Revista Retalhos

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Edição 001 | Novembro/2016

Cidade Imagem Arte ocupa muros e estimula debate e reflexão

Erudito Apaixonadas, crianças se dedicam à música desde cedo

Humor

Palco

Salão projeta Piracicaba no cenário internacional

Teatro amplia formação cidadã de universitários



{EDITORIAL | EXPEDIENTE}

Olá, Retalhos nasce com a vocação de respirar cultura. Nossa proposta é estimular a reflexão sobre a arte e sua influência no cotidiano e na vida das pessoas. Música, artes plásticas, teatro, literatura, mídia, tecnologia e o humor gráfico são alguns dos temas que estarão presentes em nossas páginas. Os protagonistas das histórias serão sempre os artistas e produtores culturais, as pessoas envolvidas diretamente nos processos e vivências culturais. Um dos temas centrais desta primeira edição é a ocupação do espaço público pela arte. Os objetos são o grafite e a pichação que, ao ganharem os muros, as calçadas, as praças e determinados estabelecimentos, têm sido cruciais como espaço de crítica e estímulo ao debate sobre a atualidade em suas dimensões políticas, sociais e culturais. Estas manifestações artísticas precisam ser analisadas sob pontos de vista histórico, profissional e sobretudo social. Nossa revista também apresentará, a cada mês, um conjunto de seções fixas como Artigo, Cinema, Crônica, Galeria, Ensaio Fotográfico e Entrevista. São espaços voltados a provocar no leitor reflexão sobre a importância de ações artísticas e culturais como formas de expressão social, escolha profissional e divertimento.

Nesta edição, o entrevistado é o doutor em educação Camilo Riani, que além de discutir o papel da arte no espaço público, aborda a tese “Caricatas: arte-rosto- humor-experiência”, que defendeu recentemente e é inovadora em seu conteúdo e forma. A dica de filme é “Metrópolis”, que retrata a realidade urbana caótica imaginada para o ano de 2026. A crônica “Sessão da Tarde”, do jornalista Gabriel Louback, nos fala sobre situações vivenciadas pelo autor e a importância de não desperdiçar o tempo e a vida. A galeria abre espaço a uma arte pouco valorizada no país por meio do trabalho realizado pela artista plástica piracicabana Laís D’Oliveira, enquanto o ensaio fotográfico apresenta o registro de momentos do cotidiano nas ruas da cidade. O artigo, escrito por Alexandre Bragion, aborda como a arte e as áreas do conhecimento, em especial a literatura, vêm se modificando nos dias atuais. Para isso, o autor comenta a entrega do prêmio Nobel de Literatura deste ano ao cantor Bob Dylan. O compromisso principal de Retalhos é oferecer ao leitor uma aproximação com o universo cultural atual, não restrito apenas ao entretenimento, mas com foco na arte e na cultura num conceito amplo, que considera a relação do homem com o seu espaço e tempo.

EXPEDIENTE | RETALHOS

Revista realizada como Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo da UNIMEP Universidade Metodista de Piracicaba

Redação

Alessandra Postali | afpostali@gmail.com Amanda C. Conceição | amanda.00acc@gmail.com Ana Carolina Brunelli | cabrunelli22@gmail.com Arlete Moraes | armantunesmoraes@gmail.com Kamila Vallis | kamilavferraz@gmail.com

Foto de capa

Orientação e Supervisão

André Covolan | andrecovolan.contato@gmail.com

Paulo Roberto Botão | ptbotao@unimep.br

Edenilson Toledo | edenilson.weiser@gmail.com Fábio Carvalho | fabioc@outlook.com.br Lucas Marciano | lmarciano32@gmail.com Kamila Vallis | kamilavferraz@gmail.com Amanda C. Conceição | amanda.00acc@gmail.com

Telefone (19) 3124-1677 fci@unimep.br

Projeto gráfico e editoração

Contato do Curso de Jornalismo

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{SÚMARIO}

08 06 Carta do Leitor 07 Crônica 08 Grafite

Arte ocupa as ruas e é usada como canal de reflexão e protesto

13 Entrevista

O pesquisador e caricaturista Camilo Riani discute a arte e seus aspectos sociais

18 Reportagem

No mapa do humor: Criado há 43 anos, Salão Internacional de Humor de Piracicaba é referência no mundo

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13 22 Reportagem Começar cedo: Paixão pela música erudita atrai crianças, que não se assustam com o trabalho e disciplina necessários

26 Reportagem

Literatura em vídeo: Leitores ocupam Youtube e criam canais para difusão de obras

28 Galeria

30 Feminismo Debate cresce no interior de São Paulo, com força de projetos engajados


{SÚMARIO}

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30 34 Perfil

50 Reportagem

Ivan Dominicano, o bailarino piracicabano que conquistou seu espaço no mundo da dança

Making Off: Jornalismo e design a serviço da cultura

38 Reportagem

Vejo, Logo fotografo: Instagram muda parâmetros e amplia hábito de fotografar

42 Ensaio Fotográfico

52 Cinema 53 Artigo 54 Poesia

46 Reportagem Arte na Universidade: Teatro e música integram a vivência de muitos estudantes, ampliam a percepção e desenvolvem habilidades comunicativas

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{CARTA DO LEITOR}

CARTAS Nesta primeira edição, Retalhos não poderia, obviamente, já ter recebido cartas dos seus leitores. Sendo assim, para inaugurarmos este espaço, convidamos alguns dos artistas que foram fontes de informação das nossas reportagens a nos encaminharem uma breve saudação. Nas próximas edições este espaço estará aberto a comentários, críticas e sugestões, que podem ser encaminhados para retalhos.contato@gmail.com Revista Retalhos - Editores

Parabéns aos produtores desta revista cultural. Em tempos sombrios em que estamos (re)vivendo uma sociedade patética apoiando a repressão policial aos movimentos sociais, estudantis e cultural é de suma importância a existência de canais como este divulgando e disseminando o verdadeiro papel da arte como fomentadora do pensamento crítico. Vida longa a esses novos jornalistas! Antônio da Silva coordenador dos grupos de teatro da Unimep e ator Gostaria de agradecer o convite da Revista Retalhos e por abrir espaço para algo que é tão pouco valorizado no nosso país, a Arte. Desejo que essa edição seja a primeira de muitas outras. Laís D’Oliveira artista visual Ouvir, ver e principalmente falar de música. Trazer com serenidade essa tão importante arte para a vida do leitor. Vida longa à revista Retalhos. Rodrigo Muller maestro da Orquestra Sinfônica de Limeira e professor da Escola Livre de Música

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Arte + cultura + vontade de pensar: é disto que a sociedade precisa - cada vez mais - em tempos de retrocesso, como o que vivemos. Por isso, 'RETALHOS' é uma luz... Não aquelas do fim do túnel, mas aquelas que trazem o próprio túnel à luz! Vida longa à arte, à cultura, ao fim da 'preguiça intelectual, à recém-nascida (e já tão bela) 'RETALHOS'! Camilo Floriano Riani Costa artista gráfico, caricaturista, pesquisador e professor universitário. Acho importante a imersão na cena cultural local que a revista traz. Vejo cada vez mais coletivos e eventos de arte independentes surgindo em nossa região. Em tempos onde o Papa tem mais espírito revolucionário do que muitos jovens, é imprescindível a união e a divulgação de ideias, e mais ainda, o apoio às vozes oprimidas. Que a revista fomente bastante o caos e a subversão. Leonardo Smania grafiteiro e artista plástico


{CRÔNICA}

Sessão da tarde Gabriel Louback A sessão é às 15h30, em plena terça-feira. Só frequentam o cinema nesse horário, no meio da semana, certos tipos de pessoas e eu sou uma delas. Os lugares são marcados, o que, para mim, é um avanço tão grande na sociedade quanto o domínio da agricultura. Mesmo assim, gosto de chegar 5 a 10 minutos antes, quero ver os trailers. Estou lá sentado, esperando os trailers, quando entra o grupinho conhecido: barulhento, dando risada alto, derrubando pipoca por onde passa. Fecho os olhos e peço a Charles Chaplin que eles não sentem na minha frente. Minha prece é ouvida, mas o Chaplin é da comédia: eles sentam atrás de mim. Até todos se acomodarem, minha poltrona é empurrada e chutada mais vezes do que um cara de 1,90m sentado atrás de mim em um Uno. Detalhe: também tenho 1,90m. As pessoas do grupo sacam seus iPhones e é flash pra tudo quanto é lado. É selfie, foto fazendo careta, jogando pipoca pro alto, fazendo bolha com o refrigerante e por aí vai. As luzes então começam a se apagar. Minha esperança que se acalmem é vã: passam do falar alto aos gritos e gargalhadas. Chegam mais três e, claro, eles gritam e chamam atenção como se fossem o Pedro de Lara entrando no show de calouros.

Penso que os trailers vão dar aquele tempinho necessário para os ânimos relaxarem, mas o filme começa, assim, logo de cara. (Nota: lembrar de reclamar ao cinema que é um absurdo não exibir mais os trailers como antigamente). O filme começa e vem aquela sensação de que tudo vai se acalmar, mas fico só na sensação. Risos e comentários em voz alta a cada corte de cena. Estou no auge de não aguentar mais. Não grito, não levanto a voz, nem me levanto da poltrona, apenas me viro: “Oi, olha, eu sei que todos temos a tarde livre, mas eu tô tentando ver o filme, e vocês estão atrapalhando. Muito. Tá chegando ao desrespeito. Será que vocês conseguem curtir sem incomodar as outras nove pessoas no cinema?” Silêncio. Ninguém fala comigo. Um deles, com idade para ser meu avô, vira para o amigo ao lado: “Nossa, que rabugento, né? Se é assim agora, imagina quando ficar velho que nem a gente”. Inspiro. Expiro. Inspiro. Me viro para trás, novamente: “Olha, com toda a sinceridade, quando chegar à sua idade espero... bem, espero estar me divertindo como o senhor”. Viro pra frente, tentando aproveitar o filme, mas pensando que deveria aproveitar mais a vida.

