De Cumbica a Val-de-Cans

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por

Lico Mota


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Agradecimentos Ao amigo Tim Berners-Lee por ter inventado a internet e possibilitado um mundo mais integrado. Ao nerd Khaled Mardam-Bey, inventor do mIRC, por ter permitido que as pessoas pudessem se comunicar a distância sem precisar esperar uma carta por dias ou pagar contas astronômicas de telefone. Ao turco Orkut Büyükkökten por ter fornecido os meios de aproximar pessoas que haviam perdido contato por muitos anos. A TIM e a GOL porque apesar de serem pessoas jurídicas, são caras legais e permitiram que a saudade não machucasse tanto. E por último, mas principalmente, ao contrário das brincadeiras acima, agradeço a Deus por ter me reservado alguém especial e temente ao Senhor.

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“Você é um jardim fechado, minha irmã, minha noiva; você é uma nascente fechada, uma fonte selada” Cântico dos Cânticos 4:12

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ÍNDICE MENOR DISTÂNCIA ENTRE : ...........................................................5 QUEM FOMOS?........................................................................................7 E ASSIM FOI... ........................................................................................10 DOIS PONTOS DE PARTIDA ...........................................................12 CARTA SOCIAL .......................................................................................14 CARTA PARA DEUS .............................................................................17 (RE)ENCONTRO ......................................................................................21 CARTAS NA MESA...............................................................................23 UM PONTO DE CHEGADA ...............................................................25 VÔO LIVRE.................................................................................................29 QUEM SOMOS? .....................................................................................31 PRÓLOGO ..................................................................................................32

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MENOR DISTÂNCIA ENTRE DOIS PONTOS

A distância entre Santos/SP e Belém/PA é em torno de 3000 km. Numa caminhada a 4 km/h, é possível chegar até Belém em pouco mais de 1 mês (ou 750 horas sem parar nem pra ir no banheiro). Um ônibus viajando a 80 km/h faz o mesmo trajeto em pouco mais de um dia e meio de jornada. Já um carro viajando a 100 km/h encontrando todos os semáforos abertos e sem lombadas chega em até 30 horas na capital paraense. Em um avião comercial partindo do aeroporto de Cumbica em Guarulhos-SP com destino ao aeroporto de Val-de-Cans em Belém sem escalas, a distância é compensada em até quatro horas. Mas duas pessoas apaixonadas derrubam a barreira da distância transportados em uma fração de segundos pelo bater 5


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sincronizado de seus corações. Não sentem os quilômetros como se estivessem sempre ali. E de certo modo, estão. O amor é a menor distância entre dois pontos. Nada os separa, pois dobram o espaço. Ignoram o tempo, pois tem disposição por toda a vida.

“A esperança tem asas. Faz a alma voar. Canta a melodia mesmo sem saber a letra. E nunca desiste. Nunca.”

- Emiy Dickinson

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QUEM FOMOS?

Lindenberg de Paula Mota, 34 anos, divorciado, uma filha. Nascido em Contagem-MG e residente em Santos-SP durante quase a vida inteira. Teve a bênção de ser pai de Stephanie Mota em 2007, período que estava casado. Após 4 anos, presenciou o encerramento de algo que deveria ser infindável com a quebra dos votos matrimoniais. Enquanto um casamento em crise pode se tornar algo difícil de ser sustentado, um lar destruido é uma ferida aberta que não cicatriza. Nao há vencedores em um divórcio. O fim de um lar é perda irreparável. Qualquer bem material é superfluo diante da ausência inevitavel na vida dos filhos. Deve ser isso que faz com que votos de casamento sejam eternos e dignos de absoluto respeito. Temeu que fosse tarde para entender tudo isso, mas comprovou mais uma vez que para Deus nada é impossível.

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Jamile Dias Pereira, 34 anos, solteira, dois filhos, nascida e residente em Belém. Em 1999, teve a primeira filha, Isabella Miranda. Em 2002, fruto de um outro relacionamento, nasceu André Henrique Pereira. A vida com filhos, mas sem um casamento tratou de mostrar que faltava a sensação de plenitude dentro de seu lar. Esse propósito ela entendeu apenas em 2005, quando aceitou Jesus Cristo como Salvador de sua vida. A Biblia lhe mostrou a importância da família e de um lar abençoado pelos que temem a Deus e seguem sua Palavra. Transformou seu entendimento e sua vida para auxiliar na conversão de toda sua casa. Porém, mesmo tendo todo o entendimento, ainda lhe faltava o varão. Temeu que fosse tarde demais para entender tudo isso, mas comprovou mais uma vez que para Deus nada é impossível.

