Pra Não Esquecer de Mim

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Pra n達o esquecer de mim Luciana Comin (2006)

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Pra nĂŁo esquecer de mim foi considerado o melhor texto do ano de 2006 pelo PrĂŞmio Braskem de Teatro

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Personagens: Vera, Carol e Tatiana A peça se passa em dois tempos: Na adolescência e na fase adulta das personagens. Esses tempos se intercalam. A única sugestão para o cenário é a presença de uma grande tela de tv.

CENA 1 A campainha toca três vezes. Vera atende atarefada, falando no celular e atendendo o outro telefone. Faz sinal para Tatiana entrar. Vera continua trabalhando, tensa, falando ao telefone. Tatiana vai até a cozinha, pega uma água, uns biscoitinhos, liga o som, começa a tirar os papéis de Vera de cima da mesa, arruma o sofá...Vera se irrita com a invasão da amiga, mas não pode falar nada porque está no telefone. Vera – Eu sei! Não. A minha parte eu cumpri! Mas é uma mudança radical, é praticamente fazer tudo de novo! É inacreditável! Escuta. Você vai ter que me dar um prazo maior, porque eu tenho outras coisas pra resolver. Qualquer novidade, me ligue. Tchau. Que merda é essa? Tatiana – Só assim pra te encontrar! Te caçando! Vera – Oi, Tati! (Se abraçam) Desculpe, minha vida está uma loucura. Olha, eu tô trabalhando, cadê o documento que você tirou daqui? Quem mandou você desarrumar, sua escrotinha! Tá tudo bem? Tá bonita! Eu estou atolada de trabalho, menina. Que cabelo diferente é esse? Eu tô num estresse terrível, hoje mesmo vou ter que ficar aqui resolvendo um pepin/ Tatiana – De jeito nenhum! Primeiro porque hoje é domingo, dia de descanso. Segundo porque você marcou comigo, Vera! Você esqueceu de novo! Vera – Nossa...Esqueci completamente. A gente marcou de almoçar hoje? Ou sair? Tatiana – A gente combinou de se encontrar num restaurante. Mas como você não me ligou pra confirmar eu imaginei que você ia furar de novo. (Fazendo suspense) Só que hoje eu tenho uma surpresa pra você! Por isso vim direto pra cá, e não aceito que você me mande embora!

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Vera – Meu Deus! Eu estou com a cabeça não sei onde. Desculpe, Tati, mas realmente vou ter que trabalhar/ Tatiana – Ah não, Verinha! A gente não pára pra conversar a séculos! Há quanto tempo a gente marca e não consegue se ver? Eu já perdi as contas de quantas vezes você já desmarcou encontros comigo. E se eu não forço a barra e venho atrás de você/ Vera – Tá foda. Eu sei. Eu não tenho tempo pra nada. Nem pra mim. Porra, Tati, acho que já vai fazer um mês que eu não me depilo. Nem te conto como estão as coisas aqui embaixo...Só converso com o povo da empresa, só falo de trabalho...Acho que eu nem tenho mais assunto. Tatiana – Bom, se você já sabe que isso está errado, eu é que não vou falar mais nada, né? Cadê a organização da sua vida? Cadê o ser humano que mora aí dentro? Vera – Pode ir parando, que você sabe que comigo não rola. Tatiana – Vera, você precisa ouvir um pouco as pessoas...Talvez aí, no seu ouvido, esteja a resposta para essas questões, (Tentando analisar a amiga)esses...esses...problemas que te afetam...e/ Vera – E você acha que eu tenho que ouvir conselhos. Tatiana – Isso! Ouvir! O problema da audição é uma coisa grave, que está acontecendo nas relações de hoje em dia/ Vera – Tati, sabe o meu problema de prisão de ventre? Tatiana (Que ainda estava tentando articular um pensamento)...e...hã? Sim, o seu intestino preso. Que é que tem? Vera – Pois é. Você sabe quantas coisas eu já experimentei para soltar meu intestino? É sério. Todo mundo tem um remédio. Todo mundo que sabe desse meu problema, me dá um palpite. Já dava até pra escrever um livro de auto ajuda desses aí que você gosta: Como erradicar a prisão de ventre da sua vida! Tatiana – Vera , você está querendo fugir do assunto. Uma coisa é o intestino, outra é o ouvido/ Vera – Eu ouvi os conselhos de todo mundo a vida inteira. E até hoje meu intestino não funciona! Tatiana – É...mas você também não gosta de mamão, né? Você não colabora... Vera – É. Eu não colaboro... Tatiana – Mas hoje você pode fazer uma forcinha, desligar esse celular e passar a tarde comigo. Jogar conversa fora, fofocar, hein? E ainda tem uma surpresinha.

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Vera – Que surpresa é essa? Tatiana – (Preparando o espírito da amiga) Que tal a gente fazer hoje uma sessão nostalgia? (Começa a cantar alguma música de 88) Vera - Pra quê isso? Tatiana – É que eu tô animada! Essa semana eu encontrei por acaso, uma amiga nossa do tempo de colégio. Nossa! Ela não mudou quase nada, sabe! Vera – É? Que chato, hein? Tatiana – Como assim que chato? Vera – Sim, você ficou mal porque ela não mudou nada e você se sentiu velha, passadona... Tatiana – Se você encontrasse uma amiga de adolescência, você ia pensar essas coisas? Vera - ... Tatiana – Já que você não quer ler, eu vou te dar o livro de auto ajuda em fita cassete, em cd, pra você ficar ouvindo até pegar no sono! Vera – Não enche! Tatiana – Foi ótimo encontrar com ela! Deu saudade daquela época...Você sabe que ao contrário de você que se tornou uma pedra humana, eu ainda tenho sentimentos. Aí eu marquei da gente se encontrar, conversar um pouco, lembrar das nossas maluquices, dar risada... Vera – Assim, de repente? Tatiana – Ah, é que a gente tem tanta história juntas...eu você e ela... Vera – (desconfiada) E quem foi que você encontrou afinal? Tatiana – Lembra de Carolina? Vera – (Pequena pausa. Ela está tentando lembrar) Carolina! Ah, Tati! Eu não tenho a menor vontade de encontrar Carolina! Pra quê? Tatiana – Oh, Verinha! É a Carol! A gente vivia grudada com ela! Vera – O que é que eu quero com Carolina. Qual é o assunto que eu vou ter com ela! Ainda mais depois desse s anos todos... Tô fora. Tatiana – Não tá não. Vera – Tô foríssima. Tatiana – Não mesmo. Eu chamei ela pra vir aqui. Deve estar chegando daqui a pouquinho.

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Vera – Chamou? Que sacanagem é essa, Tatiana? Você vai convidando as pessoas assim pra minha casa, não me avisa! Eu nem lembro direito da criatura! Sinceramente, eu estou cheia de coisa pra fazer... Tatiana – Deixa de mau humor, amiga! Vai ser bom! E também, você sabe que tem aquela história que eu queria contar pra ela... Vera – Que história? (Lembrando) Ah, eu nem me lembrava dessa história. Mas a gente era brigada, Tati!(Curiosa) Como foi que ela aceitou vir aqui em casa? Tatiana – Na verdade, eu disse que era na minha casa, e dei o endereço daqui. Se eu não fizesse isso, nem você nem ela iam querer se encontrar! Poxa Verinha, não cria caso! Eu tive o maior trabalho pra deixar o marido cuidando das crianças hoje! Vera – É por isso que eu digo. Ter amigo é um suplício.(Depois de uma pequena pausa) Seja lá o que Deus quiser, né? Olha, mas eu não posso a tarde inteira, tem que ser rapi/ Tatiana – (Sem nem ouvir) Vai ser ótimo! Você lembra, Vera? Teve uma época aos quinze, que a gente fazia tudo juntas. Depois Carol se mudou... Vera – Ela era magricela, né? Usava óculos. Era do contra, não gostava de nada que a gente gostava. Tatiana – É! Mas eu lembro que um dia eu peguei ela imitando a personagem de uma novela... (Riem) Ela tinha uma imaginação! A mãe dela dizia que ela ficava tardes inteiras no quarto, imaginando coisas... Entra Carol com quinze anos. É a lembrança das duas amigas. Ela fica como se estivesse diante de um espelho, cantando ou representando. Vera - (Rindo ) Ela inventava cada história! Eu lembro que quando ela me via recortando revista pra colar na agenda, fazia uma cara de nojo e dizia: “Que coisa infantil!” Tinha cara de enfezada, muita gente tinha medo de chegar perto! Tatiana – E a cisma que ela tinha do professor de matemática? Eu lembro que ela não tinha a menor paciência com minha paixonite. Vera - Mas também, qualquer um perdia a paciência com você e aquela obsessão por aquele, como era o nome? Beludo?

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Tatiana – (Rindo) Não! Belera! Ai, era divertido! Aí Carol mudou, cheguei a trocar umas cartas, mas aí a gente perdeu o contato. E vocês já não se falavam mais. Por que foi que vocês brigaram mesmo? Vera – Sei lá. Nem me lembro direito. Discussão besta, coisa de adolescente. (Divertida) Fiquei com uma raiva dela... Tatiana – (Rindo) Eu acho que foi por causa do Barbosa! Naquele dia, na festa a fantasia! Vera – Que Barbosa? (Se lembra e ri também) O Barbosa! É mesmo! Nossa...Aquela festa foi um fiasco! Eu mal conseguia respirar com aquela fantasia! E você, com aquela dor de barriga! Tatiana – Nem me fale! E a culpa foi sua, lembra? Foi um laxante que você me deu pra diminuir a barriga na hora de colocar a fantasia! Vera – Nossa, como eu era estranha! Aquela festa me traumatizou...(Ri e fica pensativa) O que será que aconteceu com Barbosa? Tatiana – (Divertida) Tá vendo, Vera! Hoje a gente vai rir muito lembrando dessas coisas! Tatiana coloca uma música daquela época, Vera ri. Tati tira de uma das sacolas que trouxe a saia que ela usou na festa, e algum adereço que Vera usou. A música aumenta, elas ficam comentando coisas enquanto vestem a saia e o adereço. CENA 2 Carol sai de seu espaço e entra na cena das meninas. Elas estão com quinze anos. Tatiana – Deixa eu ver! Deixa eu ver! ( analisando a roupa da amiga) Pô! Tá ótimo! Sua mãe é fera! Vera, já acertou a volta? Vera - (está se olhando no espelho, incomodada, se sentindo gorda)Claro, né? Meu irmão vai buscar a gente. Vocês dormem aqui. Carol, será que sua mãe dá um jeitinho na cintura aqui rapidinho? Eu tô uma baleia! Carolina – Vai lá. (Vera sai) Tatiana – (Depois que Vera sai) Pra variar, ela saiu do regime. Agora, aqui entre nós: Você gostou da fantasia de Vera? Carolina - (Rindo) Mais ou menos. Mas acho que vai ser difícil ela se armar com alguém na festa! Tatiana – (Com uma certa maldade) Eu não disse nada pra ela, senão ela desiste de ir. Mas ela quer ir diferente...

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Carolina – Mas eu acho legal ir diferente. Sua fantasia, por exemplo, te deixa bonita, mas é bem batida, né? Tatiana – Por mim! Pode ser batida, mas é linda. (Se olhando no espelho) Você prefere ficar bonita ou original? Carolina – Tomara que ela não fique emburrada porque está se achando gorda. É capaz dela querer desistir, e/ Vera entra, meio emburrada. Vera – Tia Lurdes tá lá conversando com minha mãe. Disse que não tem o que mexer. Minha mãe ainda se meteu na conversa, que saco. O que vocês estão achando? Falem a verdade! Tatiana – Tá ótimo, menina! Eu já te disse mais de mil vezes! Vera – Mas eu não tô conseguindo nem levantar os braços direito! Tatiana – Está ótimo menina! Tá com um corpão! Homem gosta de carne, não é Carol? (Se toca que a outra é magra) Nada pessoal. Carolina – (Para Vera) Você com essa mania de comprar roupa com um número a menos! Vera – Mas eu achei que dava tempo de emagrecer tudo o que eu queria. Eu me esforcei esta semana. Carolina – É. Tirando o dia da pipoca com chocolate no cinema, e do Big Burguer depois da aula, você se esforçou. Tatiana – (Para Carol) Você é má! Deixa a menina! Vera – Deixa, Tati. A opinião dela não conta mesmo. Carolina – Por que? Tatiana – Ai, gente! Que horror! Olha, eu não tenho culpa se eu chamo mais atenção. Também, uma enfezada, a outra emburrada, as duas discutindo toda hora...quem vai querer chegar perto? Vera – (Em desespero) Ai, que ódio! Eu tô horrorosa! Eu não quero mais ir. Merda! Tatiana – Verinha, deixe de besteira! Você está ótima! A fantasia é legal, todo mundo vai adorar! Você está...super original! Você prefere ficar só bonita, ou original? Carolina – (Para Tati) Já ouvi isso hoje. (Tati faz cara feia) Eu prefiro ser original. Vera – Mas em você que é magra, qualquer coisa fica bonita. Até se você se vestisse de “Munrrá”, ficaria legal. Carolina – Pois eu preferia ser mais gordinha.

