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veteranos. Mais maduro, o processo colaborativo segue atuante e, apesar de diferenças internas de caso a caso, percebemos uma organização mais horizontalizada e com diferentes lideranças dentro de um mesmo grupo. Esse fazer coletivo foi, de certa forma, uma atitude de repúdio à figura do encenador autocrata dos anos de 1980 e 1990, que se colocava à frente das descobertas e que concentrava em si as decisões estéticas e ideológicas. Rejeitava-se também o textocentrismo, ou seja, o espetáculo como tradução das ideias do autor. Tínhamos, então, dois antagonistas importantíssimos, o diretor e o texto, contra os quais vimos reaparecer essa figura coletiva: o grupo. Ao longo da última década, dá-se o ressurgimento de grupos, companhias, trupes e coletivos de teatro2, que culminaram, em São Paulo, em mobilizações como o “Arte contra a barbárie”, movimento que qualificou a produção em grupo, rompendo com uma situação vigente que favorecia montagens ao invés da pesquisa continuada3. No entanto, gostaria de pensar sobre o lugar do ator envolvido em processo colaborativo, hoje. Sem dúvida há muitas mudanças na maneira como o ator participa da construção da obra e é inegável a ampliação de sua função. Participar de um coletivo de teatro Tínhamos, então, dois antagonistas importantíssimos, exige afinidade com a vida em gruo diretor e o texto, contra os quais vimos po, com o fazer constante dentro de reaparecer essa figura coletiva: o grupo. uma pesquisa continuada, que vai além da criação e produção de um espetáculo. Exige envolvimento com outras ações como, por exemplo, a própria manutenção e permanência da pesquisa e do grupo, e a troca com as comunidades do entorno. Pertencer a um grupo também tem a ver com as pessoas que nele participam: as relações de afeto, de provocações e a forma como essas articulações contribuem para a geração de pensamento, cena, espetáculo. Há ainda um posicionamento político, ideológico e ético que se revela nessa filiação e que dá sentido ao fazer teatral: “Faço porque acredito”. Pertencer a um grupo requer uma estrutura de trabalho que garanta tanto um suporte financeiro regular quanto metodológico, um sistema de trabalho que seja apropriado por todos os participantes e que seja forjado ao longo dos trabalhos. Requer um ator que consegue ao mesmo tempo trilhar o caminho e prever os passos. Ponto de convergência [o ator no centro do palco]

2. Sobre características e distinções de tais agrupamentos, ler a tese de doutorado de Rosyane Trotta, Autoria coletiva, unirio, 2008, pp. 483-484. 3. Hoje, no entanto, vivemos uma situação quase contrária, de tal forma que a organização em grupo é a situação vigente.

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Outro aspecto são as conquistas de conhecimento que o ator desenvolve no trânsito de uma área para outra. O ator, à medida que interfere na encenação ou na dramaturgia da cena, também é atravessado por ela. Há um domínio da articulação dos elementos da cena que ampliam o campo restrito de cada área. Em consequência, teremos um ator mais diretor, mais dramaturgo. Mas, apesar das mudanças e conquistas, será que a horizontalidade reivindicada pelo processo colaborativo não descentralizou a figura do ator na cena? Em outras palavras, em quê o ator de processo colaborativo tem contribuído para a arte do ator? O que o ator tem construído para si?

Fora e dentro da cena A palavra treinamento tomou impulso e repercussão na área teatral com a dupla Grotowski/Barba. Na concepção de Eugênio Barba, o treinamento é um sistema de estudos que tem como principal foco a compreensão das fontes da presença do ator. Apesar de o significado do treinamento pertencer somente ao praticante e de não haver garantia de resultados artísticos, Barba afirma ser esse um exercício fundamental na “reeducação” do corpo do ator, no demorado processo de domínio de suas energias e no afastamento de antigos modelos4. Jennifer Kumiega afirma que, para Grotowski, a única prática que merece o nome de treinamento é justamente aquela que não tem um método ou uma técnica preestabelecidos e tampouco pode ser considerada universal. Por se tratar de uma prática que só interessa ao praticante, o que determina a escolha das técnicas é a atitude deste frente ao treinamento. Nesse sentido, a ética é que dá forma ao uso da técnica, pois ela é a atitude por meio da qual as técnicas são escolhidas, descobertas e pesquisadas. A compreensão do princípio da Ética é de fundamental importância para entender a abordagem de Grotowski em relação à interpretação5. O que motiva a escolha de uma técnica pode ser uma meta, um desejo ou um princípio. Nesses termos, se a técnica surge a partir de um princípio, um mesmo princípio pode gerar inúmeras técnicas.

4. Eugenio Barba e Nicola Savarese, A arte secreta do ator. Campinas, Hucitec e Unicamp, 1995, p. 245. 5. Jennifer Kumiega, The theatre of Grotowski. London, Methuen, 1985 apud Lisa Wolford, Grotowski’s vision of the actor, in Alison Hodge, Twentieth century actor training. New York, Routledge, 2003, p. 195.

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Ponto de convergência [o ator no centro do palco]


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