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Relacionamentos podem ser um tanto quanto difíceis de se manter. Para que durem para sempre, devem ser alimentados para sempre. Um ciclo eterno que se recicla. O primeiro amor outra vez e mais outra até que todo esforço se torne algo natural. Até que dois sejam um como uma verdade involuntária. O casamento é o ser e não o estar; é uma constante inalterável e não uma condição transitória. Podemos viver apenas uma vez, morrer muitas e ainda assim, permanecer juntos.

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E ASSIM FOI...

Foi em Novembro de 1996 que falei com a Jamile pela primeira vez. A noção de globalização ainda era um embrião e ninguém tinha muita idéia do potencial da internet e de onde ela chegaria na vida das pessoas. Mas foi em um bate-papo virtual descompromissado que conheci sem querer a mulher que mudaria minha vida muitos anos depois. Ficamos amigos e conversamos mais algumas vezes, eu teclando de minha casa e ela do laboratório da faculdade. Como o papo era bom, os laços de amizade estreitaram e a distância diminuiu. Estendemos nosso contato para o telefone e chegamos até mesmo a trocar cartas - algo que era mais comum numa época em que não havia mobilidade na internet e nem todo mundo tinha conta de e-mail ou pagava um provedor em casa. Mesmo morando 3000 km de distância um do outro, chegamos até mesmo a nos conhecer pessoalmente num breve encontro na Ilha de Mosqueiro.

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Mas cada vida foi tomando um rumo diferente. A amizade esfriou e acabamos por ficar distantes novamente. Foram 13 longos anos até que novamente a internet nos uniu. O Orkut - rede social que ficou famosa por ajudar que as pessoas colecionassem amigos em seu perfil e encontrassem amigos e parentes que há muito perdemos contato - trouxe de volta a vida de um pra vida do outro. Curiosos sobre o rumo das vidas dessa valiosa amizade, voltamos a nos falar. Resgatamos a amizade à distância perdida no tempo. Rapidamente esses laços aumentaram e veio a vontade de se ver pessoalmente. Novamente coloquei meus pés em Belém do Pará e dessa vez firmei eles no chão. Um discreto interesse que começou distante e terminou como paixão lado a lado, de dedos entrelaçados e sorrisos bobos. Teve início uma história de amor que venceu todas as barreiras e não mais teria fim.

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DOIS PONTOS DE PARTIDA

NOVEMBRO DE 1996

A barra de rolagem subia e descia, enquanto meus olhos procuravam atentos por nomes na lista de pessoas do canal. "Só mais um pouco e desligo", repeti pra mim mesmo tentando me convencer. O limite mensal de gastos de 15 horas de internet por mês estava pra estourar e quando chegasse a conta do provedor, meu irmão com certeza ia me matar. Entre uma centena de nicknames entrando e saindo, um me chamou a atenção. * Mille@ has joined chat

Abri uma nova janela despertado pela curiosidade e decidi relutante arriscar uma conversa onde minha timidez estaria disfarçada pelo anonimato da sala de bate-papo. Do outro lado, em um dos micros do laboratório da Unama, uma jovem morena de cabelos longos e sorriso encantador recebeu uma janela de alerta com um pedido de conversa 12


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privada e aceitou. E o que era pra ter sido apenas mais um jeito de passar o tempo brincando de jogar conversa fora, acabou se tornando o início de uma longa jornada. Conversamos e rimos por mais de uma hora. Fiquei impressionado porque acabara de conhecer uma garota inteligente, alegre e talentosa. Aquela conversa também foi a minha primeira impressão sobre Belém. Não conhecia nada do Pará a não ser o fato de ser longe e, claro, dos times de futebol - Remo, Paysandu e Tuna Luso (o futebol me ensinou muito sobre geografia!). E naquele dia, tive uma boa impressão sobre o povo do Pará. Dali por diante, procuraria pessoas de Belém para conversar, pois sabia que encontraria um povo amistoso e divertido ainda que de costumes tão diferentes do que eu estava acostumado na região Sudeste. Passei a gostar um pouco mais daquela terra sem saber que um ano depois estaria pisando no chão daquela mesma Belém, onde conheceria pessoalmente, mesmo que apenas de passagem na ilha de Mosqueiro, a garota que um dia seria instrumento de Deus na minha vida.