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Tatiana – Ah, Gente! Acabou esta conversa. Vamos todas arrasar. Escuta, Déa vem ou não vem? Carolina – Ela desistiu. Disse que odeia esse negócio de fantasia, não quer fazer papel de palhaça. Tatiana - (Na animação) Ai, que boba! E aí? Vamos? Carolina – Eu vou ver se minha mãe já está pronta pra levar a gente. (Sai) Tatiana – Aqui entre nós: Você gostou da fantasia de Carol? Vera (Rindo) -Legal, mas acho que ela não vai se armar com ninguém! Bom, pelo menos ela faz companhia pra mim, que também vou ficar pra escanteio. Tatiana – Você já sai pensando desse jeito! Por isso fica sozinha. Vera – Não gosto de sair só pra ficar com alguém. Tatiana - (Mudando de assunto) Será que o Belera vai mesmo? Vera – Eu ouvi ele combinando com o Nandinho. Tatiana – Eu comprei um cartão pra dar a ele. (Mostra o cartão) O que você acha? Vera – Você não escreveu nada! Tatiana – Você acha que precisa? Vera – Claro! Tatiana – Mas será que ele não vai me tirar de otária? Carolina – Diz o que você sente por ele, que está com saudades. (Cantarola) “Eu preciso dizer que te amo, te ganhar ou perder sem engano”. Você não gosta dele? Então diz! Pronto! Vera – Você consegue dizer assim, na lata, que gosta de alguém? Carolina – Sim, se eu gostar mesmo...Você não tem coragem? Vera – Não sei. Acho que nunca gostei de verdade de ninguém. Meu irmão fica dizendo que eu vou me casar com o balé, porque eu nunca saio com ninguém, só quero saber de aula, ensaio. Mas também, se eu não me esforçar, eu me lenho. Acho que ele fica de saco cheio de tanto me ouvir reclamar, mas pelo menos ele ainda me ouve. Tatiana – (Que nem prestou atenção no que elas estavam falando) Acho melhor não escrever nada, não. O cartão já tem uma mensagem bonitinha. Ai, amigas! Essa festa é minha esperança! Nunca pensei que fosse tão difícil fazer o Belera voltar pra mim! Vera – E você, Tati? Tem coragem de dizer na cara que gosta de alguém? 9


Tatiana – Eu? Não sei...Bom, preciso arranjar coragem de dizer pro Belera, porque esse negócio de cartão já não está mais dando certo... Posso treinar com vocês?(Se olha no espelho) Eu te amo, Tatiana. Verinha, Carol: Eu adoro vocês! Carolina – Eu também adoro vocês. Mas só de vez em quando (Elas riem, brincam)Vocês sabem que são insuportáveis! Vera (Quer dizer que gosta das amigas, mas não consegue. Aí acaba levando na brincadeira, fugindo dos olhares das outras ) Que coisa mais melosa! Vou chorar! (Elas estão terminando de se arrumar. Vera acha algumas fotos 3x4 de Carol). Vera – Tirou fotos novas? Carolina – Tive que tirar para a escola nova. Não gosto nem de me lembrar... Vera – Você está engraçada! Posso ficar com uma de lembrança? Carolina – Pronto. Vou aproveitar esse clima de amizade, e vou dar uma para cada. Tatiana – Oba! Obrigada! Depois vou tirar umas fotos para dar a vocês. Mas 3x4 não, que não me valoriza. Vera – Escreve atrás da foto. Carolina – (Escreve e entrega à Vera) Pronto. Agora vocês não esquecem mais de mim. (Elas se abraçam e saem animadas). Foco na TV. Uma abertura com o nome das três atrizes em: “Pra não esquecer de mim”. Clipe, como se fosse uma abertura de novela. Música: As quatro estações, com Renato Russo cantando. CENA 3 Vera e Tati, aos trinta. Vera - Mas você bem que podia ter avisado. Que situação chata essa... Tatiana – Depois eu é que faço drama... Fala a verdade, Vera. Vai dizer que você não está nem um pouquinho curiosa para saber como ela está? Lembra que você achava ela bonita?

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Vera – Eu achava qualquer pessoa magra bonita. (Lembrando) Ela era...Diferente. Tatiana – Então! Você não fica curiosa em saber como ela está, o que ela fez da vida, essas coisas? Vera – Não sei, Tatiana! Não tenho tempo pra isso! E também não precisava ser assim, com você forçando a barra! Não tinha a menor necessidade de você fazer a gente passar por isso. Tatiana – Quem passar pelo que, menina! Vera – Eu e Carolina. Ficar fazendo sala, procurando o que conversar. Tatiana – Quem disse que você vai ficar procurando o que conversar? Vera - Ah! Pior que isso é quando se instala aquele silêncio constrangedor. Todo mundo sem jeito, se mexendo no sofá, e o tempo demorando de passar... Oh, meu Deus, eu já estou imaginando. Existe coisa pior que silêncios constrangedores? Tatiana – Existe. Sofrer por antecipação. Poxa, a criatura nem chegou ainda, e você já está fazendo essa tempestade toda! A gente era amiga! Vera – Tudo muda, Tati. São quinze anos! Por que isso agora? Tatiana – Por que deixar pra lá? Por que perder a oportunidade de estarmos juntas de novo? A gente se adorava! Vera – Porque é assim mesmo, Tatiana! Você conhece alguém, fica amigo durante um tempo, depois se afasta. Acabou. Tatiana – Não acaba simplesmente, Vera. Sempre fica alguma coisa de quem passa pela vida da gente. Vera – Que frase feita mais bonitinha! Sinto muito, mas a gente foi criada assim. Pra ter muitos amigos e não ser amigo de ninguém. Pra sair, tomar uma cerveja com a turma, e voltar pra casa sozinho. Tatiana – Mas uma coisa não impede a outra. Existem amigos e amigos. E a gente? A gente mudou muito. Você tomou um rumo, eu tomei outro. Mas a gente continua se vendo. Mesmo que demore. Mesmo que seja rápido. Vera – É. Nossa amizade ficou. Outras não. Normal. (Toca a campainha) Que saco! Vai atender. Você não disse que a casa era sua? Tatiana – (Indo atender) Faça pelo menos um esforço. Carolina entra. Tatiana – (Abraça Carolina) Carol! Que ótimo!Que bom que você está aqui! Tenho uma surpresa. Lembra de Vera?

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Carolina – (Se assusta ao ver Vera) Vera? Oi! (Meio sem jeito) Nossa, Tati! Vera – Como vai? Tatiana – Vamos sentar, gente! (Sentam-se. Silêncio constrangedor. Vera olha para Tatiana como quem diz: Eu não disse?) E então, Carol? (Artificial) Poxa, que legal! Legal você estar aqui! Carolina – Legal. Que surpresa te encontrar, Vera. Vera – É. Legal. (Pausa) Carolina – Bonita sua casa, Tati. Tatiana - Gostou? Carolina - E então? Me conta. Tatiana – É! Então. As novidades, né? Vera – (Irritada) Licença, eu vou ao banheiro. Só um minuto. (Sai) Carolina – Claro! (Para Tati) E então? Tatiana – Que legal, você aqui! Você não se incomoda de Vera/ Carolina – Imagina! Ela tá bem, né? Tatiana – Muito bem. Mulher de negócios. Ganha um bom dinheiro. Carolina – Casou? Tem família? Tatiana – Ih! Isso já é outra questão. E você? Carolina – Bem, também. E você? Tatiana – A gente vai levando, né? (Outro silêncio. Procurando o que dizer) Sessão nostalgia! (Tira da sacola que trouxe um caderno, em que Carol escreveu há muito tempo). Olha o que eu tenho guardado até hoje! (Vai se sentar perto de Carol) Carolina - Olha só! Minha letra no seu exercício.

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Tatiana – Se não fosse você eu não passava de ano! Carolina – Que nada! Não por isso... Elas se olham. Mudança de atmosfera. CENA 4 Carol e Tatiana aos quinze. Tatiana – Só você mesmo, viu, Carol, para querer ficar enfurnada aqui nesse quarto fazendo trabalho em equipe. Carolina – Eu não tinha nada pra fazer mesmo, pelo menos eu estudo. Não sei que diabo deu no meu pai de querer me mudar de colégio. Eu estou odiando tudo lá. Tatiana – A gente já passou do meio do ano. Já era pra você ter se acostumado. Carolina – Pois é. E o pior é que eu acho que vou ficar na reco-reco pela primeira vez. Ai, que falta eu sinto de vocês, da turma... (Começam a ler. Não ficam nem um segundo lendo, e Tatiana já puxa assunto). Tatiana – Carol, você sabe que dia é hoje? Carolina - Quarta-feira. Tatiana – Não, menina! Do mês. Hoje é dia 16 de agosto. Aniversário de Madonna! Carolina – É? Bom pra ela. Não dou a mínima. Tatiana – Como é? Pois hoje vai ter um especial dela na TV. Não perco por nada.(Cantarola uma música de Madonna que era sucesso na época) Sim. Vamos voltar a ler. (Lêem um pouco. Tatiana puxa conversa de novo) Carol, eu não te contei essa. Fui no inglês, ontem. Eu tava bonitinha, com uma blusinha decotada, toda queimadinha da praia do fim de semana. Rezei pra ver o Belera, mas cheguei atrasada e não vi. Aí eu combinei com Déa de depois ir andar de bicicleta com ela. Adivinhe o que eu estava cantando na hora? Claro! A música tema! (música de Bob Marley – tema de Belera). A gente foi andando em direção à minha árvore. Nela estava escrito: Belera e Tatiana, dentro de um coração. Foi ele que escreveu quando a gente namorava. Ah! Quantas lembranças! Quando a gente foi chegando, eu vi uma coisa linda! Tinha uma borboleta azul no meio do coração! Carolina – E daí?

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Tatiana – E daí que eu fiquei super emocionada. Poxa, uma borboleta linda, azul! Você sabe que eu adoro azul. Eu fico gata de azul! E ela estava lá. Bem no meio do coração. Isso é um sinal! Carolina – (Divertida) Aposto que Déa odiou esse passeio. Tatiana – (Chateada) Déa é fogo. Ela não tem a menor paciência de me ouvir. Começa logo a esculhambar. Disse que não era sinal coisa nenhuma. Que a borboleta estava fazendo cocô em cima do coração. Que eu era muito idiota de ficar pensando nele. Carolina – Eu também acho. Você bem que podia paquerar outros garotos, esquecer o Cabeleira. Tatiana – E quem disse que eu não paquero? Paquero e sou paqueradíssima, você sabe. Mas esquecer o Belera...Isso eu acho que não vou conseguir nunca. Eu sei que a nossa história não terminou. Eu tenho certeza que a gente ainda vai ficar junto um dia. Carolina – Pois devia tentar. Você vai ver. Quando você menos esperar, vai aparecer alguém. Eu não te contei da voz? Tatiana – Que voz? Carolina – A voz! O carinha do telefone! Eu estou conversando com ele sempre. Ele é tão engraçado, e super carinhoso. E é mais velho, sabe? Inteligente. Conversa sobre várias coisas. Não é como esses meninos da nossa idade. Tatiana – (Sem ouvir)Déa não vem, não? Esse trabalho tem que sair hoje! Carolina – Ah, ela mandou dizer que não vem. Ela odeia trabalho em equipe. Disse que depois entrega a parte dela pra você. Tatiana – Ai, eu tô precisando de nota! Carolina – Calma, criatura. Eu tô aqui. (Começam a ler novamente. Depois de algum tempo, Carolina puxa assunto) Eu marquei um encontro com a voz, mas não apareci. Não tive coragem. Tatiana – (Surpresa) Que voz, menina? Carolina – É a voz! Eu fiquei com medo de/ Entra Vera com trinta anos. CENA 5 As três aos trinta. Tatiana – Olha, Vera. Eu tava aqui mostrando meu caderno pra Carol. Vera – Você já gosta de guardar coisa velha, né?

