Reader Ciclo Descolonização

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DEBATE E PENSAMENTO, TEATRO

A descolonização das terras ocupadas por Portugal terá terminado há pouco mais de 40 anos, findas as Guerras Coloniais, como eram conhecidas em Portugal, ou as Guerras de Libertação, como eram chamadas nas antigas colónias. No entanto, as estruturas de pensamento e comportamento que alimentaram a cultura colonial e as relações de desigualdade e de exploração que a caracterizam não desaparecem por decreto. É destas duas libertações, a que aconteceu e a que está ainda por vir, que este breve ciclo trata. Nesta brochura que acompanha o ciclo Descolonização, publicamos textos dos artistas e restantes convidados que estarão connosco a debater este tema. No texto A máscara, a artista Grada Kilomba, cuja obra é também informada pela sua experiência na área da psicologia, aborda a criação de condições de escuta necessárias à realização deste debate e a uma efetiva descolonização das práticas e do pensamento. Este espaço criado para o surgimento de memórias, de experiências e de vozes que têm sido sujeitas a um silenciamento de séculos surge a par de um convite a que olhemos para a nossa realidade e perguntemos como é que podemos desmantelar os nossos próprios racismos. A responsabilidade de criação de espaços de escuta e de enunciação é uma responsabilidade partilhada. Carla Fernandes, responsável pelo rádioblogue Afrolis, volta a sublinhar esta questão, ao referir­‑se, em Silenciamentos, à responsabilidade dos cidadãos afrodescendentes enquanto sujeitos das história, na criação destas condições de escuta. Todos os textos questionam a narrativa histórica dominante durante décadas: a de que o nosso foi um “colonialismo suave”, sem violência, lembrando a necessidade de, tanto ao nível das instâncias de representação social como no âmbito da educação, abrir espaço ao contraditório, dando a conhecer os outros lados da História. Em Enfrentar os fantasmas presentes, Miguel Cardina,


OR TA E T ,O T NE M AS NEP E E TA BE D


A descolonização das terras ocupadas por Portugal terá terminado há pouco mais de 40 anos, findas as Guerras Coloniais, como eram conhecidas em Portugal, ou as Guerras de Libertação, como eram chamadas nas antigas colónias. No entanto, as estruturas de pensamento e comportamento que alimentaram a cultura colonial e as relações de desigualdade e de exploração que a caracterizam não desaparecem por decreto. É destas duas libertações, a que aconteceu e a que está ainda por vir, que este breve ciclo trata. Nesta brochura que acompanha o ciclo Descolonização, publicamos textos dos artistas e restantes convidados que estarão connosco a debater este tema. No texto A máscara, a artista Grada Kilomba, cuja obra é também informada pela sua experiência na área da psicologia, aborda a criação de condições de escuta necessárias à realização deste debate e a uma efetiva descolonização das práticas e do pensamento. Este espaço criado para o surgimento de memórias, de experiências e de vozes que têm sido sujeitas a um silenciamento de séculos surge a par de um convite a que olhemos para a nossa realidade e perguntemos como é que podemos desmantelar os nossos próprios racismos. A responsabilidade de criação de espaços de escuta e de enunciação é uma responsabilidade partilhada. Carla Fernandes, responsável pelo rádioblogue Afrolis, volta a sublinhar esta questão, ao referir­‑se, em Silenciamentos, à responsabilidade dos cidadãos afrodescendentes enquanto sujeitos das história, na criação destas condições de escuta. Todos os textos questionam a narrativa histórica dominante durante décadas: a de que o nosso foi um “colonialismo suave”, sem violência, lembrando a necessidade de, tanto ao nível das instâncias de representação social como no âmbito da educação, abrir espaço ao contraditório, dando a conhecer os outros lados da História. Em Enfrentar os fantasmas presentes, Miguel Cardina,


investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, questiona o carácter de exceção do colonialismo português e o silenciamento da sua natureza violenta, aludindo às heranças deste período nos dias de hoje. Em Descolonizando as Mentes, Beatriz Gomes Dias, da Djass — Associação de Afrodescendentes, leva­‑nos a refletir acerca do racismo ainda presente na nossa sociedade e nas dificuldades que existem no que diz respeito ao usufruto e ao exercício dos direitos e deveres permitidos pelo acesso à plena cidadania por parte dos cidadãos afrosdescendentes. Por fim, no texto Libertação, o encenador André Amálio diz­‑nos por que é que se interessou pela história do fim do período colonial português e como quis contribuir para a “discussão de problemas atuais que advêm de questões coloniais não debatidas”. Complexificar a História, olhá­‑la sob as suas diferentes matizes e perspetivas, sair de uma narrativa unívoca e de uma razão que excluí outras narrativas e experiências concretas são outros dos objetivos dos textos aqui presentes e que acompanham este ciclo. curadoria: Liliana Coutinho

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A máscara GRADA KILOMBA A máscara

Quando era pequena ouvia falar, de forma recorrente, na máscara imposta à Escrava Anastácia 1. A história, muitas vezes contada e com descrições pormenorizadas, fez­‑me entender que longe de ser uma janela para o passado, era, pelo contrário, uma memória viva, enraizada na nossa psique e digna de ser relatada. Quero agora emprestar­‑lhe 1 Sem história oficial, há quem defenda que Anastácia era a filha de uma família real Kimbundo, nascida em Angola, levada para a Bahia (Brasil) e escravizada por uma família portuguesa. Com o regresso desta família a Portugal, foi vendida ao dono de uma plantação de cana­‑de­‑açúcar. Outros defendem que nasceu como princesa Nagô / Yoruba antes de ser capturada por escravocratas portugueses e levada para o Brasil, enquanto outros apontam a Bahia como o seu local de nascimento. O seu nome africano é desconhecido; Anastácia foi o nome dado durante a sua escravização. Todos os relatos referem que ela foi forçada a usar um pesado colar de ferro e uma máscara facial que a impedia de falar. As razões para este castigo variam: uns reportam o seu ativismo político na ajuda à fuga de outros escravos; outros defendem que ela resistiu aos avanços amorosos do seu dono branco; uma outra versão põe a culpa numa amante invejosa da sua beleza. Supõem­‑se que possuía fortíssimos poderes de cura e que realizou milagres e era vista como uma santa entre os africanos escravizados. Depois de um longo período de sofrimento, Anastácia morreu de tétano por causa do colar à volta do seu pescoço. […] Na segunda metade do século XX, a figura de Anastácia começou a ser o símbolo da brutalidade da escravatura e da herança continuada do racismo. Anastácia tornou­‑se numa figura política e religiosa importante em todo o mundo africano e da diáspora africana, representando a resistência heroica. A primeira veneração de larga escala teve lugar em 1967, quando os curadores do Museu do Negro, no Rio de Janeiro, erigiram uma exposição para honrar o 80.º aniversário da abolição da escravatura no Brasil. É normalmente vista como uma santa de Pretos Velhos (Velhos Escravos Negros), relacionada diretamente como o Orixá Oxalá ou Obatalá — o Deus da paz, serenidade, criação e sabedoria — e é objeto de devoção nas religiões do Candomblé e da Umbanda […] (Kilomba 2008: 17­‑18) 3


a minha voz e debruçar­‑me sobre esta máscara violentíssima do silenciamento. Esta máscara foi, durante mais de trezentos anos, um instrumento muito específico e concreto do projeto colonial europeu. Colocava­‑se o freio dentro da boca do sujeito Negro, entre a língua e a mandíbula e prendia­‑se à parte de trás da cabeça com dois fios. Um ajustava­‑se à volta do queixo e o outro, em torno do nariz e da testa. Oficialmente, os senhores brancos utilizavam­‑na para impedir os Africanos escravizados de comerem cana­‑de­‑açúcar, ou grãos de cacau, enquanto estivessem a trabalhar nas plantações. A sua verdadeira função, porém, consistia em silenciá­‑los e incutir­‑lhes medo, porquanto a boca era local, tanto de mutismo, como de tortura. Assim, a máscara representa o próprio sistema colonial. É um símbolo do sadismo da política de conquista e do silenciamento implacável da alteridade. Determina­‑se quem pode efetivamente falar, o que acontece quando se fala e de que é que se pode falar.

