Luis Buñuel - Vários textos

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Fermín Solín tentou retratar a filmagem do documentário "Las Hurdes, tierra sin pan" Imaginário de Luís Buñuel transposto para a BD 19.03.2009 - 15:48 Por PÚBLICO A rodagem do documentário surrealista “Las Hurdes, tierra sin pan”, do realizador espanhol Luís Buñuel chega à banda desenhada. Fermín Solís, outro espanhol, teve na mão a criação de uma novela gráfica que pretende recriar as filmagens do documentário, noticia a edição on-line do “El País”. Fermín Solín criou uma BD onde são retratadas as filmagens de "Las Hurdes, tierra sin pan" (DR) “Las Hurdes, tierra sin pan”, realizado em 1932, retrata a situação de atraso de uma zona espanhola, onde os habitantes viviam na miséria. Solís visitou Las Hurdes 76 anos depois para captar o espírito de Buñuel e da sua equipa na rodagem do documentário e poder tranformá-lo em banda desenhada. Buñuel, o cineasta que trabalhou com Salvador Dalí, rodou o filme durante dois meses, financiado com o prémio que o amigo Ramón Acín ganhou na lotaria. Já Fermín Solís dedicou um ano só ao trabalho de se documentar, tendo ficado desiludido porque Buñuel apenas dedica cinco linhas das suas memórias a descrever a rodagem do documentário. No entanto, isto não travou Solís que assim ficou com as “portas abertas apara imaginar como foi a rodagem”, sublinha o "El País". Através de alguns restos de película facultados pela Filmoteca da Extremadura, Solís conseguiu descobrir algumas manipulações de Buñuel. Assim, Solìs pôde retratar Buñuel como um realizador que filma a crueza do real mas que também força sequências com o intuito de chocar. “Buñuel é complexo, agora mesmo não me atreveria a fazer este livro nem a enfrentarme com a personagem, dar-me-ia medo”, confessa Solís que revela como foi marcado por este trabalho. http://www.publico.pt/Cultura/imaginario-de-luis-bunuel-transposto-para-a-bd_1369940 O anjo O cinema surrealista de Luis Buñuel

exterminador

Este ano completam-se 25 anos da morte do cineasta espanhol Luis Buñuel, cujos filmes, principalmente os realizados em sua primeira fase, situam-se como verdadeiros marcos na história do cinema, inaugurando as teorias e os métodos surrealistas neste terreno, com filmes como “Um Cão Andaluz” e “A Idade do Ouro” 24 de agosto de 2008 É impossível compreender a obra de Buñuel sem situá-lo na época em que viveu e do surgimento do movimento surrealista, decisivo no cenário das artes mundiais que influenciaria boa parte de tudo o que surgiria posteriormente a ele. As tendências verdadeiramente revolucionárias da arte do século XX se manifestaram


mundialmente do período que se inicia com a crise que leva à Primeira Guerra Mundial até o período imediatamente posterior ao desfecho da Segunda Guerra e a derrota dos movimentos revolucionários que explodiram nestes anos. Suas expressões atingiram um ponto culminante no início da década de 1930 com a crise econômica avassaladora que se seguiu à quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, que abriria caminho para a maior polarização entre as tendências revolucionárias e contra-revolucionárias que a humanidade já conheceu. É nesse cenário que Luis Buñuel lança seus extraordinários "Um Cão Andaluz", em 1929, e "A Idade do Ouro", apenas um ano mais tarde. Duas das mais radicais expressões cinematográficas desta revolução latente que eclode em diversos locais do globo ao mesmo tempo. Tal expressão se manifestava com igual intensidade nas poesias de Breton, Eluard e Peret e nas pinturas de Max Ernst, Ives Tanguy, Miró, Picasso entre muitos outros. Entre os relatos da época, Buñuel destaca as grandes perspectivas criativas que o cinema abriu: "nenhuma das artes tradicionais manifesta desproporção tão grande entre as possibilidades que oferece e suas realizações". Visto em perspectiva a produção cinematográfica atual, tal afirmação mostra-se mais verdadeira do que nunca, tendo em vista as fenomenais possibilidades técnicas que ele tem hoje à sua disposição em comparação com a incrível mediocridade, do ponto de vista do conteúdo, da grande maioria das produções que acabam sendo executadas. Tal fenômeno, resultado dos imensos grilhões com que os capitalistas aprisionam essas expressões, denota o total esgotamento da classe dominante como detentora de possibilidades artísticas progressistas. Da mesma maneira como acontece com todos os artistas, a indústria tenta também assimilar a obra revolucionária do cineasta espanhol, tentando reduzi-la a um árido divertimento para uma classe média e uma burguesia imersas em convencionalismos e mediocridades. Apesar de tudo, o cinema de Buñuel, da mesma maneira que a vasta realização do movimento surrealista, chocou durante muitas décadas as burguesias dos países por onde passou, até finalmente ser assimilada. Nunca, contudo, conseguiram controlar suas produções, que freqüentemente eram banidas dos cinemas de seu próprio país. Os

primeiros

passos

rumo

ao

cinema

Filho de ricos fazendeiros, o espanhol Luis Buñuel Portolés nasceu na cidade de Calanda a 22 de fevereiro de 1900. Desde cedo, seus pais lhe proporcionaram uma vida segura e repleta de prazeres, um mundo muito distante da realidade social da Espanha de sua época. Recebeu lições de música, e nas férias viajavam freqüentemente para São Sebastião e Calanda, as cidades de veraneio que estavam na moda entre a burguesia espanhola de então. Teve sua instrução secundária em colégios tradicionais de Zaragoza e São Salvador. Sua formação universitária deu-se em Madri, na Residência dos Estudantes. Indo morar na capital em 1917, pôode entrar em contato com diversas correntes intelectuais e culturais avançadas de seu tempo, entre eles, o jazz norte-americano na esfera artística, o pensamento comunista revolucionário na esfera política e as teorias evolucionistas de Darwin na esfera científica. Lá conhece também os jovens que


comporiam a famosa "Geração de 27", que envolveu diversos futuros intelectuais e literatos espanhóis, entre eles Pepín Bello, Federico García Lorca e o futuro pintor Salvador Dalí. Freqüentava com eles a boêmia madrilenha, seus salões literários, seus agitados cafés e seus bordéis. Nesses anos, o jovem Buñuel perde sua fé, torna-se ateu e um ferrenho crítico da Igreja Católica e da sociedade espanhola. Em 1920, com a popularização do cinema, juntamente com alguns amigos, ele funda o primeiro cineclube da Espanha. Sai da universidade em 1924, tendo se formado em história, filosofia e letras, sendo seu objetivo principal, escrever poesias. Nessa época publica também seus primeiros textos literários. Muda-se em 1925 para Paris, onde estuda cinema e arruma consegue expedientes diversos na área cinematográfica, entre os quais, como assistente do produtor Jean Epstein. Na capital francesa conhece também sua futura esposa, a ginasta Jeanne Rucar, com quem Buñuel viveria por toda a vida. É neste período que Buñuel entra em contato com o movimento surrealista, encabeçado pelo poeta francês André Breton. Conquistado pelas teorias surrealistas, Buñuel realiza seu primeiro experimento nesse sentido, e em janeiro de 1929, em parceria com Salvador Dalí, desenvolve o roteiro de "Um cão Andaluz", um verdadeiro marco na história do cinema. Experiência que mudaria completamente os rumos de sua carreira. O

radicalismo

da

revolução

surrealista

no

cinema

O roteiro e as filmagens deste curta foram elaborados utilizando o método da escrita automática. O filme foi todo rodado em quinze dias, durante a primavera daquele ano, estreando em junho na capital francesa. Quando lançado no cinema, "Um Cão Andaluz" causou histeria, polêmica e estardalhaço entre a sociedade parisiense. Era a primeira vez que toda a fauna de imagens surrealistas - animais mortos em pianos de cauda, insetos saindo de corpos humanos, perversões sexuais, hábitos grotescos e todo o tipo de seqüência aparentemente sem nenhum sentido lógico - ganhava as telas dos cinemas. Se referindo à cena inicial de "Um Cão Andaluz", em que uma navalha corta ao meio um olho humano, Buñuel descreve que pessoas na platéia, gritavam, insultavamm, atiravam coisas na tela, ocasionando inclusive desmaios e conta-se que uma espectadora chegou mesmo a sofrer um aborto espontâneo. "Um Cão Andaluz" é a culminação de uma violenta reação contra o que na época se convencionou chamar "cinema de vanguarda", gênero dirigido especificamente à sensibilidade do espectador, artisticamente equilibrado e cuidadoso, com um jogo sutílsutil de enquadramentos cuidadosamente pensados para estimular intelectual e emocionalmente o espectador. A esse gênero pertenciam grandes diretores como René Clair, Dziga Vertov e Ruttmann, entre outros. O filme de Buñuel traz, pela primeira vez, um interesse pelo plano poético-moral nas seqüências. Moral no sentido surrealista, era tido como coerente com os mecanismos de funcionamento das profundezas do subconsciente, acessados através dos sonhos. Durante sua elaboração, foram desprezadas quaisquer tentativas de dar um sentido


racional naturalista ou simbólico à trama, da mesma maneira em que foram desprezadas como irrelevantes todos os preciosismos técnicos. A partir dessa produção, que impressionou e divertiu todos os surrealistas, Buñuel e Dalí são prontamente admitidos no movimento. Passam então a freqüentar regularmente as reuniões semanais do grupo e a cumprir todos os preceitos definidos por seus membros. Apenas um ano após, surge outra produção surrealista, considerada a mais radical da carreira do diretor. "A idade do ouro" teve roteiro elaborado também em parceria com Dalí. Tão inovador quanto "Um Cão Andaluz" em termos de roteiro, sem linearidade ou coerência nas seqüências, "A Iidade do Ouro", segundo as palavras de Buñuel, trata de um amor jamais concretizado. Na prática, o longa é um ataque frontal à hipocrisia religiosa e o poder da Igreja Católica, utilizando-se de imagens alucinantes tiradas de contos do Marquês de Sade, como a seqüência final em que o Duque de Blangis é mostrado saindo de uma incrível orgia em seu castelo. Situação absolutamente chocante para a sociedade conservadora dos anos 20. Depois do radicalismo de "Um Cão Andaluz" e "A Idade do Ouro", Buñuel retrocedeu a estilos mais convencionais, utilizando apenas mesclas de idéias surrealistas com formato tradicional de narrativa cinematográfica. Após regressar de uma viagem a Hollywood, onde conhece e trava amizade com Charles Chaplin e Serguei Eisenstein, Buñuel regressa a Espanha por um breve período de tempo em que produz apenas um documentário intitulado "Terra sem pão", de 1932. O filme narrava de maneira bruta, sem nenhum requinte de edição, a vida exótica de um remoto vilarejo espanhol na Estremadura, onde seus habitantes, miseráveis, viviam em estado quase selvagem. As imagens captadas por Buñuel eram tão absolutamente fantásticas e inverossímeis, que mesmo tendo sido realizadas à maneira naturalista, tornavam o filme profundamente inquietante e surrealista. Tais ingredientes causaram tal escândalo, que o filme foi censurado pelo governo espanhol, alegando que a produção daria uma imagem corrompida da nação espanhola para os países estrangeiros. A

fase

mexicana

e

o

cinema

de

crítica

social

Quando explode a Guerra Civil Espanhola, Buñuel emigra primeiro para a França, e, em 1938, parte para os Estados Unidos, onde trabalha por um breve período como dublador para a Warner Bros, e posteriormente, como conselheiro e chefe de montagem para o MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. Somente quando viaja para o México é que surge novamente a oportunidade de dirigir um filme. Lá, Buñuel pode pela primeira vez em sua carreira realizar filmes de maneira estável. Neste período, realiza grandes clássicos como "Os esquecidos", de 1950, que lhe rendeu o prêmio de melhor diretor no Festival de Cannes; "Robinson Crusoé", de 1952; "Ele", de 1953; "Ensaio de Um crime", de 1955; "Nazarin", de 1958 e "O anjo exterminador", de 1962; entre diversos outros. O prestígio que os filmes dessa fase mexicana lhe proporcionaram, foi responsável pelo reconhecimento mundial que o trabalho de Buñuel teria na década de 1960, culminando inclusive com o convite do General Franco, a voltar para sua pátria. De volta à Espanha por cerca de um ano, realizou "Viridiana", de 1961, um brado


contra a dominação política e ideológica da Igreja Católica em seu país. Acusado de blasfêmia, o filme acabou proibido na Espanha. Mesmo assim, "Viridiana" foi agraciado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes daquele ano. Nestes anos, Buñuel passa a viajar regulamente entre a Espanha e a França, local onde inicia um novo ciclo de trabalho em sua carreira. Do período que vai da metade da década de 1960 até o final de sua carreira, em 1977, Buñuel concentrou suas energias trabalhando na capital francesa. Enfatizando sempre sua crítica à decadência dos valores burgueses e pequeno-burgueses. Em parceria com o produtor o escritor Jean-Claude Carrière e o produtor Serge Silberman, o cineasta realizou alguns de seus filmes mais populares até hoje, entre eles "O discreto charme da burguesia", de 1972; "O fantasma da liberdade", de 1974, e "Esse obscuro objeto do desejo", de 1977, seu último filme. Permanecendo recluso desde então, no dia 29 de julho de 1983, há 25 anos, falecia Luis Buñuel, na Cidade do México, então com 83 anos de idade. O cineasta é hoje situado entre os mais brilhantes diretores que o cinema já teve, e sua obra, um depoimento crítico de um mundo em franco colapso. http://www.pco.org.br/conoticias/ler_materia.php?mat=8478 O Surrealismo no Cinema Cinema - Cinema: Artigos e Críticas Escrito por André Setaro Seg, 27 de Julho de 2009 18:22 O cineasta, quando realiza um filme, traduz o real, e, no cinema, há, basicamente, quatro modos de representação da realidade: (1) o realismo e suas variadas vertentes (neo-realismo, realismo poético, realismo socialista...); (2) o idealismo (também conhecido como intimismo cujo apogeu se dá com a idade de ouro do cinema americano - anos 30 e 40); (3) o expressionismo (Alemanha nos anos 10 e 20); e (4) o surrealismo, que tem em Luis Buñuel a sua maior expressão. O grande público está mais acostumado com o realismo e o intimismo. Um filme surrealista sempre deixa nele uma impressão de confusão, pois habituado a ver tudo mastigado, com uma explicação racional e lógica para as artimanhas do enredo. Vamos ver aqui em rápidas pinceladas o que vem a ser o surrealismo no cinema. O surrealismo parte de uma atitude revolucionária em filosofia, cujo verdadeiro objetivo não consistiria em interpretar o mundo, mas, sim, em transformá-lo. Na forma exposta por seu principal animador, André Breton, o surrealismo revela forte influência do materialismo dialético, dele retirando sua "lógica da totalidade". Assim como o sistema social constitui um todo e nenhuma de suas partes pode ser compreendida separadamente, a arte não deve ser o reflexo de uma parcela de nossa experiência mental (a parcela consciente), mas uma síntese de todos os aspectos de nossa existência, especialmente daqueles que são mais contraditórios. O surrealismo tenciona apresentar a realidade interior e a realidade exterior como dois elementos em processo de unificação, e nisto está sua capacidade de passar do estático para o dinâmico, de um sistema de lógica a um modo de ação, o que é uma característica da dialética marxista. O cinema se revelou como o instrumento ideal para a conquista da supra-realidade, pois a câmera é capaz de fundir vida e sonho, o presente e o passado se unificam e deixam de ser contraditórios, as trucagens podem


abolir as leis físicas, etc. Quando Buñuel apresentou, em Paris, O Anjo Exterminador (1961), o exibidor lhe solicitou que escrevesse alguma coisa para colocar na porta da sala de exibição. Buñuel rabiscou o seguinte: "A única explicação racional e lógica que tem este filme é que ele não tem nenhuma". Noutra ocasião, ao ganhar o Leão de Ouro de Veneza por A Bela da Tarde (Belle de Jour, 1966), lhe perguntaram o significado da caixinha de música que um japonês carrega quando no quarto com Catherine Deneuve. O cineasta respondeu que não sabia. Assim, o espectador não pode racionalizar dentro de determinada lógica nos filmes surrealistas. É claro que os significados existem, amplos, dissonantes e insólitos. E por que os convidados aristocráticos de O Anjo Exterminador, ainda que não haja nenhum obstáculo que lhes impeçam de sair, não conseguem evadir-se da mansão? Um recurso surreal para a análise da condição humana, um laboratório criado para se investigar pessoas numa situação-limite. Excetuando-se alguns ensaios vanguardistas e sua fugidia presença em comédias de Buster Keaton, Jerry Lewis, Jim Carrey, em filmes de Carlos Saura (Mamãe Faz Cem Anos, etc), Jean Cocteau (O Sangue de um Poeta/Le sang d'un poete), entre poucos outros, o surrealismo cinematográfico está inteiramente contido em Un Chien Andalou (1928) e L'Age D'Or (1930), ambos do espanhol Luis Buñuel, com colaboração de Salvador Dali. A cena inicial do primeiro é famosíssima: o próprio Buñuel, após contemplar uma enorme lua prateada no céu, afia uma navalha e corta pelo meio o globo ocular de uma mulher que está sentada. No segundo, vemos um cão ser arremessado pelos ares, uma vaca deitada sobre a cama, um bispo e uma árvore em chamas sendo despejados por uma janela, situações de delírio erótico, baratas numa mão que toca pianola, etc. A ambigüidade do termo surrealismo pode sugerir transcendência, predomínio da imaginação sobre a realidade. Seria pura imaginação de Séverine sua ida ao bordel todas as tardes? A rigor, isso não importa, A significação é mais ampla, conecta-se mais ao discurso do modo de tradução do real. O surrealismo pretendia um automatismo psíquico que expressasse o funcionamento real do pensamento. Você, caro leitor, às vezes não tem pensamentos indesejáveis? É o inconsciente. Assim, e isto é muito importante, o domínio do surrealismo é o que acontece na mente humana antes que o raciocínio possa exercer qualquer controle. O papa surreal André Breton dormia com um caderno em cima do criado mudo para anotar os seus sonhos, chamando, tal comportamento, de escrita automática. O automatismo provocado pelo surrealismo implica numa transfiguração anárquica do mundo objetivo, cujo efeito imediato é o riso. Mas o humor, aqui, é uma nova ética destinada a sacudir o jugo da hipocrisia. E o sonho é encarado como uma revelação do espírito, sendo afirmada a sua riqueza sob o duplo ângulo da psicologia e da metafísica. Para chegar à consciência integral de si próprio, o homem tem de decifrar o mundo do sonho, pois deixá-lo na obscuridade representa uma mutilação do nosso ser. Un Chien Andalou e L'Âge d'Or procuravam, pois, o homem integral, "buscando a recuperação total de nossa força psíquica por um meio que representa a vertiginosa descida para dentro de nós mesmos, a sistemática iluminação de zonas ocultas", como consta do manifesto de Breton. Neles têm um papel saliente o grotesco, o cruel, o absurdo, tudo com um sentido de revolta e solapamento. Segundo Breton, qualquer divisão arbitrária da personalidade humana é uma preferência idealista. Se o propósito é o conhecimento da realidade, devemos incluir


nela todos os aspectos de nossa experiência, mesmo os elementos da vida subconsciente. Essa é a pretensão do surrealismo, movimento artístico que abrangeu além da pintura, escultura e cinema, também a prosa, a poesia, e até a política e a filosofia. http://www.mnemocine.art.br/index.php?option=com_content&view=article&id=178:osurrealismo-no-cinema&catid=40:critica&Itemid=67 Olhar selvagem – O Cinema dos Surrealistas Pouco se conhece sobre o cinema surrealista no Brasil. O primeiro nome que vem à cabeça das pessoas é o do cineasta catalão Luis Buñuel, mas há muito além de dele no cinema surrealista. Meus favoritos são os franceses e de preferência mudos, quando o surrealismo estava despontando junto com as experiências cinematográficas. René Clair, Jean Vigo e Jean Cocteau são alguns dos quais recomendo pela beleza, pelo descompromisso e pela ousadia de dialogar com outras linguagens que não a cinematográfica nos filmes. De 26 de setembro a 14 de outubro de 2007 a Cinemateca Brasileira realiza a mostra Olhar selvagem – O Cinema dos Surrealistas, exibindo o que há além de Buñuel e dos surrealistas franceses da década de 1920. Organizada por Sérgio Lima, que prepara a publicação de Olhar selvagem – O surrealismo vai ao cinema., a mostra conta com 14 grandes filmes divididos e sete temas. O SURREALISMO E A REVOLTA Zero de comportamento (Zéro de conduite), de Jean Mortalmente perigosa (Gun Crazy /Deadly is the female), de Joseph H. Lewis

Vigo

Da mesma maneira que se faz uma aproximação quase imediata entre a revolta dos estudantes do Ateneu (Raúl Pompéia) com a do Zero de Conduta, pode-se relacionar de pronto suas violências com o episódio explosivo do final dos Cantos de Maldoror (Lautréamont) e com o corrosivo absoluto de Gun Crazy. Num temos os meninos do internato do liceu e noutro adolescentes da cidade grande. Porém em ambos a denúncia é a mesma: o des-encanto do mundo. Em ambos, o cinema faz ver a subversão. (Sérgio Lima) O SURREALISMO E A SUBVERSÃO A regra do jogo (La Règle du A comilança (La Grande Bouffe), de Marco Ferreri

jeu),

de

Jean

Renoir

Nos dois filmes temos a mesma escolha de um “lugar” representativo do poder senhorial. Nos dois casos temos também a organização de um jogo (de morte) em busca de singularidades, sempre a partir das recordações que cruzam o campo minado desta sociedade ou grupo. Num caso, La règle du jeu, temos a caçada rara dos caprichos e olhares que chega ao crime, e noutro, a comilança, a devoração desbragada bárbara e antropofágica, que chega ao transe numa espécie de sacríficio ou suicídio sexual. E que lembra, não por acaso, Sade e os 120 Dias de Sodoma. (Sérgio Lima)


O SURREALISMO E O HUMOR NEGRO Monsieur Verdoux, de Charles Chaplin Ensaio de um crime (La vida criminal de Archibaldo de la Cruz), de Luis Buñuel Ambos os filmes são perturbadores do usual. Incomodam. Sobretudo por se centrarem no desejo de destruição (da beleza). Característico por ser atitude limítrofe entre razão e insanidade, o humor negro aqui é decorrente da construção dos mesmos mecanismos que Thomas De Quincey chamou de “assassinato considerado como uma das belas artes”. (Sérgio Lima) O SURREALISMO E O AMOR LOUCO Pandora (Pandora and the Flying Dutchman), A Caixa de Pandora (Die Büchse der Pandora), de G.W. Pabst

de

Albert

Lewin

A centelha da imagem nova, subjacente à beleza convulsiva e ao acaso-objetivo dos surrealistas, que permitiu conjugar Lulu com Jack, o estripador (“espírito da Terra”/ Wedekind com “caixa de Pandora”/ Berg), é a mesma que permitiria depois relacionar Pandora do mito grego com o Holandês Voador da lenda do romantismo nórdico. Expostas e reveladas nestes filmes, verdadeiras deusas da fascinação, Louise Brooks e Ava Gardner. (Sérgio Lima) O SURREALISMO E O SONHO O vento (The Wind), Os inocentes (The Innocents), de Jack Clayton

de

Victor

Sjöström

Essa exaltação tão pouco habitual entre o vórtice do natural, o vento, e a vertigem do psíquico e suas sombras, os outros, remete a uma singular, obscura exacerbação, não isenta de um cunho erótico que as tinge e impregna fortemente. Nos dois casos a presença estranha, perturbadora e ameaçante, que dela emana como num sonho, é praticamente um terceiro personagem (que povoa o invisível). (Sérgio Lima) O SURREALISMO E O INCONSCIENTE O inquilino (Le O alucinado (El), de Luis Buñuel

locataire),

de

Roman

Polanski

Polanski apóia seu jogo de espelhos no próprio estranhamento que emana do “lugar” – essa singular convergência de forças e coincidências, pois lugar de acasos-objetivos: o “lugar” é que faz as situações. O apartamento é, no caso, a singular moradia com vida própria que distila seus impulsos em O inquilino. É a visão herética e quase sensual da cerimônia litúrgica do lava-pés católico, da abertura de El em plano-seqüência, que permite Buñuel ligar e fazer a passagem fetichista pelos pés das muitas pessoas presentes até se deparar com o salto-alto de uma desconhecida: “a eleita. É ela trazendo à luz a paranóia do personagem desmedido, excessivo, preso à sua busca erótica. (Sérgio Lima) O SURREALISMO E O MITO O ano passado em Marienbad (L’annèe dernière à Marienbad), de Alain Resnais


Sangue de pantera (Cat People), de Jacques Tourner São dois exemplos máximos da exaltação do feminino e seu feitiço. Em Cat People, um singular “enfeitiçar” de magia-negra – em transe felino (“animal da noite”) – logo seguido daquele de magia-branca – Marienbad – em hieróglifo ou figura totêmica (“ave da fascinação”). Imagens por excelência do arrebatamento. (Sérgio Lima) Um aviso: uma parte dos filmes será exibida em DVD e alguns em versão original sem legendas. Confira a programação completa e mais informações no site da Cinemateca Brasileira antes de se aventura. Embora assistir a qualquer um desses filmes, mesmo entendendo apenas parte das legendas, já vale a pena. Os quatro filmes clássicos, cujos cartazes ilustram essa entrada, serão exibidos no evento. Para ir se preparando, veja alguns filmes e curtas surrealistas no Videos with Bibi. http://www.cinematografo.com.br/olhar-selvagem-o-cinema-dos-surrealistas/ Buñuel e a "Tonteria" de Carlos Saura Por Kathleen Gomes 27.02.2002 Que fazem Buñuel, Lorca e Dalí em Toledo no ano da graça de 2002? Andam à procura de uma espécie de novo Graal, a mesa do Rei Salomão, quais escuteiros metidos a Indiana Jones. É o último delírio do decano espanhol, Carlos Saura, ou a última "tonteria", como dirão "nuestros hermanos": "Buñuel y la mesa del Rey Salomón", que integra a secção competitiva de cinema fantástico do Fantasporto, foi apresentado na segunda-feira à noite no grande auditório do Rivoli, depois de o seu realizador ter recebido o Prémio de Carreira (é já o segundo atribuído nesta edição, a seguir a Julien Temple). O director do festival, Mário Dorminsky, adiantou que "o filme enquadra aquilo que, nos últimos anos, o Fantasporto entende por cinema fantástico". É verdade, pelo menos, que a qualidade não é um requisito obrigatório da selecção. Mas talvez não fosse isso a que Dorminsky se referia. Sem outras explicações, acrescentou apenas: "É um filme de uma beleza estonteante." Recebido de forma apoteótica como "figura mítica" do cinema, Saura agradeceu e lançou um desafio: "Queria pedir-vos que se deixassem abandonar pelas imagens." Teria sido mais fácil pedir que se abandonasse o filme: imaginado como uma última criação de Luis Buñuel em final de vida, projecta o cineasta - "um grande amigo meu durante anos", lembrou Saura - enquanto jovem, acompanhado de Federico García Lorca e Salvador Dalí, em 2002, preparando um filme sobre a mesa de Salomão, uma espécie de espelho de água onde se vêem passado, presente e futuro. Se o filme começa por assumir o artifício - à maneira de "O Dia do Desespero", de Manoel de Oliveira, os intérpretes apresentam-se como actores fazendo um determinado papel -, não se justifica que ofereça um retrato dos três homens como tontos excêntricos. Há referências constantes ao universo fílmico de Buñuel, mas são meramente caricaturais: além do cineasta surgir como um "playboy" recalcado, Saura rodeia-o de figuras da Igreja com pecadilhos sexuais, e não se furta mesmo a uma piscadela de olho a "Un Chien Andalou", com Dalí a reproduzir a célebre cena do olho ao colocar uma lente de contacto!


Mais: tratando-se de um filme de convergências temporais, há uma galeria de personagens sinistras - um homem de gabardine apegado ao telemóvel, um produtor obscuro (interpretado por Jean-Claude Carrière, argumentista, entre outros, de "Belle de Jour" e "Esse Obscuro Objecto de Desejo") - a adensar o disparate, antes do filme terminar com Buñuel, Lorca e Dalí percorrendo masmorras e enfrentando uma holográfica armadura gigantesca para alcançar a mesa de Salomão, que além de espelhar a morte de Lorca e Dalí (Buñuel tem mais sorte, vê-se enquanto criança), ainda projecta a guerra civil de Espanha. Mas, afinal, "Buñuel y la mesa del Rey Salomón" foi só o culminar de um dia com saldo pouco positivo: o grego "Ephemeral Town", de Giorgios Zafiris (Semana dos Realizadores), multipremiado no seu país de origem, tem algumas fulgurações, mas surge como um Kiarostami ou Sharunas Bartas menor; quanto a "Frailty" (também Semana dos Realizadores), estreia na realização do actor americano Bill Paxton, é a história de um psicopata (ou mais) que julga servir uma missão divina. Narrado em "off" por um dos filhos do assassino, tem um "twist" final previsível - talvez por isso, Paxton tenha resolvido multiplicá-los, chegando a roçar o absurdo. http://dossiers.publico.clix.pt/noticia.aspx?idCanal=265&id=68266 Belle de Jour de Luis Buñuel

com Catherine Deneuve, Jean Sorel, Michel Piccoli, Geneviève Page, Pierre Clémenti Argumento Luis Buñuel, Jean-Claude Carrière | Fotografia Sacha Vierny | Origem França, Itália 1967 | Duração 101’ | Classificação M/16 1967 - 101'

Em Belle de Jour, o carácter onírico dos filmes de Buñuel acentua-se a um ponto limite. Nunca sabemos bem quando Séverine está a sonhar, a recordar ou a viver, ambiguidade que começa no início (genérico com a carruagem e os obcecantes guizos da banda sonora) e se mantém até ao fim, quando Pierre se levanta aparentemente curado e se repete a imagem inicial (só que, nesse último plano, os cocheiros conduzem uma carruagem vazia). Tudo foi um sonho de Séverine, uma rêverie de um personagem particularmente propício a ela? O sonho refere-se apenas à casa de passe? Exclusivamente às sequências sem qualquer conteúdo realista? Ao final? Não sabemos. Buñuel deixa-nos sem pistas e, a entrevistadores mexicanos, declarou mesmo que “nem eu próprio lhes posso dizer o que é real ou o que é imaginário no filme. Para mim, são uma e a mesma coisa”. Melhor é acompanhar a prodigiosa estrutura desta prodigiosa obra. Tudo começa e tudo acaba numa tarde de Outono, num parque, com folhas caídas pelo chão. Na banda sonora ouvimos o barulho da carruagem e uns guizos que não são muito plausíveis. Ao longo do filme, duas pistas (se quisermos ser lógicos) nos são dadas por essa luz outonal e para essas campainhas. Ambas são dadas por Michel Piccoli, contraponto sádico do masoquismo da protagonista. (”Você gosta de ser humilhada, eu não” diz mais ou menos ele quando se encontram no bordel). Quando Piccoli se refere, na repetição onírica da sequência da neve, à luz negra do sol de outono e quando, noutra sequência onírica, ouvimos e vemos os guizos


dos touros: “la plupart d’eux s’appele remords, sauf le dérnier qui s’appele expiation”. Ora, entre o negro, o remorso e a expiação, ocorrem os fantasmas eróticos de Séverine, que precisa tanto do prazer como do castigo e que inúmeras vezes repete ter de pagar pelo que fez. Se o não tivesse, o seu prazer seria menor e daí a admirável introdução da cena em off, em que Piccoli conta a Pierre “toda a verdade”, para que Séverine possa descer aos abismos da sua culpa. Paralítico, cego e mudo, Sorel chora e essas lágrimas são essenciais à auto-punição da protagonista. Volto ao início: conversa banal do casal burguês com referências implícitas à frigidez de Séverine (mais uma vez, é tentadora a aproximação com o mundo de Hitchcock e com a frígida Marnie). Subitamente Pierre perde o seu carácter passivo e manda parar a carruagem, ordenando o espancamento e a violação da mulher pelos cocheiros (cocheiros que regressam na carruagem do duque e no plano final) e, pela primeira vez, surge a estranha associação aos gatos, que voltará a funcionar em casa do duque (”Pierre, Pierre je t’en supplie, ne lâche pas les chats”; “Monsieur le duc, je fait entrer les chats?”) Se descobrirmos depois (ou julgamos descobrir, pois que neste filme não convém ser dogmático) que a violação foi “imaginária”, jamais descobriremos o sentido dessa história dos gatos, como jamais descobriremos o que o japonês tinha dentro da caixinha, ou porque é que o duque e Piccoli falam, ambos, dos “asphodèles”, entre muitas outras coisas. Acordando do “sonho”, no quarto conjugal, Séverine fala ao marido da carruagem, mas sem lhe revelar o que se passou. Na sequência seguinte (estância da neve) saberá das diferenças entre os magnetizadores e os hipnotizadores, diferença essencial e obscura, pois que tanto o magnetismo como o hipnotismo vão funcionar para ela. Piccoli hipnotiza ou magnetiza? Do que ela “sonhou”, sob a banal da referida estância, saberemos depois, sob espécie onírica. Mas são Piccoli e a sua companheira que lhe falam das casas clandestinas e é o primeiro quem lhe dá a morada excta. A perturbação de Séverine começa (as recordações da infância, do pecado e da recusa à hóstia) e decide-se a entrar, toda de negro e em figuras de repetição na casa de Mme Anaïs. A “belle de nuit” transforma-se em “belle de jour”, gata borralheira ao contrário. Na sucessão das espantosas personagens que entram naquela casa, uma há que ganha relevo especial: o professor masoquista, com a sua assombrosa metamorfose, perante o qual Séverine é incapaz de representar um papel que, fundamentalmente, é seu. (...) E esta é a suprema astúcia de Buñuel: coloca-nos na posição e na perversão de Séverine, sempre querendo ver mais, sempre nos sendo frustrada a visão. A tal confusão entre o real e o imaginário provém desse mesmo, “catecismo do travesti”, para usar uma expressão de Camoli. Se nunca sabemos bem onde estamos, se nos perdemos nas máscaras, é porque o nosso desejo é semelhante ao de Séverine, com ela apagando quando a luz se faz na sala, os traços comprometedores da obscuridade. (...) João Bénard da In Folhas da Cinemateca http://www.cineclubeguimaraes.org/filme.php?id=2560

Costa

O último suspiro do cinema surrealista Escrito no mesmo ano da morte do autor, Luis Buñuel registra em meu último suspiro bastidores de filmes, seus vícios e a luta contra ordens estabelecidas André andreteixeira@opovo.com.br Especial para

Teixeira O

POVO


18 Jan 2010 - 01h34min

Luis Buñuel (1900&1983) foi pioneiro no surrealismo e subversão no cinema e não teve seguidores, pelo menos não na mesma intensidade. Para ele, a maior angústia é estar vivo. Foi ateu convicto, provocador, por vezes cruel e libidinoso. Deixou isso bem claro em seus filmes e em Meu Último Suspiro, seu único livro, escrito com a colaboração de Jean-Claude Carrière, roteirista de vários de seus filmes. Lançado originalmente em 1983, ano da morte do autor, Meu Último Suspiro estava restrito aos sebos desde então até o lançamento recente no Brasil, uma publicação feita em parceria entre a editora Cosac Naify e Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Edição traduzida diretamente do francês, com ilustrações adicionais, capa dura e tiragem de três mil unidades. O autor o classifica como semibiográfico e ocasionalmente ``poderá se perder, como num romance picaresco``. A amnésia de Buñuel, iniciada aos 72 anos, é o ponto de partida para a narrativa do livro de memória do autor. Ele resgata parte de sua infância em Calanda, aldeia espanhola, sociedade ``estática, isolada``, onde a ``Idade Média se estendeu até a Primeira Guerra Mundial``. Ainda criança, descobriu o cinema, ``a irrupção de um elemento totalmente novo em nosso universo medieval.`` Na adolescência, Luis Buñuel descreve sua moradia em Madri. Lá morou na Residência de Estudantes, uma república elitista. Foi onde teve contato com gênios da literatura, cinema e pintura, como os escritores Pepín Bello e García Lorca e o pintor Salvador Dalí, que tiveram influência sobre suas obras. Foi também onde ouviu o conselho do cineasta polonês Jean Epstein: ``Percebo tendências surrealistas em você. Afaste-se dessa gente``. Mas a recomendação do diretor de cinema surtiu efeito contrário. Na década de 1920, em parceria com o pintor Salvador Dalí, estreou como cineasta dirigindo Um Cão Andaluz (1928), filme de 16 minutos que frequentemente visita a lista de melhores filmes de todos os tempos. Buñuel fala de detalhes da produção e desenvolvimento de ideias deste e de todos os seus outros filmes. Para a premier de Um Cão Andaluz, ele ``havia estocado algumas pedras nos bolsos para atirá-las na plateia em caso de fracasso``. Felizmente houve aplauso. O autor comenta cada um de seus filmes, produzidos na França, Estados Unidos e México e sua obsessão pelos sonhos. ``Se o filme estiver pequeno, eu gravo um sonho``. Eles inspiraram diretamente os vanguardistas Um Cão Andaluz e A Idade do Ouro (1930), estão presentes também em filmes importantes da história do cinema, como Viridiana (1961), O Anjo Exterminador (1962) e A Bela da Tarde (1967). Luis Buñuel não esconde sua vida amorosa. Fala de relacionamentos picarescos e suas visitas aos cabarés europeus. Comenta o relacionamento com uma jovem, cuja identidade não é revelada, que queria ser atriz a todo custo, inclusive tendo relacionamento sexual com diretores para ser escalada para dramaturgias. Outras de suas paixões são o fumo e bebidas alcoólicas. Ele reserva um capítulo


para bebidas. Buñuel descreve um preparo de Dry Martini com a mesma satisfação de uma cena. ``Se me aparecesse Mefistófeles (o diabo de Fausto, livro de Goethe) para me devolver o que chamam de virilidade, eu responderia: -Não, muito obrigado. Mas me fortalece os fígados e pulmões para que eu continue bebendo e fumando-``. Buñuel viveu em vários países, atravessou duas guerras mundiais e a Guerra Civil Espanhola, conviveu com diversos intelectuais e teve longa vida, o que lhe dá subsídios para contar muitas histórias. É uma bela oportunidade de conhecer o diretor que revolucionou a estética do cinema, denunciou a religião e lutou contra a ordem até o último suspiro. http://www.opovo.com.br/www/opovo/vidaearte/945879.html

A IDADE DO OURO Segundo filme de Luis Buñuel, A Idade do Ouro (L' Age d' Or, 1930) é o seu primeiro filme sonoro. Dois anos antes, com Um Cão Andaluz, Buñuel fizera um curta experimental, segundo ele produto de dois sonhos que ele e Salvador Dali tiveram, e do qual talvez se pudesse dizer que era um filme-manifesto do Surrealismo, tendo em vista que, antes dos créditos, era divulgado um trecho do manifesto do Movimento. Não que A Idade do Ouro não levasse em consideração o destaque dos princípios básicos do Surrealismo; pelo contrário, eles estão lá tão ou mais radicalizados quanto em Um Cão Andaluz. Situações sem um mínimo de explicação racional se sucedem, tais como: um homem a chutar um violino pela calcaçada, uma vaca deitada numa cama, que dali se retira ordenada por um gesto de expressão no rosto de uma mulher, uma carroça conduzida por dois homens do povo que atravessa o salão onde está se realizando uma festa burguesa, um homem caminhando com uma pedra na cabeça, como se imitasse a estátua pela qual ele passa. (Essa última cena é a única contribuição de Dali no roteiro, conforme informou o próprio diretor.) Portanto, há em A Idade do Ouro essa obediência (ou, mais do que obediência, uma integração, um parti-pris ) àquele Movimento, ao qual, é preciso dizer, Buñuel sempre se manteve fiel. Claro que, ao longo da sua carreira, o Surrealismo aparecia mais diluído, de forma bem mais atenuada do que nos seus dois primeiros filmes. No entanto, caminhando paralelamente ao elemento surrealista (ou dele se servindo para acentuar a investida crítica) existe o ataque à burguesia e à religião. E se o filme trata ainda do caso de um amor louco, que jamais poderá dar certo, e ao qual Buñuel dá grande importânca (segundo suas próprias palavras), é a investida àquelas duas instituições que dá o tom de A Idade do Ouro, até porque os dois amantes pertencem ao mundo burguês. Às vezes, numa mesma cena o propósito é duplo. Dois exemplos: quando um carro estaciona à frente da casa, onde será realizada a festa, antes de sair um conviva, um objeto sagrado é retirado do carro e posto no chão; e na imagem final, sobre uma cruz se entrançam plumas usadas no vestuário feminino. E aí Buñuel já se mostra o iconoclasta, o cruel, o irrevente que se manteve até o final da carreira. E a sua irreverência, que muitos podem considerar sacrílega, contra a religião chega ao ponto de mostrar o Duque de Blangis, organizador de uma série de orgias que duram 120 dias, tendo por local o castelo de Sellinay (numa referência ao Marquês de Sade) , como um sósia perfeito de Jesus.