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Carolina – Ela tava me lembrando que eu sempre salvava ela na recuperação. Vera – Legal. Longo silêncio. Comentários das personagens em off. Vera – (Em off) Merda! Que vontade de matar Tatiana. Carolina – (Em off) Merda! O que é que eu estou fazendo aqui? Que vontade de matar Tatiana. Tatiana – (Em off) Merda! O que é que eu faço agora? Eu vou me matar! Carolina - (Em off) Vou perguntar alguma coisa. O que? Vera – (Em off) Fale, Tatiana! Você não meteu a gente nessa? Agora arrume um assunto, desgraçada! Tatiana – (Em off) Carol não mudou quase nada...Boa! Isso é bom pra se dizer. Vera – (Em off) Ela está mais bonita. Parece feliz. Bom pra ela. Tatiana – (Em off) Eu podia perguntar da família. Como é que era o nome da mãe dela mesmo? Carolina – (Em off) O cabelo de Tatiana está ótimo. O que será que ela fez? Vera – (Em off) Magras. As duas. Continuam magras sem nenhum esforço. Que merda. Carolina – (Em off) Não pega bem ir embora agora, né? Vera – (Em off) Vai, Tatiana, fale! Acabe com esse suplício, pelo amor de Deus! Tatiana – (Em off) Vera deve estar puta da vida. Merda! (Fala para Carolina) Quer dizer que você virou atriz de teatro? Vera (Em off) Finalmente a demente falou! (Fala) Você é atriz? Legal! (Em off) Sempre gostou de aparecer. Está na profissão certa. Carolina – Pois é. Comecei em um curso na escola. Gostei, não quis parar mais. Mesmo quando me mudei, continuei procurando cursos, essas coisas. Vera – Você morou fora? Carolina – Em São Paulo. Meu pai foi transferido, e eu acompanhei. Foi uma experiência boa. Vera – Imagino. (Novo silêncio. Em off) Ela está com uma pele boa. Quando era nova tinha cada espinha. Tatiana – É...E dá pra viver de teatro? Vera – (Em off )Nossa. É a delicadeza em pessoa. Carolina – É uma profissão difícil. Mas não é tão diferente das outras. Vera – Hoje em dia tá difícil pra todo mundo. Carolina – E você, Vera? Desistiu do balé? (Em off) Ou ele desistiu de você?

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Vera – É. Eu fui parando, estudando outras coisas. Acabei tomando outro rumo. Mas também me encontrei em Administração. Carolina – E você, Tati? Tatiana – Eu? (Em off) Eu sabia que iam me perguntar! (Fala) Eu acabei não me encontrando ainda. Casei, tive filho. Isso foi ficando pra depois...Mas estou pensando em fazer um curso de decoração. Carolina – Que ótimo. (Em off) Ela sempre meio foi perdidinha. Tatiana – (Em off) Ela deve estar achando que eu sou uma “do lar”, sustentada pelo marido. Mas é o que eu sou...Que horror! (Fala) Você lembra que eu sempre gostei de decoração? Carolina – Não. Tatiana – Não? Ah, eu sempre gostei. Não vejo a hora de poder estudar, porque eu não levo jeito nenhum pra ser “do lar”. A mulher tem que buscar a independência financeira, não é? Vera – Claro. Fundamental. (Em off) O que ela está dizendo? (Silêncio constrangedor) Carolina – A gente tinha quinze em 88, não é? Vera – Eu li um dia desses que 88 é considerado o marco zero da Internet no Brasil. (Em off) Sim, e daí? Idiota. Tatiana – Olha, que interessante! Que coisa é o computador, não é? Hoje em dia a gente faz tudo com ele... Vera – (Em off) Ela não dá uma dentro. Carolina – Teve também a Abolição da Escravatura...Quer dizer, o centenário. Eu me lembro que na época eu fiz um trabalho na escola sobre isso. Fiquei toda envolvida com a história. (Silêncio) Tatiana – Ah! Eu sei de uma. O Bahia foi campeão brasileiro em 88. Eu sei porque meu marido é Bahia roxo...(Silêncio) Tatiana - Bom, eu vou pegar alguma coisa pra gente beber. Carolina - Não precisa se incomodar, Tati. (Em off) Vou esperar mais meia horinha e depois me mando. Tati – Imagina. (Enquanto vai pegar)Já tá aqui, prontinho. Pipoca e Brigadeiro na panela. Pra gente relembrar. (Em off) Vamos entrar no clima minha gente! Vera – As invenções de Tatiana! (Em off) Que perda de tempo, meu Deus! Carolina – Não quero dar trabalho...(Em off) Vera sempre foi estranha. Mas acho que agora piorou.

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Vera – Não é trabalho nenhum. (Em off) Carolina sempre teve cara de enfezada. Mas agora está arrogante mesmo. As três ficam olhando para a pipoca e o brigadeiro que está na mesa. Tatiana desanima, e pra quebrar o silêncio constrangedor, liga a televisão. Está passando a cena de Dirty Dancing. Mudança de ambiente. CENA 6 As três aos quinze. Elas comem a pipoca, o brigadeiro. As três estão derretidas com o ator, a dança, a música. A forma como elas manipulam a colher e comem o brigadeiro é significativa. É o prazer pelo brigadeiro e pelo filme, pela conversa...). Tatiana – Volta! Volta essa cena! Ai, meu deus! (Ela volta. Quando solta a cena as três suspiram) Carolina – Eu não posso ver isso não. (Tapa os olhos) Tatiana - Mas que mulher feia! Ela é feia pra ele! Carolina – Ela é ridícula! Vera – E além de tudo ela é magra! Tatiana – Por que Déa não veio? Carolina – Ela me disse que odeia esse filme. E que quando a gente for assistir terror ela vem. Tatiana - Ai...Ele vai agarrar de novo! (As três suspiram) Vera – Peraí gente, dá um pause aí. Eu preciso contar uma coisa. Minha língua tá coçando. (As duas se viram atentas) A Glória. A Glorinha....Ela perdeu. Tatiana – (Chocada) O quê? Carolina – (Sem entender) O quê? (as meninas olham para ela) A...(Chocada) Não acredito! Foi com o Nandinho? Vera – Claro. Ia ser com quem? Tatiana - Que coragem! Ainda mais com o Nandinho! Vera – O Nandinho não é feio, coitado. Carolina – Como foi, como foi? Vera – Foi na casa dela. Ela abriu a porta da casa dela pro Nandinho entrar quando todo mundo já estava dormindo. Eles só tinham combinado de dormirem juntos. Mas na hora bateu um negócio, uma vontade de saber como era, e ela acabou deixando. Tatiana (gritando) Louca! (Curiosa) Doeu?

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Vera – Ela disse que quase berrava de tanta dor. Mas só na hora que entrou. (Comendo o brigadeiro) Carolina – Quer dizer que dói, é? Vera – De resto foi tudo gostoso. Tatiana – (num misto de revolta e curiosidade) Que resto? Vera – O antes. (Fazendo cara de suspense) Ele tirou a roupa dela bem devagar. Beijou o pescoço, depois foi descendo, beijou os seios, foi descendo mais, beijou a barriga...(Carol puxa a panela de brigadeiro para ela. Come com ansiedade e uma certa sensualidade) e tirou a calcinha dela com a boca. E ficou lá um tempão! Tatiana – (Puxando a panela de brigadeiro, ar de reprovação) Se fosse comigo eu morreria de vergonha. (Curiosa) Ela ficou fazendo o quê enquanto ele ficou lá? Vera – Sei lá! Eu não tava lá! Mas eu acho que ficou nervosa. Eu ficaria! Tatiana – Será que um dia eu vou ter coragem de fazer uma coisa dessas? Carolina – Espero que sim, né, Tati! Acho que não vai ser bom pra sua vida, se você não fizer isso um dia! (Vera ri) Conta mais, conta mais! (Pega a panela) Vera – Ela disse que ele ficou um tempão...Fazendo várias coisas com a língua (Carol abocanha a colher). Tatiana – E ela? (Pega o brigadeiro com a sua colher lentamente) Vera – Ficou lá... Carolina – Deve ser uma coisa de louco! (Carol está entretida com o brigadeiro, imaginando coisas). Tatiana – Mas ela ficou assim...Nua...E deixou ele fazendo? Vera – (Puxando o brigadeiro) É. Mas também, ela é magra, né? Se fosse comigo eu teria que planejar isso uns três meses antes, para fazer um regime brabo e emagrecer uns dez quilos. Carolina – Nossa, que coragem! O meu primeiro beijo já foi um sufoco pra sair...Imagine a primeira vez! Lembra, Tati! Em pleno carnaval, A Banda Beijo passando. A galera toda fazendo pressão! Só esperando o beijo sair! Tatiana (rindo) - Claro que lembro! O Geraldinho deixou você toda babada! E a galera cantando junto com Netinho(Canta tirando sarro de Carolina) “Foi sem querer que eu beijei a sua boca, menina tão louca, eu quero te beijar!” Vera – Peraí...Essa música foi do carnaval desse ano! Carol, você só beijou esse ano, e nem me contou?

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Carolina – É que eu não gosto de ficar lembrando disso! Foi tão confuso, sem ritmo...No meio da multidão, do empurra-empurra...(Contando vantagem) Além disso...Depois dele eu já beijei um monte! Devo ter beijado até mais do que vocês! Tatiana – Mais do que eu duvido! Mas voltando ao assunto, logo o Nandinho, credo! Vera – Também não é assim! Ele não é dos piores. Tatiana – Ah! Ele é esquisito. Aquele cabelo loiro-verde de piscina...Eca! Carolina – É. Você prefere loiro com parafina. Fala a verdade: Com Cabeleira você bem que fazia tudo, não é? Tatiana – Eu hein? Eu não sou doida. Com o Belera só rolou mão no peito. Vera – Vai me dizer que você não deixou nem ele beijar o peito? Tatiana – Por que? Você já deixou? Vera – (Meio sem jeito) Eu não. Mas eu nunca tive namorado firme, não conta. (Só para a outra dizer) Mas se eu tivesse, assim, depois de uns três meses, eu deixaria. Tatiana – É...eu deixei uma vez.(justificando-se) E foi depois de três meses e meio. Carolina – Eu sabia! Vocês estavam onde? (Vera e Carol pegam mais brigadeiro) Tatiana – Na escada do prédio. Eu coloquei uma blusinha que facilitava. Aí ele começou a tirar assim (Mostra) Foi abaixando a cabeça...Menina...Eu pensei que a gente ia explodir de tanto fogo! Vera – E você colocou a mão lá? No...dele? Tatiana depois de um pequeno suspense, faz que sim com a cabeça. As outras duas riem excitadas. Tatiana – Brincadeira! (Rindo) Eu só queria ver a cara de vocês! Mas uma vez, a gente tava namorando, e o meu cotovelo esbarrou lá. Eu levei um susto, tava durão! (elas riem) Ele ficou sem graça no início, depois perguntou se eu queria sentir. Eu fiquei sem jeito, disse que não. Depois, no dia da escada... ele quis botar pra fora! Queria que eu visse! Mas eu não deixei, era muita loucura! Carolina – Foi até bom, porque você podia se decepcionar. Eu já vi numa revista pornô do meu irmão e é horroroso! Vera – A Glorinha me contou que ela pôs a boca lá. (Elas fazem cara de nojo) Carolina – Credo! Tatiana – Gente, que menina é essa! E ainda por cima deixar ele vendo tudo tão de perto: celulite, estria...