A boca

A boca é um órgão que tem a particularidade de simbolizar o discurso e a enunciação. No contexto do racismo, é o órgão de opressão por excelência, pois é aquele que os brancos querem — e necessitam — controlar. Nesta ordem de ideias, é ainda uma metáfora para o objeto possuído. O sujeito Negro quer possuir o que pertence ao senhor branco, neste caso, os frutos da cana­‑de­‑açúcar e do cacau. Quer comê­‑los, devorá­‑los, subtraí­‑los ao senhor e, apesar da plantação e dos frutos serem pertença “moral” do colonizado, o colonizador, perverso, interpreta este ato como um roubo. Passa­‑se de uma afirmação, “Estamos a tirar o que é Deles” para outra, “Eles estão a tirar o que é Nosso”. É um processo de negação no qual o senhor nega o seu próprio projeto de colonização para o atribuir ao colonizado. 4


Estamos perante um mecanismo de defesa do ego: atribui­‑se ao outro o que não se considera aceitável em nós. No contexto do racismo, o processo de negação serve para manter e legitimar parâmetros de exclusão racial violentos, “Eles querem o que é Nosso, por isso têm de ser controlados”. Quando a afirmação inicial “Estamos a tirar o que é Deles” é negada e projetada no “Outro” (“Eles estão a tirar o que é Nosso”), este passa a ser aquilo que o sujeito branco não quer conhecer. O sujeito Negro torna­‑se num intruso hostil que deve ser controlado e o branco passa a ser a vítima compreensiva que tem o dever de o controlar. Ou seja, o opressor passa a oprimido e o oprimido passa a ser o tirano. Quando ocorre fragmentação da psique, em que pontos de clivagem são projetados para o exterior, assiste­‑se sempre à criação de uma suposta alteridade, antagonista do “eu”. Esta fragmentação do homem branco, que remete ainda para uma certa divisão do “eu”, vai espoletar duas formas de encarar a realidade exterior. Assim, apenas uma faceta do ego (a parte “boa”, inclusiva e positiva) é reconhecida enquanto parte integrante do “eu”, sendo que a outra (a “má”, excludente e malévola) é projetada no Outro e vista como externa. Desta forma, o sujeito Negro é uma tela na qual o branco projeta aquilo com que não se quer identificar: neste caso, o bandido violento, o assaltante preguiçoso e perigoso. A projeção no Outro destes traços reprováveis constitui pois uma fuga, mormente por serem causa de grande angústia, sentimento de culpa e vergonha no sujeito. Em termos psicanalíticos, estamos diante de um processo que permite manter uma autoimagem positiva (branquitude enquanto o “eu” bom) e em que as manifestações do lado “mau” são projetadas no exterior e forçosamente encaradas como elementos externos e negativos. No mundo conceitual dos brancos, o sujeito Negro é visto como o elemento “mau” que encarna o que foi reprimido e proibido pela sociedade branca, nomeadamente a agressividade e a sexualidade. Somos assim conotados com o que é ameaçador, 5


perigoso, violento e entusiasmante, mas também com o que é sujo. Algo, por sinal, desejável, pois permite à branquitude ver­‑se como moralmente ideal, respeitável, civilizada, altamente generosa, dominante e sem angústias históricas.

A ferida 2

Nesta dinâmica infeliz, o sujeito Negro é não só o “Outro” — que permite ao “eu” branco medir­‑se pela diferença —, mas ainda a “Alteridade” — a personificação dos aspetos recalcados na construção da identidade do branco. Por outras palavras, somos a representação mental daquilo que o sujeito branco não quer ser. Toni Morrison (1992) utiliza a expressão dissemelhança (“unlikeness”) para descrever a branquitude enquanto identidade dependente, que apenas se afirma enquanto tal através da exploração do “Outro”. Trata­‑se de uma identidade relacional construída pelos brancos que se definem como diferentes do “Outro” do ponto de vista racial. A Negritude é a forma primordial de alteridade pela qual se constrói a noção de branquitude. O “Outro” não existe per se mas sim através de um processo intimamente ligado à noção de rejeição. Citando Frantz Fanon: “0 que é frequentemente chamado alma negra é um artefacto do homem branco.” (1967: 110) Esta frase remete­‑nos para o facto de não vermos o sujeito Negro tal como ele é; vemo­‑lo, pelo contrário, através de projeções fantasiosas de brancos, que definem o que é suposto ser a Negritude. Não nos representam, pese embora sejam representativas do imaginário branco. São constituídas por aspetos rejeitados pelo “eu” branco que estes projetaram 2 O termo “trauma” vem da palavra grega para “ferida” (Laplanche & Pontalis: 1988). É aqui usado neste sentido: ferida enquanto trauma. 6


em nós, como se fossem imagens de nós próprios, objetivas e cabais. Nada têm que ver connosco. “Não posso ir ver um filme” escreve Fanon, “estou à minha espera” (1967: 140). À espera dos selvagens Negros, dos bárbaros Negros, dos criados Negros, das prostitutas, rameiras e cortesãs Negras, dos criminosos Negros, dos assassinos e dos traficantes de droga Negros. Ele espera por algo que ele não é. Pode afirmar­‑se que, no mundo conceitual branco, é como se o inconsciente coletivo Negro estivesse pré­‑programado para a alienação, para a deceção e para o trauma psíquico, pois a imagética da Negritude não é realista, nem gratificante. É alienante termos de nos identificar com heróis brancos e ter de rejeitar inimigos cuja aparência é Negra. É uma deceção termos de nos imaginar no lugar deles. É terrível estar preso à ordem colonial. Devemos focar­‑nos neste aspeto. Não devemos debruçar­­ ‑nos sobre o sujeito branco do colonialismo, mas sim sobre o facto de o sujeito Negro ter sempre de construir a sua identidade através da presença alienante da alteridade branca (Hall: 1996). O Negro é sempre o “Outro”, nunca o “eu”. “O que isso significava para mim,” pergunta Fanon, “senão um desalojamento, uma extirpação, uma hemorragia que coagulava sangue negro sobre todo o meu corpo?” (1967: 112). Utiliza a linguagem do trauma, como a maioria dos Negros quando falam das suas experiências do dia­‑a­‑dia com o racismo. Fala­‑nos do doloroso impacto físico da perda, próprios de uma lipotimia traumática, pois no racismo somos cirurgicamente eliminados e brutalmente desagregados de qualquer identidade que possamos ter. Esta é uma separação que constitui um trauma clássico já que nos desvincula de uma sociedade que se define inconscientemente como branca. “Senti nascer em mim lâminas de aço… Já não conseguia rir” (1967: 112). De facto, não há motivo para rir quando somos condicionados pelo exterior a conformarmo­‑nos a fantasias violentas que observamos mas com as quais não nos identificamos. 7


O trauma do Negro é ser relegado a um estado de alteridade permanente em relação ao branco. É um círculo infernal: “Quando me amam, dizem que o fazem apesar da minha cor. Quando me detestam, acrescentam que não é pela minha cor”. Fanon escreve “Aqui ou ali, sou prisioneiro” (1967: 116). Preso nos meandros da irracionalidade. Parece que o trauma dos Negros advém não só de acontecimentos familiares, tal como advoga a psicanálise tradicional, mas, ao contrário, do contacto traumatizante com a irracionalidade violenta do universo branco, ou seja com a irracionalidade do racismo que nos identifica sempre como “Outro”, como diferente, incompatível, em conflito, esquisito e fora do comum.