7 Ilustração: Camila Moura


8 Foto: Nickoly Oliveira


{CAPA}

Cidade imagem As pichações e o grafite ocupam as cidades e mostram a arte como forma de reflexão e protesto Kamila Vallis A pichação e o grafite ocupam de modo crescente as cidades brasileiras. As manifestações incluem reivindicações políticas, mas também tratam de questões ligadas ao cotidiano da sociedade, que por meio da arte expressa os desafios do mundo contemporâneo. A arte nos muros e paredes de prédios públicos e privados sempre existiu, desde as cavernas pré-históricas, passando pelas antigas cidades romanas, até as cidades modernas. As pinturas rupestres são os primeiros sinais da arte deixada pelo homem em rochas e possuíam uma forma de linguagem simbólica própria e de comunicação com os demais, assim como hoje. O ressurgimento significativo dessa manifestação artística aconteceu entre as décadas de 1960 e 1970, quando jovens de Nova York começaram a deixar suas marcas em manifestações de protesto. No Brasil, assim como na Europa, o grafite eclodiu há cerca de 50 anos, sendo usado como arte transgressora que exprimia o incômodo com a experiência no regime militar. Aqui se institui, então, como protesto cultural, político, transgressor e estético. Na Europa e nos Estados Unidos, o termo grafite é atribuído a toda escrita urbana, de rabiscos em metrôs e banheiros, a nomes de gangues e tags – que são assinaturas em spray dos writers (escritores de rua). No Brasil, há uma diferença entre as atividades de grafite e de pichação. O grafite pode ser encarado tanto como uma "pichação evoluída" quanto como um gênero da expressão estética sem territórios predeterminados e que não exclui a pichação, mas que pode se

diferenciar dela como prática urbana. Leonardo Smania, 21, grafiteiro e artista plástico, viveu a primeira experiência na área em 2014, quando cursava o seu último ano do curso de Publicidade e Propaganda. No ano seguinte recebeu o convite do iraniano Bahá'í Ramin Shams para participar da campanha internacional "Education is not a crime” (Educação não é crime), em defesa do direito universal de acesso à educação. O artista mora em Americana e seu estilo é conhecido pela retratação realista com cunho político e social. Ele destaca a carência de valores da arte no interior. “Por um lado, aqui a arte ainda carece de muito valor, principalmente de mercado. Por outro, tudo o que fazemos recebe um rápido reconhecimento, como se tivéssemos inovando em quase tudo que fazemos”. Já o artista de Piracicaba, Rafael Corbani, começou na infância. No início, fazia pichações e desenhos do Pernalonga e do Taz Mania - um de deles foi mantido no muro da casa de um amigo. Corbani conta que ao pintar ele tem seu momento de relaxar. “Tem gente que só faz o nome, um desenho específico com algumas variações, mas eu gosto de diversificar bastante”. Em 2003, Corbani se formou em Publicidade e Propaganda e trabalhou por alguns anos em Piracicaba. Morou em Barcelona (Espanha) e em São Paulo e sempre que podia registrava as cidades com seus desenhos. Hoje, em Piracicaba, tem seu e-commerce, que o permite vender spray e artigos de skate pela internet. “É difícil viver apenas de grafite. A arte no Brasil não é valorizada. Dá trabalho, porque você precisa fazer exposição e ter tempo para correr atrás”, conta.

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{CAPA} O jovem estudante de Design Gráfico, Júnior Silva e Nego, conta que conheceu o grafite ainda criança, mas só teve a oportunidade de interagir com ele aos 18 anos. “Foi na minha escola, em Nova Odessa. Os alunos desenhavam no papel e os melhores puderam pintar na parede da escola”, lembra. O grafite também estimula a participação comunitária, como no caso do reparador de carros Adilson de Morais ou Dilsão, 43, um dos responsáveis pela Casa do Hip Hop de Piracicaba, uma associação comunitária que proporciona conexões musicais e artísticas. Morais gosta de criar esculturas reaproveitando materiais que, na maioria das vezes, são descartados, aplicar ‘lambe lambe’ tipográfico (um cartaz de papel colado na rua, geralmente em muros e postes). No entanto, o artista também anda de skate com os filhos e integrantes da Casa do Hip Hop. “O grafite é uma ferramenta muito forte, são os olhos da sociedade. Quando se coloca uma coisa

nova nesses espaços, você muda todo conceito de quem passa por ali e assim se faz sua imagem”, explica. O limeirense Paulo Ricardo da Silva, 29, mais conhecido no meio artístico como Medo, começou no grafite com o estilo Trowup, no qual o artista desenha apenas o contorno das letras. Ele aprimorou seu estilo e hoje faz letras no estilo Wild Style. “Significa estilo selvagem, por conter setas curvas e muitas peças para formar uma palavra. Isso faz com que o grafite se torna quase ilegível”, observa. Atualmente, Medo atua como grafiteiro educador em três projetos sociais. “Desenvolvo atividades sobre as vertentes do grafite, desde a história teórica até a prática, com pinturas em telas e paredes, fazendo com que cada aluno crie seu próprio estilo”. Também trabalha no Projeto Aldeia e ministra aulas de grafite e arte no projeto "Cultura de Paz", além de desenvolver o projeto “Exercendo Nossa Cidadania”, na Fraternidade do Triângulo Ramatis. O

10 Foto: Wellington Arruda


{CAPA} grafiteiro também é integrante de uma Crew e assina, desde 2006, “A3” em seus desenhos. “É a abreviação de Arte, Amor e Amizade. Somos em sete integrantes, representamos a Crew em todos os nossos grafites, em qualquer parte do mundo”, explica. São muitos artistas que começam cedo, como Willian de Abreu, natural de Porto Alegre, que teve a primeira experiência com o grafite aos 11 anos. Há mais de um ano em Piracicaba, Willian foi apelidado de Crespo e agora é um dos seis integrantes da Panico Crew, criada pelos grafiteiros Tom e Ratão. “Durante este período já fizemos diversas artes nos muros de Piracicaba e de Americana”, conta. A palavra “crew” traduzida para o português significa equipe e é nada mais que um grupo de grafiteiros (writers) que se une para formar o seu “coletivo’’. As crews tendem a ter nomes extensos, que são abreviados para siglas, geralmente mantém entre duas a quatro letras. Dessa maneira, em diversas ocasiões são criadas novas definições para o nome de crew e um grafiteiro pode pertencer a diversas crews. O grafite, como qualquer arte, sempre terá um significado e a compreensão será diferente para cada um que observa. Poderá diferir da visão e intenção real do artista. Willian de Abreu, o Crespo, dá uma dica: “Os iniciantes no grafite precisam se manter firmes na caminhada, devem praticar continuamente e tentar sempre estar em contato com o maior número de grafiteiros que puderem. Assim poderão conhecer diferentes pontos de vista, aprender novas técnicas e melhorar o próprio estilo com as críticas construtivas que receberem”. A arte, em si, como linguagem e forma de expressão, desempenha papel fundamental na sociedade. O sociólogo Fernando Calderan explica que “como nos lembra Foucault, a cidade é morta, nós somos a

vida que há nela e, sendo assim, nossas expressões nos realizam enquanto seres humanos produtores de cultura.”.

Pichação

A pichação começou nos EUA e teve destaque no final dos anos 1970. É uma forma de protesto e, no geral. são escritas ou rabiscos, podem conter frases reflexivas, palavrões, nomes ou protestos em fachadas de edificações, monumentos ou asfalto. Utiliza tinta em spray aerossol, dificilmente removível, estêncil ou mesmo rolo de tinta. No Brasil, pichar áreas públicas ou particulares é crime, descrito no Código Penal desde 1998. A lei prevê multa e prisão de três meses a um ano. Além disso, a venda de tinta spray também é proibida a menor de 18 anos. A mesma lei diz que o grafite não é crime, desde que seja autorizado pelo dono do patrimônio. No âmbito jurídico, o ato de pichar é diferente do ato de grafitar no que diz respeito à legalidade. Quando existe autorização para uso de fachada da propriedade privada, a fim de produzir atividade ou permitir que outros a realizem, não configura crime por parte do artista, com excessão dos casos em que ocorre abuso da liberdade de expressão. Ao tratar do espaço público, as leis seguem a mesma linha de pensamento, no sentido da exigência de autorização. Sendo assim, o ditado popular ensina: grafitar pode, pichar não pode. Os pichadores são instigados pela disputa de espaço na cidade e pela adrenalina da violação. A manifestação, sendo assim, é uma forma de protesto silenciosa e pacífica, um efeito colateral de um sistema desigual. Pichar não é como o grafitar, não é colorido, não tem desenhos e muito menos autorização dos donos do muro ou imóveis. Devido a isso é comum haver confusões entre a pichação, arte ou vandalismo. Nos termos sociais a pichação é uma manifestação social urbana, que serve para ajudar a entender o contexto das próprias cidades.

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Foto: Fábio Medeiros

Cidades da região tem normas e políticas diferenciadas A Secretaria de Cultura Esporte e Lazer de Sumaré tem aberto espaço para a arte urbana desde 2015. Paredões, viadutos, pontos de ônibus e muros foram coloridos através do projeto “Arte Urbana” realizado por artistas, oficineiros e grafiteiros de cidade. E o sucesso é tão evidente que, neste ano, Sumaré recebe exposição do projeto “Uso e Desuso”. Já em Nova Odessa, a Secretaria de Cultura possui o projeto “Arte de Coração”, que visa exatamente dar uma projeção maior e mais sistematizada aos artistas que trabalham com grafite. Em Piracicaba, a Semac (Secretaria Municipal de Ação Cultural) dispõe do projeto “Voluntário da Arte”, no qual o artista interessado em ocupar espaços públicos com seus trabalhos como artes plásticas, grafites, esculturas e outras variações pode obter liberação junto ao órgão. Havendo interesse de artistas e comunidades envolvidas, a Semac avalia e cuida das condições burocráticas e os artistas das tintas e mão de obra. A Prefeitura do município de Santa Bárbara d’Oeste instituiu a Lei Municipal

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nº 3.754, de 19 de agosto de 2015, que cria a Semana do Hip Hop, comemorada na segunda quinzena do mês de março, no Dia Internacional de Luta contra a Discriminação Racial, na qual contemplam as atividades da cultura Hip Hop e as atividades com grafite. A Prefeitura de Americana apoia as iniciativas de grafite em espaços públicos e ações organizadas. O município oferece suporte para a referida lei nº 5.591/2013, que institui a semana do Hip Hop na cidade. Sob o contato de diversos representantes legais das comunidades, a prefeitura tem desenvolvido atividades em vários locais do município. Atualmente, a cidade de Limeira não possui um edital específico de incentivo ao grafite, mas na área social o grafite é requisitado pelas comunidades e tem sido amplamente discutido para que seja integrado em oficinas. Tanto que houve ações desenvolvidas nas quais os grafiteiros tiveram seus trabalhos reconhecidos internacionalmente.


{ENTREVISTA}

Lugar de arte é na rua "A arte não tem uma finalidade de ser útil, ela está num outro patamar" Arlete Moraes “Eu acho que, de uma maneira geral, a arte tem que ir para a vida das pessoas e a rua é um lugar excelente”. A afirmação é do artista gráfico, caricaturista, pesquisador e professor universitário, Camilo Floriano Riani Costa, que conquistou mais de cinquenta prêmios nacionais e internacionais no campo das artes visuais, humor e ilustração. Riani, que também é presidente do Salão Universitário de Humor de Piracicaba da Unimep, teve seus trabalhos publicados pelos maiores jornais e revistas do país, realizou trabalhos visuais para TV e ilustrações para dezenas de livros. Doutor em Educação pela Unesp de Rio Claro, o artista acredita que a arte deve ‘inundar’ o espaço público e defende maior empenho do poder público na valorização e preservação da cultura.