Tudo isso custou muito caro a Buñuel e ao filme. Os fundamentalistas católicos e burgueses da época invadiram o cinema, destruíram quadros de uma exposição sobre o Surrealismo, rasgaram poltronas e atiraram bombas sobre a tela. Desse ato de barbárie e vandalismo resultou a proibição da A Idade do Ouro por longuíssimos cinquenta anos. E isso num país como a França. É, seguramente, o maior caso de interdição de um filme em toda a história do cinema. http://luzesdacidade.blogspot.com/2005/05/idade-do-ouro.html O surrealismo no cinema O cineasta, quando realiza um filme, traduz o real, e, no cinema, há, basicamente, quatro modos de representação da realidade: (1) o realismo e suas variadas vertentes (neo-realismo, realismo poético, realismo socialista...); (2) o idealismo (também conhecido como intimismo cujo apogeu se dá com a idade de ouro do cinema americano – anos 30 e 40); (3) o expressionismo (Alemanha nos anos 10 e 20); e (4) o surrealismo, que tem em Luis Buñuel a sua maior expressão. O grande público está mais acostumado com o realismo e o intimismo. Um filme surrealista sempre deixa nele uma impressão de confusão, pois habituado a ver tudo mastigado, com uma explicação racional e lógica para as artimanhas do enredo. Vamos ver aqui em rápidas pinceladas o que vem a ser o surrealismo no cinema. O surrealismo parte de uma atitude revolucionária em filosofia, cujo verdadeiro objetivo não consistiria em interpretar o mundo, mas, sim, em transformá-lo. Na forma exposta por seu principal animador, André Breton, o surrealismo revela forte influência do materialismo dialético, dele retirando sua "lógica da totalidade". Assim como o sistema social constitui um todo e nenhuma de suas partes pode ser compreendida separadamente, a arte não deve ser o reflexo de uma parcela de nossa experiência mental (a parcela consciente), mas uma síntese de todos os aspectos de nossa existência, especialmente daqueles que são mais contraditórios. O surrealismo tenciona apresentar a realidade interior e a realidade exterior como dois elementos em processo de unificação, e nisto está sua capacidade de passar do estático para o dinâmico, de um sistema de lógica a um modo de ação, o que é uma característica da dialética marxista. O cinema se revelou como o instrumento ideal para a conquista da supra-realidade, pois a câmera é capaz de fundir vida e sonho, o presente e o passado se unificam e deixam de ser contraditórios, as trucagens podem abolir as leis físicas, etc. Quando Buñuel apresentou, em Paris, O Anjo Exterminador (1961), o exibidor lhe solicitou que escrevesse alguma coisa para colocar na porta da sala de exibição. Buñuel rabiscou o seguinte: "A única explicação racional e lógica que tem este filme é que ele não tem nenhuma". Noutra ocasião, ao ganhar o Leão de Ouro de Veneza por A Bela da Tarde (Belle de Jour, 1966), lhe perguntaram o significado da caixinha de música que um japonês carrega quando no quarto com Catherine Deneuve. O cineasta respondeu que não sabia. Assim, o espectador não pode racionalizar dentro de determinada lógica nos filmes surrealistas. É claro que os significados existem,


amplos, dissonantes e insólitos. E por que os convidados aristocráticos de O Anjo Exterminador, ainda que não haja nenhum obstáculo que lhes impeçam de sair, não conseguem evadir-se da mansão? Um recurso surreal para a análise da condição humana, um laboratório criado para se investigar pessoas numa situação-limite. Excetuando-se alguns ensaios vanguardistas e sua fugidia presença em comédias de Buster Keaton, Jerry Lewis, Jim Carrey, em filmes de Carlos Saura (Mamãe Faz Cem Anos, etc), Jean Cocteau (O Sangue de um Poeta/Le sang d'un poete), entre poucos outros, o surrealismo cinematográfico está inteiramente contido em Un Chien Andalou (1928) e L'Age D'Or (1930), ambos do espanhol Luis Buñuel, com colaboração de Salvador Dali. A cena inicial do primeiro é famosíssima: o próprio Buñuel, após contemplar uma enorme lua prateada no céu, afia uma navalha e corta pelo meio o globo ocular de uma mulher que está sentada. No segundo, vemos um cão ser arremessado pelos ares, uma vaca deitada sobre a cama, um bispo e uma árvore em chamas sendo despejados por uma janela, situações de delírio erótico, baratas numa mão que toca pianola, etc. A ambigüidade do termo surrealismo pode sugerir transcendência, predomínio da imaginação sobre a realidade. Estaria na imaginação de Séverine sua ida ao bordel todas as tardes? A rigor, isso não importa, A significação é mais ampla, conecta-se mais ao discurso do modo de tradução do real. O surrealismo pretendia um automatismo psíquico que expressasse o funcionamento real do pensamento. Você, caro leitor, às vezes não tem pensamentos indesejáveis? É o inconsciente. Assim, e isto é muito importante, o domínio do surrealismo é o que acontece na mente humana antes que o raciocínio possa exercer qualquer controle. O papa surreal André Breton dormia com um caderno em cima do criado mudo para anotar os seus sonhos, chamando, tal comportamento, de escrita automática. O automatismo provocado pelo surrealismo implica numa transfiguração anárquica do mundo objetivo, cujo efeito imediato é o riso. Mas o humor, aqui, é uma nova ética destinada a sacudir o jugo da hipocrisia. E o sonho é encarado como uma revelação do espírito, sendo afirmada a sua riqueza sob o duplo ângulo da psicologia e da metafísica. Para chegar à consciência integral de si próprio, o homem tem de decifrar o mundo do sonho, pois deixá-lo na obscuridade representa uma mutilação do nosso ser. Un Chien Andalou e L'Âge d'Or procuravam, pois, o homem integral, "buscando a recuperação total de nossa força psíquica por um meio que representa a vertiginosa descida para dentro de nós mesmos, a sistemática iluminação de zonas ocultas", como consta do manifesto de Breton. Neles têm um papel saliente o grotesco, o cruel, o absurdo, tudo com um sentido de revolta e solapamento. Segundo Breton, qualquer divisão arbitrária da personalidade humana é uma preferência idealista. Se o propósito é o conhecimento da realidade, devemos incluir nela todos os aspectos de nossa experiência, mesmo os elementos da vida subconsciente. Essa é a pretensão do surrealismo, movimento artístico que abrangeu


além da pintura, escultura e cinema, também a prosa, a poesia, e até a política e a filosofia. Postado por André Setaro às Terça-feira, Março 25, 2008 http://setarosblog.blogspot.com/2008/03/o-cineasta-quando-realiza-um-filme.html O surrealismo no cinema

O cineasta, quando realiza um filme, traduz o real, e, no cinema, há, basicamente, quatro modos de representação da realidade: (1) o realismo e suas variadas vertentes (neo-realismo, realismo poético, realismo socialista...); (2) o idealismo (também conhecido como intimismo cujo apogeu se dá com a idade de ouro do cinema americano - anos 30 e 40); (3) o expressionismo (Alemanha nos anos 10 e 20); e (4) o surrealismo, que tem em Luis Buñuel a sua maior expressão. O grande público está mais acostumado com o realismo e o intimismo. Um filme surrealista sempre deixa nele uma impressão de confusão, pois habituado a ver tudo mastigado, com uma explicação racional e lógica para as artimanhas do enredo. Vamos ver aqui em rápidas pinceladas o que vem a ser o surrealismo no cinema. O surrealismo parte de uma atitude revolucionária em filosofia, cujo verdadeiro objetivo não consistiria em interpretar o mundo, mas, sim, em transformá-lo. Na forma exposta por seu principal animador, André Breton, o surrealismo revela forte influência do materialismo dialético, dele retirando sua "lógica da totalidade". Assim como o sistema social constitui um todo e nenhuma de suas partes pode ser compreendida separadamente, a arte não deve ser o reflexo de uma parcela de nossa experiência mental (a parcela consciente), mas uma síntese de todos os aspectos de nossa existência, especialmente daqueles que são mais contraditórios. O surrealismo tenciona apresentar a realidade interior e a realidade exterior como dois elementos em processo de unificação, e nisto está sua capacidade de passar do estático para o dinâmico, de um sistema de lógica a um modo de ação, o que é uma característica da dialética marxista. O cinema se revelou como o instrumento ideal para a conquista da supra-realidade, pois a câmera é capaz de fundir vida e sonho, o presente e o passado se unificam e deixam de ser contraditórios, as trucagens podem abolir as leis físicas, etc. Quando Buñuel apresentou, em Paris, O Anjo Exterminador (1961), o exibidor lhe solicitou que escrevesse alguma coisa para colocar na porta da sala de exibição. Buñuel rabiscou o seguinte: "A única explicação racional e lógica que tem este filme é que ele não tem nenhuma". Noutra ocasião, ao ganhar o Leão de Ouro de Veneza por A Bela da Tarde (Belle de Jour, 1966), lhe perguntaram o significado da caixinha de música que um japonês carrega quando no quarto com Catherine Deneuve. O cineasta respondeu que não sabia. Assim, o espectador não pode racionalizar dentro de determinada lógica nos filmes surrealistas. É claro que os significados existem, amplos, dissonantes e insólitos. E por que os convidados aristocráticos de O Anjo Exterminador, ainda que não haja nenhum obstáculo que lhes impeçam de sair, não conseguem evadir-se da mansão? Um recurso surreal para a análise da condição humana, um laboratório criado para se investigar pessoas numa situação-limite. Excetuando-se alguns ensaios vanguardistas e sua fugidia presença em comédias de


Buster Keaton, Jerry Lewis, Jim Carrey, em filmes de Carlos Saura (Mamãe Faz Cem Anos, etc), Jean Cocteau (O Sangue de um Poeta/Le sang d'un poete), entre poucos outros, o surrealismo cinematográfico está inteiramente contido em Un Chien Andalou (1928) e L'Age D'Or (1930), ambos do espanhol Luis Buñuel, com colaboração de Salvador Dali. A cena inicial do primeiro é famosíssima: o próprio Buñuel, após contemplar uma enorme lua prateada no céu, afia uma navalha e corta pelo meio o globo ocular de uma mulher que está sentada. No segundo, vemos um cão ser arremessado pelos ares, uma vaca deitada sobre a cama, um bispo e uma árvore em chamas sendo despejados por uma janela, situações de delírio erótico, baratas numa mão que toca pianola, etc. A ambigüidade do termo surrealismo pode sugerir transcendência, predomínio da imaginação sobre a realidade. Seria pura imaginação de Séverine sua ida ao bordel todas as tardes? A rigor, isso não importa, A significação é mais ampla, conecta-se mais ao discurso do modo de tradução do real. O surrealismo pretendia um automatismo psíquico que expressasse o funcionamento real do pensamento. Você, caro leitor, às vezes não tem pensamentos indesejáveis? É o inconsciente. Assim, e isto é muito importante, o domínio do surrealismo é o que acontece na mente humana antes que o raciocínio possa exercer qualquer controle. O papa surreal André Breton dormia com um caderno em cima do criado mudo para anotar os seus sonhos, chamando, tal comportamento, de escrita automática. O automatismo provocado pelo surrealismo implica numa transfiguração anárquica do mundo objetivo, cujo efeito imediato é o riso. Mas o humor, aqui, é uma nova ética destinada a sacudir o jugo da hipocrisia. E o sonho é encarado como uma revelação do espírito, sendo afirmada a sua riqueza sob o duplo ângulo da psicologia e da metafísica. Para chegar à consciência integral de si próprio, o homem tem de decifrar o mundo do sonho, pois deixá-lo na obscuridade representa uma mutilação do nosso ser. Un Chien Andalou e L'Âge d'Or procuravam, pois, o homem integral, "buscando a recuperação total de nossa força psíquica por um meio que representa a vertiginosa descida para dentro de nós mesmos, a sistemática iluminação de zonas ocultas", como consta do manifesto de Breton. Neles têm um papel saliente o grotesco, o cruel, o absurdo, tudo com um sentido de revolta e solapamento. Segundo Breton, qualquer divisão arbitrária da personalidade humana é uma preferência idealista. Se o propósito é o conhecimento da realidade, devemos incluir nela todos os aspectos de nossa experiência, mesmo os elementos da vida subconsciente. Essa é a pretensão do surrealismo, movimento artístico que abrangeu além da pintura, escultura e cinema, também a prosa, a poesia, e até a política e a filosofia. http://www.mnemocine.art.br/index.php? option=com_idoblog&task=viewpost&id=173&Itemid=76 Ciclo “Surrealismo no Cinema”

O Surrealismo foi um importante movimento de vanguarda artística que surgiu na Europa – com foco na França – após a I Guerra Mundial.


André Breton, no Manifesto do Surrealismo de 1924, fornece duas definições de Surrealismo, uma na forma de verbete de dicionário e outra na forma de verbete de enciclopédia1: “Surrealismo, s.m. Automatismo psíquico puro pelo qual se propõe exprimir, seja verbalmente, seja por escrito, seja de qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento. Ditado do pensamento, na ausência de todo controle exercido pela razão, fora de toda preocupação estética ou moral”. “Surrealismo, Filos. O Surrealismo repousa sobre a crença na realidade superior de certas formas de associações desprezadas antes dele, na onipotência do sonho,

no

desempenho

desinteressado

do

pensamento.

Tende

a

demolir

definitivamente todos os outros mecanismos psíquicos, e a se substituir a eles na resolução dos principais problemas da vida”. A influência do Surrealismo chegou ao cinema na segunda metade dos anos 20 do século passado, com obras de autores como René Clair, Germaine Dulac, Hans Richter, Man Ray, Luis Buñuel e Jean Cocteau. O movimento surrealista se enfraqueceu após a década de 30, mas suas reverberações persistem até hoje. O objetivo deste ciclo é apresentar um conjunto de filmes que representem o cinema surrealista, dando uma idéia da influência do Surrealismo sobre o cinema desde a década de 20 até a época contemporânea. Os filmes do ciclo foram escolhidos com base na impressão de que alguns dos elementos característicos do surrealismo – conforme as definições acima – foram capturados pelo menos em parte por todos eles.

1

Segundo a tradução portuguesa do Manifesto do Surrealismo publicada em

http://www.culturabrasil.org/breton.htm (acessada em 13/12/2008). http://dfm.ffclrp.usp.br/cineclube/surrealismo.htm Germaine Dulac e a gênese do surrealismo no cinema Cinema - História do Cinema Escrito por Luiz Santiago Qua, 02 de Junho de 2010 17:58 Germaine Dulac foi a segunda grande diretora do cinema francês. A primeira realizadora do país, Alice Guy-Blanché, foi contemporânea de Georges Méliès, e


dirigiu cerca de 700 curtas-metragens, além de ter fundado um dos primeiros Estúdios, o Solax, em Nova York, para onde emigrou em 1907. Parte da carreira e das realizações de Gemaine Dulac são muito parecidas com as da compatriota Guy-Blanché. A capacidade de criação cinematográfica experimental é uma das características compartilhada por ambas. Fazendo uso de sua grande inventividade, percepção cênica e grande domínio da linguagem cinematográfica, Germaine Dulac realizou o curta-metragem O Caracol e o Clérigo (La Coquille et le clergyman), em 1926, antecipando em dois anos, parte do poder artístico que o surrealismo de Luís Buñuel imprimiria ao filme-marco do cinema surrealista, Um cão andaluz. Alguns elementos são comuns às duas obras: erotismo e sexualidade, crítica à igreja, crítica ao poder (especialmente aos militares) e à burguesia, referências psicanalíticas, atemporalidade, e rompimento com qualquer condição de narratividade clássica (literatura e teatro). O curta de Germaine Dulac pode ser entendido como uma experiência dadasurrealista, cuja história se centra em três personagens: um padre, um general, e sua noiva. O Caracol e o Clérigo transita entre diversos “momentos” do cinema. Não podemos dizer que se trata de uma obra completamente surrealista, pois ainda conserva elementos impressionistas e dadaístas, o que eleva o filme a um patamar totalizante de experimentalismo. Não se pode olvidar que o curta-metragem data da segunda metade dos anos 1920, e tanto sua forma quanto seu conteúdo são resultantes de profundas modificações na sociedade (que “curava” as feridas causadas pela Primeira Guerra Mundial) e no cinema. O tom de desespero das personagens do filme é antes de tudo, sintoma de uma Era onde a democracia recuava, partidos de direita ganhavam força, crise e re-estrutura econômica (ironicamente) conviviam lado a lado, e a efervescência artística típica deste período, olhava tudo com grande pessimismo, sendo o seu primeiro impulso, a destruição de toda aquela 'beleza' do art nouveau e do recente art déco que enfeitava os salões da burguesia. Sendo produto de uma sociedade em completa transformação, a vanguarda artística dos anos 1920, incorporou de algum modo toda a profusão de acontecimentos e criações, que e se fundiram, resultando um novo produto. Os anos 1920 observaram mudanças estruturais na concepção histórica – surgimento da Escola dos Annales, indo além dos postulados da sociologia positivista -, na forma como as populações recebiam as notícias (a popularização do rádio), na forma como a arte e a música eram percebidas (as vanguardas, as dissonâncias e dodecafonismos de Stravinski e Schönberg e o jazz) e na forma como as pessoas percebiam o tempo, o espaço e a si mesmas (a Teoria da Relatividade e as


descobertas da psicanálise). Ora, tendo em torno toda uma readequação social e cultural, era impensável para grandes artistas-cineastas-experimentadores como Sergei Eisenstein, Germaine Dulac, Man Ray, Abel Gance, Marcel Duchamp, René Clair, Fernand Legér, Hans Richter e Luís Buñuel, por exemplo, continuarem fazendo uso de uma arte que era resultado de um período histórico completamente diferente daquele que viviam. Para esses cineastas-vanguardistas, o cinema deveria transcender a linear percepção do tempo e o confortável espaço absoluto para uma dimensão aonde o símbolo e o enigma dialogavam na mesma velocidade que os acontecimentos sociais da época. O cinema passa a ser então o grande foco-meio para a realização dessa “marcha contra o (neo)clássico”. Sendo um instrumento artístico cujas possibilidades ainda se especulavam, o cinema dos anos 1920 recebeu criadores e criações que pretendiam revolucionar e explorar ao máximo a linguagem da nova arte, fazendo surgir então o Cinema AvantGarde, inserido em duplo contexto de criação: técnica e ideológica. Dessas vanguardas, o surrealismo foi a que mais gerou (e ainda gera, como no caso dos filmes de David Lynch ou Peter Greenway, só para citar dois) produto bruto para o material cinematográfico experimental. E um dos primeiros cineastas a usar essa psicanalítica concepção artística surrealista foi Germaine Dulac. Como já dissemos, o roteiro do filme (escrito por Antonin Artaud) centraliza-se em três personagens, porém apenas o clérigo ocupa lugar no título do filme. Já citamos que o surrealismo jorrará rios de críticas sobre a igreja. No caso de O Caracol e o Clérigo, temos três principais justificativas simbólicas para o uso da tríade de personagens e do curioso título. Em primeiro lugar, e mais evidente, está a alusão à Santíssima Trindade: o Pai-General, o Filho-Clérigo e o Espírito Santo-Noiva – que aqui ganha conotação feminina tanto quanto em sua representação como uma pomba. Depois, temos o Clérigo, representando a igreja, no título do filme, e também protagonizando a obra. Sendo a igreja a grande mãe acolhedora, e sendo a mãe, a gênese da vida, nada mais natural que essa colocação (irônica) da representação da mãe-igreja na pessoa do clérigo. O mais interessante está por vir, pois se a Santa Madre Igreja impera, também o seu “fervor interno, simbólico” está presente já no início do título: o caracol. Nas palavras de Jean Chevalier e Alain Gheerbrandt, vemos que o caracol é o símbolo do eterno retorno, da morte e do renascimento, e por excelência, um símbolo lunar (muda – em sua concha – como as fases da lua). Mais ainda: “do mesmo modo que os moluscos em geral, o caracol apresenta um simbolismo sexual: analogia com


a vulva, matéria, movimento, mucosidade”. (CHEVALIER, GHEERBRANDT, 2005, p.186). O Caracol e o Clérigo é então, literalmente uma obra visceral, uterina, que trata do feto, não da mãe, que trata do interno, do escondido, do proibido, do desejo, todos esses, temas caros e recorrentes às obras surrealistas. Na abertura do filme, um ângulo vazio: vemos apenas um aporta entreaberta deixando escapar uma forte luminosidade. O espectador toma parte, por um breve momento, da composição narrativa (que adquire um caráter subjetivo), quando a câmera se aproxima da porta, como se fosse entrar no recinto. Aqui vale fazermos uma breve observação: é de praxe, nos filmes surrealistas, haver uma espécie de “ritual de iniciação” do espectador, um chamado, um convite, algo que separe o mundo “real” de quem assiste, do “mundo inconsciente” no qual ele irá mergulhar. Não pretendemos fazer uma análise profunda de todas as sequencias do curta, mas selecionaremos algumas delas, para comprovarmos a nossa posição de que O Caracol e o Clérigo de Germaine Dulac é um precursor do surrealismo no cinema. Ao vermos um filme surrealista, dadaísta ou experimental, é necessário nos afastarmos da nossa concepção linguística comum (que aplicamos ao cinema) de significante e significado. O que vemos na tela, inquestionavelmente algo captado da realidade, não tem significado conhecido algum. Embora o objeto não nos seja estranho, dada a nossa experiência com ele, advinda da realidade, a câmera e a montagem criam um significado dialético ou ideológico para aquele objeto ou para aquela situação (um casamento, por exemplo), parecido com a teoria bakhtiniana de estranhamento: aquele objeto ou situação, naquela situação específica, possui, no mínimo, dois significados fílmicos: um metafórico e um formal. Nesse caso, tentar entender o filme como uma “história no tempo” é entregar-se à “clareza de um sentido pobre”, nas palavras de Bernard Pingaud. Ou seja, um filme surrealista é uma experiência condenada à dúvida, a múltiplas interpretações – embora seja possível seguir uma linha de análise “segura”, levando em conta as ideias e a vida do realizador e o momento histórico em que a obra foi produzida. Assim, quando vemos já nas primeiras cenas de O Caracol e o Clérigo, a câmera por cima do ombro do padre, acompanhando a sua estranha tarefa de encher recipientes de laboratório com uma grande concha do mar, e logo em seguida, a entrada do General, em câmera lenta, devemos tentar buscar possibilidades para essas ações e objetos. Vejamos: o padre exercendo uma atividade (al)química: transformação. Seria a indicação de sua metamorfose interna? Ou a alusão a uma atividade sublimadora? Veja que ele manipulava o líquido com uma concha do mar. Sabemos que a concha é


o símbolo do órgão sexual feminino: da concha sai a pérola, da concha nasceu Afrodite, etc.. Então a figura do militar, que entra em câmera lenta e toma a concha das mãos do padre, seria o seu superego? Talvez por isso as feições assustadas e retraídas do pároco, captadas pela câmera em primeiro plano. Logo entendemos que toda aquela atividade é uma REPRESENTAÇÃO do inconsciente do padre. Assim, a tirar pelo título, o filme discorre sobre a culpa, a sublimação e a vida de um padre que arde de desejo por uma jovem devota que ele só conhece do confessionário, mas a quem passa a perseguir. O General, nesse contexto, ganha representações: o superego ou a consciência religiosamente conservadora do clérigo, ou realmente o noivo da jovem devota por quem o pároco se apaixona, ou todas as três coisas. Germaine Dulac intensifica a culpa do clérigo, representando-o com atitudes e trejeitos que relembram o vampiro Nosferatu do filme de Murnau. A mesma “busca” (embora com desejos diferentes) do vampiro, é a do padre: uma moça. O Caracol e o Clérigo é um filme que disseca a luta do indivíduo cristão, conservador, e com máculas morais advindas da Era Vitoriana, contra a libido, o “desejo da carne”. De certa forma, é o que Luís Buñuel fez dois anos depois, em Um cão andaluz (filme que tem muitas semelhanças, e referências explícitas à película de Dulac), e o que realmente faria em Simão do Deserto (1965). Além do conteúdo simbólico e da narrativa atemporal, O Caracol e o Clérigo apresenta diversos experimentos formais que intensificam a trama. O primeiro deles é o livre uso da câmera. A tradução dos sentimentos do clérigo, em alguns casos, é feita pelo balanço da câmera. Algumas cenas em que a inquietude paira, a câmera se inclina, se desloca, descentraliza o enquadramento. Os planos usados pela diretora também merecem maior atenção. Muitos close-ups, alguns deles, com uma película branca encobrindo parte do rosto da personagem, a fim de mostrar-lhe apenas os olhos. Plongées em diagonal, principalmente na igreja, quando o padre tenta sufocar o General – que tomara o seu lugar no confessionário – ou quando ele tenta conquistar a jovem, no momento de uma confissão. Esses planos “esmagam” ou “comprimem” o clérigo, como se o empurrasse para o chão. A linguagem criadora da câmera de Dulac, aliada a uma montagem matematicamente cronometrada, dispensou qualquer uso de intertítulos (vale lembrar que o curta tem 30 minutos de duração). A montagem fecha o ciclo da criação surreal, empreendendo fusões muito criativas (especialmente a inserção de pequenas “ilhas” não mãos do padre), e tempo exato de duração dos planos. Germaine Dulac ainda filma planos fora de foco, espelhos, reflexos, e modifica a imagem com distorções, principalmente ao final do


filme, quando uma mulher mostra a língua, lascivamente, para a câmera. Através de um filme altamente experimental, Germaine Dulac consegue trazer ao roteiro de Antonin Artaud toda a carga crítica (explícita e implícita, através da forma e/ou do conteúdo) de uma época, e criar um filme que contivesse elementos de sobra para a semeadura do surrealismo no cinema. O Caracol e o Clérigo é bem mais que um filme surrealista. É uma transição-junção de diversas vanguardas recentes àquele início de século XX, que ganha um toque completamente novo, crítico e simbólico, e que dali para frente, não pararia de se propagar pelo mundo da Sétima Arte. Com O Caracol e o Clérigo, Germaine Dulac denunciou, escreveu, mostrou e demonstrou uma Era, do mesmo modo que anunciava e dava os primeiros passos para o nascimento de outra.

* Sobre o autor: Luiz Santiago é Historiador e Crítico de Cinema. Atualmente ministra aulas para os alunos do Ensino Fundamental, Médio, e Pré-Vestibular, e escreve Críticas e Artigos para sites especializados.

BIBLIOGRAFIA CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio, 2005. EISENSTEIN, Sergei. O sentido do filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002. ____. A forma do filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002. HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos – o breve século XX. São Paulo: Cia. das letras, 2008. MARTIN, Marcel. A linguagem cinematográfica. São Paulo: Brasiliense, 2007.

http://www.mnemocine.art.br/index.php? option=com_content&view=article&id=210:germaine-dulac-e-a-genese-do-surrealismono-cinema&catid=35:histcinema&Itemid=67 O surrealismo de Buñuel (O Discreto Charme da Burguesia) escrito em sexta 02 maio 2008 18:27 Apenas um filme de Luis Buñuel é todo fincado no surrealismo – Um Cão Andaluz, seu primeiro, realizado em parceria com o pintor Salvador Dali. É uma visão de sonho, puramente livre de tudo o que o cinema já havia produzido até aquele momento. Uma


característica deste estilo, depois de rever vários filmes do diretor, é o fato de se estar extremamente ligado a um subjetivismo livre, e neste primeiro, o mais intenso navegar de sua alma, sem barreiras ou qualquer linearidade. Os personagens de seus filmes – especialmente aqueles da “grande fase”, a partir de Viridiana – transmitem em seus pensamentos uma espécie de surrealismo particular. Em Um Cão Andaluz, o roteiro está decidido a não se preocupar com a visão do personagem, mas dar polimento e textura segundo aquilo que se convencionou chamar de “loucura”. Menos maluco em relação a qualquer uma de suas criações, Buñuel passou tempos e tempos sonhando com possibilidades; para este seu primeiro trabalho, um marco, desclassificou tudo o que poderia ser louvado como palpável, nítido, claro. Ter participado como diretor assistente em A Queda da Casa de Usher possibilitou o sentir do cinema sem compromissos financeiros. Dirigido por Jean Epstein, o filme não é totalmente surrealista; tem uma aura de filmes de terror, à altura de Nosferatu, e cria uma daquelas esferas entre romance, morte e ressurreição englobadas. Nesses trabalhos da década de 20, incluindo o segundo filme do diretor espanhol, A Idade do Ouro, o sonho mostrado em imagens está ligado restritamente ao diretor de cinema, sem o “empecilho” do personagem, tendo sempre de mostrar – às vezes escancarado, às vezes não – seu acordar. A loira interpretada por Catherine Deneuve em A Bela da Tarde é uma das várias figuras fracas, burguesas, retratadas nos filmes do mestre. Vemos o sonho pelos seus olhos, pelos desejos expostos, numa época passada. Os sonhos de Séverine (Deneuve) são perversos, beiram a escatologia em algumas cenas (sonhos), como, por exemplo, quando se deita em um caixão para satisfazer o desejo de um rico aristocrata; aparece também sendo suja de excremento a mando do próprio marido. Na irrealidade, o homem bom reverte-se em um conjunto de perversão; a face boa revela um outro lado – pode ser o desejo ou a necessidade. Séverine necessitava ver seu marido como, acreditava, “um verdadeiro macho”, e não vê até o fim do filme. Ela, rica e bela, deseja a perversão; o marido quer cultivar uma família, filhos, reuniões formais em épocas de festas. E por falar em celebração, os burgueses presos ao surrealismo de Buñuel estão impossibilitados de viver a comando de suas próprias vidas. Aniquilados pelo medo, pela simples resposta pífia da razão, aquela interior acenando de forma negativa, não conseguem um simples passo a frente, como sair de uma sala após uma festa ou conseguirem comida. O Discreto Charme da Burguesia, o mais próximo a O Anjo Exterminador, amarra seu texto a seis pessoas e é um de seus filmes mais livres e maravilhosos. Por uma estrada é possível ver o pensamento livre como leitura – o mesmo ocorre nos sonhos, surgindo por livre suposição, e os mortos, semelhantes à igreja e à posição política usada para trabalhos ilícitos, são as demais brincadeiras para dar sustento à festa. Nesse carnaval de abstrações, efeito conseguido por impor episódios, Buñuel não só delineia o filme como também produção reações diversas e consiste o próximo ato ao impossível. O Discreto Charme da Burguesia foi lançado em 1972 e levou o Oscar de melhor filme estrangeiro. Trata-se de um grande passo ao cineasta; antes, no inicio da década passada, ele havia ganhado a Palma de Ouro em Cannes por Viridiana, que, assim como o excelente e engraçado Simon do Deserto, atacam claramente a igreja. A veia política nessa filmografia variada é uma maneira de imporse sobre a época conflituosa. Poucos profissionais envolvidos com cinema sofreram tanto. Da França ao México, depois a Espanha e voltando novamente ao México, onde esteve exilado por um longo tempo. Sua carreira foi marcada por erros e acertos. O acerto de Os Esquecidos meche com o mundo ao falar da marginalidade infantil (tema abordado por De Sica em seu neo-realista Vítimas da Tormenta), dessa fez se aprofundando na raiz do problema e mostrando os crimes juvenis sem fazer muitas concessões. Nunca é gratuito como parece. Nesses trabalhos mais distantes do surrealismo, a intenção era, sem dúvida, atacar o sistema opressor. Uma de suas empreitadas é dirigida ao militarismo. Em O Discreto Charme, um garoto – em sonhos – descobre por meio do espírito de sua mãe não ser filho daquele se intitulando seu pai. A mando do espírito, prepara uma morte ao


velho; essa história é contada para três mulheres ricas e burrinhas, deixando livre em cena não terem entendido muito sobre o relatado. Tratar os personagens dessa maneira é a veia crítica mostrando os ares de desespero, por outro lado procurando pela descontração. Parece se deter em uma bagunça episódica de fácil entendimento e absorção – incluindo um general morto vindo salvar os ricos; um padre sendo excluído pelos ricos com roupa de jardineiro e, depois, ao voltar com as vestes de sua profissão, recebe beijinhos nas mãos dos mesmos que a pouco antes o escorraçaram; somente por diversão, os seis burgueses humilham secretamente o motorista particular do carro do embaixador da República de Miranda (um país fictício), depois de deixarem que este mostre suas maneiras a portar uma taça. Tanto o Anjo Exterminador, de 1962, quanto O Discreto Charme brincam com as fraquezas não expostas da vida fútil de seus personagens. Seja para falar de ricos em situações não assumidas, da hipocrisia da igreja ou das regras pouco aceitas da opressão (para isso mostra baratas fugindo de um piano servindo de arma de tortura), a visão de Buñuel consiste em emaranhar a realidade do mundo da época a sonhos modulados para realçar os desejos não mostrados. Somente a realidade poderia soar pesado e compromissado; os sonhos, somente, fariam Buñuel voltar à França da década de 20, desligada de inúmeros problemas graças à liberdade de pensamento de artistas como André Breton, Federico Garcia Lorca e Dali (todos amigos e parceiros do diretor espanhol daquele período). O padre de O Discreto Charme mata um homem preste a morrer somente por vingança, após ouvir os pecados deste. Voltando a Viridiana, a bondade cristã da protagonista procura ajudar os pobres, dando-lhes abrigo, trabalho e comida (os fracassos dessa maneira de correção são semelhantes aos mostrados em Os Esquecidos); no filme de 1972, quem recebe abrigo é a igreja, na figura do padre, abaixo da saia da burguesia. Em ambos os filmes, como era de se esperar, os ricos desejam expurgar os pobres, e para isso os mandam para longe. O futuro par romântico de Viridiana (Francisco Rabal) faz isso ao sugerir que ela mande todos embora; a bondade reluta e renega. O resultado: a famosa cena de anarquismo em volta da mesa e, depois, a representação satírica da composição da Santa Ceia, de Da Vinci. O país fictício República de Miranda fora criado para surtir um efeito semelhante ao obtido por Glauber Rocha com seu Eldorado, em Terra em Transe. Pode ser a representação de qualquer outro país conflituoso da época, abafado como um bom lugar por seus representantes de fora, enquanto as noticias não mentem. “E as guerrilhas?”, questiona o personagem de Jean-Pierre Cassel sobre a República de Miranda. “Só restam uns poucos. Fazem parte de nosso folclore”, responde Don Rafael (Fernando Rey), num clima de pleno deboche se confundindo à normalidade. Poucas respostas podem ser dadas a essa cúpula de pensamentos de Buñuel; aceitar seus estímulos vindos de uma época onde a criatividade consistia em puro sonho é uma boa saída para entender seu movimento ao redor do planeta. Ninguém tratou mundos paralelos tão em perfeita ordem como ele – igualmente, ninguém sobre alcançar os tratamentos ao espírito como Bergman e as coincidências como Kieslowski e Altman. Entre estes cineastas autores poucas coisas podem estar em comunhão de ordem; em partes, todos têm um pouco a dividir e acrescentar. As maneiras como enxergam seus personagens e como passam seus pensamentos a imagens muda tudo do texto à tela do cinema. Características assim nos fazem pensar novamente nos personagens, nas barreiras que eles criam para dizer o que, na verdade, o cineasta está dizendo. A mulher de A Bela da Tarde sonha o sonho de seu diretor; o pregador de Simon do Deserto deixa a desejar segundo a alegria de seu criador; o protagonista de Esse Obscuro Objeto de Desejo sofre na mão de “duas” mulheres para poder gerar a graça do relacionamento segundo a ótica de quem o idealizou. http://pensandocinema.arteblog.com.br/61182/O-surrealismo-de-Bunuel-O-DiscretoCharme-da-Burguesia/


AS MEMÓRIAS DE UM MESTRE DO CINEMA SURREALISTA Assessoria de Imprensa Cecília 55 55 imprensa@cosacnaify.com.br

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Para escrever Meu último suspiro, Luis Buñuel chamou seu constante colaborador, Jean-Claude Carrière, para auxiliá-lo num grande roteiro que retrata a origem, os erros e acertos, as dúvidas e certezas do cineasta que levou o surrealismo ao cinema, em parceria com nomes como Salvador Dalí e Garcia Lorca. Escrito no início da década de 1980, o livro logo se destacou pela irreverência e a inesperada narrativa, segundo o autor, “um retrato meu, com minhas afirmações, hesitações, repetições e brancos, com minhas verdades e minhas mentiras; para resumir: minha memória”. Esta nova edição, traduzida por André Telles diretamente do original francês, tem como grande novidade a inserção, entre a seleção feita pelos próprios Buñuel e Carrière, de imagens inéditas do acervo pessoal do cineasta, cedidas por seu filho Juan Luis Buñuel. Este é o nono volume da parceria que a Cosac Naify mantém com a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo na edição de livros que apresentam análises sobre o estilo e as obras de grandes diretores homenageados no evento. Com imagens e textos críticos, além de filmografias completas, os títulos dão a oportunidade de o espectador e leitor conhecer mais sobre estes realizadores. Leia

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seguir

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do

crítico

de

cinema

Pedro

Butcher

sobre

o

livro:

Em Meu último suspiro, indispensável livro de recuerdos do cineasta espanhol Luis Buñuel, a descrição dos tempos de escola, a morte do pai e a as boas lembranças da amizade com Federico Garcia Lorca e Salvador Dalí têm o mesmo peso que um sonho estranho, cheiros de pano e uma receita de dry martini. Como poucos, Buñuel entendeu que uma boa vida, assim como um bom filme, não é constituída apenas por fatos marcantes e “pontos de virada”, mas também por sensações, sonhos e devaneios. É viva na cabeça do autor, por exemplo, a memória dos encontros com amigos em uma loja de tecidos. Na hora da sesta, quando a loja fechava, um funcionário emprestava revistas eróticas em que mal se distinguiam seios e pernas. “Ainda hoje, quando me recordo das minhas primeiras emoções sexuais, volto a sentir os cheiros dos panos”. O surrealismo não entra em sua vida por acaso. “Adoro sonhar, mesmo quando meus sonhos são pesadelos – o que é frequente”, ele diz ao fiel amigo e companheiro de trabalho Jean-Claude Carrière, roteirista de vários de seus filmes, a quem confiou a tarefa de redigir seus relatos. O fascínio pelos sonhos fez com que o jovem aspirante a cineasta, já morando em Paris, desobedecesse a uma recomendação severa do cineasta Jean Epstein, de quem foi assistente no início de sua carreira: “Percebo tendências surrealistas em você. Afaste-se dessa gente”. O interdito, por sorte, teve o


memórias concretas e delirantes, que embaralham vida e arte, sem distinção. SOBRE

OS

AUTORES

“Não sou um homem da escrita. Após longas conversas, Jean-Claude Carrière, fiel a tudo que lhe contei, me ajudou a escrever este livro.” Luis Buñuel Luis Buñuel Portolés nasceu em Calada, Espanha, em 1900. Aos 17 anos mudou-se para Madri e foi morar na Residência dos Estudantes, onde passou a conviver com as vanguardas artísticas e literárias da época e conheceu personalidades que o influenciariam pelo resto de sua vida e obra, como Federico Garcia Lorca e Salvador Dali. Em 1925 mudou-se para Paris e começou a estudar cinema, trabalhando como assistente de vários realizadores entre os quais Jean Epstein. Um cão andaluz, escrito em parceria com Dali em 1929, marca sua entrada no grupo surrealista de André Breton. Entre seus principais filmes estão Viridiana, 1960, vencedor da Palma de Ouro em Cannes; A bela da tarde, 1967 e O Discreto Charme da Burguesia, 1972. Em 1982 publica, com o auxílio de seu constante colaborador Jean-Claude Carrière, seu livro de memórias, Meu último suspiro. Morreu na Cidade do México, em 1983. Jean-Claude Carrière, nascido na França em 1931, é roteirista, dramaturgo e escritor. No cinema, além de sua parceria com Luis Buñuel, que começou em 1964 no roteiro de Diário de uma camareira e durou até o último filme do cineasta, Esse obscuro objeto do desejo, em 1977, trabalhou com nomes como Jean-Luc Godard e Milos Forman. Fez várias adaptações literárias para o teatro, e entre seus livros destacam-se os romances Meu tio e As férias do Sr. Hulot, ambos baseados em filmes de Jacques Tati. COLEÇÃO