Dar voz ao silêncio

A máscara desperta muitas perguntas. Por que se deve conter a boca do Negro? Porque é que o Negro, ou Negra, tem de ser silenciado ou silenciada? O que diria o Negro se a sua boca não estivesse selada? O que é que o branco estaria sujeito a ouvir? Há o receio genuíno de que, se o colonizado falasse, o colonizador não teria outra hipótese senão ouvi­‑lo. Ela, ou ele, teria de se confrontar com “Outras” verdades. Verdades rejeitadas, reprimidas e silenciadas como se de segredos se tratassem. Quiet as it’s kept é uma expressão que me agrada e que é usada pelo povo da Diáspora Africana quando alguém está prestes a revelar um segredo. Um segredo como a escravatura, o colonialismo, ou o racismo. O medo que o branco sente em ouvir as revelações do Negro remete­‑nos para Freud e para a noção de recalque. Freud escreve que “a essência do recalque consiste simplesmente em afastar determinada coisa do consciente, mantendo­‑a à distância” (1923: 17). O recalque é o processo pelo qual ideias e factos desagradáveis se tornam inconscientes, porque causam ansiedade, sentimento de culpa ou vergonha. Apesar de estarem enterrados no inconsciente, como se fossem 8


segredos, estes ficam latentes e podem voltar ao consciente a qualquer momento. A máscara que sela a boca do Negro evita que o senhor branco ouça as verdades das quais “se quer desviar”, “manter à distância”, colocar “à margem” e “silenciar”. O sujeito branco fica assim ao abrigo de ter de se confrontar com aquilo que o “Outro” sabe. Quando é confrontado com segredos coletivos e com os contornos desagradáveis do racismo, apelidado de história muito suja (very dirty history 3), o sujeito branco costuma contra­‑argumentar com declarações como: “não sei…”, “não entendo…”, “não recordo …”, “não acredito…”, ou “não estou convicto…”. Estas expressões remetem para o mesmo processo de recalque através do qual o sujeito se recusa a tornar conscientes os dados inconscientes. É o desejo de tornar o que se sabe em algo que não se sabe. O recalque é a defesa através da qual o ego censura um acontecimento “desagradável”. Torna­‑se praticamente impossível falar porque o discurso pode ser visto como uma interpretação pouco fidedigna da realidade, sem imperativo para ser verbalizada, ou escutada. Uma impossibilidade que, aliás, ilustra a semelhança entre falar e calar. Falar é uma espécie de negociação entre quem discursa e quem ouve (Castro Varela & Dhawan: 2003). Ouvir é, neste sentido, uma autorização tácita a quem discursa, porque só se pode falar quando a nossa voz é escutada. Neste dialeto, os que são ouvidos são os que “pertencem”. Já os que não são ouvidos, são os que “não pertencem”. A máscara recria este projeto de silenciamento, na medida em que controla a possibilidade de, um dia, o sujeito Negro poder vir a ser ouvido e, eventualmente, integrado. Num dos seus discursos públicos, Paul Gilroy  4 descreveu cinco tipos distintos de mecanismos de defesa do ego que 3 Frase usada por Toni Morrison para descrever o seu trabalho artístico. Esta afirma que os seus escritos elucidam sobre “o jogo sujo do racismo” (“dirty business of racism”: 1992.) 4 Der Black Atlantic, discurso proferido no Haus der Kulturen der Welt, Berlim, 2004. 9


o sujeito branco utiliza para ser capaz de “ouvir” e ser capaz de se dar conta da sua branquitude e do seu papel na perpetuação do racismo: negação  /  sentimento de culpa / vergonha /  reconhecimento / r eparação. Se bem que Gilroy não tenha explicado como funciona este mecanismo de defesa em cadeia, irei fazê­‑lo, pois é não só importante como esclarecedor. A negação é um mecanismo de defesa do ego cuja ação, no inconsciente, incide na resolução de conflitos emocionais; não se aceitam pensamentos, sentimentos ou aspetos mais desagradáveis da realidade exterior. Trata­‑se de um repúdio da verdade. A negação é seguida de outros dois mecanismos de defesa do ego, a clivagem e a projeção. Como afirmei anteriormente, o sujeito nega ter este, ou aquele, sentimento, pensamento, ou experiência e atribui­‑os a outra pessoa. A informação original — “Estamos a tirar o que é Deles” ou “Somos racistas” — é negada e projetada na alteridade: “Eles vêm aqui e tiram o que é Nosso”, “Eles são racistas”. Para diminuir o impacto emocional e o pesar, o sujeito Negro diria: “ Estamos de facto a tirar o que é Deles”, ou “Nunca fui vítima de racismo”. Negação e rejeição são frequentemente confundidas, mas são dois mecanismos de defesa distintos. Neste último, o sentimento, pensamento, ou experiência, é aceite no consciente na sua forma negativa (Laplanche & Pontalis: 1988): “Não estamos a tirar o que é Deles” ou “Não somos racistas”. Depois da negação vem a culpa, sentimento decorrente da infração de uma barreira moral. Há conflito interior porque o sujeito sente que fez algo que não devia, ou sente que não fez o que devia ter feito. É o que Freud descreve como o resultado do conflito entre o Ego e o Superego, ou seja, um conflito entre os nossos impulsos agressivos face aos outros e o superego (autoridade). O sujeito não procura atribuir a outra pessoa aquilo que receia admitir em si próprio, como acontece com a negação. Está, antes, preocupado com as consequências da sua própria infração moral: “acusação”, “culpabilização” e “castigo”. A culpa difere da ansiedade, ligada a uma ocorrência futura, 10


como a ideia, por exemplo, de que o racismo possa vir a surgir. A culpa relaciona­‑se com um ato já cometido, ou seja, a situação de racismo já aconteceu, o que desencadeia a culpa. Uma reação frequente à culpa é a racionalização: o sujeito branco elabora uma justificação lógica para o racismo. Outra é a incredulidade do sujeito branco, que então dirá: “não foi isso que quisemos dizer”, “percebeste mal”, “para mim, não há Negro nem branco, só pessoas”. De repente, o sujeito branco arma­‑se, intelectual e emocionalmente, com a ideia de que a “raça” não importa assim tanto”. Utiliza esta estratégia para reduzir tanto as suas pulsões agressivas em relação aos “Outros”, como o seu sentimento de culpa. Por outro lado, a vergonha é o medo do ridículo, a reação que surge quando não correspondemos ao ideal do nosso ego. Se por um lado, o sentimento de culpa surge quando há a transgressão de uma barreira externa ao sujeito, por outro, a vergonha surge quando o sujeito fica aquém do seu próprio ideal de comportamento. A vergonha e discernimento estão pois intimamente ligados. A vergonha resulta de experiências que põem em causa os nossos preconceitos em relação à nossa autoimagem e que nos obrigam a olhar para nós, como os outros nos veem. Passamos a ter consciência da discrepância entre a perceção que os outros têm de nós e a nossa própria perceção de quem somos: “Quem sou eu?”, “Como me veem os outros?”, “O que significo para eles?”. O sujeito branco apercebe­‑se de que a perceção que o Negro tem da branquitude pode não coincidir com a dele e porque a branquitude é tida como identidade privilegiada, símbolo tanto de poder, como de alarme — a vergonha aparece como consequência deste conflito. Depois da vergonha, vem o reconhecimento que acontece quando o sujeito branco se dá conta da sua própria branquitude e / ou racismo. Trata­‑se de uma tomada de consciência. Por fim, a realidade é reconhecida através da aceitação da realidade e da perceção dos outros. O reconhecimento é, pois, a passagem da fantasia à realidade. Pouco importa como desejo ser visto, 11