13 Foto: Amanda C. Conceição


{ENTREVISTA}

Foto: Amanda C. Conceição

Nos últimos anos tem crescido a mobilização social e a presença de pessoas nas ruas, inclusive as pichações e o grafite. Qual é a importância das intervenções artísticas nos locais públicos das cidades? Eu sou totalmente a favor desta questão da arte. Eu até uso a seguinte expressão: ‘a arte invadir a vida’ ou dependendo de como você quiser interpretar, ‘inundar a vida’, inundar os lugares. Porque isso acontece muito em determinadas países, em determinadas culturas de uma forma, assim, visceral. A arte não é algo que está dentro de um espaço fechado, separado. Ela está em todo lugar. Você está andando na praça e a praça tem arte. Você atravessa a rua e os prédios têm arte, as universidades... Isso ainda é muito raro no Brasil como a gente quer que chegue a ser. É lógico que você tem casos isolados em que isso já acontece como, por exemplo, o grafite. É uma maneira de você levar as artes visuais, as ideias, o próprio conteúdo, o conceito da arte, com as suas propostas, as suas rupturas, com as suas ideias para a rua. O governo Temer anunciou o fim do Ministério da Cultura e depois recuou da decisão, como avalia esta atitude e o futuro das políticas públicas neste campo? Em relação ao Ministério da Cultura, não foi um deslize. Na minha opinião, não foi um deslize do grupo que assumiu o poder. Foi um recado muito claro. O que ele não previu é que traria mais prejuízos para o

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projeto maior deles do que benefícios no curto prazo. Mas o recado é claro: ‘coisas inúteis vamos cortar’. O retorno foi por puro interesse de acalmar setores. Mas o conceito, a ideia de cultura e de arte nesse cenário que se apresenta, com essa visão de sociedade, que está pautando hoje a escala federal, é muito ruim. Um cenário muito negativo. Acho que nós vamos ter um retrocesso bastante grande. Qual é a influência desse momento de turbulência política sobre a arte? Total. É um momento extremamente importante. Não só da arte, mas de vários setores. A gente tem aí algumas outras ideias absurdas em relação a verbas para a saúde, verbas para a educação. Então é um grande impacto para toda a sociedade.

De que forma você acha que a cultura erudita, normalmente restrita a uma determinada fatia da sociedade, pode ser disseminada a um público maior? São várias as iniciativas. Uma delas é que o poder público tenha claro a importância da arte. Porque hoje isso não está acontecendo no Brasil. Hoje está acontecendo o contrário. Você tem uma clara desvalorização da cultura e da arte, inclusive com atitudes explícitas, como, por exemplo, fechar o Ministério da Cultura e depois de toda crítica nacional e internacional, isso é importante que fique claro, recuar. Então, o primeiro passo é exatamente o contrário. Teria que ser o próprio poder público, o Estado, ter essa leitura da importância e, a partir daí, achar canais para trazer todas


{ENTREVISTA}

as expressões artísticas, a erudita, a popular, as várias manifestações artísticas, pra vida das pessoas.

Que papel tem a arte na formação educacional e política da sociedade? A arte instiga, ela exige que você saia um pouco da linearidade do pensamento. Essa experiência de sair da linearidade do pensamento te proporciona saltos em algumas percepções, visões que você não teria se estivesse apenas na linearidade. Então quanto mais você conseguir oferecer, ter isso na vida das pessoas de uma sociedade, a tendência é clara de que essa sociedade consiga vislumbrar conexões, relações, pensamentos de uma maneira muito mais ampla. Então o papel da arte, se pensarmos na formação, já é excepcionalmente importante. Mas eu digo que a arte é mais do que isso. Existem vários teóricos que dizem – por exemplo, Fernando Pessoa – que a arte existe porque a vida não basta. A arte não tem uma finalidade de ser útil, ela está num outro patamar. Como caricaturista e chargista, como avalia as contribuições do humor hoje para as reflexões sobre a cultura? O humor gráfico está muito ligado ao poder, do campo político oficial do governo e dos partidos, e por isso tem tanta importância na mobilização de um povo. Mas também você tem a ideia do poder como as pessoas que estão em evidência na mí-

dia. Todo esse rebaixamento para um plano do ridículo também contribui para que você tenha uma visão ‘menos endeusada’ desses poderosos. E como é uma manifestação artística, a própria obra em si já é uma contribuição para a experiência artística e cultural de quem está tendo contato com aquilo. Quais os desafios para os artistas gráficos que trabalham com o humor no atual contexto político e tecnológico? Muitos desafios, porque, como o humor gráfico está num contexto maior da arte e da cultura, a tendência tem sido uma redução muito grande. É uma maneira ignorante de cortar porque uma página que tem uma caricatura, ela tem praticamente 100% de retenção. O leitor não pula aquela página, ele vai parar para olhar. Mas aí, na hora de você cortar, você vai cortar tudo o que é ligado a arte, porque você tem interesse meramente econômico. Então esse é um desafio. O outro é que como o humor gráfico está muito pautado pela história da imprensa, com a questão das novas tecnologias, muitas vezes, as pessoas de qualquer formação, de qualquer qualidade artística, usam programas gráficos para fazer uma “caricatura”. Qual é o problema disso? Começa a ficar algo como se o importante fosse o programa gráfico, o que te facilita você chegar a uma coisa parecida com o que seria o humor gráfico.

15 Foto: Amanda C. Conceição Foto: Amanda Conceição


{ENTREVISTA}

Criatividade e ciência em uma arte-tese "A arte, a imagem, não é mais ilustrativa, é um espaço de percurso para o texto"

Com a arte-tese “Caricatas: arte-rosto-humor-experiência”, Riani acaba de se tornar doutor em Educação pela Unesp de Rio Claro. No estudo, ele desenvolve, de forma totalmente inovadora, um conceito de diálogo entre a teoria acadêmica e a arte, rompendo a ideia de linearidade do texto e expandindo o espaço e o significado da imagem. Já em sua dissertação de mestrado, o artista desenvolveu uma ampla pesquisa sobre o humor gráfico, tendo como objeto de estudo o Salão Internacional de Humor de Piracicaba e o Salão Universitário de Humor da Unimep, trabalho que resultou no livro ‘Tá rindo do quê?’. Qual a proposta de sua arte-tese “Caricatas: arte-rosto-humor-experiência”? A tese maior é de que a arte tem um poder transformador na experiência humana que precisa ser expandida para todas as possibilidades de vida, de espaços e de educação, formal e informal, para a sociedade. Essa é uma ideia geral, mas nós vamos nos aprofundando. Nas artes visuais nós vamos focar numa arte específica. A arte do rosto. O rosto é a imagem. É o elemento visual que, segundo vários teóricos e pesquisadores, é o elemento mais importante para o nosso início de relação com mundo exterior. Tem toda uma teoria de desenvolvimento emocional, psíquico, a partir dessa relação com o rosto. Aí a gente faz uma pergunta: e se essa arte do rosto for atravessada pelo humor? Ou seja, você vai brincar, vai criar uma ruptura com duas coisas que são tão fortes dentro do ser humano. O que seria a arte do rosto atravessada pela humor? A caricatura. O que pode essa caricatura? O que ela

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mexe na sua experiência artística? Na sua experiência de mundo? Porque as pessoas são tão atraídas pela caricatura? Aí a gente volta para esses teóricos e vai percebendo que é porque tem rosto. A gente volta ao início da tese que é: a arte precisa invadir a vida, e a caricatura é um dos caminhos mais potentes para isso.

Você optou por fazer a sua arte-tese de doutorado no formato totalmente inovador. O que levou a tomar essa decisão? Em algum momento sentiu que era uma decisão arriscada? Totalmente arriscado. Mas desde o início nós buscávamos, eu e o meu orientador, o professor Cezar Leite, não uma tese, mas uma experiência de cultura, de arte, em diálogo com as teorias. Isso era o nosso desafio. E aí nós soubemos de uma tese de uns dois anos atrás que foi defendida nos Estados Unidos e que deu uma grande repercussão internacional no mundo acadêmico. Ela foi


{ENTREVISTA} consideração as características do espaço acadêmico. Não é uma obra de arte. Então, mais do que fazer esse diálogo entre arte e teoria, redesenhando a teoria em imagens, tinha que ter uma potência também acadêmica. O terceiro grande desafio foi materializar isso do ponto de vista das impressões. Precisa de uma impressão muito específica. A tese é inteira colorida, tem que ter um papel específico. E isso nunca tinha sido feito. Viabilizar essa sequência tecnicamente também foi muito difícil.

Foto: Camilo Riani

inteira construída em história em quadrinhos. Isso deu uma luz, quer dizer, a arte, a imagem, não é mais ilustrativa é um espaço de percurso para o texto. A gente teria que trabalhar a arte se transformando na teoria, sem necessariamente a teoria estar escrita. Depois de muitos testes, começou a surgir a ideia. Mas foi assim, muito assustador, porque é um doutorado em uma universidade reconhecida nacionalmente, com uma banca de grandes doutores nessa área. Quais foram as maiores dificuldades que você encontrou para produzir essa arte tese? Muitas. A primeira delas é essa transposição, esse diálogo de linguagens. Porque, muitas vezes, essa coisa não vai ser possível numa outra dimensão de linguagens. Então esse foi o grande desafio, talvez o maior. Mas eu considero também outras duas coisas também importantes. Uma é que o resultado disso também levasse em

A sua dissertação de mestrado que resultou no ’Ta rindo do quê?’ também apresenta várias inovações. Em síntese, o que você trata neste trabalho e quais são as suas principais conclusões? No mestrado eu fiz um levantamento do que os teóricos diziam sobre obras de arte. Fiz uma pesquisa ampla entre esses estudiosos até chegar em algumas características que praticamente todos apontavam como fundamentais. Então eu fui pegando essas características e me debrucei sobre o Salão internacional de Humor de Piracicaba e o acervo do Salão Universitário de Humor da Unimep. Fiz um recorte só com as obras premiadas, de um determinado período dos últimos anos e analisei obra por obra. O mais incrível é que todas as obras analisadas tinham aquelas características que os estudiosos falavam sobre uma obra de humor de qualidade.

Você avalia que essas produções acadêmicas vão contribuir para seu trabalho? De que forma? Demais. Quando eu termino uma fase dessa, depois de mestrado e doutorado é impressionante como pensar o meu fazer artístico se transforma brutalmente. Eu diria que talvez ele se amplia. O meu modo de fazer caricatura se modificou muito, foi muito afetado depois do mestrado. Eu não consigo mais pensar numa tela, numa pintura minha, depois da experiência do doutorado, sem essas palavras, essas ideias de todos esses pensadores a cada vez que eu vou escolher um traço, uma tinta. Foi muito transformador.