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Vera – Imagine a baleia aqui! É...Mas a Glorinha agora faz sempre! Cada dia ela vem com uma novidade! Carolina – Então conta mais! Conta tudo! Vera – Passa o brigadeiro! Poxa, vocês não deixaram nada pra mim! Tatiana – Ah, gente! A Glorinha tá contando vantagem! O Nandinho não tem cara de quem faz tudo isso não! Ele é bem sem graça! Carolina – E o Vilásio do terceiro ano! Ele tem cara de ser rústico, deve pegar assim de jeito, puxar o cabelo (puxa o cabelo de Tati, que dá um gritinho) Vera – (para Carolina) E o Geraldinho babão? Carolina – Deus é mais! Do jeito que eu saí toda babada do beijo, imagina fazendo outras coisas! Vera – (tomando coragem para contar um segredo) Olha...Não sai daqui...Mas eu tenho a maior curiosidade...no...Olha lá, hein! No... Não vão rir de mim! No...No Barbosa! Carolina e Tatiana (rindo) -No nerd! Tatiana – (Imitando o Barbosa do TV Pirata) No Barbosa! No nerd de perna fina! (para Carolina) Nada pessoal. Vera – Ah! Sei lá! Ele tem cara de que beija bem...de ser carinhoso...E olhar bem no fundo do olho... Pausa. As três ficam imaginando Carolina – É...Eu nunca tinha reparado... Tatiana – Eu sempre achei ele delicadinho demais. Carolina – Mas ele é super educado! Tatiana – (Com uma certa maldade) Ele é todo bobão! Carolina – (Pra si mesma) Ele tem os ombros largos. Eu acho isso bonito! Vera – Nada a ver. Ele é feio mesmo. (Pequena pausa) Droga! O brigadeiro acabou! Carolina – Conta mais! Conta mais! Vera – Não vai dar. Carolina – Por que? Vera – Primeiro porque sem brigadeiro, não tem graça conversar. Aliás, não tem graça viver...Depois porque a senhorita é muito novinha para falar sobre essas coisas! Imagine! Nem aprendeu a beijar direito!

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Tati – (Gozando Carolina) “Foi sem querer que eu beijei a sua boca...Todo dia tem festa na Bahia...” (Vera fica emburrada de repente) Carolina – Que cara é essa Vera? Vera – Nada não. Carolina olha pra ela, insistindo. Vera tenta disfarças seu real incômodo) Vera – Comi um milhão de sequilhos. Fiquei enjoada de tanto sequilho, mas cá pra nós: Tava uma delícia! Minha vida é uma merda. Eu brigo com meu pai todo dia, meu irmão que é meu amigo, não fica mais em casa. Aí, já viu. Minha única saída é comer. Mas amanhã eu vou começar um regime seriíssimo. Não posso continuar comendo desse jeito, parecendo uma mendiga faminta. Isso não é vida. Tatiana –Eu acho que a gente está precisando namorar. Que nem a Glorinha! Vera – A gente não tem salvação, Tati. Você só pensa no Belera. Eu não combino com nada, com ninguém. Eu sou defeito de fabricação. Tatiana – Defeito de quê? Carolina – Vai começar a lamentação? Vera – Vai começar a me criticar? Carolina – (Sem paciência) Ai, meu saquinho. Tatiana – Gente, gente! Eu não contei essa! Domingo eu fui à praia com minha mãe, pensando que não ia acontecer nada de mais. De repente, chega maçã! Vera – Mentira! Carolina – Sério? Tatiana – Meu coração disparou! E depois chega pêra! Vera e Carolina – Não! Tatiana – E quando pêra vai embora, chega uva! Carolina – Não acredito! E uva, como é que tava? Tatiana – Um sonho! Vera – E uva viu maçã com melão? Tatiana – Melão não foi. Mas eu soube que ela está ficando com abacaxi! Vera e Carolina – O quê???? Tatiana – A fonte é segura! Carolina – E quem é a fonte? Tatiana – Banana!

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Carolina – Não dá pra entender o gosto desse povo. Vera – (Se olhando no espelho) Eu estou uma vaca! Tatiana –(No espelho também) Você tem que parar de ficar usando essas blusas folgadas pra esconder a barriga. Elas te deixam ainda mais gorda. Vera – (Desesperada) Então você também acha que eu estou gorda? Tatiana – Não é isso. Mas é que você fica dizendo tanto que está gorda, que eu acabo acreditando. Carolina – (Também vem pro espelho) Pois eu preferia ter o seu corpo, Vera. Vera – Você é louca! Eu preferia mil vezes ser magra como você. Tatiana – É muito melhor ter perna grossa. (Para Carolina ) Nada pessoal. Carolina – Eu também acho... Tatiana – Eu queria ter o cabelo de Vera, a boca e a barriga de Carol, apresar de me achar gatinha do jeito que eu sou! Vera – E queria ter qualquer coisa de vocês duas, porque nada se salva em mim. Carolina – (Numa tentativa de auto - afirmação) Eu não quero mudar nada, não. Tá bom assim. (Pequena pausa. Elas se olham no espelho. Tatiana começa a imitar Madonna) Vera – Meu irmão sempre diz isso pra mim. Que eu tenho que me aceitar. Mas pra ele é fácil. Ele é perfeito em tudo. Todo mundo gosta dele. Ele é bonito, charmoso. É inteligente, engraçado. Tudo pra ele é fácil... Carolina – (Sem paciência) Eu fico até com raiva. Você chora de barriga cheia, minha filha. Literalmente. Vera - Você não sabe de/ Carolina - Olha pra mim: Negra, magrela, de óculos, dentro de um colégio de brancos ricos. Os garotos da escola nova me olhando atravessado, como se eu fosse um ser estranho...Eu finjo que não percebo... Você acha que é fácil? Mas não deixo ninguém me pisar, e quem quiser gostar de mim, vai gostar do jeito que eu sou. Vera - Pra você também é fácil, Carol...você... Tatiana – (Sem ouvir Vera) É isso mesmo, amiga! Nós três juntas, vamos sempre arrasar! Só fico imaginando daqui a quinze anos! Lindas, ricas! Famosas! Na Tv, imagens da época que simbolizavam tudo o que uma garota de quinze anos queria ser. Propagandas de produtos que eram sonho de consumo, imagens de atrizes que eram modelos de beleza da época, culto ao corpo,

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propaganda de aparelho de ginástica do 1496, etc. Elas ficam assistindo. Mudança de ambiente. Entram imagens atuais. CENA 7 Elas estão com trinta anos, na mesma posição de quando iniciaram a cena anterior. Tatiana – (Depois de um tempo, desligando a Tv) Desculpa, é o costume. Não posso ver um controle remoto. Carolina – Isso é um vício. Tatiana – Eu sempre tive a mania de deixar a tv ligada, mesmo quando não tô assistindo nada. Eu sempre tive pavor de ficar sozinha. Ouvir uma voz que seja, já me faz bem. Vera – A gente tem mesmo a impressão de que a tv ameniza a solidão. Carolina – Isso é sério! A mãe de um amigo meu é muito sozinha, sabe. Nunca sai de casa. Gente, ela tem discussões homéricas com o menino da Casas Bahia! (Imitando) Não adianta você me falar que tá mais barato, porque eu não acredito em você. Tatiana – (Rindo) Eu não posso falar muito. Já me peguei dando Boa Noite pro Willian Bonner algumas vezes. Vera – É uma vida toda de convivência, né? A tv e a gente. Tatiana – Fera Radical, Bebê a Bordo, Vale Tudo, lembra? Assistia tudo! Vera – Eu adorava Bebê a Bordo. Tinha até o álbum de figurinha... Carolina – Eu dizia que não, pra tirar onda de inteligente, mas assistia todo dia! Agora Vale Tudo eu só assistia na terça feira, porque eu ficava esperando pra ver Tv Pirata! Vera – A Tv Pirata marcou. Marcou mesmo! Tatiana – O que a gente seria hoje, se não tivesse visto Tv Pirata? As novelas? Vera - Armação Ilimitada, Sitio do Pica Pau Amarelo? Se eu não tivesse assistido Tia Arilma, tomando Alimbinha todo dia? Com a carteirinha de sócia do Clube do Mickey! Tatiana – Se eu não tivesse sido louca pra ser Paquita? Carolina – Ai, as paquitas. Sem elas, talvez eu fosse uma adolescente mais feliz...Aquelas paquitas todas branquinhas, loirinhas, de cabelo lisinho. Pra falar a verdade isso acabava comigo. Naquela época não tinha negro em comercial de nada. Parecia que a gente não existia. Ou melhor, você só via negro fazendo papel de escravo ou de empregado. Ai, essas paquitas... Vera – É...Bom, a gente é o que é também por causa da Tv. Lembra quando os meninos chamavam a gente pra levar uns coelho? Não dá pra saber, mas talvez, se a gente tivesse visto

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menos televisão, a gente ia ter tempo e prazer de ler todos aqueles livros que caem no vestibular. Tatiana – E não ia ficar procurando só o resumo! Carolina – Engraçado é que mesmo a gente tendo assistido tanta porcaria na tv, quando a gente lembra, dá uma nostalgia... Tatiana – Porcaria tem hoje em dia. No nosso tempo era melhor. Vera – Aposto que os nossos pais diziam a mesma coisa. E não vem com essa de “no nosso tempo”, porque você continua noveleira. Tatiana – Aliás, você tá gostando? Ontem foi o máximo... Carolina – Sabe que eu também tenho essa sensação? De que antigamente era melhor. Em relação a tudo, não só à tv. Sei lá...parece que a gente já viu tudo o que tinha que ver. As coisas não tem mais a graça que tinham antes. Tá tudo ficando mais sem graça, mais feio, sem perspectiva...Não sei se é falta de esperança, ou é porque eu tô ficando velha. O fato é que lembrar é sempre mais divertido. Tatiana começa a cantarolar “Mordida de Amor” do Yahoo. As três cantam juntas. No decorrer da música elas vão se empolgando cada vez mais no canto, na coreografia, vão acrescentado alguns elementos no seu figurino e se transformando nas garotas de quinze anos. CENA 8 As três, aos quinze, estão no telefone.

Foco em Tatiana.Tatiana – Alô? Por favor, o Be/ O Marcos? Não está? É... O Marc/ Hein? Está? Eu aguardo...(Música de Bob Marley tocando) Oi! (Desapontada) Ah, é? Está bem. A senhora pode pedir a ele que me ligue quando ele estiver desocupado? Meu nome é ... (Fica nervosa. Desliga o telefone).

Foco em Vera. Vera –Alô? Por favor o Nelson? É a irmã dele...(Aguarda) Oi! Estou atrapalhando? Tudo bem? Viajou a semana inteira? Depois eu quero saber de tudo! Tirou fotos? Eu estou bem...é...gorda como sempre, uma verdadeira baleia encalhada. Acordei crente do sucesso que ia conseguir começando meu regime hoje, mas isso não durou nem meia hora...isso mesmo, o café da manhã....Quando você vem pra casa? (desapontada) Só no outro fim de semana? Mas pelo menos você vai ficar mais dias, né?... Que saco! Eu sei...Eu sei...Estou com saudades. É? Que 24


legal!... O papai está na mesma, quase todo dia uma briga nova. E mamãe eu quase não vejo...Ela não me ligou essa semana. (Com mágoa) Deve estar trabalhando muito, que nem você...Desculpe. Hoje eu fiz uma aula de ponta excelente! Sabe aquele professor chato que eu te falei? Aquele que pega no pé? Ele me elogiou e tudo! Mas continua dizendo que se eu não emagrecer, não vou pra lugar nenhum...Depois você diz que é exagero meu...O que? Ah...Desculpe...eu sei, é seu trabalho. Então me ligue quando você puder falar... É que não deu tempo de te dizer outras coisas...Tá bom...Então até o fim de semana...Um beijo. (Ela desliga o telefone, triste. Sozinha)

Foco em Carolina Carolina – Alô?...Alô!...Caiu. (Disca de novo) Alô? É da casa do professor Elomar, de banca? Voz – Você deve ter anotado o nome errado. Aqui não tem nenhum Elomar, mas eu também dou aula de banca. Carolina - É que me deram este nome...você dá banca de matemática? ?(Está encantada com a voz do outro lado) Voz – Sim, mas no momento não pegando nenhum aluno. Estou com o tempo tomado. Desculpe não poder te ajudar. Carolina – Tudo bem. (desliga) Ela se apaixonou pela voz. Liga de novo. A “Voz” atende, mas ela fica calada. Depois de um tempo desliga.