MOSTRA

INTERNACIONAL

DE

CINEMA

DE

SÃO

PAULO

ALEKSANDR SOKÚROV, Alvaro Machado (org.) PIER PAOLO PASOLINI, Maria Betânia Amororo O ANTICINEMA DE YASUJIRO OZU, Kiju Yoshida ABBAS KIAROSTAMI, Abbas Kiarostami e Youssef Ishaghpour AMOS GITAI, Amos Gitai e Serge Toubiana MANOEL DE OLIVEIRA, Alvaro Machado (org.) O CINEMA POLÍTICO ITALIANO – ANOS 60 E 70, entrevistas de Angela Prudenzi e Elisa Resegotti A RAMPA, Serge Daney http://editora.cosacnaify.com.br/SalaImprensaInterna/73/AS-MEM%C3%93RIAS-DEUM-MESTRE-DO-CINEMA-SURREALISTA.aspx Bunuel no Ciclo Cinema Revolucionário O Cinema Surrealista de Luis Buñuel É impossível compreender a obra de Buñuel sem situá-lo na época em que viveu e do surgimento do movimento surrealista, decisivo no cenário das artes mundiais que influenciaria boa parte de tudo o que surgiria posteriormente a ele. As tendências verdadeiramente revolucionárias da arte do século XX se manifestaram mundialmente do período que se inicia com a crise que leva à Primeira Guerra Mundial até o período imediatamente posterior ao desfecho da Segunda Guerra e a derrota dos


movimentos revolucionários que explodiram nestes anos. Suas expressões atingiram um ponto culminante no início da década de 1930 com a crise econômica avassaladora que se seguiu à quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, que abriria caminho para a maior polarização entre as tendências revolucionárias e contra-revolucionárias que a humanidade já conheceu. É nesse cenário que Luis Buñuel lança seus extraordinários “Um Cão Andaluz”, em 1929, e “A Idade do Ouro”, apenas um ano mais tarde. Duas das mais radicais expressões cinematográficas desta revolução latente que eclode em diversos locais do globo ao mesmo tempo. Tal expressão se manifestava com igual intensidade nas poesias de Breton, Eluard e Peret e nas pinturas de Max Ernst, Ives Tanguy, Miró, Picasso entre muitos outros. Entre os relatos da época, Buñuel destaca as grandes perspectivas criativas que o cinema abriu: “nenhuma das artes tradicionais manifesta desproporção tão grande entre as possibilidades que oferece e suas realizações”. Visto em perspectiva a produção cinematográfica atual, tal afirmação mostra-se mais verdadeira do que nunca, tendo em vista as fenomenais possibilidades técnicas que ele tem hoje à sua disposição em comparação com a incrível mediocridade, do ponto de vista do conteúdo, da grande maioria das produções que acabam sendo executadas. Tal fenômeno, resultado dos imensos grilhões com que os capitalistas aprisionam essas expressões, denota o total esgotamento da classe dominante como detentora de possibilidades artísticas progressistas. Da mesma maneira como acontece com todos os artistas, a indústria tenta também assimilar a obra revolucionária do cineasta espanhol, tentando reduzi-la a um árido divertimento para uma classe média e uma burguesia imersas em convencionalismos e mediocridades. Apesar de tudo, o cinema de Buñuel, da mesma maneira que a vasta realização do movimento surrealista, chocou durante muitas décadas as burguesias dos países por onde passou, até finalmente ser assimilada. Nunca, contudo, conseguiram controlar suas produções, que freqüentemente eram banidas dos cinemas de seu próprio país. (…) O radicalismo da revolução surrealista no cinema Conquistado pelas teorias surrealistas, Buñuel realiza seu primeiro experimento nesse sentido, e em janeiro de 1929, em parceria com Salvador Dalí, desenvolve o roteiro de “Um cão Andaluz”, um verdadeiro marco na história do cinema. Experiência que mudaria completamente os rumos de sua carreira. O roteiro e as filmagens deste curta foram elaborados utilizando o método da escrita automática. O filme foi todo rodado em quinze dias, durante a primavera daquele ano, estreando em junho na capital francesa. Quando lançado no cinema, “Um Cão Andaluz” causou histeria, polêmica e estardalhaço entre a sociedade parisiense. Era a primeira vez que toda a fauna de imagens surrealistas – animais mortos em pianos de cauda, insetos saindo de corpos


humanos, perversões sexuais, hábitos grotescos e todo o tipo de seqüência aparentemente sem nenhum sentido lógico – ganhava as telas dos cinemas. Se referindo à cena inicial de “Um Cão Andaluz”, em que uma navalha corta ao meio um olho humano, Buñuel descreve que pessoas na platéia, gritavam, insultavamm, atiravam coisas na tela, ocasionando inclusive desmaios e conta-se que uma espectadora chegou mesmo a sofrer um aborto espontâneo. “Um Cão Andaluz” é a culminação de uma violenta reação contra o que na época se convencionou chamar “cinema de vanguarda”, gênero dirigido especificamente à sensibilidade do espectador, artisticamente equilibrado e cuidadoso, com um jogo sutílsutil de enquadramentos cuidadosamente pensados para estimular intelectual e emocionalmente o espectador. A esse gênero pertenciam grandes diretores como René Clair, Dziga Vertov e Ruttmann, entre outros. O filme de Buñuel traz, pela primeira vez, um interesse pelo plano poético-moral nas seqüências. Moral no sentido surrealista, era tido como coerente com os mecanismos de funcionamento das profundezas do subconsciente, acessados através dos sonhos. Durante sua elaboração, foram desprezadas quaisquer tentativas de dar um sentido racional naturalista ou simbólico à trama, da mesma maneira em que foram desprezadas como irrelevantes todos os preciosismos técnicos. A partir dessa produção, que impressionou e divertiu todos os surrealistas, Buñuel e Dalí são prontamente admitidos no movimento. Passam então a freqüentar regularmente as reuniões semanais do grupo e a cumprir todos os preceitos definidos por seus membros. Apenas um ano após, surge outra produção surrealista, considerada a mais radical da carreira do diretor. “A idade do ouro” teve roteiro elaborado também em parceria com Dalí. Tão inovador quanto “Um Cão Andaluz” em termos de roteiro, sem linearidade ou coerência nas seqüências, “A Iidade do Ouro”, segundo as palavras de Buñuel, trata de um amor jamais concretizado. Na prática, o longa é um ataque frontal à hipocrisia religiosa e o poder da Igreja Católica, utilizando-se de imagens alucinantes tiradas de contos do Marquês de Sade, como a seqüência final em que o Duque de Blangis é mostrado saindo de uma incrível orgia em seu castelo. Situação absolutamente chocante para a sociedade conservadora dos anos 20. Depois do radicalismo de “Um Cão Andaluz” e “A Idade do Ouro”, Buñuel retrocedeu a estilos mais convencionais, utilizando apenas mesclas de idéias surrealistas com formato tradicional de narrativa cinematográfica. Após regressar de uma viagem a Hollywood, onde conhece e trava amizade com Charles Chaplin e Serguei Eisenstein, Buñuel regressa a Espanha por um breve período de tempo em que produz apenas um documentário intitulado “Terra sem pão”, de 1932. O filme narrava de maneira bruta, sem nenhum requinte de edição, a vida exótica de um remoto vilarejo espanhol na Estremadura, onde seus habitantes, miseráveis, viviam em estado quase selvagem. As imagens captadas por Buñuel eram tão absolutamente fantásticas e inverossímeis, que mesmo tendo sido realizadas à maneira naturalista, tornavam o filme profundamente inquietante e surrealista. Tais ingredientes causaram tal escândalo, que o filme foi censurado pelo governo espanhol, alegando que a


produção daria uma imagem corrompida da nação espanhola para os países estrangeiros. A fase mexicana e o cinema de crítica social Quando explode a Guerra Civil Espanhola, Buñuel emigra primeiro para a França, e, em 1938, parte para os Estados Unidos, onde trabalha por um breve período como dublador para a Warner Bros, e posteriormente, como conselheiro e chefe de montagem para o MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. Somente quando viaja para o México é que surge novamente a oportunidade de dirigir um filme. Lá, Buñuel pode pela primeira vez em sua carreira realizar filmes de maneira estável. Neste período, realiza grandes clássicos como “Os esquecidos”, de 1950, que lhe rendeu o prêmio de melhor diretor no Festival de Cannes; “Robinson Crusoé”, de 1952; “Ele”, de 1953; “Ensaio de Um crime”, de 1955; “Nazarin”, de 1958 e “O anjo exterminador”, de 1962; entre diversos outros. O prestígio que os filmes dessa fase mexicana lhe proporcionaram, foi responsável pelo reconhecimento mundial que o trabalho de Buñuel teria na década de 1960, culminando inclusive com o convite do General Franco, a voltar para sua pátria. De volta à Espanha por cerca de um ano, realizou “Viridiana”, de 1961, um brado contra a dominação política e ideológica da Igreja Católica em seu país. Acusado de blasfêmia, o filme acabou proibido na Espanha. Mesmo assim, “Viridiana” foi agraciado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes daquele ano. Nestes anos, Buñuel passa a viajar regulamente entre a Espanha e a França, local onde inicia um novo ciclo de trabalho em sua carreira. Do período que vai da metade da década de 1960 até o final de sua carreira, em 1977, Buñuel concentrou suas energias trabalhando na capital francesa. Enfatizando sempre sua crítica à decadência dos valores burgueses e pequeno-burgueses. Em parceria com o produtor o escritor Jean-Claude Carrière e o produtor Serge Silberman, o cineasta realizou alguns de seus filmes mais populares até hoje, entre eles “O discreto charme da burguesia”, de 1972; “O fantasma da liberdade”, de 1974, e “Esse obscuro objeto do desejo”, de 1977, seu último filme. Permanecendo recluso desde então, no dia 29 de julho de 1983, há 25 anos, falecia Luis Buñuel, na Cidade do México, então com 83 anos de idade. O cineasta é hoje situado entre os mais brilhantes diretores que o cinema já teve, e sua obra, um depoimento crítico de um mundo em franco colapso. (fonte: http://www.pco.org.br/conoticias/ler_materia.php?mat=8478) http://comunicadorespopulares.org/?p=560 Movimento Surrealista “A única explicação racional e lógica que tem este filme é que ele não tem nenhuma”. Frase que Buñuel apresentou, em Paris, quando o exibidor lhe solicitou que


escrevesse alguma coisa para colocar na porta da sala de exibição de seu filme, O Anjo Exterminador (1961). O Surrealismo foi um movimento artístico e literário surgido inicialmente em Paris dos anos 20, no contexto das vanguardas que viriam a definir o modernismo, reunindo artistas anteriormente ligados ao Dadaísmo e, posteriormente, fora expandido a outros países. Fortemente influenciado pelas teorias psicanalíticas de Sigmund Freud (1856-1939), o surrealismo parte de uma atitude revolucionária em filosofia, cujo verdadeiro objetivo não consistiria em interpretar o mundo, mas em transformá-lo, enfatizando o papel do inconsciente na atividade criativa, no qual a arte não deve ser o reflexo de uma parcela de nossa experiência mental consciente, mas uma síntese de todos os aspectos de nossa existência, especialmente daqueles que são os mais contraditórios. Seus representantes mais conhecidos são Max Ernst, René Magritte e Salvador Dalí no campo das artes plásticas, Luis Buñuel no cinema e André Breton na literatura, que em 1924 publicou o primeiro Manifesto Surrealista. O surrealismo pretende apresentar a realidade interior e a realidade exterior como dois elementos em um processo de unificação, e nisto está sua capacidade de passar do estático para o dinâmico, de um sistema de lógica a um modo de ação. O cinema se revelou como o instrumento ideal para a conquista da supra-realidade, pois a câmera é capaz de fundir vida e sonho, o presente e o passado se unificam e deixam de ser contraditórios, podem-se abolir as leis físicas e tudo isso sempre deixa no espectador uma impressão de confusão, pois está habituado ao convencional, a uma explicação racional e lógica para o enredo. A influência do Surrealismo chegou ao cinema na segunda metade dos anos 20 do século passado, com obras de autores como René Clair, Germaine Dulac, Hans Richter, Man Ray, Luis Buñuel e Jean Cocteau. O movimento se enfraqueceu após a década de 30, mas suas reverberações persistem até hoje. Luis Buñuel representa a maior expressão surrealista no cinema, em seus filmes Um Cão Andaluz (Un Chien Andalou, 1928) e A Idade do Ouro (L’Age D’Or, 1930), que contaram com a colaboração de Salvador Dali, o movimento está inteiramente contido. A cena inicial do primeiro é famosíssima: o próprio Buñuel, após contemplar uma enorme lua prateada no céu, afia uma navalha e corta pelo meio olho de uma mulher que está sentada. No segundo, vemos um cão ser arremessado pelos ares, uma vaca deitada sobre a cama, um bispo e uma árvore em chamas sendo despejados por uma janela, situações de delírio erótico e baratas numa mão que toca pianola. Neles há um papel acentuado do grotesco, do cruel, do absurdo, tudo com um sentido de revolta. Certa vez, ao ganhar o Leão de Ouro de Veneza por A Bela da Tarde (Belle de Jour, 1966), perguntaram a Buñuel o significado da caixinha de música que um


japonês carrega quando está no quarto com Catherine Deneuve, o cineasta respondeu que não sabia. E por que os convidados aristocráticos de O Anjo Exterminador, ainda que não haja nenhum obstáculo que lhes impeçam de sair, não conseguem evadir-se da mansão? Um recurso surreal para a análise da condição humana, um laboratório criado para se investigar pessoas numa situação-limite. Os significados existem, amplos, dissonantes e insólitos, mas é claro o espectador não pode racionalizar dentro de determinada lógica nos filmes surrealistas. O surrealismo pode sugerir transcendência, predomínio da imaginação sobre a realidade, pretende expressar o funcionamento real do pensamento, do inconsciente, assim, o surrealismo é o que acontece na mente humana antes que o raciocínio possa exercer qualquer controle. O surrealismo implica numa transfiguração do mundo objetivo, no qual o sonho é encarado como uma revelação do espírito. Segundo Breton, qualquer divisão arbitrária da personalidade humana é uma preferência idealista. Se o propósito é o conhecimento da realidade, devemos incluir nela todos os aspectos de nossa experiência, mesmo os elementos da vida subconsciente. Essa é a pretensão do surrealismo. Curta-metragens mudos*: Entr’acte. René Clair (1924, 23 min). Fantasmas Antes do Café-da-Manhã. Hans Richter (1927, 9 min). A Estrela do Mar. Man Ray (1928, 15 min). A Concha e o Clérigo. Germaine Dulac (1928, 31 min). Um Cão Andaluz. Luis Buñuel (1928, 28 min). Média-metragens: Sangue de Um Poeta. Jean Cocteau (1930, 58 min). A Idade de Ouro. Luis Buñuel (1930, 63 min). Longa-metragens: A Hard Days Night. Richard Lester (1964). El Topo. Alejandro Jodorowsky (1970). O Fantasma da Liberdade. Luis Buñuel (1974). Alice. Jan Svankmajer (1988). Mistérios e Paixões. David Cronenberg (1991).


Eraserhead. David Lynch (1997). REFERÊNCIAS FACULDADE DE FILOSOFIA CIÊNCIA E LETRAS DE RIBEIRÃO PRETO – USP. Disponível em: <http://www.ffclrp.usp.br/dfm/> SETARO,

André. O Surrealismo no Cinema. Disponível <http://www.coisadecinema.com.br/matArtigos.asp?mat=1494>

em:

STIGAR, Robson. Filosofia da arte e estética: uma analise sobre a história da arte. Disponível em: < > Postado por Daniel Porto Autor: jarucaproducoes@ig.com.br - Categoria(s): Sem categoria Tags: http://blig.ig.com.br/jarucaproducoes/2009/06/21/movimento-surrealista/ LUIS BUÑUEL - SURREALISMO NO CINEMA Todos ou quase todos já devem ter classificado alguma coisa ou algum acontecimento como surreal. É uma palavra utilizada até com certa frequencia. Podemos definir surreal como sendo tudo aquilo que está acima da realidade. Outra definição é a de que surrealista é a pessoa que deixa o mundo real para entrar no irreal. Numa semana onde esperanças surreais trazem frustrações para muitos amigos queridos, decidi abordar o tema, mas dando ênfase ao cinema. E aí não tem como escrever sobre outra pessoa que não seja o cineasta Luis Buñuel, que está entre os meus diretores preferidos em todos os tempos. Nascido na Espanha em 1900, Buñuel pode ser considerado um cosmopolita. Após passar a infância e juventude no país onde nasceu, mudou-se para Paris onde junto com Salvador Dali (talvez o maior sinônimo do surealismo nas artes) realizou o filme "o Cão Andaluz". Era um curta-metragem de 16 minutos, com imagens muito fortes para a épca (1929) e um roteiro surrealista ao extremo. A obra não passou desapercebida e teve uma ótima repercusão no meio artístico. Ainda hoje o filme é reconhecido por muitos como uma obra-prima, que afirmo, estando o espectador aberto a novas experiências, o impacto persiste. Logo no ano seguinte, ainda em parceria com Dali, filma "A Idade do Ouro", trabalho que gerou muita polemica na França por apresentar críticas duras a Igreja. Durante esta fase, Buñuel afastou-se de Salvador Dali, com quem chegou a ter um sério desentendimento, o que o motivou a retirar o nome do famoso artista dos créditos do filme. Também recheado de imagens fortes, devo dizer que esta obra é muito recomendada aos fãs de cinema que estejam dispostos a conhecer outros tipos de linguagem cinematográfica. Depois destes primeiros cartões de visita do mais alto nível, Buñuel se perdeu um pouco. Pelo menos quanto ao ponto de vista de grande diretor de cinema. Voltou para a Espanha no início da década de 30 onde filmou alguns documentários, mas com o


início da Guerra Civil Espanhola, exilou-se na França, de onde partiu para os EUA, indo trabalhar no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. Sua tendência comunista, não facilitou sua vida na América e Buñuel mudou-se para o México, onde voltou a trabalhar diretamente com o cinema. Porém passou muito tempo sem realizar nada que causasse impacto ou que justificasse a fama de transgressor adquirida no começo da carreira. Este cenário muda em 1950, quando filma na Cidade do México, "Os Esquecidos". Voltando a usar elementos surrealistas, ainda que levemente, ele consegue voltar a chamar a atenção do cenário mundial para seu trabalho. Segue-se então uma sequencia de bons filmes rodados na década de 50, sendo todos produzidos no México. Em 1960, Buñuel retorna para a Espanha para filmar um dos mais belos filmes da história do cinema. "Viridiana" é lançado em 1961 e conta a história de uma garota que pouco antes de ser ordenada freira, passa uns dias na mansão do seu pervertido tio, que obcecado com sua beleza, tenta seduzi-la de todas as maneiras. Mas este tio morre e inesperadamente Viridiana desiste da vida religiosa, indo morar na mansão. Movida pelo espírito de caridade cristã, ela abriga e alimenta todos os mendigos da região e acaba descobrindo que os miseráveis não se comportam do jeito que ela esperava. O filme teve excelente avaliação da crítica mundial e ganhou a Palma de Ouro em Cannes, mas foi proibido pelo regime do ditador Franco de ser exibido na Espanha. Com mais moral, o cineasta volta para o México onde dirige seu melhor filme na minha humilde opinião de fã. Falo de "O Anjo Exterminador". Um filme fantástico absolutamente calcado numa idéia sureal (após uma farta refeição, os convidados se sentem estranhamente incapazes de deixar a sala de jantar e, nos dias que se seguem, pouco a pouco, o grupo passa a viver como animais). Não tenho palavras para descrever este filme. É simplesmente sensacional. Depois de mais um filme no México, em meados da década de 60, Buñuel estabelece residência na França onde passa a ambientar seus próximos flmes. Á partir daí produz uma série de ótimos filmes. Destaco "A Bela da Tarde" de 1967, talvez seu filme mais conhecido, pois mesmo que você não tenha assistido, já deve ter se deparado com alguma referência sobre a história da bela mulher casada e rica que insatisfeita com seu marido passa a trabalhar num bordel durante o período da tarde. São excepcionais também, "Tristana" de 1970, o maravilhoso "O Discreto Charme da Burgiesia" de 1972 e por fim "Esse Obscuro Objeto do Desejo" lançado em 1977, sendo este seu último trabalho. Devido a idade avançada e a problemas de saúde (ele não era um exemplo de vida saudável), o diretor deixa as atividades no cinema e volta a morar na Cidade do México, onde morreu em 1983. Juro que quando iniciei este post, a idéia era colocar algo mais breve, mas não deu. Me empolguei e tive que editar no final para encurtar um pouco a coisa.


A mensagem que quero deixar aqui é que apesar de não ser tão fácil achar filmes de Luis Buñuel, a experiência de conhecer o trabalho deste gênio da história do cinema é muito válida. Para começar, escolha qualquer um dos que citei acima, dispa-se de preconceitos contra filmes de arte e aproveite. Quem sabe, Buñuel não mexe com a sua cabeça, como mexeu com a minha e de tantos outros fãs da sétima arte (Almodóvar, por exemplo). http://minervapop.blogspot.com/2010/05/luis-bunuel-surrealismo-no-cinema.html


Filme no Festival de Cannes. Nos anos seguintes, alternando filmes no México e na França, Buñuel sagrou-se mestre da arte cinematográfica, com uma obra-prima atrás da outra - O Anjo Exterminador, Simão do Deserto, A Bela da Tarde, O Discreto Charme da Burguesia, O Fantasma da Liberdade e Esse Obscuro Objeto do Desejo. Antes de falecer no dia 29 de julho de 1983, na Cidade do México, Buñuel já era um dos mais festejados e premiados diretores de todos os tempos. Prêmios Filmografia 1977 - Esse Obscuro Objeto do Desejo (Cet Obscur Objet Du Désir) 1974 - O Fantasma da Liberdade (Le Fantôme De La Liberté) 1972 - O Discreto Charme da Burguesia (Le Charme Discret De La Bourgoisie) 1970 Tristana, Uma Paixão Mórbida (Tristana) 1969 - A Via Láctea Ou O Estranho Caminho De São Tiago (La Voie Lactée) 1967 - A Bela da Tarde (La Belle De Jour) 1965 - Simão do Deserto (Simón Del Desierto) 1964 - O Diário de Uma Camareira (Journal D´Une Femme De Chambre) 1962 - O Anjo Exterminador (El Ángel Exterminador) 1961 Viridiana (Idem) 1960 A Adolescente (La Joven) 1959 - Os Ambiciosos (La Fièvre Monte À El Pao) 1958 Nazarín (Idem) 1956 La Mort En Ce Jardín 1955 Cela S´Appelle L´Aurore 1955 - Ensaio De Um Crime (Ensayo De Un Crimen) 1994 - Escravos Do Rancor (Abismos De Pasión) 1954 El Rio Y La Muerte 1954 Las Aventuras De Robinson Crusoe 1953 - A Ilusão Viaja De Trem (La Ilusión Viaja En Tranvía) 1952 O Bruto (El Bruto) 1952 O Alucinado (Él) 1952 Subida Al Cielo 1951 La Hija Del Engaño 1951 - Uma Mulher Sem Amor (Una Mujer Sin Amor) 1951 - Susana, Uma Mulher Diabólica (Susana ou Carne Y Demonio) 1950 Os Esquecidos (Los Olvidados) 1949 El Gran Cavalera 1947 Gran Casino 1940 El Vaticano De Pio XII 1933 - Terra Sem Pão (Las Hurdes ou Tierra Sin Pan 1930 L´Âge D´Or 1929 - Um Cão Andaluz (Un Chien Andalou)


http://www.dvdversatil.com.br/vejamais.aspx?id=155 Surrealismo e Cinema As relações entre o surrealismo e o cinema são óbvias. Consistindo na produção de imagens que obedecem à descontinuidade temporal e espacial, pode-se dizer que, assim como a poesia, existe uma espécie de relação eletiva entre a prática surrealista e a sétima arte. A natureza da montagem potencializa o efeito onírico, ocasionando uma partilha de alucinações com o público, convidado a soltar o cinto de segurança da razão. A experiência de choque inerente à ruptura dos planos faz com que a recusa por uma história e o desprezo pelo enredo, presentes na proposta surrealista, ensejem, a partir do acesso à consciência oculta do cineasta, a abertura de portas para a exteriorização da consciência oculta do público. O cinema não é concebido como um desencadeamento racional dos fatos, mas enquanto um instrumento de poesia que obedece ao automatismo psíquico. Diante do impacto estético e cultural do movimento surrealista, será natural que, assim como em outras categorias artísticas, cineastas sintam-se influenciados pela dimensão onírica do movimento. Porém, como já dissemos anteriormente, o Surrealismo não é um estilo, mas uma forma de arte conectada com uma postura que expressa a rebelião contra a sociedade. Portanto, no tocante ao cinema e, igualmente, às outras artes, é preciso distinguir o Surrealismo como influência puramente visual ou como uma postura filosófica. Autores como René Clair e Jean Cocteau realizaram notáveis películas embebidas pelo Surrealismo. Entretanto, trata-se de uma apropriação estética. Clair inaugura um divisor de águas sonhadas com seu extraordinário “Entreato”, de 1924. O filme capta, ainda, uma transição entre o Dadá e o Surrealismo e, embora provocativo e permeado pela fantasia, é uma obra isolada dos princípios ideológicos do Surrealismo. O mesmo se aplica a Cocteau, que, em seu “Sangue de Poeta”, de 1930, consegue organizar, de modo exemplar e perturbador, suas alucinações. Elas não são fruto do automatismo psíquico, ou seja, do jorrar de imagens que superam, pelo suporte estético, os limites entre o sono e a vigília, reivindicando, assim, a realidade surrealista, mas de suas experiências com drogas. Na história das artes, isso não deixa de ser algo recorrente, mas, no caso de Cocteau, gerou interessantes resultados estéticos. O cinema como meio comprometido com a óptica surrealista assume maioridade ideológica com o espanhol Luis Buñuel. Nascido em Aragão, Buñuel parte para Madri em fins da década de 10 para estudar engenharia. Lá trava uma intensa amizade com o pintor Salvador Dali e com o escritor Federico Garcia Lorca. Buñuel logo se destaca como poeta, dramaturgo, diretor teatral e agitador cineclubista. Foi um período em que, além de tomar contato com correntes artísticas de vanguarda, tomou conhecimento de ideologias políticas de esquerda que iam do anarquismo ao marxismo.


Durante sua estada em Paris, em 1924, ele é tomado pela fome de captar e recriar o mundo através do cinema. A princípio, é influenciado pelo Expressionismo alemão de Fritz Lang, mas, no decorrer da década, com a câmera nas costas, fixa residência plástica e filosófica no movimento surrealista. Entre os anos de 1928 e 1931, ao lado de seu amigo Salvador Dali, antes deste ser excluído do movimento, Buñuel fornece tempero espanhol ao escândalo surrealista em Paris. Embora as relações de Buñuel, durante sua permanência no movimento, com os demais surrealistas, sobretudo com Breton, não tenham sido isentas de conflitos e desavenças, o cineasta teve atuação decisiva na ampliação da prática surrealista. O cinema de Buñuel consiste essencialmente em um anarquismo iconoclasta, revestido de agressividade visual e violência simbólica. Ao contestar a ordem estabelecida, a transgressão, os insólitos filmes de Buñuel, passam pela obsessiva triangulação morte x sexo x religião. No final dos anos 20, em meio ao crescente prestígio do cinema americano comercial e de base naturalista, o espanhol foi um dos primeiros a levantar a bandeira contra o imperialismo audiovisual como expressão da decadente cultura burguesa. O combate político do Surrealismo amplia trincheiras com o cinema: a não-concessão à mediocridade da nascente indústria cultural, traduzida no ódio contra a lógica e o capital cinematográfico. Utilizando fragmentos de seus sonhos, Buñuel, antes de pegar a câmera, vestia luvas de boxe para golpear a sociedade burguesa. Ao lado de Dali, decide expor o automatismo psíquico na perturbadora película “Um Cão Andaluz”. Em oposição à continuidade, cujo discurso ancora-se na razão, esse curta-metragem traz, em seus violentos cortes, a ruptura com a própria linha de compreensão via relações causais. A navalha que mutila um olho expressa o desejo de rasgar as convenções sociais. Sob o som de um tango (um filme fora colocado por Buñuel num gramofone, durante a caótica estréia), criou-se uma atmosfera passional que potencializava a irracionalidade mágica das seqüências: mão com formigas (insetos eram uma obsessão de Buñuel); a figura andrógina tocando com uma vara uma mão caída no meio da rua; em seguida, a agressão pela multidão e pela polícia; um animal morto sobre um piano; e assim por diante. A subversão do tempo e do espaço é marcante: a porta de um apartamento que dá diretamente numa praia, um homem sendo atingido por uma bala e caindo em um outro ambiente contrastante, a contagem absurda do tempo. Assim também a confusão da percepção sexual: seios tornam-se nádegas. Notam-se, ainda, elementos que expressam conflitos com a autoridade paterna e o drama da morte, que recebeu, sob o mesmo recurso do gramofone, um tema musical de Wagner. Dividindo com Dali a autoria do roteiro, Buñuel dirige e atua nesse marco da história do cinema. No filme, os objetos têm seu significado usual e prático substituído por livres associações que, a partir das formas libertas de sua funcionalidade, remetem mentalmente a outros objetos: pêlos de axilas tornam-se ouriço, bigode e cavanhaque. Mas, se “Um Cão Andaluz” consiste no ápice da atmosfera onírica provocante, mediante o automatismo das imagens, dois anos depois, o escândalo surrealista chega de fato às salas de cinema com o longa “A Idade do Ouro”. Em sua estréia, no Estúdio 28, em Paris, o filme foi recebido com o arremesso de tintas sobre a tela de exibição e com a destruição de pinturas surrealistas expostas na ocasião (trabalhos de Dali, Miró, Erns e Ray) pela platéia enfurecida. Grupos religiosos de extrema direita


fazem um boicote à película, que acaba proibida praticamente em todo o território francês. “ A Idade do Ouro” pode ser considerado um dos maiores insultos cinematográficos à religião e à burguesia. O filme se inicia com o elogio a um escorpião que mata um rato, apesar da fúria deste. Simbolicamente, essa imagem pode estar associada ao veneno surrealista que destrói os valores da burguesia enfurecida. Em outra seqüência, a pedra fundamental de Roma é associada a fezes. O filme permitiu, pela sua sonorização, que os diálogos automáticos subvertessem o didatismo dos diálogos no cinema. A partir da seqüência em que uma mulher interrompe uma cerimônia (convenção burguesa) aos gritos, abraçando-se a um homem atirado ao chão, insere-se na película o tema do amor louco. Para Buñuel essa obra é “essencialmente um filme de amor louco, de um impulso irresistível que atira um para o outro”. O protagonista Don X é instrumento de uma exteriorização do comportamento violento e anti-convencional. Sendo uma contradição no seio da burguesia, ele chuta um cachorro, pisa em um besouro, é detido pela polícia, esbofeteia uma senhora. Sem contar que, ao separar-se de sua amada eletiva, ele passa, sob o som de uma marcha, a atirar objetos insólitos pela janela (uma árvore em chamas, um bispo e uma girafa). As seqüências surrealistas mostram ainda uma vaca em cima de uma cama sendo enxotada do quarto; a associação entre rifles e muletas; uma pessoa que chuta seguidamente um violino pela calçada; um homem que atira em um garotinho que lhe derruba o tabaco. O filme tem, também, passagens de sons hipnóticos, e é permeado por um fôlego anti-clerical sem precedentes na história do cinema. O desregramento cinematográfico é coroado no final, quando sobreviventes de uma orgia – numa clara referência ao Marquês de Sade – são levados a Paris por um sósia de Jesus Cristo. Buñuel, em seu cinema indigesto, soube, como nenhum outro, transportar a magia surrealista para a linguagem cinematográfica. Em tempos de indústria cultural e de um onirismo vazio na publicidade, essas duas películas iniciais do mestre surrealista ainda apontam para o norte dos sonhos. Por Afonso Machado http://www.negativoonline.com/artigosanteriores.aspx?id=137 Surrealismo e quixotismo no cinema de Luis Buñuel Wanderson Lima “Os super-filmes devem servir para dar lições aos técnicos: os de Keaton, para dar lições à realidade ela mesma”. “Cara imaginação, o que eu amo, sobretudo em você, é que você não perdoa”. Os dois fragmentos acima, o primeiro de um texto de Buñuel sobre Amores de Juventude de Keaton e o segundo do primeiro manifesto surrealista de Breton, resumem


com feliz precisão as linhas gerais da obra fílmica buñelina. De um lado, a recusa do esteticismo e a assunção da precariedade material como opção estético-ideológica, a serviço de uma concepção cimematográfica que se poderia chamar de cinema de tese (se depurarmos a expressão de certo ranço cientificista): técnica escorreita e linear a serviço de uma violência crítica sem precedentes na história do cinema; de outro lado, o uso da imaginação, do humor negro, da poesia como invectiva contra a racionalidade; a problematização e a complexificação do que chamamos realidade. Pela surpreendente unidade temática que perpassa essa obra, por sua densidade de pensamento, por sua negação do encantamento da técnica, a obra de Buñuel é dessas que para ser entendida exige antes a perquirição de suas “iluminações profanas” (W. Benjamin) que achegas formalistas. Como observou Octavio Paz, os filmes buñuelinos “podem ser apreciados e julgados como cinema e também como algo pertencente ao universo mais amplo e livre dessas obras, preciosas entre todas, que têm por objetivo tanto revelar-nos a realidade humana como mostrar-nos uma via de ultrapassá-la”. Dessa forma, nossa especulação, antes de delinear algo como um estilo buñuelino, o que em stricto sensu talvez nem exista, imprime-se no sentido de tentar desvelar dois aspectos capitais que enformam a mundividência de Buñuel: o surrealismo e o quixotismo e a relação destes com o que poderíamos chamar de poesia a fílmica buñuelina. II Em uma conferência hoje clássica, dizia Buñel, com dissabor, que “em nenhuma das artes tradicionais há, como no cinema, tamanha desproporção entre possibilidade e realização”. Essa reivindicação, verdadeira ladainha na boca dos surrealistas, como aprova as intervenções de Desnos, apologista do “cinema frenético”, não a fez Buñuel nos tempos heróicos de Um Cão Andaluz (1928) e A Idade do Ouro (1930) mas em 1958, quando o cineasta já residia no México e já produzira películas do calibre de Os Esquecidos (1950) e A Ilusão Viaja de Trem (1953). De fato, mesmo com a inserção da fantasia e da técnica decupagem por Meliès, mesmo depois da liberação do cinema da condição de teatro filmado por Griffith e do notável aprimoramento das técnicas de montagem pela escola russa de Eisenstein e Pudovkin, o cinema parece ter se achegando timidamente na região da poesia. Sem desconsiderar experiências anteriores, podemos fazer coro com Octavio Paz e observar que a incursão verdadeiramente definitiva do cinema na região da poesia deu-se com Um Cão Andaluz. Segundo Ángel Sobreviela, Buñuel, com Um Cão, “realizó una película sin personajes realistas ni argumento coherente, donde la imagen poseía una fuerza casi independiente en su poder de conmoción”. Nessa película, cujo roteiro Buñuel dividiu com Dali, a poesia associativa - herdeira do encontro casual de um guarda-chuva e uma máquina de costuras numa sala de cirurgia de que fala Lautréamont - poreja por todos os lados. Não há uma narrativa; a montagem relacional simbólica, para usar a nomenclatura de Pudovkin , não tem fins ideológicos imediatos, como no cinema russo, mas é um instrumento de desautomatização, de afronta ao bom senso burguês, de crítica pela via do humor negro, de exploração do obscuro mundo dos desejos. Poético que seja, no entanto, não se pode negar que Um Cão peca pelo esteticismo, por certos maneirismos surrealistas, o que explica o fato de esse filme, conforme Buñuel relata em sua autobiografia, ter sido sua senha de entrada no grupo surrealista. A aura buñuelina - hispanicamente lírica e feroz, como observa Paz - já vai está bem delineada em A Idade do Ouro, seu segundo filme.


O feroz aí faz pressupor que a poesia fílmica em Buñuel não é confundida com lirismo melodramático - embora em um filme como Abismo da Paixão (1954) o cineasta mexicanamente desperdice sua força poética pela incursão ao melodrama - nem tampouco com o núcleo essente que permeia as artes: trata-se do consórcio preciso entre as opções técnicas e as matrizes anti-racionalistas (surrealismo, anarquismo, quixotismo) do pensamento buñuelino. Isso porque em Buñuel a idéia precede e seleciona a técnica (sem, no entanto, prejudicá-la), de modo que sua mundividência está não somente na camada discursiva verbal de suas faturas, mas em todas as outras camadas discursivas. Buñuel, portanto, passa ao largo dos cineastas que pretendem fazer filmes com mensagens subversivas mantendo os padrões racionalistas e comerciais de produção. A poíesis (do grego poiein: fazer, criar, imaginar) de seus filmes origina-se de técnicas como a montagem relacional (o choque de imagens de campos distintos), a quebra da causalidade, a quase indiferenciação, tão espanhola, entre o sonhado e o vivido e a inserção de elementos estranhos à diegese do décor ou do fluxo da narrativa (o urso e uma ovelha na mansão de O Anjo Exterminador, de 1962; uma mulher cerzindo numa loja um rasgão num mantô de renda ensangüentado em Esse Obscuro Objeto do Desejo, de 1977) , mas estas técnicas não estão para ostentar uma postura vanguardista, hermética, adepta da arte pela arte. Surreal e anarquista, poeta e escafandrista dos desejos obscuros, Buñuel não descende da linguagem de Griffith e Welles. Don Luis quer demonstrar, quer materializar idéias, quer polemizar contra qualquer instância repressora dos instintos humanos - daí a necessidade de ser sóbrio, claro; de comunicar - tornar comum - para intervir. “A imaginação mais violenta e livre a serviço de um silogismo cortante como um punhal, irrefutável como uma rocha”, eis a imagem desse cinema subversivo na visão de Octavio Paz. A ética anarquista-surrealista de Buñuel jamais permitiria o encantamento da técnica, sua fetichização. Fiel às raízes surrealistas, ele preferia Chaplin a Welles, De Sica a Rossellini. Para Buñuel, a função do cinema não é “representar a realidade” - noção cara ao realistas vulgares, de ontem e de hoje, e oriunda de uma leitura deturpada da mímesis aristotélica - mas poetizá-la, alargando-a pela escavação dos pontos obscuros que a moral burguesa tenta ignorar. Uma poética visceral - jamais ornamental. Sua crítica a um diretor do porte William Wyler, por exemplo, centra-se no fato de Wyler produzir filmes de perfeita realização técnica porém a serviço de uma narrativa banal, melodramática, destituída de mistério e comprometida com o bom gosto e o humor branco da moral vigente. “O cinema”, afirma, “parece ter sido inventado para expressar a vida subconsciente, tão profundamente presente na poesia”. O cinema buñuelino, ainda que sendo indubitavelmente surrealista, não apresenta, exceto em Um Cão Andaluz e em extratos de A Idade do Ouro, o vício efectista das obras que se querem ortodoxamente surreais. Em pleno século XXI, já um tanto distante da revolução surrealista, não podemos fugir, diante de algumas peças desta e doutras vanguardas, de um quê de constrangimento diante de certos maneirismos, certas recorrências que percebemos não passar de concessões à euforia da época. Com o cinema de Don Luis o mesmo não ocorre: ele captou o cerne do espírito surrealista e rechaçou quase totalmente seus maneirismos mecanizados. Por isso, sua obra entra no século XXI mais maldita do que nunca, na melhor acepção do termo “maldito”. Em sua autobiografia, Buñuel fez um balanço do que ficara como permanente, em seu espírito, da vivência com o grupo surrealista. Fica claro que os três anos em que


participou ativamente do grupo não lhe deixaram traços mais dogmáticos. Buñuel afirma que, em primeiro lugar, lhe ficou “esse livre acesso às profundezas do ser, reconhecido e desejado, esse apelo ao irracional, à obscuridade, a todos os impulsos que vêm do nosso eu profundo”; em seguida, destaca a descoberta “de um conflito muito forte entre os princípios de toda moral adquirida e minha moral pessoal, nascida de meu instinto e de minha experiência ativa”. De fato, some-se a isso o humor negro e teremos os ingredientes básicos de Ensaio de um Crime (1953), A Bela da Tarde (1966) e Esse Obscuro Objeto do Desejo.

III Mas as raízes da obra buñuelina não são apenas surrealistas. Estão cravadas, com igual vigor, na hispanidade. Um dos intérpretes mais considerados da hispanidade, Américo de Castro, definiu a moderna história espanhola como sendo “a história de uma insegurança”. Segundo Castro, enquanto a França assimilou seu passado, não sem muitos esforços, valendo-se das categorias do racionalismo e da clareza, e a Inglaterra conseguiu semelhante proeza pela via do empirismo e do pragmatismo, de modo que para essas duas nações o passado não se constitui num problema, a Espanha, herdeira de múltiplas heranças (cristã, judaica, mulçumana), não atingiu qualquer síntese, de modo que no ethos espanhol palpitam querelas irresolúveis e o passado lhe é um peso dos mais desconfortáveis. Ora, talvez a melhor síntese da palpitante e confusa alma espanhola seja o quixotismo. E seu intérprete mais radical talvez tenha sido Miguel de Unamuno. Para Unamuno, Dom Quixote é um verdadeiro santo, fundador do quixotismo, lídima religião da Espanha e maior contribuição desse país à cultura ocidental. Quixotismo, de acordo com voluntarismo agônico desse pensador, seria bem mais que o enlace entre boas intenções e ingenuidade; seria “todo um método, toda uma epistemologia, toda uma estética, toda uma lógica, toda uma ética; sobretudo, toda uma religião, isto é, toda uma economia do eterno e do divino, toda uma esperança no absurdo racional”. Dom Quixote é grande pelo seu heroísmo trágico e sua grandeza era vencer justamente por ter sido vencido: “su locura sublime consistió en hacerse el loco frente al mundo, en tomar éste no como es, sino como el creía y quería que fuese”. Esse heroísmo trágico, essa loucura lúcida, essa coragem de se entregar à zombaria do mundo e extrair forças dela, esse sentido comunitário que Quixote encarna tão bem perpassa, mutatis mutandi, segundo Unamuno, os grandes empreendimentos hispânicos (A Conquista Americana, a Contra-Reforma), seus místicos (San Juan, “cavaleiro andante do sentimento do divino”) e seus artistas (Velázquez, Calderón). No âmbito dessa problemática, Carlos Fuentes, com aguda percepção, mostrou que o herói espanhol é “o herói do que falta, do que não está a seu alcance, do que ele almeja, do que deseja”. Contrapondo o Quixote ao Robinson Crusoé, Fuentes observa que este, como o Tom Jones, “são produtos do apogeu de progresso atingido por sua sociedade, e estão, nesse sentido, afinados com ela”, ao passo que o Dom Quixote é criado “a despeito da sociedade”, a despeito da Contra-Reforma, da Inquisição, da dinastia dos Hamburgos. Robinson, protótipo do herói inglês, encara o mundo com segurança pragmática, é um “self-made man que aceita a realidade objetiva e depois a adapta a suas necessidades”; Quixote, protótipo do herói espanhol, naufraga em qualquer


empresa prática. O cinema de Buñuel aponta para o quixotismo na medida em que a relação de seus personagens com a realidade empírica é uma relação de ruptura. Seus personagens são restauradores netos de Alonso Quijada, ainda que nem sempre com o mesmo grau de pretensão ou num tom às vezes menos heróico-trágico que pessimista. Como observou Ruy Gardinier, em Buñuel repete-se continuamente “o sonho da bela comunidade, da agregação ideal de um grupo de pessoas afins, de modo a transformarem o mundo em algo mais belo”, embora isso nunca se dê plenamente, como acontece com Nazario e Viridiana. Ou, menos pretensiosamente, mas de forma não menos quixotesca, os personagens buñuelinos tentam completar-se na busca do Outro - o personagem de Fernando Rey à busca da ambígua Conchita em Esse Obscuro Objeto do Desejo - ou de Algo - um jantar que nunca se realiza em O Discreto Charme da Burguesia (1972). Grande parte da magia que Buñuel imprime aos seus filmes advém da força sugestiva desses gestos incompletos - o sacrifício tantálico dos que desejam. Essa impossibilidade de realização dos desejos tem em Buñuel uma explicação de cunho político - os processos de reificação, a falta de ousadia da burguesia - e outra de cunho metafísico - a negação da racionalidade do real. Esse pressuposto metafísico engendra outro artifício “mágico” nos filmes de Buñuel: a ressignificação do espaço humano, do ser-no-mundo mesmo, pelo deslocamento, prenhe de humor negro, de seres de um lócus para outro: o formigueiro que surge na mão de um personagem ou os pêlos da axila de uma moça que tomam o lugar da boca de um rapaz (em Um Cão Andaluz), um saco de estopa desnecessariamente carregado por um apaixonado (em Esse obscuro Objeto do Desejo), um velório num restaurante burguês (em O Discreto Charme da Burguesia). Para o filósofo Clement Rosset, “o que a moral censura não é, de modo algum, o imoral, o injusto, o escandaloso, mas sim o real - única e verdadeira fonte de todo escândalo”. Grande número de filósofos e artistas - reflete esse filósofo francês engendram obras “cujo principal objetivo não é revelar a verdade ao homem, mas fazê-lo esquecê-la", já que a realidade é intrinsecamente cruel. É possível que Buñuel não concordasse com os fundamentos da ontologia do real de Rosset, mas é certo que o cineasta é um exemplo acabado de artista “cruel”, cuja obra, imbuída de lucidez e retidão ética, visa não a remediar provisoriamente as agruras do real, mas torná-las visíveis, obrigando-nos, se não a uma ação efetiva, pelo menos a reflexão inapelável. Tanto a Rosset quanto a Don Luis horroriza não, imediatamente, a imoralidade e as injustiças, mas a propensão pusilânime do homem ao moralismo, que escamoteia estes aspectos. Como todo artista que deseja intervir mas recusa a arte panfletária, Buñuel aponta mas não julga, preza pela clareza mas não pelo simplismo, respeita o espectador mas não o adula: perturba-o. Realiza aquilo que Sartre queria do verdadeiro artista engajado: dá a sociedade uma “consciência infeliz”. Em suma, tem uma visão de mundo, mas não uma doutrina. Mas voltemos ao quixotismo, aos gestos incompletos e vejamos, ainda que de relance, como ele se constrói em algumas obras fílmicas do autor. Como observa Fuentes, “o cinema de Buñuel é sempre fiel ao seu conflito básico: uma luta entre dois estilos de olhar, e, através de qualquer um deles, um conflito entre a decisão de se ligar ao mundo ou recusar esse laço”. Em A Ilusão Viaja de Trem dois homens, depois de uma bebedeira, resolvem matar a saudade de um velho bonde que vai ser desativado realizando uma última viagem. O desejo de ambos é dividir a “poesia da vida” que sentiam, oferecendo às pessoas um passeio sem cobrar pelo ingresso. À certa altura, um senhor entra no bonde e , mesmo com explicações, insiste em pagar, qualificando os dois saudosistas de comunistas. Um pouco adiante, o velho bonde é