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{MEMÓRIA}

No mapa do humor Criado há 43 anos, Salão Internacional de Humor de Piracicaba é referência no mundo Arlete Moraes Mais de quatro décadas após a sua criação, o Salão Internacional de Humor de Piracicaba está entre os mais importantes e reconhecidos do mundo. Além de ser referência, é também o mais longevo. Suas contribuições para a preservação da arte neste campo e a revelação de novos talentos garantem a Piracicaba o título de “capital internacional do humor”. Criado no contexto de combate à ditadura militar de 1964, o Salão de Piracicaba já recebeu, ao longo de seus 43 anos, participantes que hoje são referência no país, como Laerte, Angeli, Glauco, Luiz Gê, Chico e Paulo Caruso, entre outros. Constitui-se hoje ponto de encontro para cartunistas do mundo e espaço para reflexão sobre temas contemporâneos que vão da política às novas tecnologias. “Piracicaba é a grande referência nacional e internacional por conta de ser o mais antigo Salão realizado no mundo enquanto outras cidades importantes como Tokio e Toronto, Luca e Lisboa tentaram fazer eventos similares, mas acabaram sendo interrompidos”, comenta Adolpho Queiroz, presidente do Conselho e um dos fundadores do evento. O caricaturista do jornal O Estado de S. Paulo, Eduardo Baptistão, concorda: “O Salão de Piracicaba é o mais longevo dos salões brasileiros, e também o mais importante. Colocou não só a cidade, mas o país no mapa do humor gráfico mundial, e hoje não há um cartunista de primeiro time no mundo que não tenha passado pelo crivo de Piracicaba”. Baptistão teve seu primeiro contato com

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{MEMÓRIA}

Ilustrção: Jal

o evento em 1993, quando inscreveu uma caricatura da atriz Marília Gabriela. “Não tinha muito tempo que eu havia começado a fazer caricaturas com mais afinco, e resolvi testar a recepção de um desenho meu num salão de humor. Comecei logo pelo maior de todos e, para minha surpresa, fui premiado com o segundo lugar. Isso deu um impulso enorme para que eu passasse a me dedicar mais ao meu ainda incipiente trabalho”, conta. Para o senador do parlamento italiano Fausto Longo, que ajudou a fundar o evento, tornar-se referência no mundo do humor foi “consequência da qualidade dos trabalhos, dos júris de seleção, dos júris de premiação, da organização, do carinho e generosidade do povo piracicabano que, no final das contas, é quem paga grande parte da conta”. O Salão também se destaca como ponto de encontro para discussões em torno da política, do homem, da democracia e da própria razão de existir dos indivíduos. Ajuda a construir contrapontos, como observa José Alberto Lovreto, o Jal, presidente da edição 2017. “O humor serve para desconstruir padrões e, ao reconstruí-los, mostrar o que é melhor”, explica. Um dos fundadores do Salão, Zélio Alves Pinto, o Zélio, destaca a contribuição para a imagem da cidade no país e no exterior. “Se Piracicaba acabar com o evento morre 50% da repercussão que a cidade tem no mundo. O Salão hoje tem uma repercussão similar à Bienal de São Paulo, não só atendendo o Brasil, mas atendendo a mundo, porque ele é o Salão Internacional de Piracicaba”, aponta. Na opinião de Zélio, o sucesso da iniciativa se deu por várias razões, entre elas a irreverência das publicações do jornal O Pasquim, que circulou entre os anos 1960 e 1980, durante o regime militar, e teve como bases a irreverência, a sátira e o humor. “Com o apoio do Pasquim o Salão de Piracicaba se firmou rapidamente. A primeira edição foi um sucesso. O humor tinha uma característica muito forte como linguagem e, por ser uma metáfora, não tinha como ser censurado”, comenta.

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{MEMÓRIA} Zélio também atribui o sucesso à rica tradição da cidade, que é berço de personagens ilustres como Prudente de Morais e Almeida Júnior, e à ligação do humor com a história do país. “O Brasil sempre teve publicações satíricas ao longo do império, ao longo da colônia, e eu senti que Piracicaba dava certo porque havia toda uma tradição, uma história muito rica. Esse conjunto de circunstâncias justifica o êxito”, conclui.

Liberdade

Para Longo, o sucesso está relacionado com a capacidade do evento de ser polo da manifestação da liberdade de expressão contra regimes opressores não apenas no Brasil, mas no mundo. “Não era a intenção concreta criar algo grandioso e sim um verdadeiro espaço de manifestação livre e democrática da expressão gráfica. Felizmente todos estavam enganados, e o Salão se transformou num dos mais importantes redutos de liberdade de expressão do planeta”, observa. A ousadia em falar da liberdade de expressão em uma época de censura também é destacada pelo cartunista e criador da “Turma da Mônica”, Maurício de Souza. “O cartunista tem “anteninhas” que recebem as vibrações das ruas como seu conteúdo de criação, então o salão é um pouco essa voz das ruas através da arte do humor gráfico. Depois de 43 anos, claro que ele já tem reconhecimento internacional por sua grandeza e participação de cartunistas de dezenas de países”, comenta. O artista adianta a possibilidade de uma exposição na 44ª edição, em 2017. Em sua 43º edição, realizada em 2016, o evento está consolidado e reúne, a cada ano, participantes de dezenas de países (entre 50 e 70). “O humor é um canal de manifestação fundamental e de longo alcance. Com a projeção internacional que o Salão tem, é inevitável que, anualmente, provoque uma grande reflexão acerca das condições da democracia no Brasil e no mundo”, avalia Baptistão. Seu maior desafio, na opinião do carica-

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Ilustração: Eduardo Baptistão

turista, está ligado ao estímulo à reflexão e manifestação artística. “O humor, mais do que simplesmente fazer rir, é um grande provocador da reflexão e da indignação, dois fatores que motivam a ação. O desafio é sempre continuar cumprindo esse papel e para isso é preciso que ele sempre encontre meios de chegar ao público”, completa. Para Longo, o maior legado do Salão para Piracicaba é permitir à cidade que se apresente efetivamente como polo de produção cultural, gerando riqueza, renda e postos de trabalho. “Se a cidade souber aproveitar esse filão, atraindo escolas, empresas, eventos relacionados ao universo dos games dos produtos editoriais e digitais, certamente terá se tornado a capital internacional do humor num sentido totalmente diverso daquele imaginado nos primórdios do salão”, argumenta. Ele também defende maior participação do humor nas escolas e na educação das novas gerações. Em sua opinião, a governança local precisa compreender o poder do humor enquanto instrumento de cidadania e educação. “Utilizar no limite do possível a linguagem do humor na educação e na sinalização turística da cidade, inevitavelmente


{MEMÓRIA} colocará a cidade na rota do turismo cultural, um rico filão ainda inexplorado na maior parte do Brasil. Ou seja assumir-se como a Capital do Humor exige e impõe a mesma ousadia dos pioneiros, sem medo de se expor”, afirma Longo. Lovreto também defende maior participação do humor na educação. Para ele, a linguagem trabalhada no Salão pode servir de reflexão e discussão nas salas de aulas. Temas importantes como a apropriação da tecnologia e assuntos mais graves, como o ataque ao jornal francês Charlie Hebdo, poderiam ser melhor compreendidos se as escolas refletissem sobre o humor nas salas de aulas. “Mostrando para as crianças que elas podem ser bem humoradas e uma pessoa de ideias, que gosta da arte, nós estaremos criando um futuro melhor para o nosso país”, conclui.

ram apoio e divulgação”, conta Queiroz. Para Zélio, diretor do Pasquim no Rio de Janeiro e recém chegado a São Paulo, a ideia de criar um Salão Internacional de Humor em Piracicaba pareceu, a princípio, exótica. “Eu não tinha ideia do que era Piracicaba, aí peguei um mapa do estado de São Paulo e vi onde ficava e vi que em volta de Piracicaba tinha Campinas, tinha Limeira, tinha Rio Claro e Jundiaí relativamente perto. Tinha 100 mil habitantes, era uma ‘cidadeca’, mas tinha história, tinha personagens como o Prudente de Morais”, recorda-se o cartunista sobre o seu primeiro contato com a proposta.

Ousadia e apoio do Pasquim

A realização do primeiro Salão deve-se à ousadia de um grupo de jornalistas da cidade que, mesmo em meio à ditadura, apostaram nas possibilidades do humor como espaço para a liberdade de expressão. E o ano foi 1974, quando empolgados com o sucesso de mostra realizada pela Universidade Prebisteriana Mackenzie, em São Paulo, no ano anterior, naquele que foi o primeiro Salão de Humor do país, Adolpho Queiroz e Alceu Righetto buscaram apoio do jornal O Pasquim para promover exposição semelhante em Piracicaba. “Eu era um jovem repórter de O Diário em Piracicaba e fui cobrir o evento. Depois da reportagem publicada, conversei bastante com o Alceu Righeto e com o Carlos Colonese, que eram jornalistas da empresa. Dias depois, veio a informação do Alceu e do Fagundes (Luiz Antônio Fagundes) de que o dinheiro destinado a uma exposição de fotografia seria repassado e nós poderíamos realizar o Salão. Eles, do Pasquim, ficaram muito entusiasmados com a ideia e promete-

Divulgação/AHA

SOBRE A AHA Criada em 2016, a Associação dos Amigos do Salão Internacional de Piracicaba (AHA) é uma organização não governamental que tem como objetivo ajudar a produção artística e a divulgação dos profissionais ligados ao humor gráfico no Brasil, e no mundo. Entre os participantes do projeto estão artistas, profissionais da comunicação e apoiadores do Salão. De acordo com Adolpho Queiroz, um dos fundadores da associação, a AHA também é um importante instrumento para o investimento em mais contatos internacionais de forma a possibilitar mais exposições do Salão de Piracicaba fora do Brasil a partir de 2017. Além disso, a associação busca prestigiar os artistas locais, promover eventos na área e lançar livros sobre o assunto.

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{MÚSICA}

Começar cedo Paixão pela música erudita atrai crianças, que não se assustam com o trabalho e disciplina necessários Alessandra Postali Caminhando pelos corredores do casarão Palacete Levy, em Limeira, os passos se tornam lentos e ritmados para acompanhar as melodias que ecoam em todo o ambiente. Olhando pelas portas das várias salas que estão pelo caminho, o que se vê é um instrumento diferente a cada uma. Pessoas de todas as idades ensaiando, praticando e se dedicando incessantemente. As lousas verdes, com desenhos de pentagramas e notas musicais, para reforçar a teoria aos alunos, e os professores sempre ao lado, ajustando postura, afinação e molejo, completam o cenário. No espaço acontecem as aulas da ELM (Escola Livre de Música), e funcionam o Departamento de Projetos Culturais e a Oficina Cultural e Regional Carlos Gomes.

