A experiência do cinema - Ismael Xavier

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1.1.3. AS EMOÇÕES (Capítulo 6)

o principal objetivo do cinema deve ser retratar as emoções. O teatro pode recorrer às frases de efeito e sustentar o interesse da platéia através de diálogos eminentemente intelectuais e não emo~ cionais. Já para o ator de cinema, a ação é fundame~tal: é o único meio de a~egurar a atenção do espectador, e mais, o seu significado e .a sua umdad~ emergem dos sentimentos e emoções que a determInam. No CInema, mais do que no teatro, os personagens são antes de tudo, sujeitos de experiências emocionais: a alegria e ~ dor, ~ es~erança e o me?~, o amor e o ódio, a gratidão e a inveja, a solidanedade e a mahcla, conferem ao filme significado e valor. Quais as possibilidades do cinema de exprimir esses sentimentos de forma convincente? Sem dúvida, uma emoção impedida de manifestar~se verbalmente perde parte de sua força; apesar disso, os gestos, os atos e as· expressões f~cia~s se entrelaçam de tal forma no processo psíquico de uma emoçao Intensa que para cada nuança pode~se chegar à expressão característica. Basta o rosto - os rictos em tomo da boca, a expressão dos olhos, da testa, os movimentos das narinas e a determinação do queixo ---'- para conferir inúmeras nuanças à cor do sentimento. Mais uma vez, o close~up pode avivai muito a im~

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pressão. ~ no auge da emoção no palco que o espectador de teatro recorre aos binóculos para captar a sutil emoção dos lábios, a paixão ou o terror expressos no olhar, o, tremor das faces. Na tela, a ampliação por meio do close~up acentua ao máximo a ação emocionatdo rosto, podendo também destacar o movimento das mãos, onde a raiva e a fúria, o amor ou o ciúme, falam em linguagem inconfundível. Se a cena tende para o humor, um close-up de pés em colóquio amoroso pode muito bem contar o que se passa no coração dos seus donos. Os limites, todavia, são estreitos. Muitos sintomas emocionais, tais como corar ou empalidecer, se perderiam na expressão meramente fotográfica, e, o que é mais importante, estas e muitas outras manifestações dos sentimentos fogem ao controle voluntário. Os atores de cinema podem recriar os movimentos cuidadosamente, imitando as contrações e os relaxamentos dos músculos, e mesmo assim ser incapazes de ,reproduzir os processos mais essenciais à verdadeira emoção - os que se passam nas glândulas, nos vasos sanguíneos, e nos músculos autônomos. Sem dúvida, a repetição. desses movimentos representa um estímulo suficiente para provocar o aparecimento de algumas dessas reações involuntárias e instintivas. Parte da emoção que o ator imita é real, e daí surgem reações automáticas. Todavia, são poucos os que conseguem, apesar de todos os mivimentos dos músculos faciais para simular o choro, derramar lágrimas de verdade. Já a pupila é mais obediente: os músculos autônomos da íris reagem às deixas de uma imaginação forte. Assim, a representação mímica do terror, do pasmo, ou do ódio pode realmente provocar a dilatação ou a contração da pupila - que o close-up pode mostrar. Contudo, há muita coisa que a arte por si s6 não é capaz de traduzir e que apenas a vida produz, pois a consciência da irrealidade da situação funciona como uma inibição psicológica às reações automáticas instin~ tivas. O ator pode, artificialmente, tremer ou respirar mal, mas a emoção simulada não levará à forte pulsação da carótida ou à pele úmida pela perspiração. :e claro que o mesmo ocorre com o ator que se apresenta no palco. Mas o conteúdo das palavras e a modulação da voz podem ajudar bastante a ponto de fazer esquecer as falhas da impressão visual. O ator de cinema, por outro lado, pode cair na tentação de superar essa deficiência carregando na gesticulação e nos movimentos

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