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CARTA SOCIAL

Após uma ótima primeira impressão, voltamos a sala de bate-papo pra conversar mais outras vezes. Trocamos número de telefone numa época onde não havia celular e só dava pra falar com um cartão telefônico de vez em quando, apesar de uma ligação interurbana desse porte consumir todos os créditos. Por fim, para fortalecer os laços de amizade, trocamos endereço. Não o endereço de e-mail que hoje é algo mais comum e até datado, mas sim o endereço de nossas casas para trocarmos correspondência pelo meio mais romântico: o correio. O prazer de escrever a carta e depois ficar no aguardo da outra pessoa receber e prontamente preparar e enviar uma resposta é estimulante. Foi assim que fiz muitas amizades por todo o Brasil numa época pré-internet. Algo mais pessoal e gostoso de se guardar mesmo que as folhas amarelem com o tempo. Bastava escrever a carta e depois com apenas um selo de um centavo e os dizeres “carta social” na frente do envelope, enviar para o destinatário e aguardar. Ainda hoje, a Jamile e eu trocamos cartas à moda antiga 14


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de vez em quando para dizer um ao outro o quanto se ama com letras escritas pelo próprio punho. Com o tempo, usamos mais as cartas e menos a internet. A essa altura eu estava namorando e ela também estava e uma distância natural foi sendo estabelecida. Aos poucos, aquela amizade que tinha se fortalecido foi diminuindo e a vida seguiu seu curso. O tempo de espera pelas cartas começou a aumentar até que elas pararam de chegar. Em 1998, já não tinhamos mais nenhum contato e assim provavelmente teria se encerrado nossa história. Mas o mundo dá muitas voltas. Muitas mesmo.

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Depois perguntou Labão a Jacó: _Por seres meu irmão hás de servir-me de graça? Declara-me, qual será o teu salário? Ora, Labão tinha duas filhas; o nome da mais velha era Léia, e o da mais moça Raquel. Léia tinha os olhos enfermos, enquanto que Raquel era formosa de porte e de semblante. Jacó, porquanto amava a Raquel, disse: _ Sete anos te servirei para ter a Raquel, tua filha mais moça. Respondeu Labão: Melhor é que eu a dê a ti do que a outro; fica comigo. Assim serviu Jacó sete anos por causa de Raquel; e estes lhe pareciam como poucos dias, pelo muito que a amava. Então Jacó disse a Labão: _ Dá-me minha mulher, porque o tempo já está cumprido; para que eu a tome por mulher. Reuniu, pois, Labão todos os homens do lugar, e fez um banquete. A tarde tomou a Léia, sua filha e a trouxe a Jacó, que esteve com ela. E Labão deu sua serva Zilpa por serva a Léia, sua filha. Quando amanheceu, eis que era Léia; pelo que perguntou Jacó a Labão: _ Que é isto que me fizeste? Porventura não te servi em troca de Raquel? Por que, então, me enganaste? _ Não se faz assim em nossa terra; não se dá a menor antes da primogênita. - respondeu Labão. _ Cumpre a semana desta; então te daremos também a outra, pelo trabalho de outros sete anos que ainda me servirás. Assim fez Jacó, e cumpriu a semana de Léia; depois Labão lhe deu por mulher sua filha Raquel. Gênesis 29:15-28

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CARTA PARA DEUS

_ Hoje quero que todas as irmãs solteiras pensem no varão que querem para suas vidas e escrevam sobre ele em um carta. Muitos anos se passaram desde as cartas de 1997 e muito tinha mudado em nossas vidas. Na ocasião, em Setembro de 2010, sabia apenas que minha antiga amiga teve dois filhos, havia se convertido e agora era evangélica como eu graças ao Orkut - a primeira rede social que fez todo mundo reencontrar as pessoas do seu passado. E foi em um desses dias que o Pastor lançou o desafio para que as moças solteiras de sua igreja descrevessem em detalhes, o que esperavam de um companheiro em uma carta pra Deus. A caneta batucava na mesa e o papel em branco era um desafio de fé. Enquanto isso, as outras moças firmemente enchiam o papel com características triviais — “tem que ser bonito, galã de novela, rico de preferência...”. Ela pensou que isso podia ser bom, mas ainda assim era vago. Uma das primeiras características únicas anotadas foi:

