora nem mesmo os especialistas na Língua Portuguesa. Em 13 de novembro do ano passado, o Professor Ernâni Pimentel foi um dos expositores de audiência convocada pela Comissão de Educação, Cultura e Turismo do Senado Federal, na qual expôs exemplos do que considera incoerências do Acordo. No dia 6 de janeiro, Pimentel, que tem mais de cinco décadas de experiência no ensino do idioma, entregou ao Presidente da ABI, Maurício Azêdo, o texto Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa – Convite à Reflexão e à Solução (ver quadro), no qual reproduz as observações feitas no Senado.

“A audiência em Brasília foi considerada bastante incomum, pela quantidade de críticas apresentadas, pela perplexidade causada nos Senadores e, o mais interessante de tudo, pela unanimidade em torno da certeza de que se precisa fazer algo para modificar essa situação”, afirmou Pimentel em entrevista à Folha Dirigida, publicada em 28 de janeiro, em que prosseguiu fazendo restrições à Academia Brasileira de Letras, instituição responsável pela elaboração do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa-Volp. “A ABL deve ser respeitada pelas personalidades ilustres que a compõem. Mas quantos de seus membros dispõem de bagagem técnica para falar de ortografia? Que eu saiba, só existe lá um gramático, a quem respeitamos e por quem temos consideração, o Professor Eva-

nildo Bechara, que está desenvolvendo um esforço descomunal para apagar incêndios herdados”, afirmou o professor, destacando que “a verdade é que nenhum país signatário pôs em vigor as novas regras, exceto o Brasil”: “Em Portugal há uma fortíssima oposição de quase toda a sociedade, com um abaixo-assinado com mais de 110 mil nomes e uma articulação do Parlamento favorável à suspensão do Acordo”. A entrevista de Ernani provocou réplica de Bechara, na edição do dia 9 de fevereiro da mesma Folha Dirigida. “O Acordo, para entrar em vigor no Brasil, precisou primeiro da aprovação das Casas Legislativas. Para que essa reforma pudesse ser um instrumento de força nacional, era preciso que houvesse um decreto sancionando isso. No ano passado o Presidente Lula veio à ABL sanci-

oná-lo. O Governo não deixa o problema ortográfico ao bel prazer das academias. Elas são chamadas para atender a essa missão. Os Governos, não tendo em seus quadros pessoas especializadas, convocam instituições. No Brasil, é a ABL”, explica Bechara, para quem as crítica feitas por Pimentel não têm fundamento. Durante a visita à ABI, acompanhado da Professora Maria Thereza Sombra, Diretora-Executiva da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos, Pimentel propôs à Casa – que não adotou as novas regras ortográficas em suas publicações – a realização de um ciclo de debates sobre o Acordo, com a participação de jornalistas, lingüistas, filólogos, gramáticos, escritores, advogados, sociólogos, filósofos, professores e pedagogos. Seu Convite à Reflexão é publicado a seguir.

A reflexão e questionamentos do Vocabulário HENRIQUE HUBER/FOLHA DIRIGIDA

O documento submetido ao Senado pelo Professor Ernâni Pimentel contém nove reflexões sobre aspectos genéricos ou tópicos do Acordo e os antecedentes de sua elaboração. Num de seus pontos (item 7) arrola nada menos que 25 conjuntos de incoerências do Vocabulário editado pela Academia Brasileira de Letras. Por fim, para salvar o idioma das agressões com que o Acordo Ortográfico o agride, Pimentel apresenta oito proposições para solução dos problemas que denuncia. A seguir transcrevemos a íntegra de seu trabalho. Os títulos da exposição são de seu original.

A REFLEXÃO

Em 1975, as Academias Brasileira de Letras e de Ciências de Lisboa haviam elaborado um novo projeto de Acordo Ortográfico que não foi aprovado oficialmente, sobretudo por razões de ordem política vigentes em Portugal. Em 1986, no encontro do Rio de Janeiro, pela primeira vez se encontram não só Portugal e Brasil, mas também Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, as emergentes repúblicas africanas lusófonas. Conseguiu-se ali um Acordo Ortográfico, que não se viabilizou pela 10 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

Professor de Português em Brasília e presidente de uma associação de defesa de candidatos de concursos públicos, Pimentel defende uma racionalidade, diz, que o Acordo não tem.

reação polêmica que contra ele se levantou em Portugal. Em dezembro de 1990, um novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa foi assinado em Lisboa pelos sete países já mencionados, aos quais posteriormente se somou a República Democrática do Timor-Leste. Esse “novo” Acordo passou dormitando 18 anos nos escaninhos burocráticos, até que o desengavetou em 2008 a iniciativa do Presidente Lula, fazendo-o viger a partir deste ano de 2009. Portugal ainda não o pôs em vigor e há indícios de sobra para se pensar que não quer fazê-lo – há fortes correntes na Assembléia da República e um abaixo-assinado de 110 mil assinaturas trabalhando contra o Acordo. Os outros países signatários ainda não o implementaram também. Essa conjuntura, longe de ser lamentada, parece providencial, porque permite repensar alguns pontos. 1. Anacronismo Anacronismo: Em 1990, praticamente se reiterou o pensamento de 1975, porém o mundo evoluiu muito de lá para cá. É certo que o século XX representou uma evolução tecnológica mais acelerada que as de todos os séculos anteriores, mas também é ver-


dade que em 1975 sequer havia a internet, um dos vários fatores que contribuíram para a transformação mais assombrosa de que se tem notícia na História comumente conhecida do planeta. Naquela época a sociedade humana se locomovia, se analisava e se comunicava com recursos e visões profundamente primitivos se comparados aos atuais. Estava-se na época da datilografia, nem se conhecia em nossos países o computador. Comparar os jovens de 1975 com os atuais faz qualquer um assustar, chegando parecer impossível tal evolução. Os psicólogos e biólogos já constatam que boa parte das crianças de hoje estão nascendo com um par a mais de cromossomos ativados, o que significa estar a Humanidade passando por verdadeira mutação genética que traz uma visão quântica da realidade, descomunalmente superior à antiga visão linear a que os adultos ainda estamos condicionados. O Japão, o Chile e outros países vêm pesquisando e mostrando isso ao mundo. Ora, um Acordo assinado em 1990 está compatível com aquela época em que o professor falava para um es-

das, mas justapostas, segundo a nossa tradição didática. Tal imprecisão trouxe dúvidas a muitos professores. 5. Pontuação discutível discutível: No item anterior, ao final da série de palavras, existe um “etc.” depois de uma vírgula. A abreviatura da expressão latina et cetera, que significa “e o restante”, começa com a conjunção et, antes da qual não se justifica o uso da vírgula, por acrescentar uma informação desimportante. Muitas outras passagens do texto original demonstram descuido dos responsáveis pela redação, lamentável exemplo para toda a comunidade envolvida.

PORTUGAL AINDA NÃO O PÔS EM VIGOR E HÁ

INDÍCIOS DE SOBRA PARA SE PENSAR QUE NÃO QUER FAZÊ-LO – HÁ FORTES CORRENTES NA ASSEMBLÉIA DA REPÚBLICA E UM ABAIXO-ASSINADO DE 110 MIL ASSINATURAS TRABALHANDO CONTRA O ACORDO. tudante que a exceção comprovava a regra e este ria para o professor, aquiescendo. Hoje, o estudante (e qualquer indivíduo) ri de quem aceita regras com exceções. Não faz sentido perder tempo. Ou o que se lhe ensina é lógico, prático, ou não lhe desperta interesse. Não se quer saber de decorar. Quer-se entender. Contudo, o Acordo, por ser de outra época, apresenta inúmeras regras, com várias listas de exceções, intermináveis, pois seguidas de reticências. Concluindo: o Acordo é anacrônico, não se adequa ao século XXI. 2. Fuga do objetivo objetivo: Como o próprio nome diz, o Acordo é ortográfico e não ortofônico, ou seja, deve-se ater à grafia, à maneira de se escrever, sem que se afete a pronúncia... Mas, eliminou o trema, que, em sua essência, é um

marcador de pronúncia. Será que os responsáveis pelo atual Acordo não sabiam disso? Não importa a resposta, o trema é indiscutivelmente ortofônico e só deveria ser extinto se tivesse sido criado algum outro mecanismo identificador da pronúncia adequada... Em estilingue e trilíngue, o “gue” tem realizações fônicas que o leitor, com o trema, sabia distinguir e, sem ele, terá de perder tempo no dicionário. A lógica do Acordo deveria ser simplificar ou dificultar? Pois é, dificultou. 3. Contradição de princípios princípios: Nas palavras compostas em que o segundo elemento começa com h, qual o princípio? Manter-se o h, ou eliminá-lo? Uma regra lógica só se fixa com princípios definidos e não contraditórios. Quando o Acordo diz que se deve usar hífen antes de h (extra-humano), está dizendo que o h deve ser mantido. Quando diz que em des+humano se deve grafar desumano, está pregando

contraditoriamente a eliminação da referida letra. Para permanência do h, deveria escrever-se extra-humano, deshumano (uma opção coerente); para sua eliminação, escrever-se-ia desumano, extraumano (opção também coerente). Seria também coerente e não contraditório eliminar-se o hífen. É necessário repensar e agir. 4. Imprecisão de conceitos conceitos: O Acordo chama de aglutinadas as palavras “girassol, madressilva, mandachuva, pontapé, paraquedas, paraquedista, etc.”, desconhecendo que “glut” significa comer, engolir... e, por isso, aglutinação pressupõe algum som engolido ou alterado (filho de algo = fidalgo; perna alta = pernalta; alto sonante = altissonante...). A seqüência de exemplos dados no texto do Acordo mostra compostos em que se unem palavras sem que haja alteração ou perda de qualquer fonema (como girassol... pontapé... paraquedas...) e que, por isso, não são aglutina-

cepcionalidade inútil: inútil Todos, 6. Ex Excepcionalidade absolutamente todos os topônimos compostos não iniciados por grão e grã, por verbo e que não contenham artigo grafam-se sem hífen (Mato Grosso, São Paulo, Espírito Santo, Rio Grande, Cabo Verde, Castelo Branco), porém Guiné-Bissau e Timor-Leste fogem à regra. Por quê? Todas, simplesmente todas as locuções perderam o hífen, com exceção de água-de-colônia, arco-davelha, cor-de-rosa, mais-que-perfeito, pé-de-meia, ao deus-dará, à queimaroupa... (note-se bem que a relação termina em reticências). Existem vários outros pontos com exceções, mas só nos interessa saber: Por quê? Excepcionalidade inútil que nos torna a todos analfabetos, no sentido autêntico da palavra, porque não sabemos usar as nossas letras. É necessário repensar e agir. 7. Ilogicidade Ilogicidade: A falta de lógica constitui o maior absurdo do segmento educacional, não obstante apresentase abundantemente exemplificada no texto do Acordo e também no Vocabulário Ortográfico. 7.1. Já se viu que é ilógico propor regras e não eliminar ou reduzir ao máximo as exceções. O presente Acordo, além de não eliminá-las, estende-as ad infinitum com o emprego das reticências e, pior, chega ao cúmulo de justificar, por várias vezes, que se mantêm tais e quais exceções “por estarem consagradas pelo uso”. Ora, se a consagração pelo uso deve ser respeitada, nenhuma alteração ou acordo ortográficos poderiam existir e estaríamos hoje escrevendo leys e pharmacia, ou melhor, continuaríamos todos ainda falando latim. 7.2. O Acordo prescreve que r e s antecedidos de vogal devem ser dobrados Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

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POLÊMICA UM MAR DE DESACORDOS

e não usam hífen (biorritmo, microssistema...). O Vocabulário Ortográfico, desrespeitando-o, registra com hífen para-raios, para-sol, guarda-raios, guarda-redes, guarda-rios, guarda-rodas, guarda-roupa, guarda-saias, guarda-selos, guarda-sexo, guarda-sol... O respeito ao Acordo exigiria o hífen ser substituído pelas consoantes dobradas. 7.3. Como se explica a um estudante ou mesmo a qualquer pessoa que pé de chinelo não tem hífen e pé-de-meia tem? 7.4. Por que em cor de café, cor de bonina, cor de burro quando foge não há hífen, mas o há em cor-de-rosa? 7.5. Qual a lógica de eliminar o trema nas nossas palavras e usá-lo nas estrangeiras? Ou o trema tem ou não tem função. Se tem, não se pode suprimi-lo. Se não tem, não se pode deixar de usálo, sem antes lhe dar um substituto. 7.6. Como se explica que água-decolônia tem hífen e água de cheiro não? 7.7. E giravolta sem hífen, mas giramundo, gira-pataca, gira-discos... com? 7.8. Se o Acordo diz que onomatopéias com palavras repetidas devem ter hífen (reco-reco, blá-blá-blá...), por que o Vocabulário registra sem hífen panapaná e panapanã? 7.9. Por que em madre-forma, madre-mestra e madre-caprina o hífen é obrigatório, mas não é usado em madrepérola? 7.10. Como justificar que guardachuva tenha hífen e mandachuva não, se ambos são compostos de verbo+ substantivo e a extinção do hífen sequer alteraria a pronúncia, fazendo-o desnecessário? 7.11. A palavra arco-íris tem quatro outras denominações: arco de Deus, arco da chuva, arco da aliança e arcoda-velha. Por que entre as quatro sublinhadas, todas grafadas com preposição, só a última tem hífen? 7.12. Por que há duas grafias corretas, pré-embrião ou preembrião, com ou sem hífen, mas uma só para seu derivado pré-embrionário, com hífen? Os derivados deveriam seguir a grafia dos primitivos. 7.13. Inversamente ao anterior, por que só existe uma grafia, com o hífen, para pré-esclerose, mas duas para seu adjetivo derivado, pré-esclerótico ou preesclerótico, com ou sem hífen? Os derivados deveriam seguir a grafia dos primitivos. 7.14. Onde a lógica de uma só grafia para preeleger, sem hífen, mas duas em pré-eleito (ou preeleito), e pré-eleição (ou preeleição)...? Os derivados deveriam seguir a grafia dos primitivos. 7.15. Por que manter duas grafias para uma mesma palavra se, a rigor, não há distinção de pronúncia, como em biebdomadário e bi-hebdomadário? 7.16. É estranho ter de ensinar que as grafias de proto-herdeiro e coerdeiro têm um tratamento diverso, uma com e outra sem hífen, quando ambas apresentam, antes do mesmo h (herdeiro), elementos de composição terminados com o mesmo o (proto, co). O lógico seria a adoção de uma só medida: 12 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

ou bem proto-herdeiro e co-herdeiro, ou então protoerdeiro e coerdeiro. 7.17. Por que futuro do pretérito se escreve sem hífen, mas mais-que-perfeito deve ser hifenado obrigatoriamente, se ambos nomeiam tempos verbais e ambos são compostos com elemento de ligação? O Acordo não elimina o hífen nos compostos com elemento de ligação? 7.18. Por que se mantiveram grafias mal-andança (infortúnio), mal-assombro (fantasma), malconceito (má fama), malcriação, se o mal está indevidamente usado como adjetivo. Deveria ser má-andança, mau-assombro, mau-conceito, má-criação. 7.19. Por que duas grafias, ab-rupto ou abrupto, quando se deve ensinar que a melhor pronúncia é a que separa os dois elementos (o prefixo ab e o particípio ruptus, de romper, em latim)? 7.20. Por que duas grafias corretas, adrenal ou ad-renal, com ou sem hífen, mas uma só, sem hífen, para adrenalina e adrenalite? Não deveriam os derivados seguir a grafia dos primitivos? 7.21. Por que blêizer se escreve com z e gêiser com s, se a pronúncia para nós é a mesma e ambos são anglicismos aportuguesados? 7.22. Por que estender com s, e ex-

escrevem com s. Por que já se registra em dicionário (no caso o Houaiss) que contensão é o mesmo que contenção, oficializando grafia não justificada? 7.24. Se as gramáticas preconizam que as palavras de origem árabe devem ser escritas com j (aljôfar, alforje, aljazar...), por que existem delas com g (algeroz, algema, álgebra...)? 7.25. Por que topônimos compostos sem hífen (como Mato Grosso, Rio Grande, Porto Alegre...) têm os seus adjetivos derivados com hífen (matogrossense, rio-grandense, porto-alegrense) Por quê... por quê... por quê... por quê?... – Seria muito, muito cansativo continuar...

tensão com x, se ambos derivam do latim com x (extendere, extensionem)? Em latim, toda a família do radical escreve-se uniformemente com x; em português, essa mesma família apresenta várias palavras com x e várias outras com s. Mas isso não é tudo. O pior é que há outros radicais de grafia deturpada e nem sabemos quantos. 7.23. Pretensão, contensão, distensão, extensão, tensão... são cognatos, isto é, têm a mesma origem e todos se

8. Improvisação Improvisação: A ortografia da Língua Portuguesa sempre foi tratada de maneira superficial e cada proposta de alteração (foram nove só no século passado – 1911, 1931, 1943, 1945, 1971, 1973, 1975, 1986, 1990) não passou de um exercício tímido para tentar cerzir ou remendar puídos de um tecido podre. Remenda-se aqui, rompe acolá; cirze-se acolá, desfia ali; costura-se ali, esgarça noutro lugar. Há de se ter coragem de tecer, substituir o pano. A Língua é viva, forte, viçosa, bela, no entanto envolta em trapos de

“O Acordo Ortográfico nasceu de forma autocrática” O Presidente da ABI reitera os reparos à reforma da escrita da língua portuguesa. POR LYGIA FREITAS

As polêmicas levantadas pelo Professor Ernâni Pimentel, em entrevista à Folha Dirigida na edição número 1.818, continuam gerando discussões. Após pronunciamento do jurista Sylvio Motta e do Senador Cristóvam Buarque (PDT), o Presidente da Associação Brasileira de Imprensa-ABI, Maurício Azêdo, também deu a visão da entidade sobre a questão. Ele, que se diz favorável ao movimento Acordar Melhor, liderado por Ernâni, apresentou questionamentos em torno da forma como o Acordo foi desenvolvido e aprovado. “Nós temos objeção por uma questão de princípio. A aprovação do Acordo, após longa tramitação, de 20 anos, foi algo decidido de forma antidemocrática, porque o conjunto da sociedade, especialmente das pessoas que lidam com o idioma, não foi ouvido acerca das modificações propostas”, criticou. Azêdo afirma que se tratou de uma decisão de uma cúpula, que, segundo ele, apesar de formada por personalidades importantes do ponto de vista do conhecimento e da cultura, como An-

tônio Houaiss, acabou decidindo a questão como algo “pessoal e não como uma questão de interesse do conjunto da coletividade. Esta objeção, para nós, é fundamental, porque a aprovação e a implantação do Acordo Ortográfico se deram de uma forma até autocrática”. Apesar de não acreditar que um plebiscito seria a forma ideal de expor a questão perante a sociedade, o jornalista defende a necessidade de uma discussão ampla, o que, segundo ele, poderia ter evitado que alguns erros acabassem fazendo parte do decreto. “Discussão essa que impediria que o Acordo Ortográfico estabelecesse absurdos como estes contidos na questão do uso do hífen, em que o vocabulário elaborado pela Academia Brasileira de Letras–ABL nos mostra uma série de incongruências e contradições”, reclamou. Ao contrário de Ernâni Pimentel, no entanto, Maurício Azêdo acredita que a ABL é uma entidade que tem competência para editar o Vocabulário Ortográfico de Língua Portuguesa-Volp e que o problema está em algo anterior à elaboração do vocabulário em si. “Estamos

questionando o Acordo Ortográfico em si, que contém uma série de aberrações que têm provocado, inclusive, críticas não só de setores preocupados com o uso da língua no Brasil, mas também em Portugal”, comenta, acrescentando que por lá existe um movimento com mais de cem mil assinaturas para que o Parlamento português não ratifique o Acordo Ortográfico. Em terras brasileiras, no entanto, o jornalista acredita que a persistência e a evolução do movimento Acordar Melhor podem levar o Congresso Nacional e o próprio Governo a reexaminarem algumas questões “que ainda estão pendentes, como as levantadas pelo Professor Ernâni, que têm um embasamento incontestável”. O jornalista afirma ainda que não acreditava ser necessário o estabelecimento do Acordo Ortográfico neste momento, já que, segundo ele, “o idioma é algo que exige um longo tempo de consolidação e de maturação”. “Então, não é algo que possa ser mexido a cada geração”, finalizou. (Transcrito da Folha Dirigida, edição de 4 a 10 de fevereiro de 2010. Título original: ABI sustenta polêmica em torno do Acordo Ortográfico.)


múmia. O problema não está na Língua, está na ortografia, que precisa ser reestruturada, reconstruída com a visão deste século para os parâmetros atuais, mais racionais, claros, objetivos. 9. Ilegalidade, Inconstitucionalidautoritarismo Autoritarismo utoritarismo: de, A Ilegalidade 1: O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado pelos, então, sete países lusófonos em 29/11/ 1990, reza, em seu art. 2º, que “os Estados signatários tomarão... providências... com vista à elaboração de um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa...” e o Decreto nº 6.583, de 29/11/2008 , da Presidência da República, que promulga o Acordo no Brasil, diz em seu art. 1º que “O Acordo da Língua Portuguesa... de 16 de dezembro de 1990... será executa-

do e cumprido tão inteiramente como nele se contém.” Contudo, a ABL, ao lançar o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, não se submete e desrespeita o texto do Acordo várias vezes, como no uso dos prefixos a, an, co, re, pre, pro; na eliminação das reticências nas listas de exceções; na inclusão de novo conceito, como o de “produtos afins” nas espécies bio ou zoológicas. Isso constitui desrespeito à Lei e faz do nosso Volp uma peça ilegal. Conforme parecer técnico da Autora e Professora de Direito Constitucional Nelma Fontana, no blog www.acordarmelhor.com.br, “a ABL, ao publicar o Volp, transgrediu o acordo internacional (art. 2º do Acordo Ortográfico); b) As inovações contidas na 5ª edição do Volp em desconformidade com o Acordo Ortográfico

são inconstitucionais, por afronta ao princípio da legalidade;” Ilegalidade 2: O Decreto nº 6.583, de 29/11/2008, da Presidência da República, que promulga o Acordo no Brasil, diz em seu art. 3º que “São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão do referido Acordo...” Porém, de todas as alterações incluídas pela ABL no Vocabulário Ortográfico, nem uma foi submetida à aprovação dessa Casa. Esse outro desrespeito à Lei anula a validade de nosso Vocabulário, e como é ele que norteia a correção ou incorreção ortográfica em nosso ensino, qualquer questão que envolva avaliação da forma gráfica das palavras tornou-se, a partir daí, ilegal. Autoritarismo e Ilegalidade 3: Diz o Doutor Fabrício Sarmanho, Advogado,

DIVULGAÇÃO/EDITORA RECORD

Godofredo de Oliveira: Acordo integra mais os países de língua portuguesa.

“A reforma pode fortalecer a língua portuguesa” A visão otimista de quem cuida do idioma no Ministério da Educação. O Presidente da Comissão de Língua Portuguesa do Ministério da Educação e Presidente do Instituto Internacional de Língua Portuguesa – órgão da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa –, Godofredo de Oliveira, concorda com o jornalista Maurício Azêdo no que diz respeito à pouca discussão com a sociedade em torno do Acordo Ortográfico. “Eu me lembro que isso foi mal discutido e isso foi durante o Governo Fernando Henrique. As lideranças do Governo foram favoráveis e não mexeram na proposta, mas as oposições também não questionaram”, comenta. No cargo desde de 2003, Oliveira, no entanto, afirma que quando passou a integrar o quadro o Acordo já havia sido aprovado pelo Congresso. Apesar de evitar dar uma opinião direta sobre a competência das novas regras, não dei-

xa de fazer ressalvas. “Quando entrei nesta história o Acordo já estava aprovado pelas assembléias democráticas do meu país; então, só me restava acatar. É uma lei, mas toda lei pode ser revista. Isso está na Constituição, mas acho que alguns pontos eu explicitaria um pouco mais, como a questão do hífen”, exemplifica. Oliveira, que também é escritor, foi um dos defensores da idéia de que o Acordo Ortográfico fosse implementado no ano de 2009 e acredita que uma unificação na forma de escrever as palavras pode significar, até mesmo, um fortalecimento da língua portuguesa perante o restante das nações. “O Acordo foi feito para que haja maior integração entre estes países; para que haja uma variante só. Sempre haverá sotaques e pronúncias diferentes. Mas em todas as línguas a escrita

é igual. No inglês, por exemplo, são poucas as diferenças entre os países e regiões, mas elas são aceitas. Não são consideradas erro”, analisa. Godofredo explica que no caso dos países que têm o português como língua oficial essas peculiaridades entre os países são grandes e impossibilitam até mesmo o intercâmbio literário. Para justificar, ele diz que, se por exemplo, um livro escolar for enviado do Brasil para Angola, e ele não tiver a letra c na palavra “acção”, como é escrito por lá, poderá ter que ser incinerado, como, segundo ele, já aconteceu com uma série de livros brasileiros. “Isso porque, pela lei, é proibido. Com isso, nos fóruns internacionais, a língua portuguesa fica enfraquecida porque tem que ter dois documentos em português. Apesar das variações, em inglês e espanhol, por exemplo, só há um documento. E é isso que o pessoal queria mudar”, explicou. Como exemplo, ele conta que em Portugal o trema não é usado desde os anos 40 e que nem por isso os portugueses pronunciam a palavra “lingüiça” da maneira correta. O professor faz questão, também, de ressaltar que as novas regras não pretendiam fazer com que toda a população dos países envolvidos falasse de forma homogênea. “Eu acho que não é a busca de uma unificação do falar”, diz, acrescentando que isso permitiria apenas uma igualdade ortográfica. “Ainda assim pode haver algumas pequenas variações, mas elas seriam aceitas”. Em relação ao Volp, o especialista acredita que o texto da lei deixou margens para interpretações e que foi isso que o acadêmico Evanildo Bechara, responsável pela publicação, fez. “Ele interpretou seguindo o texto. O Bechara não fez nada que fosse contra o que foi estipulado pelo Acordo. Dados que não estavam explicitados foram explicitados por ele, mas estavam no espírito da lei”. Por Lygia Freitas / Folha Dirigida. Edição citada. Título original: Professor diz que reforma pode proteger a Língua Portuguesa. Com adaptações às normas de edição do Jornal da ABI.

Autor e Professor de Direito, que “o vocabulário ortográfico brasileiro tem sido, de certa forma, imposto pela ABL, instituição privada que edita periodicamente o Volp. O referido vocabulário é reconhecido como um instrumento de definição, no Brasil, da forma de aplicação do Acordo. É responsável pela sua publicação a Comissão de Lexicografia e Lexicologia da ABL. Tal Comissão, porém, não possui legitimidade para regulamentar o tratado internacional do qual o Brasil é signatário. Verifica-se, portanto, que há uma omissão estatal quanto ao cumprimento do tratado, o que acaba por abrir campo a que uma entidade de cunho eminentemente privado, ABL, substitua o Estado nessa função. Compete ao Estado pugnar pela correta execução de leis e tratados. Existe uma estrutura capaz de cumprir essa função de forma muito mais técnica e democrática. Falamos em democracia, aqui, em sua acepção formal e substancial, ambas desrespeitadas até o momento.” (Vide íntegra das considerações no www.acordarmelhor.com.br). 10. Onerosidade Onerosidade: É caríssimo o ensino de ortografia em Português. Ao final do Nível Médio, o aluno terá estudado centenas de horas-aula para aprender efetivamente quase nada e passará pela universidade, e abraçará uma profissão e, durante toda a vida, mesmo que viva mais de um século, continuará inseguro a recorrer ao dicionário para saber como se escreve esta ou aquela palavra. Quantos milhares de horas um cidadão que viva 80 anos despende em consultas ortográficas? Multiplique-se esse total por vinte, cem, duzentos milhões de cidadãos... Um desperdício absurdo de tempo e dinheiro para os cidadãos... para o nosso país... para nossos países-irmãos...