Foco em Vera e Tatiana Vera – Alô.Tatiana – (Nervosa) Oi, Verinha. Tá fazendo o quê? Vera – Deitada na cama arrasada. Tatiana – (Chorando) Eu também! O Belera não quis falar comigo! Vera – Por que? Tatiana – Eu tomei coragem...Liguei...Mas ele mandou dizer que estava ocupado!(Chora) Vera – Mas você deixou recado? Tatiana – Claro que não! Não tive coragem. Na hora que ia dizer meu nome, eu desliguei. Vera – Então, menina, como é que ele podia saber que era você? Vai ver ele estava ocupado mesmo!

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Tatiana – É mesmo! Você acha que eu devo ligar de novo? Vou ligar, tchau, obrigada! (Desliga) Vera – Espera, Tati!

Foco em Carolina, que liga novamente para o professor. Carolina – Alô! Eu gostaria de fa/....aí tem algum professor de banca? (Desliga) Não, sua ridícula... (Tenta de novo) Alô? Boa tarde, eu gostaria de saber, ou melhor, me deram esse número porque eu estou precisando, ou melhor, uma amiga está precisando de um reforço escolar. (Anima-se) Eu aguardo! Ela fica ansiosa, se arruma, como se ele pudesse vê-la. . Voz linda – Pois não? Carolina fica em silêncio. Não consegue responder, emocionada com a voz. Voz linda – Alô? Carolina – (Hesitante) Alô. Voz linda – Pois não? Carolina – (Sem conseguir dizer outra coisa) Alô. Voz linda – Olha, eu estou muito ocupado. Se você for ficar só no alô, eu vou desligar. Carolina – Não! Desculpe. (Pequena pausa) Alô? Voz linda – Foi você que ligou ontem três vezes e não falou nada? Carolina fica em silêncio, tensa. Voz linda – Se você quiser, a gente pode conversar um pouco. Estou curioso para saber por que você está me ligando. Mas se você for ficar muda, eu peço que você não me ligue mais. Carolina fica em silêncio. Voz linda – Estou desligando. Tchau. Carolina toma coragem. Carolina – Eu estou aqui. Oi. Eu...quero conversar. Voz linda – E como é seu nome? Carolina – É...Carolina. É que eu achei sua voz tão bonita eu fiquei curiosa para conversar com você!

Foco em Tatiana. Ela liga de novo para Belera.

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Tatiana – Oi. Alô! É...o Marcos está? ...Uma amiga...aguardo...(Desliga o telefone nervosa. Pega sua agenda, cola uma figura, arrasada. Escreve) Belera, você é minha munição. Não negue fogo pro meu coração machucadinho.

Carol liga para Tatiana, que está chorando. Tatiana - Alô. Carolina - Oi, Tati! Tá fazendo o quê? Tatiana -(soluçando) Nada. Carolina - (Animadíssima) Tati, você não sabe o que aconteceu. Eu liguei para o professor de banca, e caiu errado. Quer, dizer, não foi errado, foi uma confusão que minha prima fez, enfim: Menina, foi parar na casa de uma Voz maravilhosa! Tomei coragem e liguei de novo, e fiquei conversando um tempão. Tatiana – Quem era? Carolina – Minha prima fez uma confusão na hora de me dar o número do professor de banca. Ai! Ele deve ser um gato! A voz dele é uma coisa de louco! Tatiana – Que bom pra você. Mas eu tô arrasada. Eu não posso falar agora, porque eu tenho que chorar. Depois eu te ligo, tchau. (Desliga. Carolina fica com cara de quem não entendeu nada)

Carolina liga para Vera Vera – Alô. Carolina – Oi, Vera. Tá fazendo o quê? Vera – Comendo...E você? Carolina – Nada de mais. É que me aconteceu uma coisa. Eu conheci uma voz/ Vera – Você tá sumida. Carolina – Eu não. Vera – E a escola nova? Carolina – Ainda tá um saco. Aquele professor de matemática que eu odeio/ Vera – Ai, Carol, esse assunto de novo? Carolina – Você que perguntou! O que é que você tem? Vera – Nada. Sei lá. O de sempre. Carolina – Ai, Vera esse assunto de novo? Vera – Não é nada disso.

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Carolina – Então diz o que é! Vera – Sei lá...Não é nada. Carolina – Você tá um saco. Ainda bem que a gente não se vê mais todo dia. Quando melhorar o humor, me liga. (Desliga)

Foco em Carol. Carolina (pensando) Como será essa voz?

O telefone toca. Carolina – Alô? Déa – Oi, Carol. Tá fazendo o quê? Carolina – Oi, Déa. Tô de bobeira, pensando. Déa – Você está com jeitão de apaixonada ultimamente. Por favor, só não fique igual a Tatiana porque duas abestalhadas de uma vez só eu não agüento não. Carolina – Sai pra lá, Déa! Você sabe que eu odeio frescura. Déa – (Se fazendo de durona)Eu também odeio frescura. Eu te contei que eu toquei fogo na coleção de posters do “Dominó” e “Polegar” da minha irmã? (Rindo de prazer) Ela ficou muito retada! Carolina – É isso mesmo! Eu odeio essa babação de ovo dessas tietes que não tem mais nada de importante na vida além de ficar sonhando com artista. Esses caras que nem sabem que a gente existe. (Carolina olha para o telão e vê as imagens de artistas que ela estava imaginando. Manda apagar o telão, e as imagens somem). Déa – Eu também odeio esses artistas. Já pensou, bicho, se alguém jogasse uma bomba no SBT no dia da gravação do programa de sábado do Gugu? Se isso acontecesse, eu ia ficar gritando a noite inteira: Viva a noite! Viva! Viva! Viva! (Riem) Carolina – Eu não dou a mínima pra esses galãs branquelos, engomadinhos... Déa – Ridículos. Mas Carol, eu te liguei pra desmarcar o nosso estudo de amanhã. Vou ter que ir ao médico com a minha mãe. Carolina – Novidade! Você nunca desmarca nada! Déa, você já desejou a morte de alguém, assim de verdade? Déa – Várias vezes. Por que? Carolina – Mas você não se sente mal com isso? Déa – (Com muita naturalidade) Não.

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Carolina – Hoje eu fiquei a tarde inteira desejando a morte do meu professor de matemática. Eu imaginei várias situações, uma pior que a outra. Déa – (Animada )Depois você me conta com detalhes. (Riem) Poxa, Carol, você está fazendo a maior falta na escola! Não é todo o dia que eu tenho paciência para ouvir Tati falar de Belera, e Vera falar do balé e do irmão. Pelo menos a gente e ainda se encontra pra estudar! Carolina – Vera tá cada dia mais emburrada, né? Déa – É? Não sei. Ela é egoísta, como todos. Carolina – Acho que é. Não consigo entender. Déa – Se prestasse mais atenção nos desastres do mundo, veria que é feliz. Carolina – E você é? Déa - Que nada. Minha vida é uma merda. Carolina – Sabe, eu conheci uma voz/ Déa – Amanhã eu te ligo. Eu peguei “Faces da Morte” na locadora. Você já viu? Carolina – Hã? Não... Déa – Depois eu te conto. Beijo Carolina continua imaginando. Está bolando em sua cabeça um meio de ligar novamente para o professor de banca. Está apaixonada pela voz, fica com cara de boba, e começa a cantarolar uma canção de Tom Jobim e Chico, chamada “Imagina”. Carolina – “Imagina, imagina...Hoje a noite, a gente se perder. Imagina, Imagina hoje a noite, a lua se apagar” Finalmente, ela toma coragem, e liga para o professor. Surge a música que Carolina cantava, que fica de fundo durante toda a cena. A voz linda atende. Voz linda – Alô? (Silêncio) Alô? Com esse silêncio todo, só pode ser uma pessoa... Carolina – (Tímida) Oi... Voz linda - Pensei que você já tinha matado sua curiosidade e não ia ligar mais. Carolina – (Tentando fazer uma voz de sedutora, mas meio sem jeito) Eu?...Eu ainda não matei toda a minha curiosidade. Eu nem sei como você é... Voz linda – Acho que você poderia falar primeiro... Carolina – Eu? Tá bom...Eu sou moreninha...Quer dizer, sou negra. Alta, magra, mas não muito! Voz linda – O que? Carolina – Não muito...magra.

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Voz linda – O que mais? Carolina – Sei lá...Só isso mesmo. Voz linda – Você deve ser muito bonita. Carolina – (Sem muita convicção) É...Pode ser...Agora é sua vez. Voz linda – Eu sou alto, moreno, tenho 26 anos. Tenho o cabelo preto, liso, olhos castanhos. Tenho a boca pequena, o nariz um pouquinho grande. Sou magro, tenho os músculos do braço definidos, mas a barriga é um pouquinho só saliente. Sabe como é...eu gosto de uma cervejinha. Você gosta? Carolina – É...Gosto um pouquinho. Voz linda - Quantos anos você tem? Carolina - (Pensa um pouco antes de responder)Dezoito. Quer dizer, vou fazer dezoito, no ano que vem. Voz linda – Por que a gente não marca de se conhecer? Conversar pessoalmente? Carolina – Pode ser. Mas por enquanto eu vou ligando pra você. Posso ligar de novo, quando me der vontade de conversar? Voz linda – Claro.Vou esperar ansioso. Carolina desliga o telefone suspirando de paixão. Ela volta a cantarolar a música “Imagina”. Carolina – “Meu amor, abre a porta pra noite passar...Olha o sol, da manhã, olha a chuva....” Carolina vai cantarolando a música, como se estivesse em outro plano. Depois de um tempo, toca o telefone. É Vera. Carolina – Alô? Vera – Carol? Tá fazendo o quê? Carolina – Nada. Vera – É...Você acha mesmo que eu sou um saco? Carolina – Às vezes. Vera – Poxa, Carolina. Você não tem a menor sensibilid/ Carolina – Não entendo mesmo não. Vera – Liguei só pra ver se você ia pedir desculpa. Carolina – Por que? Eu não fiz nada... Vera - Quer dizer que você me maltrata e acha que não fez nada?

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Carolina – ... Vera – Você tá muito diferente. Carolina – Não tô não, Verinha. Vera – Tá sumida. Mudada. Carolina – Eu mudei de escola, Vera. Não dá mais pra gente se ver direto. Vera – É...eu tô sentindo sua... Carolina – O que? Vera – Deixa pra lá. Eu sou um saco, não sou? Não vou mais tomar seu tempo. Tchau. CENA 9 As três, aos trinta. Retornam do momento em que estavam cantarolando Yahoo. Carolina – Tempo bom de lembrar. Pouca responsabilidade nas costas... Passou tão rápido... Vera – Eu não tive mais notícia de ninguém da escola. Tati que tem mais sorte de encontrar as pessoas. Como você, por exemplo. Carolina – Eu tenho notícias de muito poucos. Quem eu encontro de vez em quando é Déa! Vera – Sério! Nunca mais eu vi! Como ela está? Tatiana – Déa não era aquela que odiava tudo? Que gostava de assistir documentários sobre os grandes crimes da humanidade? Deve ter virado delegada de polícia, psicopata... Carolina – (Rindo) Por incrível que pareça, trabalha com crianças e adolescentes. É pedagoga! Tatiana – Carol, você sabe que Glorinha e Nandinho estão juntos até hoje, né? Carolina – Não, mas imaginava. Tatiana – E você soube que maçã casou com melão? Carolina – (Rindo) Menina, a gente falava tanto nesses apelidos, que eu nem consigo mais lembrar o nome das criaturas! E uva? Vera – Uva está morando fora. Foi fazer doutorado na Europa. Carolina – Bacana! E por falar em viagem, seu irmão ainda está fora ou voltou para o Brasil? Ele deve estar fazendo sucesso como artista plástico! Vera – Morreu. (Silêncio. Carolina fica super sem graça) Carolina – Desculpe. Eu não sabia. Vera – Eu sei. Não tem problema.(Pequena Pausa) Carolina – Mas como foi que aconteceu? Faz muito tempo?