confundido com outro que conduziria uma excursão. De decepção em decepção, o gesto poético dos dois Quixotes não encontra guarita num mundo desencantado até as vísceras: os gigantes voltam a ser moinhos. Como Tântalos às avessas, os dois oferecem fino maná mas as pessoas não podem tocá-lo: Dom Quixote volta a ser Alonso Quijada. Nazario (1958), quiçá o mais quixotesco dos filmes de Buñuel, explora a temática da debilitação das possíveis forças revolucionárias do cristianismo causada pela sua institucionalização, ou antes, indaga sobre a possibilidade de um cristianismo radical no mundo desencantado. O cura Nazario, numa tentativa poeticamente exasperada de viver os Evangelhos, recusa o jugo da Igreja institucionalizada e resolve sair em peregrinação para pregar a Palavra. Mas assim como Quixote só em si restaura o espírito cavaleiresco, o cura tampouco estende seu cristianismo radical (do latim radix: raiz) aos outros. Todos os episódios do filme se constituem num processo de lenta assunção, por parte do protagonista, da poesia precária da condição humana em detrimento da ilusão de uma divindade. Talvez o momento mais denso do filme, o momento em que ressoa com mais intensidade no cinema buñuelino o clamor de fidelidade à terra tão bem personificado no Zaratustra nietzschiano, talvez esse momento seja aquele em que indo o cura oferecer consolo a uma aldeã, ouve-lhe essas palavras: “Juan si, cielo no”. Para Octavio Paz, todo o cinema de Buñuel é uma “crítica da ilusão de Deus”; seu tema-mor não é a culpa do ser homem mas de Deus. É possível que Paz esteja certo, mas é possível que essa sua afirmação case melhor em trabalhos como A Idade do Ouro, Nazarin, Simão no Deserto (1965), A Via-láctea (1969) e Viridiana (1961). Da nossa parte, preferimos ver, nessas películas abertamente atéias como Nazarin e Viridiana, a exemplificação do paradoxo do triunfo pelo fracasso conforme o quixotismo radical de Unamuno. Mas também não podemos negar que o quixotismo , como a crítica da ilusão de Deus, também seja uma forma até certo ponto precária de ler o cine de Buñuel, já que também ele não perpassa, pelo menos explicitamente, todos os filmes do diretor. Uma palavra que talvez resuma a complexa obra buñuelina seja acusação. Por qualquer lente que se queira ver este cinema - quixotismo, surrealismo, anarquismo, ateísmo, marxismo, freudismo - não se pode negar que suas estratégias formais, sua densidade simbólica, estão a serviço da acusação: da ilusão de Deus, das ilusões da burguesia, das ilusões do cinema comercial, das ilusões de satisfação espiritual do homem, das ilusões de domesticação dos instintos. O cinema de Buñuel encontra seu resultado estético mais bem acabado, segundo muitos intérpretes, em Viridiana. O filme conta a história da jovem noviça Viridiana que, em vésperas de tornar-se freira, é mandada a visitar seu tio e financiador Dom Jaime. Este, que não vê a jovem há muitos anos, ao contemplá-la lembra-se da imagem da mulher morta precocemente. Apaixona-se subitamente. E por meio de remédios dormitivos, já que não havia outra saída, tenta possuí-la. Ao saber da tentativa do tio, Viridiana, sentindo-se impura, quer retornar ao convento, mas o suicídio deste que é praticamente seu único parente, obriga-a a ficar e pagar por sua “culpa” e sua “impureza”. A quixotesca estratégia da jovem é expiar sua culpa reeducando um grupo de mendigos que é levado para as terras do falecido tio, a fim de adquirir bons modos, fé e interesse pelo trabalho. Mas assim como Dom Quixote é ridicularizado e apedrejado pelos escravos que liberta das galés, assim também Viridiana é explorada, escarnecida e quase violentada pelos mendigos que tenta em vão reeducar. Ao final, Viridiana, “A Don Quixote mulher”, desiludida, reúne-se a seu primo e sua dissimulada criada, “dois outros grandes arquétipos espanhóis, Don Juan e La Celestina, num arruinado castelo feudal onde formam um profano ménage à trois, jogando cartas e ouvindo discos” (Fuentes). Um aspecto irônico e de grande significado nessa cena final que Fuentes tão bem interpretou é a introdução do rock n’roll no lugar da música religiosa, reforçando adesão heroicamente trágica de Viridiana à vida profana. Esse filme apresenta ainda uma das seqüências mais grotescas e violentamente atéias da história do cinema, a seqüência da festa dos mendigos, que culmina com a paródia da Última Ceia de Leonardo, paródia na


qual o lugar de Cristo é ocupado por um mendigo cego, lúbrico e violento. IV Caberia ainda algumas observações complementares sobre a poesia fílmica de Buñuel, na tentativa de atar dialeticamente a questão forma-e-fundo que perpassa sua filmografia. Para isso, cabe uma breve achega com outro poeta do cinema, Andrei Tarkovski. Temos, nestes dois cineastas, dois modelos extremos de poesia fílmica, que podemos denominar provisoriamente de pura e impura, sem com isso estabelecer um juízo de valor. Em Tarkovski, como observou um estudioso de sua obra, o já citado Sobreviela, a expressão poética é pura porque é ela seu ponto de partida e de chegada. Considerando o cinema uma arte auto-suficiente (ao contrário de Buñuel, que sempre quer transcendêlo), esse grande cineasta russo filma antes epifanias que histórias; o uso inconfundível que faz do traveling antes denuncia e adensa o mistério dos objetos e paisagens, doando-lhe voz, do que lhe explicam. Segundo Sobreviela, o cinema tarcovskiano adota “unas actitudes ante el mundo que se tornan subjetivas, cargadas de emotividad, en cuanto cesan de ser documentales, mero registro. Los objetos, los ambientes (…) son otra cosa que en una película cualquiera”, apesar disso “no debe pensarse que se limita a aplicar una pátina lírica a un relato (…) pues este estilo, que no se adapta a las historias que narra, sino que las historias se adaptan a él, construye minuciosamente una atmósfera de alta tensión espiritual que hace posibles los milagros y las revelaciones en el mundo real”. Em Buñuel, ao contrário, a poesia é impura porque nasce de imperativos éticos e ideológicos. Afinal, como transmitir uma visão de mundo surrealista de forma apoética? As perspectivas ideológicas de Dom Luis precediam suas opções formais. Ele nunca buscou sistematicamente a poesia imanente nas coisas. Não existe para ele cinema em si. Da mesma forma que a prática dos poetas surrealistas “representou a recusa da poesia em se deixar reduzir ao poema, isto é, a uma pura e simples expressão literária” (E. Morin), assim também Buñuel relutou em fazer - com o perdão do termo - um cinema “cinematográfico”: quis antes complexificar, ressignificar, numa palavra cara a Morin, desprosaizar o que chamamos realidade cotidiana. Herdeiro do romantismo alemão, filho do surrealismo, escudeiro do exército de “nosso senhor Quixote”, como dizia Unamuno, Buñuel recusa tanto a prosaidade do mundo utilitário burguês, como a esterilidade (no ponto de vista dele) do esteticismo; sua arte emerge de um pacto com a vida, na busca de resgatar, ou pelos menos recordar, o animal humano anterior ao pecado original. Não se pode, pois, falar sensatamente de um primeiro plano, de um travelling ou de qualquer outra figura retórica em Buñuel que não esteja para além da função estética: ato de rebeldia. A poesia fílmica de Buñuel é, como toda poesia surrealista, cataclismática. Se Dom Luis a escrevia às vezes em arabescos um tanto irregulares é porque se recusava tanto à pena dos antigos, como à nossa triste esferográfica produzida em série: preferia uma navalha. Wanderson Lima (Brasil). Poeta e ensaísta. Seu mais recente livro de poemas intitula-se Balé de Pedras (2005). Em 2006, obteve o primeiro e terceiro lugares no Prêmio Mário Faustino de Ensaios. E-mail: wandersontorres@hotmail.com. Página ilustrada com obras do artista Rafael Charco Portillo (México). http://www.revista.agulha.nom.br/ag52bunuel.htm


Luis Buñuel Portolés nasceu ao meio-dia de 22 de Fevereiro de 1900, na aldeia de Calanda, Teruel, Espanha. Era filho de Leonardo Buñuel González, um señorito e proprietário abastado que fizera fortuna em Cuba com um negócio de ferragens, e de María Portolés Cerezuela, "a rapariga mais bonita e saudável da aldeia". Pouco depois, a família estabeleceu a sua residência em Saragoça, e só ia a Calanda durante a Semana Santa e nas férias de Verão. Luis era o mais velho de sete irmãos e irmãs, com quem teve uma infância feliz, saudável e despreocupada, em contacto com a rica natureza campestre da sua terra. Teve, desde cedo, uma grande sensibilidade em relação ao inusual e ao extraordinário, e facilmente se encantava com animais, plantas e fenómenos naturais, que observava atentamente, imbuído de uma religiosidade pagã. Foi também na infância que adquiriu um enorme fascínio pela morte, quando inadvertidamente, deparou com um burro putrefacto numa valeta. Em 1908 viu o seu primeiro filme num cinema de Saragoça. Estudou num colégio de Jesuítas, cuja influência se faria sentir para o resto da sua vida Com a adolescência, perdeu a fé, tornando-se anti-clerical e ateu, e, em 1915, foi expulso do colégio, tendo terminado os seus estudos secundários no Instituto de Saragoça. Em 1917, Buñuel foi estudar em Madrid, instalando-se na prestigiada e elitista Residencia de Estudiantes, onde permaneceria até Janeiro de 1925. Aí conheceu várias luminárias das letras, artes e ciências espanholas e internacionais e conviveu com muitos daqueles que fizeram parte da famosa Geração de 27, tomando conhecimento das vanguardas artísticas e literárias da época — cubismo, dadaísmo e surrealismo. Foi também na Residencia que se tornou grande amigo de três camaradas e companheiros de boémia que tiveram nele (e em quem ele teve) uma influência fundamental: Pepín Bello, Federico García Lorca e Salvador Dalí. Nesses anos, Buñuel tornou-se um fanático da cultura física e do atletismo. Frequentava além disso, os cafés de Madrid e as suas tertúlias, bem assim como os seus bordéis. Em 1920, fundou o primeiro cineclube espanhol. Em 1921, participou na representação teatral de Don Juan Tenorio, de Zorrilla, em Toledo. Em 1922, publica os primeiros textos literários, influenciados por Ramón Gómez de la Serna. Em 1924, depois de ter frequentado, sem grande convicção, vários cursos universitários, acabou por se licenciar em História. Em 1925, foi viver em Paris, onde estudou cinema e trabalhou como assistente de vários realizadores entre os quais Jean Epstein. Conhece Jeanne Rucar, sua futura mulher, com quem se casará em 1934. Em Janeiro de 1929, Buñuel e Dalí, utilizando o método surrealista do "cadáver esquisito" escrevem o guião do filme que acabaria por ter o título de Un chien andalou (Um cão andaluz). Apesar dos desmentidos, com a sua panóplia de private jokes e sub-entendidos, o filme era um subtil mas evidente ataque a García Lorca, de quem se haviam afastado, em parte porque Buñuel (machista assumido) tinha aversão à homossexualidade do poeta, tendo envidado todos os seus esforços para contrariar e sabotar a amizade amorosa que ligava aquele a um complacente Dalí. Há controvérsias quanto a esta última afirmação pois num futuro não muito distante Dalí acaba por ceder aos "encantos" da ditadura e segundo um dos filhos de Buñuel Dalí abriu mão de suas amizades em nome de dinheiro e status. Buñuel roda-o em quinze dias durante a Primavera sendo estreado a 6 de Junho em Paris, perante a nata da sociedade e da intelectualidade francesa. O filme foi um sucesso e um escândalo e durante vários meses esteve em cartaz no Studio 28. Toda a imagética surrealista (burros podres dentro de pianos de cauda, mãos cortadas, metamorfoses visuais, etc.)


criara sensação e espanto. Buñuel refere que a cena inicial da navalha a cortar um globo ocular provocava desmaios na plateia, tendo mesmo chegado a ocasionar um aborto numa espectadora. A dupla é prontamente admitida no grupo surrealista de André Breton, passando a frequentar as suas reuniões semanais e a cumprir escrupulosamente os seus ditames. No Verão de 1929, Buñuel e Dalí estão em Cadaqués a preparar um novo filme, L'Âge d'Or, subsidiado pelo visconde de Noailles. Mas a sua colaboração e amizade são depressa ensombradas pelo aparecimento de Gala Éluard, por quem Dalí se deixa enfeitiçar e influenciar totalmente. Por outro lado, a antipatia entre Buñuel e a ciumenta e intriguista Gala é instantânea e mútua, chegando aquele ao ponto, de num acesso de cólera, a tentar estrangular. Buñuel regressa a Paris onde acaba o guião e roda o filme (sem dar crédito à colaboração de Dalí), fortemente anticlerical. Uma vez exibido, cria um enorme escândalo junto da extrema-direita francesa (a sala de cinema é atacada) e da burguesia parisiense (o visconde de Noailles foi ostracizado). Nessas obras emblemáticas estavam patentes de forma concentrada e intensíssima todos os temas básicos que a sua obra posterior continuaria a reflectir mais discretamente, mas com igual poder: o amor louco, o anti-clericalismo, a rebeldia e inconformismo diante do estabelecido e do convencional, uma ânsia de transcendência, expressos em imagens oníricas e alucinantes, cheias de dureza, de corrosivo humor negro e de uma candura embriagante. En 1930 viajou a Hollywood, contratado pela Metro Goldwyn Mayer como observador, com o objectivo de se familiarizar com o sistema de produção norte-americano. Conheceu Charles Chaplin e Serguei Eisenstein. Buñuel voltou a Espanha após a proclamação da República e financiado pelo seu amigo anarquista Ramon Acín, dirigiu, em 1933, um documentário, Las Hurdes, tierra sin pan, que descrevia, de modo cru, a vida quotidiana e os costumes ancestrais de uma recôndita aldeia espanhola da Extremadura, profundamente miserável e em estado quase selvagem. As imagens e os factos descritos eram tão extraordinários e irreais, que acabariam por dar ao filme um cunho verdadeiramente surrealista. Foi um escândalo, desagradando ao governo (esquerdista) espanhol que o proibiu para grande desapontamento de Buñuel, por dar uma imagem corrompida da Espanha no estrangeiro. No decurso da guerra civil espanhola exilou-se na França, partindo em 1938 para os EUA, estabelecendo-se em Los Angeles. Em 1941 vai trabalhar como conselheiro e chefe de montagem para o Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova Iorque. Contudo, a publicação em 1942 d'A vida secreta de Salvador Dalí, onde Dalí fala do caso de L'Âge d'Or e expõe as simpatias comunistas de Buñuel, causa um pequeno escândalo e faz com que este tenha de se demitir do MoMA em 1943. Buñuel confronta Dalí e pede-lhe um empréstimo de 50 dólares que o outro, obediente a Gala, recusa por carta, em que simultaneamente faz o elogio de Franco e das virtudes da Igreja Católica. Buñuel jamais lhe perdoará a traição e a mesquinhez. Em 1946, depois de ter estado em Hollywood, acaba por partir para o México. http://miscampinas.com.br/materia_17-luis_bunuel___surrealismo.htm


Há 25 anos morria o ícone do cinema espanhol, o diretor Luis Buñuel (1900-1983) Mestre do surrealismo no cinema, Buñuel morreu há 25 anos Publicidade ALICIA da Efe, em Madri

GARCÍA

DE

FRANCISCO

Poucos cineastas desenvolveram uma carreira tão coerente e, sobretudo, pessoal, quanto o grande Luis Buñuel, que deixou para a história imagens tão impactantes como a da lâmina cortando um olho ou as formigas saindo de um buraco na palma de uma mão. Neste dia em que se completam 25 anos de sua morte, na Cidade do México, em 29 de julho de 1983, a obra do "mestre de Calanda", como era conhecido por ter nascido na localidade de mesmo nome no norte da Espanha, é mais difundida do que nunca. Nascido em 22 de fevereiro de 1900, na Espanha, Buñuel estudou história em Madri, mas foi sua estadia na Residência de Estudantes da capital --onde conheceu Federico García Lorca, Salvador Dalí e Rafael Alberti-- que orientou sua vida em direção à arte, razão pela qual se transferiu para Paris, onde começou a trabalhar no cinema. Seu primeiro filme, "Um Cão Andaluz" (1929), foi um manifesto do surrealismo à altura de André Breton, e, apesar de seus evidentes erros técnicos, continua sendo, na atualidade, a ostentação da imaginação e originalidade. Desse filme, de apenas 18 minutos, procedem as duas impactantes e perturbadoras cenas já citadas, que são uma clara mostra da influência dos sonhos nas primeiras obras do cineasta: a do olho cortado por uma lâmina, procedente de um sonho do próprio Buñuel, e a das formigas, saída da capacidade onírica de Salvador Dalí. Junto com "A Idade do Ouro" (1930), são os dois exemplos mais claros do surrealismo no cinema. Filmes cujo "radicalismo estético se transformou na garantia de seu prestígio cultural", segundo o jornal "The New York Times". Crítica social Após esse início radical, Buñuel saltou para um gênero completamente diferente, o documentário, mas elegeu um tema que, apesar de ser realista, não deixava de ser surreal: a situação na região espanhola de Las Hurdes. O duríssimo documentário de 27 minutos retrata a desoladora situação dessa região espanhola em 1932 e oferece seqüências terríveis como a do enterro de uma criança em seu caixão branco descendo pelo rio. Embora Buñuel se centrasse depois na ficção, seus filmes sempre estiveram carregados de uma forte crítica social, uma denúncia da situação de grupos marginalizados, como ocorreu com "Os Esquecidos", uma obra-prima pela qual obteve o prêmio de melhor direção e o da crítica internacional no Festival de Cannes de 1951.


Trata-se de um filme rodado em 1950 no México, país para o qual o cineasta foi após a Guerra civil espanhola e depois de viver em Paris e nos Estados Unidos, de onde teve que sair pelas pressões sofridas ao ser acusado de ser comunista por Dalí. México No México, rodou alguns de seus filmes mais significativos, como "Nazarín" (1959) --palma de Ouro em Cannes-- ou "O Anjo Exterminador" (1962), com uma volta temporária à Espanha para produzir "Viridiana" (1961), uma dura crítica à falsa caridade. "Viridiana", que também ganhou a palma de Ouro de Cannes, em 1962, gerou um grande escândalo quando o jornal do Vaticano "L'Osservatore Romano" o chamou de blasfêmia e sacrilégio, o que fez com que a censura espanhola proibisse a obra. Retorno à França Após sua fase mexicana, Buñuel retornou à França, onde rodaria os filmes que lhe trouxeram mais prestígio e com os quais alcançou uma enorme sutileza em suas críticas sociais, além de uma maior liberdade criadora devido aos mais e melhores meios técnicos que tinha em mãos. Com "A Bela da Tarde" (1966) conquistou o Leão de Ouro de Veneza por ser um filme muito avançado no qual Catherine Deneuve interpreta o papel de uma burguesa que é incapaz de manter relações sexuais com o marido e que começa a trabalhar em um bordel para satisfazer seus desejos e fantasias. A trilogia formada por "A Via Láctea" (1968), "O Discreto Charme da Burguesia" (1972) -que ganhou um Oscar de melhor filme estrangeiro-, e "O Fantasma da Liberdade" (1974) é provavelmente o ápice de sua carreira. Nem por um milhão O absurdo se transforma em protagonista destas histórias com as quais Buñuel atacou sem piedade a vida burguesa, especialmente com essa reunião de amigos em "O Discreto Charme da Burguesia". Seu último filme, "Esse Obscuro Objeto do Desejo" (1977), foi menor em comparação com as obras geniais realizadas anteriormente, mas, da mesma forma que com todas as suas produções, é uma amostra a mais de que Buñuel sempre fez o que quis e contou o que sentia, sem se importar com convenções. "Não acho que tenha feito algo por dinheiro. O que não faço por um dólar não faço nem por um milhão", reconheceu Buñuel. O cineasta russo Andrei Tarkovsky disse sobre ele: "A força dominante de seus filmes é sempre o inconformismo. Seu protesto --furioso, sem compromissos e exacerbado-se expressa sobretudo na textura sensível do filme, e é emocionalmente contagioso". E "acima de tudo, Buñuel é o portador de uma consciência poética", acrescentou. http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u427321.shtml


Anarquista, libertário, surrealista… e genial Há 25 anos morria um dos artistas mais provocativos do século: Luis Buñuel Luiz Zanin Oricchio – O Estado de São Paulo Dia 29 completaram-se 25 anos da morte de Luis Buñuel (1900-1983). Espanhol de Calanda, cidade de Aragão, Buñuel escolheu o México para viver sua aposentadoria. Realizou boa parte de sua obra nessa país e nele morreu. Em seu livro de memórias, Meu Último Suspiro (Nova Fronteira, 1982), ditado ao seu roteirista Jean-Claude Carrière, Buñuel muito fala do México. Agradava-lhe o tom de suave absurdo que encontrava no país, o culto da violência e dos mortos, a alegria, os contrastes. Lá, dom Luis estava em casa. Foi, no entanto, na França, que teve início sua carreira de cineasta. E ela começou em parceria com outro exilado ilustre, espanhol como ele, o pintor Salvador Dalí. Juntos, fizeram o filme-manifesto do surrealismo, Un Chien Andalou – Um Cão Andaluz, em 1928. Já nos primeiros planos, uma imagem forte, e tão contundente que quase intolerável: uma nuvem esconde a lua por alguns momentos; a câmera registra um rosto de mulher. Por trás dela, surge um homem com uma navalha na mão. Com a outra mão, ele abre o olho da mulher e o decepa. Um crítico como Ado Kyrou via nessa seqüência a proposta de um método radical, que iria acompanhar Buñuel por toda a vida – a dissecação. Não deixa de ter razão. A obra de Buñuel é diversificada, inclusive pelas condições materiais de produção de que dispôs ao longo da carreira. Mas centra-se em torno de alguns motivos centrais – a crítica da religião e da hipocrisia burguesa, os paradoxos da sexualidade, a força do desejo, os automatismos mentais, que obedecem, ao mesmo tempo em que escapam, as determinações sociais e históricas. O “como” tratar esses temas era um caso à parte e Buñuel sempre pareceu incisivo como um cirurgião munido do seu bisturi. Ia na contracorrente da relação de fascínio acrítico do espectador em relação ao filme.

O uso freqüente do absurdo era uma dessas maneiras de tirar o público do seu centro de passividade acomodada. Esta é uma lição que levou do surrealismo mais estrito de André Breton, aliás já prefigurado na obra poética de Isidore Ducasse, o Conde de Lautréamont (1846-1870). O autor de Cantos de Maldoror, leitura de cabeceira do grupo surrealista, morto aos 23 anos, falava sobre o efeito poético da justaposição de itens heterogêneos – o impacto do inesperado como o guarda-chuva e da máquina de costura sobre a mesa de cirurgia, era o exemplo. Buñuel usou com freqüência esse artifício de surpresa e distanciamento. Assim, já nos dois primeiros filmes, ao escrever o roteiro, os (então) amigos Buñuel e Dalí descartavam tudo aquilo que pudesse fazer sentido imediato. Nessa recusa do significado linear e fixo, pululam imagens inéditas e inesquecíveis – o olho cortado pela navalha, as formigas que saem das mãos, os burro morto sobre um piano de cauda, os esqueletos vestidos com trajes papais.E, claro, como era da própria intenção dos criadores, desse aparente nonsense brotavam significados aos borbotões – dependentes da imaginação de quem assistia aos filmes. Buñuel não ignorava o quanto de provocativo havia nessas imagens insólitas. Tanto assim que, na estréia de Un Chien Andalou, em Paris, forrou os bolsos de pedras para


defender-se, se fosse necessário. Dois anos depois, nova dose de remédio da mesma natureza: A Idade de Ouro. O grupo de direita Action Française veio à porta do cinema protestar e o filme, um média-metragem, acabou proibido pela censura. As tesouras do censor perseguiram Buñuel durante muito tempo e ele não parecia se importar muito com o fato. Há uma passagem interessante sobre esse “relacionamento”entre artista e censor, esse diálogo entre a corda e o pescoço. Buñuel, havia muitos anos fora da Espanha, obtém autorização para filmar em seu país e lá rodou o que muitos consideram sua obra-prima, Viridiana (1961). Como conseguiu produzir obra tão anticlerical na carola Espanha de Franco, só Deus é capaz de saber. Viridiana é uma jovem piedosa, que decide abrigar em sua casa um grupo de mendigos. Eles se embebedam, um deles tenta violentá-la e, em cena famosa, parodiam a Santa Ceia. Mas não foi com essa imagem que a censura franquista implicou e sim com o desfecho. Buñuel havia filmado a heroína, interpretada por Silvia Pinal, entrando no quarto com um homem, numa clara indicação de que iriam fazer sexo. A cena foi vetada. Buñuel inventou outra: a moça joga cartas com o rapaz, os dois sentados em volta de uma mesa. “Ficou muito mais alusivo e portanto melhor; agradeço de coração à censura franquista”, ria-se Buñuel. Mesmo assim, o filme foi interditado na Espanha quando os censores se deram conta do que Luis havia feito, e sob as suas barbas conservadoras. Esse exercício de filmar segundo as circunstâncias havia sido desde cedo assimilado por Buñuel. Se em Un Chien Andalou e L?Âge d?Or (1930) fizera exatamente o que lhe viera à cabeça, com a mudança primeiro para os Estados Unidos e depois para o México teve de se conformar a certas regras do cinema comercial. Nos EUA, escreveu roteiros. Mudando-se para o México, teve de se haver com as normas do melodrama. Mesmo assim, Buñuel se comportava como se, no fundo, filmasse exatamente o que tinha em mente. “Jamais me envergonhei de um único plano de minha obra”, dizia. E com razão. Porque, mesmo fazendo melodramas, neles infiltrava, de contrabando, suas idéias, sua estética, sua visão de mundo. Instilava nos dramalhões o veneno surrealista e fazia insólitos filmes que na origem poderiam ser banais, como Subida ao Céu (1951)e Escravos do Rancor (1953). A Ilusão Viaja de Trem (1954) é uma pequena jóia surrealista. Mas é com o drama social Los Olvidados (Os Esquecidos, 1950) que Buñuel alcança notoriedade mundial. Depois desse estranho filme social, que lhe deu o prêmio de direção em Cannes, Buñuel ainda realiza no México obras do porte de O Alucinado (1953), Nazarin (1958) e O Anjo Exterminador (1962). Na fase final de Buñuel, destaca-se a sua longa colaboração com o roteirista francês Jean-Claude Carrière, a quem caberia, como vimos, ajudá-lo a escrever suas memórias. Esse trabalho a dois vai de Diário de uma Camareira (1964) até o último, Esse Obscuro Objeto do Desejo (1977). Filmes como A Bela da Tarde (1967), A Via Láctea (1969), O Discreto Charme da Burguesia (1972) e O Fantasma da Liberdade (1974) passaram a fazer parte do imaginário cinematográfico mundial. É um grande cinema, anarquista e libertário, que continua atual e pulsante, mesmo em tempo tão conformista como o nosso. Talvez , por isso mesmo esteja vivo como nunca – porque nos obriga a reler um presente medíocre a contrapelo, a partir do seu contrário. ALGUNS TÍTULOS DISPONÍVEIS EM DVD


UM CÃO ANDALUZ E A IDADE DE OURO: os dois primeiros filmes, manifestos do surrealismo no cinema. Trazem algumas das imagens mais marcantes da obra do cineasta, como a do olho sendo decepado pela navalha. O ANJO EXTERMINADOR: filmado no México, traz uma situação clássica da poética de Buñuel: um grupo de ricaços não consegue sair de uma sala, sem que haja motivo aparente para isso. OS ESQUECIDOS: Talvez o maior exemplo do drama social tratado à maneira do autor. Não existem santos nem vilões; todos podem se aviltar, ou se santificar, na luta pela sobrevivência. VIRIDIANA: Para muitos, a obra-prima de Buñuel, filmada na Espanha. Seu tema seria a inutilidade da caridade, na história da personagem que acolhe em sua casa um grupo de mendigos. A BELA DA TARDE: Um dos principais papéis de Catherine Deneuve. Ela vive Séverine, a mulher rica que se prostitui em um bordel no período da tarde. O DISCRETO CHARME DA BURGUESIA: Buñuel aposta no cômico para ridicularizar um grupo de burgueses condenado a nunca conseguir terminar uma refeição. ESSE OBSCURO OBJETO DO DESEJO: Última obra do diretor, história do homem que não pode consumar o sexo com a mulher que deseja, interpretada por duas atrizes, Angela Molina e Carole Bouquet. Tags: , arte, Buñuel, Cinema, Dalí, Espanha, filmes, Luis Buñuel, prêmios, surrealismo http://blogdofavre.ig.com.br/2008/08/anarquista-libertario-surrealista-e-genial/ AS FANTASIAS 09/03/10

LUMINOSAS

DO

MOVIMENTO

DAS

IMAGENS.

“ O desenho é uma meditação enquanto a foto é um tiro” – H. C. Bresson -1908-2004 “Nada tenho a dizer. Só a mostrar” – Walter Benjamin *** Muitos se inclinam a encontrar mais do que coincidências nos fenômenos do universo. Vêm sinais...Eu me contento em achá-las como resultado das vivências humanas. O que tem a ver, por exemplo, o cinema, ontem cantado em imagens vibrantes do OSCAR 2010 -um conjunto de prêmios distribuídos pela Academia de Cinema de Holywood aos que se destacaram na indústria cinematográfica no último ano- , com a democracia? Os árabes, povo rico em provérbios, já advertiam: “Uma imagem vale por mil palavras”. Imaginem , então, um conjunto de imagens em ato contínuo...? Elas se constituem num verdadeiro encantamento proporcionado pelas fantasias luminosas em movimento.E este encantamento atinge profundamente a sensibilidade humana, impactando-a duplamente, pela emoção e pela consciência.


Pois é isto o cinema: um continuum da fotografia animada, esta inventada por Joseph Nicéphore Niépce (que produziu a primeira fotografia permanente em 1825) e Louis Daguerre (em 1839 com seu daguerreotipo) , França. A fotografia representou a captura do momento, sacrificado neste ato. O cinema, sua ressurreição. Não por acaso shoot, em inglês, significa tanto atirar como fotografar e até mesmo filmar. Como dizia o grande fotógrafo H.C.Bresson (1908-20040 : “’Fotografar ... é colocar na mesma linha de mira....a cabeça, o olho e o coração. (...) A gente pensa: Quando aperto ? Agora? Agora? Agora? Entende? A emoção vai subindo e, de repente, pronto. É como um orgasmo, tem uma hora que explode. Ou temos o instante certo, ou o perdemos...e não podemos recomeçar. O desenho é uma meditação...enquanto que a foto é um tiro. Pode apagar um desenho e fazer outro. Não está lutando contra o tempo. Tem todo o tempo pela frente, é uma meditação. Mas com a foto, há um espécie de angústia constante... pelo fato de estar presente. Mas é uma angústia muito calma”. A fotografia, o cinema, ambos, foram estigmatizados na sua aparição, como uma arte menor, fruto mais da máquina do que do talento, sem “aura”, destinada à satisfação de gostos menos apurados. Os pintores, no início da fotografia, chegaram a fazer manifestos condenando a fotografia. E o cinema , que veio a público pelos irmãos Lumière, também na França, numa época em que Paris ainda era a capital do mundo das luzes, no subterrâneo do Grand Café, em 28 de dezembro de 1895 , teria que esperar até 1911 para ser reconhecido como a arte: a “sétima arte”. Nesse ano , o intelectual italiano Ricciotto Canudo no seu Manifesto das Sete Artes , ainda sem reconhecer a fotografia, consagra o cinema como o corolário das sete grandes artes que lhe precederam, conforme os elementos básicos de cada uma e que lhe definem a linguagem, a saber : 1. Música (som); 2. Pintura (cor); 3. Escultura (volume); 4. Arquitetura (espaço); 5. Literatura (palavra); 6. Coreografia (movimento); 7. Cinema (integra os elementos das artes anteriores). Posteriormente, novas artes foram acrescentadas ao “Manifesto”, tais como (8ª) fotografia, (9ª) arte seqüencial (quadrinhos) e (10ª) o vídeo game. Hoje, mercê dos grandes avanços na computação eletrônica, poucos se referem a esse classificação. Os irmãos Lumière apresentaram, sem se dar conta das potencialidades do que haviam criado, uma série de dez filmes, com duração de 40 a 50 segundos cada, pois os rolos de película tinham quinze metros de comprimento. Os filmes até hoje mais conhecidos desta primeira sessão chamavam-se "A saída dos operários da Fábrica Lumière" e "A chegada do trem à Estação Ciotat", cujos títulos sugerem a trilha do cinema documental desde esse momento inaugural até a premiação de “Cove” no OSCAR 2010, uma denúncia pesada contra a matança de golfinhos no Japão.Não obstante, um mágico chamado Georges Méliès, que se apresentava nas


imediações do Gran Café, apercebeu-se da importância do cinema para o entretenimento e tentou adquirar, sem êxito, os cinematógrafos de Lumière. Não desistiu, foi para a Inglaterra e lá comprou , em seguida, um aparelho semelhante que lhe proporciona experimentações que resultam nos primeiros efeitos especiais – ilusionismo – da história do cinema e a produção de filmes de ficção com narrativas romanescas e ficcionistas. Dele é o primeiro filme sobre a lua... Na segunda década do século, ao tempo dos “Anos Loucos”, de grande progresso material e profundas mudanças nos costumes, sobretudo na América do Norte, o cinema se expande pelo mundo inteiro. E, junto com ele, as imagens, que suscitam desejos, tensões emocionais e, sobretudo, visões críticas dos conflitos humanos. Até 1929 o cinema era mudo, intercalado pela escrita de diálogos e musicas ao fundo. Os últimos filmes mudos de impacto foram os de Chaplin, Tempos Modernos o mais importante. Dali em diante o próprio Chaplin curvou-se aos filmes falados, nos quais não foi tão magistral quanto nos mudos. David W. Griffith, americano, entretanto, é o primeiro e grande marco na história do cinema. Ele foi o responsável pela inserção da fantasia na realização de filmes, deslocando a produção para um lugarejo perto de Los Angeles Hollywood, onde produziu “O Nascimento de uma Nação” (1915), contando a epopéia da formação americana. Neste filme consolida uma linguagem do cinema, como arte independente. Ele foi o primeiro a criar filmes em que a montagem e os movimentos de câmera eram empregados com maestria e, com isso, estabeleceu os parâmetros do fazer cinematográfico. A partir de Griffith pode-se dizer que o cinema consistirá numa técnica, de captar e projetar imagens, numa arte, e numa indústria, consagrando a antevisão de Riccioto Canudo. “Nesta época foram fundados os mais importantes estúdios de cinema (Fox, Universal, Paramount) controlados por judeus (Daryl Zanuck, Samuel Bronston, Samuel Goldwyn, etc.) que viam o cinema como um negócio. Lutaram entre si e as vezes para competir melhor, juntaram empresas assim nasceu a 20th Century Fox (da antiga Fox) e Metro Goldwyn Meyer (união dos estúdios de Samuel Goldwyn com Louis Meyer). Os estúdios encontraram diretores e atores e com isso nasceu o "star system", sistema de promoção de estrelas e com isso, de ideologias e pensamentos de Hollywood. Começaram a se destacar nesta época comédias de Charlie Chaplin e Buster Keaton, aventuras de Douglas Fairbanks e romances de Clara Bow. Foi o próprio Charles Chaplin e Douglas Fairbanks junto a Mary Pickford e David Wark Griffith que acabaram criando a United Artist com o motivo de desafiar o poder dos grandes estúdios. Em alternativa a Hollywood existiam vários outros lugares que investiam no cinema e contribuiam para seu desenvolvimento. Na França, os cineastas entre 1919 e 1929 começaram um estilo chamado de Cinema Impressionista Francês ou cinema de vanguarda (avant garde em francês). Se destacaram nesta época o cineasta Abel Gance com seu filme épico "J’Accuse" e Jean Epstein com seu filme "A queda da casa de Usher" de 1929 Na Alemanha surgiu o expressionismo alemão donde se destacam os filmes "Das Cabinet des Dr. Caligari" ("O gabinete do doutor Caligari") de 1920 do diretor Robert Wiene, "Nosferatu", "Phantom" ambos de 1922 e do diretor Friedrich Wilhelm Murnau e Metrópolis de Fritz Lang de 1929.


Na Espanha surgiu o cinema surrealista donde se destacou o diretor Luis Buñel. "Un Perro andaluz" (ou "Um Cão Andaluz" em português) de 1928 foi o filme que mais representou o cinema surrealista de Buñel. Na Rússia se destacou o cineasta Serguei Eisenstein que criou uma nova técnica de montagem, chamada montagem intelectual ou dialéctica. Seu filme de maior destaque foi "The Battleship Potemkin" (ou br: "O Encouraçado Potemkin", pt: "O Couraçado Potemkin") de 1925.”

Os filmes também começaram a crescer em duração. Antes um filme durava de 10 a 15 minutos. Em 1906, apareceu um filme australiano "The Story of the Kelly Gang" que é lembrado como o primeiro longa metragem do cinema. Depois dele, a Europa começou a produzir filmes até mais longos: "Queen Elizabeth" (filme francês de 1912), "Quo Vadis?" (filme italiano de 1913) e "Cabiria" (filme italiano de 1914, este último com 123 minutos de duração.” Com isso ia se consagrando, crescentemente, o cinema, como técnica, como arte e como indústria. A técnica cinematográfica consiste na confecção de imagens individuais chamadas fotogramas. Antes dos irmãos Lumière um conjunto de esforços preparam-lhe o terreno, como em todas as invenções científicas: “ O cinema nasceu de várias inovações que vão desde o domínio fotográfico até a síntese do movimento utilizando a persistência da visão com a invenção de jogos ópticos. Dentre os jogos óticos inventados vale a pena destacar o thaumatrópio (inventado entre 1820 e 1825 por William Fitton), fenacistoscópio (inventado em 1829 por Joseph-Antoine Ferdinand Plateau), zootropo (em 1834 por Will George Horner) e praxinoscópio (em 1877 por Emily Reynaud). Em 1888, Emily Reynaud melhorou sua invenção e começou projectar imagens no Musée Grévin durante 10 anos Quando essas imagens são projetadas de forma rápida e sucessiva, o espectador tem a ilusão de que está ocorrendo movimento. A cintilação entre os fotogramas não é percebida devido a um efeito conhecido como persistência da visão, pelo qual o olho humano retém uma imagem durante uma fração de segundo após a fonte ter sido removida. Os espectadores têm a ilusão de movimento devido a um efeito psicológico chamado movimento beta.” (Wikipedia) A arte do cinema se refere à escolha dos temas, imagens e sequências narrativas ,que funcionam como um olho crítico da sensibilidade do Diretor sobre o mundo e o tempo. Este caráter artístico do cinema foi francamente estimulado na França, em 1907, pelos irmãos Laffite, os quais fizeram grandes esforços para levar a elite ao cinema, rompendo com o estigma de que era uma arte “das feiras”, para as classes menos exigentes. A “a avant garde”, nos anos 20 na França, depois secundada pela “ nouvelle vague”, “o “expressionismo” alemão, também dos anos 20, no qual se destaca F. Murnau, R. Wiener e Fritz Lang , e o “surrealismo” espanhol inaugurado, em 1928, por Luiz Buñuel, todos, marcam um salto na direção do “cinema arte” . Comparado, a rigor, com a literatura, que sempre mereceu dos filósofos grande atenção, a narrativa cinematográfica é até mais impactante, porque sintética, do que o romance. Ao final, logra sucedê-lo, com vantagens, como fundamento de uma teoria e pedagogia da existência humana. Leva-se, a rigor, uma vida para ler –apenas- os


clássicos, cujo conhecimento, na verdade, sempre definiu uma elite intelectual privilegiada, mas bastam alguns meses, para, não só se ter um contato sensorial com estes clássicos, através de filmes sobre eles e suas obra, aí acrescentando melodias imortais, os mais belos quadros do mundo e grande parte da iconogrofia de cada uma das eras, inclusive vindouras, desde a “A Guerra do Fogo”, de Jean Jacques Anna (1981) ,até a última superprodução “Avatar”, de James Cameron (2009). E isto contribui para um dos objetivos do iluminismo que consiste, desde a Revolução Francesa, em , através da educação, elevar o nível cultural das grandes massas e suas consciências sobre a condição humana. A indústria reúne, enfim, o vasto complexo que faz do cinema uma arte eminentemente coletiva e ponto de apoio da industrial cultural contemporânea. Há, certamente, mais pessoas ligadas, hoje, à industria cinematográfica, do que operários nas linhas de produção da industria automobilística .E foi, precisamente, como parte da cultura de massas que o cinema passou à consideração dos grandes filósofos de Século XX, dentre eles os que hoje chamamos como pilares da Escola de Frankfurt e, principalmente, Walter Benjamin. Só para se ter uma idéia: O custo de “Avatar” foi de US $500.000.000,00, valor maior do que o PIB de vários pequenos países com assento nas Nações Unidas... Como adverte um estudioso: “O advento do Cinema no mundo contemporâneo, assim como o da fotografia, trouxe ao ser humano novas possibilidades de conhecimento tanto objetivo quanto subjetivo. Enquanto os primeiros relacionam-se mais ao cotidiano do indivíduo, aos modos e às atitudes que o levam à sala de cinema ou que adquire uma educação audiovisual, os segundos adquirem um sentido mais amplo se considerados junto à experiência e ao prisma sensível e perceptivo do espectador. O Cinema, a nova indústria de imagens, proporcionou e atualizou uma nova linguagem, visual e imaginária, adquirindo uma dimensão significativa nos meios de comunicação, uma vez que sua tecnologia, mais que um aparato, também é um novo organizador perceptivo, favorecendo as transformações do sensorium, ou seja, dos modos de percepção e de experiência social.” (José Rodrigo Gerace , in http://www.revistaetcetera.com.br/16/cinemasensorium/index.html ) E aqui começamos a perceber a conexão do cinema com a democracia no Século XX. Norberto Bobbio, num clássico intitulado “A Era dos Direitos”, nos fala da revolução coperniquiana realizada no século passado nas relações da sociedade com o Estado, até então restrita aos imperativos hobbesianos do Leviatã. Desde Aristóteles, passando por Hobbes e Kant o indivíduo era visto sempre como tributário de deveres frente ao contrato social. Isto muda profundamente no Século XX, com a consolidação de direitos que culminam na Declaração dos Direitos Humanos pela Assembléia das Nações Unidos, em 1949, e a criação recente do Tribunal Internacional dos Direitos Humanos, também da ONU. O Estado, doravante, passa a ser o avalista destes direitos e instrumento de sua efetiva realização. O “Leviatã” se dissolve na sociedade civil. Mas o Século XX é também o “Século das Imagens”, que se inicia com o cinema e culmina com a internet. Na primeira metade do século, são ainda tímidas as influências da fotografia e do cinema na cultura. Ainda assim, a fotografia passa, ao longo do século, a ser tratada cada vez mais como texto e não apenas elemento de suporte ou mero adjetivo das mensagens e fontes escritas. Quanto ao cinema, o american way of life , se difunde no mundo inteiro a partir de Hollywood, enaltecendo


um estilo de vida cada vez mais identificado como “ocidental”, porém sempre em confronto com a abordagem mais complexa e existencial do cinema europeu. Mas como salienta uma estudiosa do assunto, Eugênia Maria Dantas, o poder da imagem se afirma : “...apesar da liberação dada por (estes) novos historiadores, a imagem manteve-se com uso relativamente pequeno tanto na primeira geração, aquela de Marc Bloch e Lucien Febvre, como na segunda, de Fernand Braudel”. (2006, p. 315) . (...) , somente em 1960, especialmente em 1968, quando os movimentos estudantil, negro, gay, feminista e operário, dão uma grande virada na historiografia, é que as imagens vão aparecer de modo mais proeminente na obra de historiadores como Jacques Le Goff, Geoges Duby e Jean Delameau”. Uma foto como a da menina Phan Thi Kim Phuc, nua, fugindo de seu povoado que estava sofrendo um bombardeamento de napalm, no dia 8 de junho de 1972, até hoje é lembrada como uma das mais terríveis imagens da Guerra do Vietnam. Os subseqüentes filmes de denúncia dos horrores desta Guerra desmoralizaram o discurso arcaico de Richard Nixon como Presidente dos Estados Unidos, inibindo-o e forçando-o à retirada daquele país. Pouco depois, filmes como Apocalypse Now, Pecados de Guerra e Nascido a 14 de julho, acabaram sublinhando o estado de espírito anti-guerra naquele país . A década de 70 é inflexão importante neste processo de afirmação do poder da imagem, fazendo com que sua produção, transmissão, divulgação e consumo passe a cumprir um papel verdadeiramente revolucionário sobre a cultura. Jean Baudrillard, filósofo pós-modernista francês, dirá que nesse período a imagem rompe as cadeias com seus próprios produtores e com qualquer outra amarra e se transforma num veículo de libertação da cultura, da ideologia dominante e outras formas de dominação.Curiosamente, ele parece seguir os passos de outro filósofo, Walter Benjamim, que lhe antecedeu. Walter Benjamin, filósofo alemão, um dos mais intrigantes pensadores da Escola de Frankfurt, não conseguiu concluir sua obra. Morreu na fronteira da França com Espanha, em fuga do nazismo. Mas deixou uma percepção aguda sobre a supremacia das imagens sobre as palavras ao cunhar a expressão “imagem dialética”. E chamou a atenção sobre o “sensorium” por elas suscitado.