A SOLUÇÃO

1. Prioridade governamental: Apoio efetivo do Governo Federal, do Congresso Nacional, dos Ministérios que envolvem Cultura, Educação e Comunicação, inclusive com alocação de recursos financeiros. 2. Levantamento e padronização gráfica dos radicais. 3. Pesquisa acelerada de novas propostas ortográficas. 4. Instituição de um mínimo de regras (concatenadas, convergentes e lógicas). 5. Eliminação de exceções. 6. Eliminação de duplas grafias. 7. Discussão democrática e aberta. 8. Criação de um organismo competente, aberto democraticamente à participação de quem tenha a língua escrita como ferramenta ou que com ela se preocupe (Lingüistas, Filólogos, Gramáticos, Escritores, Advogados, Jornalistas, Sociólogos, Filósofos, Professores, Pedagogos, Pensadores e outros) com a responsabilidade de ensinar, divulgar, manter e defender os princípios aprovados e acordados. Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

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FOTOS: ACERVO PESSOAL

DEPOIMENTO

CARLOS ALBERTO LUPPI “O jornalismo foi sempre minha tribuna de militância contra a injustiça” Autor de reportagens e de livros que denunciam crimes contra os direitos humanos, como a morte do operário Manuel Fiel Filho e a menina Araceli e as violências contra adolescentes e jovens na extinta Fundação do Bem-Estar do Menor-Febem de São Paulo, ele revela aspectos de bastidores dos casos que investigou e relatou.

N

atural de Colatina, Es-

pírito Santo, Carlos Alberto Luppi iniciou a carreira no Diário

Mercantil de Minas Gerais em 1968, quando ainda cursava Jornalismo. Após vencer um concurso universitário promovido pelo

Jornal do Brasil, começou a trabalhar na Sucursal de São Paulo do JB e em apenas nove meses foi elevado à categoria de repórter especial. Com passagens pelos jornais paulistas Folha de S.Paulo, Jornal

da Tarde e O Estado de S. Paulo, Luppi voltou sua carreira para o jornalismo investigativo sobre di-

POR BERNARDO COSTA

reitos humanos. Um de seus principais trabalhos nessa área foi uma série de reportagens publicadas na Folha de S. Paulo nas quais prova que o operário Manoel Fiel Filho havia sido detido, interrogado e morto por engano, derrubando a versão oficial do II Exército de que o operário cometera suicídio. Mais tarde, os textos foram reunidos no livro Ma-

noel Fiel Filho: Quem Vai Pagar Por Este Crime?. Nesta entrevista Luppi dá novas informações sobre o caso, as quais foram reunidas em seu novo livro, Um Vazio no Coração

do Mundo, da Record, escrito em colaboração com o jornalista Hugo Studart.

14 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010


JORNAL DA ABI — COM ESSA HABILIDA-

JORNAL DA ABI — ESTA FOI A SUA PRI-

INTERESSE PELO JORNALISMO?

JORNAL DA ABI — COMO SURGIU O SEU

DE VOCÊ DEVE TER CONQUISTADO DE MANEI-

MEIRA REPORTAGEM DE GRANDE REPERCUS-

Carlos Alberto Luppi — Desde pequeno eu percebi que gostava de escrever. Lembro que quando tinha 12 anos de idade fui editor-chefe do jornal do internato em que estudava. Depois, fiz vestibular para Jornalismo e ingressei na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Juiz de Fora. Em seguida, lancei um jornal na cidade chamado O JF, que era um suplemento semanal de um jornal católico que circulava em Juiz de Fora, mas os padres mandaram acabar com a publicação porque causava muita polêmica. Então, fui ser repórter do Diário Mercantil e depois fui editor do jornal.

RA DEFINITIVA O SEU ESPAÇO NO

JB? Luppi — Alberto Dines quis saber quem era o repórter que fez as matérias. O Carlos Prata citou meu nome, acrescentando que não tinha dinheiro para me contratar. Mas o Dines insistiu: “Não tem essa vaga, mas eu vou criá-la para esse repórter”. Ao cabo de nove meses fui promovido à categoria de repórter A.

SÃO?

Luppi — Acho que sim, mas lembro de outra também desse mesmo período. Recebi uma denúncia de estudantes universitários de Mato Grosso sobre o Projeto Aripuanã, promovido pelo Governo federal com a proposta de implantar um modelo de ocupação racional da Amazônia. Junto com o

aproximavam de cada conversa para ouvir o que se dizia. Dois anos depois, já na Folha de S. Paulo, propus ao Odon Pereira, Secretário de Redação na época, que voltássemos ao assassinato do Fiel Filho. Ele topou. JORNAL DA ABI — VOCÊ TINHA ALGUMA PISTA SOBRE O CASO?

Luppi — Primeiramente, fui atrás do legista e li as reportagens sobre o caso

JORNAL DA ABI — FOI UM INÍCIO DE O QUE ACONTECEU EM SEGUIDA? Luppi — Logo em seguida venci um concurso universitário de Jornalismo promovido pelo JB, com o tema Juiz de Fora e o desenvolvimento regional. Como prêmio, eu deveria escolher trabalhar na Redação do jornal no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Escolhi a capital paulista.

CARREIRA UM TANTO METEÓRICO.

JORNAL DA ABI — POR QUÊ? Luppi — Eu queria crescer na profissão em uma Redação pesada, numa cidade que não conhecia. Lembro que pedi dinheiro emprestado a um amigo e no dia seguinte da minha formatura eu já estava desembarcando em São Paulo, às cinco horas da manhã. Tomei um café na rodoviária e fui à Redação. JORNAL DA ABI — COMO FOI O SEU PRIJB? Luppi — Fui me apresentar ao Carlos Prata, que chefiava a Redação na época e que de cara tentou me descartar dizendo: “Mas nós não estávamos te esperando hoje. Você nem tem onde ficar aqui em São Paulo”. Respondi: “Mas eu tô com paixão, quero trabalhar. Me dá uma pauta hoje!”. Ele negou, alegando que eu não conhecia a cidade ainda, no que retruquei: “Não conheço, mas vou conhecer através da pauta”. Depois deste diálogo, o Prata me deu quatro pautas. Eram 10h. Voltei para a Redação por volta das 16h, escrevi as matérias e no dia seguinte duas foram publicadas. Comecei a escrever várias reportagens, recebendo uma ajuda de custo, classificado como repórter D. Até que chegou uma pauta do Rio de Janeiro, enviada pelo Alberto Dines, sobre um congresso de psicologia. MEIRO CONTATO COM O

JORNAL DA ABI — VOCÊ FOI SELECIONADO PARA DESEMPENHAR ESTA TAREFA?

Luppi — Sim e o Prata me alertou: “Mas você tem que ‘furar ’ O Globo. Topa?” Na época, início dos anos 70, a grande concorrência era travada entre o JB e O Globo. Cobri o congresso, e “furei” o Globo durante todos os sete dias que o evento durou, antecipando assuntos, conseguindo documentos, entre outras coisas.

JORNAL DA ABI — DIREITOS HUMANOS É UM TEMA QUE SEMPRE ESTEVE PRESENTE NA SUA CARREIRA?

Luppi — Eu jamais deixei de cuidar deste assunto. Acho que o jornalista tem um compromisso com a sociedade, com o ser humano, com a capacidade que ele tem de provocar mudanças no mundo. Sempre pensei desta forma. JORNAL DA ABI — VOCÊ PODERIA RELATAR ALGUM CASO QUE REMETA A ESTA SUA POSTURA?

Luppi — Em 1971, houve uma epidemia de meningite em São Paulo e o Governo militar estava escondendo o jogo. Lembro que entrei na Secretaria de Saúde, abri uma gaveta e roubei um documento sigiloso que relatava todos os casos da doença no Estado, comprovando que havia epidemia. Fiz uma reportagem e denunciei isso, não por ser contra os militares, mas por compromisso social, acima de tudo. As pessoas têm que saber, nada pode ficar em sigilo. Os atos secretos do Senado, por exemplo, não podem ficar em sigilo. Nesse sentido, o jornalismo foi sempre minha tribuna de militância contra a injustiça, a falta de coragem, a mentira.

fotógrafo José Carlos Brasil, fui a Dardanelos, no Norte do Mato Grosso, e descobri que não havia nada. Estavam gastando rios de dinheiro, e não havia projeto, estava tudo abandonado. JORNAL DA ABI — VOCÊS CONSEGUIRAM FAZER A REPORTAGEM E PROVAR QUE O PROJETO ERA UMA FARSA?

Luppi — Consegui os relatórios e constatei que os caras alugavam aviões para levar prostitutas pra lá. Aí faltava cigarro, eles mandavam o avião voltar pra Cuiabá para trazer um pacote de cigarros. Também encontrei fotos de mulheres nuas transando com os responsáveis pelo tal projeto. Denunciei esta grande mentira e o projeto acabou. JORNAL DA ABI — EM 1976, OCORREU O ASSASSINATO DO OPERÁRIO MANOEL FIEL

FILHO, NO DOI-CODI DO II EXÉRCITO, EM SÃO PAULO. VOCÊ PARTICIPOU DA COBERTURA DESSE EPISÓDIO? Luppi — Eu não cobri o caso diretamente, mas fiz a cobertura do velório para o JB. Muito rapidamente, pois o clima não era bom, não se podia falar muito. Pessoas estranhas à família se

publicadas na época no JB e na Folha, que não traziam muita informação, pois não se tinha falado muito sobre o crime, devido à censura. Todos achavam que quem tinha feito a necropsia era o Harry Shibata, que examinou o corpo de Vladimir Herzog, assassinado no mesmo Doi-Codi alguns meses antes. Mas constatei que o legista era o José Antonio de Melo. No dia 4 de novembro de 1978, eu o localizei e fiz uma entrevista de grande repercussão. JORNAL DA ABI — QUE REVELAÇÕES ELE FEZ A VOCÊ?

Luppi — Ele contou que a morte ocorreu por estrangulamento e não enforcamento. E que casos de estrangulamento são, em sua quase totalidade, casos de homicídio, morte provocada por terceiros. Então eu lhe perguntei: “Suicídio ou homicídio, doutor?”. Ele respondeu que isto não lhe dizia respeito, que sua função era apenas detectar a causa da morte, e não emitir opinião, mas deixou claro que o auto-estrangulamento é coisa completamente sui generis na área da Medicina Legal. O médico afirmou que em 20 anos de profissão, tendo feito milhares de neJornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

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DEPOIMENTO CARLOS ALBERTO LUPPI

cropsias, nunca tinha se deparado com algum caso de auto-estrangulamento, e que os compêndios de Medicina Legal praticamente não relatavam casos semelhantes. Ele insistiu em que o caso era atípico e raríssimo. JORNAL DA ABI — A MATÉRIA PROVOCOU A REABERTURA DO INQUÉRITO? Luppi — Com essa reportagem e uma série de outras. Depois dessa entrevista, que colocou em xeque o argumento oficial de que Fiel Filho teria cometido suicídio, se auto-estrangulando com uma meia, todos os veículos começaram a cobrir o assunto, que foi para as primeiras páginas dos jornais. JORNAL DA ABI — E A HISTÓRIA DA FOTO DA CENA DO CRIME?

Luppi — Eu estava atrás do Luiz Shinji Akaboshi, um dos interrogadores do Fiel Filho. Fui procurá-lo no II Exército e acabei conhecendo uma outra pessoa, que me disse: “O endereço do Akaboshi eu não vou te dar, mas vou te passar a foto do momento em que o operário é encontrado morto na cela, que acompanha o inquérito”. Quando a Folha publicou a imagem, foi uma cacetada. Aí eu comecei a soltar coisas do inquérito policialmilitar e o jornal foi publicando com exclusividade. Também publicamos depoimento do auxiliar de enfermagem Geraldo de Castro, que esteve preso junto com Fiel Filho.

objetivo? O que se passa na mente das pessoas? Como se trata a vida humana dessa forma?

JORNAL DA ABI — QUEM NA REALIDADE OS AGENTES DA DITADURA ESTAVAM PROCURANDO?

Luppi — Quando foram na Metal Arte, onde Fiel trabalhava, estavam atrás de uma outra pessoa, chamada Fiore. Isso várias pessoas me contaram durante as investigações. Como não encontraram nenhum Fiore na lista de empregados da empresa, levaram o Fiel, apenas porque o nome era parecido.

JORNAL DA ABI — VOCÊ ACHA QUE CONSEGUIU AS RESPOSTAS PARA ESSAS PERGUNTAS?

Luppi — O livro mostra, paralelamente àquele crime, vários casos que vão-se costurando na forma de um roteiro cinematográfico. Mostramos o caso do Fiel Filho como algo que se repete continuamente e tem ligações com situações várias.

JORNAL DA ABI — CONSTA QUE DENTRO DO DOI-CODI MANOEL FIEL FILHO FOI VÍTIMA DE OUTRO ERRO GROSSEIRO DOS AGEN-

JORNAL DA ABI — POR EXEMPLO? Luppi — A Operação Condor tem tudo a ver com o assassinato dele, se você mostrar seu entorno, a união dos Governos militares da América Latina para aniquilar comunistas, não respeitando fronteiras, entre outras coisas. Como hoje ocorre com um chefe de milícia ou do tráfico e suas disputas por território. No fundo esse conceito de poder é igual, a busca do lucro pelo lucro.

TES DA DITADURA.

É VERDADE? Luppi — Quando ele chegou ao II Exército houve mais um equívoco: interrogaram-no achando que se tratava de Manoel Guilherme, que estava preso no mesmo local e organizava reuniões do PCB na região de Itaquera. JORNAL DA ABI — OU SEJA, A PRISÃO, MANOEL FIEL

TORTURA E ASSASSINATO DO

FILHO FORAM MAIS UMA CRUEL SUCESSÃO DE EQUÍVOCOS DA DITADURA MILITAR. Luppi — As perguntas feitas a ele eram destinadas ao outro Manoel. Assim, uma série de erros causou a morte dele. Manoel Fiel Filho não tinha militância política nenhuma. O seu envolvimento político era igual a zero.

JORNAL DA ABI — NO FINAL DOS ANOS 70 VOCÊ TAMBÉM FOI AUTOR DE UMA REPORTAGEM QUE DESVENDOU UM CRIME QUE TEVE REPERCUSSÃO NACIONAL.

CINCO ANOS E MEIO DEPOIS.

POR QUÊ? Luppi — Porque não estava solucionado ainda. O José Louzeiro tinha escrito o livro Araceli, Meu Amor, um trabalho brilhante, de grande repercussão. Por intermédio dele, fiquei muito amigo do Asdrúbal de Lima Cabral, o perito que acompanhou o caso. Ele me disse que o crime ainda não estava concluído judicialmente. Então, fui a Vitória, onde ocorreu o assassinato, e tirei cópia do processo, que tinha sete mil páginas.

JORNAL DA ABI — COM BASE NO LIVRO DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE, PUBLICADO PELA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, PÔDE HAVER A REABERTURA DA AÇÃO CIVIL

JORNAL DA ABI — O DEPOIMENTO DELE AJUDOU A ESCLARECER MUITA COISA? Luppi — Ele contou que enquanto estava sendo interrogado ouviu os gritos e as súplicas do operário sendo torturado em uma outra sala próxima, até que entraram no local onde Geraldo estava sendo interrogado e disseram: “Chefe, a omelete está feita”. Omelete, na gíria policial, significa morte, execução. Depois destas e outras informações levantadas nesta série de reportagens, eu disse à Dona Tereza de Lourdes Fiel que ela tinha tudo para reabrir o caso. No dia 18 de abril de 1979 ela entrou com ação de indenização por perdas e danos na Justiça Federal, por meio dos advogados Marco Antônio Rodrigues Barbosa, Samuel McDowell Figueiredo e Sérgio Bermudes, da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. JORNAL DA ABI — É ESSA POSSIBILIDADE DE INTERFERIR DIRETAMENTE NA REALIDADE QUE MAIS TE ATRAI NO JORNALISMO?

Luppi — Eu gosto de mostrar o fato e todo o seu entorno, o conjunto de situações que contribuíram para determinado acontecimento, do ponto de vista mental, social, do coração das pessoas. Essa série de reportagens que saíram na Folha, publicadas em 1980 no livro Manoel Fiel Filho: Quem Vai Pagar Por Este Crime?, foi preponderante para que a União fosse condenada a indenizar a viúva. Mostrei que o Fiel fora detido, interrogado e morto por engano. 16 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

PÚBLICA PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, VISANDO À PUNIÇÃO DOS CULPADOS PELA MORTE DO OPERÁRIO.

Luppi — Eu já imaginava que isto iria ocorrer. O livro citado é um documento oficial da Presidência, que inclusive utilizou todos os dados que apurei na época para mostrar, em primeira mão, que Fiel Filho foi assassinado, os quais resultaram na ação proposta pela viúva. É uma nova ação que quer punir os torturadores e exigir nova indenização para Teresa de Lourdes Martins Fiel.

JORNAL DA ABI — ACHOU ALGUMA COISA REVELADORA?

JORNAL DA ABI — COMO VOCÊ SE SENTE COM ESTA NOTÍCIA SABENDO QUE CONTRIBUIU PARA QUE O CASO NÃO CAÍSSE NO ESQUECIMENTO?

Luppi — Fico feliz com a notícia sabendo que os dados e declarações utilizados são os mesmos do meu antigo livro, que também foram compiladas pela Comissão de Justiça e Paz de São Paulo. As informações que revelei na época, na Folha, levantaram o caso novamente. O livro que estou preparando agora, cujo título é Um Vazio no Coração do Mundo, contém novas revelações sobre o assassinato do operário. JORNAL DA ABI — FALE UM POUCO DESTE NOVO LIVRO.

Luppi — Contando com a colaboração do jornalista Hugo Studart, eu quis fazer um livro que relatasse não apenas o assassinato do Fiel Filho, mas o mostrasse como um ícone de uma

VOCÊ REVIROU O

CASO DO ASSASSINATO DA MENINA ARACELI,

época tenebrosa no Brasil que vai repetindo-se com o tempo. Eu não sou um expert em História política do Brasil, mas de 1937 para cá esses casos de tortura e assassinato vêm-se multiplicando.

Luppi — Li tudo e constatei que o pai da menina, Gabriel Sanchez, não era citado. Voltei para São Paulo, quando recebi um telefonema do Cabral dizendo que a mãe de Araceli, Lola Cabrera Sanchez, tinha voltado para Vitória, depois de ter passado os anos subseqüentes ao crime na Bolívia, seu país de origem. Eu fui para Vitória na intenção de entrevistá-la. Eu ficava o dia inteiro na esquina da rua observando seu comportamento. Comecei a levantar várias histórias sobre ela e a Folha foi publicando, até que a prenderam, sob a acusação de seviciar uma menina que tinha vindo da Bolívia para morar com ela. Fui à prisão e consegui a entrevista.

JORNAL DA ABI — O PRINCIPAL OBJETIVO DO LIVRO SERIA REVELAR A DINÂMICA DO

JORNAL DA ABI — E O QUE VOCÊ DESCO-

PROCESSO DE ARBITRARIEDADES COMETIDAS

BRIU?

DURANTE O REGIME MILITAR?

Luppi — Ela estava meio confusa, com medo. Acusou os Michelini, mas depois negou que foram eles. Depois assumiu que era amiga dos Michelini e dos Helal, os milionários que mataram a menina. Assumiu que Araceli fora morta por elementos da alta soci-

Luppi — Eu queria mostrar toda essa questão que envolve o poder subterrâneo. O fato e o entorno do fato. Por que isso acontece? Por que se mata um inocente, ou um culpado, a troco de nada, sem nenhuma consciência? Com que


edade de Vitória, que contaram com a conivência e corrupção da polícia local.

Luppi — Concorri com jornalistas de 120 países, e fui o único brasileiro a receber essa homenagem. Esse trabalho foi publicado em três livros: Agora e na Hora de Nossa Morte — O Massacre do Menor no Brasil; A Cidade Está com Medo, em parceria com o criminalista Técio Lins e Silva; e Malditos Frutos do Nosso Ventre.

JORNAL DA ABI — DURANTE AS INVESTIBOLÍVIA. Luppi — Quando Lola Cabrera foi solta e saiu do Brasil, fui atrás dela em Santa Cruz de la Sierra, junto com o perito Dudu Cabral. Descobrimos que ela era casada aqui, com o Gabriel, e lá também com outro cara, cuja ex-mulher eu consegui localizar. Esta me passou o endereço da Lola e do exmarido, que livrou a cara dela quando o entrevistei. GAÇÕES VOCÊ TAMBÉM ESTEVE NA

JORNAL DA ABI — COMO FOI QUE VOCÊ ARACELI? Luppi — Eu o encontrei em Uberaba e depois de muito esforço ele concordou em conversar comigo. A entrevista durou mais de dez horas e foi publicada na íntegra na Folha, causando grande repercussão. Aí a Veja, a IstoÉ e diversos outros veículos a repercutiram. Pela primeira vez o pai de Araceli, que não foi ouvido no inquérito, falou sobre o assassinato da menina.

JORNAL DA ABI — EM QUE CONSISTIA O BRASIL JOVEM, PROGRAMA QUE VOCÊ DENUNCIOU NESTA SÉRIE DE REPORTAGENS? Luppi — Esse programa consistia em formar um exército de repressão com menores internos da Febem de todo o Brasil. A idéia era criar uma geração militarizada envolvida com a repressão política durante a ditadura militar, tendo o Médici à frente dessa empreitada.

CHEGOU AO PAI DA

JORNAL DA ABI — O PAI DE ARACELI FEZ ALGUMA REVELAÇÃO IMPORTANTE?

Luppi — Disse que desconfiava da Lola, que achava que ela tinha envolvimento no crime, por ser amiga dos Michelini e dos Helal. Foi uma investigação longa. Depois, as reportagens foram publicadas na forma de livro, com o título Araceli — Corrupção em Sociedade, vendendo 100 mil exemplares nas bancas de jornais. Essa apuração longa sobre o caso Araceli recebeu o Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos; assim como outra série de reportagens que fiz intitulada O País da Pena de Morte, na qual denunciei diversos casos de assassinatos cometidos pelo grupo policial Rota, de São Paulo. JORNAL DA ABI — QUAL FOI O DESFECHO DO CASO?

Luppi — Baseado nos fatos, robustecidos pelas reportagens, o Juiz da 3ª Vara Criminal de Vitória, Hilton Silly, condenou Dante de Barros Michelini, seu filho Dantinho, Paulo Helal e Jorge Michelini. JORNAL DA ABI — A CONFIANÇA DO VE-

JORNAL DA ABI — COMO VOCÊ DESCOBRIU ESSE PROJETO?

“TODOS OS QUATRO GRANDES JORNAIS EM QUE TRABALHEI ME PROTEGERAM E ME DERAM FORÇA NAS MINHAS INVESTIGAÇÕES. A MINHA PREOCUPAÇÃO SEMPRE FOI A DE DENUNCIAR, DE TRAZER A VERDADE À TONA.”

Luppi — Eu tive muita sorte nesse aspecto. Todos os quatro grandes jornais em que trabalhei — Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde — me protegeram e me deram força nas minhas investigações. A minha preocupação sempre foi a de denunciar, de trazer a verdade à tona. JORNAL DA ABI — VOCÊ SEMPRE TRABALHOU AS SUAS PAUTAS COM LIBERDADE?

Luppi — Sempre tive liberdade para fazer as matérias. O único problema que tive foi na Folha, quando iniciei

JORNAL DA ABI — QUAIS ERAM AS CENAS MAIS COMUNS NESSAS UNIDADES?

uma série de denúncias contra a corrupção do Governo Maluf, em São Paulo. Foi na época em que comecei a levantar toda a cortina de fumaça que tapava as torturas cometidas contra crianças internas das Febem paulistas. Ele sempre pediu a minha cabeça, mas a Folha o peitava. Até que eu saí do jornal e ele me processou.

JORNAL DA ABI — QUAIS ERAM AS PRINCIPAIS DENÚNCIAS CONTRA AS FEBENS? Luppi — Eram casos de tortura, espancamentos, estupro, pílulas de hormônios femininos que eram dadas a meninos internos e vice-versa. Atos de violação dos direitos humanos. JORNAL DA ABI — FOI ISSO QUE INCOMOMALUF? Luppi — O Governo Maluf tentou desmentir todas as acusações. Então, conversei com o pessoal da Folha e decidimos investigar tudo, entrar de cabeça no assunto. Fiz um levantamento a nível nacional sobre jovens internos. Como eu viajava muito para a Amazônia, comecei a verificar a situação do menor lá também, a denunciar a Febem e a Funabem. DOU

JORNAL DA ABI — A JUSTIÇA DEU GANMALUF? Luppi — Eu precisava de um advogado, mas a Folha não quis disponibilizar um advogado pra mim, apesar de o processo se referir às reportagens publicadas no jornal. Então, contratei do próprio bolso a advogada Maria Aparecida Pacheco, que fez a minha defesa brilhantemente. Resultado: não só ganhei a causa como recebi um voto de louvor do Tribunal pelas reportagens feitas (risos). HO DE CAUSA A

ÍCULO NO REPÓRTER AJUDA EM CASOS COMO ESTES?

Luppi — Quando você se envolve nesse tipo de reportagem, as pessoas começam a te procurar para fazer denúncias, você começa a pedir documentos, a analisar documentos, e essas coisas vão aparecendo. Eu lembro que era acordado de madrugada. Ligavam pra minha casa às 3h, para eu dar incertas em Febens do interior de São Paulo.

JORNAL DA ABI — COMO SURGIU ESSA PAUTA SOBRE OS MAUS TRATOS SOFRIDOS POR CRIANÇAS INTERNAS DAS UNIDADES DA

FEBEM DE SÃO PAULO? Luppi — Surgiu por acaso. Eu estava em uma festa familiar e uma das convidadas começou a se queixar, numa roda de conversa, das atrocidades que via em uma unidade da Febem em que trabalhava. Ela não sabia que eu era jornalista. Perguntei se poderia publicar o que ela disse. Ela permitiu. Então, marquei uma entrevista específica com ela no dia seguinte. Aí estourou o caso.

JORNAL DA ABI — QUAIS FORAM AS REPERCUSSÕES DAS SUAS REPORTAGENS?

Luppi — Cansei de ir ao programa da Hebe Camargo, que era muito amiga minha, denunciar o Mário Altenfelder, que presidia a Febem na época, e era pago pelo Unicef para fazer essa gestão cruel. Eu tenho umas 10 mil laudas de matérias sobre a situação do menor no Brasil, tema a que me dediquei durante dez anos (1979-1990), que me rendeu o Prêmio Jock Elliot de Direitos Humanos, pelos serviços prestados à Humanidade. JORNAL DA ABI — É VERDADE QUE VOCÊ É O ÚNICO JORNALISTA BRASILEIRO GANHADOR DESSE PRÊMIO?

Luppi — Flagrei garotos comendo bosta e sendo espancados. Esse assunto dos atentados contra os direitos humanos de crianças e adolescentes no Brasil começou um caudal que não parou mais. Depois dessas reportagens, o assunto virou pauta permanente na imprensa brasileira. JORNAL DA ABI — COMO VOCÊ SE SENTE POR TER SIDO UM DOS PIONEIROS DE UM TRABALHO JORNALÍSTICO DESSA IMPORTÂNCIA?

Luppi — Eu lembro que enquanto estava apurando os casos lia em jornais antigos as denúncias nessa mesma linha e percebia que davam uma nota apenas, sem muita repercussão, mesmo em casos graves. Esse trabalho me orgulha muito, pois as reportagens ajudaram a salvar muitas vidas de jovens no País. E no rastro delas criamos, junto com a Lia Junqueira e outros, o Movimento em Defesa do Menor de São Paulo, ligado à OAB de São Paulo. JORNAL DA ABI — VOCÊ TAMBÉM DENUNCIOU A SITUAÇÃO PRECÁRIA DOS JOVENS NO

NORTE DO PAÍS. Luppi — Fiz uma viagem de 26 dias de barco para o Alto do Rio Negro e verifiquei que tudo fazia parte das missões dos padres salesianos naquela região. Eles tratavam os índios a ferro e fogo e os obrigavam a adotarem a cultura cristã, em detrimento dos valores indígenas. JORNAL DA ABI — MUITAS TRIBOS ERAM AFETADAS POR ESSE PROCESSO?