importa quem eu sou; não se trata de como eu gostaria que os “Outros” fossem, mas de quem eles são, verdadeiramente. A reparação é uma negociação do reconhecimento. Negoceia­‑se a realidade. Nesse sentido, é a ação de reparar os danos do racismo, alterando estruturas, programas, espaços, posições, dinâmicas, relações subjetivas, vocábulos, ou seja, trata­‑se de ceder privilégios. Estes diferentes passos evidenciam que a tomada de consciência do racismo é mais um processo psicológico, no qual temos de nos empenhar, que uma demanda moral. Em vez de fazer a pergunta moral do costume: “Serei racista?” e esperar uma resposta reconfortante, o sujeito branco deveria fazer esta outra pergunta: “Como posso desmantelar os meus próprios racismos?”. É a própria pergunta que inicia o referido processo.

Grada Kilomba nasceu em Portugal, vive em Berlim e é artista interdisciplinar e escritora. Este texto é um excerto do livro Plantation Memories – Episodes of everyday racism, Münster, Urast Verlag, 2008, 16­‑23.

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Silenciamentos CARLA FERNANDES Perguntam­‑me muitas vezes: o que é isso de ser um afrodescendente?, quando falo da necessidade de estabelecermos um lugar de enunciação. Costumo responder que os afrodescendentes são aqueles que partilham um passado e um presente de opressão baseado na sua ascendência africana visível — a cor da pele negra. Historicamente oprimidos, excluídos e silenciados, os afrodescendentes ocupam um não­‑lugar em qualquer sociedade em que vivam — em Portugal, a situação não é diferente — daí a necessidade de criar esse lugar de enunciação através da fala, escuta, posicionamento e ação. Somos invisíveis porque não somos considerados como destinatários de coisa alguma. Não nos consideram quando pensam em estratégias políticas ou sociais, como se não votássemos. Não nos têm em conta quando produzem publicidades, literatura ou espetáculos, como se não consumíssemos produtos culturais. Não somos tidos como relevantes para o panorama geral do que é a imagem de Portugal. Os retratos de Lisboa, por exemplo, não deixariam adivinhar a dimensão da presença dos negros na cidade. No seu artigo “O lugar dos negros na imagem de Lisboa” (2006), o sociólogo Francisco Avelino Carvalho, referindo­‑se às representações da capital portuguesa em guias turísticos, constata que: Uma pequena volta pelas agências e pontos de informação turística na baixa lisboeta, ou uma visita às secções dedicadas ao turismo nas livrarias que registam maior afluência, permite­‑nos perceber que os negros não são incluídos na imagem dominante da cidade. Uma análise mais aprofundada confirma­‑nos exatamente isso, mas revela­‑nos também que, embora extremamente raros, existem guias que apresentam, precisamente, uma Lisboa negra, africana […]. 13


Há um apagamento do corpo negro mais do que presente nas ruas de Lisboa nos cartões­‑de­‑visita da capital portuguesa, mas, por outro lado, cria­‑se uma subcategoria para acomodar os não­‑acomodáveis no panorama geral da cidade. E o mesmo sucede em outros campos. É­‑nos permitido trabalhar em profissões domésticas e / ou do setor dos serviços que, apesar de serem vitais para o equilíbrio de qualquer sociedade, raramente são valorizadas. Mas é impressionante o desconforto e, por vezes, até mesmo a indignação que causamos quando trabalhamos em profissões mais qualificadas como, por exemplo, na academia. Esses casos tendem a ser justificados com o fenómeno da exceção. A questão da excecionalidade do negro ou da negra que consegue ocupar posições normalmente vetadas a pessoas como ele ou ela revela apenas uma das facetas do racismo estrutural existente em Portugal. Num país como Portugal, com uma longa história com África e com a diáspora africana, através do comércio de africanos escravizados, do colonialismo, das migrações e onde ter africanos e seus descendentes como co­‑cidadãos já não é propriamente um fenómeno recente, a normalização da crença de que o facto de um negro ou uma negra ser académico (e ficamo­‑‑nos apenas por este exemplo) é uma situação excecional revela a não­‑relação que Portugal tem tido com a população negra ao longo dos séculos. Ou seja, ou Portugal não se interessa por uma camada da sua população, neste caso os afrodescendentes, que não estão a aceder a direitos básicos uma vez que, apesar de viverem há séculos em Portugal, continuam a ser os menos bem pagos, com escolaridade mais baixa, com piores condições de habitação, menor representação política, etc; ou Portugal acredita que as pessoas pertencentes a esse grupo simplesmente não são capazes de ir mais além por uma incapacidade intrínseca, por isso, não vale a pena haver medidas específicas para a melhoria das suas condições de vida, ao contrário do que recomendam organizações internacionais, como a ONU, que avaliam o país 14


regularmente no que se refere à sua relação com a população negra e outras minorias étnicas 1. Quando um país tem altas taxas de analfabetismo, aplicam­ ‑se medidas específicas para superar essa lacuna. Quando um país apresenta números demasiados baixos relativamente à presença de mulheres em determinados setores, procuram­‑se formas de suprimir essas discrepâncias. Quando um país tem falta de mão­‑de­‑obra qualificada, procura­‑se criar condições para que se obtenha essa mão­‑de­‑obra em falta. Por que motivo, então, o estado português se recusa reconhecer que as condições de vida dos afrodescendentes, dos portugueses negros, fazem parte do leque das suas responsabilidades? Por que motivo se silencia esta questão recusando­‑se a existência de uma diversidade étnica na população portuguesa? Ao posicionar­‑se desta forma, Portugal está a contribuir para a normalização da imagem do afrodescendente como sendo o pobre, o criminoso, o sem escolaridade, o que faz trabalhos menos qualificados, reforçando, por outro lado o “negro exceção”, que consegue quebrar o círculo vicioso da pobreza e da desvalorização humana através da autossuperação. Este mito é duplamente perigoso tanto para os negros que, muitas vezes, se deixam levar pela propaganda da síndrome da exceção, como para os brancos que se apaixonam pelo “fenómeno da 1 A propósito das dificuldades de acesso à habitação e às recomendações da ONU relativas à população afrodescendente ver, por exemplo, os artigos de Joana Gorjão Henriques, “Há uma preferência óbvia dos senhorios alugarem casa a brancos”, publicado a 26 agosto de 2017 (disponível em: “https://www.publico.pt/2017/08/26/sociedade/noticia/ha­ ‑uma­‑preferencia­‑obvia­‑dos­‑senhorios­‑alugarem­‑casa­‑a­ ‑brancos­‑1782904) e “Associações querem plano nacional para afrodescendentes”, publicado a 10 dezembro 2016, no Jornal Publico (disponível em: https://www.publico.pt/2016/12/10/ sociedade/noticia/associacoes­‑querem­‑plano­‑nacional­‑para­ ‑afrodescendentes­‑1754277) e o documento de recomendações da ONU (disponível em http://tbinternet.ohchr.org/Treaties/ CERD/Shared%20Documents/PRT/CERD_C_PRT_CO_15­‑ ‑17_26017_E.pdf). 15