“Falar de Walter Benjamin, ou mais precisamente de sua obra, é ampliar as vozes dissonantes ocultadas pela história e pela filosofia. A importância desse filósofo está em sua crítica e em seu modo peculiar e alquímico em explanar uma filosofia nãoconvencional. (...)Então, sua obra parece ser uma filosofia contra a filosofia. Benjamin, nesse sentido, procurou fazer com que sua filosofia abrangesse a totalidade da experiência filosófica e da verdade, associando-a juntamente aos objetos da experiência cultural como a literatura, as obras de arte e o cinema. Será portanto em “A obra de arte na era de suas técnicas de reprodução” (1994) que irá mostrar como o resultado da tecnologia de reprodução na modernidade, especificamente o cinema, alterou (atualizou) as práticas culturais cotidianas, a percepção, o sensorium e a sabedoria do ser humano.” (José Rodrigo Gerace , in http://www.revistaetcetera.com.br/16/cinemasensorium/index.html )


Benjamin, que escreveu antes da reorganização da Escola de Frankfurt por Theodor Adorno, nos anos 50, e antes da criação do conceito crítico de “indústria cultural”, tinha uma visão positiva sobre o cinema e sobre ele depositava grandes esperanças de redenção cultural das classes menos privilegiadas. “Benjamin considera ainda que a natureza vista pelos olhos difere da natureza vista pela câmara, e esta, ao substituir o espaço onde o homem age conscientemente por outro onde sua ação é inconsciente, possibilita a experiência do inconsciente visual, do mesmo modo que a prática psicanalítica possibilita a experiência do inconsciente instintivo. Exibindo, assim, a reciprocidade de ação entre a matéria e o homem, o cinema seria de grande valia para um pensamento materialista. Adaptado adequadamente ao proletariado que se prepararia para tomar o poder, o cinema tornar-se-ia, em conseqüência, portador de uma extraordinária esperança histórica. Em suma, a análise de Benjamin mostra que as técnicas de reprodução das obras de arte, provocando a queda da aura, promovem a liquidação do elemento tradicional da herança cultural; mas, por outro lado, esse processo contém um germe positivo, na medida em que possibilita I outro relacionamento das massas com a arte, dotando-as de um instrumento eficaz de renovação das estruturas sociais. Trata-se de uma postura otimista, que foi objeto de reflexão crítica por parte de Adorno.” (Olgaria F. Mattos, in http://www.culturabrasil.pro.br/frankfurt.htm) Muito se poderia sobre Walter Benjamin e o cinema. Mas não é o propósito deste artigo que apenas se destina a sugerir uma conexão, com base no poder de imagem, entre o Século dos Direitos e o Século das Imagens, aqui relevando o papel da fotografia e do cinema, como construtos da democracia no Século XX. Com efeito, se a aquisição dos direitos não se restringiu a uma ação do Estado, mas a um movimento efetivo da cidadania no rumo da sua emancipação, deve-se creditar às imagens um poder- senão maior -tão grande quanto o poder das palavras registradas nos manifestos que marcaram a historia do século XX. Talvez por isto, um fato aparentemente corriqueiro como a entrega de prêmios pela Academia de Cinema de Hollywood, tenha uma audiência tão significativa no mundo inteiro. Ainda falta muito, por certo, para que consigamos transformar esta revolução da imagem num amplo mecanismo de formação de consciências humanas sobre suas próprias existências e relações com o que lhe é exterior. As cidades no Brasil, por exemplo, não dispõem de salas adequadas de projeção e áudio-visual, as escolas desdenham até mesmo do uso de uma boa produção de áudio-visuais, já disponíveis em redes públicas, os governos só pensam em imagem quando se trata da autolouvação de suas respectivas biografias e feitos, num uso abjeto de arte com fins políticos. Mas não custa insistir: “TODOS AO CINEMA...!!” *** PAULO TIMM, 65 – Economista, Pós Graduado ESCOLATINA, Universid”ade do Chile, Ex Presidente do Conselho de Economia DF , Professor da UnB. Louco por cinema... http://www.cartapolis.com.br/noticia.php?id=522 LUIS BUÑUEL (1900-1983) - A ARQUITETURA DOS SONHOS


«El resto del tiempo, soledad, ensoñación, un vaso de agua o un café, el aperitivo dos veces al día, un recuerdo que me sorprende, una imagen que me visita, y luego una cosa lleva a la otra, y ya es de noche.» Luis Buñuel, de sua autobiografia Mi Último Suspiro (1982). Luis Buñuel Portolés nasceu ao meio-dia de 22 de Fevereiro de 1900, na aldeia de Calanda, Teruel, Espanha. Era filho de Leonardo Buñuel González, proprietário que fizera fortuna em Cuba com um negócio de ferragens, e de María Portolés Cerezuela, muito mais jovem do que ele, com quem teve sete filhos: Luis, Maria, Alicia, Concepción, Leonardo, Margarita e Alfonso. Pouco depois, a família estabeleceu a sua residência em Saragoza, e só ia a Calanda durante a Semana Santa e nas férias de Verão. Luis teve uma infância feliz, saudável e despreocupada, em contacto com a rica natureza campestre da sua terra. Desde cedo, demonstrou grande sensibilidade em relação ao incomum e ao extraordinário, e facilmente se encantava com animais, plantas e fenômenos naturais. Foi também na infância que adquiriu um enorme fascínio pela morte, quando deparou com um burro putrefato numa valeta. Aos oito anos, viu o seu primeiro filme num cinema de Saragoza. Estudou num colégio de Jesuítas, cuja influência se faria sentir para o resto da sua vida. Com a adolescência, perdeu a fé, tornando-se anti-clerical e ateu, e, em 1915, foi expulso do colégio, tendo terminado os seus estudos secundários no Instituto de Saragoza.

Os Primeiros Passos

Em 1917, Buñuel foi estudar em Madrid e conviveu com muitos daqueles que fizeram parte da famosa Geração de 27, tomando conhecimento das vanguardas artísticas e literárias da época — cubismo, dadaísmo e surrealismo. Tornou-se grande amigo de três companheiros de boemia que tiveram nele (e em quem ele teve) uma influência fundamental: Pepín Bello, Federico García Lorca e Salvador Dalí. Em 1920, fundou o primeiro cineclube espanhol. Em 1921, participou na representação teatral de Don Juan Tenorio, de Zorrilla, em Toledo. Em 1922, publica os primeiros textos literários. Em 1924, depois de ter freqüentado, sem grande convicção, vários cursos universitários, acabou por se licenciar em História. Retrato de Luis Buñuel, 1924 por Salvador Dali. Paris e o surrealismo Em 1925, foi viver em Paris, onde estudou cinema e trabalhou como crítico de cinema em várias publicações. Neste mesmo ano, conheceu Jeanne Roca, jovem francesa que havia sido medalha de bronze em ginástica artística nos Jogos Olímpicos de Paris em 1924, com quem se casaria em 1934. Buñuel trabalhou como assistente de vários realizadores, entre eles Jean Epstein, de quem foi ajudante de direção.


Fascinado pelo movimento surrealista, começou a repassar a seus colegas as novidades da tendência, escrevendo poemas e convencendo Salvador Dalí a mudarse com ele para Paris, então capital cultural do mundo. Em Janeiro de 1929, Buñuel e Dali, utilizando o método surrealista do "cadáver esquisito" escrevem o roteiro do filme que acabaria por ter o título de Um caiem andaluz (Um cão andaluz). O filme era um sutil mas evidente ataque a García Lorca, de quem se haviam afastado, em parte porque Buñuel (machista assumido) tinha aversão à homossexualidade do poeta, além de todos os seus esforços para sabotar a amizade deste com Dalí. Foi rodado em quinze dias durante a Primavera e estreou em 6 de Junho em Paris, perante a nata da sociedade e da intelectualidade francesa. O filme foi um sucesso em Paris e um escândalo na Espanha, onde foi proibido. Toda a imagética surrealista (burros podres dentro de pianos de cauda, mãos cortadas, metamorfoses visuais, etc.) criara sensação e espanto. Buñuel refere que a cena inicial da navalha cortando um globo ocular provocava desmaios na platéia, tendo mesmo chegado a ocasionar um aborto numa espectadora. No Verão de 1929, Buñuel e Dalí estão em Cadaqués a preparar um novo filme, L'Âge d'Or. Mas a sua colaboração e amizade são depressa ensombradas pelo aparecimento de Gala Éluard, por quem Dalí se deixa enfeitiçar e influenciar totalmente. Por outro lado, a antipatia entre Buñuel e a ciumenta Gala é instantânea e mútua, a ponto de Buñuel, num acesso de cólera, tentar estrangulá-la. Ele então regressa a Paris onde acaba o roteiro e roda o filme (sem dar crédito à colaboração de Dalí, e a partir daí a amizade entre eles nunca mais seria a mesma), fortemente anticlerical. Uma vez exibido, cria um enorme escândalo junto da extrema-direita francesa (a sala de cinema é atacada e depois as cópias do filme são recolhidas pela polícia) e da burguesia parisiense. Nessas duas obras emblemáticas estavam patentes de forma concentrada e intensa todos os temas básicos que a sua obra posterior continuaria a refletir mais discretamente, mas com igual poder: o amor louco, o anti-clericalismo, a rebeldia e inconformismo diante do estabelecido e do convencional, uma ânsia de transcendência, expressos em imagens oníricas e alucinantes, cheias de dureza, de corrosivo humor negro e de uma candura embriagante. Em 1930 viajou a Hollywood, contratado pela Metro-Goldwyn-Mayer como observador com o objetivo de se familiarizar com o sistema de produção norte-americano. Conheceu Charles Chaplin e Sergei Eisenstein. Exílio Buñuel voltou à Espanha após a proclamação da República e dirigiu, em 1933, um documentário, Las Hurdes, Tierra Sin Pan, que descrevia, de modo cru, a vida miserável e os costumes ancestrais de uma aldeia espanhola da Extremadura em estado quase selvagem. As imagens e os fatos descritos eram tão extraordinários e irreais, que acabariam por dar ao filme um cunho verdadeiramente surrealista. Foi um escândalo, desagradando ao governo (esquerdista) espanhol que o proibiu por dar uma imagem denegrida da Espanha no estrangeiro. Em 1935, fundou sua própria produtora de filmes, a Filmófono, mas por ocasião da guerra civil espanhola (Dalí aliou-se ao ditador Franco, enquanto Buñuel manteve-se fiel à sua crença em uma república democrática), Luis Buñuel foi forçado a fugir de Madrid em setembro de 1936. No decurso da guerra civil espanhola exilou-se em França, partindo em 1938 para os EUA, estabelecendo-se em Los Angeles. Em 1941 vai trabalhar como conselheiro e


chefe de montagem para o Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova Iorque. Contudo, a publicação em 1942 d'A vida secreta de Salvador Dalí, onde Dalí fala do caso de L'Âge d'Or e expõe as simpatias comunistas de Buñuel, causa um pequeno escândalo e faz com que este tenha de se demitir do MoMA em 1943. Buñuel confronta Dalí e pede-lhe um empréstimo de 50 dólares que o outro, obediente a Gala, recusa por carta, em que simultaneamente faz o elogio de Franco e das virtudes da Igreja Católica. Buñuel jamais lhe perdoará a traição e a mesquinhez. México Em 1946, parte para o México onde realizou filmes comerciais que nada tinham a ver com os seus interesses mais profundos, entre eles Gran Casino, que foi um completo fracasso. Em 1950 recupera a sua autenticidade com Los Olvidados, sobre a vida violenta e dura dos meninos de rua na Cidade do México, onde discretamente insere elementos surrealistas, sendo muito aplaudido pela crítica. Seguem-se Subida al Cielo (1951); Susana (1951); El Bruto (1952); o espantoso (e muito autobiográfico) Él (1952), sobre um señorito paranóico e louco de ciúmes; Robinson Crusoe (1953); Abismos de Pasión (1953); Ensayo de un Crimen (1955); Nazarín (1958), onde insere elementos anticlericais e que foi premiado em Cannes. Viridiana Em 1960, regressou à Espanha para realizar Viridiana, cuja rodagem o governo de Franco aceitou ingenuamente subsidiar e promover no Festival de Cannes, sem qualquer supervisão, e que acabou por se revelar uma paródia impiedosa dos conceitos habituais de caridade e virtude cristãs. Ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes e depressa causou um enor me escândalo em Espanha, onde foi proibido. Buñuel vingara-se de Franco de forma absolutamente imprevisível. Regresso

à

França

O sucesso internacional de Viridiana reacendeu o interesse dos europeus. Depois de filmar no México El ángel exterminador (1962, O anjo Exterminador) e Simón del Desierto (1965), Buñuel passou a só filmar na França, com a preciosa colaboração do argumentista Jean-Claude Carrière, co-autor de todos os roteiros que filmaria naquele país. Em 1964, foi produzida a sua adaptação do romance de Octave Mirbeau, Journal d'une Femme de Chambre. Em 1967, Belle de Jour (A bela da tarde), segundo uma história de Joseph Kessel, em que uma jovem burguesa (Catherine Deneuve), muito frígida com o marido, se prostitui num discreto bordel, dando rédea solta às suas fantasias masoquistas.

Nessa ocasião, Dalí enviou-lhe um telegrama a propor-lhe uma seqüência de Um Cão Andaluz. Buñuel respondeu-lhe: "Águas passadas não movem moinhos." Em 1969, filma La Voie Lactée (A Via Láctea, O estranho caminho de São Tiago), relato da peregrinação de dois vagabundos franceses a Santiago de Compostela, onde Buñuel reflete ironicamente sobre a cristianismo e as suas múltiplas heresias. Em 1970 Buñuel voltou à Espanha para filmar Tristana (Tristana, Amor Perverso), segundo um romance de Benito Pérez Galdós, e em 1972, filma Le Charme Discret de


la Bourgeoisie (O Discreto Charme da Burguesia), onde a alienação, a arrogância, a falta de escrúpulos, a desonestidade e a amoralidade da burguesia são objeto do seu humor negro. Buñuel introduz no filme pequenos apontamentos e historietas de caráter saborosamente surrealista e onírico. O filme ganharia o Oscar para o Melhor Filme Estrangeiro. Seus últimos trabalhos foram Le Lantôme de la Liberté, de 1974, conjunto de historietas e episódios puramente surrealistas, que se vão sucedendo à maneira de um sonho, e Cet Obscur Object du Désir, de 1976, adaptação muito livre de La femme et le Pantin de Pierre Louÿs, em que um homem maduro é manipulado e frustrado por uma jovem e desejável mulher, que o atraiçoa. Últimos

anos

Depois de ter filmado Cet Obscur Object du Désir, Buñuel retirou-se do cinema. Estava cada vez mais surdo e a saúde começava a faltar-lhe. Sempre fora um grande bebedor e fumador, e apesar da sua enorme resistência, começou a sofrer de diabetes e de câncer do fígado. Em Novembro de 1982, o também muito combalido Dalí (Gala morrera em Junho desse ano), enviou-lhe uma mensagem a respeito de uma nova idéia para um filme, a qual seguiu-se a resposta de Buñuel: "Recebi os teus dois telegramas. Fantástica a idéia do filme, mas retirei-me do cinema há cinco anos e quase não saio de casa. É uma pena. Um abraço: Buñuel". Em 1983 publicou a sua excelente autobiografia, Mon Dernier Soupir (O meu último suspiro), na qual, já próximo da morte, reafirma as suas convicções, masnos últimos anos da sua vida Buñuel, apesar de se declarar ateu, aproximou-se da Igreja, e um dos seus melhores amigos era um padre com quem freqüentemente discutia sobre teologia e os mistérios da fé. Morreu na Cidade do México em 29 de Julho de 1983 e, conforme seus desejos, foi cremado e as suas cinzas dispersas.

Filmografia 1977 - Esse obscuro objeto do desejo (Cet obscur 1974 - O fantasma da liberdade (Le fantôme de la liberté)

objet

du

désir)

1972 - O discreto charme da burguesia (Le charme discret de la bourgeoisie) 1970 Tristana Uma paixão mórbida (Tristana) 1969 - O estranho caminho de São Tiago (La voie lactée) 1967 A bela da 1965 - Simão do deserto (Simón del desierto)

tarde

(Belle

de

jour)

1964 - O diário de uma camareira (Le journal d'une femme de chambre) 1962 O anjo exterminador (El ángel exterminador) 1961 - Viridiana (Viridiana) 1960 1959

-

Os

A ambiciosos

adolescente (La fièvre

monte

(La à

El

joven) Pao)


1959 1956 1955 1955 - El río y la muerte

La

mort Cela

Nazarin en s'appelle

ce l'aurore

1955 Ensaios de um crime (Ensayo de un 1953 La ilusión viaja en 1953 O alucinado 1953 Escravos do rancor (Abismos de 1952 O bruto (El 1952 - Robinson Crusoé (Las aventuras de Robinson

(Nazarín) jardin

crimen) tranvía (El) pasión) bruto)

Crusoe) 1952 Uma mulher sem amor (Una mujer sin amor) 1952 Subida al cielo 1951 La hija del engaño 1950 Susana, mulher diabólica (Susana) 1950 Os esquecidos (Los olvidados) 1949 El gran Calavera 1947 Gran Casino (Gran Casino) 1940 El Vaticano de Pio XII 1937 España leal en armas 1933 Las hurdes 1930 A idade do ouro (L'âge d'or) 1929 - Um cão andaluz (Un chien andalou) http://cultmovies.multiply.com/journal/item/39

Dalí, Cinema, Buñuel Welcome Googler! If you find this page useful, you might want to subscribe to the RSS feed for updates on this topic. You were searching for "cinema surrealismo espanhol". See posts relating to your search » Powered by WP Greet Box Eu prefiro, entre os surrealistas, René Magritte, mas como ignorar Salvador Dalí, o catalão ególatra que se considerava a própria metáfora do Surrealismo? Talento? Sobrava-lhe, claro – não se discute esse ponto. Quem questiona não conhece a história da arte no século XX, agora relegado a século passado. O nova-iorquino MoMA traz a público uma exposição sobre a relação de Dalí com o cinema: obras como Um Cão Andaluz e A Idade do Ouro, ambas do espanhol Luís Buñuel, trazem idéias do pintor, sem contar a colaboração com Hitchcock e Walt Disney. Lendo História Desenvolta do Surrealismo, de Jules-François Dupuis, deparo-me com a informação de que o filme Dreams That Money Can Buy, de Hans Hichter, teve mais influência no cinema ocidental que as películas de Buñuel. Não conheço o filme – aliás, ignorava completamente sua existência -, mas o Gúgol torna-o meu quase íntimo. Participam da algazarra Marcel Duchamp, Max Ernst, Fernand Léger, Man Ray


e Alexander Calder. Cada um dirige um episódio (sete, ao todo), representando sonhos que o personagem central (Joe/Narcissus) vende a clientes mais malucos do que ele. É, no mínimo, curioso. Cinema surrealista não é algo de fácil digestão. Lembro-me de ter exibido, no inicio dos 90, a muitos de meus alunos, O Anjo Exterminador, de Buñuel. Angustiante, bem narrado, boas interpretações. Um ótimo filme cheio de símbolos, metáforas que desafiam o espectador e que acabam por depositar pulgas atrás de todas as orelhas. Quem viu há de lembrar-se do urso e dos cordeiros, das cenas que se repetem para a salvação, do primitivismo a que o ser humano é conduzido quando o desespero o invade. Nada se explica – mas é necessário sentir. Assim é uma tela de Dalí (ou de Magritte), um poema de Césaire, um trecho de Breton. É a ideologia revolucionária que se traduz em liberdade, sensação. http://ipsislitteris.opsblog.org/2008/08/17/dali-cinema-bunuel/ Buñuel, segundo ele mesmo e o neto 03/11/2009 Antonio

Gonçalves

Filho

Diego Buñuel, que está em São Paulo rodando uma série para a televisão, fala do avô, cuja autobiografia é reeditada no País Fonte:

ESTADO

DE

SP

O último roteiro que o cineasta espanhol Luís Buñuel (1900- 1983) escreveu, mas não realizou, repousa numa “tríplice cumplicidade”: ciência, terrorismo e informação. Esses três dos quatro cavaleiros do Apocalipse, como costumava se referir a eles, também preocupam seu neto, o francês Diego Buñuel, que está em São Paulo rodando a terceira temporada da série televisiva Zonas de Guerra, do National Geographic Channel (NatGeo). A cara do avô quando moço, Diego, aos 34 anos, diz que se sente seu herdeiro em todos os níveis, do profissional ao sexual, passando pela paixão fetichista por armas de fogo – a exemplo do diretor, a franqueza do neto por vezes desconcerta, mas nunca choca. “Sou hiperssexuado como Pepe”, diz, logo na primeira frase de sua entrevista, em que falou mais da autobiografia de Pepe – aliás, Luis Buñuel -, pioneiro do cinema surrealista, do que do próprio projeto, uma série sobre as dez cidades mais violentas do mundo. A autobiografia do avô, Meu Último Suspiro (Mon Dernier Soupir), escrita com a colaboração de seu roteirista habitual, Jean-Claude Carrière, estava fora de catálogo havia mais de duas décadas. Num lançamento conjunto da editora Cosac Naify e Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, ela volta às livrarias neste fim de semana em nova tradução (de André Telles.) Após todos esses anos, a autobiografia do avô de Diego continua inspiradora para ele, um jornalista premiado que, trabalhando para o jornal semanal da Otan, se tornou correspondente de guerra no Afeganistão, Congo e Iraque, onde rodou um premiado documentário de 90 minutos (Iraq: At Hell”s Gate) sobre a intervenção americana no país. Diego justifica esse seu interesse por zonas de conflito como uma herança intelectual do avô, que adorava. “Não sei se você se lembra, mas o final de seu último filme, Esse Obscuro Objeto do Desejo (de 1977), é premonitório, revelando sua perplexidade diante dos atos terroristas.” De fato, no epílogo do testamento cinematográfico de


Buñuel , um alto-falante anuncia um ato terrorista do grupo extremista Brigada do Menino Jesus, enquanto o casal central (um senhor burguês e sua jovem amante pobre) passa por uma vitrine na qual uma mulher costura um véu ensanguentado. Os dois começam a discutir quando outra bomba explode, tirando a vida do casal. O amor, como um ato devastador de subversão, é punido por uma sociedade que só conhece o ódio. O caos reina, enquanto um vírus dizima a população de Barcelona. “Ateu, graças a Deus”, como o avô, Diego não veio ao Brasil atrás de pastores evangélicos ou chefes do tráfico, definidos por ele como profissionais da violência – a primeira verbal, a segunda, física. No primeiro dia de filmagem de Zonas de Guerra, uma série passada em cidades onde reinam a destruição e a desordem, visitou uma fábrica de carros blindados. “Fiquei espantado com o número deles em São Paulo”, diz Diego, cuja proposta de documentar a violência paulistana deu lugar a um programa em que a principal estrela será um grafiteiro, que arrisca a vida pichando túneis para “limpar” a cidade. “É intrigante essa sua ideia de que seus grafites podem acabar com a violência da urbe.” Manias todos têm. Buñuel cultuava algumas. Gostava de armas e chegou a guardar 65 revólveres e fuzis em casa. Vendeu a coleção em 1964, convencido de que ia morrer naquele ano. Não morreu, mas perdeu um ouvido, em Zaragoza, praticando tiro em recinto fechado. Diego conseguiu recuperar uma ou duas armas , porém nunca as usou. Quando propôs à NatGeo a série Zonas de Guerra, contrapartida à violência “estereotipada” da mídia, decidiu revolucionar o gênero do documentário, colocandose diante da câmera como ator e personagem – ele experimentou a loucura da guerra ao lutar na guerra da Bósnia. “Sou ambicioso como meu avô, que se propôs – e conseguiu – revolucionar a linguagem do cinema com o surrealismo de Um Cão Andaluz.” O filme inaugural do surrealismo, que completa 80 anos, está sendo lançado (leia texto nesta página) pelo selo Cult Classic junto a Simão do Deserto (1965), título menos conhecido de Buñuel, sobre São Estilita, eremita do século 4º que passou mais de 40 anos no topo de um coluna num deserto da Síria. “Meu avô fala muito sobre esse trabalho na autobiografia, mas meu preferido ainda é O Anjo Exterminador, de 1962", comenta Diego. O avô Buñuel não concordaria. Dizia que o tempo curto das filmagens o atrapalhou. Mais opiniões do cineasta sobre os próprios filmes se encontram na última parte de sua autobiografia. Nela Buñuel revela os escritores de quem gosta (Sade) e detesta (Borges, Steinbeck). Polêmica era com ele mesmo. http://www.robertobeling.com/cultura/index.php? pagina=artigos/bunuel.php&CodConteudo=183 Cão Andaluz & O Cão Andaluz George Belasco & O Cão Andaluz foi convidado para a edição especial do "Filmes Malditos à Meia-Noite", que rola na Escola de Audiovisual de Fortaleza.

A idéia é musicar o filme "Um Cão Andaluz", do espanhol Luis Buñuel, que deu o nome pra banda George Belasco & O Cão Andaluz. Fazer ao vivo uma trilha surreal para um filme surreal. Idéia antiga que será posta em prática graças à força de Lenildo Gomes (Escola de Audiovisual) e Alex Oliveira (organizador do Filmes Malditos).


Serão exibidos ainda os filmes "Alice no País das Maravilhas", de Jan Svankmajer, e, durante a discotecagem, "Rabbits", de David Lynch. O

esquema

é

de

GRAÇA

no

Programação

dia

12/JAN

à

da

meia-noite. noite:

00h00 - Exibição do filme "Alice no País das Maravilhas", de Jan Svankmajer; 01h30 - Exibição do filme "Um Cão Andaluz", de Luis Buñuel (com trilha ao vivo de George Belasco & O Cão Andaluz); 01h50 Show de George Belasco & O Cão Andaluz 02h30 - Discotecagem nonsense com Lenilo Gomes, George Belasco e Alex Oliveira. O local? A Escola de Audiovisual, localizada na Vila das Artes. Rua General Sampaio, 1632 - Centro - Fortaleza/CE (próximo à Praça da Bandeira) Sobre

o

cineasta

Luis

Buñuel

e

o

filme

"Um

Cão

Andaluz":

O diretor espanhol Luis Buñuel talvez seja o nome mais conhecido na filmografia surrealista. Responsável por filmes como "O Anjo Exterminador" e "O Discreto Charme da Burguesia", sua primeira película, "Um Cão Andaluz", data de 1928 e contou com co-direção do pintor Salvador dali, até então amigo de Buñuel. "Um Cão Andaluz" é um filme de curta duração que possui uma cenas mais impactantes da história do cinema. Seu roteiro segue a lógica (?) dos sonhos e é tratado como expoente máximo do movimento Surrealista de André Breton. Sobre

o

cineasta

Jan

Svankmajer

e

o

filme

"Alice":

Jan Svankmajer é um artista surrealista Tcheco. Conhecido por suas animações, ele influenciou diretores como Tim Burton (Noiva Cadáver) e Terry Gilliam (Os Irmãos Grimm). Alice, cujo nome original é Něco z Alenky, foi lançado em 1988 e reconta a história de Lewis Carrol, mas de uma maneira bastante peculiar. Nele, permanece a dúvida se há barreira entre o mundo real e o imaginário. Grotesco, perturbador e perverso são os adjetivos comumente atribuídos a esta película, que possívelmente pegou mais de um papai desavisado na locadora. Sobre a banda George Belasco & O Câo Andaluz: A insônia, o mal de amor, a vida nômade, os ônibus noturnos, as garotas da rua e seus bares decadentes; essa é a inspiração fundamental para o universo de George Belasco. Esse prisma fragmentado une-se aos filmes do espanhol Luiz Buñuel, cuja película dá nome à banda de apoio, aos textos de Charles Bukowski e adquire uma natureza fluida e ácida. O formato do grupo é inusitado: em estúdio, é banda de um homem só, aonde George se diz influenciado por grupos como Suicide e Can ao manipular samples, efeitos e se revezar nos instrumentos para trazer uma abordagem mais sintética, mas não menos caótica. Ao vivo, se acompanha de Lucas Jereissati (baixo), Camila Matos (guitarra) e Léo Mamede (bateria) para formar um grupo com um som mais encorpado, repleto de


ruído. No palco GEORGE BELASCO & O CÃO ANDALUZ sente-se próximo de bandas como Clash e Pere Ubu. Estas duas facetas resultaram em aparições em programas de TV (Multishow, TV Diário e TV União), destaques em websites especializados em música (Tramavirtual e RockPress) e na execução em programas de rádio dos quatro cantos do país (PA, RN, CE, RJ, SP, MT, MS, AM, PE e DF). Além disso, a banda foi incluída em três coletâneas: Ceará Original Soundfashion, Somos Robôs: um tributo ao Kraftwerk e SoFun Hits; e foi convidada para festivais relevantes do Ceará, tais como o Ponto.CE 2007 e 1º e 2º Festival Rock-Cordel CCBNB. "Já não é novidade a quantidade de bons nomes que a cena independente de Fortaleza tem relevado para o restante do país. Cidadão Instigado, Karine Alexandrino, Altifalante, Montage, Fossil... a lista é grande. Reunindo uma penca de boas referências e influências, George Belasco & O Cão Andaluz certamente está entre elas. " _Flávio Seixlack, Tramavirtual "Agora a Soundfashion abre com Inóspito, do George Belasco & O Cão Andaluz. Onde eu andava que nunca tinha ouvido falar dessa banda?!!! O CD é para apresentar a nova galera cearense, mas quando começa parece que você está em Berlim, ouvindo um pós-electroclash ou disco-punk bem eletrônico. Fui imediatamente descobrir o MySpace do Cão Andaluz e tudo que escutei por lá me deixou mais contente, pois aponta outros caminhos artísticos que Inóspito nem sugeria. No seu blog, George Belasco diz que é influenciado por Suicide e Can no estúdio e Clash e Pere Ubu ao vivo - dá para entender? Não precisa entender: o ecletismo continua estimulante. " _Hermano Vianna, Overmundo

Sobre

o

cineasta

David

Lynch

e

"Rabbits":

Mais conhecido pelos brasileiros pela série "Twin Peaks", o americano David Lynch possui uma filmografia permeada por uma aura cult. Ele tanto produziu filmes bastante acessíveis, como "A História Real" e "Coração Selvagem", quanto filmes de difícil assimilação, como o recente "O Império do Sonho" e "Cidade dos Sonhos". "Rabbits" é um filme que consiste na reunião dos oito episódios da série homônima, exibida apenas pela internet. A história consiste em três coelhos que vivem numa espécie de sitcom (comédia de situação). Entretanto, os diálogos, os aplausos e as indefectíveis risadas do gênero aparecem em ordem aparentemente aleatória. Estariam os coelhos no purgatório? http://www.oktiva.net/oktiva.net/1156/nota/71373 LUIS BUÑUEL – 20 anos sem o mestre espanhol * “Sigo sendo Ateu, graças ao meu bom Deus”


No vigésimo ano da morte do mais importante cineasta espanhol, retrospectiva de filmes, documentário na TV, artigos e exposições reafirmam a importância e atualidade da obra de Luis Buñuel. Tido por anarquista e iconoclasta, Buñuel é autor de uma das obras mais influentes e agressivas da história da sétima arte. Seus filmes contestam a ordem estabelecida, são insólitos, obsessivamente transgressores sempre impregnados com o tema da morte, do sexo e da religião. Nascido em Calanda, província de Aragão (Espanha), Buñuel vai para Madri estudar Engenharia Agronômica em 1917. Posteriormente abandona o curso. Nessa época conhece e fica amigo de Salvador Dali e Federico Garcia Lorca. Nos anos seguintes, escreve poemas, dirige peças e organiza mostras no cineclube que funda no início dos anos vinte. Em 1924 vai para Paris, onde fortemente influenciado pelos filmes de Fritz Lang, surge a idéia de fazer cinema. Trabalha como assistente do filme A queda da casa Ursher (La chute de la Maison Ursher - 1928) de Jean Epstein. Sua estréia no cinema se dá através do curta-metragem surrealista Um Cão Andaluz (Un Chien Andalou -1929), co-dirigido por seu amigo catalão Salvador Dali e, segundo o poeta mexicano Octávio Paz, a primeira incursão da poesia na arte cinematográfica. É nessa película que aparece a celebre cena de um olho sendo vazado por uma navalha. Ainda sob a tutela do mecenas Visconde de Noailles, Buñuel dirige outro curta, A Idade do Ouro (L’age D’or - 1930), experiência surreal ainda mais radical, com uma temática anticlerical e forte ataque à tradição burguesa da continuidade. O curta é banido da exibição pública e a Igreja Católica considera a película um sacrilégio. Após esses dois filmes, o cineasta espanhol realiza na Espanha o documentário Las Hurdes - Tierra sin Pan (1932), produção modesta e incômoda pela crueza com que retrata a situação de miséria de uma pequena comunidade de seu país. Depois de Las Hurdes, Buñuel passa alguns anos sem dirigir, embora estando envolvido em diversas atividades ligadas ao cinema. Fugitivo do regime fascista do general Franco,refugia-se nos EUA, onde tem uma breve passagem por Hollywood. No ano de 1946 vai para o México onde volta a filmar num país no qual a tradição cinematográfica atende pelo nome de melodrama. Ë uma época de grande atividade para o cineasta, em que chega a rodar três filmes por ano, em ritmo industrial. São dessa fase mexicana as obras primas Los Olvidados(1950) e Nazarin (1958). O primeiro trouxe de volta o reconhecimento internacional com o prêmio de melhor direção no Festival de Cannes de 1951 e o segundo recebeu um prêmio especial em Cannes e arrancou elogios até do Vaticano. 1961 é o ano em que Buñuel lança Viridiana, obra anticlerical rodada em plena ditadura de Franco e que ficou proibida na Espanha, mesmo ganhando a Palma de Ouro em Cannes, depois de ser atacada pelo Vaticano. Até hoje o filme é considerado por muitos críticos de cinema como um dos 100 melhores de todos os tempos. Realiza em seguida O Anjo Exterminador (1962), retorno do mestre espanhol ao universo surreal e a crítica dos valores burgueses. É Somente com A Bela da Tarde (1966), que Buñuel obtêm sucesso de público no mundo inteiro ao contar a história de uma dona de casa rica e bem casada que decide


ocupar suas tardes trabalhando em um bordel. Com Catherine Deneuve o filme ganha o prêmio do Festival de Veneza de 1967. Sempre bem humorado, Buñuel costumava atribuir a boa bilheteria do filme às prostitutas do filme, mais do que ao seu trabalho de direção. Em sua fase européia, Buñuel refinou ainda mais o seu humor corrosivo contra a Igreja, a hipocrisia moral dos burgueses e o poder constituído. São dessa época os filmes O Estranho caminho de Santiago (1969), Tristana (1970), O Discreto Charme da Burguesia (1972), O Fantasma da Liberdade (1972) e seu último suspiro artístico Esse Obscuro Objeto de Desejo (1977). Nele, um chauvinista apaixonado por sua empregada busca conseguir o amor que se revela, além de impossível, incompreensível. Depois de Esse Obscuro Objeto de Desejo, Buñuel voltou para o México e aproveitou os últimos anos que lhe restavam. Velho, surdo, adoentado, não dispensava seus martinis diários. Não abdicava também do bom humor mórbido que o acompanhou por toda a vida e era herança híbrida do surrealismo francês e do anarquismo espanhol. Faleceu em 29 de julho de 1983 na Cidade do México. Influenciado pelas idéias surrealistas e por Freud, Buñuel pôs as forças do irracional a serviço de um projeto libertário. Ironizava impiedosamente tudo aquilo que considerava entrave à emancipação do homem. Usava para isso elementos como o sonho, a obsessão por insetos e animais, o corpo e seus gestos, objetos cotidianos, rituais e símbolos. Como dizia seu amigo Glauber Rocha, “A história do cinema situa Buñuel como um autor e será ele um dos poucos cineastas que, no futuro, terão citação destacada entre os pensadores de nossa época. Um pensamento, quase um sistema que, não tendo sido racionalmente criado, deixa aos críticos um tema fecundo, de onde se pode extrair uma ética-estética. Raros, mesmo entre os autores cinematográficos de hoje, os que podem ser considerados, além de poetas, pensadores.” ( * ) Murilo da Silva Navarro – Mestre em Física pela Universidade Federal de Sergipe e Cinéfilo. http://www.cinemaemcena.com.br/forum/forum_posts.asp?TID=11682

Não conte a minha mãe que estou em São Paulo Compartilhe O jornalista Diego Buñuel, neto do cineasta espanhol Luís Buñuel, esteve no Brasil para gravar um programa da série “Zonas de Guerra”. Acompanhe a conversa que tivemos com ele sobre guerra, cidades e muito mais por Denise Dalla Colletta

Cara de ator de filme latino, um metro e noventa e um sobrenome famoso. Aposto que você conhece várias pessoas que se encaixam nessa descrição e que não precisariam se esforçar muito para aparecer na mídia. Mas Diego Buñuel quer ser e fazer um pouco mais que isso. O peso do sobrenome do avô, o cineasta surrealista espanhol Luis Buñuel, ele superou indo da Europa para os Estados Unidos. Estudou e trabalhou


como repórter criminal em Miami e Chicago até servir o exército francês na Bósnia. Na guerra, Buñuel percebeu que a realidade enfrentada pelos soldados era bem diferente da noticiada pela mídia. “Conheci a máquina por dentro”, afirma. A experiência foi tão marcante para o jovem repórter que ele decidiu ser correspondente internacional em conflitos. Bósnia, Afeganistão, Iraque, Congo, foram muitas guerras. Mas havia um problema com os correspondentes de guerra, “eles são sérios demais”. E não é para ser? “Quando você só mostra tragédia, a realidade fica branca e preta, quero mostrar que ela tem várias tonalidades de cinza”, diz. Agora ele está no Brasil gravando um programa da 3ª temporada da série “Don’t tell my mother I am in...” (Não conte a minha mãe que estou em...) que apresenta no Canal National Geographic. Aqui o programa tem um nome diferente , “Zonas de Guerra”. A esta altura, ele já visitou os mais diferentes conflitos e partiu para mostrar a vida nas grandes cidades onde tudo acontece. A nova temporada do programa ainda não tem data de estréia prevista, mas a assessoria do canal promete para 2010. Leia

a

entrevista

que

fizemos

com

ele:

GALILEU: Por que você não conta para sua mãe que está aqui? Diego Buñuel: Minha mãe é louca, sabe [risos]. O programa começou porque por 8 anos fui correspondente estrangeiro, ia a vários lugares ruins, que minha mãe considerava ruim ao menos. Toda vez que partia, ela começava a ver CNN ou BBC e via uma avalanche de más notícias, tragédias, mísseis, ela enlouquecia. Então sempre que eu ia a algum lugar, dizia ao produtores: “Não contem a minha mãe que estou indo ao Iraque, Afeganistão ou Congo porque vou dizer que estou indo a São Francisco”. Conforme viajava mais e mais a esses países, percebi que o que a gente via pela TV era 1% da realidade deles e há 99% inexplorado. Porque a TV foca no que chamamos no jornalismo de “when it bleeds, it leads” (se sai sangue vira notícia). Não que esse tipo de notícia não importe, mas não é única notícia que vem desses lugares. Há um tipo de sadismo obsessivo por essa cobertura de acontecimentos horríveis. Ela não dá a imagem completa, eles pintam o mundo de preto e branco, mas o mundo tem muitas gradações de cinza. Percebi que alguém teria que mostrar o mundo com um enfoque diferente. Comecei a fazer o programa “Don’t tell my mother...” para mostrar a minha mãe que esse mundo não é como ela imaginava. G: O que você está fazendo em São Paulo agora? Buñuel: Vamos começar a terceira temporada, já fiz todos os países em guerra possíveis e imagináveis nas duas primeiras. Ano passado, li um relatório das Nações Unidas que dizia que, pela primeira vez na história, existem mais pessoas vivendo em zonas urbanas do que no campo. Disse a mim mesmo: isso é interessante, se os seres humanos viverão mais em cidades de agora em diante, deixe-me desvendar como as pessoas estão vivendo nas maiores e mais loucas cidades do mundo. E obviamente São Paulo faz parte desta lista. G: Falando de cidades loucas, você já viu muitas delas no mundo, qual mais lhe impressionou? Buñuel: Eu acho que Lagos na Nigéria me impressionou mais. É uma cidade que quase ninguém conhece, há cerca de 20 milhões de pessoas vivendo lá. Temos uma imagem da África, aquela coisa meio preguiçosa, vagarosa, raramente vemos cidades africanas. Nas cidades as pessoas são bem diferentes do que no campo. De repente acabei em Lagos, em um dos países mais ricos da África, e a cidade era como Nova York. Claro, não tão limpa ou desenvolvida como NY (eu não deveria ter dito limpa).