Luppi — Cerca de 17 mil índios da Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

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DEPOIMENTO CARLOS ALBERTO LUPPI

BINO E O QUE ELE TEM A VER COM A GUERRI-

ARAGUAIA? Luppi — Um pobre coitado miserável e sem família, que diziam ser o responsável pelos crimes, que na realidade foram praticados pelos agentes da ditadura na região do Triângulo Mineiro, em 1972. LHA DO

JORNAL DA ABI — O QUE VOCÊ APUROU DESSA HISTÓRIA?

O astrônomo Ronaldo Mourão recebe o abraço de Carlos Luppi durante o lançamento do livro Dinastia das Sombras, sobre a guerrilha do Araguaia.

região, de várias tribos, perderam a identidade cultural. Com a opressão dos padres, eles iam para Manaus e se fixavam em favelas, entregues ao alcoolismo e ao subemprego. JORNAL DA ABI — FALE SOBRE A SITUA-

ameaçando. E falei também: “Agora que estou aqui, não aparece ninguém. Vou sair da rádio e vou para a Praça Costa Pereira, ficar lá sentado no banco, vendo as meninas passarem”. JORNAL DA ABI — APARECEU ALGUÉM

ÇÃO DOS JOVENS QUE VOCÊ ENCONTROU NA

PARA TE PEGAR (RISOS)?

AMAZÔNIA. Luppi — Eu me deparei com diversos casos de meninas índias de 13 e 14 anos que iam trabalhar como domésticas na cidade, onde acabavam sendo estupradas por um filho da família, ficavam grávidas e eram expulsas da casa em que trabalhavam. Assim, entravam na prostituição. O que eu encontrei de indiazinhas se prostituindo em Manaus foi uma coisa assombrosa. Denunciei isto em várias reportagens e também no Tribunal Internacional Bertrand Russel, ligado aos direitos humanos, e houve uma condenação mundial das missões dos padres salesianos na Amazônia.

Luppi — Não apareceu um babaca pra cumprir com as ameaças. Nessas ocasiões, você tem que se posicionar com firmeza também, se não é pior. O lado triste disso é que eu sei que perdi muito emprego por causa desse tipo de jornalismo de denúncia que eu fazia. Muitas revistas deixaram de me contratar.

JORNAL DA ABI — APESAR DAS FREQÜENTES DENÚNCIAS QUE FAZIA COMO REPÓRTER, VOCÊ NUNCA SOFREU REPRESÁLIAS POR PARTE DO GOVERNO MILITAR? Luppi — Tive sorte neste sentido. Acho que nunca me pegaram, porque eu viajava muito pelo Brasil e pela América Latina. Mas eu era muito ameaçado, principalmente no caso Araceli.

aloga com todas as correntes de pensamento no mundo. Ele prega a atuação direta na sociedade onde você está, a partir do comportamento próprio de cada um, o compromisso de cada um, visando à busca pela paz mundial. JORNAL DA ABI — E O QUE ESSA APROXIMAÇÃO COM O BUDISMO MODIFICOU EM SUA VIDA?

Luppi — Lendo os escritos dele, eu percebi que toda a minha trajetória

Luppi — Em março de 1972, o Governo militar na última operação para acabar de vez com a guerrilha do Araguaia, ficou com receio de que os guerrilheiros fugissem pela região do Triângulo Mineiro e montou uma operação militar gigantesca para reprimi-los. Para justificá-la os militares começaram a cometer vários assassinatos aleatoriamente na calada da noite, a depredar fazendas, decepar bezerros. Criaram um clima de pavor na região e a figura de um monstro. Quando acabaram com a guerrilha do Araguaia, começaram a desmobilizar as forças de segurança em operação no Triângulo Mineiro em torno de Orlando Sabino. Não haveria mais perigo de os guerrilheros se instalarem em um novo foco de guerrilha na região do Triângulo. JORNAL DA ABI — FOI AÍ QUE PEGARAM ORLANDO SABINO... Luppi — Levaram-no para o batalhão de polícia de Uberaba, onde foi humilhado inclusive pela imprensa. Depois o levaram para o manicômio de Barbacena, onde tentaram em vão matá-lo duas vezes. Orlando Sabino está lá até hoje. É o mais antigo do manicômio. Trata-se de uma grande injustiça que não foi reparada. A esquerda se omitiu, assim como as entidades que lutam pelos direitos humanos, como o Grupo Tortura Nunca Mais, a imprensa e o Governo atual. Talvez nem conheçam o caso do Orlando Sabino. O

“EU SEI QUE PERDI MUITO EMPREGO POR

CAUSA DESSE TIPO DE JORNALISMO DE DENÚNCIA QUE EU FAZIA, MUITAS REVISTAS DEIXARAM DE ME CONTRATAR.”

JORNAL DA ABI — POR QUE VOCÊ DECIDIU ABANDONAR AS REDAÇÕES NO INÍCIO

90? Luppi — Senti que não estava mais tendo espaço, pois era visto como um jornalista de muita contundência. Além disso, as Redações, na minha opinião, estavam muito burocratizadas, buscando fontes de gabinetes, sem aquela investigação profunda que sempre gostei de fazer. Diante deste quadro, resolvi buscar outros caminhos dentro da comunicação social.

DOS ANOS

profissional no jornalismo estava ligada a este compromisso e comecei a redescobrir o sentido da minha vida. Compreendi que eu não havia sido jornalista por acaso. Através da imprensa, tive contato com o mundo, com o povo, com o Brasil, com a América Latina, com diversas situações de violência, tortura e desigualdade e tinha interferido diretamente nessas questões. Aí eu pensei que tinha que voltar a escrever, retomando este compromisso com a sociedade que sempre tive por meio da imprensa.

JORNAL DA ABI — O QUE FAZ UM JORNALISTA VIRAR ESPECIALISTA EM INVESTIGAR CASOS CONSIDERADOS SEM SOLUÇÃO?

Luppi — O sentido de compromisso com a sociedade e a reflexão permanente do papel do jornalista em transformar a sociedade insustentável em que vivemos numa sociedade sustentável. Acho que o jornalista tem que ter um compromisso definido com ele mesmo. Mas também não deve pensar assim: “Puxa vida, se eu não consegui mudar o mundo perdi meu tempo”.

JORNAL DA ABI — E O QUE VOCÊ FOI FAJORNAL DA ABI — QUE TIPO DE AMEAÇAS VOCÊ SOFREU? Luppi — Um dia eu fui a Vitória e falei no programa de grande audiência de uma rádio local que a cidade tinha o maior índice de covardes per capita do Brasil. Disse isso porque em São Paulo, por causa das matérias, eu recebia vários telefonemas de pessoas me 18 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

ZER PARA SUBSTITUIR O JORNALISMO?

Luppi — Fiz uns cursos de publicidade e comecei a trabalhar como diretor de criação em algumas agências. Fiquei muitos anos sem escrever, até que, em 1999, eu conheci o pensamento do líder budista Daisaku Ikeda, Presidente da Soka Gakkai Internacional, uma organização pacifista ligada à Onu, que di-

JORNAL DA ABI — FOI ESSE SENTIMENTO DINASTIA DAS SOMBRAS, PUBLICADO EM 2008? Luppi — A história desse livro está ligada à guerrilha do Araguaia, e à figura de mais um injustiçado, vítima da ditadura militar chamado Orlando Sabino.

QUE TE LEVOU A ESCREVER O LIVRO

JORNAL DA ABI — QUEM É ORLANDO SA-

JORNAL DA ABI — E O QUE VOCÊ ACHA DA SUA PRÓPRIA PARTICIPAÇÃO NESSE PROCESSO?

Luppi — Eu, como jornalista, dei uma contribuição bacana para a sociedade, porque eu vivi intensamente meus dias na imprensa, e experimentei a vontade de exercer a consciência e o compromisso com as pessoas, com o povo brasileiro.


LEGISLAÇÃO

Diploma: STF desencadeou contradições

Oito meses depois da derrubada da exigência de diploma de conclusão de curso de Jornalismo ou Comunicação Social para o exercício da profissão de jornalista, são diferentes as reações de vários segmentos da sociedade à decisão do Supremo Tribunal Federal que aboliu essa exigência, em sua sessão de 17 de junho de 2009. Uma das mais recentes, e também contundentes, deu-se na capital mineira. O Diário Oficial do Município de Belo Horizonte publicou no dia 20 de fevereiro a sanção da Lei nº 9.825, de 19 de janeiro, que torna obrigatório o diploma de Comunicação Social, com a devida habilitação em Jornalismo, para os cargos de jornalista e assessor de imprensa nos Poderes Legislativo e Executivo da cidade. A lei é originária do Projeto de Lei 667/09, de autoria dos Vereadores Adriano Ventura (PT) e Luzia Ferreira (PPS), Presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte. O projeto tramitou nas Comissões de Legislação e Justiça e de Administração Pública e foi aprovado em segunda votação e última votação na reunião plenária realizada no dia 23 de dezembro de 2009. A Lei tem o propósito de garantir a importância da formação acadêmica e das técnicas aprendidas em faculdades especializadas para o pleno exercício da profissão de jornalista. O diploma, de acordo com o texto legal, representou um avanço para o desenvolvimento da profissão e pela qualidade da informação transmitida à sociedade. Iniciativa semelhante foi verificada em Mato Grosso do Sul. Atendendo a pedido do Sindicato dos Jornalistas Profissionais, o Deputado Estadual Pedro Teruel (PT) apresentou projeto de lei que determina que candidatos à vaga de assessores de imprensa em órgãos estaduais apresentem o diploma de curso superior em Jornalismo, como requisito para exercer a função. A medida abrange as admissões realizadas por força de concurso público para cargos no Poder Executivo, na Assembléia Legislativa, no Tribunal de Justiça e em outros órgãos estaduais. Pela lei, qualquer contratação para o exercício profissional do jornalismo que tiver sido efetuada sem a exigência do diploma poderá ser anulada.

ELIANE SOARES

A Câmara Municipal de Belo Horizonte e o Estado de Mato Grosso do Sul exigem diploma para ingresso de jornalistas no funcionalismo. Há divergências quanto ao registro profissional e à admissão após aprovação em concursos públicos.

Polêmica quanto ao registro profissional Também a Federação Nacional dos Jornalistas tem-se mobilizado para retomar a exigência do diploma. A entidade anunciou que vai solicitar ao Ministério do Trabalho e Emprego uma consulta pública em caráter de urgência para que sejam definidos procedimentos para a emissão do registro de jornalista. A Fenaj defende a concessão do registro apenas para os jornalistas diplomados. Em norma interna emitida no final de 2009, o Ministério orientou as Secretarias Regionais do Trabalho a registrar jornalistas diplomados na categoria “jornalistas profissionais” e os demais, como “jornalistas”. “Tal norma do Ministério possibilita a emissão de registros a menores, analfabetos e até criminosos. O STF disse que é livre o exercício da profissão, mas não definiu norma para registro. Assim sendo, o MTE pode e deve registrar só diplomados. É preciso discutir com urgência essa questão”, ressaltou o Presidente da Fenaj,Sérgio Murilo de Andrade. Na mesma linha de atuação, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Rio Grande do Sul entrou no dia 10 de fevereiro com pedido de suspensão da liminar que obriga a entidade a filiar em seus quadros duas pessoas sem formação superior em Jornalismo. Ambas foram beneficiadas por mandado de segurança expedido pelo Juiz Rafael da Silva Marques, da 29ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, que se baseou na suspensão da obrigatoriedade do diploma determinada pelo STF. Em nota, a direção do Sindicato classificou a atitude do juiz como “interferência indevida

nas relações de trabalho, uma vez que, pela decisão do Supremo, não é necessária a emissão de carteira para o exercício da profissão, nem mesmo o registro”. A decisão judicial, diz o comunicado, fere o estatuto do Sindicato, que, por se tratar de uma entidade de profissionais, exige o curso superior de Jornalismo no ato de filiação. “Na portaria publicada pelo MTE, pessoas sem diploma são enquadradas simplesmente como ‘jornalistas’. Os profissionais com curso superior são ‘jornalistas profissionais’, estes com direito à associação nos quadros do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Rio Grande do Sul, conforme determina o seu estatuto. Seria o mesmo que a Justiça obrigasse a todo o jornalista com atuação no Estado a se sindicalizar, o que por certo fere o livre direito estabelecido na Constituição”, diz o Presidente do Sindicato, José Maria Rodrigues Nunes. No Rio de Janeiro, ocorreu um caso singular. O Desembargador Fernandes Marques, do Tribunal Regional Federal, determinou que o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município forneça Carteira de Identidade Profissional de Jornalista ao Bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus. O pedido havia sido feito e negado em 2001. Baseado na decisão do STF, novo julgamento de mandado de segurança terminou por favorecer o religioso – ligado à TV Record. O advogado do Sindicato, Walter Monteiro, encaminhou pedido de esclarecimento da ação ao TRF, no qual diz que existe uma série de exigências para serem obedecidas antes do cumprimento da decisão.

Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

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MEIO AMBIENTE

Moção de Repúdio e mais dúvidas em concurso público

ALIEDO

20 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

Estado de tomar posse na vaga de assessor de imprensa, por não ter o diploma do curso de Jornalismo, conforme previsto no edital. A decisão foi da Juíza Soraia Tullio, da 4ª Vara Federal de Curitiba, que negou a liminar requerida pelo candidato. Em seu despacho, a Juíza acentua que o edital do concurso alertava claramente para a exigência do diploma. “Consta expressamente no edital do concurso — que, como é sabido, constitui a lei do certame — a exigência de curso superior para o exercício do cargo. Logo, inexiste ilegalidade ou abuso de poder no ato da autoridade da UFPR, que impediu a posse do candidato.” No entendimento da magistrada, a instituição de ensino é soberana para decidir quais os requisitos exigidos para a ocupação de cargos nos seus quadros, sem que isso represente “infringência ou incompatibilidade com o posicionamento do STF”. Gustavo Carvalho de Aquino entrou com mandado de segurança quando foi informado pela UFPR que não poderia tomar posse no cargo de assessor de imprensa. O seu argumento tem base na decisão do Supremo que extinguiu a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista. Gustavo alega na ação que tem “conhecimento e experiência suficientes para o exercício do cargo”.

Além de estar à frente do primeiro programa neutro em carbono da tv brasileira, na Globo News, ele leciona na Puc-Rio disciplina voltada para a formação ambiental de jornalistas. Seu trabalho foi reconhecido com premiação do JB Ecológico. O jornalista André Trigueiro, âncora da Globo News, ganhou o Troféu Destaque Especial do 4º Prêmio Brasil Meio Ambiente promovido pelo Jornal do Brasil e pela revista JB Ecológico. Coube ao Presidente da ABI, Maurício Azêdo, entregar-lhe o troféu, em cerimônia realizada no dia 29 de janeiro na sede social do Jockey Clube Brasileiro, no Centro do Rio. A homenagem emocionou Trigueiro. “Hiram Firmino realiza trabalho de fundamental importância à frente do JB Ecológico. Muitos dos agraciados com este prêmio consagram uma boa parte do seu tempo e de suas energias em favor da construção de um mundo melhor e mais justo, e é um honra para mim ser um dos premiados. Fui repórter da antiga Rádio Jornal do Brasil AM. Na noite da cerimônia me lembrei muito do quanto aprendi neste período profissional de minha vida, quando, inclusive, tive a oportunidade de cobrir a Rio-92”, recordou Trigueiro. Ao justificar a escolha de Trigueiro, os organizadores do Prêmio Brasil Meio Ambiente assinalaram que ele é professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e produz e apresenta na Globo News o Cidades e Soluções, primeiro programa neutro em carbono da TV brasileira. Isto é, todas as suas emissões de gases estufa durante a produção são compensadas com o plantio de árvores nativas da Mata Atlântica. “Essas são medidas paliativas, na medida em que a compensação do carbono emitido se dará apenas quando as mudas de árvores plantadas crescerem, o que levará algum tempo. Mas a sinalização que damos é positiva. Significa que estamos antenados com a questão das mudanças climáticas e reconhecemos nossa responsabilidade nisso. É importante que em todos os setores da vida possamos reduzir nossas emissões de gases estufa”, diz Trigueiro. A cobertura da Rio-92 foi vital na definição de sua trajetória profissional. “Encerrado o evento, me dei conta de que esta era uma área do conhecimento absolutamente instigante e necessária. Fui buscar fora do jornalismo uma formação específica na área ambiental, no intuito de melhor compreender esse universo sistêmico, complexo e apaixonante. Por isso, há quase

ANGELOCUISSI/JORNAL DO BRASIL

Por proposta da Vereadora Sofia Cavedon (PT), a Câmara Municipal de Porto Alegre aprovou Moção de Repúdio ao STF pela decisão de extingüir a exigência de diploma para o exercício da profissão de jornalista. A moção estende o repúdio aos ministros que votaram em favor da decisão: Gilmar Mendes, Carmem Lucia, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Ayres Britto, Cezar Peluso e Ellen Gracie. “A decisão da Suprema Corte afronta estudantes de Jornalismo, professores e ao público que se vale das mídias para manter-se informado e formar sua opinião. Também contraria os princípios do Mec, que zela pela qualificação dos currículos, preocupando-se em dar as coordenadas, fiscalizar, avaliar e exigir que o curso de Jornalismo possibilite ao aluno uma formação que o habilite a exercer a profissão. Ao não exigir o diploma para atuar em veículos de comunicação e permitir a concessão de registro sem nenhuma normativa, a decisão do STF significa um exemplo de descaso para com quem zela pela formação dos profissionais da imprensa, além de um retrocesso histórico tanto para o jornalismo quanto para a sociedade”, diz a moção. Na esfera dos concursos públicos, Gustavo Carvalho de Aquino, aprovado em primeiro lugar na seleção da Universidade Federal do Paraná, foi impedido pela Justiça do

André Trigueiro, destaque especial

Trigueiro leva ao pé da letra o que prega como jornalista e professor: seu programa é o primeiro da tv neutro em carbono.

sete anos leciono na Puc-Rio a disciplina de Jornalismo Ambiental, criada por mim justamente para fomentar esse conhecimento. Não podemos entrar no mercado de trabalho, em pleno século XXI, replicando o analfabetismo ambiental. Se o mundo mudou, e muito, as universidades e o jornalismo devem acompanhar essas mudanças”. Como anda a cobertura da mídia sobre as questões ambientais? Trigueiro é otimista: “Está melhorando. Já estivemos em situação pior. Há um processo em andamento e sou otimista em relação aos espaços que a mídia deverá abrir para temas fundamentais e estratégicos relacionados à sustentabilidade. Especialmente na editoria de economia”, acredita ele, que recebeu o prêmio junto com diversas outras personalidades e empresas que tiveram reconhecidos seus trabalhos em prol da causa sustentável, como os Presidentes da Vale, Roger Agnelli (Empresário do Ano), da Cedae, Wagner Victer (Destaque Estadual) e do Ibama, Roberto Mossias Franco (Destaque Federal), além de Luiz Pinguelli Rosa, Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro-Coppe, como Personalidade Brasil de Meio Ambiente.


PRÊMIOS

Concurso Tim Lopes atrai estrangeiros Jornalistas dos países do Mercosul entram na competição. Os organizadores do 5º Concurso Tim Lopes de Investigação Jornalística e do 10º Prêmio Ayrton Senna de Jornalismo encerraram o período de inscrições com grande volume de trabalhos do Brasil e do exterior. A novidade desta edição do Concurso Tim Lopes foi a expansão da iniciativa para países do Mercosul. Os jornalistas de língua espanhola concorrem nas categorias Impresso, Rádio e TV. No total foram inscritos 122 projetos: 77 do Brasil, 27 da Argentina, 13 do Uruguai, cinco do Paraguai. Os participantes apresentaram sugestões de pautas especiais ainda não produzidas. Os selecionados em cada categoria vão receber apoio financeiro e técnico para realizá-las, além de prêmio em dinheiro. O Concurso Tim Lopes é resultado de uma parceria entre a Agência de Notícias dos Direitos da Infância-Andi, a Childhood Brasil, o Instituto WCF e a Save The Children Suécia, com o apoio do Fundo das Nações Unidas para a InfânciaUnicef, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo-Abraji, Federação Nacional dos JornalistasFenaj e Organização Internacional do Trabalho-OIT. O título do prêmio é uma homenagem ao jornalista Tim Lopes, da TV Globo, assassinado por traficantes no dia 2 de junho de 2002, em uma favela do Rio, quando investigava a exploração sexual de menores em bailes funk. A reunião do júri acontecerá em 6 de abril, em São Paulo, quando serão definidos os oito projetos selecionados – cinco do Brasil e três do Mercosul. O resultado final será divulgado no dia 8 de abril. Já o 10º Grande Prêmio Ayrton Senna de Jornalismo, cujo tema é Educação para o Desenvolvimento Humano, recebeu um total de 1.516 matérias inscritas, enviadas por 682 jornalistas de 217 veículos. A novidade desta edição é a inclusão da categoria Internet ao lado das tradicionais Jornal, Revista, Rádio e TV. Neste ano será concedido o Prêmio Ayrton Senna Destaque Educação ao editor, repórter ou veículo que mais tenha contribuído para o debate sobre educação. Em março, serão conhecidos os 15 trabalhos pré-finalistas. O resultado final será divulgado no segundo semestre deste ano. Os vencedores receberão um total de R$ 100 mil em prêmios.

Mais duas premiações para Época Depois de ganhar o Prêmio Esso pela sua capa sob o título Vôo Air France 447, a revista continua a colecionar prêmios, agora o de uma associação internacional de design. Jornais brasileiros também se destacaram no exterior. Para traduzir o choque de uma tragédia aérea, a sensibilidade e o apuro estético. Essa foi a receita utilizada pela revista Época em sua edição nº 577, em 5 de junho de 2009. Com o título Vôo Air France 447, a edição já havia vencido o Concurso Melhor Capa 2009 da Associação Nacional de Editores de RevistasAner, dentre 16 finalistas, com a entrega do prêmio ao Diretor de Arte Marcos Marques, no dia 11 de novembro do ano passado. Também em 2009 a capa foi vencedora do Prêmio Esso, na categoria Criação Gráfica/Revista. Agora em fevereiro, essa mesma edição de Época foi agraciada com dois Prêmios Award of Excellence – concedidos pela Society of Newspaper Design-SND, que seleciona e elege anualmente os melhores designs de jornais e revistas do mundo todo. A distinção ocorreu nas categorias Infográfico e Fotografia. A edição premiada da Época destacou em sua capa o desaparecimento do Airbus 330-200 da Air France no Atlântico, durante a madrugada do dia 1º de junho do ano passado. A bordo estavam 216 passageiros e 12 tripulantes. O desastre comoveu o mundo e mobilizou autoridades brasileiras e francesas nas buscas. Em meio a um clima de tristeza e impotência, a equipe de arte de Época criou uma capa serena, retratando a imensidão do Atlântico, que até hoje guarda os corpos da maioria das vítimas. “O critério essencial que norteia a elaboração de uma capa é a capacidade de despertar a emoção e o interesse, algo que poderíamos definir como ‘centelha jornalística’. Uma capa que precise de explicação é uma capa ruim”, define Marcos Marques. Concorrendo com publicações de prestígio como News York Times Magazine e National Geographic, a revista Época São Paulo conquistou três Prêmios Award of Excellence, todos na categoria Fotografia, com as matérias Era Uma Vez na Cinelândia, publicada na edição nº 12, de 1 de abril de 2009; O Melhor de São Paulo 2009/ 2010, da edição nº 19, que foi às bancas em 27 de outubro de 2009, e também pela reportagem Primeiros Movimentos, na edição nº 18, do dia 24 de setembro de 2009. Os prêmios são prova de que as publicações do País têm elevado seu conceito no mercado internacional de mídia.

Também os jornais brasileiros receberam destaques internacionais. Liderados pela Folha de S.Paulo, que obteve 15 premiações, outras publicações foram premiadas na 31ª edição do Best of Newspaper Design, promovido pela SND. Participaram desta edição 374 jornais de 42 países. O carioca O Dia ficou com o 2º lugar dos veículos nacionais, com seis prêmios. Em seguida, vem o Correio Braziliense (DF), que conquistou duas premiações, seguido pelo Estado de Minas, de Belo Horizonte; A Tarde, de Salvador; Vale Paraibano, de São José dos Campos/SP; A Crítica, de Manaus; e o Correio da Bahia – com um prêmio cada um. A capa em homenagem a Michael Jackson, publicada pelo jornal Extra logo após a morte do astro da música pop, rendeu à publicação prêmio na categoria Páginas/Design de Notícias. A lista completa dos vencedores está no site http://www.snd.org.