excecionalidade” do seu único amigo negro. E, para os jovens negros, é igualmente perigoso acreditar que ele ou ela é uma exceção por ter conseguido tirar o curso de Direito e estar a exercer, por exemplo, como acreditar que é normal não ser aceite para nenhum outro tipo de trabalho que não seja físico. O silenciamento desta discussão é gritante, especialmente pela enorme exposição com que nos deparamos, como negros, em espaços “tipicamente” frequentados por pessoas brancas, seja na academia, no local de trabalho que exige maior qualificação, ou até mesmo em alguns espaços de atividades culturais. Aí continuamos a ser “únicos”, no sentido exótico da palavra. O afrodescendente a viver em Portugal tem de integrar­‑se, tendo ou não nascido em território português, e essa integração tem sido apresentada de uma forma pouco atrativa — como um conjunto de regras, recomendações a seguir para se atingir um certo grau de aceitabilidade na sociedade portuguesa. Mas para que essas recomendações e regras sejam satisfeitas, o negro tem, muitas vezes, de se distanciar de uma série de marcos relacionados com África — amigos negros, saber dançar música africana, ter um nome africano, frequentar locais africanos, falar crioulo, etc. Por outro lado, os portugueses brancos exibem abertamente que estão a assimilar aspetos culturais de países africanos através da adesão a estilos musicais e de dança como o kuduro, ou a kizomba, padrões das roupas que usam, penteados, e até mesmo a aprender crioulo. Ou seja, acaba por ser irónico que, aos afrodescendentes, seja “recomendado” que se distanciem de culturas africanas para que se integrem na sociedade portuguesa, e que os portugueses brancos se aproximem cada vez mais das culturas africanas e exibam orgulhosamente a sua “mestria”. Esta é mais uma forma de silenciamento do afrodescendente e de usurpação do seu lugar de enunciação, empurrando­‑o para o seu “tradicional não­‑lugar”, em que a sua presença está envolta 16


em silenciamentos solenemente acordados entre os donos do país — os portugueses brancos. Logo é crucial que nós, os afrodescendentes, falemos a nossa verdade, criemos condições para sermos ouvidos e nos posicionemos, de modo a agirmos reconhecendo­‑nos como sujeitos da nossa própria história.

Carla Fernandes é ativista cultural, jornalista, licenciada em Tradução (Inglês/Alemão) e mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias da Informação.

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Enfrentar os fantasmas presentes MIGUEL CARDINA Portugal mantém uma relação complicada com o seu passado colonial. A memória pública é, ainda hoje, marcada por leituras que insinuam a grandeza dos “Descobrimentos” e a singularidade da “presença portuguesa no mundo”. Se é verdade que tem crescido o peso das vozes dissonantes, o certo é que aquelas imagens permanecem socialmente encrustadas. A sua presença surge frequentemente em articulação com o que Michael Billig chamou de “nacionalismo banal” 1: o conjunto de práticas, de rituais e de discursos que tecem as formas como a nação se reproduz a si própria. Como é sabido, a imaginação de um Portugal colonial — aprofundado durante o Estado Novo, mas com raízes anteriores — gerou formas acirradas de defesa da presença em África e mais tarde, já no quadro do pós­‑guerra, de afirmação da excecionalidade do colonialismo luso. A queda da ditadura e a desintegração do Império não foram acompanhadas, por razões várias, de um balanço sustentado sobre o colonialismo e os seus legados. E esse espectro de um colonialismo que não o foi — a persistência do “colonialismo como nosso impensado”, como faz ecoar o título de um livro de Eduardo Lourenço 2 — surge regularmente nos ressentimentos e na nostalgia sobre a “perda” de África, na ideia persistente de um país de “brandos costumes” e de uma sociedade fundamentalmente não racista, ou ainda nas manchas de silêncio sobre a escravatura, a exploração e dominação colonial ou a guerra combatida contra os movimentos de libertação. Um habilidoso balanceamento entre história e mito, entre memória e esquecimento, tem vindo a permitir silenciar 1 Michael Billig (1995), Banal Nationalism. Londres: Sage. 2 Eduardo Lourenço (2014), O colonialismo como nosso impensado. Org. e prefácio de Margarida Calafate Ribeiro e Roberto Vecchi. Lisboa, Gradiva, 137. 18


a natureza violenta do colonialismo. A perplexidade com que se olha a questão da violência — justamente porque não se lhes identificam razões, causas e contextos — é estimulada por narrativas que evocam os legados patrimoniais deixados no mundo e que interpretam o processo colonial à luz de uma singular convivialidade lusa, supostamente mais benigna e humana. Vários exemplos o demonstram: comecemos pelo mais recente. Em abril deste ano, Marcelo Rebelo de Sousa visitou a ilha de Gorée, no Senegal, entreposto usado para o tráfico através do Atlântico de africanos escravizados. O Presidente da República realçou aí o pioneirismo português na abolição da escravatura, em 1761 (a abolição em todo o Império ocorreria apenas em finais do século XIX), e — instado sobre se não estaria na altura de Portugal enfrentar esse passado — respondeu que a existência de uma data da abolição assinalava já o reconhecimento da injustiça. As declarações viriam aliás a desencadear uma carta aberta, assinada por historiadores, investigadores e artistas, na qual os signatários censuram a “visão idealista e excecionalista do legado colonial da história portuguesa”.3 Não era a primeira vez — nem será a última — que a questão surgia desta forma no espaço público. Em 2009, a eleição das Sete maravilhas de origem portuguesa no mundo traçava um retrato de alguns dos edifícios em jogo — como as fortalezas de São Jorge da Mina (Gana), da Ilha de Moçambique (Moçambique) ou da Cidade Velha, em Santiago (Cabo Verde) — que omitia o facto de terem estado diretamente relacionados com o tráfico de escravos. O fenómeno motivaria igualmente um protesto por parte de historiadores que contestavam esse apagamento. A organização argumentou que se tratava de um mero concurso, apostado em salientar o que de bom os portugueses deixaram pelo mundo.4 A 10 de junho de 2009, a RTP1 transmitia um 3 Aavv, “Um regresso ao passado em Gorée. Não em nosso nome”, Diário de Notícias, 19 de abril de 2017. 4 Sobre o assunto, veja­‑se: Nuno Domingos, “Memória Nacional e Cultura Mediática”, Le Monde Diplomatique, n.º 35, setembro de 2009. 19


