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primeira fila [Dossiê Alberto Guzik]

Os resultados da montagem da sala Paschoal Carlos Magno seriam bem outros se Rusche não tivesse contado com elenco talentoso e tão afinado com seu projeto. Edson Santana, como o Homem de Comédia, é a própria máscara da perplexidade. Cissa Carvalho, responsável em 1985 por uma irregular mas instigante versão de Frankenstein, reafirma-se aqui como atriz de intensa presença. A grande figura de Katastrophé, porém, é Maria Alice Vergueiro. Refreando seu formidável vigor nos sussurros da Boca de Eu não, na Mulher 1 de Comédia ou na Mulher de Cadeira de balanço, Maria Alice prova ser uma das mais poderosas figuras femininas de nosso teatro. Quem a viu nos excessos oswaldianos do Rei da vela, nos desmandos brechtianos de Mahagonny ou no desbragamento maiacovskiano do Percevejo saberá avaliar o salto que em sua carreira representa empolgante contenção expressiva de sua atuação nestas peças de Beckett.

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[Dossiê Alberto Guzik]

A Chapeuzinho de Antunes, sem medo do inusitado

Jorn al da Ta rde , São Paulo, 23 abr. 1986. [Divirta-se].

O

novo espetáculo de Antunes Filho, Nova velha estória, estreou provocando polêmica. A insólita versão para adultos de Chapeuzinho vermelho não demorou a conquistar adeptos apaixonados e inimigos acirrados. Porém, a visão de Antunes do velho conto infantil, mesmo que não se destine a qualquer espectador, é memorável. Não pode ser ignorada. O encenador define seu trabalho como um “devaneio”. Acertou no alvo. Nova velha estória é um poema que reinventa o teatro. O ritmo é lento. No entanto, a encenação transpira sensibilidade e delicadeza. Num nível que raramente se encontra em palcos tupiniquins. Quanto ao que mais choca os leigos, a criação de uma língua que soa como se intérpretes fingissem falar polonês, o diretor lançou mão de um recurso conhecido. Eugenio Barba já fez coisa semelhante. O romeno Andrei Serban, embora não tenha criado novas linguagens, atinge efeito similar montando tragédias de Ésquilo, Sófocles e Eurípides em grego arcaico. O que fascina em Nova velha estória é a habilidade de Antunes Filho em transformar a matéria-prima fornecida pelo conto numa reflexão sutil e envolvente. Não que o encenador tenha descoberto novos ovos de Colombo na história da menina desobediente, enganada pelo lobo malicioso e perverso. Os temas que Bruno Betthelheim detectou na trama estão em cena. Antunes fala da transição da infância para a adolescência, da sedução da desobediência, dos conceitos complementares de bem e mal.

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