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Liberdade de imprensa

UMA HISTÓRIA QUE NÃO PODE SER APAGADA Ex-agente do Dops do Rio Grande do Sul processa o jornalista Luiz Cláudio Cunha, autor de Operação Condor: O Seqüestro dos Uruguaios, na tentativa de ser inocentado na única ação fracassada da vasta ação terrorista dos países do Cone Sul, que ultrapassou as fronteiras nacionais. POR MARCELO TOGNOZZI E MARCOS STEFANO

masmorras da ditadura uruguaia, que acabou apenas em 1985. O seqüestrador do Dops gaúcho tenta reverter na Justiça a verdade que a imprensa brasileira publicou na época e que é recontada, em detalhes, no livro de Cunha: “Lembro apenas uma história que o Brasil todo conhece. Irno é um dos policiais que nós identificamos como seqüestradores dos uruguaios. O livro conta e reafirma uma história que narrei há 30 anos, na série de reportagens da revista Veja, que ganhou os principais prêmios de jornalismo do País”. Em nota oficial, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, manifestou seu apoio ao jornalista Luiz Cláudio Cunha no processo: “A ABI entende que esta não é uma mera questão pessoal, mas uma tentativa de intimidação por parte de um ex-agente da repressão política da ditadura militar contra o jornalista que denunciou o seqüestro dos uruguaios Lilian Celiberti e Universindo Diaz, ocorrido em Porto Alegre no ano de 1978. Trinta e dois anos depois, numa flagrante violação dos direitos humanos, este ex-agente do Dops pretende agora se valer da Justiça para calar Luiz Cláudio Cunha. A ABI confia no Judiciário gaúcho, o qual sempre esteve ao lado da democracia e das liberdades civis”.

detalhar seus motivos por meia hora. “Este João Augusto Rosa, que está sentado aqui agora, colocou um revólver na minha testa quando eu flagrei o seqüestro. Isso é algo que não se esquece nunca, Excelência. Ele só foi absolvido na época por falta de provas”, disse o jornalista. Como uma das testemunhas de defesa de Cunha, a uruguaia Lílian Celiberti também teve a chance de falar o que lhe foi sonegado dizer há três décadas. Frente a frente com o seqüestrador, ela e o fotógrafo Ricardo Chaves, o Kadão, que acompanhou Luiz Cláudio Cunha em muitas reportagens em 1979, sustentaram a mesma afirmação feita pelo ex-diretor da sucursal de Ao ver seu crime recontado, 30 anos depois, o policial cobra de Luiz Cláudio Cunha (foto) suposto dano moral. Porto Alegre da revista Veja. Diante da presença de tantos representantes da Associação Riograndense de Imprensa-ARI, SindiDe volta aos tribunais cato dos Jornalistas, do Movimento de Na tarde do dia 4 de fevereiro, Irno Justiça e Direitos Humanos e de mais de enfrentou não somente a verdade puuma dezena de veículos impressos, rádio blicada pela imprensa na primeira aue televisão que cobriram a audiência, diência realizada na 18ª Vara Cível, no além da enorme repercussão do caso, o Foro Central de Porto Alegre. Depois ex-policial Irno não deve estar muito sade falar por cerca de cinco minutos, reitisfeito em relembrar o caso. terando sua queixa, ele ouviu Cunha ICHIRO GUERRA/DIVULGAÇÃO

O ex-policial do Dops gaúcho João Augusto da Rosa, codinome Irno, está processando o jornalista Luiz Cláudio Cunha por causa de seu livro Operação Condor: O Seqüestro dos Uruguaios, lançado em 2008 pela editora L&PM. O livro conta a história do seqüestro de Lílian Celiberti, seus dois filhos menores e Universindo Diaz, ocorrido em Porto Alegre em novembro de 1978. Irno, ex-inspetor do Dops e membro da equipe do Delegado Pedro Seelig, principal nome da repressão no Sul do País durante a ditadura militar, foi o agente que recebeu Cunha com uma pistola apontada para sua testa, no apartamento da Rua Botafogo, no bairro do Menino Deus, onde os policiais do Dops e oficiais do Exército uruguaio mantinham Lílian seqüestrada. Juntamente com outro policial do Dops, o escrivão Orandir Portassi Lucas, o exjogador de futebol Didi Pedalada, Irmo foi reconhecido por Cunha e pelo fotógrafo J.B. Scalco como seqüestradores dos uruguaios. Ambos foram condenados pela Justiça em 1980. Na ação, Irno pede indenização por dano moral, alegando que Cunha não menciona sua absolvição por “falta de provas” no recurso que apresentou em 1983, em segunda instância. O policial esqueceu de dizer que as “provas” do seqüestro – Lílian e Universindo – estavam então presas, sob tortura, nas

Lições de 1978 POR MARCOS STEFANO

Foi numa sexta-feira chuvosa, dia 17 de novembro de 1978, que o jornalista Luiz Cláudio Cunha, chefe da sucursal da revista Veja em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, recebeu um misterioso telefonema anônimo. Do outro lado da linha, uma voz misteriosa mencionava o nome de quatro uruguaios, um casal e dois filhos, que estariam desaparecidos na cidade. Sem entrar em detalhes, o informante deu ao jornalista um endereço: Rua Botafogo, 621, apartamen22 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

to 110, bloco 3. Provavelmente, não seria mais do que um estrangeiro ilegal tentando evitar desesperadamente uma deportação ou, quem sabe, até um trote. Na dúvida e por causa daquela teimosia pertinaz que caracteriza o bom jornalismo, na tarde daquele dia, depois do fechamento, Cunha chamou o fotógrafo João Batista Scalco e, juntos, dirigiram-se para o local. De fato, lá encontraram a mulher uruguaia. Só não esperavam ser recebidos também por

policiais brasileiros, apontando armas para suas cabeças. Esse incidente, quase “sem querer”, foi o início de uma das mais importantes reportagens dos tempos da ditadura militar no Brasil. Ao investigar o seqüestro dos uruguaios Lílian Celiberti, Universindo Díaz e as duas crianças, de três e oito anos, a equipe de Veja expôs de forma inédita as vísceras da sinistra Operação Condor. Criada em 1975, no Chile do ditador Augusto Pinochet,

tratava-se de uma vasta ação terrorista acordada pelos Governos do Brasil, da Argentina, do Chile, do Paraguai e do Uruguai, com apoio da Bolívia e dos Estados Unidos, para caçar dissidentes políticos de esquerda de cada regime, ignorando as fronteiras nacionais e todo e qualquer direito humano. Não à toa, a operação foi batizada com o nome do típico abutre andino que, como os urubus, se alimenta de carniça. Quem ousasse afrontar os regimes


FOTOS: REPRODUÇÃO

Marcado o júri do Caso Barbon Três anos depois, matadores do jornalista Luiz Carlos Barbon Filho vão sentar no banco dos réus. São quatro policiais e um comerciante.

O repórter Luiz Cláudio Cunha na época das denúncias, e o fotógrafo J.B. Scalco. Os avós Lilia e Homero com as crianças Camilo e Francesca, devolvidas após as denúncias.

de força dos generais acabava desaparecendo. Um quadro montado pelo jornalista brasileiro Nilson Mariano aponta que entre mortos e desaparecidos naquela década por causa da Condor há 297 no Uruguai, 366 no Brasil, 2 mil no Paraguai, 3.196 no Chile e 30 mil na Argentina. Os Arquivos do Terror, cerca de 60 mil documentos, com quatro toneladas e 593 mil páginas microfilmadas, descobertos em 1992 no Paraguai, falam em um saldo ainda mais perturbador, que chegaria a 50 mil mortos, 30 mil desaparecidos e 400 mil presos entre os anos de 1975 e 1985. A denúncia dos repórteres não apenas surpreendeu militares uruguaios e policiais brasileiros. Pela primeira vez no Continente, a imprensa desmascarava a Condor. É verdade que o casal uruguaio ficaria preso ainda cinco anos, mas tanto eles quanto as crianças permaneceram vivos, contrariando a regra de sangue da operação. Também foi decisiva na mobilização da opinião pública brasileira e internacional contra esse tipo de arbitrariedade. Os Prê-

mios Esso, Vladimir Herzog, Telesp e Abril, que receberia no ano seguinte, foram muito justos, pois a série de reportagens era um dos grandes momentos do jornalismo investigativo nacional, dando renovada ênfase à prática desse gênero, tão sufocado em tempos de exceção. Exatos 30 anos depois do episódio, o jornalista Luiz Cláudio Cunha decidiu contar os bastidores daquele monumental trabalho, revelando novos detalhes da investigação e contextualizando a história com mais dados da Operação Condor e o violento regime militar no Uruguai. Daí surgiu Operação Condor: O Seqüestro dos Uruguaios (L&PM Editores, 464 páginas). Escrito em tons literários, quase como um romance, o livro dá, em um relato de fôlego, aula de bom jornalismo em tempos de censura. Ao ir e vir no tempo para traçar a trajetória de Lílian e Universindo, indo mais fundo no caso e extrapolando os limites daquelas matérias de 1978 e 1979, ele não apenas mostra um panorama da repressão brasileira nos

anos 70, mas também do que acontecia no Cone Sul naquele tempo, quando grupos como os Tupamaros, no Uruguai, os Montoneros, na Argentina, e o MIR, no Chile, lutavam contra os regimes de seus países. Apesar das peculiaridades do tema, que poderiam dificultar a leitura daqueles menos afeitos às questões políticas, é difícil não se envolver com a obra de Cunha. Para denunciar as técnicas de prisão, tortura e manipulação do aparelho estatal, ele não recorre simplesmente a tons moralistas ou ideológicos. Conta um testemunho pessoal, recheado com ingredientes que fazem o leitor se sentir em uma autêntica trama de espionagem. O relato sobre como o então delegado da Polícia Federal Edgar Fuques concluiu em seu inquérito que os uruguaios saíram “espontaneamente” do Brasil, ou como o Dops tentou transformar o rosto do inspetor João Augusto da Rosa, o Irno, para que não fosse incriminado, não perdem em nada para os melhores filmes de Jason Bourne e James Bond. As lições do jornalismo daqueles fins dos anos 70 não acabam aí. Se, como disse Carmo Chagas certa vez, “a liberdade de imprensa é o bem maior do jornalista”, mais do que “papel, tinta, equipe, máquinas de escrever e imprimir, telefone ou dinheiro”, O Seqüestro dos Uruguaios exemplifica como o jornalismo precisa ser praticado. Se, na época da censura, com coragem e decisão para não se render às tesouras mutiladoras dos agentes, hoje, em tempos de liberdade, da mesma forma. Agora, contra a autocensura imposta por interesses comerciais ou pelos surrados argumentos daqueles que dizem que não vale mais a pena investir na grande reportagem ou em trabalhos de fôlego. A História e Seqüestro dos Uruguaios são testemunhas do contrário.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo divulgou em fevereiro algo que há muito vem sendo aguardado com expectativa pela comunidade jornalística: os cinco réus indiciados pelo assassinato do jornalista Luiz Carlos Barbon Filho finalmente irão a julgamento no dia 25 de março, às 9h, no 5º Tribunal do Júri de São Paulo. Barbon Filho trabalhava para a Rádio Porto FM e escrevia para o Jornal do Porto e JC Regional. Barbon foi morto a tiros no dia 5 de maio de 2007, em frente a um bar em Porto Ferreira, interior de São Paulo, após receber diversas ameaças. Na época do crime, ele investigava um esquema de roubo de cargas na região de Porto Ferreira que envolvia policiais, autoridades e comerciantes locais. De acordo com as investigações do Ministério Público do Estado, o assassinato teria ocorrido em represália a reportagens do jornalista sobre as irregularidades. Barbon foi um dos finalistas do Prêmio Esso de Jornalismo de 2003 por reportagem que denunciava a participação de políticos da região em aliciamento de menores. Dos cinco indiciados pelo assassinato, quatro são policiais militares: o Sargento Edson Luís Ronceiro, os soldados Valnei Bertoni e Paulo César Ronceiro e o Capitão Adélcio Carlos Avelino. O comerciante Carlos Alberto da Costa também vai a júri. Por determinação do promotor do Grupo de Atuação Especial Regional para Prevenção e Repressão ao Crime Organizado-Gaeco, Gaspar da Silva Júnior, os policiais estão detidos desde o dia 4 de março de 2008, no Presídio Romão Gomes, na capital paulista, e o comerciante Alberto da Costa, na Penitenciária de Itirapina, interior do Estado. O grupo irá a júri sob as acusações de homicídio qualificado, tentativa de homicídio e formação de quadrilha. O caso ganhou repercussão internacional, com divulgação de apelo da organização não-governamental Repórteres Sem Fronteiras-RSF, pedindo agilidade no julgamento dos responsáveis pelo assassinato. Em janeiro de 2009, a viúva do jornalista, Kátia Camargo, entrou para o Programa de Proteção à Testemunha, mantido pela União, após receber diversas ameaças anônimas. Katia chegou a enviar uma carta à Anistia Internacional pedindo segurança. Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

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Liberdade de imprensa

UMA PROFISSÃO SOB CONSTANTE RISCO O ano de 2010 começou com caso de prisão de uma jornalista em Rondônia, ameaças a repórteres de um jornal capixaba e divulgação de pesquisas internacionais sobre assassinatos de profissionais de imprensa em todo o mundo – com especial destaque negativo para o México, onde desde 2000 foram assassinados 61 jornalistas. Como tem sido comum na realidade brasileira, o início do ano de 2010 foi marcado por uma série de tentativas de restrições à ação de profissionais e à liberdade de imprensa. Um dos casos simbólicos foi a prisão da jornalista Juliana Martins, do site Rondoniagora, ocorrida em 23 de janeiro, durante cobertura de operação policial em Porto Velho, capital de Rondônia. Ela foi detida sob a acusação de desacato à autoridade e encaminhada à Delegacia, onde permaneceu, numa estratégia clara de intimidação, por cerca de quatro horas, e foi liberada sem prestar depoimento. Juliana, que nega a acusação de desacato, afirmou em entrevista à ABI que pretende entrar na Justiça contra o Estado, e que apenas reclamou por ter sido impedida de ter acesso ao local da operação, ao contrário de outros veículos de imprensa. “Na manhã do dia 23, um oficial do Centro Integrado de Operações Policiais-Ciop informou que estava acontecendo um flagrante de assalto em uma fábrica de sorvetes. Segui para o local com o editor-chefe Eliânio Nascimento e outro jornalista do site, Valmir Miranda. Chegando lá, o grande número de populares e de viaturas policiais dificultava o acesso ao local onde estavam os assaltantes. Contudo, repórteres de duas emissoras de tv local, que exibem programas policiais, tinham total liberdade para fazer imagens e entrevistá-los”, diz ela. Disse Juliana que ela, sim, foi vítima de agressão quando tentava se aproximar para fazer a matéria. “Ao tentar chegar próximo, como os outros colegas estavam, um policial de trânsito que auxiliava os demais PMs começou a me empurrar e, em tom agressivo, me mandou ir para a calçada. Eu me identifiquei como jornalista, disse que estava apenas querendo trabalhar e quis saber por qual motivo os outros dois repórteres estavam no local, enquanto eu estava sendo impedida de passar. Ele ficou muito irritado. Eu também estava irritada, especialmente com o privilégio dado aos co26 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

FOTOS: DIVULGAÇÃO

Durante a cobertura de uma ação policial (abaixo), Juliana Martins, do site Rondôniaagora (acima), foi presa sob a alegação de desacato à autoridade: “Tive que entregar os meus pertences e aguardar no local onde ficam os presos, para todo mundo ver que eu estava detida”.

legas das emissoras de tv. Quando dei as costas e saí reclamando da situação, ele me pegou pelo braço e disse que eu estava presa por desacato, já que teria ouvido eu proferir ‘palavra de baixo calão’. Outros dois policiais o ajudaram a me segurar. Meu chefe, que também

é advogado, se aproximou para saber o que estava acontecendo e eles o informaram da minha prisão.” Juliana foi então conduzida numa viatura à Delegacia: “Fui colocada dentro da viatura na frente de várias pessoas. Chegando na Delegacia, me fi-

zeram ficar perto dos bandidos, os do assalto em questão, como uma criminosa, aguardando o policial registrar o boletim de ocorrência. Tive que entregar os meus pertences e aguardar no local onde ficam os presos, para todo mundo ver que eu estava detida. Quase quatro horas depois, sem ser ouvida por ninguém, assinei termo circunstanciado e fui intimada a comparecer ao Juizado Especial Criminal, no dia 8 de fevereiro. Pretendo entrar com uma ação na Justiça contra toda esta arbitrariedade”. O Coordenador da Assessoria de Comunicação da Polícia Militar do Estado de Rondônia, Lenílson Guedes, afirmou que está aguardando a manifestação oficial da jornalista sobre o caso: “A queixa formalizada pela jornalista Juliana Martins deverá ser encaminhada à Corregedoria-Geral da PM para que comece a investigação sobre a suposta agressão, bem como sobre a acusação de desacato à autoridade feita contra ela. Quanto à denúncia de discriminação, vale lembrar que a PM de Rondônia não admite censura ou privilégio a qualquer veículo de comunicação”, garantiu. O Sindicato dos Jornalistas de Rondônia divulgou em 27 de janeiro nota em repúdio à prisão da jornalista. A declaração, assinada pelo Presidente do Sinjor, Carlos Alencar, destaca o aumento dos casos de violência da PM contra os jornalistas. “No final de 2009, um repórter-fotográfico dos mais respeitados do Estado foi alvo de perseguições praticadas por policiais, chegando a sofrer ameaças de morte. No último sábado, uma repórter do jornal eletrônico Rondoniagora foi humilhada por policiais militares quando acompanhava flagrante de roubo numa indústria de sorvetes da capital. Repudiamos veementemente o ‘abuso de autoridade’ praticado. Buscaremos junto à Coronel Angelina, Comandante da PM, posição da corporação quanto aos abusos, acompanhando, também, o processo junto ao Poder Judiciário”, afirma a declaração.


No Espírito Santo vereador persegue jornalistas

RELATÓRIO ALERTA PARA AMEAÇAS derá ser resolvida através de um firme compromisso para acabar com a impunidade de assassinos de jornalistas”, afirmou White. O agravamento da situação no México também foi apontado pela organização não-governamental Repórteres Sem Fronteiras no dia 1º de fevereiro. A RSFconsidera a região como a mais perigosa da América Latina para jornalistas. Segundo a entidade, apenas no primeiro mês deste ano foram mortos três jornalistas no país. Desde 2000, 61 profissionais de imprensa foram assassinados. Outros nove estão desaparecidos desde 2003. O caso mais recente ocorreu em 29 de janeiro, quando Jorge Ochoa Martínez, Diretor e Editor do jornal El Sol de La Costa, foi morto a tiros na cidade de Ayutla de los Libres, em Guerrero. Parentes do jornalista não descartam a hipótese de o crime estar relacionado à atividade profissional.

DIVULGAÇÃO

A Federação Internacional de Jornalistas publicou em 2 de fevereiro um relatório sobre as mortes de jornalistas no exercício da profissão em 2009. Segundo Aidan White, Secretário-Geral da Federação, o documento apresenta informações fundamentais para a categoria. “O estudo vai além do simples registro sobre o número de mortes de jornalistas, pois revela os diversos perigos que continuam a ceifar as vidas de nossos colegas nos quatro cantos do mundo”. De acordo com a Federação, no ano de 2009 foram registrados números recordes de violência contra profissionais de imprensa, totalizando 139 jornalistas mortos. A região Ásia-Pacífico é a recordista com 52 assassinatos, seguida pelas Américas com 30 mortes, das quais 13 no México (quadro acima). “O fracasso dos governos em levar a sério a proteção dos profissionais de imprensa acaba favorecendo aqueles que praticam os crimes. Esta situação só po-

Aidan White: Governos devem ter um firme compromisso de acabar com a impunidade de assassinos de jornalistas.

Uma conquista, na Bahia Doze anos depois, o Governo do Estado indeniza a família de jornalista assassinado. A reparação à família do jornalista foi recomendada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, cuja intervenção foi pedida pela Sip em 19 de maio de 2000, diante da extrema lentidão da Justiça. Seis anos depois, a CIDH colocou à disposição do Governo do Brasil e da Sip a proposta de reparação financeira para a família de Manoel Leal Oliveira. Como parte do acordo firmado entre o Governo e a Sip, foi realizada uma cerimônia oficial, em 21 de setembro de 2009, na qual o Governo da Bahia reconheceu perante a família Oliveira sua “responsabilidade na falta de justiça no assassinato do jornalista, bem como por outros nove assassinatos cometidos na mesma região”. O anúncio da indenização aos filhos e à viúva do jornalista foi feito em 13 de janeiro, quando o Governador da Bahia,

Jaques Wagner, sancionou a Lei n° 11.637. Na ocasião, o Presidente da Sip, Alejandro Aguirre, elogiou a iniciativa. “Esse é mais um passo para garantir que os crimes contra Oliveira e os outros nove jornalistas assassinados na Bahia nos anos 90 não fiquem impunes. Temos esperança de que os assassinatos sejam episódios que fiquem no passado”. A CIDH determinou que o Governo da Bahia deve retomar de imediato as investigações para que os responsáveis pelo crime contra Manoel Leal sejam identificados e condenados. “Pela primeira vez na História do Brasil um Governo estadual assumiu publicamente sua responsabilidade por não ter garantido a liberdade de imprensa e está cumprindo as recomendações da CIDH para assegurar que o fato não se repita”, ressaltou a Sip.

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A Sociedade Interamericana de Imprensa aplaudiu o Governo do Estado da Bahia por ter aprovado um pedido de indenização aos familiares do jornalista Manoel Leal de Oliveira, assassinado em 14 de janeiro de 1998, em frente à sua residência, em Itabuna. Fundador e editor do jornal A Região, Oliveira denunciava supostas irregularidades na administração municipal, envolvendo o então Prefeito, Fernando Gomes, o Delegado Especial da Secretaria de Segurança Pública da Bahia, Gilson Prata, e seus auxiliares, entre eles Mozart Brasil, que foi a julgamento junto com Marcone Sarmento, este último absolvido por falta de provas. Mozart Brasil foi condenado a 18 anos de prisão em setembro de 2003. Os mandatários do crime ainda não foram identificados.

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Espírito Santo divulgou em 3 de fevereiro nota de repúdio às supostas ameaças feitas pelo Presidente da Câmara de Vereadores de Santa Maria de Jetibá, Nelson Miertschink (PSDB), contra os jornalistas Júlio Huber e Pedro Callegario, de A Tribuna. Informou o Sindicato que Huber e Callegario foram ameaçados durante a produção de matéria sobre os gastos de viagens dos vereadores. Além da intimidação, os repórteres denunciaram que um funcionário do Presidente da Câmara os teria fotografado, além de perseguido o carro de reportagem. Em matéria publicada no jornal, ambos afirmaram que o objetivo das ameaças é impedir a publicação das denúncias. Miertschink negou que tenha praticado ou ordenado tais atos. O Sindijornalistas expressou solidariedade aos jornalistas e exigiu providências do Ministério Público do Espírito Santo, da Polícia e dos vereadores de Santa Maria de Jetibá. “Atitudes como essa ferem a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, que são pilares essenciais para a consolidação da democracia”, diz o comunicado divulgado pelo Sindicato.

Nelson Miertschink em pose oficial do Partido: tentativa violenta de cercear o trabalho de jornalistas.

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Liberdade de imprensa

Direitos humanos

JULGAMENTO

Ranking na imprensa foi proposto no Governo FHC

A Igreja Universal perde ação contra a Folha Juiz rejeitou a acusação de perseguição alegada em ação contra o jornal e sua repórter Elvira Lobato, autora de reportagem que chamava a atenção para o império empresarial da organização religiosa do bispo Edir Macedo. A Justiça de Avaré, interior de São Paulo, julgou improcedente a ação de indenização movida pela Igreja Universal do Reino de DeusIurd contra a Folha de S. Paulo e a jornalista Elvira Lobato. Sob a alegação de ter sido prejudicada pela matéria Universal Chega aos 30 anos Com Império Empresarial, assinada pela jornalista e publicada em 15 de dezembro de 2007, a Iurd pedia ressarcimento por danos morais no valor de R$ 100 mil, com o fundamento de que a reportagem fora baseada em informações equivocadas. Além disso, a Iurd dizia-se vítima de perseguição por parte de Elvira e da Folha. O Juiz Alexandre Muñoz sustentou em sua decisão que o jornal tem o direito de informar e que se amparou em documentos para veicular a notícia. “Resta patente, portanto, que a veracidade das informações está clara e demonstrada nos autos. Óbvio que os seguidores da Iurd e também outras tantas pessoas que não são suas seguidoras têm direito a esta informação”, disse o magistrado na sentença, derrubando por completo a tese de suposta perseguição contra a Igreja Universal.

Além disso, Muñoz julgou o valor da indenização solicitada pela Iurd improcedente, sublinhando que a Universal não conseguiu apresentar “prova de qualquer dano sofrido, pois, como é notório e sabido, a autora não perdeu seguidores nem deixou de conquistar outros”: “Daí a conclusão de que a Igreja não perdeu nada com a publicação da matéria jornalística, objeto da controvérsia dos autos, dando a entender que o intuito é tentar evitar dissabores pela divulgação de fatos, inclusive retratados por outros veículos de comunicação”. A advogada Adriana Guimarães, defensora da Igreja Universal do Reino de Deus, informou que pretende recorrer da decisão judicial, adotada em primeira instância. Vencedora do Prêmio Esso de Jornalismo no ano de 2008, a reportagem de Elvira Lobato foi alvo de outros 106 processos, em ações orquestradas com fiéis da Iurd em todo o País, que se declararam ofendidos com o teor da matéria. Desses processos, 90 foram julgados em primeira instância, sempre com decisão favorável ao jornal.

POR ROGÉRIO F ARIA T AVARES

A criação de um ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios de Direitos Humanos, assim como os que cometem violações, não é uma inovação do III Programa Nacional de Direitos Humanos assinado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pois foi proposto em 1996 pelo Governo Fernando Henrique Cardoso ao instituir o I Programa Nacional de Direitos Humanos, em 1996. Em vez de ranking, o Programa de FHC usava o termo mapeamento. Esse aspecto do III Programa, que tanta celeuma tem gerado, foi assinalado em estudo de jornalista e advogado Rogério Faria Tavares, sócio da ABI radicado em Belo

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Elvira Lobato ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo de 2008 com a matéria Universal Chega aos 30 anos Com Império Empresarial, publicada na Folha de S.Paulo.

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reve exame dos decretos presidenciais resultantes dos três ‘Programas Nacionais de Direitos Humanos’ publicados no Diário Oficial da União em 1996, 2002 e 2009 já é suficiente para confirmar que eles vêm realizando, gradativamente, o que determina a Constituição Federal de 1988 para o campo da Comunicação Social. O Decreto nº 1.904, de 13 de maio de 1996, tratou da questão em seu trecho dedicado à ‘Proteção do Direito à Liberdade – Liberdade de Expressão e Classificação Indicativa.’ Algumas das medidas recomendadas para o setor pelo referido texto legal estão abaixo relacionadas: 53. Propor alteração na legislação existente sobre faixa etária com vista a adequá-las aos dias e necessidades atuais. 56. Criar um sistema de avaliação permanente sobre os critérios de classificação indicativa e faixa etária. 57. Promover o mapeamento dos programas radiofônicos e televisivos que estimulem a apologia do crime, da violência, da tortura, das discriminações, do racismo, da ação de grupos de

Horizonte, o qual fez uma comparação dos três Programas de Direitos Humanos instituídos, dois no Governo FHC e um, agora, no Governo Lula. Do estudo de Rogério Tavares, que é doutorando em Direito Internacional pela Universidade Autônoma de Madri, de onde acaba de regressar após uma permanência de mais de dois anos, resulta uma conclusão simples: a idéia desse acompanhamento é do Secretário de Direitos Humanos do Presidente Fernando Henrique, José Gregori, e não do Secretário Paulo Vanucchi, Secretário no Governo Lula. O Jornal da ABI publica a seguir o estudo por ele elaborado sob o título A Comunicação Social nos Programas Nacionais de Direitos Humanos.

extermínio, de grupos paramilitares e da pena de morte, com vista a identificar responsáveis e adotar as medidas legais pertinentes. Já o Decreto nº 4229, de 13 de maio de 2002, abordou o campo da Comunicação Social no trecho intitulado ‘Garantia do Direito à Liberdade, Opinião e Expressão. Seguem abaixo algumas das medidas recomendadas pelo mencionado texto legal: 99. Criar um sistema de avaliação permanente sobre os critérios de classificação indicativa e faixa etária. 100. Promover o mapeamento dos programas radiofônicos e televisivos que estimulem a apologia do crime, a violência, a tortura, o racismo e outras formas de discriminação, a ação de grupos de extermínio e a pena de morte, com vista a identificar responsáveis e a adotar as medidas legais pertinentes. 102. Garantir a possibilidade de fiscalização da programação das emissoras de rádio e televisão, com vista a assegurar o controle social sobre os meios de comunicação e a penalizar, na forma da lei, as empresas de telecomunicação que veicularem programação ou publicidade atentatória aos direitos humanos.


MAGDALENA GUTIERREZ/ACERVO PR.FHC

Fernando Henrique: Seus dois Programas de Direitos Humanos falavam de mapeamento para a área de comunicação.

Recomendações: • Recomenda-se inserir a Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos

Deputados na discussão sobre outorga e renovação de concessões públicas. • Recomenda-se ao Ministério Público assegurar a aplicação de mecanismos de punição aos veículos de comunicação, autores e empresas concessionárias. b) Promover o diálogo com o Ministério Público para proposição de ações objetivando a suspensão de programação e publicidade atentatórias aos Direitos Humanos. c) Suspender patrocínio e publicidade oficial em meios que veiculam programações atentatórias aos Direitos Humanos. d) Elaborar critérios de acompanhamento editorial a fim de criar um ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios de Direitos Humanos, assim como os que cometem violações. Recomendação: Recomenda-se aos Estados, Distrito Federal e Municípios fomentar a criação e acessibilidade de Observatórios Sociais destinados a acompanhar a cobertura da mídia em Direitos Humanos. Pode-se concluir, a partir daí, que o texto do decreto de 2009 filia-se à tradição legal já consolidada pelos dois decretos presidenciais anteriores. Nos três documentos aqui analisados, dá-se a correta interpretação aos mandamentos da Constituição Federal sobre a Comunicação Social. Ela é tratada no ca-

pítulo V do título VIII da Carta Magna (‘Da Ordem Social’) e seus princípios devem realizar os objetivos apontados na ‘Disposição Geral’ do referido título: o bem-estar e a justiça sociais (artigo 193). Os artigos especificamente dedicados ao assunto (220 a 224) integram a Comunicação Social à família dos demais direitos constitucionais, a ela conferindo um tratamento que equilibra a liberdade com a responsabilidade. O apreço pelos Direitos Humanos aparece no conteúdo do preâmbulo constitucional e está, ainda, refletido entre os princípios fundamentais que orientam a ação do Estado brasileiro (Título I) e entre os direitos e garantias fundamentais (Título II) definidos pela Constituição Federal de 1988. É um valor que permeia todo o texto, confirmando a sintonia entre a produção legislativa do País e os avanços mais importantes realizados pelo Direito Internacional no século XX. No mundo todo, em um Estado Democrático de Direito, liberdade de expressão que atente contra os direitos humanos não é liberdade de expressão. É infração constitucional e, em alguns casos, também é crime regulado pelo Direito Penal. Assim deve ser tratada. É este o princípio que os três decretos presidenciais sobre Direitos Humanos têm procurado consagrar, nos pontos referentes à Comunicação Social.