22 Foto: Alessandra Postali


Foto: Alessandra Postali

São aulas de coro, violino, viola caipira, violão, cello, instrumentos de sopro etc, e que acontecem durante toda a semana, de segunda a sábado. Os alunos se encontram ainda às terças-feiras, para a prática de conjunto, e às quartas para teoria musical. O maestro da Orquestra Sinfônica de Limeira e professor de Teoria Musical e Prática em Conjunto da ELM, Rodrigo Müller, explica que as aulas são gratuitas e a seleção é feita, depois das inscrições, por meio de teste de aptidão. “Observamos o candidato desde o momento em que ele entra na sala. Avaliamos coordenação motora, percepção rítmica, audição, postura e interesse, além da facilidade de aprendizado e concentração”. A idade mínima para participar é de 10 anos, mas de um total de 600 alunos, apenas 10% são crianças. “Elas costumam sair, por incrível que pareça, por falta de tempo. Os pais as colocam em vários tipos de aulas e acabam abrindo mão da música”, conta Müller. Ingrid Bolognani Fahl é um caso à parte. Aos 10 anos, faz aulas de violino e já participou do seu primeiro concerto. Ela foi inspirada pela tia e esperou ansiosamente chegar à idade necessária para poder fazer as aulas. Apesar da tão pouca idade, se

mostra decidida e dedicada ao que deseja. “Estou muito animada e feliz. Quero continuar tocando e seguir o rumo da música”. Na aula em conjunto, sentada à frente do maestro, se mantém na postura correta, segura do que está fazendo, como se não existisse mais ninguém ao seu redor - apenas ela, o violino, o maestro e a partitura. A mãe, Cristina Aparecida Bolognani Fahl, não contém o olhar de orgulho e satisfação. “Faço o possível para estar presente e apoiar os dons e vontades dela e do irmão, que sempre gostaram de música”. Cristina pode ver, na prática, os benefícios que a música proporcionou. “Ela ajuda no relacionamento com as pessoas, na disciplina e na postura, e é tudo muito espontâneo”, diz. Aline Müller, que é professora de Ingrid, conta que seu desempenho é exemplar e que o apoio da família é essencial na caminhada das crianças. “A Cristina se dispôs a comprar um violino menor, tamanho 2/4, para que a Ingrid se sentisse mais à vontade ao tocar e ela sempre está presente. Isso é muito bom”. Como também começou cedo na música, entre os 7 e 8 anos, Aline procura incentivar ao máximo os alunos, contando

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{MÚSICA} sua trajetória nas primeiras aulas e demonstrando o amor pelo que faz. “Com 33 anos, não me vejo fazendo outra coisa. Música é a minha vida e tento mostrar isso aos alunos, e que eles são capazes, se quiserem viver de música”. Gabriel da Ponta Jacomassi, 11, é um menino expressivo, sorridente e dedicado. Durante a aula de conjunto, comenta como superou as dificuldades que teve nas primeiras aulas e mostra o Pizzicato – um jeito diferente de tocar o violino, pinçando as cordas com os dedos. “Eu pensei em tocar outros instrumentos como guitarra, mas aí conheci o violinista David Garrett. Ele foi minha inspiração para começar”, conta. Ryan Vieira Pires, que também tem 11 anos, começou as aulas no início do ano e está ensinando o pai a tocar também, conforme aprende novas músicas. “Gosto muito de tocar e fico feliz de poder ajudar meu pai”. Para Rodrigo Müller, o envolvimento com a música erudita ajuda no desenvolvimento intelectual das crianças. “Pensamos sempre na possibilidade da profissionali-

zação, levando a sério o trabalho que é feito, o ensino, os ensaios e apresentações”. Para demonstrar as responsabilidades e a dedicação necessárias, a primeira aula é um ensaio de orquestra. Nesse período, os professores ensinam que cada um é responsável pelo resultado do grupo e ressaltam a importância da pontualidade, do estudo e do cuidado com o material. “Eles dividem a pasta de partituras com outra pessoa e se esquecer de trazer vai prejudicar outro”, enfatiza.

Exemplo

Assim como Ingrid, Gabriel e Ryan, Victor Botene começou cedo e hoje, aos 30 anos, toca na Orquestra Sinfônica Brasileira, no Rio de Janeiro. Aos 10, estudava piano sob a influência do irmão mais velho e depois de assistir a um concerto da Orquestra Sinfônica de Limeira, a mãe o matriculou nas aulas de viola da ELM, aos 13 anos. “A música mexeu comigo desde as minhas primeiras aulas. São muitas as alegrias desde então”. Botene coleciona apresentações em

24 Foto: Alessandra Postali


Foto: Antonio Trivelin

grandes teatros como os Municipais do RJ e de SP, Sala São Paulo, Teatro Amazonas, entre outros. Já tocou também na Praia de Copacabana, para um público de cerca de 80 mil pessoas, e em duas edições do Rock in Rio. Para as crianças e para quem está começando agora, ele reforça que o estudo diário é fundamental. “É preciso muita dedicação e disciplina para se tornar um músico profissional e é muito importante ter tempo para praticar e conhecer melhor seu instrumento”, orienta. Nessa mesma linha de pensamento, o músico e professor da Escola Municipal de Música de São Paulo, Escola Tom Jobim – Emesp e da Faculdade Souza Lima/Berklee, Daniel D’Alcantara, afirma que em qualquer estilo “iniciar na idade infantil faz com que o processo seja mais lúdico e colabora com o raciocínio criativo e lógico”. Para ele, a música bem desenvolvida cria um parâmetro de referência alto na educação. “Acredito que a criança tem mais possibilidades de ser, não só um excelente artista,

mas também um consumidor de arte de qualidade”. Outro exemplo é o de Eliezer Silva. Trompetista do grupo Hot Club de Piracicaba, começou a tocar com 11 anos na Guarda Mirim da cidade. Ele comenta: “Viver da arte é um desafio, pois a gente não é considerado trabalhador normal. As pessoas não levam em conta todo o trabalho e os estudos que fazemos para adquirir as técnicas e nos desenvolver”. De acordo com o músico, é preciso muita dedicação, mas as alegrias são muitas. “A tristeza não faz parte da minha profissão!”. Nitidamente, são vários os benefícios de aprender e se dedicar à música desde criança. Disciplina, cultura e interação são alguns deles. Esse investimento leva muitos ‘pequenos’ a se profissionalizar e a ajudar no fortalecimento da música brasileira. Mas, como também afirmou Botene: “nunca é tarde demais para começar” e esses benefícios podem ser experimentados em todas as idades.

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Ilustração: Amanda C. Conceição

literatura em vídeo Leitores ocupam Youtube e criam canais para difusão de obras Amanda C. Conceição Com o avanço da internet, a literatura amplia seu espaço. O booktube, nicho de canais presente no Youtube, é sucesso de público principalmente entre os jovens, que são atraídos pelo clima descontraído e pela linguagem dos vídeos. Os canais literários consolidados chegam a atingir a marca de 200 mil inscritos e muitos produtos atingem facilmente 5 mil visualizações. Os apresentadores dessas produções são os chamados booktubers, pessoas que estudam ou não literatura, trabalham ou não com literatura e que antes de tudo são amantes de livros e consequentemente leitores vorazes.

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Para a estudante de estudos literários e booktuber, Mellory Ferraz, 23, que ainda no ensino médio iniciou o blog e depois o canal Literature-se, a motivação para criá-los foi natural, já que ela não mantinha contato com pessoas que gostassem de conversar sobre livros. “Foi uma forma que encontrei de me comunicar com outras pessoas que também amam ler. Deu super certo, e até hoje continua dando e sendo o principal motivo de eu manter o canal e o blog”, conta. Os cenários dos vídeos são compostos pelas estantes da casa dos booktubers. Eles compartilham resenhas e opiniões,comentam as leituras realizadas no mês, lançam desafios, como as maratonas literárias, propõem leituras conjuntas e debates que traçam um paralelo entre temas contemporâneos e a literatura, partilham, também, as compras de novos títulos para as suas estantes e as metas para próximas leituras. A visão, compartilhada por muitas pessoas, de que o Brasil não é um país de leitores é contraditória quando se observa o


{LITERATURA} movimento que se estabelece no Youtube. Segundo Mellory, esse conceito precisa ser repensado. “Eu lido, diariamente, com pessoas comentando sobre suas leituras. A ideia de que o brasileiro não lê é ingênua, assim como a de que nossa cultura é avessa à literatura. Podemos estar longe do ideal, mas seria contraditório eu concordar com o senso comum já que vejo muitos e muitos jovens se interessando por livros”, salienta. Além de estimular a leitura, os canais servem como vitrine, tanto para editoras que expõem seus livros, quanto para novos escritores, que encontram nesse meio uma forma de chegar ao público e assinar contratos de publicação. O escritor paulista Gustavo Ávila, 33, é prova do poder que o Booktube possui. “Como escritor independente foi, com certeza, o melhor meio para mostrar meu trabalho. Eles são bastante abertos a novidades e quando gostam de algo abraçam a causa com paixão, não visando apenas dinheiro. Isso faz muita diferença”, afirma. Ao enviar cópias do seu romance de estreia, o policial “O sorriso da hiena”, para os principais canais literários do Youtube, o retorno que Ávila conseguiu foi estrondoso. A obra foi bem recepcionada e, depois, amplamente divulgada pelos booktubers e a possibilidade de conseguir uma editora para publicação é consequência direta do sucesso na rede. O escritor define a venda dos direitos de publicação para a Verus Editora, do Grupo Editorial Record, da seguinte forma: “o livro é a voz, os booktubers foram o megafone”. Presente em diversos países como EUA, Portugal, Itália e Inglaterra, o principal mérito dos booktubers é o de popularizar a literatura. “Eles são dinâmicos e essa forma mais leve de falar do assunto ajuda”, diz Ávila. Assim como Mellory, o escritor acredita que a balança que mede o consumo de livros no Brasil é descompensada. “De um lado temos pessoas que lêem bastante, vários livros por ano, e de outro, pessoas que leem muito pouco”, explica. O futuro, na opinião do escritor, é promissor. “Acredito que estamos melhoran-

do, mas é uma melhora lenta. É preciso mais incentivo à leitura e fazer isso desde cedo, nas escolas, com histórias mais interessantes do que leituras obrigatórias que muitas vezes, quando temos pouca idade, acabam assustando e nos levando para longe da leitura”. Para Mellory é importante não confundir a atividade desenvolvida pelos booktubers com o trabalho desenvolvido pelos críticos literários. “Uma coisa é diferente da outra, e as pessoas costumam misturar e disso surge um mal-estar. Os canais literários e blogs são feitos, de forma geral, por pessoas que não trabalham como críticas literárias. Isso é significativo e diz muita coisa. Ambos falam sobre literatura, mas de formas e com objetivos diferentes, um trabalha e estuda a literatura, o outro, na maioria das vezes, conversa sobre”, explica. Alexandre Mauro Bragion, professor doutor em Letras da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), também considera que os booktubers não substituem o papel do crítico. “Cada um tem o seu espaço. O crítico tem seu espaço nos jornais, nas revistas, nos blogs oficiais e aquelas pessoas que querem trabalhar com a sua ideia de leitura e literatura também devem ter a liberdade de encontrar um canal que possa satisfazer o seu ideal”, argumenta. Os critérios para se inscrever em um canal literário vão do julgamento de cada espectador, no caso espectador-leitor. Para Bragion, esse novo formato de estimulo é bem-vindo. “De maneira geral, tudo que promove a leitura, seja ela de qual forma e da forma que venha ser é muito interessante”, conclui.

CINCO CANAIS DO BOOKTUBE: Literature-se Gisele Eberspächer Aline Aimee Livrada! Clarissa Wolff

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Laís D’Oliveira Amanda C. Conceição A produção da artista piracicabana Laís D'Oliveira, 27, valoriza o hibridismo de linguagens, característica marcante da arte contemporânea. Durante seu processo criativo, busca a experimentação de técnicas e suportes diversos e muitas vezes as misturas desses elementos se tornam o resultado final de suas obras. Os materiais mais utilizados em suas composições são tecidos de algodão, madeira e papel e as técnicas empregadas giram em torno de processos fotográficos arcaicos, desenho e gravura. A artista considera que jovens recém-formados em artes no Brasil enfrentam muitas dificuldades. Destaca a falta de investimento em cultura, o que dificulta a realização de projetos artísticos para a população; e a inserção no mercado da arte, já que na universidade a formação não inclui orientação sobre como se colocar nesse contexto, o que torna mais difícil ao artista participar de exposições e eventos artísticos.