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“Ele deve morar em outro Estado”. Não me pergunte porque isso é algo relevante, mas sei que isso ajudou a Deus me reservar pra essa moça no outro lado do país. A caneta começou a percorrer o papel de forma mais fluida e ela abriu o coração descrevendo tudo que queria pra Deus. Mas foi lá pro final da carta que recorreu a Bíblia para as principais

características

daquele

que

queria

como

seu

companheiro. A primeira das características veio de uma história de amor do Velho Testamento:

“Alguém resgatador na minha vida como foi Boaz na vida de Rute”

Nessa história de amor da Bíblia, Boaz toma Rute como sua esposa sendo essa viúva, restaurando a sua honra. A segunda característica veio da história narrada no livro de Genesis: 18


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“Alguém que fosse separado pra mim como Isaque para Rebeca”

Rebeca havia sido escolhida para Isaque em uma clara resposta de uma oração. E essa carta nada mais era que uma oração por alguém que pudesse ter certeza que fosse um amor para sempre como resposta de Deus. Por fim, a última característica marcante conforme a Bíblia veio da história do paciente Jacó que trabalhou por 7 anos pela mão de Raquel e foi enganado, tendo que trabalhar mais 7 anos para ter a mão de Raquel.

“Alguém que me ame como Jacó amou Raquel; Que não desista de mim, mesmo que as circunstâncias sejam difíceis”

E a carta foi parar na caixa postal de Deus, mas a própria Jamile admite que não tinha em mente que aquela carta seria respondida mais rápida do que um sedex e que ela encontraria 19


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alguĂŠm que apesar de todas as dificuldades, teria certeza do seu valor, do sacrifĂ­cio que fez pelos seus filhos, pronto pra resgatar sua honra perante a sociedade e que esperasse e superasse as dificuldades que fossem preciso pra estar com ela. E nunca desistir de algo tĂŁo valioso.

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(RE)ENCONTRO

E assim como na história de Jacó, quatorze anos se passaram até que eu voltasse a ter contato com a minha Raquel. Foi em Novembro de 2010, durante o processo do meu divórcio e provavelmente adentrando o pior momento de toda minha vida, que recebi uma mensagem da Jamile de felicitações pelo meu aniversário via Orkut. Fiquei feliz pela lembrança. Fazia muito tempo que não falava com a Jamile e lembrava que apesar de pouco contato que tivemos no passado, sua meteórica passagem pela minha vida tinha sido de boas recordações. Olhando fotos de seu perfil vi que seus filhos estavam grandes, sua vida modificada e ela ainda mais bonita do que eu lembrava. Respondi com um agradecimento e começamos a partir dali a trocar mensagens curtas até que o espaço do Orkut se tornou pequeno para tudo que queríamos saber e toda conversa que queriamos colocar em dia. Assim como foi no passado, trocamos todas as formas de contato que tinhamos disponíveis. Primeiro por MSN e depois 21


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telefone. E como foi bom ouvir aquela voz macia de sotaque paraense novamente! Estreitamos laços e ficamos amigos em um momento crucial na vida um do outro. Participamos da vida do outro fazendo companhia até que de férias marcadas e cansado da rotina e dos últimos eventos daqui, tudo que eu mais queria era passar algum tempo longe. Decidi arriscar e perguntar o que ela achava se eu voltasse a Belém tantos anos depois e pudessemos passear como amigos. Num primeiro momento achei que ela fosse negar o pedido, mas ela concordou. Foi então que o que seria apenas o reencontro de bons amigos se tornou algo mais. Os olhos brilharam, as mãos suaram, os sinos tocaram. O que nem cogitavamos no começo se tornou realidade. O amor estava no ar.