OAB DENUNCIA PRESSÕES OCULTAS “O Brasil não pode se acovardar diante da sua própria História”, diz Cezar Britto. Em declaração divulgada no dia 30 de dezembro sobre a instituição do III Programa Nacional de Direitos Humanos, o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, criticou duramente as pressões do Ministro da Defesa, Nelson Jobim, e de comandantes militares contra a criação da Comissão da Verdade, dentro do Plano Nacional de Direitos Humanos, para investigar a tortura e os arquivos do período da ditadura militar (1964-1985). “Um país que se acovarda diante de sua própria História não pode ser levado a sério: o direito à verdade e à memória, garantido pela Constituição, não pode ser revogado por pressões ocultas ou daqueles que estão comprometidos com o passado que não se quer ver revelado”, afirmou Britto em resposta às pressões dos chefes militares contra investigações de torturas e desaparecimentos no período da ditadura. “O Brasil que está no Haiti defendendo a democracia naquele país não pode ser o país que aqui se acovarda”, sustentou o Presidente da OAB – entidade que defende no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal Militar ações reivindicando a abertura dos arquivos da ditadura e a punição aos torturadores,

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107. Coibir a utilização de recursos públicos, inclusive de bancos oficiais, fundações, empresas públicas e de economia mista, para patrocinar eventos e programas que estimulem a prática de violência. Presente nos dois decretos acima mencionados, o tema da classificação indicativa mereceu solução legal por meio da edição, pelo Ministério da Justiça, das Portarias números 1.100, de 14 de julho de 2006 (que regulamentou o exercício da classificação indicativa de diversões públicas), e 1.220, de 11 de julho de 2007 (que regulamentou o processo de classificação indicativa de obras audiovisuais destinadas à televisão e congêneres). A proposta de ‘mapeamento’ dos programas radiofônicos e televisivos que violem os direitos humanos previstos na Constituição, também presente nos dois decretos já comentados, obteve uma primeira condução no âmbito da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, que instituiu, em 2002, a partir de deliberação da VII Conferência Nacional dos Direitos Humanos, a campanha ‘Quem financia a baixaria é contra a cidadania’, pública e notória. O Decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009, resultante do ‘Terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos’ manteve a mesma orientação legal já proferida pelos dois decretos anteriores no que diz respeito ao tema da Comunicação Social. Tratou do assunto no Eixo Orientador V (Educação e Cultura em Direitos Humanos) na Diretriz 22: ‘Garantia do direito à comunicação democrática e ao acesso à

informação para a consolidação de uma cultura em Direitos Humanos’, estabelecendo o Objetivo Estratégico I: ‘Promover o respeito aos Direitos Humanos nos meios de comunicação e o cumprimento de seu papel na promoção da cultura em Direitos Humanos’ e o Objetivo Estratégico II: ‘Garantia do direito à comunicação democrática e ao acesso à informação.’ O maior mérito do Decreto nº 7.037 é o de apontar caminhos institucionais mais definidos para a execução das ações que recomenda, nomeando os responsáveis por ela e seus parceiros. Abaixo relacionadas, estão algumas das medidas propostas pelo referido texto legal (excluímos as referências aos responsáveis e aos parceiros, para tornar a leitura mais fluida): a) Propor a criação de marco legal regulamentando o art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados, como condição para sua outorga e renovação, prevendo penalidades administrativas como advertência, multa, suspensão da programação e cassação, de acordo com a gravidade das violações praticadas.

Cézar Britto: Não pode ser levado a sério um país que se acovarda diante da sua própria História.

e uma das primeiras a apoiar a criação da Comissão da Verdade. “O Brasil não pode se acovardar e querer esconder a verdade; anistia não é amnésia. É preciso conhecer a História para corrigir erros e ressaltar acertos: o povo que não conhece seu passado, a sua História, certamente pode voltar a viver tempos tenebrosos e de triste memória, como os tempos idos e não muito distantes”. Para Cezar Britto, “negar simplesmente a História, ou tentar escondê-la a todo custo, é querer contá-la de novo, especialmente nas suas páginas mais

obscuras, excludentes e nefastas”. Ele lembrou, nesse aspecto, episódios recentes vividos pelos estudantes que protestaram em Brasília contra escândalos de corrupção denunciados, envolvendo os poderes públicos locais. “A violência policial cometida contra os estudantes de Brasília em data recente não foi diferente durante a ditadura militar. É preciso revogar o medo, fazendo escrever nas páginas da História do Brasil que este é um País livre, democrático e protegido por uma Constituição que Ulisses Guimarães batizou de coragem”, concluiu.

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Direitos humanos

“Tortura não é crime político. Está fora, portanto, da Lei da Anistia” Doutor e pós-doutor em Direito, o Professor Lenio Streck afirma que a Lei da Anistia jamais englobou os torturadores. DIVULGAÇÃO

A tortura não é crime político; cadas e desfocadas do Estado Deportanto, não poderia ser alcanmocrático de Direito, em que até çada por qualquer lei ou Constimesmo o Direito Penal deve ser tuição, afirma o Professor Lenio utilizado para a transformação da Streck, mestre e doutor em Direisociedade. to, em entrevista concedida ao site do Instituto Humanitas UniAL ei da Anistia, no que concer Lei concer-sinos-IHU, da Universidade Fene à absolvição de torturadores, deral do Vale dos Sinos, de Sanpode ser considerada legítima? ta Catarina. “No caso da Lei da Lenio Streck - Penso que nenhuAnistia – diz Streck –, será ilegal, ma lei poderia considerar a tortura nula, qualquer interpretação que como crime político, implícita ou estenda os seus efeitos para além explicitamente. A Lei nº 6.683/79 daquilo do que nela está previsconcedeu anistia apenas aos crito: a anistia aos crimes políticos.” mes políticos; a tortura ficou efePós-doutor pela Universidade tivamente fora do seu alcance; o de Lisboa, docente do curso de artigo 8° do ADCT (Ato das DisDireito da Unisinos, membro da posições Constitucionais TransiComissão Permanente de Direi- Lenio Streck: Lei só anistia crimes políticos. tórias) não concede anistia a qualto Constitucional do Instituto quer atitude violadora dos direidos Advogados Brasileiros e Pretos humanos; as Leis números sidente de Honra do Instituto de Hermenêutica Ju9.140 e 10.559 não dizem respeito ao “apagamento” rídica, o Professor Lenio Streck respondeu assim às de crimes que não os de índole política. Ou seja: como questões que lhe foram propostas pelo IHU On-Line: a tortura não é crime político, não poderia ser alcançada por qualquer lei ou Constituição. Mas, mais do IHU On-Line - A comunidade jurídica apresenque isso, nenhuma lei pode proteger de forma deficita divergências no que se refere à revisão da L ei da Lei ente ou insuficiente os direitos humanos fundamenAnistia. Em que consistem tantas oposições, e como tais. O Estado Democrático de Direito tem o dever de o senhor as percebe? proteger os direitos dos cidadãos, tanto contra os ataLenio Streck - Antes de tudo, parece que as divergênques do Estado como dos ataques dos demais cidadãos. cias se dão principalmente em razão da visão de munNo Direito Constitucional do segundo pós-guerra dedo de cada um. Misturam-se, inclusive, as concepções nominamos isso de Schutzpflicht. No caso, a Lei da pessoais com a análise jurídica (algo como “esquerda” Anistia, se interpretada no sentido de que poderia e “direita” do Direito). Mas não deve ser assim. Por isso englobar a tortura, violaria o princípio da proibição de tem razão Ronald Dworkin, jurista norte-americano, proteção deficiente, que os alemães chamam de Uncujas posições se aproximam das de Gadamer – com as termassverbot. Sendo mais claro: o Estado deve proquais concordo –, para quem os argumentos no Direiteger os direitos humanos de forma adequada. Assim, to devem ser de princípio, e não de política (ou de moral). mesmo um acordo ou um pacto não podem acarretar/ Não importa a concepção moral que o juiz tem sobre ratificar essa deficiência na proteção. Em termos herdeterminada matéria; pode importar para ele (e, com menêuticos, uma lei pode ser nula, ilegal ou inconsticerteza, importa), mas isso não significa que ele possa tucional, por várias razões. Se ela for excessivamente colocá-las acima da Constituição. rigorosa, ela pode estar violando o princípio da proDe todo modo, ultrapassada essa discussão, as difeteção de excesso (Übermassverbot). Por exemplo, se renças se localizam no alcance da lei que concedeu a o Brasil aprovasse uma lei prevendo uma pena míniAnistia. Para a maioria dos juristas, não é possível rema de 10 anos para quem furta. Essa lei seria inconsdiscutir os efeitos da lei, porque isso violaria o princítitucional. Já se a lei for deficiente, ela pode ser, neste pio da reserva legal. Ou seja, para os defensores de um aspecto, nulificada. Direito Penal clássico (de feição iluminista ou até mesMas veja-se o caso sob discussão: a Lei da Anistia mo pós-iluminista), o Direito deve ser utilizado apenas sequer necessita ser declarada nula, porque, afinal, para proteger o “débil” contra um Estado “mau”. Além ela jamais englobou os torturadores. O que é nulo, disso, os tratados internacionais, para a corrente condefeituoso em termos jurídicos, é a sua interpretatrária à punição da tortura (nos termos da discussão ção e o alargamento de seus efeitos, é dizer que a posta), não se aplicariam ao caso brasileiro. É possível eficácia da Lei foi para além de seu conteúdo semânaté que alguns juristas, no íntimo, sejam a favor da tico aceito pela tradição (no sentido gadameriano da punição. Entretanto, um eventual apoio à tese da reapalavra). Fizeram com a Lei da Anistia e as leis subvaliação da lei de anistia para punir torturadores poderia seqüentes o que estas não previam. colocá-los em contradição, exatamente em face da preMesmo que a Constituição atual seja posterior à dominância, no Brasil, das teses que fundamentam – Lei de Anistia, isso não significa que o Parlamento ainda – um classicismo penal. Adianto, aqui, minha pobrasileiro poderia ter aprovado qualquer tipo de lei sição, no sentido de que tais concepções estão equivoque protegesse deficientemente ou insuficientemen30 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

te os direitos humanos das vítimas do regime militar. Os limites já estavam lá, conforme se pode ver nos tratados internacionais dos quais o Brasil era firmatário, naquela época. Logo, se o Brasil se comprometeu a punir com rigor a tortura, seria incoerente que aprovasse uma lei “inocentando” aqueles que praticaram esse tipo de crime (que, insista-se, não é crime político). Tão importante é essa questão relativa à força dos tratados internacionais na ordem interna, que o Supremo Tribunal Federal há poucos dias utilizou-se das regras da Organização das Nações Unidas de tratamento de prisioneiros para a regulamentação do uso de algemas, inclusive com a edição de Súmula Vinculante. Assim, a interpretação que acabou vencedora durante todos esses anos – de que a Anistia abrangeu também a tortura – fere o princípio da proibição de proteção deficiente (Untermassverbot), na sua combinação com o dever de proteção (Schutzpflicht). Para se entender melhor, é fácil dar um exemplo: pensemos em uma lei que descriminalize o homicídio ou o estupro. Essa lei pode ser aprovada por ampla maioria, sancionada pelo presidente, enfim, estar totalmente de acordo com as formalidades constitucionais. Mas, fatalmente, será inconstitucional, por proteger insuficientemente bens jurídicos fundamentais, como a vida, no caso do homicídio, ou a dignidade da mulher, no caso do estupro. Assim, a lei, por si só, já seria inconstitucional; mas uma eventual aplicação dessa lei (por exemplo, se ela fosse considerada “legítima” por alguns tribunais) seria inconstitucional do mesmo modo. A lei pode ser inconstitucional, e a sua interpretação também o pode. No caso da Lei da Anistia, será ilegal, nula, qualquer interpretação que estenda os seus efeitos para além daquilo do que nela está previsto: a anistia aos crimes políticos. Portanto – insisto –, nem é necessário “bulir” com a lei; o problema está na sua “generosa” interpretação, que deu azo a que se considerassem, indevidamente, anistiadas todas as pessoas que participaram das ações contra e a favor do regime. O que significa e qual a importância de reabrir a discussão em tor no da L ei da Anistia, 30 anos depois? torno Lei Lenio Streck - Não se trata de reabrir a discussão. Ela sempre esteve aí. Não devemos temer esse debate, porque ele, a todo tempo, deve significar uma espécie de “blindagem” contra regimes autoritários. Ao falar do velho, conservamos vivas as possibilidades do novo. A interpretação da L ei da Anistia é competência Lei do Judiciário ou do Ex ecutivo? Executivo? Lenio Streck - Dos dois e também do Legislativo. Mas, fundamentalmente, a questão – se é que será reavaliada – passará pelo Poder Judiciário, como ocorreu na Argentina, onde foi declarada a nulidade da Lei da Obediência Devida, exatamente porque esta havia anistiado aqueles que praticaram a tortura. A Suprema Corte contrapôs à Lei da Obediência Devida os tratados internacionais firmados pela República


argentina. E veja-se que um dos componentes do Tribunal é um dos mais importantes penalistas do mundo, Eugênio Raúl Zaffaroni. Portanto, para aqueles que acham que uma eventual punição aos que praticaram tortura no Brasil fere o princípio da anterioridade da lei penal ou outro princípio constitucional, basta examinar os argumentos desse prócer do penalismo mundial. Ninguém melhor do que Zaffaroni, pelas suas posições históricas a favor de um Direito Penal de garantias, para medir a intensidade da necessidade de o Estado intervir, mesmo que anos depois, para anular leis aprovadas indevidamente (no fundo, é a tese adotada pela Suprema Corte argentina: a de que a Lei da Obediência Devida protegeu de forma deficiente os direitos humanos, beneficiando quem não podia ser beneficiado).

O esquecimento da barbárie pode promover sua reprodução no futuro? V ivemos hoje, no Brasil, os Vivemos refle xos da impunidade desse período? reflex Lenio Streck - Talvez inconscientemente estejamos sendo reféns desse “olhar generoso” que fizemos com a Lei da Anistia, permitindo isso que chamo de interpretação tábula rasa. Por que reféns? Porque não estamos conseguindo punir os crimes que colocam em xeque os objetivos da República. É visível que não estamos “querendo” usar o Direito Penal para “jogar duro” com a delinqüência “asséptica” (colarinho branco etc.). Vejam as leis aprovadas nos últimos anos: “alçamos” o crime de fraude à licitação a crime de “menor potencial ofensivo” (paga-se cesta básica); na mesma linha, consideramos mais grave o ato de subtrair galinhas (quando praticado por duas pessoas) do que as condutas consubstanciadoras de crimes como a lavagem de dinheiro e de delitos contra as relações de consumo e o sistema financeiro; também construímos uma benesse para os sonegadores de tributos que, de certa forma, transforma a sonegação fiscal em uma rentável “aposta sem riscos penais” –, bastando o pagamento do valor desviado para que o crime se esfumace (lembremos como Marcos Valério se safou recentemente). No Brasil – e repito isso há 20 anos –, “la ley es como la serpiente; solo pica a los descalzos” (frase de um camponês salvadorenho). Pudera: predominantemente, o ensino jurídico continua manualesco. A indústria que mais cresce é a dos “manuais jurídicos”. Já se vende Constituição em quadros sinópticos. E nos aeroportos.

Em solenidade no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça aprovou 88 processos de militantes do movimento sindical vítimas da ditadura. A viúva do ex-Governador de São Paulo Mário Covas, Florinda Gomes, receberá indenização no valor de R$ 100 mil. O Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e Mogi das Cruzes sediou em 4 de fevereiro a 33ª edição da Caravana da Anistia, projeto da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. O evento, que teve a atriz Zezé Motta como mestre de cerimônia, contou com uma série de homenagens, comemorações e julgamento de 88 processos de pedidos de anistia, a maioria deles de militantes do movimento sindical: metalúrgicos, bancários, jornalistas, trabalhadores rurais e professores que foram perseguidos durante a ditadura militar. A abertura, pela manhã, contou com a presença do então Ministro da Justiça, Tarso Genro, de anistiados e seus familiares, e prestou homenagens à memória das vítimas da ditadura. A Caravana da Anistia, projeto educativo da Comissão que julga os casos de perseguição política entre 1946 e 1988 nos locais onde eles ocorreram, completará dois anos em abril próximo. A ação, que esteve em todas as regiões do País desde então, teve início na gestão de Tarso Genro à frente do Ministério. Dos 55 mil processos protocolados na Comissão desde 2001, cerca de 13 mil ainda serão julgados. Trinta e cinco mil foram deferidos. Destes, em cerca de 11 mil houve algum tipo de reparação econômica. No evento, a ABI foi representada por seu Conselheiro Rodolfo Konder, Diretor da Representação da Casa em São Paulo. Além do Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, Miguel Torres, e do Presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, estiveram presentes Antônio Cândido; Nita Freire, viúva de Paulo Freire; Lúcia Alencar, irmã de Frei Tito de Alencar Lima, um dos religiosos torturados pela ditadura que se suicidou em Paris após longo processo de depressão; João Vicente Goulart, filho do ex-Presidente João Goulart; Daniel Seidel, da Comissão de Justiça e Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil; Deputado Brizola Neto (PDT-RJ); Carlinhos Marighella, filho de Carlos Marighella; Daniel de Souza, filho de Herbert de Souza, o Betinho; Renato Rabelo, Presidente do PCdoB; e o Procurador da República Marlon Weichert. No plenário, operários demitidos durante a ditadura, ex-presos políticos e representantes de associações de anistiandos. Já passava das 19 horas quando, após uma série de processos julgados pela 33ª Caravana da Anistia, foi reconhecida a perseguição política e declarado anistiado político post mortem o exGovernador de São Paulo Mário Covas. O processo de Covas, morto em 2001, foi impetrado na Comissão por sua viúva, Florinda Gomes. Covas teve os direitos políticos cassados por dez anos, quando era deputado federal -- entre março de 1969 e março de 1979. Como forma de reparação econômica, Florinda receberá uma prestação

AGÊNCIA BRASIL

O Senhor disse que a L ei da Anistia compromeLei teu os direitos humanos quando per mitiu a aplicapermitiu ção da tábula rasa, não separando o joio do trigo. Se a lei fosse revista, como seria possível essa separação? T orturadores e guer rilheiros seriam julgados Torturadores guerrilheiros de maneiras diferentes? Lenio Streck - A Lei da Anistia e as subseqüentes não falaram em anistiar qualquer ato de tortura; apenas abrangiam crimes políticos. O que falei, em outra entrevista, é que o problema se deu na aplicação “tábula rasa”, aí sim misturando o joio e o trigo. Conseqüentemente, em muitos casos, beneficiamos o joio. Veja-se que a questão das reparações veio apenas anos depois da Lei de 1979 (ressalvo aqui minhas críticas a alguns exageros ocorridos nos valores de algumas indenizações). Com relação à segunda parte da pergunta (punição aos guerrilheiros), a Lei nº 9.140 deixa claro que o regime militar não era um Estado de Direito. Este é o ponto fulcral da discussão. Conseqüentemente, era lícito lutar contra o establishment. E a própria Lei estabelece que serão indenizadas todas as pessoas que, de um modo ou de outro, lutaram contra o regime e por ele foram perseguidos, presos ou mortos. Se não havia Estado de Direito, todos os que lutaram contra esse “Estado de coisas” estavam em legítima defesa, para usar uma figura do Direito Penal.

Anistia para operários e para Mário Covas

Mário Covas: Anistiado mais de 30 anos depois. Indenização para a sua viúva: prestação única de R$ 100 mil.

única de 300 salários mínimos – o valor é limitado ao teto de R$ 100 mil. Em todos os casos de parlamentares cassados este é o valor da indenização concedida pela Comissão. Um dos vídeos apresentados durante o evento mostrou rostos de diversas pessoas mortas pela ditadura, como o metalúrgico Manoel Fiel Filho, morto em 17 de janeiro de 1976, no Doi-Codi/SP; imagens dos anos de chumbo, da supressão de direitos e das garantias fundamentais; de prisões e torturas, desemprego e movimentos de resistência que reuniram brasileiros que tinham em comum um projeto de nação que foi inviabilizado. “A violência massiva veio dos dominadores do regime militar. Homens e mulheres foram perseguidos num passado recente que não pode se repetir jamais”, disse Tarso Genro, que em 10 de fevereiro deixou o Ministério da Justiça para disputar o Governo do Estado do Rio Grande do Sul. O Presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, disse que “a anistia não é uma benesse, é um direito; não é esquecimento, é um ato de reconhecimento público do Estado ao direito de liberdade do povo brasileiro”. Ele dedicou o evento “aos sindicalistas e operários, à classe trabalhadora brasileira que tem construído a democracia no País”: “Nossa homenagem aos operários, que resistiram bravamente e sofreram por seus atos de coragem na época em que vigorava a lei antigreve. Essas pessoas arriscaram suas vidas, seus empregos e pagaram por isso”. Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

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CAMPANHA esgatar no passado imagens que ajudarão a reconstruir o futuro. Esse é o objetivo de um grupo de fotógrafos cujo foco da ação é a cidade histórica de São Luiz do Paraitinga, no Vale do Paraíba, interior de São Paulo, praticamente destruída durante as enchentes que atingiram a Região Sudeste no início deste ano. É justamente para recuperar o Município e seus monumentos que os fotógrafos Ed Viggiani, Franco Hoff, José Bassit, Marcelo Min, Marcello Vitorino e Toninho Cury criaram o site www.vivaparaitinga.com.br, onde podem ser vistas e compradas diversas fotos da cidade. Registros eternos de sua singela imponência, antes da tragédia. A primeira postagem foi publicada em 17 de janeiro de 2010. Até o final de fevereiro, haviam sido vendidas cinco fotografias, tendo sido arrecadados exatos R$ 1.545,38. Para o dia 10 de março foi programado o primeiro acerto com o laboratório parceiro que está ampliando as fotos e cuidando de seu envio pelos Correios – custos que devem ficar na casa dos R$ 150,00. Dessa forma, ainda em março deverá ser feita a doação de R$1.400,00 para São Luiz do Paraitinga. Mais do que o valor, a iniciativa dos fotógrafos deve ser comemorada por seu significado de mobilização e reunião de forças – fatores vitais para reerguer a cidade. Afinal, estima-se que 80% dos imóveis tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico tenham desabado com as fortes chuvas, incluindo a Igreja Matriz de São Luiz de Tolosa e a Capela das Mercês. “Seria uma ingenuidade crer que através de um site seja possível reconstruir uma cidade. Vejo esta ação mais como um apelo simbólico do que essencialmente prático. Entretanto, tudo pode acontecer quando todos nos reunimos em torno de um objetivo comum. É esta sinergia que coloca o mundo em movimento e transforma as

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Imagens a serviço da solidariedade Para colaborar com a reconstrução de São Luiz do Paraitinga, praticamente devastada por enchentes no início do ano, grupo de fotógrafos cria site para comercializar imagens da cidade histórica. Apaixonados por São Luiz do Paraitinga, diversos fotógrafos se uniram para ajudar a cidade a partir do site Viva Paraitinga!. Nele, Nana Vieira (foto do alto), Kriz Knack (à direita) e Franco Hoff (à esquerda) expõem suas visões antes da destruição.

pessoas em seres ativos”, diz Marcello Vitorino, um dos idealizadores do Viva Paraitinga!. “O que mais importa são os reflexos e desdobramentos deste movimento. Bastava olhar e conversar com os amigos para sentir a vontade de todos em ajudar.” Vitorino visita a cidade durante a Festa do Divino desde 2000, em traba32 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

lho que aborda aspectos da religiosidade. Dos seis participantes iniciais, dos quais já se conhecia a relação com o local, o site somava, no final de fevereiro, 20 colaboradores. E se preparava para receber novas adesões. Tudo na base do boca-a-boca. O que há tão especial na região para gerar tal mobilização? É o próprio


Retratos de uma cidade acolhedora e poética: o homem que caminha solitário, de Liz Krause; os reflexos, de Rita Barreto; a Festa do Divino e o palhaço da cavalhada, de Ed Viggiani; as fachadas coloridas, de Eduardo Barile; o rapaz da banda, de Jose Bassi, e a praça enfeitada, de Marcello Vitorino.

Marcello Vitorino quem revela esses segredo. “A cidade é de uma riqueza muito grande, seja pelo conjunto arquitetônico colonial, que era de uma beleza ímpar, seja pelo cuidado do povo com as tradições, como a festa do Divino Espírito Santo e o Festival de Marchinhas, no Carnaval. A região do Vale do Paraíba é reconhecida como o berço caipira em São Paulo. E São Luiz do

Paraitinga está inserida nesse contexto. Aí já podemos falar de aspectos sociais e humanos, incluindo a beleza da viola e as delícias da culinária típica, ou então o ritmo, a hospitalidade e o gosto pela prosa do luizense. São tantos os aspectos com que a cidade e seu povo seduziram não apenas fotógrafos, mas também músicos, antropólogos, sociólogos...”, explica.

Uma das preocupações dos idealizadores do site é com a transparência do destino dado aos recursos arrecadados com a venda dessas imagens. “Todo o fluxo financeiro será disponibilizado no próprio site. Estamos estudando a viabilidade de instituir uma entidade jurídica sem fins lucrativos, controlada pelos moradores da cidade, para este fim”, diz Marcello Vitorino, que complementa: “O site ficará no

ar por tempo indeterminado, enquanto houver gente precisando de ajuda por lá, pois temos ciência de que o processo de reconstrução e recuperação, não só dos prédios, mas dos aspectos de conforto e segurança humana, vai demorar um pouco. Sobre a adesão de novos fotógrafos à campanha, é só fazer contato conosco pelo colabore@vivaparaitinga.com.br que daremos todas as coordenadas.” Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

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MOBILIZAÇÃO

Nobel da Paz para Abdias Nascimento Personalidades e importantes instituições civis nacionais e estrangeiras assinaram carta de apoio à indicação, que faz justiça à fecunda atuação na vida social, cultural e política de um dos mais destacados lutadores pela igualdade racial no Brasil.