28 Foto: Arquivo pessoal


{GALERIA}

Foto: Arquivo pessoal


{COMPORTAMENTO}

FEMINISMO NA REDE Mulheres utilizam a arte e a Internet para estimular debate

Ana Carolina Brunelli Mulheres utilizam a arte e a Internet para estimular debate Contra o assédio sexual e verbal. A favor do fim da cultura do estupro. Contra a desigualdade entre o sexo feminino e masculino. A favor de quebrar os padrões de beleza. Com estas e muitas outras propostas, os movimentos feministas ganham espaço dia a dia. Impulsionados pela arte e também pelas mídias digitais, os grupos se reúnem, promovem debates e ampliam o alcance do tema. O projeto Promotoras Legais Populares, que atua com base nas palavras chaves justiça, igualdade e respeito, e existe há 22 anos no Brasil, é exemplo desta tendência. A proposta das PLPs, como são chamadas, é lutar pela igualdade de gênero, combater a discriminação e a opressão, além de orientar e promover intervenções individuais ou coletivas. Em Piracicaba, as promotoras legais se reúnem todos os domingos, na Casa de Cultura Hip Hop, para o Curso de Educa-

Foto: Ana Carolina Brunelli


{COMPORTAMENTO} ção Popular em Direito, oferecido gratuitamente pelas organizadoras. A iniciativa inclui rodas de debates, palestras com mulheres militantes e até oficinas de arte. “Para definir o tema que será abordado, seguimos a carta de princípios do projeto, sempre direcionada à vertente feminista e que visa colocar em pauta assuntos como a Lei Maria da Penha, assédio nas ruas, violência, mercado de trabalho, raça, gravidez. Tudo com o objetivo de capacitar as mulheres para a defesa de seus direitos”, conta Patrícia Sampaio, uma das coordenadoras na cidade. Os encontros, abertos apenas às mulheres, reúnem cerca de 30 integrantes, jovens e adultas. As PLPs também criaram uma ponte com a Defensoria Pública e recebem apoio do Cram (Centro de Referência de Atendimento à Mulher). “Queremos criar uma rede de contatos e de amizade entre as mulheres e as instituições”, relata Patrícia. As Promotoras Legais Populares aproveitam os encontros para conhecerem umas as outras e também confraternizarem, como no mês de setembro, quando realizaram uma oficina de serigrafia, que resultou em uma camiseta estampada com o nome do grupo. Além disso, desfrutaram do momento para brincar com as tintas e registrar suas marcas em alguns pontos do local. “Quando estou com elas sempre me sinto muito acolhida e sem medo de julgamentos. Com as PLPs posso me abrir sobre qualquer assunto, sem me preocupar com preconceitos”, diz Ana Carolina Sesso Dias, integrante do grupo. O Promotoras Legais Populares surgiu em 1994, quando a União das Mulheres avistou a possibilidade de promover no Brasil um curso capaz de capacitar as mulheres sobre os seus direitos na sociedade. A ideia se expandiu e, hoje, existem mais de 35 lideranças populares em diversos estados do país. Com isso, o Ibap (Instituto Brasileiro de Advocacia Pública) e o MPD (Movimento do Ministério Público Democrático) também apoiaram a iniciativa. “Os apoios institucionais são para realizar alguma atividade ou arrecadar material,

como cartilhas de direitos. Os grupos são autogeridos e organizados para que se mantenham independentes em relação a debater ou exigir mudanças, tanto da sociedade civil, quanto das instituições públicas ou privadas”, explica Patrícia.

Fanzines

Desenhos que possuem o poder de sair do papel. Traços emaranhados e um pouco desalinhados infiltram-se nas mais diversas mentes e as borbulham de questionamentos. Esse é o efeito que os fanzines produzidos por Bárbara de Carvalho Gondar, 30, provocam nas pessoas. A designer gráfica, que há anos participa de atos a favor do feminismo, mergulhou de cabeça na causa quando foi convidada a expor suas ilustrações em um evento anarcofeminista e, desde então, decidiu aprofundar-se no tema. Ela usa a arte para provocar reflexões e disseminar o assunto, por meio de sua página no Facebook, que recebe o nome de “Xereca”. Compartilha os fanzines, textos, vídeos e músicas sobre feminismo. “Procuro publicar meus desenhos como uma forma de enfatizar que os nossos corpos são lindos da forma que são e que nada em nós precisa ser mudado. Empoderamento pessoal é o meu objetivo”, afirma. Os fanzines de Bárbara ficaram conhecidos não apenas nas redes sociais. A designer já exibiu sua arte em diferentes feiras e também criou sessões de cinema, rodas de debate e ministrou palestras para discutir o assunto. “Com meus desenhos abordo a temática do corpo das mulheres. Ao vê-los, muitas sentem liberdade para conversar e revelar alguma opressão já vivenciada ou desabafar como se sentem em relação a tantas imposições”. Segundo Bárbara, por possuírem um custo de produção muito baixo, os fanzines são disseminados com mais agilidade. “Para o feminismo, o fanzine foi muito importante, principalmente durante o movimento Riot Grrrl, em meados de 90, quando eram passados de mão em mão durante festivais e fortaleciam as mulheres contra o machismo da época”, conta.

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{COMPORTAMENTO}

Ilustração: Bárbara de Carvalho Gondar

O fanzine foi à porta de entrada de Bárbara no universo feminista. No entanto, a ferramenta fundamental para o seu engajamento foi a internet. A rede possibilitou à designer adquirir mais conhecimento sobre a história do movimento, modificar pensamentos e atitudes, criar vínculos de amizades e apoiar mulheres, mesmo a longas distâncias.

Internet

As redes sociais também permitem o compartilhamento de situações corriqueiras e que muitas vezes não eram compartilhadas. A jornalista Camila Duarte é exemplo do uso do espaço para postar denúncias e indignação. Ela criou um grupo no Facebook para incentivar a manifestação das mulheres sobre o tema. “A gente começa a questionar a situação quando notamos que elas ocorrem ao nosso redor, com pessoas próximas e isso nos faz refletir e buscar formas de transformar”, conta. Camila defende a busca de autonomia pelas mulheres. “A gente tem que ser o que a gente quiser, não o que a sociedade quer falar pra gente, esse é o objetivo”, ressalta.

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Susana Santos, estudante de literatura, também participa de grupos feministas dentro e fora da web. Envolvida no movimento há mais de dois anos, participa de rodas de conversa, saraus e sessões de cinema que aumentem seu conhecimento sobre imagem da mulher na sociedade. “Ao me inserir nos coletivos, comecei a me sentir mais confiante para denunciar agressões e me posicionar publicamente. Também me libertei de rituais de feminilidade que já me incomodavam há algum tempo”, diz. Em Campinas, um grupo do IEL (Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp) criou o ”IELas”, que além da comunidade


Foto: Ana Carolina Brunelli

no Facebook, também promove, fora das redes, encontros para discutir e reforçar tema ligados às diversas vertentes feministas. A literatura e, particularmente, a poesia, é transformada em instrumento de conscientização. “Os debates teóricos são feitos em cima de textos escritos e recitados pelas participantes durante os encontros ou retirados de livros autorais de mulheres militantes”, conta Julia Benatti, uma das organizadoras. A ideia, segundo ela, é destacar autoras do sexo feminino que, muitas vezes, não tinham visibilidade. Além da internet, o aplicativo de celular Whatsapp também vem sendo utilizado pelos grupos feministas, como na experiência de criação, pela jornalista Clara Garcia Grizoto, de um grupo de apoio a mulheres que se sintam ameaçadas. A iniciativa ocorreu devido ao aumento de casos de assédio e estupro. “Cada caso que aparece na mídia sinto como se fossem comigo. É praticamente pessoal. Toda mulher sabe o que é

ser assediada e sentir o medo de ter seu corpo invadido”, ressalta Clara. A jornalista relata que começou a sentir medo de sair sozinha na rua e não conseguia para de pensar nas colegas que poderiam sofrer o mesmo e foi aí que surgiu a ideia. Ela convidou algumas amigas, que convidaram outras e, hoje, o grupo possui mais de 100 integrantes que vivem na cidade de Piracicaba ou vizinhas. “Assim, funciona como uma rede de amigas para apoiar e dar força, se propor a ir junto fazer um boletim de ocorrência, buscar uma ação concreta, denunciar. É a sororidade, a união, tão pregadas no feminismo”, explica. Para participar, há uma regra. O combinado é enviar mensagens somente se algo realmente estiver acontecendo e evitar ao máximo utilizar o grupo para gerar debates. O uso é restrito a situações de emergência.

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Foto: Cecile Janicek

Uma vida em movimento Alessandra Postali Parafraseando Friedrich Nietzsche, sem música a vida não faria sentido. Alguns fazem dela seu hobby, outros a colocam como parte de uma agenda cultural, a escutam nos intervalos de uma rotina movimentada ou enquanto se ocupam de seus afazeres cotidianos. Outros ainda a usam como estímulo, vivendo dela e para ela, integralmente. É aqui que se encaixa Ivan Domiciano, solista do Joburg Ballet (Joanesburgo – África do Sul). Bailar. Seu prazer, seu sonho e sua rotina. Uma história movimentada pelo ritmo e pelas melodias de uma fantasia imagina-

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{PERFIL} da quando ainda era um menino, em Piracicaba. Quem conversa com Ivan consegue perceber ‘de cara’ toda a sua garra e paixão pelo balé. Desde criança, totalmente entregue à arte, foi superando os obstáculos que a vida colocou em seu caminho e voou bem alto para alcançar seus sonhos. Um exemplo a seguir. Tudo começou com o desenho. Primeira paixão. Antes de começar a estudar e durante as aulas, seu prazer era criar traços e formas, em qualquer papel que via pela frente. Esse dom fez dele um destaque nos trabalhos com criações artísticas do colégio. A família e os amigos achavam seus desenhos espalhados por toda a casa ou nos seus vários cadernos. Quase foi um desenhista profissional. A capoeira, o teatro, o circo e o futebol foram amores passageiros. Aos 11 anos, fez e vendeu artesanatos nas feiras mensais do seu bairro. Mas, então, chegou aos 13 e começou a frequentar uma escola de dança. Primeiro, vieram o jazz, o hip-hop e a dança moderna, até que descobriu o balé. O amor não foi à primeira vista, mas o sonhador foi sendo conquistado a cada aula, a cada ensaio, figurino, repertório e cenário que participava. E, por fim, o que era um hobby se transformou na sua grande paixão. No terceiro ano do Ensino Médio, enquanto os amigos se dividiam entre várias opções e incertezas do futuro, Ivan não tinha dúvidas. E, depois de todas as experiências que a dança proporcionou de braços abertos, como hesitar?! Seu objetivo era trabalhar para uma companhia de dança. Persistente, otimista e focado no seu sonho, foi conquistando cada meta que se impôs. E, mesmo sem ter imaginado que seria possível e contando sempre com o apoio e suporte da família e de seus professores, hoje está fora do país. “Se tratando de arte no Brasil, desistir já deve ter passado pela cabeça de muitas pessoas e claro, na minha também. Mas sempre devemos correr atrás dos nossos sonhos e não desistir. Perseverança é tudo.” Uma inquietação maquina na mente e coração de Ivan. É a falta de companhias