Era uma cidade louca com pessoas trabalhando, dando duro, do cara que vendia chicletes ao executivo. Repentinamente, tive uma imagem da África que emanava energia e desejo de mudar o mundo. Geralmente, a imagem que temos de lá é de pessoas que passam necessidade e não de pessoas que podem nos ensinar algumas coisas. Acho que consegui mostrar uma outra face, a da África que está sendo bem sucedida e mudando sua própria condição e a de sua região. G: São Paulo tem vários problemas como poluição, trânsito e violência. Você vê algum tipo de solução para esses problemas das grandes cidades? Buñuel: Eu acho que a única solução para qualquer problema, de aquecimento global a guerras, é muito simples: cada um de nós tem que fazer um pouco, não uma só pessoa, mas todos. É este o problema com o mundo em geral. A apatia é a pior coisa do mundo. Inclusive, acho que essa é uma das razões pela qual eu estou fazendo este programa. Não faço para pessoas que leem o New York Times e sabem o que acontece no mundo. Faço para jovens, pessoas entre 15 e 35 anos, e tento mostrar a eles que há gente por aí que está mudando o mundo a seu próprio modo, pelo menos, a realidade ao redor delas. Se todos nós mudarmos nossa realidade, nossa vida, nos envolvendo na comunidade, mudaremos a sociedade. Os problemas são humanos, as soluções também. A não ser que Jesus caia do céu e, num estalar de dedos, faça todos cantarem e darem as mãos, mas não esperaria por isso. G: Diante de notícias de violência no Rio de Janeiro, qual seria o assunto de seu programa na cidade? Buñuel: O que estou fazendo aqui é o negócio da blindagem. São Paulo é o líder mundial de blindagem de carros. É uma coisa única, a classe média no Rio e em São Paulo está blindando veículos. Não é algo reservado apenas a dignitários e presidentes. Somente uma fábrica produz mais de mil carros por ano, o custo varia entre 250 e 500 mil dólares para cada carro. Há duas coisas para fazer com seu dinheiro: você pode tanto se proteger das ameaças de fora quanto investir nos que estão fora. Isso significa mais de 55 milhões de dólares indo para apenas essa única empresa. Se você tentasse investir esse dinheiro na comunidade, talvez não precisasse se proteger dela, não haveria necessidade de ficar preocupado em ser baleado ou assaltado. Mas o problema no Brasil é gigante, porque o Brasil é um país gigante. Eu não sei se tenho a inteligência ou a habilidade para oferecer soluções. Acho que meu papel é mais o de tentar olhar para essa situação estranha, incomum e contar uma grande história sobre ela. Minha meta é encontrar as pequenas histórias e contar as grandes, basicamente. G: Há alguma ligação entre seu estilo de fazer filmes e o de seu avô? Buñuel: Há um link: meu avô usava o humor para criticar a hipocrisia da sociedade. Ele usava o surrealismo e o humor para apontar o dedo para religião, hipocrisia. Mas ele usava surrealismo, eu uso hiper-realismo. Uso humor para apontar os absurdos do mundo em que vivemos. Há um problema com correspondentes internacionais, eles são muito sérios. Mas não precisa ser, porque a realidade de nossas vidas é humana. E humano é sério, engraçado, divertido... Não é um único sentimento, é isso que tento trazer para as histórias. Um jeito de mostrar ao mundo essa complexidade, essa tragédia, mas também esse humor e essa esquisitice. Não conte a minha mãe que estou em São Paulo Compartilhe


O jornalista Diego Buñuel, neto do cineasta espanhol Luís Buñuel, esteve no Brasil para gravar um programa da série “Zonas de Guerra”. Acompanhe a conversa que tivemos com ele sobre guerra, cidades e muito mais por Denise Dalla Colletta

G: O que você acha que é mais importante em um documentário? Buñuel: As pessoas. Não me considero um jornalista, mas um trovador. Na Idade Média esses caras iam de castelo em castelo fazendo “blim blim” e contando histórias. Está incrustado em nosso DNA o prazer de ouvir boas histórias. Pense na melhor história que você escutou, provavelmente foi numa mesa de família ou com amigos, alguém começou a contar e todos param para escutar. Desde os períodos mais antigos de nossa história em volta da fogueira, nas cavernas, as pessoas já contavam como foi a caçada de um mamute. Contar histórias é uma parte central de nosso desenvolvimento. Por isso contam histórias para crianças, existem livros e muito mais. Meu trabalho é tentar contar a melhor das histórias, não como repórter ou apresentador, mas apenas como um contador de histórias. Se você consegue contar boas histórias, faz com que as pessoas fiquem interessadas, toca pessoas mais do que mostrando a elas fotos horríveis. G: Você começou sua história como jornalista de guerra antes de ser correspondente, servindo o exército... Buñuel: Na verdade não, comecei no jornalismo como repórter de crime em Chicago e Miami. Miami é uma cidade de muitos crimes, há gangues jamaicanas, traficantes colombianos, refugiados cubanos, furacões... Foi um bom treino para mim. Sempre quis ser correspondente internacional, mas o grande problema era como chegar lá. Por sorte, depois de 3 anos em Miami fui convocado pelo exército francês para servir na Bósnia por 10 meses como soldado. Aquilo me deu uma primeira perspectiva de correspondente internacional. Também me mostrou como os militares passavam a informação, eles contam uma coisa à imprensa, mas a realidade é outra. Foi uma experiência muito esclarecedora para mim como um jovem repórter dentro da máquina e fora dela. Quando saí do exército comecei a trabalhar na TV francesa. Para mim a TV foi o demônio por muito tempo. Eu era jornalista de impresso, aquilo era sagrado. G: Antes de vir para cá você tinha uma imagem do país e agora isso mudou? Buñuel: Infelizmente estou aqui há pouco tempo, em 10 dias consigo lhe dizer alguma coisa. Os estereótipos do Brasil são bem conhecidos, garotas de biquíni no Rio, samba e favelas. E há um outro, a destruição da Amazônia. Mas do mesmo jeito que a França é conhecida pelo vinho, romance e a Torre Eiffel. É óbvio que há muito mais. Acho que o problema é esse: meu país, seu país foram reduzidos a estereótipos. Nosso trabalho como jornalistas é duro, temos que trazer as histórias reais para as pessoas. Espero que as histórias que eu contar sobre o Brasil surpreendam as pessoas aqui e fora. G: Sabia que o nome do seu programa no Brasil é Zonas de Guerra? Você acha que cidades como São Paulo ou Rio podem ser consideradas zonas de guerra? Buñuel: Sim, eu soube. Tudo que vi nas favelas, as forças especiais subindo para pegar


traficantes, isso é guerra. É uma guerra não declarada. É interessante pela temática das cidades, tudo acontece nas cidades hoje. Guerra, amor, loucuras... Elas tornaramse microcosmos do mundo. Há uma guerra ocorrendo. As maiores guerras são por causa das drogas. Acabei de voltar do México, que é estraçalhado pela guerra, estive no Afeganistão, onde o país é estraçalhado pelo ópio. E na Colômbia, em Marrocos onde produzem haxixe. Não podemos vencer a guerra contra as drogas. Qual é a solução? É legalizar, mas ninguém tem a coragem de fazê-lo. Continuamos morrendo, sendo corrompidos, sofrendo por causa desse problema. É terrível, ninguém percebe que não há fim e que temos que pensar em alternativas. As drogas foram a razão pela qual derrubaram aquele helicóptero no Rio. G: Conhecendo tantas cidades, se você pudesse escolher, qual seria a sede dos Jogos Olímpicos de 2016? Buñuel: Não seria o Rio [risos], brincadeira. Não tenho uma opinião sobre jogos olímpicos. Não sou jornalista de esportes. São decisões muito políticas que mostram a razão pela qual o Brasil foi escolhido. O Brasil está emergindo como um grande “jogador” mundial. O Brasil é um dos maiores poderes do mundo, e vai ficar maior. A América está ficando mais forte, Índia e China também. G: Pelo que vemos pela mídia, a violência está aumentando. Teremos tempo para controlar a violência no Rio antes dos Jogos? Buñuel: Não acho que a violência está aumentando. Ela sempre foi parte de nossa experiência, é que agora nós ouvimos falar mais dela, todos têm uma câmera. Quando algo acontece, ficamos sabendo imediatamente. Esse é o problema de dar notícias sem análise. A realidade de São Paulo é que a criminalidade reduziu 73% desde os anos 1990, uma queda extraordinária. Há percepções diferentes da realidade. O maior problema do Brasil é a discrepância entre ricos e pobres. Um número enorme de pessoas pobres e nenhuma maneira real de tirá-los disso, ai entra o tráfico de drogas. É o mesmo problema em toda cidade grande. A classe média é a chave para mudar a sociedade. Quanto maior a classe média, maiores os programas sociais. Acho que quanto mais o Brasil se desenvolve, haverá mais indústrias e mais classe média. Lentamente os problemas serão resolvidos. Mas sempre haverá pobreza e favelas. Acontece em todo lugar. GALILEU: Você não concorda que no passado éramos mais violentos? Buñuel: A violência de atirar em alguém e cortar a cabeça é um pouco diferente. Há quem diga que o lado bárbaro da guerra é menor hoje, que é mais civilizada, no sentido que matar alguém com uma bala não é o mesmo que desmembrá-lo. Não acho que éramos mais bárbaros e agora somos menos. Sempre fomos pessoas horríveis. Até as pessoas mais civilizadas, como os alemães antes da guerra, são capazes das maiores atrocidades. Não importa o quanto sofisticados, ricos e educados somos. Todos nós somos capazes. É uma qualidade unificadora da raça humana: podemos ser terríveis. Mas acho que há uma outra característica unificadora: nós também podemos fazer o bem. Voltamos para o que disse antes, a solução está em todos nós. É nossa escolha pessoal sermos bons ou maus. É impossível tirar a guerra da humanidade.


Infelizmente, não direi nada novo agora, a guerra é parte de nossa história, de nosso jeito de fazer as coisas. Dizer “paz e amor” e acabe com armas nucleares, é como dizer pare de respirar. Não sou muito otimista a respeito do fim da guerra. Antes de dizer que estamos menos bárbaros, pense no que aconteceu no Iraque, carros bomba, homens bomba que explodem e matam centenas, essa é a nova barbárie. http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI111320-17780-1,00NAO+CONTE+A+MINHA+MAE+QUE+ESTOU+EM+SAO+PAULO.html Um Cão Andaluz Título original: Un Chien Andalou Ano: 1929 País: França Duração: 16 min. Gênero: Surrealismo puro Diretor: Luis Buñuel (A Idade do Ouro, Gran Casino, Os Esquecidos) Trilha Sonora: Richard Wagner Elenco: Simone Mareuil, Pierre Batcheff, Luis Buñuel, Robert Hommet, Fano Messan, Salvador Dalí, Jaime Miravilles Distribuidora do DVD: Versátil Home Video Avaliação: Visto em DVD em 11-ABR-2007, Quarta-feira Neste que é um dos curta-metragens mais famosos de todos os tempos (apenas 16 minutos), Luis Buñuel estréia na direção sem qualquer preocupação narrativa e com imenso desejo de exteriorizar sua concepção surrealista de arte, em companhia do então amigo Salvador Dalí, que co-escreveu o "roteiro". O filme é indecifrável numa primeira sessão. Depois dela, assisti mais 2 vezes. Admirador da lógica que sou, tentei imbuir algum sentido na sucessão de imagens quase sem conexão alguma umas com as outras. Conexões? A caixa que aparece com o cara de bicicleta, com a moça que se veste de homem e no final, despedaçada na praia, enquanto o duo central de atores caminha sobre as pedras. O resto é desconexo demais, e só encontra sentido no âmbito psicológico, metafórico e onírico. Um exemplo é o paralelo entre a lua cortada pela nuvem e o olho aberto pela navalha, numa cena desconcertante em que o mestre de cerimônias é o próprio Buñuel, teoricamente disposto a agredir o espectador (ou escancarar sua alma, visto que os olhos são tidos como os espelhos da alma). Mas o mais importante de tudo foi minha ânsia em descobrir o sentido do título Um Cão Andaluz. Pois bem. Quem já viu o filme sabe que, lá pelas tantas, a mocinha fita uma mariposa na parede. O inseto – Buñuel os estudou antes de enveredar pelas artes – é um espécime da supersticiosamente temida traça da morte. Reparem no momento em que a câmera foca as costas do bicho. Olhem para a figura que se forma. Não parece um cão? Talvez até mesmo um da raça podenco andaluz? A probabilidade desta associação ser impertinente e tola é muito grande. Nenhuma outra interpretação que li na Internet um dia depois, porém, se atrevia a destrinchar o


motivo do filme ter o título que tem. Há todo um leque de teorias acerca das imagens e de qualquer suposto propósito por trás delas. Descobri, por exemplo, que a cena das formigas que emergem nas mãos do homem pode ser uma alusão à expressão francesa "fourmis dans les paumes", que denota um "ardente desejo de matar". Há também a cena do mesmo homem que puxa dois pianos com dois burros mortos sobre eles, dois padres e duas tábuas dos Dez Mandamentos, uma metáfora para o atraso cultural causado através dos tempos pela religião e pela igreja. Não é possível avaliar o curta de acordo com padrões estabelecidos. Mas não há dúvida de que ele chama a atenção pela concepção artística, pelo absurdo de suas situações e, acima de tudo, por ser uma introdução inclemente ao universo surrealista no cinema. Além disso, o filme acaba bem rápido e não toma muito tempo da platéia. Mas é somente por um grande erro de continuidade (na cena em que a moça é atropelada por um carro) que ele não ganha nota 10/10. O Cão Andaluz vem num DVD em edição conjunta com A Idade do Ouro, outro trabalho surrealista dirigido por Buñuel em 1930. A seção de extras vem com uma entrevista de 15 minutos com Juan-Luis, filho do diretor, discorrendo sobre Um Cão Andaluz, e outro depoimento de 5 minutos em que ele fala das rusgas que marcaram o relacionamento entre Buñuel e Salvador Dalí após a realização dos dois filmes. Há ainda uma galeria de pinturas surrealistas da época, dois artigos em texto sobre o tema e biografias de Buñuel e Dalí.

Resisti ao diabo e ele fugirá de vós

Data de Publicação: 4 de janeiro de 2006 Índice Texto Anterior Próximo Texto Amigos leitores, dedico hoje este espaço aos lançamentos em DVD. E, quando digo lançamentos, não me refiro às pérolas hollywoodianas que obedecem a uma cruel e veloz lógica de mercado segundo a qual esses filmes chegam em tempo recorde às prateleiras das vídeo-locadoras. Toda essa pressa é justificada pelo simples fato de que esses produtos da indústria cultural, uma vez devorados e digeridos pela massa ávida, são esgotados. Assim sendo, fica muito mais fácil compreender essa tal cultura de valorização dos lançamentos, excessivamente novos mesmo. Diante desse fenômeno escatológico (porque pra mim isso é o fim do mundo, sim!) podemos perceber que os (re) lançamentos em DVD de filmes essenciais para a instrução e deleite de qualquer cinéfilo passam desapercebidos pelo mercado, visto que não é viável, do ponto de vista econômico para as vídeo-locadoras, tê-los repousando displicentemente em suas prateleiras sem gerar lucro. Não, amigos leitores, não é viável. Esses filmes são esperados com expectativa por muito poucos que, na maioria das vezes, compram uma cópia para si, sabendo da impossibilidade de encontrarem seu objeto de desejo nas prateleiras das vídeo-locadoras. E aqueles que não possuem


recursos para tal, resta somente lamentar ou render-se de uma vez por todas à indústria cinematográfica. Mas eu prefiro continuar acreditando que Hollywood é como o diabo, e me lembro daquela passagem da Bíblia escrita pelo apóstolo Tiago: "Resisti ao diabo e ele fugirá de vós". E assim o é. Mas, enfim, vamos aos lançamentos. Alguns diretores geniais estão tendo suas obras lançadas em DVD. Entre eles, estão os irmãos Taviani, Ettore Scola e o grande mestre do surrealismo Luis Buñuel, este tendo sua obra da fase mexicana lançada simultaneamente por duas distribuidoras: a Versátil Home Vídeo e a Continental. Cinema

TÍTULO: ACONTECEU NA PRIMAVERA, DOS IRMÃOS TAVIANI Título Original: Fiorile Direção: Paolo e Vittorio Taviani Elenco: Claudio Bigagli, Galatea Ranzi, Michael Vartan, Lino Capolicchio, Constanze Engelbrecht, Athina Cenci. Ano de Produção: 1993 Duração: 116 minutos Cor: Colorido Tipo de Diálogo: Livre Gênero: Drama Faixa Etária: 14 anos País de Produção: França, Itália Sinopse: Aconteceu na Primavera é um dos filmes mais elogiados dos Irmãos Taviani, os diretores de Pai Patrão, A Noite de São Lourenço e outras obras-primas. Um drama envolvente filmada nas mais belas regiões da Itália. Em plena guerra, um jovem tenente apaixona-se pela bela camponesa da região, mas uma inesperada traição marca o fim desse bonito caso de amor. A partir daí, tem início a lenda da família Benedetti. Por mais de dois séculos, três diferentes gerações participam de uma mesma história de traição e poder, em busca de vingança. A maldição dos Benedetti é mais forte que a própria morte.

TÍTULO: A NOITE DE SÃO LOURENÇO, DOS IRMÃOS TAVIANI Título Original: La Notte di San Lorenzo Direção: Irmãos Taviani Elenco: Omero Antonutti, Margarita Lozano, Claudio Bigagli, Miriam Guidelli, Massimo Bonetti, Enrica Maria Modugno, Sabina Vannucchi, Giorgio Naddi e Renata Zamengo Ano de Produção: 1982 Duração: 105 minutos Cor: Preto e Branco Tipo de Diálogo: Adulto Gênero: Drama Faixa Etária: 14 anos País de Produção: Itália


Sinopse: Vencedor do Prêmio Especial do Júri no Festival de Cannes, A Noite de São Lourenço é a obra-prima dos talentosos Paolo e Vittorio Taviani (Bom Dia, Babiolônia). Esta edição apresenta o filme no formato widescreen, que preserva o aspecto de cinema. Na Itália, a noite de 10 de agosto é conhecida como "a noite de São Lourenço", quando se vê o maior número de estrelas cadentes no céu. Em 1944, esse evento assume uma dimensão trágica no vilarejo de San Miniato, na Toscana, quando os ocupadores nazistas pretendem massacrar a população local. A única esperança de todos é lutar pela liberdade.

TÍTULO: NÓS QUE NOS AMÁVAMOS TANTO, DE ETTORE SCOLA Título Original: C´Eravamo Tanto Amati Direção: Ettore Scola Elenco: Vittorio Gassman, Nino Manfredi, Stefania Sandrelli, Stefano Satta Flores, Giovannia Ralli Ano de Produção: 120 Duração: 1974 minutos Cor: Colorido Tipo de Diálogo: Adulto Gênero: Comédia Faixa Etária: 14 anos País de Produção: Itália Sinopse: Nós que nos Amávamos Tanto é uma das obras máximas de Ettore Scola (Um Dia Muito Especial). Esta edição apresenta o filme em versão restaurada e remasterizada no formato widescreen anamórfico e áudio Dolby Digital 5.1. 30 anos na história da Itália (1945-1975) e vida de três grandes amigos Gianni, Antonio e Nicola. Da resistência à ocupação nazista ao engajamento político nos anos 60, acompanhamos as aventuras, desventuras e desilusões amorosas de uma geração que sonhava em mudar o mundo. Com uma linda homenagem a Federico Fellini, Nós que nos Amávamos Tanto tem como destaque ainda as atuações memoráveis de Vittorio Gassman, Nino Manfredi e Stefania Sandrelli. Um filme para ver e rever muitas vezes.

TÍTULO: UM CÃO ANDALUZ A IDADE DO OURO Título Original: Un Chien Andalou/L´Age d´Or Direção: Luis Buñuel e Salvador Dali Elenco: Mareuil, Pierre Batcheff, Luis Buñuel, Robert Hommet, Gaston Modot, Max Ernst, Lya Lys, Germaine Noizet Ano de Produção: 1928 Duração: 80 minutos Cor: Preto e Branco Gênero: Clássico Faixa Etária: 14 anos País de Produção: França


Sinopse: Dois marcos do cinema surrealista por Luis Buñuel e Salvador Dalí: Um cão andaluz (Un Chien Andalou/FRA/1928) Com roteiro co-escrito por Salvador Dalí, Luis Buñuel estreou como diretor e ator neste curta-metragem, o marco inicial do surrealismo no cinema. À luz da psicanálise, Buñuel e Dalí exploram o inconsciente humano, numa seqüência de cenas oníricas, incluindo o célebre momento em que um homem corta, com uma navalha, o olho de uma mulher. A Idade do Ouro (L´Age d ´Or/FRA/1930) Em pouco mais de uma hora, Buñuel e Dalí criam imagens surrealistas que visam libertar o homem das amarras impostas pelo moralismo da sociedade e suas instituições. Um sonho polêmico que chegou a ser proibida em diversos países na época de seu lançamento. No elenco, destaque para o artista plástico Max Ernst.

TÍTULO: A ILUSÃO VIAJA DE TREM, DE LUIS BUÑUEL Título Original: La Ilusión Viaja en Tranvía Direção: Luis Buñuel Elenco: Lilia Prado, Carlos Navarro, Fernando Soto, Agustín Isunza, Miguel Manzano e Guillermo Bravo Sosa Ano de Produção: 1953 Duração: 90 minutos Cor: Preto e Branco Gênero: Clássico Faixa Etária: 14 anos País de Produção: México Sinopse: Pela primeira vez no Brasil, A Ilusão Viaja de Trem é um dos trabalhos mais elogiados da fase mexicana de Luis Buñuel. Um divertido road movie, no qual o cineasta destila sua visão anárquica da sociedade. Ao saberem que o bonde 133, no qual trabalharam durante toda a vida, será retirado de serviço, dois amigos ficam bêbados e decidem seqüestrá-lo. Nesta última viagem, levam um grupo de passageiros de diferentes idades, profissões e condições sociais. É o começo de uma jornada inesquecível repleta de personagens bizarros e situações absurdas, bem ao estilo de Buñuel. Vale a pena descobrir essa preciosidade da filmografia do mestre espanhol.

TÍTULO: Título Direção: Elenco: Ano Duração: Cor: Gênero: Faixa País

ROBINSON Original: Dan

de

CRUSOÉ, DE LUIS BUÑUEL Robinson Crusoe Luis Buñuel O´Herlihy, Felipe de Alba, Jaime Fernandez de Produção: 1952 89 minutos Colorido Clássico Etária: Livre Produção: Estados Unidos, México

Sinopse: Inédito no Brasil, Robinson Crusoé é a versão do mestre Luis Buñuel para a obra imortal de Daniel Defoe, um dos maiores clássicos da literatura universal.


Apresentado em cópia nova, o filme é uma prova da versatilidade do cineasta espanhol. 1659. Único sobrevivente de um naufrágio, Robinson Crusoé vai parar numa ilha tropical, sozinho e isolado do mundo. Neste ambiente selvagem e desconhecido, ele precisará de toda sua criatividade para poder sobreviver. Com destaque para a grande atuação de Dan O´Herlihy, indicado ao Oscar de melhor ator, Robinson Crusoé é uma história inesquecível sobre a capacidade do ser humano de superar situações adversas Próximo texto: http://www.guesaerrante.com.br/2006/1/4/Pagina590.htm “Um Cão Andaluz”, de Luis Buñuel e Salvador Dalí (França, 1929)

Um homem corta o olho de uma mulher com uma navalha. Formigas brotam da mão deste mesmo homem. A mulher, aparentemente, vive em um centro urbano, mas, em um dado momento, abre a porta de casa e vai caminhar na beira da praia. Ao tentar aproximar-se da mulher, o homem arrasta um piano, e, do nada, surgem dois animais mortos em cima do instrumento. De repente, o homem, ainda na tentativa de chegar à mulher, começa a arrastar, além do piano, também dois padres. Cenas improváveis – mas bastante sugestivas – como estas causaram escândalo no público em 1929, ano em que “Um cão andaluz” (“Un chien andalou”), de Luis Buñuel e Salvador Dalí, foi lançado. O filme, considerado um marco do Surrealismo no cinema, saiu em DVD em 2005, em edição conjunta com “A idade do ouro” (“L’Age d’Or”), também realizado pela dupla, em 1930. Com Buñuel e Dalí, um dos movimentos artísticos mais significativos do século XX chegava às telas de cinema. O Surrealismo pautava-se pela valorização do sonho, da fantasia e do inconsciente e pela abolição da linearidade e do nexo. É exatamente isto que se vê em “Um cão andaluz”. Não há coerência na história. A situação dos personagens é absurda e sem explicação imediata. A montagem é caótica, com planos sem encadeamento lógico. O filme aparenta ser um longo devaneio. Buñuel e Dalí conheciam-se desde a adolescência. Depois de fundar o primeiro cineclube da Espanha e trabalhar como assistente de direção de Jean Epstein em Paris, Buñuel convidou o amigo artista plástico para colaborar na produção de seu primeiro filme. Os dois, já fortemente influenciados pelas idéias surrealistas, combinaram que comporiam as imagens com base em seus delírios criativos, desde que entrassem no roteiro, porém, apenas as sugestões que fossem consenso entre eles. “Um cão andaluz” foi rodado em apenas 15 dias, ficando com 17 minutos de duração. Foi exibido pela primeira vez em Paris, para uma platéia de intelectuais (entre eles o poeta André Breton, autor dos “Manifestos do Surrealismo”), ao som de “A Cavalgada das Valquírias”, de Richard Wagner, e de um tango argentino, executados em um gramofone. Ao final da projeção, o jovem Buñuel foi aclamado pelos presentes, contrariando as expectativas do diretor – temeroso da reação ao filme, ele havia


levado pedras nos bolsos, para revidar uma possível agressão da platéia. A boa recepção inicial, contudo, não evitou que o cineasta espanhol tivesse problemas. Sua casa foi alvo de ataques de grupos conservadores, que tentaram, sem sucesso, impedir a exibição da obra na França. “Um cão andaluz”, como se pode perceber, é uma verdadeira obra subversiva, em todos os sentidos do termo. P.S.: Luis Buñuel morreu há 25 anos, em 29 de julho de 1983. Faz falta. http://minimomultiplo.blogspot.com/2008/07/um-co-andaluz-de-luis-buuel-esalvador.html MEU ÚLTIMO SUSPIRO - LUIS BUÑUEL Encontro a autobiografia de Luis Buñuel num sebo. No caminho de casa, as imagens dos seus filmes envolvem-se nas paisagens comuns. Viridiana, Nazarin, Tristana, Dom Francisco... Tento reconhecer os personagem nos transeuntes, mas me perco na ansiedade para começar a leitura de Meu Último Suspiro. A memória é o alicerce para as confissões do autor. Retrato envolvente da história do cinema e do surrealismo. Alguns sonhos compõem a realidade de Buñuel e revelam o homem que revolucionou a arte ao denunciar a ordem estabelecida, a religião e a loucura. “... a pior das angústias: estar vivo, mas já não reconhecer a si mesmo, já não saber quem se é.” Logo nas primeiras páginas, a narrativa me contagia. O resgate da história e a percepção de que muitas vezes a memória é invadida pelo imaginário e mentiras são transformadas em verdades dão o impulso para os demais capítulos sobre sua vida, suas relações com Lorca, Dalí, Breton e os surrealistas, a Espanha franquista, os Estados Unidos, o México, a inspiração para os roteiros e as dificuldades para produção dos filmes. Um livro que tira o sono e só consegue ser fechado nas últimas linhas. Encerro a leitura com a necessidade de rever as imagens. Certamente não serão as mesmas que vi há anos atrás. No primeiro dia, revejo A Ilusão Viaja de Bonde, filme poético rodado no México. No segundo, Nazarin (adaptação de um romance de Galdós) e Viridiana (baseado num sonho erótico do autor e numa santa pouco conhecida), filmes densos, críticas pungentes ao fanatismo, às ambigüidades religiosas, aos inocentes... Nazarin é um padre que vive de acordo com a doutrina que ministra, o filme é de uma crueldade (realidade) absoluta e encerra com o padre preso recebendo uma esmola. A protagonista Viridiana (inspirada em Santa Viridiana (1182-1242) contemporânea de São Francisco de Assis) é uma ex-freira que se dedica aos pobres e desvalidos, sua bondade lhe cega para a realidade dos homens. Depois de ser quase violentada, percebe que sua generosidade também é uma forma de crueldade e não será compreendida. Seus ideais se rompem junto às louças utilizadas pelos mendigos no banquete. No auge da baderna, uma fotografia tirada do grupo de mendigos à mesa é uma alusão à Santa Ceia. Na cena final, Viridiana bate à porta do primo e se rende ao mundo materialista, jogando cartas com o homem e sua amante. No terceiro dia, assisto às obras surrealistas – Um Cão Andaluz e Idade do Ouro – e me aventuro num filme que não conhecia, mas muito referenciado pelo próprio autor – O Alucinado (El). As cenas iniciais são marcantes. A cerimônia da lavagem dos pés na igreja e a obsessão do homem pelos pés de uma mulher. Uma estranha atração se desenvolve entre ambos. O protagonista – Dom Francisco – é um homem rico, elegante e de boas


relações sociais, mas um indício mostra-nos uma fragilidade psíquica desde o início quando ele se sente alvo de uma conspiração e lesado pelo advogado ao ser informado que o seu direito a algumas propriedades supostamente de sua família decaiu. Dom Francisco trama um emaranhado de situações para conquistar a desconhecida da igreja, noiva de um conhecido. Envolvida com os encantos de Dom Francisco, a mulher rompe o noivado e se casa com ele. Logo, na lua-de-mel, o perfil paranóico do marido se revela na desconfiança exacerbada, na auto-referência, nas idéias de reivindicação, perseguição e grandeza. Traços característicos em doentes mentais que unem as idéias num determinado contexto lógico para sustentar um delírio duradouro e rigidamente estruturado. O paranóico elabora a realidade de acordo com os seus interesses. Sem alucinações. Em algumas ocasiões é frio e distante, em outras, hipersensível. O enredo de O Alucinado se desenvolve numa viagem psíquica dolorosa, na paranóia do protagonista, no papel da esposa que se deixa encarcerar e submeter à loucura do marido por pena ou por masoquismo, no envolvimento e alienação dos demais personagens. Num final surpreendente, apesar de almejado, a esposa consegue fugir e Dom Francisco tem uma crise na igreja, quando seu delírio se exterioriza e ele agride o padre que está celebrando uma missa, por se achar alvo de comentários maliciosos e risos. O filme encerra com a visita da mulher e do atual companheiro (ex-noivo) a um mosteiro onde está internado o protagonista. A mulher teve um filho e seu nome é Francisco (fica no ar de quem seria a paternidade). Dom Francisco os vigia distante. Acabo o filme com o coração dilacerado. A paranóia é uma doença incurável e muitas vezes somos seduzidos pelas próprias características, custamos a perceber a doença e nos desvencilhar do mundo absurdo que nos impõe um paranóico. Li num artigo de psicanálise (acho que escrito por Deleuze) que o autor preferia um esquizofrênico num jardim a um paranóico no divã. O filme O Alucinado (1949) não foi bem recebido pelo público no lançamento, contudo, Jacques Lacan achou-o veraz e em várias ocasiões o apresentou a seus alunos. Ainda hoje é considerado um bom objeto de estudo da paranóia. Guardo a lista de filmes de Buñuel que ainda desejo rever dentro da autobiografia e encerro o texto com um desejo de Buñuel, caso lhe dissessem que lhe restariam vinte anos de vida: “... dê-me duas horas de vida ativa e vinte e duas horas de sonhos, contanto que possa lembrar-me destes – porque os sonhos só existem através da memória que os alimenta.”

Loucos do Cinema – Luis Buñuel – 12 de agosto de 2010Posted in: Arquivo de notícias por Ricardo Prado Luis Buñuel Portolés nasceu em 22 de fevereiro de 1900, na pequena cidade de Calanda, na Espanha. Com apenas quatro meses, mudou-se com a família para Zaragoza, onde recebeu uma educação devidamente jesuítica no Colegio del Salvador. Acabou sendo expulso, e terminou os estudos na escola pública da cidade.


Em 1917, conheceu o pintor surrealista Salvador Dalí e o poeta Federico García Lorca na Universidade de Madri. Junto com outros artistas espanhóis, dividiam os quartos de uma república. Buñuel estudou Agronomia, depois Engenharia Industrial e, enfim, Filosofia. Com a conclusão dos estudos, Buñuel mudou-se para Paris, em 1925, onde passou a trabalhar em um escritório. Enfim, conseguiu alguns trabalhos de assistente de direção: com Jean Epstein na produção de “Mauprat” (1926), Mario Nalpas em “A Sereia dos Trópicos” (1927) e novamente com Epstein em “O Lugar do Sangue” (1928). Em 1929, Buñuel realizou seu primeiro curta-metragem, com duração de 16 minutos: “Um Cão Andaluz”. Feito em parceria com o colega Dalí, é um trabalho fortemente influenciado pelo Surrealismo, com imagens às vezes horripilantes e com raízes freudianas. “Um Cão Andaluz” Com: Simone Mareull, Pierre Batcheff

(1929)

À luz da psicanálise, Buñuel e Dalí exploram o inconsciente humano, numa sequencia de cenas oníricas, incluindo o célebre momento em que um homem corta, com uma navalha, o olho de uma mulher. Em seguida, dirigiu “A Idade do Ouro”, um média-metragem de 60 minutos com inspiração no livro “120 Dias de Sodoma”, do Marquês de Sade. Era para ter sido mais uma colaboração entre Buñuel e Dalí, mas uma briga separou os dois antes que as filmagens começassem. Ainda mais que “Um Cão Andaluz”, “A Idade do Ouro” atacava os bons costumes e o Catolicismo e foi muito criticado pela imprensa conservadora da França. “A Idade do Ouro” foi proibido no país, só sendo liberado 50 anos depois. “A Idade do Ouro” (1930) Com: Gaston Modot, Lya Lys, Caridad de Laberdesque, Max Ernst Na tentativa de passar para a tela a ideia de desconforto, o diretor reúne diversas imagens cruas de morte, espancamento, fetichismo e, ao final, um conto do Marquês de Sade. “A Idade do Ouro” representou o encerramento das atividades de Buñuel na França. Voltou para a Espanha e dirigiu “Terra sem Pão” (1933), um documentário de 27 minutos sobre a vida dos moradores de Las Hurdes, região rural no entorno da cidade de La Alberca, marcada por muita pobreza. “Terra sem Pão” (1933) Com: Sem elenco A miséria de uma região ao norte da Espanha. Documentário de denúncia que reflete as preocupações sociais do diretor. A permanência na Espanha foi abreviada pela explosão da Guerra Civil Espanhola, iniciada em 1936. Com o regime político da Espanha caminhando em direção ao


fascismo pela ditadura de Francisco Franco, cada vez mais ficava evidente que não havia lugar ali para alguém com as posições políticas do diretor. Vários artistas e intelectuais foram exilados, incluindo Buñuel. O colega García Lorca, que ficou na Espanha, foi assassinado no meio da revolta militar protagonizada por Franco. O diretor fixou-se em Hollywood, nos Estados Unidos, fugido do tumulto político que havia se instaurado em sua terra natal. A época era propícia para receber Buñuel, já que Hollywood tinha o costume de regravar certos filmes em outros idiomas, e ele ficou responsável por algumas destas produções. Logo essa fase passou e Hollywood começou a dublar os filmes, somente. Em 1942, depois de uma rápida passagem por Nova York, onde trabalhou no Museu de Arte Moderna (MOMA), voltou a Hollywood e passou a trabalhar no departamento de dublagem da Warner Brothers. Na tentativa de retomar a direção de filmes, foi para o México em 1946. Com a produção do amigo Oscar Dacingers, fez “Gran Casino” (1946), cujo resultado final não agradou o diretor. Nos anos seguintes, auxiliou Dacingers na produção de “El Gran Calavera” (1949), que fez bastante sucesso na época. Foi durante esse tempo que Buñuel aprendeu as técnicas de direção e edição, que viriam a ser vitais no resto de sua carreira. Foi graças à parceria com Dancigers que Buñuel conseguiu realizar um projeto ambicioso. Em 1950, lançou “Os Esquecidos”, um relato duro de crianças miseráveis do México muito próximo do que pregava o Neorrealismo Italiano. Pelo filme, ganhou o prêmio de Melhor Diretor do Festival de Cannes em 1951 e teve seu nome colocado no mapa. “Os Esquecidos” (1950) Com: Alfonso Mejía, Estela Inda, Miguel Inclán, Roberto Cobo, Alma Delia Fuentes Durante os anos 50 na Cidade do México, o adolescente El Jaibo foge do reformatório e volta a viver na rua uma vida de miséria. Ao lado de outros garotos, passa a cometer pequenos assaltos até que um dia se envolve em um assassinato. Buñuel fixou-se no México, onde realizou mais 20 filmes após “Os Esquecidos”, aproveitando a fama e o prestígio que adquiriu com este primeiro filme. “O Alucinado” (1953) Com: Arturo de Córdova, Delia Garcés, Aurora Walker, Carlos Martínez Baena Francisco, homem religioso e respeitado em sua comunidade, casa-se com a namorada de um amigo e transforma o casamento em um pesadelo para ela. Ele se torna um homem possessivo e obcecado. Um dos exemplos mais antigos de suspenses psicológicos. “Nazarín” (1959) Com: Francisco Rabal, Marga López, Rita Macedo, Ofélia Guilmain, Noé Murayama Padre pobre e idealista abriga prostituta criminosa e acaba tendo que partir do vilarejo onde vive. Durante sua peregrinação, em que é acompanhado pela moça e sua irmã,


suas atitudes cristãs acabam provocando efeitos contrários aos desejados. Obra polêmica, só chegou ao Brasil 22 anos depois. “O Anjo Exterminador” (1962) Com: Silvia Pinal, Enrique Rambal, Claudio Brook, José Baviera, Augusto Benedico, Antonio Bravo Depois de uma festa, os convidados simplesmente não conseguem deixar o local, sem que haja uma explicação racional para isso. Conforme o tempo passa, as máscaras dos antes bem relacionados começam a cair e revelar suas verdadeiras e mais profundas facetas. É um retrato irônico que usa elementos do Surrealismo para mostrar a inércia da alta sociedade. Buñuel filmava da forma mais econômica que conseguia. Gravava em algumas semanas, nunca mudando o que estava no roteiro, de forma a acelerar o processo de edição. Já a relação de do diretor com os atores não era a das mais convencionais. Ele raramente dava instruções detalhadas e não respondia a perguntas, já que queria a interpretação mais genuína possível. Em 1960, o ditador Francisco Franco ordenou que seu Ministério da Cultura trouxesse de volta o cineasta espanhol de mais sucesso no exterior, Buñuel, para dirigir um filme de sua escolha. Ele aceitou, e começou a produção de “Viridiana”, com o apoio do milionário Gustavo Alatriste e a atriz Silvia Pinal como protagonista. Só que a abordagem anticatólica de Buñuel desagradou o ditador, que ordenou que todas as cópias do filme fossem queimadas. Quando isso aconteceu, o diretor já havia deixado a Espanha há algum tempo. Só que uma cópia de “Viridiana” foi contrabandeada até a França, onde acabou ganhando a Palma de Ouro no Festival de Cannes. Mesmo com essa atenção do mundo, o filme permaneceu proibido na Espanha. O Vaticano também emitiu uma carta de desgosto em relação ao filme, citando suas raízes anticatólicas. Com o término da chamada Era de Ouro do cinema mexicano, Buñuel seguiu para a França. Foi durante esta época que o diretor fez alguns de seus filmes mais conhecidos. “Diário de uma Camareira” (1964) Com: Jeanne Moreau, Georges Géret, Daniel Ivernel, Françoise Lugagne Após o estupro e assassinato de uma garotinha, camareira de uma família excêntrica muda de emprego e vai trabalhar com o homem que acredita ser o autor do crime. “A Bela da Tarde” (1967) Com: Catherine Deneuve, Jean Soreal, Michel Piccoli, Geneviève Page Séverine é uma jovem e bela mulher casada com um médico. Ela ama o marido, mas ele não a satisfaz sexualmente. Então, entrega-se aos seus desejos e acaba por se tornar uma prostituta, mantendo uma vida dupla. “O Discreto Charme da Burguesia” (1972) Com: Fernando Rey, Julien Bertheau, Paul Frankeur, Milena Vukoric, Delphine Seyrig