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ABI aderiu ao movimento de diversas instituições e personalidades em apoio à candidatura do ex-Senador Abdias Nascimento para o Prêmio Nobel da Paz de 2010, cuja indicação é de autoria do cientista político e professor Clóvis Brigagão. No documento divulgado pela ABI, o Presidente da Casa, Maurício Azêdo, ressalta a trajetória do parlamentar na defesa dos direitos humanos e das liberdades, com especial dedicação à população afro-descendente, além de sua vasta atuação nas áreas cultural, acadêmica e política no Brasil e no exterior. A ABI destaca que a premiação homenageará não apenas a figura de Abdias Nascimento, mas todos os africanos que dedicaram suas vidas à luta pelos direitos, igualdade e dignidade de seus descendentes em todo o mundo. Clóvis Brigagão, Diretor do Centro de Estudos das Américas da Universidade Candido Mendes, entregou pessoalmente a indicação de Abdias Nascimento ao Prêmio Nobel da Paz de 2010, em junho último, quando esteve em Oslo, Noruega, como membro do Instituto Nobel da Paz. Segundo Elisa Larkin Nascimento, esposa de Abdias Nascimento e Diretora do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro), fundado por ele no início da década de 80 do século passado, centenas de autoridades e instituições aderiram à campanha. “O Ipeafro já recebeu cópias de mais de 100 cartas de PEAFRO JÁ endosso à indicação. Além RECEBEU disso, o apelo ao Presidente Lula para que seja oficializaCÓPIAS DE da a indicação como iniciativa do Estado Brasileiro reMAIS DE úne mais de 500 assinaturas, representando 300 organizaCARTAS DE ções da sociedade civil”, afirmou Elisa Larkin, lembrando ENDOSSO À que Abdias é autor de diversos livros, tais como O QuilombisINDICAÇÃO mo; Orixás: os Deuses Vivos da África; A Luta Afro-Brasileira no Senado; Brazil: Mixture or Massacre; Povo Negro: A Sucessão e a Nova República, e Racial Democracy in Brazil: Myth or Reality. Nascido em Franca, São Paulo, em 1914, Abdias é um dos mais respeitados intelectuais do País. Sua biografia inclui prêmios pela dedicação ao combate da discriminação racial. Artista plástico, escritor, poeta, pesquisador, dramaturgo e professor universitário, foi deputado federal e senador com mandatos comprometidos com os direitos humanos. Formado em Economia pela Universidade do Rio de Janeiro, em 1938, e pós-graduado no Instituto Superior de Estudos Brasileiros-Iseb, em 1957, ele organizou o Congresso Afro-Campineiro e participou da Frente Negra Brasileira (1929-37). Fundou na Penitenciária de Carandiru o Teatro do Sentenciado (1943) e lançou um jornal dos prisioneiros. Em 1944, criou o Teatro Experimental do Negro, no Rio, e organizou o Comitê Democrático Afro-Brasileiro. Editou o jornal Quilombo: Vida, Problemas e Aspirações do Negro.

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ACERVO ABDIAS NASCIMENTO/JOSÉ MEDEIROS

Na Convenção Nacional do Negro, em 1945-46, propôs à Assembléia Nacional Constituinte que então se reuniria a inclusão de um dispositivo constitucional definindo a discriminação racial como crime de lesa-pátria. Ele organizou também a Conferência Nacional do Negro (Rio de Janeiro, 1949) e o 1º Congresso do Negro Brasileiro (Rio, 1950). Atuou como curador fundador do Projeto Museu de Arte Negra, cuja exposição inaugural se realizou no Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (1968). Manteve durante décadas contato com os movimentos de libertação africanos e com o movimento pelos direitos civis e humanos dos negros nos Estados Unidos. Exílio e resistência Alvo da repressão policial do regime militar, foi aos Estados Unidos em 1968 e não pôde retornar ao Brasil em razão do Ato Institucional nº 5. Durante 13 anos, viveu no exílio nos Estados Unidos e na Nigéria. Participou de inúmeros eventos internacionais e falou da população negra do Brasil em várias reuniões do mundo africano. Ainda no exílio, desenvolveu extensa obra sobre temas da cultura religiosa africana e da resistência do negro à escravidão e ao racismo. Em 1978, voltou ao Brasil e participou de atos públicos e reuniões de fundação do Movimento Negro Unificado (MNU). Participou da criação do Memorial Zumbi, organização nacional de promoção dos direitos civis e humanos da população negra de todo o País. Em 1981, fundou o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros-Ipeafro, organizou o 3º Congresso de Cultura Negra nas Américas (1982) e o Seminário Nacional sobre 100 Anos da Luta da Namíbia pela Independência (1984) e criou o curso Sankofa, ministrado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1984-95). Foi o primeiro deputado federal negro a defender a causa coletiva da população de origem africana no Congresso brasileiro (1983-86). Atuou em Luanda como consultor da Unesco pelo desenvolvimento do teatro e artes dramáticas. Participou da diretoria internacional do Festival Pan-Africano de Cultura e do Memorial Gorée, sediados em Dacar, Senegal. Em 1991, tornou-se o primeiro senador afro-descendente a dedicar-se à promoção dos direitos civis e humanos do povo negro do Brasil. Na época, o Governador do Estado do Rio, Leonel

ACERVO ABDIAS NASCIMENTO/EVANDRO TEIXEIRA

ACERVO ABDIAS NASCIMENTO/JOSÉ MEDEIROS

Fundador do Teatro Experimental do Negro, Abdias Nascimento também teve destacada atuação política sempre voltada para a defesa dos direitos humanos. Em 1957, na peça Perdoa-me Por me Traíres, de Nélson Rodrigues, ele interpretou o Deputado Jubileu de Almeida. Em 1994, como Secretário de Estado de Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras, Abdias recebeu Nelson Mandela como Chefe de Estado. Abaixo, o elenco da peça O Filho Pródigo, de Lúcio Cardoso. Abdias está no centro.

Brizola, nomeou-o titular da nova Secretaria de Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras (1991-1994). Assumiu em 1999 a Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania do mesmo Estado. Foi um dos organizadores da participação brasileira na 3ª Conferência Mundial contra o Racismo (Durban, África do Sul, em 2001). Abdias do Nascimento é descrito como o mais completo intelectual e homem de cultura do mundo africano do século XX. É Doutor Honoris Causa pela Uerj; Ufba; UnB; Uneb e Universidade Obafemi Awolowo, Ilé-Ifé, Nigéria. Além disso, é professor Emérito da Universidade do Estado de Nova York, onde fundou a cátedra de Culturas Africanas no Novo Mundo. Foi professor visitante de diversas instituições pelo

mundo. Em 2001, o Centro Schomburg de Pesquisa das Culturas Negras, da Biblioteca Pública Municipal de Nova York no Harlem, dedicou-lhe o Prêmio da Herança Africana Mundial. No mesmo ano, recebeu o Prêmio Unesco na categoria Direitos Humanos e Cultura. Dois anos depois, foi agraciado com o Prêmio Comemorativo da Onu por Serviços Relevantes em Direitos Humanos. Homenagens Em 2004, Ano Internacional de Celebração da Luta contra a Escravidão, a Unesco criou o Prêmio Toussaint Louverture, líder da independência do Haiti, para homenagear Abdias e o poeta francês nascido na Martinica Aimé Cesaire, pela luta contra a discriminação racial. Em 2006, o Presiden-

te Luiz Inácio Lula da Silva condecorouo com a Ordem do Rio Branco no grau de Comendador. Em 2007, o Ministério da Cultura concedeu-lhe a GrãCruz da Ordem do Mérito Cultural. Em 2008, o Conselho Nacional de Prevenção da Discriminação, do Governo Federal do México, concedeu-lhe um prêmio pela prevenção da discriminação racial na América Latina. Dois anos depois, recebeu do Ministério do Trabalho a Grã-Cruz da Ordem do Mérito do Trabalho. Entre as personalidades que manifestaram apoio à indicação de Abdias figuram Luiz Dulci, Ministro Chefe da Secretaria da Presidência da República; Carlos Lupi, Ministro do Trabalho e Emprego; Carlos Minc, Ministro do Meio Ambiente; Edson Santos, Ministro da Promoção da Igualdade Racial, Jaques Wagner, Governador do Estado da Bahia; Senadores Cristóvam Buarque (PDT-DF) e Paulo Paim (PT-RS); Benedita da Silva, Secretária de Assistência Social e Direitos Humanos do Estado do Rio, além de reitores das universidades UnB, Uff, Uerj, Uneb, Cândido Mendes, Université Cheikh Anta Diop de Dacar, Senegal, Bowie State College, de Maryland (EUA), e Universidade do Estado de Nova York (EUA). Também firmaram a carta o jornalista e escritor Muniz Sodré, Presidente da Fundação Biblioteca Nacional; o ator Sérgio Mamberti, Presidente da Fundação Nacional de Arte-Funarte; o escritor e acadêmico Alberto da Costa e Silva, da Academia Brasileira de Letras; o jornalista e escritor Arthur Poerner; a Professora Lia Faria, Diretora da Faculdade de Educação da Uerj, e numerosas instituições culturais, como a Academia Brasileira de Filosofia, a Associação Carnavalesca Olodum, a Associação Ilê Aiyê, a Fundação Ford Brasil, o Fundo Brasil de Direitos Humanos, o Grupo Negrícia de Poesia e Arte de Crioulo/RJ, o Movimento Negro Unificado-MNU e o Instituto Paulo Freire, entre outras. Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

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MOBILIZAÇÃO NOBEL DA PAZ PARA ABDIAS NASCIMENTO ACERVO ABDIAS NASCIMENTO/JOSÉ MEDEIROS

Apoio no Brasil e no exterior Assinaram a carta de apoio à indicação de Abdias Nascimento ao Prêmio Nobel da Paz de 2010 personalidades e instituições de diversas partes do mundo: AÍDA MARQUES - Chefe do Departamento de Cinema e Vídeo da Uff ALBERTO DA COSTA E SILVA - Academia Brasileira de Letras ANGELA GILLIAM - Evergreen State College(EUA) ANGELA RANDOLPHO PAIVA- Puc-Rio ARTHUR POERNER - Uerj BEATRIZ BISSIO - Centro Cultural Diálogos do Sul BENEDITA DA SILVA - Secretária de Assistência Social e Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro CARLOS LUPI - Ministro do Trabalho e Emprego CARLOS MINC - Ministro do Meio Ambiente CARLOS MOORE - Universidade do Caribe (UWI) CARLOS SANTANA - Deputado Federal CARMEN LUCIA TINDÓ SECCO- UFRJ CRISTÓVAM BUARQUE - Senador DARIEN DAVIS - Universidade Middlebury, EUA EDNA MARIA DOS SANTOS - Uerj EDSON SANTOS - Ministro da Promoção da Igualdade Racial EDWARD TELLES - Universidade Princeton, EUA ELIOMAR COELHO - Vereador FEMI OJO-ADE - St. Mary’s College of Maryland, EUA FERNANDO SOLANAS - Cineasta e Deputado Federal argentino FLÁVIO GOMES - Ifcs/UFRJ GILCÊNIO LOPES - Produtor cultural HÉDIO SILVA - Ceert HUMBERTO ADAMI - Ouvidor da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Social JAIME ANTUNES- Diretor do Arquivo Nacional JAMES GREEN - Universidade Brown, EUA JANDIRA FEGHALI - Secretária de Cultura do Município do Rio de Janeiro JAQUES WAGNER - Governador do Estado da Bahia JOAN DASSIN - Fundação Ford JOÃO LANARI BÓ - Cineasta e diplomata JOSÉ JORGE SIQUEIRA - Universidade Severino Sombra JOSÉ RIVAIR - UFRS JÚLIO CÉSAR DE TAVARES - Uff KABENGELE MUNANGA - Usp KOFI ANYIDOHO - Poeta e professor da Universidade de Legon, Acra(Gana) KOFI AWOONOR- Membro do Conselho de Estado do Governo da República de Gana e ex-Embaixador de Gana junto ao Brasil e à Onu LAURA PADILHA - Uff LIA FARIA - Diretora da Faculdade de Educação da Uerj LUIZ ALBERTO - Deputado Federal LUIZ DULCI - Ministro Chefe da Secretaria Geral da Presidência da República LUIZ OOSTERBEEK - Instituto Politécnico de Tomar LUIZA BARROS - Secretária de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia LYNN WALKER HUNTLEY - Fundação de Educação do Sul dos EUA MARCELO PAIXÃO - Instituto de Economia da UFRJ MARIA JARAMILLO - Fitchburg State College, EUA

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Abdias Nascimento e Cacilda Becker em Otelo, de William Shakespeare, encenada em 1946 no Festival do 2° Aniversário do TEN. MARIA LUIZA MARCÍLIO - Presidente do Comitê de Direitos Humanos da Usp MAULANA KARENGA - Universidade de Califórnia, EUA MOLEFI ASANTE - Universidade Temple, Filadélfia, EUA MUNIZ SODRÉ - Presidente da Fundação Biblioteca Nacional NANCI VALADARES - UFRJ NILO BATISTA - UFRJ- Uerj OLASOPE OYELARAN - Universidade Western Michigan, EUA OLLIE JOHNSON - Wayne State University, ORDEP SERRA - Ufba PAULO BAÍA - UFRJ PAULO JABUR - fotógrafo PAULO PAIM - Senador PETER LOWNDS - Instituto Paulo Freire, Ucla, EUA RALPH DELLA CAVA - Universidade Columbia, EUA RENATO NOGUEIRA - UFRRJ ROBERTO MARTINS - UFMG, IPEA, Rede Minas TV RODNEY ELLIS - Senador Estadual do Texas, EUA SÉRGIO MAMBERTI - Presidente da Funarte TEOTÔNIO DOS SANTOS - Uff, Unesco, Onu TUNDE BABAWALE - Presidente do Centro para as Civilizações Africanas/Governo Federal da República da Nigéria VERA MALAGUTE BATISTA - Uerj VICENTINHO - Deputado Federal VIEIRA DA CUNHA - Deputado Federal, Vice-Presidente da Internacional Socialista e Presidente em exercício do PDT WILHELM HOFMEISTER - Fundação Konrad Adenauer WILSON PRUDENTE - Procurador do Ministério Público do Trabalho Reitores das seguintes universidades: UnB, Uff, Uerj, Uneb, Cândido Mendes, Université Cheikh Anta Diop de Dakar(Senegal), Bowie State College, de Maryland (EUA), Albert MichaelsUniversidade do Estado de Nova York (EUA).

O mundo da cultura endossa a indicação Entre as instituições que assinaram cartas de endosso e/ou o apelo ao Presidente Lula para oficializar o endosso do Estado brasileiro à indicação figuram as seguintes: Academia Brasileira de Filosofia-ABF Afrobras-Instituto Afro-Brasileiro de Ensino Superior (SP) Associação Brasileira de Imprensa-ABI Associação Carnavalesca Bloco Afro Olodum (Salvador, BA) Associação Cultural Bloco Carnavalesco Ilê Aiyê (Salvador, BA) Casa Laudelina de Campos Mello (Campinas, SP) Ceert - Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (SP) Centro de Articulação das Populações Marginalizadas-Ceap (RJ) Centro de Consciência Negra de Pedreiras e Região do Médio Mearim-CCNP (Mearim, MA) Centro de Cultura Professor Luiz Freire (PE) Centro do Teatro do Oprimido-CTO (RJ) Cetrab-Centro de Tradições Afro-Brasileiras (RJ) Coletivo Steve Biko de Direitos Humanos (Salvador-BA) Companhia dos Comuns (RJ) Conen-Coordenação Nacional de Entidades Negras (Brasil) Criola-Organização de Mulheres Negras (RJ) Fala Preta! Organização de Mulheres Negras (SP) Federação Brasileira de Umbanda (Brasil) Fórum de Mulheres de Pernambuco (PE) Fundação Ford Brasil Fundo Brasil de Direitos Humanos Geledés-Instituto da Mulher Negra (SP) Grupo Negrícia de Poesia e Arte de Crioulo (RJ) Instituto Cultural Afrosul Odomode (RS) Instituto de Advocacia Racial e Ambiental-Iara (RJ) Instituto de Advogados Brasileiros (IAB) Instituto Palmares de Direitos Humanos (RJ) Instituto Paulo Freire Instituto de Pesquisa das Culturas Negras-IPCN (RJ) Ipeafro-Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (RJ) Malungus - Organização Negra de Paraíba (PB) Maria Mulher - Organização de Mulheres Negras - (RS) Memorial Lélia Gonzalez (RJ) Movimento Negro Unificado - MNU (Brasil) Présence Africaine Éditions (Paris e Dakar) Southern Education Foundation (Atlanta-EUA)


PUBLICAÇÃO

Para aplaudir de pé A Coleção Aplauso, com perfis, biografias, roteiros e peças de teatro que contam a trajetória do cinema, do teatro e da televisão brasileiros, estão disponíveis na internet para democratizar a História recente do País. REPRODUÇÃO

POR MARCOS STEFANO

A tal “memória curta”, de que o Brasil freqüentemente é criticado por não preservar sua História, pode estar com os dias contados, pelo menos se depender da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Para não deixar aquilo que importa cair no esquecimento, a instituição lançou em 2004 a Coleção Aplauso, que trouxe ao grande público, em formato de livros, a História do cinema, do teatro e da televisão do País. Agora, em um projeto inédito, todo esse material, composto por perfis, biografias, peças de teatro e roteiros de filmes, está sendo disponibilizado na internet, para consulta e leitura gratuitas. – Essa é uma iniciativa importante para aumentar ainda mais o alcance desse material. No caso dos livros, desde os primeiros lançamentos, a proposta foi resgatar e manter a memória cultural do Brasil disponível ao maior número possível de pessoas. O primeiro passo para viabilizar esse objetivo se deu com o envio das publicações para todas as escolas públicas paulistas. Porém a atitude derradeira para concretizar essa proposta deve se dar com a disponibilização do acervo na rede, o que tornará ainda mais democrática toda essa informação – defende em seu blog o jornalista e crítico de cinema Rubens Ewald Filho, CoordenadorGeral da Coleção Aplauso. Com o lançamento de A História da TV Gazeta, de Elmo Francfort, e Cláudio Botelho e Charles Moeller - Os Reis dos Musicais, de Tânia Carvalho, a Aplauso ultrapassou no último mês de janeiro a marca dos 200 títulos publicados. Há tanto livros especiais, de capa dura, quanto populares, no formato pocket. Eles trazem textos leves, escritos em primeira pessoa por jornalistas a partir do depoimento de personagens biografados. Além desses gêneros, há também peças de teatro e roteiros de cinema, vários deles comentados e acrescidos de crítica e ficha técnica. Completam a coleção obras especiais que contam a trajetória de emissoras de tv que marcaram a História recente do País. Além da Gazeta, fazem parte da coleção obras com a história da Tupi, da Manchete e da Excelsior. No endereço aplauso.imprensaoficial. com.br (dessa forma mesmo, sem o www), já estão disponíveis 170 títulos que podem ser consultados ou baixados na íntegra em formato pdf e txt. Entre biografias e perfis, estão os de

Eva Wilma (acima, na peça Mulheres de Areia), Walmor Chagas e Bete Mendes e o livro que conta a história da TV Excelsior são quatro dos duzentos títulos da Coleção Aplauso que agora estão disponíveis na internet.

Raul Cortez – obra que venceu o prêmio Jabuti –, Tônia Carreiro, Mazzaropi, Alcides Nogueira, Carlos Reichenbach, Fernando Meirelles, Carlos Zara, Gianfrancesco Guarnieri, Beatriz Segall, Eva Todor, Walmor Chagas, Eva Wilma, Jonas Bloch, Jorge Loredo e Fernanda Montenegro, entre outros. Também há roteiros como os de O Caçador de Diamantes, Estômago, Feliz Natal, O Céu de Suely e O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias e peças dos

dramaturgos Sérgio Roveri, Samir Yazbek e José Saffioti Filho. – Procuramos disponibilizar um material que antes corria o risco de se perder por falta de recursos, interesse comercial ou pela ausência de uma política voltada para a conservação da memória. Nossa primeira ação nessa linha foi a abertura, em outubro de 2008, de todo o conteúdo do Diário Oficial. Com esta publicação on-line, os acessos a nosso site são cada vez

maiores. Acredito que com a Coleção Aplauso não será diferente. Tanto para pesquisadores quanto para interessados em geral, pessoas que muitas vezes não têm condições de comprar as obras físicas ou não têm acesso a elas em livrarias e bibliotecas, a Coleção Aplauso na internet será uma ferramenta valiosíssima e oferecerá vastos recursos para trabalho e conhecimento. – afirma Hubert Alquéres, Presidente da Imprensa Oficial. Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

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BIÓGRAFA

Uma autora de estrelas Na rica trajetória profissional de Tania Carvalho destacam-se as entrevistas e os perfis de artistas, vários deles publicados em livros editados na Coleção Aplauso. POR ELIANE MARTINS

Ela brilha entre as estrelas. Autora de 12 biografias da Coleção Aplauso, Tania Carvalho já arrancou histórias e confissões secretas de um punhado de artistas – de Tony Ramos a Ney Latorraca, de Aracy Balabanian a Tônia Carrero. Com tanta prática e sensibilidade, a jornalista é a preferida de muitos deles. Em janeiro ela lançou mais um título da série editada pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Sua curiosidade se voltou, agora, para a dupla Charles Möeller e Claudio Botelho, que há 20 anos produz musicais no Brasil – um gênero que já foi alvo de preconceito nos palcos nacionais. O livro Os Reis dos Musicais, lançado no dia 12 de fevereiro no Rio, passeia pela trajetória dos dois artistas, que estiveram à frente e por trás de produções de sucesso como Cole Porter - Ele Nunca Disse Que me Amava ( 2000), Ópera do Malandro (2003), Sweet Charity (2006), Sassaricando (2007), A Noviça Rebelde (2008), Gloriosa (2008), estrelada por Marília Pêra, e Avenida Q (2009), entre outras. Na apresentação da obra, Tania Carvalho ressalta que a dupla revigorou um estilo de espetáculo quase esquecido, que talvez nunca tivesse sido levado tão a sério pelo meio teatral e pelo público. Hoje, Charles e Claudio são responsáveis por montagens de grande porte — todas reconhecidas internacionalmente, produzidas com talento e competência. “Escrever Os Reis dos Musicais aconteceu por uma proposta do Rubens Ewald Filho, que é o coordenador da Coleção. Ele ama musicais, e é da mesma cidade do Charles, Santos, no litoral paulista. Eu gostei da idéia, pois também adoro musicais e sou fã de carteirinha da dupla”, explica Tania, que nasceu em Niterói mas se considera carioca, uma vez que se mudou para o Rio aos três anos de idade. Formada em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, ela define com bom humor a profissão que exerce há quase 40 anos e que já lhe rendeu a autoria de 18 livros. “Camelô de palavras” “Sempre brinquei que jornalista é 38 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

um camelô de palavras, letras, idéias e textos. Depois de muitos anos de experiência em redações, assessorias de imprensa, mercado editorial e produção, hoje sou exatamente isso: vendedora de palavras. A quem interessar possa, eu escrevo livros, cartas de amor, memorandos, bulas, conteúdo para sites, roteiros para cinema e televisão e o que mais vier. Tudo ligado à palavra me interessa, me intriga, me desafia e me satisfaz”, diz. Tania começou a trabalhar no início dos anos 70, na revista Manchete. Em 1974 ganhou o Prêmio Rondon de Jornalismo por uma reportagem realizada na Amazônia com jovens estudantes cariocas que atuavam como voluntários na região. Ao sair da Manchete, foi para um desafio diferente: trabalhar na gravadora cultural Discos Marcus Pereira, que fez o mapeamento musical do Brasil, gravou pela primeira vez Cartola e tirou do limbo o clarinetista Abel Ferreira, entre outros mestres do choro. Lá, fez de tudo: assessoria de imprensa, produção, foto de capa de disco. “Foram anos alegres e deles sobrou algo especial: uma música composta especialmente por Abel Ferreira para mim, a valsa Tania”, conta. Logo depois voltou para o jornalismo e trabalhou em diversas publicações, como Última Hora, Revista do Rock, Mais, Cláudia, Criativa e Desfile. Uma característica marcou essa trajetória: sempre fazia perfis de artistas. Acabou uma espécie de especialista nesse tipo de pauta. Por suas mãos, ou melhor, por suas perguntas, passaram estrelas da MPB, da televisão e do teatro, como Elis Regina, Tom Jobim, Fernanda Montenegro e Milton Nascimento. Na Coleção Aplauso, somou mergulhos profundos na vida de personalidades como Betty Faria, Carlos Zara, Pedro Paulo Rangel, Irene Ravache e Paulo José. Noveleira, por tarefa Em 1974, Tania Carvalho foi para a TV Globo para fazer pesquisa na novela Duas Vidas. Em 1977, passou a integrar a equipe do novo Departamento de Divulgação da emissora, que criou

NANA MORAES


Paulo José (na foto com Dina Sfat), Tônia Carrero e Irene Ravache foram biografados por Tania Carvalho para a Coleção Aplauso.

REPRODUÇÃO

uma publicação semanal, parâmetro para todas as outras posteriores. Durante 14 anos, conviveu diariamente com os mitos das telenovelas. Em 1999, voltou para a TV Globo, escrevendo resumos das novelas, que eram distribuídos para a imprensa, trabalho que realizou por quase uma década. “Gosto de dizer que eu podia concorrer a uma vaga no Guinness como a pessoa que mais leu capítulos de novelas. Num cálculo feito por alto, nesses anos todos, digamos que foram uns 20 mil capítulos, umas 800 mil páginas”, se diverte. No currículo de Tania ainda constam a produção e coordenação, entre 1995 e 1997, de dois congressos internacionais de dança de salão, numa parceria entre o Centro de Dança Jaime Arôxa e a JZ, empresa especializada em congressos. Mas a palavra mais uma vez se fez mais forte na vida dela: em 2001 ela se embrenhou pelo País a bordo de um monomotor, para refazer a rota dos pilotos do Correio Aéreo Nacional, o Can, que nos anos 30 desbravaram o Brasil Central. Desta aventura, feita ao lado do piloto e coordenador Isio Bacaleinick e do fotógrafo Lalo de Almeida, nasceu o livro Nas Asas do Correio Aéreo, lançado no final de 2002. “Passei a maior parte da minha vida entrevistando famosos. Por isso mesmo, o que mais me tocou foi entrevistar anônimos, pessoas do povo, quando fiz a enorme pesquisa para esse livro. Entre dezenas de outros depoimentos, o que mais me tocou foi de Seu Pedro do Correio, um homem do Brasil Central que andava centenas de quilômetros por mês para entregar cartas em regiões que não eram alcançadas

nem pelos aviões do Can”, conta. Amigos à parte Amiga de muitos de seus biografados, Tania sempre distinguiu amizade

de compromisso profissional. Mesmo tendo se tornado íntima de todos eles, não adotou critérios pessoais para filtrar as informações obtidas. “Prefiro dizer que não usei filtros. LALO DE ALMEIDA

Ao lado do fotógrafo Lalo de Almeida, Tania refez a rota dos pilotos do Correio Aéreo Nacional pelo interior do País a bordo de um monomotor. Aqui a equipe sobrevoa o Jalapão.