programa especial no qual anunciava os vencedores e fazia o elogio da “herança lusa” dispersa pelos continentes. Terceiro exemplo: exatamente um ano antes, o então Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, referiu­‑se ao feriado nacional do 10 de junho como evocativo do “Dia da Raça”, expressão usada pela ditadura (e data que, a partir de 1963, fora transformada num aparatoso momento de glorificação do esforço de guerra). Nesse mesmo ano de 2008, numa visita oficial a Moçambique, Cavaco Silva é questionado sobre a falta de reconhecimento por parte do Estado português de massacres a populações, como o que acontecera na zona de Wiriamu, em dezembro de 1972. À pergunta, responde Cavaco Silva que não se deve “ficar sempre a olhar para o passado”.5 Um olhar sobre os discursos que o antigo PR proferiu, entre 2006 e 2014, no âmbito das comemorações do 25 de abril e do 10 de junho, mostra aliás a ausência de palavras como “colonialismo”, “colonização”, “racismo” ou “escravatura”. Ao invés, valoriza­‑se o “universalismo português” como tendo dado lugar a uma presença no mundo, não apenas única, mas ainda hoje culturalmente viva, politicamente frutuosa e socialmente estimada.6 Importa questionar as imagens de um colonialismo brando, ou até inexistente, porque elas não só resultam de olhares imprecisos sobre o passado como interferem decisivamente no modo como se lida com as heranças do período. Nessa medida, os trabalhos historiográficos são tão importantes como a interpelação política produzida por movimentos antirracistas ou como o diálogo com a memória presente nos antigos territórios colonizados. Vejamos o caso da guerra colonial. Durante muito tempo ela resistiu à inscrição no espaço público, em boa medida 5 Ana Sá Lopes, “O antigo alferes não pede desculpas por Wiriamu”, Diário de Notícias, 25 de março de 2008. 6 Miguel Cardina (2016), “Memórias Amnésicas? Nação, discurso político e representações do passado colonial”, Configurações, n.º 17, 31­‑42. 20


pelas camadas de sofrimento produzidas e pela sensação de inutilidade que originou em muitos que combateram em África. Mais recentemente, ela tem vindo a potenciar reflexões de natureza artística, historiográfica e testemunhal e a alojar­‑se na memória pública a partir de alguns recortes experienciais. Em muitos casos, esses exercícios optam por olhares que tendem a sublinhar o facto de se ter tratado de um conflito armado (uma “guerra”), secundarizando o facto de ela se ter desenrolado no quadro de uma determinada ordem a que se convencionou chamar de colonialismo. A secundarização da natureza colonial da guerra tem várias implicações. Desde logo, dificulta a compreensão das causas do conflito, do modo como ele se territorializou e dos legados deixados. No caso português, justamente porque o presente vive numa “relação complicada” com o passado colonial, a guerra acaba por ser vista menos como colonial e mais como guerra. Uma das formas de desafiar essas imagens seletivas consiste no diálogo com as memórias das lutas de libertação nos territórios africanos. Não se trata de entender essas memórias como a verdade contra o erro, nem de elidir o quanto elas estão dependentes da história pós­‑colonial de cada um desses países. Trata­‑se, isso sim, de considerar produtiva uma comparação que tem a vantagem de ser feita a partir de dois significantes — guerra colonial e luta de libertação — que não são necessariamente coincidentes: a guerra remetendo para o conflito entre o Estado português e os movimentos de libertação; a luta como expressão de uma resistência mais vasta. Observando processos de luta anticolonial e outros modos de representar a experiência colonial poderá a antiga metrópole vislumbrar melhor os fantasmas que ainda a ensombram.

Miguel Cardina é investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES/UC). Coordenador do projeto CROME — Memórias Cruzadas, Políticas do Silêncio. As guerras coloniais e de libertação em tempos pós­‑coloniais, financiado pelo European Research Council.

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Descolonizando as Mentes BEATRIZ GOMES DIAS / DJASS — ASSOCIAÇÃO DE AFRODESCENDENTES Os movimentos de Libertação Nacional dos Países Africanos conquistaram a independência das Nações que foram, durante mais de 400 anos, colonizadas por Portugal. Ao derrotarem o projeto colonial português, vencendo a opressão e a violência, conquistaram para o povo de Angola, Cabo Verde, Guiné­‑Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe o direito à dignidade, o direito de existir em liberdade e democracia. Embora vitoriosos no combate ao colonialismo e à ditadura fascista do Estado Novo, a independência e a descolonização não venceram o racismo. O racismo em Portugal é estrutural e encontra­‑se profundamente enraizado na sociedade. Esta é uma pesada herança do período colonial. O projeto colonial português consolidou­‑se através da construção de uma ideologia supremacista e racista. O privilégio dos colonizadores alicerçou­‑se na discriminação das populações dos Países Africanos que foram colonizados por Portugal. Os conceitos de inferioridade biológica, social e cultural dos negros foram usados para validar a exploração da força de trabalho e dos recursos naturais, consolidando assim o privilégio dos colonizadores. O poder do império colonial, o desenvolvimento social e económico de Portugal ergueu­‑se nos ombros de séculos de exploração, opressão e violência sobre as populações dos países africanos. No entanto, existe um argumento fortemente difundido, e hegemónico, de que a colonização portuguesa foi diferente daquela que foi implementada por outras potências que colonizaram países dos continentes africano, americano e asiático. Segundo esta tese, defende­‑se o argumento de que a expansão portuguesa foi benigna. A celebração dos chamados “Descobrimentos” alicerça­‑se no orgulho na expansão marítima, afirmando­‑se que Portugal “deu novos mundos ao mundo”, que 22


a colonização portuguesa teve o mérito da miscigenação e que não enfermou da violência e opressão perpetradas por outros regimes colonialistas. Existe na sociedade portuguesa um consenso em torno da exaltação acrítica deste passado, apoiada na teoria lusotropicalista enunciada por Gilberto Freyre nas suas obras, na defesa da excecionalidade do projeto colonial português, assente na especial vocação dos portugueses para a miscigenação e adaptação às culturas dos trópicos. A narrativa hegemónica que daí resultou propagou e continua a propagar a ideia de que Portugal teve um colonialismo suave e de que promoveu um harmonioso encontro de culturas. Uma narrativa que constitui uma das principais marcas identitárias da nação e que impede o reconhecimento, não só da brutal violência sobre a qual foi erigido o projeto colonial português, mas também da luta determinada e da persistente resistência que lhe opuseram os povos negros desde o início do jugo colonial. Ao negar a promoção de um olhar crítico e informado sobre as várias dimensões da História de Portugal, a recusa da aceitação da violência e opressão do colonialismo português impede o aprofundamento do debate em torno do racismo, evitando uma compreensão ampla das suas raízes, principalmente do racismo institucional que tem afastado da cidadania plena um grande número de portugueses negros. A atual Lei da Nacionalidade, que consagra o direito de sangue em detrimento do direito de solo, impede o acesso à nacionalidade portuguesa a muitos jovens, filhos de imigrantes, nascidos em Portugal, tornando­‑os estrangeiros no seu país. Esta lei inscreve­‑se numa visão redutora da composição étnico­‑racial de Portugal, não tendo em conta a diversidade existente. A recusa de direitos de cidadania a pessoas nascidas em Portugal perpetua uma prática iniciada durante o período colonial e materializada em leis como as do chamado Código do Indigenato, que discrimina em função da origem e em razão da cor da pele, criando cidadãos de primeira e cidadãos de segunda, os renegados da nação. 23