Seis burgueses se reúnem para um jantar, mas, por conta de diversos acontecimentos estranhos, são impedidos. “Este Obscuro Objeto do Desejo” (1977) Com: Fernando Rey, Carole Bouquet, Ángela Molina, Julien Bertheau, Andre Weber A história da paixão de um homem, Mathieu, pela jovem Conchita, uma virgem de 18 anos que o atormenta em um jogo de gato e rato. Detalhe: a moça é interpretada por duas atrizes diferentes, uma para o lado angelical, e outra para o lado diabólico. Após o trabalho em “Este Obscuro Objeto do Desejo”, Buñuel anunciou que estava encerrando sua carreira. Escreveu uma autobiografia, lançada em 1982, onde conta detalhes sobre sua vida, carreira, sonhos e encontros com personalidades como Pablo Picasso e Charles Chaplin. Luis Buñuel morreu em 1983, na Cidade do México. Curiosidades •Em diversas entrevistas, Luis Buñuel descrevia sua cidade natal, Calanda, como um lugar onde “a Idade Média durou até a Primeira Guerra Mundial”. •O filme “Little Ashes”, sem tradução no Brasil, retrata a vida e os amores dos jovens Salvador Dalí, Buñuel e García Lorca na república onde moravam. Buñuel é interpretado por Matthew McNulty, e Dalí, por Robert Pattinson (“Crepúsculo”). O filme é dirigido por Paul Morrison. •Ainda não se sabe ao certo o motivo da briga entre Dalí e Buñuel. Em sua autobiografia, Dalí sugere que o conflito tenha se originado por conta das posições políticas de Buñuel, incompatíveis com as de Dalí. O diretor era comunista e ateu. •Existe uma escultura da cabeça de Buñuel em Calanda, em um lugar conhecido como Centro Buñuel. •Alfred Hitchcock considerava Buñuel o maior cineasta de seu tempo. http://www.curtasantos.com.br/blog/?p=240 O centenário do cineasta surreal Luís Buñuel, que faria 100 anos amanhã, chocou o mundo com seus filmes polêmicos e levou o surrealismo para o cinema Nélio Silva Especial para o Anexo Luís Buñuel foi, inegavelmente, um dos mais consagrados e polêmicos cineastas. Já em seu primeiro filme, "Um Cão Andaluz" (Un Chien Andalou), em 1928, ele chocava o público com cenas inusitadas, como a que mostrava um olho sendo cortado por uma navalha (na verdade, era o olho de um cavalo morto). Foi um dos criadores do surrealismo, ao lado do pintor Salvador Dalí, do fotógrafo Man Ray e do escritor André Breton. O movimento era um protesto estético contra as instituições (o Estado e a Igreja, principalmente), que demonstravam preocupação com a moral e as convenções e ao mesmo tempo aprovavam o envio de milhares de homens para os campos de batalha. Buñuel nasceu em 22 de fevereiro de 1900 em Calanda, na Espanha. Aos 15 anos, abandonou o colégio de jesuítas em que estudava, perdendo completamente a fé. A Igreja e a burguesia seriam, durante sua longa existência, os principais alvos de seus ataques. "Um Cão Andaluz", feito de parceria com Salvador Dalí, surgiu de uma


conversa de Buñuel com o pintor, em que ambos relataram seus sonhos da véspera. O filme foi realizado em Paris e foi duramente atacado pela crítica, que considerava Buñuel um louco. Mas, a intenção do cineasta era mesmo chocar o público, e isso ele conseguiu mais uma vez com "L'Age D'Or" em 1930. Numa exibição em Paris, um grupo de manifestantes invadiu a sala de projeção jogando bombas de fumaça e iniciou um quebra-quebra que se estendeu até a exposição de quadros surrealistas na sala de espera. De volta à Espanha, realizou "Las Hurdes" (1932), um documentário sobre a região homônima na fronteira entre Portugal e Espanha. O realismo cruel do filme provocou a ira do governo espanhol e a interrupção da carreira do cineasta, que ficou sem dirigir durante quinze anos no eixo Madri-Paris. Em 1947, de férias no México, sentiu que poderia reiniciar ali sua carreira e, no mesmo ano, realizou "Gran Casino", com Libertad Lamarque, que foi um fracasso. Não desanimou e o sucesso comercial de seu segundo filme, "El Gran Calavera" (1949), possibilitou a realização de "Os Esquecidos" (1950), sobre a delinqüência juvenil nas grandes cidades. Um belo filme, que ganhou vários prêmios, tirou Buñuel da lista dos diretores malditos e firmou um estilo que se faria presente em todos os seus trabalhos seguintes. No México, ele realizou 14 filmes, entre eles duas obras-primas: "O Alucinado" (1953), com Arturo de Cordova, e "Ensayo de un Crimen", também em 1953, além de "Robinson Crusoé", no mesmo ano, uma adaptação do romance de Daniel Defoe e que marcou sua primeira experiência com a cor. Em 1956, de volta à França, Buñuel realizou mais dois filmes, mas foi novamente no México que levou às telas outra obraprima: "Nazarin" (1957), com Francisco Rabal e Marga Lopez, ganhando o prêmio especial do júri, em Cannes. Em 1961, já na Espanha, realizou outro clássico, "Viridiana", com Sílvia Pinal e Fernando Rey. Apesar da forte censura do governo franquista, o filme conseguiu ser liberado e, ao ser exibido, causou um novo escândalo. Cenas como a do banquete dos mendigos, uma reprodução fiel da Santa Ceia, com um cego no lugar de Jesus Cristo, causaram a interdição do filme, a demissão dos censores e uma nova expulsão de Buñuel, que voltou ao México. Ainda assim, "Viridiana" ganhou três prêmios em Cannes e foi também premiado na Argentina e na Bélgica. Em sua volta à capital mexicana, realizou mais um clássico, "O Anjo Exterminador" (1962), com Sílvia Pinal, também premiado em Cannes e Acapulco. Um filme extremamente surrealista, onde um grupo de burgueses fica retido numa mansão por uma parede invisível e vai sucumbindo à fome, à doença e à morte. Ainda no México, realizaria "Simão do Deserto" (1965), com Sílvia Pinal prêmio especial do júri, em Veneza e, novamente na Espanha, "Tristana" (1970), com Catherine Deneuve e Franco Nero. Fixando-se de vez na França, Buñuel contou com a colaboração do roteirista Jean-Claude Carrière, a quem ditaria seu livro de memórias, "Meu Último Suspiro". Já cineasta consagrado, pelo público e pela crítica, realizou na capital francesa outros grandes filmes. O mais destacado foi, sem dúvida, o discutido "A Bela da Tarde" (Belle de Jour/1967), com a lindíssima Catherine Deneuve vivendo uma burguesa que sofre de frigidez no casamento e passa a freqüentar um bordel durante as tardes. Ganhou o Grande Prêmio do Júri, em Veneza. Dirigiu, ainda, "O Estranho Caminho de São Tiago" (1969), com Delphine Seyrig e Pierre Clementi; "O Discreto Charme da Burguesia" (1972), com Delphine Seyrig e Fernando Rey Oscar de Melhor Filme Estrangeiro; "O Fantasma da Liberdade" (1974), com Monica Vitti e Jean-Claude Vrialy, e "Esse Obscuro Objeto do Desejo" (1977), com Fernando Rey e Angela Molina. Luís Buñuel morreu no dia 29 de julho de 1983, aos 83 anos. Em seus filmes, mostrava situações que nunca chegavam a se realizar, caracterizando uma eterna frustração. Com essa fórmula ele criou um estilo bem original e pessoal, que o colocou entre os melhores cineastas de todos os tempos.


NÉLIO SILVA (neliosilva@zaz.com.br) é jornalista em Joinville http://www1.an.com.br/2000/fev/21/0ane.htm Surrealismo Artes Pásticas Definição O termo, cunhado por André Breton (1896-1966) a partir da idéia de 'estado de fantasia supernaturalista' de Guillaume Apollinaire (1880-1918), traz consigo um sentido de afastamento da realidade ordinária que o movimento surrealista celebra desde o primeiro manifesto, de 1924. Nos termos de Breton, autor do manifesto, tratase de 'resolver a contradição até agora vigente entre sonho e realidade pela criação de uma realidade absoluta, uma supra-realidade'. A importância do mundo onírico, do irracional e do inconsciente, anunciada já no texto inaugural, se relaciona diretamente ao uso livre que os artistas fazem da obra de Sigmund Freud (1856-1939) e da psicanálise, permitindo-lhes explorar nas artes o imaginário e os impulsos ocultos da mente. O caráter anti-racionalista do surrealismo coloca-o nas antípodas das tendências construtivas e formalistas na arte que florescem na Europa após a 1ª Guerra Mundial, assim como das tendências ligadas ao chamado retorno à ordem. Como vertente crítica de origem francesa, o surrealismo aparece como alternativa ao cubismo, alimentado pela retomada das matrizes românticas francesa e alemã, do simbolismo, da pintura metafísica italiana - Giorgio de Chirico (1888-1978), sobretudo e do caráter irreverente e dessacralizador do dadaísmo, de onde vieram parte dos surrealistas. Como o movimento dada, o surrealismo apresenta-se como crítica cultural mais ampla, que interpela não somente as artes mas modelos culturais, passados e presentes. Na contestação radical de valores que empreende, faz uso de variados canais de expressão - revistas, manifestos, exposições etc. - mobilizando diferentes modalidades artísticas: escultura, literatura, pintura, fotografia, artes gráficas e cinema. A crítica à racionalidade burguesa em favor do 'maravilhoso', do fantástico e dos sonhos, reúne artistas de feições muito variadas sob o mesmo rótulo. Na literatura, além de Breton, Louis Aragon (1897-1982), Philippe Soupault (1897-1990), Georges Bataille (1987-1962), Michel Leiris (1901-1990), Max Jacob (1876-1944) etc. Nas artes plásticas, René Magritte (1898-1967), André Masson (1896-1987), Joán Miro (18931983), Max Ernst (1891-1976), Salvador Dali (1904-1989), entre outros. Na fotografia, Man Ray (1890-1976), Dora Maar (1907-1997), Brasaï (1899-1984). No cinema, Luis Buñuel (1900-1983). Certos temas e imagens foram obsessivamente tratados por eles, ainda que a partir de soluções distintas, como por exemplo, o sexo e o erotismo; o corpo, suas mutilações e metamorfoses; o manequim e a boneca; a violência, a dor e a loucura; as civilizações primitivas e o mundo da máquina. Esse amplo repertório de temas e imagens encontra-se traduzido nas obras por meio de procedimentos e métodos pensados como capazes de driblar os controles conscientes do artista e, portanto, responsáveis pela liberação de imagens e impulsos primitivos. A escrita e a pintura automáticas, fartamente utilizados, seriam formas de transcrição automática do inconsciente, pela expressão do 'funcionamento real do pensamento' (por exemplo, os desenhos produzidos coletivamente entre 1926 e 1927 por Man Ray, Yves Tanguy (1900-1955), Miró e Max Morise (1903-1973), sob o título O cadáver requintado). A frottage [fricção] desenvolvida por M. Ernst faz parte das técnicas automáticas de produção. Trata-se de esfregar lápis ou crayon sobre uma superfície áspera ou


texturizada para 'provocar' imagens, resultados aleatórios do processo (por exemplo, a série de desenhos História natural, realizada entre 1924 e 1927). As colagens e assemblages constituem mais uma expressão caraterística da lógica de produção surrealista, ancorada na idéia de acaso e de escolha aleatória, princípio central de criação já para os dadaístas. A célebre frase de Lautrémont é tomada como inspiração forte: 'belo como o encontro casual entre uma máquina de costura e um guarda-chuva numa mesa de dissecção'. A sugestão do escritor se faz notar na justaposição de objetos desconexos e nas associações à primeira vista impossíveis que particularizam as colagens e objetos surrealistas. Que dizer de um ferro de passar cheio de pregos, de uma xícara de chá coberta de peles ou de uma bola suspensa por corda de violino? Dalí radicaliza a idéia de libertação dos instintos e impulsos contra qualquer controle racional pela defesa do método da 'paranóia crítica', forma de tornar o delírio um mecanismo produtivo, criador. A crítica cultural empreendida pelos surrealistas, baseada nas articulações arte/inconsciente e arte/política, deixa entrever sua ambição revolucionária e subversiva, amparada na psicanálise - contra a repressão dos instintos - e na idéia de revolução oriunda do marxismo (contra a dominação burguesa). As relações controversas do grupo com a política aparecem na adesão de alguns ao trotskismo (Breton, por exemplo) e nas posições reacionárias de outros, como Dalí. A difusão do surrealismo pela Europa e Estados Unidos faz-se rapidamente. É possível rastreá-la em esculturas de artistas díspares como Alberto Giacometti (19011966), Alexander Calder (1898-1976), Hans Arp (1886-1966) e Henry Spencer Moore (1898-1986). Na Bélgica, Romênia e Alemanha ecos surrealistas vibram em obras de Paul Delvaux (1897-1994), Victor Brauner (1903-1966) e Hans Bellmer (1902-1975), respectivamente. Em solo americano, o chileno Roberto Matta (1911) e o cubano Wifredo Lam (1902-1982) devem ser lembrados como afinados com o movimento. Nos Estados Unidos, o surrealismo é fonte de inspiração para o expressionismo abstrato e para a arte pop. No Brasil especificamente o surrealismo reverbera em obras variadas como as de Ismael Nery (1900-1934) e Cicero Dias (1907-2003), assim como nas fotomontagens de Jorge de Lima (1893-1953). Nos nossos dias vários artistas continuam a tirar proveito das lições surrealistas. http://cultura.portaldomovimento.com/surrealismo.html SURREALISMO Movimento da literatura e das belas artes, fundado em Paris pelo poeta e crítico André Breton em 1924, quando publicou seu Manifesto Surrealista. Foi constantemente dominado por seu criador. Cresceu fora do movimento conhecido como Dadaísmo, um movimento artístico e literário que refletiu o protesto niilista contra todos os aspectos da cultura Ocidental. Assim como o Dadaísmo, enfatizou o papel do inconsciente na atividade criativa, mas empregou o inconsciente psíquico mais ordenadamente e de maneira mais séria. Literatura

surrealista

Os surrealistas deram seguimento, como seus antecessores literários, a uma longa linha de excelentes escritores, entre os quais Comte de Lautreamont (1846-70), autor do longo e complicado romance Les chants de Maldoror (1868). Além de Breton, muitos dos escritores franceses mais distinto do início do século se conectaram ao movimento, incluindo Paul Eluard, Louis Aragon, Rene Crevel (1900-35), e Philippe


Soupault (1897-1990). Escritores mais jovens, como Raymond Queneau (1903-76) também foram influenciados por seus pontos de vista. Os escritores surrealistas mais "puros" usaram o automatismo como uma forma literária, quer dizer: escreviam quaisquer palavras que entrassem em sua mente consciente, considerando-as invioláveis. Não alteravam o que escreviam, pois isto constituiria uma interferência com o puro ato de criação. Sentiam que este fluxo livre de pensamento estabeleceria uma conexão com a mente subconsciente de seus leitores. Um pequeno exemplo típico de um texto surrealista é este provérbio de Paul Eluard: "Elefantes são contagiosos". Este automatismo puramente psíquico foi modificado depois pelo uso consciente, especialmente na pintura, de símbolos derivados da psicologia freudiana. Como seus precursores dadaístas, os surrealistas quebraram regras aceitas de trabalho e conduta pessoal para liberar sua sensação de verdade interna. O movimento espalhou-se por todo o mundo e floresceu na América durante a Segunda Guerra Mundial, quando André Breton passou a residir em New York. Surrealismo

na

Arte

Na pintura e na escultura o surrealismo é uma das principais influências do século XX. Considerando como seus antepassados nas artes gráficas pintores como o renascentista italiano Paolo Uccello, o poeta e artista romântico inglês William Blake, e o francês Odilon Redon. Seus artistas admiravam e também incluíam em suas exibições, trabalhos de artistas do início do século, como o italiano Giorgio de Chirico, o russo Marc Chagall, o suíço Paul Klee, os franceses Marcel Duchamp e Francis Picabia, e o espanhol Pablo Picasso, sendo que nenhum destes fazia parte do grupo surrealista. A partir de 1924 o alemão Max Ernst, o francês Jean Arp, e o pintor e fotógrafo americano Man Ray aderiram ao movimento. Permaneceram juntos pouco tempo, até 1925, aproximados pelo francês André Masson (1896-1987), assim como o espanhol Joan Miró, que era muito individualista, era difícil para eles se submeter à forte liderança de André Breton, que continuava a exercitar sua autoridade final sobre o movimento. Depois o grupo passou a incluir o americano Yves Tanguy, o belga René Magritte, e o suíço Alberto Giacometti. O pintor catalão Salvador Dali uniu-se ao movimento surrealista em 1930 mas foi acusado depois, pela maioria dos surrealistas, de estar mais interessado em comercializar sua arte do que defender as idéias surrealistas. Embora durante certo tempo tenha sido um dos membros mais divulgados do grupo, seu trabalho é tão idiossincrático que chega a ser só parcialmente típico do surrealismo. A pintura surrealista exibe grande variedade de conteúdo e técnica. Por exemplo, os trabalhos de Dali consistem, mais ou menos, em uma transcrição direta e fotográfica de sonhos e deriva sua inspiração das pinturas de sonhos de De Chirico, anteriores às suas próprias. As esculturas de Arp são grandes, lisas, e de formas abstratas, e Miró, um surrealista formal por pouco tempo, emprega formas fantásticas que também incluíram adaptações deliberadas da arte infantil, tendo algo em comum com os desenhos usados pelos artistas catalãos para decorar sua cerâmica. O pintor americano de origem russa Pavel Tchelichew (1887-1957), apesar de não se considerar um surrealista, traz imagens surrealistas em suas pinturas e também nos numerosos balés por ele criados. Um ramo americano do movimento surrealista é o grupo de artistas conhecido como "realistas mágicos", que surgiu sob a liderança do pintor Paul Cadmus (1904). O grupo também inclui George Tooker (1920 -), Ivan Le Lorraine Albright, Philip Evergood (1901-73), Peter Blume (1906-92), e Louis Guglielmi (1906-56). Joseph Cornell, escultor de assemblage, começou como um surrealista reconhecido, mas depois procurou por uma maior individualidade de sua arte.


A atitude de criação livre dos surrealistas foi uma das principais influências do expressionismo abstrato de New York. Uma coleção representativa dos trabalhos gráficos dos surrealistas está no Museum of Modern Art e dos "realistas mágicos" no Whitney Museum of American Art, ambos em New York. Traduzido Infopedia © Softkey, London, 1995.

2.0

de CD-ROM

*** SURREALISMO Movimento literário e artístico do século XX que tenta expressar o funcionamento do subconsciente por imagens fantásticas e justaposição incongruente de temas. O Surrealismo, movimento das artes visuais e da literatura, floresceu na Europa entre a I e a II Guerra Mundial. Cresceu principalmente a partir do movimento Dada, que mais cedo, antes da Primeira Guerra Mundial, produziu trabalhos de anti-arte que deliberadamente desafiavam a razão; mas a ênfase do Surrealismo não estava na negação mas sim na expressão positiva. O movimento representou uma reação contra o que seus criadores viram como a destruição da arte forjada pelo "racionalismo" que tinha guiado a cultura e a política européia no passado, culminando nos horrores de Primeira Guerra Mundial. De acordo com o porta-voz principal do movimento, o poeta e crítico André Breton, que publicou o Manifesto Surrealista em 1924, o Surrealismo é um meio de reunir reinos conscientes e inconscientes de experiências, tão completamente que um mundo de sonho e fantasia seria juntado ao mundo racional cotidiano em "uma realidade absoluta, um surrealismo". Utilizando teorias pesadamente adaptadas de Sigmund Freud, Breton viu o inconsciente como a origem da imaginação. Ele definiu o gênio como alguém que, normalmente, extrai deste reino sua inspiração, o que, como acreditou, poderia ser conseguido por poetas e pintores especiais. Os principais pintores surrealistas foram Jean Arp, Max Ernst, André Masson, René Magritte, Yves Tanguy, Salvador Dalí, Pierre Roy, Paul Delvaux, e Joan Miró. Com sua ênfase em conteúdo e formas gratuitas e imaginárias, o Surrealismo foi uma das alternativas principais para a arte contemporânea, se contrapondo ao movimento Cubista, altamente formalista e largamente responsável pela perpetuação, na pintura moderna, da ênfase em conteúdos tradicionais. Em 1917, Apollinaire criou a expressão "Surrealismo" (a palavra teria sido sugerida por Chagall ou, de acordo com outras fontes, através de P. Albert-Birot). Junto de processos de criação e expressão que usam todas as forças psíquicas (disposições automáticas, sonhos, inconsciente...) livres do controle da razão e em luta contra os valores recebidos; concebido como movimento intelectual revolucionário que afirma a superioridade destes processos, se desenvolveu especialmente na literatura e nas artes plásticas, na pintura, no cinema... seguindo o movimento Dada. "Quando o homem quis imitar a marcha, ele criou a roda, que não se parece com uma perna. Assim fez também com o surrealismo, sem o conhecimento racional". Apollinaire, Les Mamelles de Tirésias, Prefácio. "Foi de muita má fé quem nos contestou o direito de usar a palavra 'Surrealismo' no sentido especialmente particular que a entendemos, pois está claro que antes de nós


esta palavra não tinha feito fortuna. Eu a defino agora de uma vez por todas: SURREALISMO. substantivo masculino - Automatismo psíquico através do qual se pretende expressar (...) o funcionamento real do pensamento. Ditado a partir do pensamento, na ausência de todo controle exercido pela razão, afastado de toda preocupação estética ou moral. Encicl. Filos. O Surrealismo repousa na crença da realidade superior de certas formas de associação negligenciadas pelo indivíduo, na presença do sonho, no jogo desinteressado do pensamento." André Breton, Manifeste du surréalisme (1924). Traduzido © http://www.puc-rio.br/wm/

de Museum

Web

*** SURREALISMO Nas duas primeiras décadas do século XX, os estudos psicanalíticos de Freud e as incertezas políticas criaram um clima favorável para o desenvolvimento de uma arte que criticava a cultura européia e a frágil condição humana diante de um mundo cada vez mais complexo. Surgem movimentos estéticos que interferem de maneira fantasiosa na realidade. O surrealismo foi por excelência a corrente artística moderna da representação do irracional e do subconsciente. Suas origens devem ser buscadas no dadaísmo e na pintura metafísica de Giorgio De Chirico. Este movimento artístico surge todas às vezes que a imaginação se manifesta livremente, sem o freio do espírito crítico, o que vale é o impulso psíquico. Os surrealistas deixam o mundo real para penetrarem no irreal, pois a emoção mais profunda do ser tem todas as possibilidades de se expressar apenas com a aproximação do fantástico, no ponto onde a razão humana perde o controle. A publicação do Manifesto do Surrealismo, assinado por André Breton em outubro de 1924, marcou historicamente o nascimento do movimento. Nele se propunha a restauração dos sentimentos humanos e do instinto como ponto de partida para uma nova linguagem artística. Para isso era preciso que o homem tivesse uma visão totalmente introspectiva de si mesmo e encontrasse esse ponto do espírito no qual a realidade interna e externa são percebidas totalmente isentas de contradições. A livre associação e a análise dos sonhos, ambos métodos da psicanálise freudiana, transformaram-se nos procedimentos básicos do surrealismo, embora aplicados a seu modo. Por meio do automatismo, ou seja, qualquer forma de expressão em que a mente não exercesse nenhum tipo de controle, os surrealistas tentavam plasmar, seja por meio de formas abstratas ou figurativas simbólicas, as imagens da realidade mais profunda do ser humano: o subconsciente. Principais

Artistas


SALVADOR DALI - é, sem dúvida, o mais conhecido dos artistas surrealistas. Estudou em Barcelona e depois em Madri, na Academia de San Fernando. Nessa época teve oportunidade de conhecer Lorca e Bu�uel. Suas primeiras obras são influenciadas pelo cubismo de Gris e pela pintura metafísica de Giorgio De Chirico. Finalmente aderiu ao surrealismo, junto com seu amigo Luis Bu�uel, cineasta. Em 1924 o pintor foi expulso da Academia e começou a se interessar pela psicanálise de Freud, de grande importância ao longo de toda a sua obra. Sua primeira viagem a Paris em 1927 foi fundamental para sua carreira. Fez amizade com Picasso e Breton e se entusiasmou com a obra de Tanguy e o maneirista Arcimboldo. O filme O Cão Andaluz, que fez com Bu�uel, data de 1929. Ele criou o conceito de �paranóia critica� para referir-se à atitude de quem recusa a lógica que rege a vida comum das pessoas .Segundo ele, é preciso �contribuir para o total descrédito da realidade�. No final dos anos 30 foi várias vezes para a Itália a fim de estudar os grandes mestres. Instalou seu ateliê em Roma, embora continuasse viajando. Depois de conhecer, em Londres, Sigmund Freud, fez uma viagem para a América, onde publicou sua biografia A Vida Secreta de Salvador Dali (1942). Ao voltar, se estabeleceu definitivamente em Port Lligat com Gala, sua mulher, ex-mulher do poeta e amigo Paul Éluard. Desde 1970 até sua morte dedicou-se ao desenho e à construção de seu museu. Além da pintura ele desenvolveu esculturas e desenho de jóias e móveis. Obra Destacada: Mae West. JOAN MIRÓ - iniciou sua formação como pintor na escola de La Lonja, em Barcelona. Em 1912 entrou para a escola de arte de Francisco Gali, onde conheceu a obra dos impressionistas e fauvistas franceses. Nessa época, fez amizade com Picabia e pouco depois com Picasso e seus amigos cubistas, em cujo grupo militou durante algum tempo. Em 1920 Miró instalou-se em Paris (embora no verão voltasse para Montroig), onde se formara um grupo de amigos pintores, entre os quais estavam Masson, Leiris, Artaud e Lial. Dois anos depois adquiriu forma La masía, obra fundamental em seu desenvolvimento estilístico posterior e na qual Miró demonstrou uma grande precisão gráfica. A partir daí sua pintura mudou radicalmente. Breton falava dela como o máximo do surrealismo e se permitiu destacar o artista como um dos grandes gênios solitários do século XX e da história da arte. A famosa magia de Miró se manifesta nessas telas de traços nítidos e formas sinceras na aparência, mas difíceis de serem elucidadas, embora se apresentem de forma amistosa ao observador. Miró também se dedicou à cerâmica e à escultura, nas quais extravasou suas inquietações pictóricas. Obra Destacada: Noitada Esnobe da Princesa. ****** �O sonho não pode ser também aplicado à solução das questões fundamentais da vida?� fragmento do Manifesto do Surrealismo. 2001 © Simone R. Martins & Disponível http://www.historiadaarte.com.br/surrealismo.html *** SURREALISMO Introdução

Margaret

H.

Imbroisi em:


O surrealismo foi por excelência a corrente artística moderna da representação do irracional e do subconsciente. Suas origens devem ser buscadas no dadaísmo e na pintura metafísica de Giorgio De Chirico. Este movimento, a exemplo de seus predecessores, pregou a transgressão dos valores morais e sociais, a nulidade das academias e a dessacralização do artista, com uma ressalva: ao nihilismo fundamentalista do dadaísmo opôs uma atitude esperançosa e comprometida com seu tempo. A publicação do Manifesto Surrealista, assinado por André Breton em outubro de 1924, marcou historicamente o nascimento do movimento. Nele se propunha a restauração dos sentimentos humanos e do instinto como ponto de partida para uma nova linguagem artística. Para isso era preciso que o homem tivesse uma visão totalmente introspectiva de si mesmo e encontrasse esse ponto do espírito no qual a realidade interna e externa são percebidas totalmente isentas de contradições. A livre associação e a análise dos sonhos, ambos métodos da psicanálise freudiana, transformaram-se nos procedimentos básicos do surrealismo, embora aplicados a seu modo.Por meio do automatismo, ou seja, qualquer forma de expressão em que a mente não exercesse nenhum tipo de controle, os surrealistas tentavam plasmar, seja por meio de formas abstratas ou figurativas simbólicas, as imagens da realidade mais profunda do ser humano: o subconsciente. Dentro do surrealismo devem-se destacar três períodos importantes e bem diferenciados entre si: o período dos sonhos (1924), representado pelas obras de natureza simbólica, obtidas através de diferentes procedimentos de automatismo, de um certo figurativismo; o período do compromisso político (1928), expresso na filiação de seus líderes ao comunismo; e uma terceira fase (1930), de difusão, que se empenhou na formação de grupos surrealistas em toda a Europa, tendo conseguido a adesão de grupos americanos. Pintura Em um dos números da revista A Revolução Surrealista, que André Breton editava, ele não só aceitava a teoria freudiana do automatismo verbal (livre associação de palavras), como também admitia a possibilidade do automatismo gráfico (livre associação de imagens), dois processos que, na opinião dele, estão estreitamente relacionados. O poeta citava concretamente dois artistas: Pablo Picasso e Max Ernst. Pela primeira vez se aprovava a existência de uma pintura surrealista. Segundo Breton, há dois métodos propriamente surrealistas: o automatismo rítmico (pelo qual se pintava seguindo o impulso gráfico) e o automatismo simbólico (a fixação das imagens oníricas ou subconscientes de maneira natural). De acordo com isso, surgiram grupos diferentes de pintores: Miró, Hans Arp e André Masson, por exemplo, representaram o surrealismo orgânico ou automatista, enquanto Dalí, Magritte, Chagall e Marx Ernst, entre outros, desenvolveram o surrealismo simbólico. Os surrealistas não representaram subjetivamente a realidade, pelo contrário, tentaram objetivar seu mundo interno, como demonstram suas obras. Na América Latina, esse tipo de representação encontrou eco principalmente entre pintores do porte de Frida Kahlo e Wilfredo Lam, entre outros. Sua pintura estava impregnada desse aspecto telúrico e quase ingênuo que tanto interesse despertara nos surrealistas europeus, apesar de não lhe faltar características expressionistas. Escultura


No surrealismo, melhor do que falar em escultura, deve-se falar em objetos retirados do seu contexto - algo muito parecido com o que o francês Marcel Duchamp, na ocasião também membro do movimento, havia iniciado com seus ready mades. Os surrealistas se dedicaram conscientemente a reunir os objetos mais dispares, privados de sua funcionalidade, para expressar as necessidades mais íntimas do homem. No começo, chegaram inclusive a falar de dois tipos de objetos: os naturais (vegetais, animais e minerais) e os de uso cotidiano. Exemplo claro do culto ao objeto, iniciado por este movimento, foi a Exposição de Objetos Surrealistas de 1936. Nela se representaram as mais extravagantes combinações, produto das associações inconscientes de seus autores. Alguns podiam ser interpretados quase automaticamente pelo público, de tão simples que eram em sua composição, enquanto outros se mantinham dentro de um hermetismo simbólico poético, no melhor estilo das esculturas dadaístas. No entanto, deve-se destacar que os objetos surrealistas, no limite entre a ironia e a perversão, tentavam abrir a imaginação do espectador para a multiplicidade de relações existentes entre as coisas, para a associação livre de condicionamentos. Prova disso foram o engenhoso Telefone-lagosta, de Dalí, ou as combinações de objetos de Miró. Referindo-se à escultura surrealista, André Breton, precursor do movimento, disse: "não encontramos mais do que aquilo de que precisamos profundamente". Cinema

e

Fotografia

O cinema e a fotografia surrealista assimilaram, logicamente, os parâmetros da pintura e da escultura desta corrente. Os diretores de cinema procuraram o exorcismo do subconsciente por meio de imagens totalmente simbólicas ou no limite do absurdo. Não faltaram nessas disciplinas a crítica às convenções morais, religiosas e políticas, mas sempre sob a forma de herméticas metáforas visuais, alienadas e provocantes, que tinham pouco em comum com o cinema e a fotografia tradicionais. São dois os grandes representantes do cinema surrealista: o espanhol Luis Bu�uel e o francês Jean Cocteau. Da filmografia do primeiro é preciso destacar-se os filmes O Cão Andaluz e A Idade Dourada. Em ambas as obras, uma espécie de exercício de filmagem, o cineasta não poupa imaginação para criar mundos completamente fantásticos. Com base em cenas de aparência onírica, paradoxalmente subversivas e ao mesmo tempo poéticas, conta histórias inverossímeis e audazes. Na primeira, trabalhou em colaboração com Salvador Dalí. A obra de Cocteau se manteve dentro da linguagem simbólica dos sonhos com imagens absurdas, produto de fotomontagem. Seus filmes mais conhecidos são Sangue de um Poeta e A Bela e a Fera. O fotógrafo por excelência do surrealismo foi o norte-americano Man Ray. Depois de militar nas fileiras do dadaísmo, ele não hesitou em passar para o grupo de amigos de Breton, interessado no que o inconsciente e o automatismo podiam dar à fotografia. Enciclopedia Multimedia del Arte ©AlphaBetum Ediciones Multimedia, Madrid, 1999. ***

Universal

-

Vol.

10


O

SURREALISMO

A estética do surrealismo está condensada no manifesto escrito e publicado em Paris, em 1924, pelo poeta e escritor francês André Breton (1896), estudante de neurologia e adepto de Freud. Escreveu que o surrealismo é "automatismo psíquico puro, por meio do qual se propõe expressar, seja verbalmente, seja por escrito, seja por qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento. Ditado do pensamento com ausência de toda fiscalização exercida pela razão, alheio a toda a preocupação estética ou moral". Em linhas gerais todos nós conhecemos as reveladoras contribuições de Freud ao melhor conhecimento de nossa vida psíquica, com as suas aplicações no tratamento das neuroses. A nossa alma ou a nossa vida psíquica se divide, como sabemos, em três zonas - o inconsciente, o subconsciente e o consciente. No inconsciente, estão os nossos impulsos primitivos, verdadeiramente instintivos, que não conhecemos justamente por serem inconscientes. Quando esses impulsos primitivos emergem das profundidades desconhecidas do inconsciente e tentam chegar ao consciente, para se transformarem em atos e palavras, tem de atravessas o subconsciente, que os fiscaliza, recalca ou sublima. Disfarça-os, por assim dizer. Desse modo, quando chegam ao consciente, refletem não a nossa personalidade inconsciente, mas a nossa personalidade consciente, modelada e aperfeiçoada pela educação e cultura. Algumas vezes, porém, as manifestações do inconsciente burlam a vigilância e chegam disfarçadas ao consciente. Isso ocorre, geralmente, quando dorminos. Nosso sonhos, por isso mesmo, são quase sempre disparatados, absurdos, fantasiosos e simbólicos. Ocorre também quando estamos acordados, graças ao processo que os psicanalistas chamam de automatismo psíquico e básico para os dadaístas e surrealistas - coisas que fazemos ou dizemos, aparentemente inexplicáveis, porque independentes da nossa vontade ou contrárias à lógica. Fascinados pelas idéias e métodos de Freud, os surrealistas recusam, como fontes de criação artística, as manifestações racionais e lógicas do consciente. Aceitam somente as manifestações do subconsciente, absurdas e ilógicas, como acabamos de ver, principalmente nos sonhos, nos automatismos psíquicos, nos estados alucinatórios, que consideram fontes artísticas mais autênticas do que a natureza e a realidade. Dizia André Breton: "No meu modo de entender, nada existe de inadmissível." Passase então a considerar o irreal tão verdadeiro como o real e o irracional, o fantástico e o maravilhoso como a única linguagem artística universal entre os homens. Recursos

dos

Surrealistas

Na pintura, além do registro e representação, com inteira liberdade, sem qualquer fiscalização da razão, do fluir incessante de idéias e imagens em nosso espírito, os pintores surrealistas valeram-se ainda de outros recursos - o humor, paisagens de sonho e excesso de realismo, quase fotográfico. O humor, dizem os surrealistas - é a máscara dos nosso desesperos. Exemplos: quatro cirurgiões curvados gravemente sobre uma mesa de operações onde está um guarda-chuva fechado, ou confortável poltrona, em pleno deserto do Saara. As paisagens de sonho são paisagens fantasmagóricas, irreais, inexistentes na natureza. O excesso do realismo, chegando ao mais cru verismo fotográfico na representação dos objetos, concorre para maior irrealidade.


Restrições

à

Pintura

Surrealista

Duas restrições são feitas á pintura surrealista. A primeira pelos psicanalistas: as manifestações do subconsciente realmente são ricas de beleza, mas extremamente pessoais e simbólicas. Precisam ser interpretadas no seu simbolismo, como os analistas fazem com os sonhos dos seus pacientes estendidos no sofá dos consultórios. Apesar de desconhecida a significação de seus símbolos, a verdade é que pintura surrealista exerce irresistível fascínio em nosso espírito. A segunda restrição, feita por alguns pintores, é a seguinte: a concepção do quadro pode ser subconsciente, automática, mas a sua execução será sempre obra do consciente, com a aplicação de recursos racionais e lógicos ou em sentido de absoluta consciência. O francês André Masson (1896) procurou sanar essa contradição insanável entre a concepção subconsciente e a execução consciente com os seus tableaux de sable (quadros de areia). Sobre uma tela coberta de cola fresca, atirou desordenadamente, num verdadeiro automatismo, punhados de areia de cores diferentes. Tentava obter, desse modo, automatismo também na execução. Os resultados não o satisfazem, abandonou, por isso, a pintura surrealista. O espanhol Salvador Dali, um dos surrealistas mais populares, criou a paranóia crítica - delírio na interpretação do mundo e do próprio eu. O paranóico crítico vive num mundo estranho, não se submetendo à lógica do cotidiano. "É preciso sistematizar a confusão e contribuir para o total descrédito da realidade", disse Dali. O pintor surrealista pode representar as manifestações de seu subconsciente de dois modos: figurativo ou abstrato. Em consequência existem surrealistas figurativos (Salvador Dali) e surrealistas abstratos (Juan Miró). Entre os mais destacados surrealista figurativos estão Salvador Dali (1904), René Magritte (1898), Paul Delvaux (1897) e Marc Chagall (1887). Entre os surrealistas abstratos, ainda que em algumas obras sejam figurativos, Juan Miró (1893), Yves Tanguy (1900), Max Ernest (1891), Francis Picabia (1879) e Hans Arp (1887). No passado, entre remotos precursores do surrealismo, os estudiosos citam Hyeronimus Bosch (1450/60 - 1516) e Giuseppe Arcimboldo (1530 - 1596). Disponível em: http://www.sul-sc.com.br/afolha/artes/abstracionismo.htm http://cms-oliveira.sites.uol.com.br/surrealismo.html Há 25 anos morria Buñuel, mestre do surrealismo e da crítica social Luis Buñuel trouxe ao cinema imagens impactantes, como de uma lâmina cortando um olho em “Um Cão Andaluz”, feito em parceria com Dalí Da EFE <!--[if gte vml 1]> <![endif]--><!--[if !vml]--> <!--[endif]-->entre em contato Alicia García de Francisco – EFE


Filme "Ensaio de Um Crime", do diretor surrealista espanhol Luis Buñuel Redação Central, 29 jul (EFE).- Poucos cineastas desenvolveram uma carreira tão coerente e, sobretudo, pessoal, quanto o grande Luis Buñuel, que deixou para a história imagens tão impactantes como a da lâmina cortando um olho ou as formigas saindo de um buraco na palma de uma mão. Neste dia em que se completam 25 anos de sua morte – ele faleceu na Cidade do México em 29 de julho de 1983 -, a obra do “mestre de Calanda”, como era conhecido por ter nascido na localidade de mesmo nome no norte da Espanha, é mais difundida do que nunca. Nascido em 22 de fevereiro de 1900, Buñuel estudou História em Madri, mas foi sua estadia na Residencia de Estudiantes da capital, onde conheceu Federico García Lorca, Salvador Dalí e Rafael Alberti, que orientaram sua vida em direção à arte, razão pela qual se transferiu para Paris, onde começou a trabalhar no cinema. Seu primeiro filme, “Um Cão Andaluz” (1929), foi um manifesto do surrealismo à altura de André Breton, e, apesar de seus evidentes erros técnicos, continua sendo, na atualidade, a ostentação da imaginação e originalidade. Desse filme, de apenas 18 minutos, procedem as duas impactantes e perturbadoras cenas, que são uma clara mostra da influência dos sonhos nas primeiras obras do cineasta: a do olho cortado por uma lâmina, procedente de um sonho do próprio Buñuel, e a das formigas, saída da capacidade onírica de Dalí. Junto com “A Idade do Ouro” (1930), são os dois exemplos mais claros do surrealismo no cinema. Filmes cujo “radicalismo estético se transformou na garantia de seu prestígio cultural”, segundo o jornal “The New York Times”. Após esse início radical, Buñuel saltou para um gênero completamente diferente, o documentário, mas elegeu um tema que, apesar de ser realista, não deixava de ser surreal: a situação na região espanhola de Las Hurdes. O duríssimo documentário de 27 minutos retrata a desoladora situação dessa região espanhola em 1932 e oferece seqüências terríveis como a do enterro de uma criança em seu caixão branco descendo pelo rio. Embora Buñuel se centrasse depois na ficção, seus filmes sempre estiveram carregados de uma forte crítica social, uma denúncia da situação de grupos


marginalizados, como ocorreu com “Os Esquecidos”, uma obra-prima pela qual obteve o prêmio de melhor direção e o da crítica internacional no Festival de Cannes de 1951. Trata-se de um filme rodado em 1950 no México, país para o qual o cineasta foi após a Guerra civil espanhola e depois de viver em Paris e nos Estados Unidos, de onde teve que sair pelas pressões sofridas ao ser acusado de ser comunista por Dalí. No México, rodou alguns de seus filmes mais significativos, como “Nazarín” (1959) -palma de Ouro em Cannes- ou “O Anjo Exterminador” (1962), com uma volta temporária à Espanha para produzir “Viridiana” (1961), uma dura crítica à falsa caridade. “Viridiana”, que também ganhou a palma de Ouro de Cannes, em 1962, gerou um grande escândalo quando o jornal do Vaticano “L’Osservatore Romano” o chamou de blasfêmia e sacrilégio, o que fez com que a censura espanhola proibisse a obra. Após sua fase mexicana, Buñuel retornou à França, onde rodaria os filmes que lhe trouxeram mais prestígio e com os quais alcançou uma enorme sutileza em suas críticas sociais, além de uma maior liberdade criadora devido aos mais e melhores meios técnicos que tinha em mãos. Com “A Bela da Tarde” (1966) conquistou o Leão de Ouro de Veneza por ser um filme muito avançado no qual Catherine Deneuve interpreta o papel de uma burguesa que é incapaz de manter relações sexuais com o marido e que começa a trabalhar em um bordel para satisfazer seus desejos e fantasias. A trilogia formada por “A Via Láctea” (1968), “O Discreto Charme da Burguesia” (1972) -que ganhou um Oscar de melhor filme estrangeiro-, e “O Fantasma da Liberdade” (1974) é provavelmente o ápice de sua carreira. O absurdo se transforma em protagonista destas histórias com as quais Buñuel atacou sem piedade a vida burguesa, especialmente com essa reunião de amigos em “O Discreto Charme da Burguesia”. Seu último filme, “Esse Obscuro Objeto do Desejo” (1977), foi menor em comparação com as obras geniais realizadas anteriormente, mas, da mesma forma que com todas as suas produções, é uma amostra a mais de que Buñuel sempre fez o que quis e contou o que sentia, sem se importar com convenções. “Não acho que tenha feito algo por dinheiro. O que não faço por um dólar não faço nem por um milhão”, reconheceu Buñuel. O cineasta russo Andrei Tarkovsky disse sobre ele: “A força dominante de seus filmes é sempre o inconformismo. Seu protesto – furioso, sem compromissos e exacerbado – se expressa sobretudo na textura sensível do filme, e é emocionalmente contagioso”. E “acima de tudo, Buñuel é o portador de uma consciência poética”, acrescentou. EFE ~ por Rebeca Bartolote em julho 29, 2008. Publicado em Cinema Tags: 1966, A Bela da Tarde, A Via Láctea, Andrei Tarkovsky, Dalí, Esse Obscuro Objeto do Desejo, Federico García Lorca, L'Osservatore Romano, Leão de Ouro de


Veneza, Luis Buñuel, O Discreto Charme da Burguesia, O Fantasma da Liberdade, Rafael Alberti, Salvador Dalí, Um Cão Andaluz http://bartolote.wordpress.com/2008/07/29/ha-25-anos-morria-bunuel-mestre-dosurrealismo-e-da-critica-social/ A Religião no Cinema de Luis Buñuel Roberto Acioli de Oliveira[1] <!--[if !supportFootnotes]-->

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RESUMO É inegável a influência da religião católica na vida do cineasta espanhol Luis Buñuel. Entretanto, o vínculo entre sua vida e sua obra não é tão simples de se estabelecer. Uma compreensão mais profunda de ambos demanda maior atenção à complexidade de sua relação com o catolicismo. Ao lançar os olhos em algumas obras do cineasta, o presente trabalho procura contextualizar seus filmes a partir de um ponto de vista menos estereotipado. Palavras-chave: Buñuel. Catolicismo. Dalí. Igreja. Picaresco. Nazarin. Viridiana

ABSTRACT The influence of the Catholic religion in the life of Spanish filmmaker Luis Buñuel is undeniable. However, the link between his life and his work is not so simple to establish. A deeper understanding of both demand greater attention to the complexity of their relationship with Catholicism. By launching a look at some works of the filmmaker, the present work aims to contextualize his movies from a less stereotyped point of view. Keywords: Buñuel. Catholicism. Dalí. Church. Picaresque. Nazarin. Viridiana


“Eu não gosto dos donos da verdade, sejam eles quem forem. Eles me entediam e me dão medo. Sou anti-fanático (fanaticamente)” Luis Buñuel Meu Último Suspiro, p. 318

Educação

Religiosa

Produzindo

Ateus

O cineasta espanhol Carlos Saura afirmou que na Espanha existem três coisas muito importantes: a Igreja, o sexo e o exército (RENTERO, Juan Carlos. 2003: p. 29). Luis Buñuel, outro cineasta espanhol, daria à observação de Saura em relação à Espanha uma dimensão especial. Seu ateísmo, por exemplo, não excluía certo fascínio pelos mistérios da fé e da Virgem Maria. Em 1961, a propósito das polêmicas em torno de Viridiana (Viridiana, 1961), então seu novo filme, Buñuel disse que tendo nascido numa família muito católica e freqüentado um colégio jesuíta dos oito aos quinze anos, a educação religiosa deixou marcas profundas em sua vida. Mas o surrealismo também, Buñuel enfatizou. Disse ainda que Viridiana segue sua tradição pessoal desde A Idade do Ouro (L’Age D’Or, em co-direção com o pintor Salvador Dalí, 1930). Com trinta anos de diferença, Buñuel deixou claro, foram os filmes que realizou mais livremente (BUÑUEL, Luis. 1968: p. 6). Não se pode negar que sua infância deu-lhe a oportunidade de um conhecimento amplo daquilo que veio a renegar. Iniciaria seus estudos com os corazonistas, equivalentes na França aos irmãos do Sacré-Coeur de Jésus, mais bem vistos em sua cidade natal do que os lazaristas. Um ano depois, é transferido para um semi-internato Jesuíta por sete anos. Seus dias começavam com a missa, às 7h30, e terminavam com o rosário da tarde. à menor infração, o aluno ficava de joelhos, de braços abertos e com um livro pesado em cada mão. Sempre vigiados, Buñuel contou que, para ir ao banheiro, os alunos sempre eram seguidos pelos olhos de um padre. Não podiam tocar uns aos outros, caminhando em fila dupla, a cerca de um metro uns dos outros (vemos algo parecido no início de Viridiana). Estudava-se a vida dos santos, catecismo, apologética. Nas aulas de filosofia, aprendia-se a refutar o pensamento de Immanuel Kant. Uma observação particularmente curiosa para muitos de nós, Buñuel disse que nunca houve escândalo sexual, fosse entre alunos, ou entre alunos e professores. Por volta dos catorze anos de idade, as primeiras dúvidas referentes à religião surgem na mente do jovem Buñuel (BUÑUEL, Luis. 2009: pp. 468).