Sentei com eles, conversei por muitas e muitas horas, e depois arrumei tudo isso para virar um livro. Cada um se mostrou do seu jeito, com sua própria linguagem, jeito de falar. Cada livro é único, assim como são únicas as pessoas”, diz Tania, que atua também como ghost-writer: escreve biografias encomendadas e livros especializados. Em 2008, em um tempo recorde de 23 dias, fez especialmente para a ABTRA o livro Histórias do Cais, em comemoração aos 200 anos da abertura dos portos por Dom João VI. Durante três anos, foi debatedora do programa Sem Censura, comandado por Leda Nagle na TV Brasil. Atualmente, faz parte do grupo de criação Empoeirados, especializado em escrever roteiros para cinema e televisão. E quanto a escrever uma novela, sobre as quais se debruçou por tanto tempo? Tania dá boas risadas e desconversa. “Imagina! Quarenta páginas por dia de ficção? Só na próxima encarnação... E mais: definitivamente, não faço literatura. Isso é para o colega Miguel Sousa Tavares e seu incrível Equador, livro que eu adoraria ter escrito, e para tantos outros maravilhosos escritores. Sou apenas uma jornalista exercitando sua profissão em livros... Se antes escrevia 20 laudas para um perfil de revista, hoje escrevo 150. No fundo, continuo igualzinha: curiosa, atenta e uma boa ouvinte... Não são essas as características dos jornalistas?” Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

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Livros

Adolpho Lutz, o cientista que descobriu as doenças de massa no Brasil O Instituto Oswaldo Cruz edita em 21 volumes a obra do cientista pioneiro no diagnóstico e tratamento de febre amarela, varíola, peste bubônica, tifo, cólera, malária e tuberculose. POR JOSÉ REINALDO MARQUES

Uma jóia rara sobre um importante campo científico brasileiro passou a fazer parte do acervo da Biblioteca Bastos Tigre, a Biblioteca da ABI. Trata-se do livro Viagens por Terras de Bichos e Homens (Editora Fiocruz, 2007), que pertence ao terceiro volume das obras completas de Adolpho Lutz, edição e organização dos historiadores Jaime L. Benchimol e Magali Romero Sá. O volume, doado à ABI pelo Presidente da Fundação Fiocruz, Paulo Gadelha, reúne relatos e resultados de pesquisas realizadas por Adolpho Lutz (1855-1940), considerado um dos mais importantes e versáteis cientistas brasileiros, cuja experiência no âmbito da medicina tropical fez dele um membro destacado do Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, onde ingressou em 1908. A idéia do trabalho nasceu em 2000, quando Jaime Benchimol tomou conhecimento de descoberta de Magali Romero Sá, que encontrou um material de pesquisa sobre Adolpho Lutz, organizado por Bertha Lutz, filha do cientista: – A Magali, que é minha colaboradora neste projeto, encontrou jogado no Museu Nacional um arquivo de metal com pesquisas da Bertha Lutz para um projeto da obra científica do pai. Nós iniciamos o trabalho fazendo as traduções do alemão para o português. A coleção completa sobre Adolpho Lutz é composta por 21 livros, organizados em cinco caixas. Os quatro primeiros volumes apresentam Primeiros trabalhos: Alemanha, Suíça e Brasil (18781885); Hanseníase; Dermatologia e micologia e ainda um suplemento contendo sumário, glossário e índices. O projeto prevê também uma biblioteca virtual, que já tem parte do seu conteúdo disponível pela internet (www.bvsalutz.coc.fiocruz.br). Assim como o livro, a biblioteca também faz parte do projeto Adolpho Lutz e a história da medicina tropical no Brasil, que conta com o apoio do Museu Nacional, Instituto Adolfo Lutz (São Paulo), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq, além da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro-Faperj. 40 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

Contou Jaime Benchimol que para facilitar a edição os volumes foram divididos por tema específico, e cada livro contém uma apresentação histórica. O historiador afirma que o trabalho, que ainda não está concluído, precisou de muito fôlego para ser desenvolvido, mas, o resultado foi compensador: – Foi uma experiência gratificante, ao mesmo tempo um desafio muito grande. Principalmente pela dificuldade que é lidar com o serviço público. Mas valeu a pena, pois, sinceramente, não conheço nada semelhante que tenha sido feito sobre outro cientista no Brasil. Rigor científico

Adolpho Lutz nasceu no Município do Rio de Janeiro em 18 de dezembro de 1855, mas foi criado na Suíça (país de origem dos seus pais) desde os dois anos de idade. Formou-se em Medicina pela Universidade de Berna e retornou ao Brasil quando tinha 26 anos de idade. Seu destino foi a cidade de Limeira, no interior paulista, onde de 1881 a 1886 montou um consultório para atender às pessoas de baixa renda – logicamente a população que mais sofria com problemas de saúde pública. Consta da sua biografia que mesmo residindo no Brasil continuou mantendo contatos com a Europa, para onde viajava com freqüência para visitar centros de pesquisas avançados, em cidades como Paris, Londres e Viena. Na Alemanha, na cidade de Hamburgo, desenvolveu os seus estudos sobre a lepra. Em 1889 – ano em que o Brasil derrubava a monarquia e se tornava república –, Adolpho Lutz viajou para o Havaí, que sofreu um grave surto da doença que atingiu grande parte da população de Honolulu. Ficou no país até 1892, quando a moléstia foi erradicada. Em 1893, surgiu no Brasil uma epidemia de cólera, doença até então pouco conhecida no País. E novamente Adolpho Lutz apresentou-se como o principal profissional da medicina a acertar no diagnóstico da moléstia, a partir de seus métodos rigorosos de pesquisa. Foram exatamente a determinação para o estudo e a dedicação pela ciência que fizeram com que Adolpho Lutz

concretizasse inúmeras contribuições ao Brasil no campo da saúde pública. Tendo sido ele um dos mais destacados participantes da luta pela erradicação de doenças como febre amarela, varíola, peste bubônica, febre tifóide, cólera, malária e tuberculose, foi ele também um dos fundadores da entomologia médica. Antes de se transferir para o Rio, trabalhou e dirigiu o Instituto Bacteriológico de São Paulo (1893-1908), período no qual deu grandes contribuições à saúde pública no Brasil, atestam os organizadores da obra. Durante o período em que esteve à frente do instituto paulista, Adolpho Lutz desenvolveu importantes pesquisas no campo da bacteriologia, epidemiologia e zoologia médica, tendo se destacado como um dos mais experientes profissionais da chamada medicina pasteuriana. No Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, ele trabalhou por cerca de 30 anos até a sua morte, em 1940, quando estava perto de completar 85 anos de idade. Foi na sede da entidade em Manguinhos que Adopho Lutz desenvolveu a sua fase de maior produção de trabalhos publicados, dedicando-se integralmente à pesquisa. Expedições

No texto de abertura do livro, Jaime L. Benchimol e Magali Romero Sá ressaltam a formação acadêmica de Adolpho Lutz, cujo amadurecimento profissional, desenvolvido em fins do século XIX e início do XX, se deu baseado numa trajetória que percorreu “diversos espaços geográficos” – como Rio de Janeiro, São Paulo, Europa, Estados Unidos e Oceania –, e outros que são cognitivos, tais como clínica médica, veterinária, protozoologia, entomologia, entre outros. Como membro do Instituto Oswaldo Cruz, Adolpho Lutz passou a se dedicar mais à pesquisa e nesse contexto deu preciosas contribuições na formação de cientistas mais jovens e às coleções de trabalhos biológicos, que começaram a se intensificar como desdobramento das múltiplas expedições realizadas pelo interior do País. O livro sobre sua obra é valioso porque inclusive traz alguns relatos e resultados das viagens realizadas pelo cientista. Adolpho Lutz pertenceu ao grupo de sanitaristas do Instituto Oswaldo Cruz que, a partir da década de 1910, executou uma série de expedições pelo interior do Brasil, promovendo campanhas contra doenças como a febre amarela, malária e pneumonia, em regiões tão distintas como Amazônia, Centro e Nordeste.

Dessas expedições participaram o próprio Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Pacheco Leão, João Albuquerque. Em 1912, entre os meses de março a outubro, Arthur Neiva e Belisário Pena percorreram mais de sete mil quilômetros pelos Estados do Piauí, Pernambuco, Bahia e Goiás. No mesmo ano, Adolpho Lutz e Astrogildo Machado fizeram parte de uma importante expedição científica e sanitarista de inspeção do vale do Rio São Francisco. A viagem deu origem ao relatório “Viagem pelo rio S. Francisco e por alguns de seus afluentes entre Pirapora e Juazeiro. Estudos feitos a requisição da Inspetoria das Obras contra a Seca, direção do Dr. Arrojado Lisboa”. Esse estudo foi publicado em “Memórias do Instituto Oswaldo Cruz” (t.7, n.1, p.5-50, 18 pranchas). Essa expedição é classificada por Jaime Benchimol e Magali Romero Sá como uma “grande ofensiva científica e sanitária”, que foi pautada pelos cientistas de maior reputação do Instituto Oswaldo Cruz na época. Deles partiram as orientações que guiaram os expedicionários nas coletas de material zoológico e nas observações das doenças que encontraram no interior do País, principalmente as dermatoses e a doença-de-Chagas. O resultado desse empreendimento científico, que teve Adolpho Lutz como um dos seus membros – devido à riqueza de dados e material iconográfico produzido sobre as patologias brasileiras –, é comemorado até os dias atuais como “o primeiro inventário moderno das condições de saúde das populações rurais do Brasil”, afirmam os autores do livro. Relatos históricos

A coleção editada e organizada por Jaime Benchimol e Magali Romero Sá sobre Adolpho Lutz, além de um importante registro sobre a medicina tropical brasileira, é capaz também de proporcionar ao leitor uma visão histórico-geográfica da difusão das doenças veterinárias e epidemiológicas que se desenvolveram em diversas regiões do Brasil e de outros países sul-americanos.


MEMÓRIA Entre os anos de 1917-18, Adolpho Lutz empenhou-se em campanhas para estudar a esquistossomose percorrendo no primeiro ano os Estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Sergipe e Bahia. No ano seguinte, viajou pelo Rio Paraná até Assunção, voltando por Buenos Aires, Montevidéu e Rio Grande do Sul. Antes, em 1907, Adolpho Lutz viajou a Belém a convite do Governo do Pará para estudar uma moléstia que atacava cavalos e era conhecida vulgarmente como “peste das cadeiras”. O resultado desse trabalho foi publicado no mesmo ano no Dário Oficial do Estado do Pará, em 5 de dezembro. No ano seguinte, o estudo do cientista pôde ser lido na Revista da Sociedade Scientífica de S. Paulo. Em 1908, foi divulgado pela Revista Médica de S. Paulo. A preocupação de Adolpho Lutz em contextualizar os seus trabalhos com dados históricos fica evidente no texto em que relata a sua pesquisa: “Dou em seguida uma relação das observações e dos estudos que tive ocasião de fazer no Estado do Pará... Principiarei o meu estudo com alguns dados históricos e geográficos ... em Marajó, que é hoje considerada como foco principal da peste das cadeiras, essa epizootia não tem reinado sempre. Sabe-se que antes de 1828 os cavalos em toda a ilha existiam em número enorme, o que claramente indica não ter existido a peste naquela ocasião...” A riqueza de detalhes dos relatórios de Adolpho Lutz é impressionante, e por isso são documentos que se apresentam como uma contribuição riquíssima para o estudo da Medicina, da História, da Antropologia e da Geografia no Brasil no início do século XX. Também impressiona o estilo de narrativa do texto, que se aproxima do literário, como comprova o registro da viagem ao vale do rio São Francisco: “Quando se iniciou nossa viagem (este percurso ele fez com o colega Astrogildo Machado), a estação da seca já estava bem estabelecida. Não houve chuvas durante todo o tempo da excursão, apenas uma ou duas exceções. Em conseqüência disso as margens do rio tornaram-se cada vez mais áridas, até que, chegados a Juazeiro, encontramos os arrabaldes com aspecto que lembrava o deserto, por estar toda a vegetação queimada pelo sol e muitas árvores sem folhas.” Em seguida o cientista entra em detalhes sobre vida dos bichos da região: “...Na mesma proporção diminuiu a vida dos insetos e outros pequenos animais. Disso ressentiram-se as coleções, porque as zonas percorridas, em estação mais favorável, sem dúvida, teriam sido mais ricas, posto que se trate de região relativamente pobre.” Eis porque a leitura das obras da coleção Adolpho Lutz e a História da medicina tropical no Brasil torna-se fundamental. Trata-se de um material valioso para os cientistas e que deve agradar também aos leigos, devido à maneira simples de comunicar de Adolpho Lutz, com um texto agradável e de fácil compreensão que com certeza vai ser apreciado também por quem não é da área científica.

200 anos do nosso primeiro grande editor Exposição relembra a trajetória de Francisco de Paula Brito, o empreendedor que se transformou no precursor da imprensa e do mercado literário no Brasil e que teve entre seus aprendizes um rapazinho chamado Joaquim Maria Machado de Assis. POR MARCOS STEFANO

“Paula Brito foi o primeiro editor digno desse nome que houve entre nós.” A afirmação de Machado de Assis não se deve a qualquer equívoco cronológico. A historiografia registra que o tipógrafo lusitano Isidoro da Fonseca trouxe o primeiro prelo para o País, ao Rio de Janeiro de 1747. Depois a Imprensa Régia, em maio de 1808, passou a deter a exclusividade da impressão na Corte. Contra todas as pressões, Manuel Antônio da Silva, antigo comerciante de Lisboa, instalou uma tipografia em Salvador, no ano de 1811. Já o francês Pierre René François Plancher de la Noé, com o título de “Impressor Real” em mãos, colocou a Constituição do Império do Brasil no papel e fundou o Jornal do Commercio. Todos antecederam a Francisco de Paula Brito, mas nenhum contribuiu tanto quanto ele para o crescimento da imprensa e o desenvolvimento da literatura no Brasil. Rodando jornais e pasquins em suas oficinas tipográficas e promovendo talentos e discussões sobre literatura, ele se tornou o primeiro empresário negro do País e iniciou o moderno movimento editorial brasileiro. Agora, no bicentenário de seu nascimento, a obra de Paula Brito volta a ser discutida e o editor ganha exposição de parte suas obras em São Paulo. Essa “redescoberta” de Paula Brito não apenas repara uma injustiça quase histórica. Também traz importantes elementos para se entender os caminhos percorridos pelo mundo das letras impressas no Brasil. Isso porque ele deixou marcas onde atuou, seja com seus jornais, seja com as obras que traduziu ou patrocinou ou mesmo como precursor que foi do conto nacional: – Quem olhava para ele o via como sonhador. Afinal, o mercado e o número de leitores por aqui era pequeno. Mesmo assim, ele apostou. E venceu. Era um homem à frente de seu tempo. Não à toa, é reconhecido como pai da imprensa libertária – analisa o jornalista e escritor Oswaldo de Camargo, pesquisador da obra do editor. Francisco de Paula Brito nasceu no Rio de Janeiro em 2 de dezembro de 1809. Filho do carpinteiro Jacinto Antunes Duarte e de Maria Joaquina Conceição Brito, enfrentou desde cedo

as dificuldades peculiares à grande parte da população pobre. Assim, abandonou ainda na adolescência os estudos para se tornar um “operário das tintas”, dedicando-se ao trabalho de aprendiz na Tipografia Nacional. Compensou a falta de instrução formal com muita visão de mercado e um notável senso de oportunidade. Sem falar no talento que possuía para escrever. Dessa forma, em 1827 foi contratado

pelo Jornal do Commercio como compositor tipográfico; quatro anos depois, tornou-se dono de seu próprio negócio, ao adquirir a loja de encadernação de livros de um primo. Em pouco tempo a “Tipografia Fluminense de Brito & Cia” passou a ser local de agitação e ponto de encontro de políticos e intelectuais. Mais do que um simples impressor, sua loja era uma verdadeira fábrica de pasquins, já que Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

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MEMÓRIA 200 ANOS DO NOSSO PRIMEIRO GRANDE EDITOR

Cenáculo do romantismo O preconceito não conseguiu impedir que Paula Brito se tornasse o livreiro preferido da elite intelectual do Rio de Janeiro e o principal editor da época. Nos anos 40 e 50, sua loja se transformaria em um verdadeiro “cenáculo”, onde se reuniam os principais nomes do movimento romântico: os poetas Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu, Araújo Porto-Alegre e Laurin42 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

do Rabelo; os romancistas Joaquim Manuel de Macedo e Manuel Antônio de Almeida; o compositor Francisco Manuel da Silva, autor da música do hino nacional brasileiro, com quem Paula Brito faria a canção A Marrequinha de Iaiá. Ainda estavam sempre presentes os políticos, personalidades como os Ministros Eusébio de Queirós e José Maria da Silva Paranhos, o Barão do Rio Branco, e o poeta e Senador Francisco Otaviano. Claro, também havia os homens de imprensa, como Jo-

aquim Saldanha Marinho e Firmino Rodrigues. Era a Sociedade Petalógica, uma associação literária, artística e humorística. Com tal movimento, Paula Brito inaugurava uma tradição: casas editoriais seriam pontos de encontro e de incentivo à produção literária ao longo dos anos. Depois de sua tipografia, viria a paulistana Casa Garraux, na década de 1870, a Livraria de B. L. Garnier, durante os anos de 1860 e 70, a Livraria Francisco Alves, no final do século XIX, e a Livraria José Olympio Editora, já em 1930. Paula Brito aproveitava toda essa efervescência para lançar livros e promover novos autores. Ao todo ele lançou 372 publicações – 214 obras de ficção, 100 “dramas”, 43 óperas, 47 traduções do italiano e do francês e 24 edições de autores brasileiros. Mesmo com uma literatura incipiente, Paula Brito apostou em novos talentos nacionais. Diferentemente do que era comum então, o autor pagar para ter sua obra publicada, era Paula Brito que pagava ao escritor. Dessa forma, publicou o primeiro romance brasileiro, O Filho do Pescador, de Teixeira e Souza, em 1843; as poesias dos Últimos Cantos, de Gonçalves Dias, em 1851; e as primeiras peças de teatro essencialmente brasileiras, Antônio José ou O Poeta e a Inquisição e A Confederação dos Tamoios, de Gonçalves de Magalhães, em 1857. Enquanto a maioria preferia concentrar suas publicações em administração, política e negócios, Paula Brito dirigia-se ao leitor comum. Admirado com o investimento que o editor fazia

em novos autores, o próprio Dom Pedro II se tornaria acionista de sua nova tipografia, a Dois de Dezembro, inaugurada em 1850. Antes estigmatizados como “coisa diabólica”, os livros começam a ser apreciados por grande parte da população. Paula Brito também escrevia. Porém, preferia textos mais curtos, como contos e novelas, que começa a publicar a partir de 1839. Outro recurso que começa a usar e aproveita com maestria é publicar sua produção nos jornais. É assim que alcança grande popularidade com O Enjeitado, A Mãe-Irmã e um bom número de obras traduzidas. Foi nas oficinas que rodavam seu jornal, A Marmota Fluminense, que o editor ainda abriria as portas para um jovem talento da literatura brasileira, que na época tinha pouco mais de 20 anos: Machado de Assis. Primeiro, aprendendo o ofício de tipógrafo. Depois, em janeiro de 1855, publicando seus primeiros versos, e no melhor estilo romântico do período, no jornal de Paula Brito. Durante anos, Machado seria um constante colaborador, não apenas em verso, mas também em prosa, escrevendo para os jornais e revistas e publicando livros nos prelos do agora veterano editor. – É surpreendente que Paula Brito tenha conseguido fazer tanto com tão poucos recursos. Com poucos momentos de exceção, trabalhou sempre no limite, colocando a paixão pela literatura acima de interesses menores. Não admira que fosse tão querido.

Publicado por Paula Brito em 1959, As Primaveras, de Casimiro de Abreu, é um dos 37 volumes raros da Coleção Brasiliana, que pertence à Biblioteca Guita e José Mindlin, expostos na mostra, juntamente com a centenária prensa Krause alemã, usada para trabalhos de litografia em produções editoriais. MARCOS STEFANO

muita gente recorria a seu trabalho para ter os seus jornais impressos. Contrariando interesses, Paula Brito mantinha em sigilo os nomes dos autores das folhas de diversas tendências, assumindo o risco de ser punido pela legislação que controlava a liberdade que tinha a imprensa. Mas não foi apenas dessa forma que o editor se destacou como promotor da cidadania e da liberdade de manifestação. Em 1832, ele redige e publica A Mulher do Simplício ou A Fluminense Exaltada, jornal que busca, de forma pioneira, atrair o público feminino. Em seguida, no mês de setembro de 1833, lança o periódico O Homem de Cor, que depois passa a ser chamado O Mulato ou O Homem de Cor. Apesar de ter durado apenas dois meses, a publicação abria espaço pela primeira vez para o negro e para as questões raciais na imprensa brasileira. Muito antes do movimento abolicionista, Paula Brito surge como crítico da escravidão e defensor da igualdade racial. Com ele inicia-se a imprensa negra e libertária no Brasil. É curioso como a sociedade recebia o sucesso de um homem reconhecidamente mulato. Em um tempo no qual a cor da pele era fator decisivo para se dar bem, não foram poucas as tentativas de “embranquecer ” Paula Brito. Descrições como a de Melo Morais Filho, no livro Artistas do Meu Tempo, publicado em 1905, eram a coisa mais comum da época: “De estatura mediana, de musculatura sem relevo, de cor tisnada como um califa dos contos árabes, o caráter dominante de sua fisionomia e do seu talento era uma mistura de bondade e delicadeza fundidas em modéstia que se poderia confundir com humildade”. – É realmente interessante como se pretendia fazer uma redenção epidérmica ao chamar um mulato notável, que aparecia em um retrato, ao lado do texto, num “califa de cor tisnada”. Prosperar era impossível para quem tivesse a pele escura. Para justificar esse conceito, fizeram a mesma coisa com Francisco Otaviano, Carlos Gomes, Machado de Assis e Chiquinha Gonzaga – lembra Oswaldo Camargo.

Quando faleceu, dia 15 de dezembro de 1861, estiveram presentes figuras importantes, artistas, políticos e escritores. Mas também uma multidão de humildes operários. Eunice Ribeiro Gondim, na biografia que faz do editor, fala que o enterro teve um dos maiores acompanhamentos já vistos no Rio, com mais de 200 carros no cortejo – afirma o estudioso Oswaldo Camargo. Camargo é um dos conselheiros da exposição Francisco de Paula Brito – 200 Anos do Primeiro Editor Brasileiro, que fica em cartaz até o começo de maio no Museu Afro Brasil, no Parque Ibirapuera, em São Paulo. Fruto de uma parceria do Museu, da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, do Governo do Estado e da Prefeitura do Município de São Paulo, a mostra reúne 199 obras produzidas nas oficinas do histórico editor, entre elas 37 volumes raros da Coleção Brasiliana, que pertence à Biblioteca Guita e José Mindlin. Mais do que admirar um belo acervo, o público consegue vivenciar o clima do Rio de Janeiro de Paula Brito por causa de painéis, reproduções de capas de jornais, imagens do cotidiano da cidade e até de prensas antigas, como uma centenária Krause alemã, usada para trabalhos de litografia em produções editoriais. Sem esse mundo e sem Paula Brito, provavelmente, a imprensa e a literatura no Brasil não seriam as mesmas. Certa vez, esse tipógrafo, litógrafo, editor, jornalista, tradutor, poeta, contista e teatrólogo disse: “A eternidade depende das obras úteis: se ele as fez, quaisquer que elas sejam, mas de que se aproveitem os presentes e os vindouros, esse homem vive na glória”. Uma realidade para ele mesmo e uma lição que o jornalismo do século XXI precisa reaprender.


Vidas

José Mindlin UCHA, SOBRE FOTO DE J.FREITAS

Empresário e, antes de tudo, um apaixonado pelos livros. Esse é o perfil do acadêmico e bibliófilo José Mindlin, que faleceu na manhã do dia 28 de fevereiro, em São Paulo, aos 95 anos. O corpo foi velado no Hospital Albert Einstein, e sepultado às 15h no Cemitério Israelita da Vila Mariana. Quinto ocupante da cadeira número 29 da Academia Brasileira de Letras-ABL, Mindlin foi eleito no dia 20 de junho de 2006, como sucessor de Josué Montello, e recebido em 10 de outubro do mesmo ano, por Alberto da Costa e Silva. Assim que foi informado da morte do colega, o Presidente da Casa de Machado de Assis, Marcos Vilaça, salientou a importância de Mindlin no cenário intelectual.

鵽 O GUARDIÃO DOS LIVROS 鵾 Membro da Academia Brasileira de Letras, empresário e bibliófilo, José Mindlin doou à Universidade de São Paulo as 40 mil obras de sua valiosa biblioteca particular, que ele começou a colecionar aos 13 anos de idade.

POR CLAUDIA SOUZA E PAULO CHICO Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

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Vidas “Mindlin era um emblema do livro. Eu tinha com ele uma relação orgânica. Lembro com saudade o dia em que estivemos juntos, com Evanildo Bechara, na inauguração do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, e eu lhe fiz o convite para ingressar na Academia. Vamos sentir muito a sua falta”, disse Vilaça, que, em sinal de impacto da perda, mandou que a bandeira da ABL fosse hasteada a meio mastro e se guardasse luto por três dias. O acadêmico Alberto da Costa e Silva descreveu Mindlin como “um desses fenômenos quase inexplicáveis”: “Tinha a personalidade forte, carinhosa, era um amigo exemplar e que deixa uma obra fora do comum numa das bibliotecas das mais ricas que formou ao longo de sua vida. Tive a honra de ser amigo dele por mais de 40 anos. Sei como ele amava os livros, como vivia para os livros”. José Ephim Mindlin nasceu em São Paulo, no dia 8 de setembro de 1914. Formou-se em Direito em 1936 pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Foi redator de 1930 a 1934 de O Estado de S. Paulo, no qual ingressou com apenas 15 anos. Advogou até 1950, quando foi um dos fundadores e Presidente da Metal Leve S/A, empresa pioneira em pesquisa e desenvolvimento tecnológico de pistões e bronzinas para os setores automobilístico e aeronáutico. Fundada em 1949, quase uma década antes que o primeiro automóvel fosse montado no ABC paulista, antes mesmo do processo de industrialização patrocinado pelo Governo do Presidente Juscelino Kubitschek, a empresa tornou-se uma das raras ilhas de excelência do mundo corporativo no Brasil, dominando por décadas o mercado de autopeças. Um leitor voraz Trajetória empresarial de sucesso à parte, foi o aspecto intelectual que mais trouxe admiração pública à figura de José Mindlin. Leitor voraz, colecionador inspirado, destacava-se pela atitude de intelectual militante, identificado com as grandes causas nacionais. Esse foi o foco destacado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva na nota oficial de pesar divulgada pela morte do acadêmico. “Foi com muita tristeza que recebi a notícia da morte do meu amigo José Mindlin. Ele foi um grande brasileiro e motivo de orgulho para todos nós. Com o seu imenso amor à cultura, sua defesa da liberdade e conduta empresarial, prestou serviços extraordinários ao País. E, apesar da idade, tinha forças e disposição para contribuir com o progresso nacional. Os meus sinceros sentimentos aos familiares, amigos e admiradores de José Mindlin”, afirmava a declaração da Presidência da República. A generosidade era traço marcante da personalidade do intelectual que em junho de 2009 doou à Universidade de São Paulo os 40 mil volumes de sua biblioteca, a maior coleção particular de livros do País, dando origem à Bibliote44 Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

Mindlin procurava inocular na mocidade o vírus do amor aos livros, de que, depois de inoculado, a pessoa não se livra mais.

oso, montado a partir de uma estrutura ca Brasiliana Guita e José Mindlin, a qual diferenciada com livros especializados tem o nome também de sua esposa, de tiragens limitadas”. falecida em 25 de junho de 2006. “Ele tinha uma coleção enorme e O começo, aos 13 anos também inúmeras primeiras edições de Mindlin iniciou sua rica coleção de livros importantes, como Os Lusíadas. livros aos 13 anos, quando comprou em É algo que não tem preço. Mindlin não um sebo um exemplar de Discurso soviveu nunca do modo como costumam bre a História Universal, de Jacques Bosviver os empresários. Ele tinha uma suet, numa edição portuguesa de 1740. casa simples. Com a mulher, viveu junNo ano seguinte, ganhou de uma tia o tando livros e trabalhando para preserlivro História do Brasil, de Frei Vicente vá-los”, disse o Reitor da Usp, João do Salvador . Grandino Rodas, adiantando que denEm entrevista ao Jornal do Colégio tro de um ano a universidade deve Bandeirantes-Jornal do Ban, aos 89 anos, inaugurar a biblioteca onde ficará a Mindlin falou sobre a paixão pelos licoleção recebida como doação, que vros, despertada ainda na infância: reúne preciosidades como manuscritos “O Brasil era muito diferente na mioriginais de Guimarães Rosa. nha infância, não havia tantas opções. Também o ex-Vice Presidente e SeEu tive a chance de estudar francês, que nador Marco Maciel (Dem-PE), colega ficou sendo minha segunda língua. Pride Mindlin na Academia Brasileira de meiro, claro, a liteLetras, exaltou a ratura infantil. Eu significação da doera leitor de O Ticoação da biblioteca Tico, que formou à Usp;. “Não foi diversas gerações. sem razão que CelHavia os livros da so Lafer, Ministro Condessa de Ségur. das Relações ExteQuando Monteiro riores de Fernando Lobato surgiu, eu Henrique Cardojá era mais cresciso, disse que Mindo. Então comecei dlin deixa legados a freqüentar sebos, em muitos campos o que também é e que o maior deles um hábito muito foi a doação da bisalutar, porque nos blioteca com 38 põe em contato mil títulos, uma com coisas de oudas mais completras épocas. E já aos tas do Brasil, à 13 anos meu inteUniversidade de São Paulo. Esse Leitura obrigatória na infância de José resse por edições acervo é extremaMindlin, O Tico-Tico era uma publicação antigas começou, mente rico e precisemanal para crianças e adolescentes. quando vi uma edi-