de dança no Brasil. A nação é rica em talentos. São inúmeros bailarinos que hoje ocupam os melhores postos em importantes balés do mundo como Royal Ballet (Inglaterra), Ballet de Zurich (Alemanha) e American Ballet (EUA). Mas nem por isso o mercado de trabalho para os bailarinos é acolhedor. Se tornou difícil demais conseguir boas oportunidades. “Na Alemanha, cada cidade tem uma companhia mantida pelo governo e isso deveria acontecer aqui também, porque temos bons profissionais.” O apoio faz toda a diferença para os jovens que estão começando sua carreira profissional na dança. Em Piracicaba, entre 2014 e 2015, Ivan viveu uma das suas melhores experiências como bailarino. Foi no 1º e 2º Ateliê Internacional SPCD (São Paulo Companhia de Dança), projeto do Governo do Estado de São Paulo, em parceria com a Secretaria Municipal da Ação Cultural e a Associação Pró-Dança. As aulas eram diárias e os professores, brasileiros e estrangeiros. O projeto também proporcionou uma ótima estrutura para bailarinos, professores e para o público. Ivan se angustia com a dificuldade que algumas companhias brasileiras enfrentam para manter seus espetáculos e custear os aluguéis dos teatros. Ao imaginar soluções, Ivan propõe novas políticas governamentais eficazes, para gerar apoio e investimento de empresas privadas, tornando possível a estabilidade das companhias, com condições dignas de trabalho e espetáculos acessíveis ao público. No Brasil, muitos ainda não veem o balé como uma profissão, ao menos não uma profissão digna. Mas é ao ouvir histórias como a de Ivan que podemos mergulhar um pouco mais fundo nesse oceano, por vezes misterioso, por vezes encantador, e entender a motivação, a essência e o dia a dia do que fazem. Disciplina. Essa é a base de toda a história, cultura e estrutura do balé. Faz parte também da rotina de Ivan, de manhã, à tarde e nos pequenos detalhes que compõem seu dia - dançando das 10h às 18h, para preparar o corpo, e ensaiando o dia

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{PERFIL}

Foto: Cecile Janicek

todo para as apresentações da Companhia. Toda essa disciplina intensificou manias engraçadas como a de lavar mãos constantemente e ser muito pontual. Para sair, os horários têm que ser cumpridos e se preparar antecipadamente é a melhor opção. Ansioso, se estressa ‘um pouco’ quando as coisas não acontecem como o planejado. Há sete meses, mora na África do Sul com Monike - namorada, parceira e solista com Ivan. Nesse período, algumas dificuldades foram surgindo como se acostumar com a comida estrangeira e ficar longe da família. Mas um ajuda o outro, seja em casa ou no trabalho. “Se eu disser que foi fácil, estarei mentindo. Não; a vida em outro país não é fácil, mas também não é impossível”. Saindo de casa, aos 18 anos, morar sozinho na Europa foi uma experiência marcante e que o ajudou muito no seu amadurecimento para poder, inclusive, lidar melhor com a realidade da sua vida atual. Em meio a outras línguas e outras culturas, a adaptação foi chegando aos poucos. Mesmo ainda sendo novo, até chegar onde está foram muitos ‘nãos’ em testes para

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companhias de dança do Brasil e do exterior. Em contrapartida, também veio a valorização do seu trabalho e dedicação. Um dos prêmios foi em 2010, no XX Seminário Internacional de Dança de Brasília, quando ganhou uma medalha de bronze e duas bolsas de estudos, para o Canadá e para a Áustria. Neste país, ficou por um ano e deu início a sua carreira profissional. As viagens também agregaram muito. Passou por lugares como Alemanha, Rússia e Canadá. Trabalhou também como professor de balé em quatro bairros de Piracicaba, com cerca cem alunas de 8 a 18 anos – um grande desafio. Ivan chamou o preconceito para dançar e fez dele o combustível e a inspiração para bailar e encantar o público com sua arte, envolvido de postura, leveza, harmonia e simetria - “O sublime contido no trivial”. Não há quem não se encante com seus passos precisos e delicados, repletos de técnica e entrega total. Ele entra no palco, olha para o público - ofuscado pelos holofotes do teatro - e é tomado completamente pelos sentimentos mais belos. Como é bom fazer o que mais se ama.


Foto: Cecile Janicek


Vejo, logo fotografo Instagram muda parâmetros e amplia hábito de fotografar Amanda C. Conceição O Instagram já é uma ferramenta básica da vida moderna. Essa afirmação pode causar certo espanto, mas não está longe da realidade, pois a rede social que está há seis anos no mercado já ultrapassou a marca de 500 milhões de usuários ativos em todo o mundo, 35 milhões só no Brasil, e está presente em 25 idiomas. Esse alcance e o crescente volume de fotos alteraram a relação pessoa/fotografia e provoca visões divergentes sobre os seus efeitos no ato de fotografar. A instantaneidade proporcionada pelo aplicativo – uma bela foto ao toque do seu celular – alterou a relação que até então se tinha com a fotografia. E esta relação reflete a necessidade de reconhecimento que as pessoas têm hoje em relação a uma imagem que são obrigadas a cultivar dentro da sociedade. “Acho que os selfies demonstram isso de forma bem explícita. Todos podem ser estrelas, então todos o são. Todos podem ser fotógrafos, então todos o são. Todos podem mostrar seus biquinhos, então todos mostram”, reflete o fotografo paulistano Clicio Barroso. Para a fotografa carioca, Drika Landim, o Instagram reforça a percepção que as pessoas têm da foto como arte, mas lança uma ressalva sobre o motivo pelo qual essa arte vem sendo produzida. “Acredito que as pessoas se perderam um pouco, essa onda de instantâneo fez com que as pessoas se preocupem mais com a foto do que viver o momento em si. Postar a foto

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para mostrar que está feliz se tornou mais importante do que ser feliz de fato”, pondera. Hoje se fotografa de tudo e a democratização do ato de tirar uma fotose tornou palpável. Desde que o Instagram chegou ao Brasil varias pessoas aderiramà novidade. “Achei a ideia genial e usava literalmente todos os dias. No início ele me fez redescobrir uma fotografia despojada, ingênua, que eu nem sabia que ainda tinha. Foi bom isso. Hoje, procuro postar pelo menos uma foto por dia – às vezes bem mais, só como exercício fotográfico. Adoro”, comenta Barroso. O ser humana é atraído pela imagem. Quem nunca protagonizou ou testemunhou a clássica cena quando um belo prato é fotografado antes mesmo de se quer ser provado?Existe quem diga que o Instagram ajudou a vulgarizar a arte da fotografia, tornando-a banal, mas a opinião da fotógrafa Drika sobre o tema é taxativa: “É uma bobagem”. O fotografo piauiense Sergio Caddah analisa que, “com a fotografia digital – divisor de água – todos podemosdizer algo, falar algo e ter a nossa posição através do uso da imagem – nossa ou não – no qual precisamosapenas de um “post” e não mais dos equipamentos e meios profissionais”. Sobre a visão pessimista que às vezes entra em voga diante da popularização da fotografia, Barroso vai além: “Não vejo como pessimismo. Vejo como ressentimento daqueles que se julgavam donos de uma arte hermética, membros de uma confraria secreta, e que subitamente se vêem nus. A fotografia em si não foi vulgarizada nem banalizada, apenas tomou outra proporção, gigantesca, o que na verdade é muito bom”.

Foco

Se o saudoso David Bowie era o Camaleão do Rock, o Instagram é o camaleão


Fotos: Arquivo pessoal

{TECNOLOGIA} {TECNOLOGIA

entre os aplicativos de fotografia móvel. Com menos de uma década de vida, já passou por várias mudanças e a principal delas – a que mais se destaca – foi a de público. “No início era uma ferramenta mais usada por fotógrafos e designers. Ao longo dos anos, os usuários se tornaram diferenciados, e as publicações também. Hoje, tem contas de bichinhos de estimação. Mas, ainda é um bom lugar pra ser ver coisas lindas”, comenta Drika. “No caso do Instagram, o aplicativo permite um maior controle da timeline, o que receber, e a quantos seguir. É mais amigável. Mais fácil de não se tornar um aborrecimento”, afirma Barroso. “Os usuários mudaram, de alguns milhares de apaixonados por fotografia para literalmente todo o mundo. Cresce a diversidade mas cai a qualidade individual da timeline. Mas como disse, basta filtrar”, completa. Ao permitir, em meados de 2013, que usuários gravassem pequenos vídeos, o Instagram abriu uma grande janela para o que se seguiria no futuro. Primeiro au-

mentando o tempo e qualidade de vídeo suportada para as postagens, depois lançando a possibilidade de se fazer mini-vídeos com o aplicativo “Boomerang”, desenvolvido pelo próprio Instagram, e por fim com a ideia, nem um pouco original, do “Instagram Store”, uma cópia do aplicativo Snapchat, onde o usuário grava vídeos e fotos que se autodestroem depois de 24h. Habituar-se é natural aos seres humanos e, claro, quando as propagandas personalizadas começaram a pipocar no Instagram muitos torceram o nariz, mas se acostumaram com elas. “O sequestro de atividades lúdicas ou sociais para fins estritamente comerciais me parece desinteressante, perigoso até. Fico triste que o Instagram tome esse caminho, mas depois de ser comprado pelo Facebook, era algo esperado. Insisto, as pessoas vão procurar outros meios de interagir e de se divertir, é questão de tempo, não?”, questiona Barroso.

Fotos: Sergio Caddah

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{TECNOLOGIA}

Linha do tempo OUTUBRO/2010 Exclusivo para gadgets da Apple, o Instagram é lançado por Kevin Systrom e Mike Krieger. Marca registrada do aplicativo, as fotos quadradas só podiam ser feitas na proporção 16:9. ABRIL/2012 A popularidade do Instagram cresce massivamente depois que o aplicativo chega aos dispositivos Android, atingindo a marca de 1 milhão de downloads no Google Play. A rede social é comprada pelo Facebook por cerca de 1 bilhão de dólares. DEZEMBRO/2012 A mudança no contrato de adesão do Instagram causou polêmica, já que o aplicativo poderia passar a vender fotos dos usuários para fins comerciais. Depois de muito barulho por parte dos usuários a empresa revoga a mudança, mas perde cerca de 4 milhões de usuários entre 19 e 27 de dezembro. FEVEREIRO /2013 A rede social atinge a marca de 100 milhões de usuários em todo o mundo.

Fotos: Arquivo pessoal

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JUNHO/2013 A rede social começa a suportar vídeos de até 15 segundos, com mais 13 novos filtros desenvolvidos para essa função. A resolução fixa de 640x640 era fixa, padrão que seria alterado no futuro.


{TECNOLOGIA}

ABRIL/2015 Seguindo o que já havia siso colocado em prática em novembro de 2013, o Instagram começa a mostrar propagandas personalizadas no feed dos usuários. AGOSTO/2015 O monopólio das fotos quadradas chega ao fim depois de uma nova atualização no aplicativo, que passa a suportar mídias de quaisquer proporções. OUTUBRO/2015 O Instagram lança o serviço Boomerang, que permite aos usuários realizarem a gravação de mini-vídeos. MAIO/2016 O logo que era marca registrada do Instagram, a câmera vintage, é substituído por uma forma mais simples com arco-íris. A desaprovação entre os usuários rendeu vários “memes” e matérias em portais da internet. JUNHO/2016 O Instagram anuncia que atingiu a marca de 500 milhões de contas ativas em todo o mundo, 35 milhões no Brasil. AGOSTO/2016 A rede ganha mais uma ferramenta, o “Instagram Store”, que permite aos usuários publicarem fotos e vídeos que se autodestroem depois de 24 horas, ferramenta semelhante à de outra rede social, o Snapchat.

