A experiência do cinema - Ismael Xavier

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ticos de cor e forma - ao melodrama ~arato - co~ .luz azul e música suave na cena final - a cenografIa conta a estona da emoção íntima. Mas é na arte cinematográfica que se ~brem .a~ m~­ lhores perspectivas de utilização desses recurso~ ~xpresslvos. adlclOnals que emanam do ambiente, dos elementos cemcos, das linhas, das formas e dos movimentos. Só no cinema é possível transporta~ o ator de um lugar para outro num abrir e fechar de ~lh~s. O art1st~ da imagem não está restrito a um único espaço c~n:co, nem esta sujeito às dificuldades técnicas de mudar todo o cenano a c~da sorriso ou expressão de desagrado. :e. claro que o teatro tambem pod: mostrar o céu se toldando e as nuvens de trovoada, mas ele esta condenado a acompanhar o curso lento e incerto dos fen~menos naturais. O filme pode pular de um para outro. Um-dezessels avoS de segundo 4 bastam para ir de um extremo ao outro do mundo, de um ambiente de júbilo a uma cena de luto. Todos ~s re~urs~s da imaginação podem ser acionados a serviço dessa emoclonalizaçao da natureza. Dentro do seu pequeno quarto, a moça abre a carta e a. lê. Não é necessário o close-up da página da carta - a letra mascuhna, as palavras de amor e o pedido de casamento: basta ler o semblante radioso a emoção estampada nas mãos e nos braços da moça. E como ;ão numerosos os recursos do cinema para mostrar o seu tumulto interior! As paredes do quartinho se transfo~am em m~ra­ vilhosas cercas de pilriteiros em flor; ei-Ia no melo. das roseIras magníficas, aos seus pés um tapete vivo de flores ~x~tIcas.· Ou então, na mansarda, o jovem músico tocando seu VIolino.. Ve~os o arco ferindo as cordas, mas o semblante sonhador do artIsta nao se altera com a música: mesmo sob a magia dos s~ns, ~mo se e~e estivesse tendo uma visão, as feições permanecem ImóveIS, sem tra~r as diversas emoções que as melodias despertam. Não p~demos OUVlr esses sons. Mas nós os ouvimos assim mesm~: por. tras da cabeça do rapaz surge uma encantadora paisagem pn~aver.l1 - vemos ~s vales os riachos sussurrantes e os brotos das fIDas sl1vestre~ no mes de ~aio. Pouco a pouco, a paisagem vai-se tingindo da tnsteza do outono _ as folhas murchas caem à sua volta, nuve~s es:uras e baixas pairam sobre a sua cabeça. Subitamente, numa mflexao agu4 Munsterberg fala em 1/16 do segundo porque, durante o período do cinema mudo, a velocidade de projeção era de 16 quadros por .segundo.

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da do arco, irrompe a tempestade, e somos expostos à violência das rochas agrestes e do mar enfurecido. Depois, mais uma vez, a tranqüilidade volta a reinar sobre o mundo: lá no fundo aparece a pequena aldeia no interior onde ele passou a juventude, a colheita sendo trazida dos campos, o pôr-do-sol coroando a cena idílica. Lentamente, o arco se cala; as paredes e o teto da mansarda se recompõem. Nenhum sombreado, nenhum matiz, nenhuma cor das suas emoções nos escapou; nós as acompanhamos como se pudéssemos ouvir nos sons melodiosos a alegria e a tristeza, o tumulto e a paz. Esses cenários da imaginação representam um extremo; eles não convêm à situação de rotina. Mas, mesmo que a ambientação não tenha tanta relevância nas imagens realistas de um filme comum, existem por todo o lado inúmeras possibilidades que nenhum roteirista competente poderá ignorar. A exuberância emocional deve impregnar não apenas o retrato do indivíduo, mas a imagem como um todo. Se até agora só falamos das emoções das pessoas dentro do filme, isso não basta. Nos capítulos dedicados à atenção e à memória analisamos o ato de atenção e de memória do ponto de vista do espectador - e não daqueles que fazem parte do filme - e vimos que a atividade e os estímulos mentais do espectador se projetam no filme. Esta questão. se colocava no centro do nosso interesse porque mostrava a singularidade dos meios que o roteirista pode empregar no seu trabalho. Analogamente, devemos perguntar agora o que se passa com as emoções do espectador. Neste caso, porém, cumpre distinguir entre dois grupos diferentes: de um lado, as emoções que nos comunicam os sentimentos das pessoas dentro do filme; do outro, as emoções que as cenas do filme suscitam dentro de nós e que podem ser inteiramente diversas, talvez exatamente opostas às emoções expressas pelos personagens. O primeiro grupo é sensivelmente o maior. Imitamos as emoções exibidas aos nossos olhos e isto torna a apreensão da ação do filme mais nítida e mais afetiva. Simpatizamos com quem sofre e isto significa que a dor que vemos se torna a nossa própria dor. Compartilhamos da alegria do amante realizado e da tristeza de quem chora o seu luto; sentimos a indignação da esposa traída e o medo do homem em perigo. A percepção visual das várias manifestações dessas emoções se funde em nossa mente com a consciência da emoção manifestada; é como se estivéssemos vendo e obse<rvando diretamente a própria emoção. Além disso, as idéias despertam em

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