ção francesa impressa em Coimbra em 1740, se não me engano, e fiquei fascinado. Mais tarde aprendi que o significado do livro é muito relativo.Há muito livro antigo que não vale nada e muito livro moderno que é excelente.” “Aos 15 anos lembro que comprei um livro de poesias de Machado de Assis, com dedicatória autógrafa dele. Essas coisas são apaixonantes e vão criando o requinte da bibliofilia. Aprendi o valor das primeiras edições, mas aprendi também que em alguns casos a primeira edição pode não ser a mais importante, como em O Guarani, de José de Alencar. E o gosto vai assim se tornando uma compulsão. Eu brinco dizendo que no meu amor aos livros há um conteúdo patológico, mas é uma patologia que faz sentir bem. E tem outra particularidade importante: é incurável. Eu procuro, nos muitos contatos que tenho com a mocidade, inocular o vírus do amor aos livros, porque uma vez inoculado está resolvido – a pessoa não se livra mais.” Oito décadas após o primeiro contato com a literatura, Mindlin reuniu um conjunto de livros e manuscritos de cerca de 40 mil volumes, entre obras de literatura brasileira e portuguesa, relatos de viajantes, manuscritos históricos e literários (originais e provas tipográficas), periódicos, livros científicos e didáticos, iconografia (estampas e álbuns ilustrados) e livros de artistas (gravuras). Entre as raridades, as primeiras edições de Os Lusíadas e de O Guarany, de José de Alencar, e originais de obras como Olhai os Lírios do Campo, de Érico Veríssimo. “Mindlin era o símbolo do livro. Eu costumava dizer que ele era o ‘homem-


livro’. Nós perdemos um grande homem”, disse em entrevista ao Site da ABI José Sales Neto, fundador em 1995 da Confraria dos Bibliófilos do Brasil. Exemplos, e não conselho Ao longo de sua trajetória, Mindlin escreveu Uma Vida Entre Livros: Reencontros com o Tempo (1997), Memórias Esparsas de uma Biblioteca (2004), Destaques da Biblioteca InDisciplinada de Guita e José Mindlin (2006). No primeiro, narra com detalhes o amor pela literatura e incentiva a formação do hábito ainda na infância. “Para quem começar a ler agora, não vou dar conselho, nem dizer o que deve ser feito, mas posso contar o que eu fiz: eu li autores brasileiros. Quem está começando pode ler, por exemplo, contos de Machado de Assis ou Menino de Engenho, de José Lins do Rego. Textos mais dfiíceis, creio, deve-se deixar para mais tarde, quando o hábito já for corrente. Tudo depende dos pais também, se eles lêem ou não, porque assim podem orientar a criança”, disse Mindlin ao Jornal do Ban. Entre seus autores preferidos Mindlin listava Balzac, Tólstoi, Cervantes, Sterne e Virginia Woolf, mas ressaltando, porém, que o leitor deve se guiar sempre pelo prazer. Honrarias Mindlin integrou o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia-CNPq, o Instituto de Pesquisa Tecnológica, a Comissão Nacional de Tecnologia da Presidência da República e o Conselho Superior da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo-Fapesp de 1973 a 1974 e de 1975 a 1976. Diretor do Conselho de Tecnologia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo-Fiesp, foi Secretário de Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado, cargo em que estruturou a carreira de pesquisador. Foi membro colaborador da Academia Brasileira de Ciências, além de participar do Conselho de vários museus, como os de Arte Sacra de São Paulo, de Arte Moderna do Rio e de São Paulo e Lasar Segall, também em São Paulo. Foi também membro honorário do Conselho Internacional do Museu de Arte Moderna de Nova York. Seu currículo inclui ainda o título de Professor Honorário da Escola de Administração de Empresas de SP, da Fundação Getúlio Vargas, e a titulação de Doutor Honoris Causa em universidades como a Brown University, de Providence, nos Estados Unidos, UnB, Universidade da Bahia, Universidade de Tocantins e Usp. Foi membro honorário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro-IHGB. No campo empresarial, foi Vice-Presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo-Fiesp, membro do Conselho Internacional da Fiat, do Conselho Internacional do Unibanco e do Conselho do Banco de Montreal. Mindlin recebeu inúmeras premiações, entre as quais, em 2003, o Prêmio

Unesco na categoria Cultura; a Medalha do Conhecimento, concedida pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; o Prêmio João Ribeiro da Academia Brasileira de Letras; em 1998, o Prêmio Juca Pato como Intelectual do Ano. Sem alegria, nada “Com Mindlin desapareceu um dos maiores amigos do livro no Brasil. Ele tem o título muito honroso de ‘guardião dos livros’, tinha um amor total por eles, pois havia sido infectado pelo vírus dos livros impressos que ele amou perdidamente durante seus 95 anos. Foi sobretudo um acadêmico correto, dedicado e capaz, que vinha todas as semanas de São Paulo para as nossas reuniões às quintas-feiras. Nós, seus colegas, desconfiávamos de que após a morte de sua querida mulher, Guita, ele começou a morrer um pouco, porque era imenso o amor entre os dois. Ele costumava confessar que sem ela a sua biblioteca não conseguiria organizar-se”, disse ao Site da ABI o jornalista e acadêmico Murilo Melo Filho. Colega de Mindlin na Academia Brasileira de Letras e Presidente do Centro de Integração Empresa-Escola do Rio de Janeiro-Ciee-Rio, Arnaldo Niskier recorda-se dos primeiros contatos que teve com o empresário e bibliófilo. “Conheci-o mais de perto quando ele aceitou, em 1999, integrar um seminário realizado na Academia, com o sugestivo tema Contribuição dos judeus ao desenvolvimento brasileiro. Descendente de imigrantes vindos da Ucrânia, Mindlin, de origem humilde, como tantos outros em idêntica situação, realizou-se plenamente na vida, chegando a se formar em Direito e exercendo igualmente atividades empresariais e jornalísticas bem-sucedidas. Na sua existência, teve sempre o incentivo de sua amada esposa Guita, com quem teve quatro filhos”, conta ele, que destaca o perfil combativo do amigo: “Mindlin foi um homem de convicções determinadas. No episódio da morte do jornalista Vladimir Herzog pelos militares, em 1975, teve exemplar atuação de protesto contra a ignomínia de que ele fora vítima. Perdemos um grande acadêmico, que esteve tantas vezes conosco, na Casa de Machado de Assis, que ele freqüentou com devoção até quase os seus últimos dias, aos 95 anos. Valorizou sempre a máxima do seu exlibris: ‘Não faço nada sem alegria’. Devemos saudar na sua biografia o executivo, o homem público, pois foi Secretário de Cultura do Estado de São Paulo, e o homem de cultura, com uma paixão assumida por livros que fazem a nossa História. Vamos sentir falta do maior ‘guardião’ de livros do Brasil, como ele se intitulava. Se nada fez sem alegria na sua extensa vida, é com tristeza e saudade que registramos o seu falecimento.” O projeto da Usp O Reitor João Grandino Rodas apontou Mindlin como “um exemplo mul-

Mindlin, nossa memória POR RODOLFO KONDER

Havia uma grande conspiração em andamento, invisível para a maioria dos brasileiros. Ela avançava como uma sombra, armada para dizimar os inimigos desarmados. Nos porões do Doi-Codi e do Dops, agentes do II Exército, sob a influência direta do General Sílvio Frota, comandavam a repressão. Naqueles anos marcados pela Guerra Fria, os radicais das Forças Armadas se opunham ao projeto de abertura política que estava sendo desenvolvido pelo Presidente Geisel e pelo General Golbery, que eles consideravam “frouxos” e incapazes de combater a “subversão”. Depois de dizimar as organizações da esquerda mais radical, procuravam demonstrar que os “agentes subversivos” ainda ameaçavam o regime. Com esta finalidade, diziam que até mesmo o Governo estava infiltrado. E criavam fatos capazes de deter o processo de abertura. Alguns jornalistas (eu entre eles) presos no Doi-Codi ouviram uma palestra delirante do Comandante, que nos garantia: “A máquina do Governo está cheia de agentes infiltrados do serviço secreto soviético”. Naqueles porões sombrios, eles torturaram e mataram o jornalista Vladimir Herzog, que chefiava o jornalismo da TV Cultura, subordinada ao então Secretário de Cultura de São Paulo, José Mindlin. Pretendiam intimidar e derrubar o Secretário, para, através dele, atingir o Governador Paulo Egídio Martins. Por quê? Porque golpeando o Governador isolavam e enfraqueciam o Presidente Geisel, muito ligado a Paulo Egídio. Mas esbarraram na resistência de grande parte da população, revoltada com o assassinato de Herzog. Ali, mudou o sentido das águas do nosso rio. Naquele momento, naqueles dias tensos, José Mindlin mostrou sua coragem, sua grandeza. Resistiu às ameaças, solidário com o Governador, com o Presidente e com o processo de abertura. Mindlin simbolizava a dignidade, o compromisso maior com a volta da democracia. O processo político, apoiado em homens como ele, avançou. Sílvio Frota ainda tentou dar um golpe, mas fracassou e foi demitido, em Brasília. Aos poucos, o País reconquistou a liberdade. Entre outras lembranças relevantes, a História registra a batalha, a discreta batalha travada por José Midnlin. É preciso não esquecer, porque “somos nossa memória”, como disse Jorge Luís Borges. E Mindlin faz parte da nossa memória, e, portanto, da nossa alma. Jornalista e escritor, Rodolfo Konder é membro do Conselho Deliberativo da ABI e Diretor da Representação da ABI em São Paulo.

tifacetário de brasileiro, intelectual primoroso preocupado não unicamente com o seu próprio aperfeiçoamento, mas também com a disseminação da cultura entre os seus concidadãos”: “Empresário de visão e de sucesso, obteve respeito nacional e internacional. Democrata intransigente e firme, mas sem radicalismos. Sua virtude principal, porém, foi cultivar a bonomia, a simplicidade e a abertura para com o próximo. Isso fez dele uma pessoa ímpar, que encantava os que dele se aproximavam”. Informou o Reitor que um prédio de 20 mil metros quadrados está sendo construído na Cidade Universitária, na Zona Oeste da cidade de São Paulo, para abrigar a Biblioteca Brasiliana Usp. O projeto acadêmico deverá reunir a Brasiliana Digital, que vai disponibilizar em formato digital o acervo de Mindlin e

outros acervos da Usp; o Centro Guita Mindlin, de conservação e restauração de livro e papel; o Centro de Estudos do Livro, dedicado à História e estudo da imprensa, do livro e das práticas de leitura. Disse o Reitor: “Para a comunidade uspiana, além de valiosissima Biblioteca Brasiliana, Mindlin deixou o mandato de juntar tradição e modernidade: restaurar e guardar os livros, digitalizando-os para permitir acesso a todos. O maior monumento à sua memória será, paulatinamente, digitalizar todo o acervo bibliográfico e documental da Usp, passível de sê-lo, para maximizar a pesquisa, coibir o plágio e, mesmo, para o mero deleite intelectual.” Colaborou Daiana Castro, estagiária da Diretoria de Jornalismo da ABI.

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Vidas

O dia 9 de fevereiro colocou fim à rica trajetória profissional de Antônio Castigliola. Repórter da sucursal carioca da Folha de S. Paulo e do Jornal do Commercio, assinou matéria sobre o Projeto Rio, idealizado pelo então Ministro do Interior, Mário Andreazza, na área que atualmente é conhecida como Complexo da Maré, uma das maiores e mais violentas comunidades do Rio. Repórter de perfil combativo, deixou a grande imprensa para se dedicar ao jornalismo independente e sem submissão a qualquer interesse político ou comercial. Foi nesse impulso de independência que criou o jornal Folha da Praia – no formato de uma folha de jornal impressa nos dois lados – com a proposta editorial de abordar questões palpitantes e de interesse da população da Zona Sul carioca, onde o veículo circulava. Manteve a publicação com dificuldades por vários anos, até ser obrigado a interromper a sua circulação. Nos últimos tempos, imaginava mudar-se para a Itália, onde pretendia conseguir a cidadania italiana, por causa da origem da sua mãe. Castigliola sofreu forte depressão causada pela morte da mãe, com quem vivia. Atormentado pela perda, deixou de se alimentar regularmente e teve enfraquecimento geral do organismo, que culminou com um processo de desidratação. Internado no Hospital Miguel Couto, faleceu por falência múltipla de órgãos. Foi sepultado no dia 10 de fevereiro, no Cemitério São Francisco de Paula, no Catumbi. Há 35 anos ele era sócio da ABI, na qual ingressou em 7 de outubro de 1975, por proposta subscrita pelo jornalista Armando Ferreira Peixoto, então 1º Tesoureiro da Casa.

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REPRODUÇÃO

Castigliola, o insubmisso

Pedro França Pinto, fino e chique Na hora da dor de perder um amigo querido, escreve-se. E adia-se um pouco a dor. Paul Simon. Levava anos em cada reforma. Acho que, na verdade, não queria nunca terminar uma reforma: seu grande prazer era o caminho, não o ponto de chegada. Era mexer, remexer, elaborar, ter uma idéia, comprar uma determinada peça, escolher um lugar para ela – e às vezes se arrepender, desfazer o que estava feito, começar de novo, tentar de novo. Acho que era isto: ele gostava era do caminho, não do ponto de chegada. Bem-aventurados os seres que sentem prazer no caminho, que não passam a vida a pensar no dia de amanhã.

POR SÉRGIO VAZ

Algumas lembranças fortes ficaram me perseguindo no dia em que morreu meu amigo Pedro França Pinto. Duas delas têm a ver com morte. A outra, que na verdade é mais de um período que de um momento, é gostosa, prazerosa, agradável. Fiquei lembrando do dia em que morreu o pai dele. O velório foi na Beneficência Portuguesa, e o enterro, no Cemitério da Consolação, lá pela metade do dia. Eu estava perto dele quando chegamos ao cemitério, um dos mais antigos da cidade, onde estão dezenas Um ourives jamais de pessoas que são nomes de ruas. Pesatisfeito com sua obra dro apontou para umas pessoas que Ao nos visitar no apartamentinho trabalhavam perto do jazigo e disse do Tortuga que caberia em um décimo uma frase assim: da casa que reformava no Jardim Vir“Olha lá: estão tirando um Pedro gínia, uma vez me elogiou porque eu França para poder botar outro.” tinha um filtro, desses antigos, de vela. A outra lembrança é um tanto en“Pô, Servaz, eu tô mexendo em tudo fumaçada. Foi o dia em que morreu Remas ainda compro água mineral. Você gina Lemos. Mary, Fernanda e eu estájá tem um filtro!” vamos, por mero acaso, recebendo naJamais estava satisfeito com sua quele dia a visita da minha sogra, Dona obra. Uma vez, no início dos anos 2000, Lúcia. Dois amigos, colegas, vieram recebeu um grupo pequeno de amigos ficar comigo: Elói Gertel e Pedro Franda Agência Estado em seu recém-reforça. Chegaram depois do trabalho, já mado apartamento da Praça Amadeu tarde, e ficaram do meu lado, me apoiAmaral; o lugar estava absolutamenando, me dando força, me dando um te imaculado, mas ele já via uns pequeombro. Jamais seria capaz de agradenos problemas, aqui e cer a eles como deveria. O período que me dá LE GOSTAVA ERA ali, que queria atacar de novo. prazer relembrar foi Uma década antes, aquele em que nos enDO CAMINHO NÃO em visita a Florianópocontrávamos muito no lis, carreguei toda a Guarujá, em meados DO PONTO DE família de Mary até a dos anos 80; eu tinha CHEGADA EM pizzaria que ele havia comprado um apartacomprado na região de mentinho no Tortuga, e AVENTURADOS OS Sambaqui. Era um préíamos bastante para lá, dio antigo, em região Regina, eu e as meninas, SERES QUE SENTEM nobre, dessas protegiFernanda e Inês. Pedro das pelos conselhos do passava todas as suas PRAZER NO patrimônio, e ele estafolgas no Guarujá, e enva em meio a uma gitão sempre que íamos CAMINHO QUE NÃO gantesca reforma. Bonos encontrávamos. tava a rigor tudo abaiNaquela época, estaPASSAM A VIDA A xo, para começar do va reformando a casa da Brincávamos, nós, avó, no Jardim Virgínia. PENSAR NO DIA DE zero. os amigos dele, que na Pedro era um eterno época ele bebeu todo o reformador de casas, de AMANHÃ FGTS; estávamos erraapartamentos. Estudou dos – ele torrou o FGTS dele numa reHistória, virou jornalista, foi um bom forma. jornalista, mas acho que a rigor aquilo Foi meu maior incentivador quande que mais gostava na vida era refordo comecei a perpetrar “críticas” sobre mar construções. Não saberia contabimpb, no tempo em que Sandro Vaia lizar quantas casas ele reformou na vida. editava a Variedades do Jornal da TarReformava casas com o cuidado de de. Dizia que a gente tinha que enconourives de um Dorival Caymmi, de um

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trar um caminho, um nicho, para poder ser reconhecido. Me repetiu isso ao longo de décadas, como um mantra: procure se especializar, fazer seu nome. Nunca me especializei, nunca fiz meu nome – assim como ele sempre passou longe, na prática, do que ele teoricamente achava que devíamos fazer. Uma vez perdi a calma e quase a razão por causa dele. Um colega de trabalho falou mal dele dentro da minha casa. Botei-o pra fora com berros de que só bêbado é capaz, do tipo: “Ele é meu amigo, ele é uma excelente pessoa, um excelente profissional, e na minha casa ninguém fala mal dele”. Tão firme nos ódios quanto nas devoções Era, ele próprio, dado a ódios. Um lord inglês, a educação, a fineza, a elegância em pessoa, tinha um lado emocional que não podia ser contido, e às vezes espalhava merda a seu redor. Tão firme nos ódios quanto na devoção aos amigos, defendia-os com todas as armas possíveis e imagináveis. Trabalhamos juntos durante décadas numa empresa, a S.A. O Estado de S. Paulo, que era ao mesmo tempo um porto seguro e um campo minado. De uma estranha maneira, Pedro e eu – tão absolutamente diferentes em quase tudo, um quatrocentão paulistano e um pobre mineiro migrante – tínhamos uma estranha semelhança. Fomos capazes de, cada um de seu jeito, cada um com seu estilo, nos mantermos amigos de todos os diferentes lados em luta. Amigos, no caso dele – ou, no meu caso, pelo menos merecedor de algum respeito.


JUVENAL PEREIRA

Como disse o Sidney Mazzoni, “nos como setorista do Palmeiras (embora reencontraremos um dia, em algum fosse torcedor fanático da PortuguePilão, em algum lugar”. Até lá, ou até sa) e passou pelas editoriais de Espordepois, vou ter sempre lembranças fortes, Reportagem Geral e Variedades. tes de Pedro França. Deixou o jornal por alguns anos no Pedro sempre demonstrou um carifinal da década de 80, para o que cosnho especial por Fernanda, desde os tumam chamar de período sabático – tempos em que ela era pequenininha, uma temporada em Florianópolis, e a gente a carregava, junto com Inês, distante do jornalismo diário. para os bares do Guarujá, da Praia do Retornou ao Grupo em meados dos Tombo ao Perequê. Vejo agora que Feranos 90 para a Agência Estado, onde nanda, pessoa maior, trabalhou em diversas guarda boas lembranáreas, inclusive no iníDISCRETA ças daquele tempo. cio do pioneiro site da Minha amiga Viviana internet, em ELEGÂNCIA DE SUAS Agência ne Kulczynski, que tem 1995. Participou diretaa mesma idade de Ferda integração do ROUPAS E DE SUAS mente nanda, e não conheceu portal estadao.com.br, direito o Pedro, me liaté então de responsabiMANEIRAS ERA A gou perguntando se eu lidade da Agência, à Repoderia fazer o texto dação do jornal O EstaMESMA QUE sobre ele para o Estado, em 2002. Foi um dos dão. Não sei como agraeditores-executivos do DEDICAVA AOS decer a ela, ou ao Roberportal, e posteriormento Gazzi, que talvez te trabalhou como redaTEXTOS E AO tenha autorizado Vivi a tor do Caderno 2. me fazer a proposta. Não era rico, ao conTRABALHO DE Por um lado, foi bom: trário do que dizia a fraEDIÇÃO as primeiras horas após se bem-humorada do a morte de Pedro, passei colunista do JT, embotrabalhando, sem ter tempo para senra viesse de importante família paulistir a dor. Tá, quando a gente adia, a trista. Mas seguramente era fino e chique, teza vem pior depois. Mas tudo bem. segundo atestam diversos dos muitos Enquanto está adiando, tá bom. amigos que fez ao longo de várias déQue a gente não seja enterrado com cadas no Grupo Estado. A discreta eleum texto anódino. gância de suas roupas e de suas maneiMas tem um outro lado. Jornalista ras era a mesma que dedicava aos texquando morre merece no mínimo, no tos e ao trabalho de edição. mínimo, um texto de alguém que o “Pedro França foi o jornalista mais conheceu, que gostou dele. Uma das rico, fino e chique que eu conheci em piores coisas do mundo para um jornameus 40 anos de carreira”, diz Sandro lista é ser enterrado com um texto anóVaia, ex-Diretor de Redação de O Esdino, sem emoção – ou simplesmente tado, que trabalhou com Pedro ao lonruim. go de boa parte dessas décadas. “Rico Nem interessa se o texto que fiz é de humor, fino de espírito, chique de ruim – pelo menos ele tem emoção. talento. A presença dele dava dignidaTambém nem interessa se vai sair no de e altivez a um treino da Portuguesa Estadão como eu fiz, e como saiu, na ou a uma guerra no Líbano. Nunca íntegra, no estadao.com.br que chefiei conheci uma alma tão generosa, uma durante um tempo. Não interessa como presença tão doce, um ser humano tão vai sair. A gente escreve é para escrever, digno.Vou plagiar aqui um título antonão para ser publicado. lógico que o saudosíssimo Guilherme Cunha Pinto escreveu quando morreu Este foi o texto que mandei para o Picasso: morreu Pedro França, se é que Estadão: Pedro França morre.” “Pedro França, o único jornalista “Era impressionante a facilidade com rico, fino e chique de São Paulo…” Essa que ele editava e fechava as páginas”, expressão foi publicada diversas vezes, recorda-se Valter Pereira de Souza, o no Jornal da Tarde, nos anos 70 e iníValtinho, que trabalhou ao lado de cio dos 80, nos textos assinados por Pedro França na Variedades do Jornal da seu amigo Telmo Martino, na editoTarde durante vários anos, na década ria de Variedades – textos carregados de 80, como diagramador. Mais tarde, de humor e muito veneno, uma espéValter tornou-se editor de arte do JT, e cie de coluna social sobre os famosos continuou sendo um dos amigos mais da época que não era assinada como chegados de Pedro França. coluna social. “Ele tinha um ótimo texto, e era ráPedro França Pinto, morto ontem pido e preciso na hora da edição. Duranem São Paulo, aos 59 anos de idade te todo o tempo em que ele foi editor de (completaria 60 no próximo mês de Variedades, não atrasamos um dia semarço), fez Direito na Puc (Pontifícia quer o fechamento. Estou muito choUniversidade Católica) e História na cado com a morte dele”, disse, com diUniversidade de São Paulo (Usp), mas ficuldade para conter a emoção. tornou-se jornalista logo que deixou O corpo de Pedro França Pinto foi o curso. Trabalhou no Grupo Estado velado no Cemitério do Araçá, no dia por mais de 25 anos. Foi repórter, re13, e sepultado em 14 de fevereiro, no dator, subeditor e editor no Jornal da Cemitério da Consolação. Tarde, a partir de 1974, onde começou

A

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Murilo Antunes Alves, uma lenda A TV Record perdeu seu mais antigo colaborador no dia 15 de fevereiro. Morreu aos 91 anos Murilo Antunes Alves, que nos últimos tempos trabalhava como Editor-Chefe da emissora. Sua história profissional no grupo teve início em 1º de maio de 1947, quando foi contratado pela Rádio Record – a emissora de tv, naquela época, sequer existia. Mas Murilo foi logo requisitado para fazer parte da equipe que colocou a TV Record no ar, em 27 de setembro de 1953. Como jornalista, fez coberturas internacionais, apresentou programas e foi autor de reportagens que o tornaram uma lenda do jornalismo. O corpo foi sepultado no dia 16, em sua cidade natal, Itapetininga, SP, onde nasceu em 1919. Murilo teve atuação também fora do jornalismo. Formou-se na Faculdade de Direito do Largo São Francisco em 1943. Teve escritório próprio de advocacia até 1961, em Brasília, especializando-se em Direito Esportivo. Integrou o Tribunal de Justiça Desportiva e foi, por mais de 40 anos, Assessor Jurídico da Federação Paulista de Futebol. Os primeiros passos na imprensa se deram aos 14 anos de idade, quando foi Redator-Chefe do jornal estudantil O Arauto, em Itapetininga. Também foi correspondente de O Estado de S. Paulo até 1929, mesmo depois de ter se estabelecido em São Paulo para estudar. Seu primeiro registro na carteira profissional viria na função de repórter do jornal Tribuna Popular de Itapetininga, em 1935. Ao passar a morar em São Paulo, Murilo concretizou o desejo de trabalhar em rádio, ao ser contratado em 1938 pela Rádio São Paulo, na qual ficou quatro anos, inicialmente como locutor, depois como comentarista esportivo, em parceria com Geraldo José de Almeida. Em 1946 foi para a Rádio Bandeirantes, da qual foi o primeiro locutor esportivo. Posteriormente, trabalhou nas Rádios Cultura, Gazeta e Tupi. Já na Rádio Record, Muri-

lo realiza célebre entrevista com Monteiro Lobato, que se tornaria o último depoimento do grande escritor. Dois dias depois, em 4 de julho de 1948, o criador do Sítio do Picapau Amarelo morreria aos 66 anos de idade. Ainda na Record o jornalista cobriu muitos acontecimentos importantes como as eleições italianas em 1948, o Ano Santo em 1949, no Vaticano, e as eleições nos Estados Unidos, em 1952. Murilo ganhou por sete vezes o Prêmio Roquette-Pinto como melhor Repórter do rádio. Trabalhou na TV Record desde sua fundação, em 1953, onde foi encarregado da parte política do jornal da emissora, o Última Edição. Depois, atuou no Record Notícias como Editor-Chefe e Diretor. Na TV Record, fez também o Repórter Esso, trabalhou como comentarista e repórter e cobriu vários acontecimentos importantes, como o casamento do Príncipe Charles da Grã-Bretanha e o enterro do ex-Presidente Tancredo Neves. Paralelamente à carreira de jornalista, cultivou a vida pública. Em 1946, foi candidato a deputado estadual pelo Partido Social Democrático (PSD), mas as eleições foram adiadas. Em 1953, foi o primeiro Chefe do Cerimonial da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, na qual se aposentou em 1985 como Diretor do Cerimonial e Relações Públicas. Em 1961, foi nomeado pelo Presidente Jânio Quadros Oficial de Gabinete da Presidência da República. Entre 1971 e 1974 foi Chefe do Cerimonial do Governo do Estado de São Paulo. Na capital paulista, foi vereador na década de 90. A TV Record divulgou nota oficial de pesar por seu falecimento. “Lamentamos a morte de Murilo Antunes Alves. Ele passou por diversos veículos de comunicação até ser contratado pela Record em 1º de maio de 1947, sendo um dos colaboradores mais assíduos da emissora”, afirmava o texto, assinado por Márcio Santos, Gerente de Recursos Humanos da Record. Jornal da ABI 351 Fevereiro de 2010

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