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Vera – Dez anos. Ele já tinha voltado da Itália. As coisas não deram muito certo pra ele lá. Ele voltou a morar com a gente, eu fiquei super feliz, na época. Mas depois de um ou dois anos, ele caiu doente e nunca mais melhorou. Era uma pneumonia que não melhorava nunca, depressão, infecção, enfim. Eu fiquei muito tempo sem saber o que dizer quando me perguntavam o motivo da sua morte. Só depois de um tempo, que minha mãe teve coragem de me contar que era Aids. (Silêncio) Carolina – Eu sinto muito mesmo. Vera – Tudo bem. A gente vai aprendendo a lidar com a dor. Mesmo que seja na marra. Carolina – É. Nem tudo saiu como a gente queria, né? Tatiana – (Sorindo)É...não saiu mesmo! Mas cada um tem um jeito de lidar com isso, né...Os problemas todos...Vera é toda fechadona. Sempre foi. Eu sempre chorei demais. Sofri demais. Carolina – Eu lembro! Tatiana – Até hoje eu sou assim. Fico toda exposta, pra todo mundo perceber minha dor. Ligo pros amigos, divulgo na internet... Depois eu fico arrependida, porque tenho que dar satisfações a meio mundo sobre tudo o que acontece comigo. Vera – Eu tenho uma mania terrivelmente deselegante, piegas. Aquela coisa católica, moralista que ensinam pra gente desde criança. Quando eu tô muito mal, procuro pensar que sempre tem alguém pior do que eu. E isso vira uma coisa meio sarcástica, meio mórbida. Saio por aí procurando alguém pior pela rua, um mendigo, alguém sem perna...Passo horas tentando me lembrar de histórias tristes de amigos, parentes. Só pra comparar com o que eu tô passando e me sentir melhor. Quando encontro um cego na rua, me sinto aliviada. Tatiana – Isso porque você foi catequista quando era adolescente! Vera – Engraçado isso. A religião diz que você tem que agradecer por ter sempre alguém pior. Mas também faz você se encher de culpa por causa disso... Carolina – Essas coisas são complicadas demais pra mim. Eu sempre fui mais prática. Se alguma coisa dá errado, eu sofro um pouquinho, mas logo depois me consolo pensando assim: Somos todos animais, que fazemos parte de uma grande massa. E é só essa grande massa que vai importar pra história da humanidade. Daqui a um tempo, eu vou virar estatística. A gente não é nada. Pode morrer agora, amanhã, quem sabe. Já disseram que o universo nasceu de uma enorme gargalhada. Deus é acometido por uma crise de riso louco, como se de repente, ele tivesse consciência do absurdo da Sua existência.

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Tatiana – Nossa, Carol. Você leu demais esses livros de ficção científica. Eu já ouvi falar que quem estuda demais essas coisas de universo fica meio doida. Vera – Como não ficar, né? (Pequena pausa) Tatiana – (querendo mudar de assunto) E do Cabeleira, você lembra? Carolina – (Rindo) Como é que eu não ia lembrar? Não havia um dia em minha adolescência que eu não ouvia esse nome! Tatiana – Pois é! Está casado, com filhos, todo família! Você acredita que a gente mora perto? Eu sempre me bato com ele, e fico me perguntando que diabo eu via naquele cabeção! Vera – A gente já se perguntava naquela época, não é? Carolina – E muito! Tatiana – Mas naquela época, tudo era intenso! Quando a deprê batia, a gente se enfurnava no quarto de Vera para maldizer a vida! Tudo que a gente fazia era demais! Vera – A gente não fazia idéia do viria pela frente...(Levanta, vai até a cozinha levar uns copos) Carolina – Eu imaginava demais, dava importância demais a bobagens... Tatiana – Eu amava demais. E nem sabia o que era isso direito. CENA 10 (Elas se olham. Viram adolescentes novamente) Carolina e Tatiana estão no quarto, desanimadas. Estão ouvindo rádio. Uma música de fossa da época. Tatiana – (Arrasada) Ai! Até agora eu não estou acreditando. É muita injustiça. Eu tô péssima! Carolina – É...muita injustiça. Tatiana – Que vida! Porque isso acontece comigo? Eu quero morrer! Carolina está também arrasada, mas nada responde. Tatiana – (dramática) Eu acho que nunca vou conseguir me recuperar desse golpe. Troca de estação, Carol, que essa música está me derrubando ainda mais. Carol troca a estação do rádio. Está tocando a música de Bob Marley. Tatiana dá um grito e começa a chorar. Carolina fica impaciente. Tatiana – Tá vendo, Carol! Essa música me persegue! Ele me persegue. Mesmo que eu queira, eu nunca vou conseguir esquecer.

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Vera vai entrando. Carolina – Vera? O que houve? Tem três dias que a gente não se fala! Vera – Estava enfurnada dentro do quarto, sem visita e sem telefone. Carolina – O que aconteceu? Vera – Ai! Eu to péssima! É muita injustiça. Eu quero morrer! (Olha para Tatiana que está chorando) O que ela tem? Carolina – Não sei. Ela chegou dizendo que queria morrer e ficou aí reclamando. Mas até agora nem morreu e nem contou o que aconteceu. Tatiana – Vera, eu tô péssima. É muita injustiça! Vera – Eu também, amiga. Eu também quero morrer. E quero comer. É isso! Eu quero morrer de tanto comer. Carolina – (Desligando o rádio, irritada com a ladainha das duas) Eu também estou péssima, quero morrer, e comer. Mas será que não dá pra gente fazer tudo isso em silêncio? Vou pegar pipoca pra gente. (Sai) Tatiana – O que você tem? Vera – Ah! O que você quer ouvir primeiro? Tudo aconteceu comigo. Só pra começar: Você lembra do exame do Royal? Não passei. Aliás, nem fui. Tatiana – (Ainda soluçando) Como não foi? Você só falava nisso, estava se preparando pra caramba! Vera – Na véspera do exame, eu comecei a me sentir muito mal. Peguei uma gripe forte, não conseguia nem levantar de fraqueza. Tatiana – Não acredito! (Se afastando de Vera) Isso pega? Vera – Sei lá. Acho que não. Carolina volta com a pipoca. Se aproxima de Vera, que está com a cara péssima. Carolina – Oque aconteceu? Tatiana (Ainda choramingando) A Verinha não foi no exame de balé. Carolina – Como não? Você estava ensaiando que nem uma louca! Tatiana – Se sentiu mal no dia da prova. Carolina – Poxa...Que falta de sorte... Tatiana – (Dramática) Pois é, Verinha. Muita coisa aconteceu por aqui também.

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Vera – O quê? Tatiana – Eu estou péssima! É muita injustiça! Eu quero morrer! Carolina – Não dê atenção que é pior. Até agora eu não sei por que ela está assim. Só sabe choramingar. Vera (Pondo um monte de pipoca na boca) – Eu tinha prometido que ia fazer um regime brabo por causa do balé. E da festa a fantasia que já está perto. Mas com essas coisas todas acontecendo... Tatiana – Por que será que a gente só promete o que não pode cumprir? Eu mesma já prometi tantas vezes acabar com esse sofrimento! Vera – Bom, tirando isso tudo, quais são as novidades? Tatiana – (Enfática) Todas péssimas. Carolina – Agora eu vou ser obrigada a concordar com ela. Vera – É a escola nova? Carolina – O que mais poderia ser? Está tudo um saco, eu simplesmente odeio ter que ir pra aquela escola. Minhas notas são as piores possíveis. Me dei muito mal em matemática. Tatiana - Que injustiça! Carolina - Eu odeio aquele professor. Odeio. Com todas as minhas forças. E não gosto também da galera. As meninas, vivem me perguntando: Por que você não dá um jeito nesse cabelo? Você devia se cuidar mais, alisar o cabelo para ficar mais bonita. Como se pra ficar bonita eu precisasse ficar igual a elas! E os meninos? Quando acaba a aula, eu sacudo meu cabelo, e cai um monte de bolinha, que os imbecis ficam jogando durante a aula. Eu finjo que não ligo, mas me sinto péssima. Tatiana – Eu também! Vera – Pede pro teu pai te mudar de escola de novo. Carolina – Já pedi, mas não adianta. Ele diz que com o tempo eu me acostumo, faço amizade. Que o ensino de lá é melhor, essas coisas. Vera – Então o jeito é estudar, tomar aula de banca. Fazer o quê? O mundo é injusto. Tatiana – Injustíssimo! Vera - Sabem o que está me deixando ainda mais arrasada? Além de tudo isso que aconteceu comigo, meu irmão resolveu que vai morar na Itália no início do ano. Vai estudar artes plásticas. Não vou ter mais ninguém pra conversar lá em casa.

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Tatiana – É, amiga! Agora sim eu tenho certeza de que a vida é injusta. Seu irmão, que é um cara legal, vai morar longe. Mas a minha irmã, que inferniza a minha vida continua lá, dividindo o quarto comigo! Eu quero morrer! Carolina (Impaciente) Ai, meu Deus, que ladainha! Tati, se você não quer contar logo o que aconteceu, fica quietinha! Vera – Do jeito que ela está, não precisa nem dizer o assunto. (Faz um gesto, imitando o Cabeleira) Tatiana – Eu digo! É que está doendo tanto! (Pequena pausa) Eu fui no luau dos surfistas, para encontrar o Belera. Vocês sabem que eu fiz amizade com umas meninas lá na praia e agora elas estão me dando a maior força, disseram até que ele perguntou se eu ia. Pois então. Preparemse para a cena de novela. E desde já fiquem sabendo de uma coisa: O mundo lá fora é uma selva. E nós que somos amigas, temos que nos unir. Sempre. Mudança de luz. As meninas se viram para Tatiana, com a pipoca na mão, como se fossem assistir um filme. Música de fundo. . Tatiana – Lá estava eu no luau dos surfistas. Até as gírias eu aprendi pra ficar mais entrosada com a galera. Estava ansiosa, na expectativa...Até que finalmente...Ele apareceu. (Música de Bob Marley. Aparece a imagem do Belera na tv, lindo andando em direção a alguém, com um olhar sedutor) De repente, eu percebi que ele vinha na minha direção! Eu não estava acreditando que era verdade, estava quase explodindo de tanta emoção! Ele ia se aproximando, vindo com aquele sorriso, aquele olhar de apaixonado...Até que...(A imagem de Belera congela. Cai do teto uma enorme boneca com um cabelão loiro na frente de Tatiana) Aquela loira apareceu na minha frente! Belera agarrou a loira e deu um chupão, assim, na frente de todo mundo. Eu não sabia onde enfiar a minha cara, eu pensava que ele vinha falar comigo!Ai, como eu sou tonta, que vergonha...Que ódio daquela loira nojenta do cabelo liso! Eu não tinha mais forças. Só queria sair dali, chorar. Ou então, simplesmente pegar aquela loira e matar, acabar com ela! (Pega a boneca, e arranca o cabelo com raiva) Arrancar aquele cabelo loiro todo e dar muita porrada!(Tatiana se descontrola, começa a espancar a boneca. Vera e Carolina tentam segurar Tatiana, como se estivessem apartando a briga, mas acabam espancando a boneca também). Tatiana – Sua loira azeda! Carolina (Xingando) – Sua idiota! Burra do cabelo liso! Vera (Xingando) – Sua magra!