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CARTAS NA MESA

A partir da primeira despedida difícil, a vontade de se ver de novo se tornava mais forte e inevitável. Quanto mais pensávamos que seriamos maduros o suficiente para entender que aquilo era uma ilusão e que um amor a distância — e com tantas variáveis familiares contrárias — não foi feito pra durar, mais nossa relação quebrava barreiras que antes pareciam intransponíveis. Era notório que precisávamos um do outro. E foi justamente quando voltei a Belém, ciente de que a distância se tornara um poderoso inimigo, que tomei uma decisão importante — talvez a mais importante de todas, mas não tão difícil quanto parecia. Escolhi uma tarde tranquila no meio da semana para irmos até o Restaurante Pier 47 (que nada mais é que um charmoso navio ancorado no complexo Ver-o-Rio) para um almoço a dois com direito a surpresa no prato principal. Esperava uma oportunidade aparecer, mas não sabia como introduzir o assunto. Quando ela se ausentou da mesa por um breve minuto, eis que surgiu a situação ideal. 23


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Assim que ela voltou, o guardanapo do seu lado da mesa nitidamente estava cobrindo algo. Ao afastar o guardanapo, uma pequena caixa aberta guardava um par de alianças douradas. Por um momento, ela hesitou confusa e com os olhos brilhando. _ Você aceita...? Sem acreditar no quanto havia sido surpreendida e com um sorriso estampando o rosto, limitou-se a responder: _ SIM! E assim, apenas um ano depois de termos voltado a nos falar, estavamos assumindo um compromisso um com o outro, uma certeza que esse era o passo que nos levaria a algo maior. Colocamos as cartas na mesa para todos aqueles que não acreditavam no quanto nosso relacionamento tendia a ser sério. Não estavamos blefando.

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UM PONTO DE CHEGADA

_ Essa é a última vez que você vai embora de perto de mim. Os nossos encontros estavam ficando cada vez mais complicados. A demora para se ver novamente e o pouco tempo disponível quando estavamos juntos começou a pesar e incomodar. Mais de quatro meses haviam se passado desde nosso último encontro e agora uma série de fatores fizeram com que o nosso tempo juntos durasse menos de uma semana. No aeroporto de Guarulhos mais uma vez, aguardavamos o voo da Jamile de volta a Belém. Estava com a sensação de que esperamos tanto por uma oportunidade de ficar juntos e não conseguimos aproveitar quase nada. Cada um daqueles interlúdios de saudade estavam cada vez mais nos agoniando. Em um abraço de quinze minutos que tentavamos fazer durar pra sempre, olhei o relógio e também nossas alianças. O relógio era implacável. Opressão em forma de ponteiros. Apressava a necessidade de embarque imediato no portão reservado aos voos nacionais e me lembrava que estava 25


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atrasado para retornar ao trabalho. Por outro lado, as alianças me diziam o grau de compromisso assumido. Contavam uma história que ignorou tempo e espaço e não deu ouvidos a pessimistas nem razão a lógica. E a crueldade do tempo e o alento do abraço facilitou a tomada da decisão. Não mais queria sentir saudade e viver vidas separadas. Por mais que lutassemos juntos, viviamos realidades distantes. _ O que? _ ela levantou o rosto que estava reclinado em meu peito e me olhou confusa. _ Essa é a última vez que você vai embora de perto de mim, Jamile. _ eu disse olhando pros seus olhos marejados. _ Essa é nossa última despedida no aeroporto. Nosso próximo encontro será definitivo. Vou te buscar e você volta comigo. Pra sempre. Com um beijo nos despedimos. Entrei no ônibus e sentei na janela do último banco ao fundo. Não conseguiamos mais conversar por conta das janelas fechadas, mas ficamos um tempo nos olhando separados pelo vidro. Tristes pela partida, mas felizes porque sabíamos que seria a última vez. O motorista ligou o ônibus e antes que pudesse dar a partida, aconteceu algo inusitado. Vi a Jamile correr em direção a porta do ônibus e conversar algo com o motorista. 26