Esta posição revela a visão do Estado Português sobre como se define a cidadania portuguesa, quem pode e merece ser português e se constrói a identidade nacional. Portugal não tem, e nunca teve, uma só cor ou um único sotaque. A presença dos negros em Portugal é muito mais ampla no tempo do que aquela que a narrativa identitária portuguesa defende. No entanto, procura­‑se ativamente associar negros a imigrantes e imigrantes a negros. Os negros não são percecionados como portugueses. A invisibilização dos negros na sociedade portuguesa e a pouca presença nos locais de produção e reprodução de poder reforça a crença na homogeneidade fenotípica da sociedade portuguesa, que exclui todos os não brancos, dilui a influência das práticas sociais dos negros na cultura portuguesa e reifica preconceitos e estereótipos. A reiterada recusa, por parte do Estado português, da possibilidade de recolha e tratamento de dados estatísticos que tenham em conta a origem ou pertença étnica e racial da sua população, que permitiriam estudar e corrigir as desigualdades que persistem, inscreve­‑se igualmente nesta estratégia nacional de invisibilização e silenciamento dos negros e de outras minorias étnicas ou raciais. Em plena Década Internacional dos Afrodescendentes proclamada pelas Nações Unidas para o período 2015­‑2024 e endossada pelos seus estados­‑membros, incluindo Portugal, o país continua a manter um silêncio ensurdecedor sobre o assunto e uma total ausência de ações concretas, desrespeitando, assim, os compromissos que assumiu ao subscrever a iniciativa. Esta recusa do reconhecimento que existe uma minoria racial em Portugal, que existem portugueses negros, impede a implementação de medidas específicas para afrodescendentes, o que contraria as recomendações apresentadas a Portugal pela ONU e pelo Conselho da Europa. Existem especificidades na desigualdade e discriminação a que os afrodescendentes estão sujeitos que devem ser corrigidas com a implementação 24


de medidas, também elas específicas, de combate ao racismo e discriminação racial. A escola e a educação não se encontram desligadas da sociedade. Vivemos numa sociedade racista onde permanecem inúmeros estereótipos que foram construídos para legitimar o colonialismo e o comércio de pessoas escravizadas. Estas ideias que discriminam os indivíduos, que os hierarquizam com base no conceito de raça e que perpetuam a ideia de superioridade dos europeus face aos africanos, dos brancos em relação aos negros, permanecem nos currículos. Com frequência se omite, ou diminui, o contributo de civilizações não europeias para o desenvolvimento social e tecnológico. Os factos históricos são apresentados com uma pretensa neutralidade científica, no entanto, fornecem uma leitura claramente eurocêntrica, apontando para uma supremacia quase total das civilizações europeias, reforçando a narrativa do projeto civilizador do colonialismo português. A representação dos negros nos manuais escolares associa­ ‑os à ideia do primitivo, incivilizado, desprovido de cultura. Naturaliza a ausência da história de África e invisibiliza o racismo, alimentando visões estereotipadas sobre África e o “outro” negro / africano. A promoção da igualdade é da responsabilidade do Estado. O Estado português tem perpetuado, e em muitas dimensões acentuado, a desigualdade estrutural e profunda que se forjou durante o processo colonial português e tem continuidade no presente. No nosso país, os estudantes com nacionalidade dos países africanos colonizados por Portugal têm maiores taxas de retenção no ensino básico e secundário, são encaminhados com maior frequência para cursos do ensino profissional e têm uma menor taxa de frequência universitária quando comparados com a população escolar de nacionalidade portuguesa. Verifica­ ‑se ainda que as taxas de encarceramento de nacionais desses países são superiores. Estes dados revelam dimensões da vida coletiva em Portugal que penalizam intensamente pessoas de ascendência africana. A estas expressões de discriminação 25


a que os negros estão sujeitos, acresce, de forma evidente, um vasto conjunto de outras: a segregação territorial, a maior precariedade habitacional e laboral, taxas mais elevadas de desemprego, a violência policial, a sub­‑representação em profissões qualificadas e sobrerrepresentação em profissões menos qualificadas e remuneradas, a ausência de representação na comunicação social (ou a representação estereotipada e estigmatizante, associando frequentemente os negros à criminalidade e insegurança), nas instituições académicas, nos partidos políticos e, em geral, nas instâncias de poder. Estas desigualdades evidenciam a dimensão do racismo institucional, menos visível mas tão destrutivo como o racismo individual, que dificulta o real acesso a direitos consagrados na Constituição Portuguesa e que mantém à margem da cidadania plena e da participação um grande número de africanos e portugueses negros. O racismo institucional e sistémico que hoje enforma o país inscreve­‑se num continuum histórico, inaugurado pela escravatura e consolidado pelo colonialismo, que não acabou com a derrota do colonialismo. A luta e resistência dos negros contra a escravidão e contra o colonialismo é a luta para alcançar a liberdade, a dignidade plena, o reconhecimento da Humanidade. A luta vitoriosa dos movimentos de libertação dos países africanos que foram colonizados por Portugal derrotou a ditadura fascista do Estado Novo e o projeto colonial português e contribuiu ativamente para a libertação do povo português. O combate antirracista é herdeiro das lutas de resistência contra a opressão, a exploração e a barbárie. Inscreve­‑se na luta de libertação contra a dominação, a discriminação e o preconceito. Promove um combate sem freios à manutenção de conceitos ultrapassados e bafientos de raça. Desafia as noções estereotipadas sobre o outro que alimentam a discriminação racial e procuram assim garantir e perpetuar os privilégios. 26


Os ativistas antirracistas, como no passado os líderes dos movimentos de libertação, reivindicam a construção de uma outra realidade social. Assumindo perspetivas de rutura com o pensamento arcaico que tece a matriz colonial, desejam restaurar a dignidade do negro enquanto sujeito político e garantir a cidadania plena e a igualdade. Libertam­‑se do colonialismo que aprisiona as suas mentes e reclamam o direito a ter direitos.

Beatriz Gomes Dias é licenciada em Biologia pela Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra e aluna do mestrado de Comunicação de Ciência na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Professora de Biologia no ensino básico e secundário em Lisboa, é ativista antirracista, membro da SOS Racismo e fundadora e dirigente da Djass — Associação de Afrodescendentes.

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Libertação ANDRÉ AMÁLIO O espetáculo Libertação (2017) termina o ciclo dedicado pela companhia Hotel Europa ao fim do colonialismo português. Nesta trilogia, temos trabalhado numa linguagem de teatro documental pós­‑colonial, contestando o pensamento e o discurso colonial. Neste trabalho, tem sido particularmente importante nomear e discutir os dogmas do lusotropicalismo, de Gilberto Freyre, que nos anos 1950 se tornou a bandeira do Estado Novo para defender internacionalmente a presença de Portugal em África. Esta ideologia marca ainda o nosso presente e está profundamente enraizada na sociedade portuguesa que olha o colonialismo português como o “bom colonialismo”. Tenho precisamente insistido nesta reflexão sobre o nosso passado recente, porque quero compreender o nosso presente e chamar a atenção para os traços do colonialismo que ainda estão vivos na sociedade portuguesa hoje. Estes vestígios estão presentes, por exemplo, nos mais variados discursos dos representantes do Estado Português desde o 25 de abril, sendo o caso mais recente o discurso do presidente Marcelo Rebelo de Sousa na visita a Gorée, no Senegal. Nesta ocasião, houve alguma expectativa de que o Presidente da República pudesse finalmente pedir desculpa pelo papel que Portugal teve na escravatura e no tráfico de escravos. Mas, pelo contrário, Marcelo Rebelo de Sousa referiu que os Portugueses tinham, através de Marquês de Pombal, abolido parcialmente a escravatura em 1761, esquecendo­‑se de referir que a escravatura no Império Colonial Português só terminou verdadeiramente em 1961, com o início da Guerra Colonial que obrigou Portugal a acabar com o trabalho forçado. Este facto veio, mais uma vez, sublinhar como o lusotropicalismo ainda não desapareceu do discurso político português e como uma descolonização do pensamento e da história portuguesa é urgente. 28