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Vão se acalmando. Tatiana – Essa pipoca não me fez muito bem. Vou ao banheiro. (Sai). Carolina – Acho que essa paixão toda de Tati nunca vai acabar. Mas sinceramente...não sei o que ela viu nele. Vera – É...Do jeito que ela vê o Cabeleira, parece que ele é o garoto mais lindo do mundo. (As duas olham para o telão com a imagem do Belera congelada. Essa imagem some, e aparece a imagem de um garoto magrinho, sem graça, com o cabelo todo desgrenhado). Vera – Agora está melhor. Carolina – Agora está condizendo com a realidade. Música de Bob Marley. CENA 11 Elas voltam aos trinta, cantarolando a música, divertidas. Carolina – Você era dramática, Tati! Tatiana – Era? Acho que ainda sou. Meu marido vive me chamando de descompensada hormonal. Diz que quando estou de TPM, ninguém me agüenta. Essas coisas... Vera – Marido exagera. Tatiana – Mas no caso dele, acho que não. Eu admito que sou trágica. Carolina – Sim, Tati! Fale mais sobre seu marido, sua família. São quantos filhos, mesmo? Tatiana olha pra Vera, tentando buscar coragem. Muda de assunto) Tatiana – Fala de você primeiro! Você tá tão bem! E marido, namorado? Carolina – Me casei duas vezes. Agora tô casada...mas morando em casas separadas. Só assim pra dar certo. Bom, pra falar a verdade, eu moro aqui e ele em Curitiba. Com essa distância dá mais certo ainda! Tatiana – Como foi que você decidiu trabalhar com teatro? Carolina – Foi por acaso. Você sabe que eu nunca tive esses romantismos. Não era meu sonho. Mas as coisas foram acontecendo, as oportunidades aparecendo. E eu tô aqui. Tô bem. Me encontrei na profissão, adoro que eu faço. Tatiana – Ai, que bom a gente aqui, né? Esse reencontro! Vocês lembram que eram brigadas? Eu nem lembro direito.

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Carolina – É, eu também não! (Vera e Carol se olham. Tatiana faz um sinal e olham pra TV. É a tv agora que vai contar essa história) CENA 12 Esta cena se passa no tv. Tatiana e Vera estão na porta da casa onde se passou a festa.Vera está mal humorada. Tatiana (Esperançosa) – Você acha que ele gostou do cartão? Vera – Não prestei atenção na cara dele. Mas deve ter gostado. Tatiana – Ai! Algo está acontecendo aqui dentro de mim. Acho que não vou agüentar chegar em casa! Vera – Segura aí, Tati, que agora não é hora nem lugar pra isso! (Pequena pausa) Que saco! Cadê meu irmão que não chega! Tô louca pra chegar em casa, tirar essa roupa apertada! (Irritada) E Carolina, cadê? Hoje ela resolveu ficar de papo com todo mundo, se achando o máximo! Você viu o tempo que ela ficou conversando, dançando com o Barbosa? Tatiana – (Sem perceber o ciúme da outra) Ela tava feliz de encontrar de novo a galera. Carol vive maldizendo a escola nova. Ai, que dor de barriga! Vera – Eu te avisei que era pra tomar o remédio de manhã, que ele demora de fazer efeito. (Disfarçando a irritação) Vocês me deixaram sozinha um tempão. Tatiana – Você ficou parada porque quis. O pessoal cansou de te chamar. Chega Carol, muito animada. Carolina – Que bom! Pensei que vocês já estavam no carro, só me esperando. A galera não queria deixar eu ir embora! Vera – Se meu irmão já tivesse chegado, eu já tinha ido embora mesmo. Tatiana – (Em desespero) E se ele não chegar agora eu vou ter que entrar na festa de novo. Ai, uma revolução está acontecendo aqui dentro! Carolina – (Divertida) Agüenta firme, amiga! Não vai pegar bem você entrar lá de novo só pra ir no banheiro! (Silêncio. Tatiana olha pra um lado, pra outro, fica aflita, e acaba correndo pra dentro da casa de novo. Vera e Carolina ficam em silêncio. As imagens acabam, elas começam a cena ao vivo, como se estivessem chegando em casa. Tatiana passa correndo em direção ao banheiro). Carolina – Minhas pernas estão doendo de tanto pular! Vocês viram a hora em que/ Vera – É. Você pulou tanto que esqueceu que eu fiquei sozinha lá na mesa.

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Carolina – Mas por que ficou sozinha? Você tem perna pra pular também! Vera – Eu prefiro me comportar melhor. Ficou todo mundo olhando pra você. Depois as pessoas ficam falando... Carolina – Falando o quê? Tá maluca? Que eu dancei, conversei com a galera que estudou comigo e que estava com saudade? O que tem isso demais? Vera – Nada. Só que você ficou agarrando todo mundo...Você sabe como os meninos são maldosos... Parecia que você estava dando bola. O jeito que você ficou conversando com o Barbosa, aquele tempo todo. Carolina – Que nada! Eu estava me divertindo. Quem é meu amigo sabe. Vera – (Despeitada) Eu sei é que as pessoas vão ficar falando e você deu motivo. E eu não gosto que você se comporte assim quando está comigo. Carolina – Oxente, Vera! Nem minha mãe fala assim comigo, qualé? Vera - Pois é. Você adora um showzinho, não é? Acha o máximo ficar chamando a atenção de todo mundo. Pra mim isso tem outro nome. Carolina – (Irritada) Que nome? Vera – Você sabe. Eu não vou falar. Carolina – Eu sei que nome é esse, minha filha. Dor de cotovelo! Vera - Não é dor de cotovelo, não. É galinhagem mesmo. Carolina – (Ofendida) Quem é você pra falar comigo assim? Eu me comporto do jeito que eu quiser! Vera – Tá bom. Quer ser ridícula, ficar com fama de atirada...Problema seu. Carolina – Ridícula? Eu? E você que fica sentada o tempo todo, sem querer dançar, conversar, só pra não levantar da mesa e os outros repararem como você está gorda? Pra mim isso é ser ridículo. Tatiana entrando. Tatiana – (Arrasada) Ridículo??? Ridículo é essa noite, que eu esperei tanto, acabar dessa maneira trágica! Vocês aí brigando e eu com dor de barriga. E o pior eu ainda não contei pra vocês! Vocês acreditam que (Pausa) Ai! (Sai correndo de novo pro banheiro. Vera e Carolina vão tirando a fantasia em silêncio). Carolina – (Provocando, pirraça de criança)A festa pra mim foi ótima. Dancei com um monte de gente, fiquei conversando com meus amigos, me diverti e ri muito. Vera – Eu também. E nem por isso fiquei dando mole pra festa inteira.

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Carolina – Falou a certinha. A que faz tudo direitinho! Se enxerga! Vamos analisar a Verinha se divertindo numa festa: ou está sempre ocupada na mesa de docinhos, querendo descobrir qual deles é o mais gostoso, ou está se sentindo gorda e culpada porque comeu docinhos demais, e prefere ficar escondida sentada na mesa. É assim que você se diverte! Tatiana – (Fora de cena) Eu estou passando mal! Vera – Você está falando isso só porque eu te critiquei. Carolina – E por que você está pegando no meu pé? O que foi que eu te fiz? Vera – Você não pode ser contrariada que já faz logo uma cena? Eu nunca posso dizer o que acho pra você? Carolina – (Na defensiva)Eu detesto que me digam o que eu tenho que fazer. Eu sou o que sou e pronto. É melhor ser assim do que ficar se fingindo de santinha o tempo todo. Vera – (Transtornada, grande confusão de sentimentos) Cala a boca, garota. Você são sa/ Carolina – (Irônica)A bailarina maravilhosa, que tem o irmão perfeito. O irmão que deixa a gente na rua esperando um tempão e ainda por cima chega todo alegre, de pileque! Vera – Cala a boca! Carolina - É melhor Verinha se olhar no espelho mais vezes...E levar sua família junt/ (Vera subitamente agarra Carolina, e para tapar a sua boca, dá um beijo nela. Elas se afastam assustadas. Vera está muito confusa) Tatiana – (Depois de ma pausa, fora de cena) Não exagera, Carolina! O irmão dela é super legal. Todo mundo adora ele! Vera – (Confusa) Deixa ela, Tati! Essa garota só fala besteira. Se você não sabe ouvir, eu não vou mais gastar meu tempo com você. (Carol fica olhando para Vera assustada) Tatiana (Entrando, péssima) Gente, pelo amor de Deus! A gente esperou tanto por esse dia pra ele acabar assim! Como vocês são egoístas! Eu estou precisando de ombros amigos! Vários ombros! Estava toda esperançosa de que hoje eu ia ficar com o Belera! No início da festa ele não me dá a menor bola. Eu demoro um tempão pra conseguir entregar o cartão pra ele, e vou embora. Até que me dá vontade de ir no banheiro e eu entro de novo na festa. Aí, eu vejo ele vindo na minha direção, ele me puxa pra dançar, e eu tenho que dizer que não quero, e sair correndo pra ir no banheiro! Eu não estou acreditando que não dancei com o Belera por causa de uma dor de barriga! Vera – É. Essa festa foi fracasso pra gente.

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Carolina – Pra mim poderia não ter sido. Mas vocês conseguiram estragar tudo. CENA 13 Aos trinta. Carol e Vera se olhando. Tatiana – Que bobagem, né? Até hoje eu não sei por que vocês deram tanta importância. Uma briguinha de criança! Carolina – (Com um olhar simpático pra Vera. Leveza) É mesmo. Uma grande bobagem. Mas agora é sua vez, Tati. Fala de você. Continua dramática? Tatiana – Totalmente. Meu marido que o diga! Carolina – São quantos filhos, mesmo? Tatiana olha pra Vera, tentando buscar coragem. Tatiana – São dois. Um menino de seis anos e uma menina de três. Pois é. Eu queria mesmo falar disso com você... Carolina – Como assim? Tatiana – (Sem jeito) E a voz? Lembra? Você continuou tendo contato com ele? Carolina – A voz? Nossa...Acho que conversei com Marcelo uns dois anos direto, mas nunca tive coragem de encontrar com ele pessoalmente. Aí, fui parando de ligar... Fui perdendo o interesse...Arrumei namorado de carne e osso. Mas sabe que até hoje fico imaginando como seria se a gente tivesse se encontrado e acho isso ótimo. A melhor coisa que eu fiz foi não ter me encontrado com ele. Assim, ele faz parte das minhas fantasias até hoje. Tatiana – (Meio enciumada) Faz parte, é? Carolina – Com certeza! A gente se falou por muito tempo...Eu sei segredos dele, ele sabe segredos meus...coisas que eu não contava nem pra vocês! Eu tinha coragem de falar tudo pra ele! Ele me aconselhava...foi meu amigo, e alguém que eu amei muito. Mesmo sem conhecer pessoalmente! Tatiana – Ah, é? (Interessada) Que segredos você sabe dele? (Vera faz sinal, para ela parar) Carolina – Vários! Mas acho que ele inventava algumas coisas, né? Eu inventava um monte! Falando com ele, eu era outra pessoa! Até hoje eu fico imaginando que eu posso de repente, passar por ele na rua e nem me tocar...Isso é muito legal! Tatiana – (Consigo mesma) Quer dizer então que ele inventava... Carolina – Mas você estava falando da sua família.

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Tatiana – Então. Era isso mesmo que eu queria dizer...É que você sabe que eu sempre fui curiosa, né? Você lembra que me deu o telefone dele uma vez, né? Bom, aí um dia, eu não agüentei de curiosidade, e liguei. Eu tentei dizer que era você, mas ele já conhecia muito bem sua voz. Eu disse que era sua amiga...E ele disse que você nunca mais tinha ligado. Então eu achei que não tinha problema me encontrar com ele, já que você não ligava mais. Aí...A gente se encontrou... E estamos juntos até hoje. Carolina – (Perplexa) Peraí! A voz é seu marido? Não acredito! Você me roubou o namorado de fantasia! Tatiana – Você não...não leva a mal, né? Carolina – Você ligou pra ele! Tentou se passar por mim! Tatiana – Foi curiosidade boba. Como é que eu ia imaginar que ia ficar sério? Carolina – Ele era uma lembrança só minha. Eu...Até isso eu vou ter que dividir com vocês? Vera – Me tire dessa, que eu só soube disso muito depois. Tatiana – Você nem ligava mais pra ele. Ele me disse. E você disse agora que não dava mais importância! Carolina – Eu não dou importância. Mas...Poxa. Você ligou pra ele. Marcou encontro com ele. Eu não acredito. Tatiana – A gente não podia imaginar. Carolina – Eu sei. Bom, mas eu também não vou desfazer um casamento por causa disso, né? Eu só estou surpresa, com essa história! Tatiana – Eu tenho uma foto dele aqui. Quer ver? Carolina – Ah, não! Não quero! Tatiana (Insistindo) Por favor! Carolina - Não...vai estragar tudo... Tatiana – Que nada! Acho que ele ficaria felicíssimo de conhecê-la! A gente podia marcar. (Mostra a foto) Carolina – (Olhando a foto) Nossa! Ele é completamente diferente do que eu imaginava! Desculpe, mas eu preferia ficar com a imaginação! Eu acho que você continua enxergando mal os seus parceiros (Vera e Carolina riem) Tatiana - Mal nada! Ele é lindo! Carolina – Nunca pensei que você fosse me dizer uma coisa dessas! Estou boba até agora. Tatiana – Pois é...E ainda tem tanta coisa pra relembrar...