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O motorista abriu a porta do fundo do ônibus. Ela subiu, tirou um papel dobrado da bolsa, estendeu o braço em minha direção pra me entregar e desceu novamente. Era uma carta escrita a mão dizendo que estava indo embora, mas que eu não deveria desanimar, pois um dia ela voltaria para ficar pra sempre ao meu lado. Esperaria o tempo que fosse por isso. Olhei pra ela e estava sorrindo. O ônibus partiu e nos afastamos mais uma vez sem saber quando seria o próximo encontro. Não tinha certeza de quando ela escreveu a carta e quanto tempo esperou para me entregá-la, mas com certeza foi antes de eu ter dito aquelas palavras. Ela nem imaginava que eu tomaria a decisão de dar o próximo passo tão cedo. Naquele momento, tive certeza do que estava fazendo. Alguns meses depois daquele episódio, eu voltaria para buscá-la como prometi. Levá-la ao altar e fazer votos diante de Deus. Celebrar nossa união em uma grande festa de casamento. A conclusão de uma longa história de muitas pedras no caminho e que desafiou todas as probabilidades. Muitas coisas se passaram nesse meio tempo, todas pensadas e executadas com calma e cuidado para que nosso objetivo fosse possível. Uma agonia ansiosa querendo logo resolver e fazer o sonho virar realidade e realização. 27


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Mas o amor Ê assim. Acha seu caminho percorrendo longas distâncias para unir pessoas. E quando a opressão do tempo parece prevalecer vem o amor e dura para sempre.

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VÔO LIVRE

Acordei com o solavanco do avião. Não era a primeira vez durante o vôo que acenderam as luzes para afivelar os cintos. Não senti medo, mas um incômodo natural. Aquela sensação de calmaria interrompida que a turbulência te faz perceber que está a mais de 30.000 pés de altura viajando entre as nuvens a mais de 800 quilômetros por hora. Mesmo quando pensamos estar seguros no céu, ainda assim há pedras no caminho. Então olho pela janela e minha mente flutua. Sigo nos ares, flutuando, planando, quebrando a barreira do som e vejo seu rosto se formando nas nuvens no horizonte. Sorrio e continuo em frente, sem asas, rumo ao meu objetivo. E o mundo diminui a medida que vou ganhando altitude pensando em você. Sou livre e pedras atiradas não mais me alcançam. Chegar de Cumbica a Val de Cans pode parecer demorado, mas nem sempre temos escolha. A vida não fornece atalhos ou buracos de minhoca para bons destinos. E nem sempre podemos pegar vôos diretos e estarmos 29


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prontos para colocar os pés no chão. Temos muito a aprender com o percurso. Vôos com escalas tendem a ser cansativos e demorados. Costumam

vir

acompanhados

de

surpresas

e

paradas

prolongadas não previstas. Podemos perder muito tempo num aeroporto desconhecido antes de chegar no nosso destino final. Mas o tempo não importa. Ele deixa de vigorar aqui em cima e se transforma em aprendizado. A distância também não importa. Vencerei os quilômetros um a um. Enquanto Ícaro sonha amores platônicos, Santos Dumont quebra paradigmas para tornar sonho em realidade. A vida nos ensina a voar e o amor nos guia. Que Val-de-Cans me aguarde! De luzes acesas na pista, em festa para celebração de um pouso perfeito. E depois disso, nunca mais voarei uma longa jornada sozinho novamente.

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QUEM SOMOS?

E em um ato de amor divino, Lindenberg de Paula Mota e Jamile Dias Pereira Mota, 34 anos, casados e feizes, passam a se confundir na mesma pessoa. Deixam de ter duas histórias e passam a ter o mesmo caminho entre bons e maus momentos. E um brado de júbilo se ouve ao sexagésimo segundo do minuto de silêncio. E o que era tristeza dá lugar a alegria, o que faltava agora se completa. Dois rostos são um. Sob as bençãos do Senhor, cordão de três dobras. Para Deus, nada é impossível.

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PRÓLOGO

O prólogo desse livro estar no final pode parecer estranho.

Mas esse não é apenas um final feliz, tampouco o fim.

Pelo contrário, é o início do resto de nossas vidas.

O início de uma história de amor com as bençãos de Deus.

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Afivelar os cintos Manter a poltrona na vertical Respeitar os sinais luminosos E preparar para voar Sem medo de tirar os pés do chão Disposto a ir ás alturas sem pensar na queda Apenas na sensação de estar nas nuvens com você Onde nenhuma turbulência é ruim Aliviar a bagagem Disparar o coração Respeitar os sentimentos E te levar para voar Entre Val-de-cans e Cumbica parece não haver tanto espaço assim Pois você está sempre ao meu lado Onde a chegada é o ato de decolar E a partida é parte de um ciclo Um breve estado de incomodo causado pela distância A espera de um novo pouso

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