Quando Nazarin (1958) foi premiado em Cannes, uma situação curiosa tomou corpo. De um lado, Simone Dubreuilh saudou o filme como um libelo anticonformista criado por um Buñuel avesso à religião. Nazarin, dizia Dubreuilh, fala da impossibilidade da graça, da salvação das almas e da caridade cristã. Um filme que amaldiçoa os santos óleos, um filme onde o Bem semeado pelo protagonista volta-se contra ele. Do outro lado, a Associação Católica Internacional para o Cinema, propôs premiar Nazarin como melhor filme católico no Festival de Cannes. Embora um dos religiosos presentes tenha dito que Buñuel só fala dos “defeitos menores do clero”, o que não invalida a mensagem religiosa de Nazarin, no final venceu a turma que dizia que os católicos estavam equivocados, que na verdade Buñuel era anticlerical até a raiz dos cabelos! Como explicava a brochura distribuída no Festival durante a apresentação de Viridiana, as preocupações religiosas e sexuais de Buñuel “não se explicam inteiramente se não se leva em conta de que maneira estes problemas são encarados na Espanha” (SADOUL, Geoges. 1962: pp. 11 e 23).

Entre

a

Verdadeira

e

Caridade

Hipócrita

“Já não creio no progresso social. Só posso acreditar em alguns poucos indivíduos excepcionais de boa fé, ainda que fracassem, como Nazarin” Luis Buñuel (KROHN, Bill; DUNCAN, Paul. 2005: p. 113)

Em Simão do Deserto (Simon del Desierto, 1965), um beato vive no topo de uma coluna durante 6 anos, quando ganha uma com 11 metros de altura. Rodeado por seguidores, faz milagres e enfrenta o diabo. O roteiro é baseado na história de San Simeón. Durante a Idade Média, o anacoreta viveu mais de 40 anos no alto de uma coluna no deserto da Síria. Com o poeta e amigo Federico García Lorca, Buñuel se divertia ao ler que as fezes do santo escorriam pela coluna como a cera de uma vela. Conchita, irmã e secretária de Buñuel, disse que certa vez, quando estavam em Madri, hospedaram-se no 17º andar do único arranha-céu da cidade na época. Buñuel ficava lá, disse ela, como um monge no alto de uma coluna (BUÑUEL, Luis. 2009: p. 328). Em 1958, Buñuel filma Nazarin. “Nazarin”, Buñuel confessou, “é um homem fora do comum, por quem sinto grande afeto” (KROHN, Bill; DUNCAN, Paul. 2005: p. 114.).


Como

Simão,

Nazarin

é

uma

mistura

de

Cristo

e

Don

Quixote.

Nazarin vive num mundo só seu e acredita que tudo irá bem se fizer o bem. Mas suas boas ações acabam mal. Dedica-se aos pobres e pouco se importa quando delinqüentes lhe roubam os poucos pertences. Por conta do escândalo que gerou ao acolher e cuidar de uma prostituta ferida em seu quarto o proíbem de celebrar missas. Nazarin então se livra de suas vestes eclesiásticas e passa a viver como mendigo. Seus únicos seguidores são duas mulheres, Ándara, a prostituta a quem ajudou, e Beatriz, amiga dela, uma histérica abandonada pelo amante. É preso e tem de ser defendido por outro detento na cadeia. ”Você está no bando do bem e eu no do mal. E nenhum

dos

dois

serve

para

nada”,

desabafa

seu

defensor.

Noutra seqüência, Buñuel ataca a idealização dos pobres e do ideal de bondade. Nazarin, Ándara e Beatriz encontram uma moribunda que só pede a presença de seu amado Juan. O beato procura fazê-la se arrepender de seus pecados e prestar contas a Deus. “Céu não, Juan”, repetia a mulher para espanto de Nazarin, que não compreende como se pode ignorar a salvação eterna – em alguns DVDs, substitui-se a palavra “céu” por “Deus”, o que dá na mesma. Beatriz, que sofre com a ausência de seu próprio homem, em seu silêncio parece concordar com ela (HOLANDA, Samuel. 1993: pp. 94-5). Juan chega e expulsa os beatos a pedido dela. Portanto, o mundo da fé perde também para o amor louco – que chamou a atenção de Buñuel e do grupo surrealista em O Morro dos Ventos Uivantes (Emily Brönte, 18181848) (RUIZ, Adilson. 1993: p. 213). Buñuel afirmou... “Posso blasfemar sobre o amor louco, caso isso me ocorra. É vivificante, às vezes, blasfemar contra aquilo em que se acredita” (KROHN, Bill; DUNCAN, Paul. Op. Cit.: p. 177). É o que poderíamos concluir de sua opinião sem hipocrisia em relação à caridade: “Sou contra a caridade cristã. Mas então, se vejo um homem pobre que me comove, dou-lhe cinco pesos. Se não me comove, se me parece antipático, não lhe dou nada. Então, não se trata de caridade”

(Idem:

p.

64).


A

Igreja,

a

Censura

e

o

Surrealismo

“Não me interessam os personagens sem aspectos contraditórios, porque então sabemos tudo sobre eles desde o primeiro momento” Luis Buñuel (Ibidem: p. 87)

Em Viridiana uma mulher vive absorvida em sua fé, almeja noivar com Cristo, mas acaba por se render aos desejos sexuais. O ponto alto é a seqüência em que mendigos invadem a casa onde mora e fazem um banquete e uma orgia. Viridiana acreditava que através de orações e trabalho eles seguiriam o caminho do Bem. A referência católica fica por contada recriação da Última Ceia, só que com os mendigos. Georges Sadoul sugere que Viridiana é “um pouco” a seqüência de Nazarin (SADOUL, Geoges. Op. Cit.: p. 10). Buñuel disse que a censura, paradoxalmente, até o ajudou na cena final. Originalmente, Viridiana batia na porta do quarto do primo e o encontrava com a empregada. A servente saía e ela tomava seu lugar. A censura achou escandaloso um homem com duas mulheres. Buñuel substituiu por um jogo de cartas a três. “E agora”, confessou Buñuel, “eu estou quase envergonhado de meu primeiro final: era muito grosseiro, muito direto” (Idem: p. 22).

L’Observatore Romano, jornal do Vaticano, reagiu mal quando Viridiana ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes: “Pela primeira vez talvez na história dos festivais internacionais, além das habituais exibições de impudor, verificou-se uma seqüência de representações blasfematórias”. O jornal se referia a Madre Joana dos Anjos (Matka Joanna od Aniolów, direção Jerzy Kawalerowicz, 1961) e Viridiana. O governo espanhol do ditador General Francisco Franco, apressou-se em censurar os jornais. Não deveriam mencionar o filme e nem mesmo o nome de Buñuel. Franco também demitiu o diretor-geral da Cinematografia espanhola por ter subido ao palco, em Cannes, a fim de receber o prêmio (BUÑUEL, Luis. Op. Cit. 2009: p. 330). Por força de acordos políticos entre os governos espanhol e francês, quase que se conseguiu banir o filme também da França (SADOUL, Geoges. Op. Cit.: pp. 29 e 33).

Buñuel contou que Franco talvez tenha assistido ao filme e não achou nada demais. De fato, observou Buñuel, depois do que aconteceu durante a guerra civil espanhola, a favor ou contra a Igreja, o filme devia parecer muito inocente. Viridiana


estreou na Itália em Roma, mas em Milão foi proibido e a Justiça determinou que Buñuel fosse preso por um ano caso entrasse no país. O cineasta italiano Vittorio De Sica saiu horrorizado e oprimido do cinema após assistir Viridiana. De Sica chegou a perguntar à esposa de Buñuel se ele era de fato monstruoso e costumava espancá-la. Adotando outro tom, Françoise Giroud definiu Viridiana como um filme terrível, “(...) que se deve guardar com cuidado. A ver e rever, mas não com uma companhia qualquer. Seria arriscar-se, na saída, a ficar petrificado e mudo, só para não confrontar a Viridiana da gente com a da outra pessoa”. Na mesma época, em Paris, desabafou Buñuel, não gostou de um cartaz onde era chamado de “o diretor mais cruel do mundo” (BUÑUEL, Luis. Op. Cit. 1968. P. 241; Op. Cit. 2009. P. 331).

De acordo com Frédéric Grange, em Viridiana Buñuel explicitou o papel da burguesia na degradação dos valores cristãos. A aristocracia rural espanhola, impotente para garantir seu futuro, se articula em torno de valores cristãos para reafirmar seu poder. A beata representaria o poder cristão da Igreja, e não o mito cristão – representado por Nazarin (BUÑUEL, Luis. Op. Cit. 1968: p. 214). Grange afirma que Viridiana encena a passagem do poder, da aristocracia para a burguesia – na figura do empreendedorismo do filho de Dom Jaime. Devido à degradação de seus valores ao longo dos séculos, a Igreja também se rearticula com o poder. A aristocracia é representada pelo conservador Dom Jaime. Ele deseja Viridiana, desejo reprimido que acaba mal. Sua esposa morreu no dia do casamento, ele quer reviver este momento e pede a Viridiana para colocar o vestido da noiva – ela é idêntica à morta. Narcotiza a beata, mas não consegue possuí-la. Ele se enforcou com a corda de pular da filha da empregada, a única que conservou sua inocência.

Viridiana, a beata, por sua vez, faz parte dessa classe social que perde a hegemonia e morre com Dom Jaime. Ela procura voltar a um cristianismo militante num mundo em progressiva dessacralização. Entretanto, suas atitudes estão em desacordo com a marcha da História. Em comparação a Nazarin, o fracasso de Viridiana representa também o aniquilamento dos valores que ela professa. Enquanto Nazarin agia basicamente num sentido a-histórico, Viridiana queria se integrar à História para não ser excluída do progresso. Para tanto, ela procura se reintegrar ao mundo secular. Viridiana quer participar

da História, introduzindo nela os

ensinamentos cristãos. Mas os ensinamentos se viram contra ela. Enquanto prega a castidade, será estuprada por aqueles a quem escolhera como objeto da caridade


(Idem:

pp.

215-7).

Mesmo que Buñuel sugira que os fanáticos viviam enxergando “chifre em cabeça de cavalo” nos seus filmes, o que dizer da cena de Um Cão Andaluz (Un Chien Andalou, em co-direção com o pintor Salvador Dalí, 1929) onde um homem puxa um piano na direção de uma mulher. Juan-Luis Buñuel, filho do cineasta, disse que as interpretações sobre o filme eram as mais variadas. Por exemplo, os jumentos mortos sobre o piano simbolizariam a Morte. Os dois padres amarrados ao piano simbolizam a religião detendo o homem. O piano representaria seu coração impedindo o homem de alcançar seu objeto do desejo, a mulher. Matthew Gale sugere que esse significado seria bastante evidente e óbvio na cena. A propósito, Gale nos conta que próprio Salvador Dalí atou como um dos padres - à direita da imagem (GALE, Matthew. 2007: pp. 86 e 90). Entretanto, esclarece Juan-Luis aos que não estão familiarizados com o método surrealista empregado por Buñuel e Dalí, e talvez possamos incluir Gale neste grupo, que a idéia é justamente não permitir qualquer interpretação simbólica. Era um sonho

irracional,

disse.

De acordo com Gale, A Idade do Ouro articula política e religião de forma muito mais explícita do que Um Cão Andaluz. A cerimônia de fundação de Roma (“...A antiga amante do mundo pagão à séculos tornou-se a sede secular da Igreja...”) seria uma paródia do fascismo italiano nascente. As pretensões de Mussolini são satirizadas pela procissão e o discurso de fundação, pelos bispos sentados numa região que talvez o público da época reconhecesse (infestada de bandidos), e finalmente pela imagem dos esqueletos dos bispos com suas mitras (palavra que ao mesmo tempo designa o ornamento que autoridades eclesiásticas usam na cabeça e a carapuça de papel colocada nos condenados pela Inquisição). Mesmo o estranho casal protagonista foi tomado na época por uma caricatura do casal Real da Itália. Num contexto mais amplo, essa referência englobaria a reconciliação entre o Vaticano e o Reino da Itália, articulada por Benito Mussolini através dos Pactos Lateranos, em 1929 (em troca do fim da hostilidade papal, a Itália reconhece e reafirma a religião Católica Apostólica Romana como a única religião de Estado). O público francês da época também poderia ter reconhecido a seqüência como um aviso sobre o aumento do conservadorismo

em

seu

próprio

país

(Idem:

p.

95).


O caráter blasfemo de Salvador Dalí pode explicar a identificação com Buñuel. O pai de Dalí desaprovou a união do filho com Gala. Ela era uma mãe casada, sexualmente liberada e uma estrangeira. O pai do pintor, arrotando seu poder, chegou a pressionar para que a polícia expulsasse o filho da cidade. Um acontecimento que encontraria eco na prisão do protagonista de A Idade do Ouro e a dificuldade de reunião do casal. Mas houve ainda outra manifestação dos sentimentos do pintor em relação à atitude do pai. Numa folha de papel onde uma linha desenha o vulto de Jesus, tendo no centro um coração encimado por uma cruz, Dalí escreveu: “às vezes eu

cuspo

com

prazer

no

retrato

de

minha

mãe”

(Ibidem).

A conclusão de A Idade do Ouro apresenta a controversa cena do Duque de Blagis, vestido de Jesus Cristo, deixando o castelo onde seviciou e torturou escravas sexuais. Mais sacrílega e blasfema é a seqüência final, quando volta para recolher do chão uma das escravas que conseguiu chegar até o portão. O duque/Cristo entra com ela e fecha a porta. Alguns momentos depois sai sozinho e segue com os outros três nobres que participaram das orgias e o esperavam do lado de fora. Na imagem seguinte, a última do filme, uma cruz onde estão pendurados cinco escalpos (Ibidem: p. 96). Esta seqüência final foi baseada no livro do Marques De Sade (Os Cento e Vinte Dias de Sodoma, 1785). Uma pequena seqüência, que o cineasta italiano Pier Paolo Pasolini transformará num longa-metragem, Salò, ou os 120 Dias de Sodoma (Salò, o le 120 Giornate di Sodoma, 1975). No filme de Pasolini, se não existe alguém vestido como Cristo, podemos presenciar o escapelamento que em A Idade do Ouro fica apenas sugerido pelo grito de mulher depois da porta se fechar e os escalpos pendurados

na

cruz.

Só para lembrar, antes dessa seqüência, acompanhamos outra em que um bispo é atirado da janela de um segundo andar. Nas duas seqüências, ouvimos tambores que provavelmente são os mesmos de Calanda, a cidade natal de Buñuel. Um lugar que, segundo sua própria descrição, viveu na Idade Média até o começo da Primeira Guerra Mundial. Referindo-se à Espanha, o filho de Buñuel ressaltou que muitas partes daquele país só saíram da Idade Média a partir dos anos 70 do século passado. Apesar do caráter irracional do método surrealista empregado por Buñuel e Dalí, quando considerada à luz dos acontecimentos contemporâneos ao filme, a tese de Gale sobre o caráter mais político de A Idade do Ouro faria sentido. Talvez por esse motivo, o cinema de Paris que projetou a primeira apresentação do filme foi


invadido e depredado por membros da direita francesa – mas platéia conseguiu voltar e

assistir

até

o

final.

O casal separado desde o começo do filme é marcado por um amor louco cujo obstáculo todos conhecem: a Igreja e o Estado, a lei e a ordem, a tradição e a família... O homem, ao ser abandonado se entrega à destruição do quarto da mulher. Atira tudo que pode pela janela. Um dos pontos que teria determinado protestos da Liga Anti-Judia e da Liga dos Patriotas foi a justaposição de um pé de mulher e de um ostensório (objeto do culto católico, onde se deposita a hóstia sagrada) (Ibidem: p. 99) - o fetiche em relação aos pés figura entre as muitas obsessões de Buñuel. A Idade do Ouro foi banido depois de apenas seis dias. Juan-Luis ressaltou que, na França, o filme esteve censurado de 1930 a 1980. “Como se vê, ironiza o filho de Buñuel, “a França é um país livre” (FERNANDES, G. 2004).

Os

Imbecis,

o

Público

e

o

Picaresco

“(...) Nunca tive a intenção de escrever um roteiro de tese [para Viridiana], demonstrando, por exemplo, que a caridade cristã é inútil e ineficaz. São os imbecis que pretendem isso” Luis Buñuel (SADOUL, Geoges. Op. Cit.: p. 22)

Buñuel disse que, “segundo os jornais”, o que provocou maior escândalo em Viridiana foi a Aleluia, de Haendel durante a orgia dos mendigos; o Réquiem, de Mozart, quando Dom Jaime toma Viridiana nos braços (sem atentar contra seu pudor); a coroa de espinhos jogada ao fogo e o crucifixo-punhal. De acordo com o cineasta, um jornalista teria escrito que, “em Viridiana, Buñuel puxou seu crucifixo como se fosse um punhal”. Ora, desabafou o cineasta, o crucifixo-canivete era um objeto encontrado por toda a Espanha, nas lojas de produtos baratos. Talvez, sugeriu procurando uma resposta, por conta do que Jean Epstein chamou fotogenia, a significação desse objeto banal assumiu repentinamente um tom blasfematório e sacrílego. Quanto à coroa jogada ao fogo, Buñuel esclareceu que a liturgia ortodoxa


determina que vestes sacerdotais ou objetos consagrados sejam queimados quando estiverem fora de uso – não deve ser jogado no lixo. Eu compreenderia, disse Buñuel, se

protestassem

caso

Viridiana

escarrasse

sobre

a

coroa!

Ainda reclamando das interpretações dos “imbecis”, Buñuel insistiu em afirmar a pureza de Viridiana. Insistiu também que Dom Jaime não é um sádico libertino, mas corajoso e idealista - alguém que se pune terrivelmente sem haver feito nenhum grande mal ao tentar reproduzir seu casamento, que não chegou a se consumar. Quanto aos mendigos, continuou Buñuel, “(...) não sou responsável. Eles são assim, já há séculos (...)”. De acordo com David Robinson, dentre todos os mendigos Buñuel admira apenas aquele que, insolente e orgulhoso, recusou a piedade de Viridiana e foi embora - sem antes deixar de pedir uma esmola. Mas o filme não conseguiria, ainda de acordo com Robinson, esconder o preconceito de Buñuel contra os cegos. Um dos mendigos, o cego, é mau. Para Buñuel, todos os cegos são maus! (Idem: pp. 31-2) Buñuel, explica Robinson, não gosta dos cegos porque eles estão presos por associações falsas e sentimentais. Em A Idade do Ouro, um cego é atingido violentamente com um pontapé na barriga (ROBINSON, David. 1962: pp. 220-1). Na verdade, tudo isso seria apenas um exemplo do que Carlos Rebolledo acredita sejam elementos do romance picaresco espanhol dos séculos XVI e XVII na obra de Buñuel (REBOLLEDO,

Carlos.

1968:

p.

40).

De acordo com Rebolledo, nem tudo em Buñuel é critica a religião. Como o comportamento de Dom Jaime em relação à Viridiana, que seria motivado por uma impotência enquanto filho de uma mãe que ele queria intocável e purificada. A sociedade espanhola, em suas bases matriarcais, impossibilitava a liberação da dependência em relação à mãe – uma castração fundamental. A projeção desse culto nas relações sexuais faria nascerem conflitos profundos, levando à esterilidade, à morte, ao suicídio, ao homicídio sádico. É por esta razão, explica Rebolledo, que nos romances picarescos a descrição da infância adquire muita importância (Idem: p. 42). Além disso, o elemento picaresco descristianiza as figuras do cego e dos doentes. Não existe o sofrimento humano como espelho daquele de Cristo. A caridade também é posta em xeque, o picaresco faz do caridoso um monstro fonte de calamidade. Encontramos este tipo de personagem em Os Esquecidos (Los Olvidados, 1950), além de A Idade do Ouro e Viridiana – poderíamos incluir Nazarin na lista de Rebolledo.


Obcecada pela caridade que não pode mais praticar como reclusa, Viridiana transforma os mendigos que acolhe em objetos de culto – eles substituem a presença de Cristo. Buñuel revela aqui a origem do sentimento cristão da fé. Entretanto, quando são transformados em Cristo e seus apóstolos (a cena do banquete), eles são destituídos de sua materialidade. Viridiana constrói mártires e torna-se vítima deles. A Santa Ceia transfigurada no banquete dos mendigos transforma-se em orgia. “O tema tradicional dos cegos, dos aleijados e dos monstros passa, portanto, diretamente do universo picaresco para a obra buñueliana. Nos dois casos, eles encarnam a recusa de

uma

moral

tradicional,

tornada

inoperante”

(Ibidem:

p.43).

Entretanto, de acordo com Matthew Gale, em alguns casos seria reducionismo apelar para a nacionalidade de Buñuel e Dalí. Na cena de Um Cão Andaluz onde o homem tenta de todas as formas ser aceito pela mulher (a seqüência do piano com jumento morto e padres), as referências ao amor romântico seriam destruídas por um caráter cômico. Essa tendência de atacar estereótipos, Gale sustenta, teria sido buscada também nos filmes de Hollywood que Buñuel e Dalí admiravam (GALE, Matthew. Op. Cit.: p. 90). Não seria diferente em relação ao amor de Viridiana por Cristo – cômico ou não. O ataque aos estereótipos deveria agradar a Buñuel na medida em que, mesmo em suas origens cristãs, esse amor não passa de (ou acabara por se converter em) formas hipócritas e covardes de chantagear a si mesmo (a) e aos outros

(as).

Buñuel explicou que o leproso não era ator profissional, mas um mendigo que o havia abordado na rua, em Madri. Quando surge na tela, apanha uma pomba, acaricia-a, e depois supostamente (Buñuel não mostra) a come. “Se ele fez isso, disse Buñuel, não é porque ele fosse mau, mas porque tinha fome”. Buñuel disse também que faz filmes mais para seus amigos do que para o público. O “público” é que é, na opinião de Buñuel, convencional, tradicional, pervertido. “Não é minha culpa”, afirma Buñuel, “mas da sociedade”. É muito difícil e raro, de acordo com o cineasta, quem consiga fazer um filme que agrade tanto aos amigos quanto ao “público”. “De minha parte”, decreta Buñuel, “nunca pretendi fazer filmes para educar o ‘público’’. O protagonista de Nazarin é um padre, mas poderia ser um cabeleireiro ou garçom, explicou Buñuel. “O que me interessa nele é que é fiel a suas idéias, que elas são inaceitáveis para a sociedade e que, após suas aventuras com prostitutas, ladrões,


etc... , elas o conduzem a uma condenação sem recurso pelas forcas da ordem...” (SADOUL, Geoges. Op. Cit.: pp. 32-3)

Lúcifer,

os

Insetos,

o

Espírito

Santo

e

o

Anjo

Mas nem só da aparição de padres e altas patentes eclesiásticas vive o cinema de Buñuel. Em A Ilusão Viaja de Trem (La Ilusión Viaja em Tranvía, 1953), numa encenação teatral de rua explica-se didaticamente porque a “mulher é a culpada” por termos sido expulsos do paraíso. Lúcifer, aliás, antes de caçar a pomba que representa o Espírito Santo, já chega ao palco enchendo a cara com bebida alcoólica – que, diga-se de passagem, apesar de ser uma droga altamente destrutiva, é legalizada no mundo inteiro. Julgado, o anjo Lúcifer é forçado a abandonar o Céu. Neste momento, perde suas asas e túnica branca de anjo e vira um demônio chifrudo bem ao gosto das pinturas medievais. Em seguida, ele dá uma maça a Eva, que a oferece

a

Adão.

A Via Láctea (La Voie Lactée, 1969) já foi comparado ao estudo de um inseto: o

homo

christianus.

Seus

detalhes

físicos,

comportamento,

heresias,

a

transubstanciação, a origem do mal, a natureza dual de Cristo, o livre arbítrio, a trindade e o nascimento da Virgem. Como Nazarin, este filme suscitou reações contraditórias. Uns disseram que era uma obra anti-religiosa. O escritor argentino Julio Cortázar (1914-1984) disse que o filme parecia ter sido financiado pelo Vaticano. Em A Via Láctea, lembrou Buñuel, Cristo é um homem comum, rindo, correndo, errando o caminho e até dispondo-se a se barbear. De acordo com Buñuel, na atualidade a religião católica parece dar mais importância à Cristo, relegando ao segundo plano o restante da Santíssima Trindade. “Só se fala dele”, reclamou o cineasta, “quanto ao desafortunado Espírito Santo, ninguém lhe dá pelota, e ele mendiga pelas esquinas” (BUÑUEL, Luis. Op. Cit. 2009: p. 340). Com relação às opiniões pró e contra sua abordagem

em

relação

à

religião

na

sua

obra,

Buñuel

diria:

Essas polêmicas falaciosas me deixam cada vez mais indiferente. Via Láctea a meu ver não era nem a favor disso, nem contra aquilo. Além das situações e dos conflitos doutrinários que o filme mostrava, ele me parecia ser acima de tudo um passeio pelo


fanatismo em que todos se agarravam com força e intransigência à sua parcela de verdade, dispostos a matar ou morrer por ela. Assim, parecia-me que o caminho percorrido pelos dois peregrinos podia se aplicar a toda ideologia política ou mesmo artística (Idem)

Em O Anjo Exterminador (El Ángel Exterminador, 1962), o anjo propriamente dito é uma presença na ausência. Na Bíblia, em Samuel II, capítulo 24, versículo 16, lê-se: “(...) quando o anjo estendeu a mão sobre Jerusalém, para destruí-la, o Senhor se arrependeu daquele mal; e disse ao anjo que fazia a destruição entre o povo: Basta, retira agora a tua mão (...)”. Após um jantar, sem razão aparente um grupo de aristocratas não consegue abandonar o local. A situação vai se deteriorando, desentendimentos e delírios alimentam um clima claustrofóbico e enigmático. Aqueles que estão do lado de fora também não conseguem entrar. Em certo momento surge a única alusão ao título, um dos convidados fala delirando: “Contente... não com o extermínio” (TAVARES, Bráulio. 2002: p. 43). Uma das mulheres pede às amigas que segurem os pés de galinha que ela trouxe. Na Cabala, são como chaves, explica ela, que abrem as portas do desconhecido. Em Nazarin, alguém joga pés de galinha na panela enquanto Nazarin explica para Ándara por que nascemos (segundo ele, a pergunta mais fácil e também a mais misteriosa). De qualquer forma, a tentativa das aristocratas não dá certo. Ela diz que precisa de sangue inocente para fazer a coisa funcionar. Nesse instante, o sangue de um dos casais presentes (que havia se suicidado) escorre. Não dá certo. Outros convidados, Maçons, tentam resolver o problema pronunciando a “palavra impronunciável”. Também não dá certo.

Alguns cordeiros entram na sala onde o grupo está confinado. Famintos, eles irão comê-los. Um urso, que foi criado na casa, não entra na sala. Alguns convidados imaginam quem comeria quem, caso o animal entrasse. Numa crítica direta aos Jesuítas, o mordomo come pedaços de papel. Oferecendo para uma das convidadas espantadas, num longo elogio às qualidades alimentícias do papel, explica que quando estudou num colégio Jesuíta costumava comer em sala, quando as aulas o entediavam. Uma das convidadas pede que seu médico a acompanhe numa peregrinação à Lourdes e compre para ela uma Virgem lavável de plástico. Este foi um dos detalhes mais blasfemos apontados pela Igreja e pela crítica da época. Entretanto, trata-se de um objeto a venda no mercado de lembranças religiosas, tanto quanto o famoso

crucifixo-canivete

que

vemos

em

Viridiana

(Idem:

p.

51).


Finalmente, através de uma reconstituição, até que entendessem quando tudo começou a dar errado, o grupo consegue mudar o próprio destino e sair da mansão. Na seqüência final, todos estão na igreja. A missa termina, mas ninguém sai. Não vamos acompanhá-los desta vez, mas sabemos que recomeçará a agonia. Do lado de fora, tiroteio e polícia. Na imagem final, um bando de cordeiros segue na direção da porta do templo. De acordo com Bráulio Tavares, com o tempo Buñuel abandonou o surrealismo puro, o automatismo, optando por uma espécie muito pessoal de realismo mágico. Utilizando colagem, acaso, improviso, inserção de elementos casuais e autobiográficos com pouca ou nenhuma relação com a estória contada, Buñuel criou muitos problemas para os críticos, que não sabiam como encaixá-lo em suas teorias (Ibidem: p. 170).

Cristo

Zomba

de

Sua

Dor

“A realidade, sem imaginação, é a metade da realidade” Luis Buñuel (KROHN, Bill; DUNCAN, Paul. Op. Cit.: p. 37)

Ándara está convalescendo de seu ferimento no quarto de Nazarin quando percebe num pequeno quadro na parede o rosto sofrido de Cristo. Delirando, vê Cristo abrir uma grande gargalhada. Seria a risada de escárnio de um Cristo que acusa? Cristo zombando do sofrimento de uma prostituta? (HOLANDA, Samuel. Op. Cit.: p. 92) O acaso ensinaria a um confuso Nazarin por que sua bondade não gera bondade. Como diria o próprio Buñuel, tanto faz crer ou não crer. Foi nesse sentido que o ladrão que defendeu Nazarin na cela da prisão concluiu pela irrelevância, tanto de sua maldade quanto da bondade de Nazarin. No mundo de Deus, acredita Buñuel, não há lugar para o acaso. Para o cineasta, o mundo é regido por um princípio de ambigüidade. Não existem verdades redentoras, soluções definitivas, nada que


impeça o crescimento da dúvida (Idem: pp. 89 e 93). As interpretações dadas à Nazarin oscilam entre considerá-lo profundamente cristão ou tomá-lo como uma denúncia da ilusão da divindade, afirmando a realidade do homem. Buñuel discorda de ambas e retruca que qualquer um na situação de Nazarin seria contraditório (Ibidem: p.

96).

Crer e não crer na existência de Deus dá no mesmo! Assim concluía Buñuel, que não via sentido em decidir se o acaso domina a necessidade ou vice-versa. Se Deus de fato existe, isso não mudaria rigorosamente nada, enfatizou o cineasta espanhol. Buñuel não aceita que exista um Deus que o vigie, que se ocupe dele e que possa castigá-lo eternamente. “Deus não se ocupa de nós. Se existe, é como se não existisse. Raciocínio que resumi outrora nesta fórmula: ‘sou ateu, graças a Deus’. Uma fórmula contraditória apenas na aparência” (BUÑUEL, Luis. Op. Cit. 2009: p. 246). O ateísmo de Buñuel, como ele mesmo disse, aceita o inexplicável. Recusa uma divindade organizadora, nenhuma explicação vale para todos. Mas não quer dizer que Buñuel raciocina cientificamente. A ciência não o interessa, ela ignora tudo que importa para ele: o sonho, o acaso, o riso, o sentimento e a contradição. Mas Buñuel esclarece, não é sua a opinião do personagem de A Via Láctea que diz: “Meu ódio pela ciência e meu desprezo pela tecnologia acabarão por me levar a essa absurda crença em Deus”. De acordo com Buñuel, isso é até impossível. Ele escolheu viver no mistério:

A fúria de compreender e, por conseguinte, de apequenar-se, mediocrizar-se – fui espezinhado a vida inteira com perguntas imbecis: por que isto? Por que aquilo? – é um dos infortúnios de nossa natureza. Se fôssemos capazes de entregar nosso destino ao acaso e aceitar sem angústia o mistério da vida, uma certa felicidade poderia estar próxima, bastante semelhante à inocência (Idem) “Em algum lugar entre o acaso e o mistério insinua-se a imaginação, liberdade plena do homem” (Ibidem: p. 247). O problema da humanidade é a tentativa sempre renovada de extinguir essa liberdade. Por isso o cristianismo inventou o pecado por intenção. Buñuel, como muitos, reprimia imagens que vinham à sua mente (assassinar o irmão, transar com a mãe, etc.). A partir dos sessenta anos de idade, disse ele, compreendeu e aceitou a inocência de sua imaginação. Só então compreendeu que não se tratavam de pecados, que eram pensamentos que somente a ele diziam respeito. Aceitando tudo que viesse a sua mente, explicou Buñuel, as imagens (mesmo as mais complexas como incesto) o abandonavam, expulsas por sua


indiferença. “Psiquiatras e analistas de todo tipo escreveram muito sobre meus filmes. Sou grato, mas nunca leio seus livros. Não me interessam”. (...) “Na minha idade, deixo que falem (...)” (Ibidem: pp. 247-8)

A

Blasfêmia

Está

nos

Olhos

de

Quem

Vê?

Charles Tesson afirma que podemos distinguir três elementos no cinema de Buñuel: a blasfêmia, a profanação e o sacrilégio. A profanação seria a realidade do universo buñueliano, seu ato de nascimento. O sacrifício é menos significante e está inscrito num gesto proibido (Tesson cita o exemplo da coroa de espinhos jogada na fogueira, mas já sabemos que este exemplo, pelo menos na justificativa de Buñuel, nada tem de incoerente). O gesto blasfemo, ao contrário, constitui uma afronta ao simbolismo,

aos

fundamentos

(TESSON,

Charles.

1995:

p.

288n13).

Bráulio Tavares ressalta os poderosos mecanismos de condicionamento da educação cristã (os mandamentos, a confissão, o conceito de pecado mortal) e os desdobramentos no comportamento do cineasta. A blasfêmia, para um ex-aluno de colégio jesuíta, pode constituir um verdadeiro ato de libertação. Tavares destaca que Buñuel não se enquadrava na ideologia anticlerical de grande parte dos anarquistas espanhóis – espancamento de padres, incêndios em igrejas. “As blasfêmias de Buñuel”, afirma Tavares, “são uma espécie de maledicência terapêutica, onde o indivíduo procura, mais do que atingir o ofendido, demonstrar a si mesmo que o ‘outro’ não tem poder sobre ele, não manda mais em sua mente” (TAVARES, Bráulio. Op. Cit.: pp. 79). Uma espécie de independência mental de Buñuel em relação ao passado. Com a vantagem de prolongar sua juventude intelectual ao blasfemar em público, para milhões de espectadores. As blasfêmias, Tavares insiste, revelam a extensão dos conflitos emocionais provocados pela fé religiosa. Tavares relembra uma blasfêmia às avessas de Buñuel. Mas antes é preciso ressaltar o papel dos sonhos para um surrealista como Buñuel: “Eu disse um dia a um produtor mexicano, que não gostou nada da piada: ‘Se o filme estiver muito curto, eu acrescento um sonho’”. Noutra ocasião Buñuel afirmou: “Adoro sonhar, mesmo quando meus sonhos são pesadelos, o que é freqüente. Eles são sempre semeados de obstáculos, que conheço e reconheço. Mas isso é indiferente” (BUÑUEL, Luis. Op. Cit. 2009: p. 135). Não é o


que parece, a julgar pela reação ao sonho com a “blasfêmia às avessas”:

(...) Vejo subitamente a Virgem Maria, toda iluminada de doçura, as mãos estendidas para mim. Presença fortíssima, indiscutível. Ela me falava, a mim, descrente sinistro, com toda a ternura do mundo, aureolada por uma música de Schubert que eu ouvia com nitidez. Quis reconstituir essa imagem em A Via Láctea, mas ela ficou longe da força de convicção imediata que possuía em meu sonho. Ajoelhei-me, meus olhos encheram-se de lágrimas e de repente me senti arrebatado pela fé, uma fé vibrante e invencível. Quando acordei, precisei de dois ou três minutos para serenar. Eu continuava a repetir, no limiar do despertar: ‘Sim, sim, santa Virgem Maria, eu creio!’. Meu coração estava disparado. (...) Acrescento que esse sonho apresentava certo caráter erótico. Obviamente, esse erotismo permanecia nos castos limites do amor platônico. Será que se o sonho tivesse se estendido, essa castidade teria desparecido para ceder lugar a um verdadeiro desejo? Não posso responder. Eu me sentia simplesmente capturado, comovido, extasiado. Sensação que experimentei inúmeras vezes ao longo da vida, e não apenas em sonho (Idem: p. 138)

O ateísmo de Buñuel não neutralizava seu interesse nos mistérios da fé. Mas ele nunca deixou de sugerir que a Igreja sempre os impunha à força (obedecer = ter fé). Qualquer expressão de uma idéia herética gerava uma advertência das autoridades eclesiásticas (KROHN, Bill; DUNCAN, Paul. Op. Cit.: p. 154). Em O Fantasma da Liberdade (Le Fantôme de la Liberté, 1974), Buñuel investe contra a hipocrisia da Igreja ao colocar padres jogando pôquer, fumando e ingerindo bebida alcoólica. Embora saibamos que se pode dar uma resposta objetiva e acadêmica à questão, uma pergunta simples e objetiva que Buñuel fez a si mesmo ecoa como se a resposta estivesse além, para além. Ou, talvez, no além: “Por que esse horror ao sexo na religião católica?” (BUÑUEL, Luis. Op. Cit. 2009: p. 26) Juan-Luis Buñuel recorda uma brincadeira que seu pai costumava fazer com a ajuda de Lorca e Dalí. No centro de Madri, uma amiga deles se vestia de prostituta e entrava no bonde. Na parada seguinte, Lorca ou Dalí vestido de padre, entrava também e começava a molestar a mulher. Era um escândalo. Na terceira parada, Buñuel subia no bonde vestido de policial, agarrava o padre, batia nele e gritava: Por que padres sempre estão perseguindo as prostitutas? O bonde todo ficava chocado. Então os três desciam e iam

beber

juntos

num

bar

(FERNANDES,

REFERÊNCIAS

G.

Op.

Cit.).


BUÑUEL, Luis. Viridiana. Tradução de Saul Lachtermacher e José Sanz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. ---------------------. Meu Último Suspiro. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Cosac

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2009.

FERNANDES, G. A Slice of Buñuel. Transflux Films, 2004. Documentário incluído nos extras do dvd lançado no Brasil pela Versátil Home Vídeo, contendo Um Cão Andaluz e

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Bráulio.

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Rio

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Rocco,

2002.

TESSON, Charles. Luis Buñuel. Paris: Éditions de l’Étoile/Cahiers du Cinema, 1995 ____________________ [1] Roberto Acioli de Oliveira é graduado em Ciências Sociais - 1989, Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestrado e Doutorado em Comunicação e Cultura - 1994 e 2002, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mantém três blogs onde, entre outros temas, analisa as variadas maneiras de se encarar o corpo humano, e o rosto em particular: Corpo e Sociedade, Cinema Europeu e Cinema Italiano. http://www.desenredos.com.br/page_18.html



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