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Carolina – Eu me lembro que vocês passaram um tempão curtindo com a minha cara quando eu confessei que meu primeiro beijo foi com quinze anos! Imagine se eu contasse que foi nesse mesmo ano que eu menstruei! Vera – É! Ainda bem que você não contou! (Pequena pausa) E Barbosa, você lembra dele? Carolina – Lembro, claro! Mas não faço idéia do que aconteceu com ele. Vera – Que pena. Tatiana – Precisamos marcar isso mais vezes, manter contato! Vera – É...Sabe, que agora eu estou me dando conta de uma coisa? Quando eu me lembro de qualquer

fato

da

minha

adolescência,

coisas

alegres,

coisas

tristes,

decepções,

realizações...Vocês estão presentes em todos os momentos. Eu sempre vou acabar me lembrando de vocês... Tatiana - A gente não se livra mais uma da outra! (Se aproximam. Se olham com carinho. Olham pra tv e assistem uma lembrança comum às três personagens. CENA 14 As três, aos quinze, na praia. Carolina – (Para Tatiana) Engole esse choro, menina! Que saco! Pra que se descabelar tanto por esse Cabeleira? Tatiana – Você não entende. Dói! Dói muito! Você só vai entender no dia em que acontecer com você. Carolina – Deus me livre de ficar abestalhada que nem você. Tatiana – Essas bolinhas da areia...Parecem a sardinhas dele! Vera – Isso já está virando doença! Tatiana – Olha ele lá! (Nesse momento começa a tocar em algum som próximo da praia, a música de Bob Marley) Não é possível! Olha a música! É só ele aparecer na minha frente que eu ouço essa música! Isso é uma sina! Carolina – Sina sua e minha de ter que ficar ouvindo suas bobagens. Tatiana – Você não é minha amiga! Não tem a menor paciência comigo. Vera – Aí é que você se engana! Só sendo muito amiga, pra agüentar essa choradeira...Olha! Não é a Déa ali? (Chamando) Déa! Chega aí! (Déa chega perto, mas a câmera não pega o rosto dela. No máximo as pernas ou os braços) Déa – Oi!

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Carolina – Pensei que você não viesse mais. Déa – Vim só pra dizer que eu não venho. Não vou ficar, não. É que eu odeio sol. E aí? Como está lá no colégio que você odeia? Carolina – Tentando parar de odiar. Eu estou me esforçando. Agora vai ter um curso de teatro lá. Estou empolgada. Acho que vai ser legal. Déa – Bom, eu odeio teatro. Mas você sempre se deu bem nas apresentações da escola! Só não esqueça da gente. E você, Tati? Tá chorando? Vera – Adivinha por que? Déa – O Cabeçudo? Depois vocês ficam dizendo que sou eu que gosto do que não presta! Nada como o tempo, Tatiana! Vocês já imaginaram a gente daqui a alguns anos? Tatiana - A gente vai morar juntas, num apartamento bem grande! Carolina – Os móveis daquela loja que a gente viu no shopping aquele dia! Vera – Ih! Que chique! Eu, uma bailarina bem famosa. Carol vai ser cientista! Ou então escritora. E Tati...O que você quer ser Tati? Tatiana – Não sei...Mas vou morar com vocês! Fim da cena na tv. CENA 15 Toca o celular de Tatiana. Tatiana – (Atende) Alô. Oi, amor. (Faz sinal para Carolina) É a voz! (Elas riem) Estou na casa de Vera. (Carolina estranha, até agora ela achava que estava na casa de Tatiana) Agora? Que saco, Marcelo! Por que você não me avisou antes? Tá bom, tá bom! Estou indo. Tchau. (Desliga) Não queira conhecer esse lado de Marcelo mesmo, não! Ele ficou de pegar os meninos na casa de minha mãe, e me liga em cima da hora dizendo que está na Fonte Nova, num jogo imperdível, ou seja, sobrou pra mim. Vou ter que ir, amigas. Que pena... Carolina – Peraí! Você me disse que sua casa era aqui. Não é mais? Tatiana – Ah! Carol, desculpe. Eu disse, porque eu fiquei com receio de você não querer ver Vera e vice versa. Bom, eu não sei se vocês lembram, mas vocês eram brigadas. Agora, falem a verdade: Eu fiz uma boa ação, não fiz? Carolina – (Sorrindo) Nisso você não mudou. 44


Tatiana – (Sorrindo) Eu tenho que ir agora, não posso deixar meus bichinhos esperando. (Abraçando Carolina) Foi maravilhoso rever você. Por favor, vá conhecer minha casa verdadeira. Vamos continuar nos vendo. Carolina – Claro! A gente se fala. Tatiana – Só mais uma coisinha...Você sabe segredos do Marcelo mesmo? Carolina (Rindo) - Opa! Não me comprometa! Tatiana – Bom, depois eu penso numa maneira de fazer você contar! (Para Vera) Eu não disse que ia ser bom? Vera - (Abraçando Tatiana) Obrigada. Tatiana sai.Vera e Carolina ficam sozinhas. Constrangimento. Carolina – Acho que acabamos atrapalhando seu dia, né? Vera – Não! Foi bom. Eu..eu gostei da visita. Carolina – Vamos tentar manter contato (pegando a bolsa) Vera – Claro. Olha, eu...Sabe, eu lembro daquele dia em que a gente estava se arrumando festa. Aquela festa a fantasia. Eu estava me sentindo horrorosa, péssima. Mas a gente falou sobre coisas legais. Eu acho engraçado quando lembro da minha reação, quando vocês falaram da amizade, do amor...Na verdade eu nunca soube me comportar direito com demonstrações de afeto. Carolina – E eu nunca entendi direito sua implicância comigo naquele dia. Pensei várias coisas. Eu quis falar com você, explicar. Mas nunca tive coragem. Eu não sabi/ Vera – Durante todo esse tempo que nos afastamos, eu confesso não ter guardado uma lembrança muito positiva de você. Sabe quando a gente deixa de gostar de alguém e nem lembra qual foi o motivo? Hoje eu lembrei e agora acho tudo tão sem importância. Carolina - Aos quinze tudo parecia ser muito maior. E hoje a gente está aqui, rindo disso tudo. Vera - É uma oportunidade única. A gente tem tantas relações descartáveis pela vida. Tanta gente que eu conheci...Achava que nunca ia acabar. Mas acaba. As pessoas vão embora, e a gente perde a oportunidade de dizer um monte de coisas. Coisa boas e ruins! Eu perdi. Várias.

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Carolina – O importante é lembrar, aprender com isso. É muito comum você conhecer alguém, ter uma afinidade temporária. Depois, o que liga você e essa pessoa acaba. E o afastamento é inevitável. Quando você a encontra, já não é mais a mesma coisa. Pode até ser que o carinho fique, a saudade. Você olha pra pessoa e não encontra mais aquela de antes. (Elas se olham) Tem coisas que não precisam ser ditas. Vera – Pode ser. Mas quando perdi meu irmão, eu tive essa sensação. Sabe, eu falava dele toda hora, vocês ficavam até enjoadas. Eu queria imitá-lo em tudo. Mas pra ele, eu nunca disse. Nunca disse: eu te amo... Não deu tempo. Eu nem me toquei. Carolina - (Sorrindo) Há uns meses atrás, eu recebi um telefonema do nada. Quando atendi, a voz do outro lado me disse: É o Maninho. Um menino que conheci quando fui morar em São Paulo. A gente era unha e carne, se tratava como irmão. Pois é, eu voltei pra cá, a gente perdeu o contato e nunca mais eu soube dele. E de repente ele me liga, do nada! Disse que teve o maior trabalho para conseguir meu telefone, e eu não falava com ele há, no mínimo, sete anos. Acho até que ele estranhou a minha falta de entusiasmo, mas na verdade, eu fiquei meio fora do ar. Até hoje eu tenho a sensação de ter viajado no tempo por causa desse telefonema, para um mundo que não tem absolutamente nada a ver com a minha vida de hoje. Conversamos. Trocamos alguns e-mails. Depois o tempo passou e ele não ligou mais. Eu continuei seguindo minha vida, sem o menor abalo. De vez em quando eu lembro, penso em ligar, mas nunca ligo. Eu acho que nunca mais vou falar com ele. Não sei o que me impede, mas é exatamente assim que acontece. Vera – É. É exatamente assim. (Pequena pausa) Carolina – Mas se naquela época, eu tivesse entendido o seu mau humor naquela festa, eu juro qu/ Vera – Isso não tem a menor importância Eu nem lembro mais.(Simpática) .Olha, quero que você me ligue pra me dizer o dia da estréia da sua peça. Ainda quero ver você na Globo, hein? Carolina - Vou deixar meu telefone. Me ligue! Vera – Vou ligar! (Carol se levanta para ir embora) Espera mais um pouquinho. Eu queria te mostrar uma coisa. É um segundo, eu já volto. (Sai. Carol anda pela casa, começa a cantarolar “As quatro estações”. Depois de um tempo, Vera volta com uma caixa. Ela fica observando Carol por um tempo, sem que a outra a veja. Depois começa a cantar a música junto com ela. Só aí, Carol percebe a presença de Vera).

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Vera – Algumas coisas não mudam. A gente ainda tem uma música em comum! (Pausa. Vera, um pouco constrangida) Essa caixa tem umas coisas daquela época, que eu nunca tive coragem de me desfazer. Olha, a minha agenda! Carolina (Rindo) Eu achava agenda um saco! Vera – Aqui. Era isso que eu queira te dar. (Mostra a foto 3x4 de Carol) Carolina (Emocionada) Você guardou minha foto...(Olha atrás da foto. Lê) Pra não esquecer de mim. (Elas se olham) Vera – Eu achei um dia desses... Quando olhei pra esse 3x4 não acreditei que já tinha passado tanto tempo. Acho que você gostaria de ficar com ele. Carolina – Não. Se você não se desfez até hoje...Deixa essa foto ai, na sua caixa! Vera – Obrigada. Carolina – Vou indo. Foi ótimo rever você. (Elas se abraçam, meio constrangidas num primeiro momento. Depois com sinceridade) Tchau. Tudo de bom. Não esquece de me ligar!(Sai) Vera – Vou ligar, sim. Muito sucesso pra você. Vera olha o cartão com o telefone de Carolina e a foto dela. Anda pela sala cantarolando “Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar...”. Joga o cartão e a foto dentro de sua caixa do passado, sem a menor convicção de que vai ligar. Vera começa a ensaiar uns passos de balé, se lembrando aos poucos. A luz vai mudando, e uma música surge de longe, mas aos poucos vai se tornando intensa, na medida em que Vera se lembra dos passos. Foco em Vera, ela está dançando lindamente, rememorando sua maior paixão na adolescência. No auge da dança o telefone toca. Volta brusca à realidade. Vera – Alô. Sei. De novo? Mas isso já foi assinado! Qual é o problema agora? Mas que enrolação pra sair um contrato! Sei...sei... A música vai aumentando e abafando a voz de Vera. Na tv, surge a imagem das três amigas, juntas, aos quinze.

FIM

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