Assistimos hoje a um movimento internacional que contesta a forma “especial” com que os países imperialistas europeus contam a história e que exige que esta história seja reescrita. Sendo o caso português um dos mais paradigmáticos neste sentido, no qual apenas são narrados os grandes feitos dos “Descobrimentos”, encobrindo por completo a opressão sofrida pelos povos colonizados. É por isso urgente continuar o trabalho de descolonização que começou nos países colonizados nos anos 1950, 1960 e 1970, mas, desta vez, esta descolonização tem de ser feita nos países colonizadores. São estes países europeus e de maioria branca que precisam de rever a sua história, a sua memória e a sua forma de relembrar o passado. É urgente descolonizar Portugal e deve começar­‑se exatamente por alterar os manuais de história que, como tão bem demonstraram as investigadoras Marta Araújo e Silvia Maeso, continuam a manter a “institucionalização do silêncio” e a “naturalização das relações de poder e violência 1”. Tenho com este ciclo de teatro documental pós­‑colonial feito um percurso de investigação com um intuito político muito claro: contribuir para uma re­‑escrita da nossa história colonial e ajudar à discussão de problemas atuais que advêm de questões coloniais não debatidas. Este trabalho faz parte de um movimento que tem atravessado a sociedade portuguesa pelas universidades, as artes, os jornais, as associações e que olha para o passado porque quer alterar o presente e a forma como se conta esse passado. Comecei este ciclo com o espetáculo Portugal Não É Um País Pequeno (2015), no qual ouvimos as histórias dos antigos colonos portugueses que ficaram para a história com o nome de retornados. Quis com este espetáculo entender, através das histórias de pessoas reais, um dos momentos mais complexos e mais silenciados da nossa história: o fim do colonialismo 1 Marta Araújo e Silvia Maeso, Os Contornos do Eurocentrismo — Raça, história e textos políticos, Lisboa: Almedina, 2016 29


português e como este foi vivido por estas pessoas desde os anos 1950 até ao 25 de abril. Refletindo ao mesmo tempo acerca das implicações do pensamento colonial do Estado Novo, em particular o do lusotropicalismo, nas vidas destas pessoas e as suas manifestações no presente. Em Passa­‑Porte (2016), olhámos para o período das independências e ouvimos colonos e colonizados. Quis perceber como foram tratados pela história estas pessoas depois do 25 de abril devido à classificação que lhes foi dada pelo Império Colonial Português. Este espetáculo de teatro documental centrou­‑se nas independências das antigas colónias portuguesas de Angola e Moçambique e em todas as alterações de nacionalidade que afetaram as pessoas que viviam nesses países africanos. Passa­‑Porte retratou através de testemunhos reais estes eventos históricos e os relatos daqueles que fugiram da violência decorrente do fim do colonialismo ou do início da guerra civil em Angola e conta também as histórias dos que escolheram ficar nos países independentes e que acreditavam na construção dos novos países. Com Libertação (2017) pretendi olhar para as guerras de libertação que Angola, Guiné­‑Bissau e Moçambique tiveram com Portugal para conseguir as suas independências. A escolha do nome Libertação demonstra a intenção do espetáculo em refletir sobre os movimentos de libertação e olhar estas guerras do ponto de vista da luta internacional contra o colonialismo e não apenas para o lado traumático da guerra colonial. O meu desejo é colocar em cena os princípios e pensamentos que guiaram o combate dos nacionalistas africanos contra os dogmas do lusotropicalismo e do pensamento do Estado Novo. Neste último espetáculo, é a voz do povo colonizado e da causa nacionalista africana que está em primeiro plano, demonstrando que aquele que foi objeto durante o período colonial é afinal sujeito e o protagonista desta história. A recolha de testemunhos para Libertação passou por sete países diferentes: Angola, Brasil, Estados Unidos da América, 30


Guiné­‑Bissau, Holanda, Moçambique e Portugal. Tentámos retratar neste espetáculo não só a relação entre Portugal e os países onde decorria a guerra, mas também mostrar como esses conflitos eram vistos no contexto internacional. Finalmente, com Libertação demos também lugar para a expressão da pós­‑memória, a partir de testemunhos de filhos de pessoas que viveram o período colonial e partir das próprias autobiografias dos intérpretes. Estou interessado em saber que memórias foram transmitidas as estas novas gerações que não viveram o período colonial. Sobretudo, que visão crítica têm deste passado e como pretendem que esse período seja recordado. Foi interessante observar que, ao escutar pessoas que resistiram e lutaram contra o colonialismo português, começamos a ter acesso a uma narrativa completamente diferente da que se ouve na sociedade portuguesa. As histórias a que tivemos acesso relatam a violência do sistema colonial português, falam dos massacres do governo colonial, dos massacres cometidos pela tropa portuguesa, da inexistência de educação ou de oportunidades, da opressão e exploração da maioria negra. O colonialismo foi um crime contra a humanidade que choca nos dias de hoje pelo que fez mas também pela sua extensão no tempo e é preciso prestar homenagem a Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Eduardo Mondlane, Samora Machel, entre outros que lutaram pela sua libertação e tornaram possível a nossa.

André Amálio é fundador, juntamente com Tereza Havlíčková, da companhia Hotel Europa. Conheceram­‑se em Londres, na Goldsmiths College e têm vindo a colaborar juntos explorando as fronteiras entre a dança, a performance e o teatro.

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OUTUBRO 2017 HOTEL EUROPA Libertação ● teatro qui 12 ↣ 15h30 (escolas) e 21h30 sex 13 ↣ 15h30 (escolas) e 21h30 sáb 14 ↣ 21h30 dom 15 ↣ 18h30 ANDRÉ AMÁLIO, MIGUEL CARDINA E BEATRIZ GOMES DIAS Conversa sobre Libertação ● debate e pensamento sex 13 ↣ 21h30 (depois do espetáculo) ╓─── GRADA KILOMBA E CARLA FERNANDES ║ ║ Práticas de descolonização: uma ║ ║ conversa a partir da obra de Grada ║ ║ Kilomba ║ ║ ● debate e pensamento ║ ╙ Æ sáb 28 ↣ 18h30 ╓─── ║ ║ ║ ║ ║ ╟Æ ║ ╟Æ ║ ╟Æ ║ ╙Æ ╓─── ║ ║ ║ ║ ║ ║ ║ ╙Æ

A partir de outubro, o trabalho de Grada Kilomba estará em destaque em três outras instituições de Lisboa

GALERIA AVENIDA DA ÍNDIA

Grada Kilomba — The Most Beautiful Language Exposição individual Curadoria: Gabi Ngcobo Produção Criativa: Moses Leo 27 outubro 2017 — 4 março 2018 Inauguração: 26 outubro, 18h Terça a sexta­‑feira, 10h­–13h  /  14h­–18h Sábado e domingo, 14h­–18h Última admissão: 30 min antes da hora de encerramento Entrada gratuita Avenida da Índia, 170 — Belém 1400­‑207 LISBOA

HANGAR

Conversa com a artista moderada por Manuela Ribeiro Sanches 3 novembro, 19h Rua Damasceno Monteiro 12, 1170­‑112 Lisboa

MAAT

Grada Kilomba — Secrets to Tell Curadoria: Inês Grosso 8 novembro 2017 — 5 fevereiro 2018 Inauguração: 7 novembro, 19h MAAT — PROJECT ROOM Av. Brasília, Central Tejo, 1300­‑598 Lisboa Parceiros:

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