Fotos: Clicio Barroso

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{ENSAIO FOTOGRÁFICO}

Cotidiano "Não é por nada que olho: é que eu gosto de ver as pessoas sendo" Fernando Pessoa

Foto: Amanda C. Conceição

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{ENSAIO FOTOGRÁFICO}

Foto: Kamila Vallis

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{ENSAIO FOTOGRÁFICO: COTIDIANO}

Foto: Kamila Vallis

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Foto: Arlete Moraes


Foto: Amanda C. Conceição

Foto: Fábio Medeiros

Foto: Kamila Vallis

Foto: Kamila Vallis

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{TEATRO}

Arte na universidade Teatro e música integram a vivência de muitos estudantes, ampliam a percepção e desenvolvem habilidades comunicativas Ana Carolina Brunelli A universidade muitas vezes é associada somente à preparação para o mercado de trabalho, ou seja, um espaço ligado ao conhecimento e desenvolvimento de competências profissionais. Em muitas instituições de ensino superior, entretanto, é também espaço para a reflexão e a prática no campo da cultura e da arte. Teatro e música, entre outras manifestações, ajudam a formar cidadãos com sensibilidade estética e social diferenciada. Este é o caso da Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba), instituição que pelo menos desde 1980, quando foi criado o NUC (Núcleo Universitário de Cultura), oferece a seus estudantes oportunidades

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para se envolverem em atividades artísticas. E a tradição da escola é consolidada na área do teatro universitário. “Hoje, possuímos os grupos Pé de Cana, Cochichonacoxia e o Andaime, sendo este o mais antigo e experiente, formado apenas por ex-alunos que decidiram seguir a carreira de ator”, conta o coordenador do núcleo, José Antônio da Silva, o Chapéu. Os encontros, semanais, proporcionam aos integrantes descobrirem e treinarem habilidades corporais e vocais. Os participantes criam espetáculos ou esquetes, ensaiam e, ao mesmo tempo, praticam exercícios que estimulam a memória e o raciocínio. “O Cochichonacoxia me permitiu conhecer com mais detalhes o te-


{TEATRO}

atro e foi onde consegui me aperfeiçoar e descobri que não poderia me separar dessa arte, mesmo sendo formada em publicidade”, conta Jennifer Garcia, que integra o Andaime. Luiza Vaz, administradora de empresas e radialista, também integrante do Andaime, compartilha sua experiência. “Com o teatro universitário me descobri menos tímida, mais comunicativa. Em ambas as profissões eu consigo aplicar os conhecimentos adquiridos nas vivências teatrais que, com certeza, modificaram minhas perspectivas. Acho muito satisfatório poder levar uma mensagem à sociedade por meio da arte.” Os estudantes que participam valo-

rizam o fato da universidade oferecer oportunidades neste campo. “Durante os encontros, os exercícios são sempre mesclados com brincadeiras e improvisações. Melhorei muito a forma como me expresso, tornei-me uma pessoa mais solta e me sinto mais espontânea. É muito importante ter acesso a esta experiência dentro da universidade.”, diz Giovana Degaspari, estudante de nutrição e membro do Cochicho. O Cochichonacoxia cria cenas principalmente a partir de questões sociais e políticas, com o objetivo de provocar a reflexão e chamar a atenção do público. As apresentações do grupo são feitas em praças, escolas, centros culturais, eventos Foto: Tiago Altafini

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{TEATRO} sociais e lugares em que é possível atingir diferentes públicos. Já o Pé de Cana, com caráter mais filosófico, geralmente produz cenas com base em textos inspirados por grandes nomes da área. O Andaime, que em 2016 celebra 30 anos, busca em suas produções reconstituir a memória da cultura popular da cidade. Ganhou reconhecimento ao apresentar trabalhos sobre o universo caipira e a presença dos imigrantes italianos na formação da cultura brasileira. Além de reunir ex-alunos da Unimep, também recebe atores de diferentes cidades. “Hoje, nos colocamos como referência de produção teatral do interior e como uma das grandes referências de teatro universitário do país”, diz Chapéu. O grupo participa de festivais, já recebeu diversos prêmios e é reconhecido nacional e internacionalmente. “Dentro da universidade, o teatro é uma extensão. Nós trabalhamos na linha da construção da cidadania, queremos despertar nos participantes o gosto pela arte e, assim, contribuir para que o teatro estimule pessoas mais críticas e conscientes em relação ao papel de cada um na sociedade. E também é gratificante quando um aluno entra, gosta e decide seguir a carreira”, relata Chapéu. Além dos que se identificam e escolhem esse caminho, há os que precisam abrir mão por não conseguirem conciliar com a profissão, mas que sentem muita falta. “Toda semana eu saia melhor das aulas de teatro. Era um momento de se conhecer e conhecer o outro. Interpretar é como sair de si e levar ao público outro completamente diferente, é deixar de ser eu, de ter meus problemas, e encarnar outra figura. É muito bom”, conta Rubens Vitti, jornalista e editor do caderno de cultura do Jornal de Piracicaba, ex-integrante do Cochicho. Apesar de muitas vezes ganharem os holofotes e cumprirem sua missão, os atores sentem que o teatro ainda é pouco reconhecido. “Sempre temos o ideal utópico, aquele dos sonhos, mas a realidade é deficitária no que se refere às políticas públicas voltadas à cultura. Mas nosso papel é apontar os caminhos e é isso o que a uni-

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versidade vem fazendo”, explica Chapéu.

Música

Em 1985, a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), criou o Coral Unicamp Zíper na Boca. A proposta, desde o início, é promover, por meio da música, integração social entre alunos e funcionários da instituição. “Oferecemos um momento de descontração, enriquecimento cultural, e contribuímos com o desenvolvimento em uma atividade artística, independente da formação profissional”, conta Vivian Nogueira, diretora artística e regente do coral há 31 anos. Mas, o Zíper na Boca não é um coral tradicional. Desde 2005, decidiu unificar em suas apresentações dois elementos essenciais do meio artístico: música e teatro. Na época, o primeiro espetáculo com a proposta foi o “Saltimbancos”. A ideia se consolidou em 2010, quando iniciou realizações de montagens com repertórios


{TEATRO}

Foto: Coral Unicamp Zíper na Boca

musicais homenageando bandas como ABBA, Queen, Beatles e apresentações do espetáculo Canta Brasil, no qual o tema foi a Música Popular Brasileira. “Entrei no grupo por ser um coral cênico, com movimentações interessantes. Isso me atraiu bastante. A universidade me abriu portas para a arte e participar do Zíper me ajuda a melhorar a desenvoltura e expressividade”, ressalta Carla de Azevedo, estudante de Química que participa do coral desde 2015. Os encontros incluem exercícios corporais, aquecimento vocal, ensaios cênicos e de naipe, leituras de repertório e aulas de técnica vocal, que divide vozes masculinas e femininas. O objetivo é criar movimentações que tenham relação com a música escolhida, seja referente ao ritmo ou à letra. “Procuro mostrar aos alunos as diversas possibilidades que a voz nos oferece, mesclando música popular e erudita e criando cenas que complementam cada

repertório”, explica Vivian. Carla pretende seguir carreira acadêmica na área de química, mas acredita que o coral é fundamental em sua formação, pois a ajuda a perder a timidez e desenvolver a confiança em si mesma e nos outros. “Com montagens cênicas adquirimos mais consciência corporal, o que resulta positivamente nas apresentações e também na vida pessoal. Diariamente aprendo um pouco mais sobre essa arte tão bonita”, diz. O Zíper na Boca também permite aos participantes um espaço de integração e a criação de vínculo e amizades. “Fiz amigos que vou levar pra vida toda. Aprendi muito com eles, passei a conhecer a voz de cada um e sempre que estamos juntos conversamos, mas a conversa sempre leva à música e começamos a cantar”, conta Diego Henrique Martinho, estudante de fonoaudiologia. Durante o ano, o grupo realiza cerca de 30 apresentações, nos hospitais na universidade, em aberturas de congresso e encontros de coral pelo Brasil. “Além de representar a Unicamp, atraímos público interessado em cultura e arte. Quando escolho o tema do espetáculo, procuro não abordar temas político-sociais, mas parto de critérios musicais e artísticos”, explica a regente. Entre uma música e outra, são as movimentações, os figurinos coloridos e os diálogos que conquistam o público e também seus integrantes. “Sempre gostei de cantar e ingressei em fonoaudiologia por conta dos estudos da voz. No dia da confirmação de matrícula o coro realizou uma apresentação de boas-vindas aos calouros e, ao ver que incorporavam cenas e coreográficas, decidi que queria vivenciar aquela experiência”, relata Martinho. No Zíper na Boca, o público absorve a mensagem das músicas por meio das cenas. “A música tem o poder de tirar a pessoa da rotina. O momento em que se dedicam ao fazer musical e teatral é um momento de aprendizado e descontração. Após esse contato, elas saem renovadas para continuar suas atividades”, conta Vivian.

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{MAKING OFF}

Fotos: Lucas Marciano

Jornalismo e design a serviço da cultura Kamila Vallis Retalhos é uma revista monotemática sobre cultura. Seu público leitor é o jovem adulto e a cultura aqui é vista sob a compreensão mais abrangente possível do termo. Estende-se, portanto, para campos como cotidiano e tecnologia, pois pretende propor reflexões sobre a vida das pessoas em seus mais diversos campos. Seu projeto nasce como TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) da graduação em Jornalismo na Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba). Antes de produzi-la, as estudantes autoras foram desafiadas a realizar uma monografia sobre jornalismo de revista. E entre as muitas conclusões deste estudo está a de que “a cultura ainda não é explorada de forma ampla e com a

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real complexidade que se exige pelos meios de comunicação”, nas palavras da autora Arlete Moraes. O design arrojado foi proporcionado a partir de uma parceria entre os cursos de Jornalismo e Design Gráfico da Unimep. Estudantes da área de Design apresentaram diversas propostas, entre as quais foi escolhida a que melhor se ajustou ao projeto editorial. Ana Carolina Bruneli, uma das editoras da Retalhos, diz que “o fato de valorizar as imagens e não deixar as páginas ‘poluídas’, foi algo decisivo na escolha”. As páginas destacam a imagem e tornam o texto atrativo para o leitor. A editora Amanda Conceição destaca: “Os pequenos detalhes do layout – número de páginas, nomes das editorias,


Foto: Kamila Vallis Ilustração: Fábio Carvalho

olho da matéria, posição dos textos, tipo de letra – agradaram muito e tornaram o design da revista bastante moderno”. Os estudantes de Design Gráfico também criaram o logotipo para a publicação. “Para representar a arte marginal e a erudita, o caos e a perfeição e as diversas culturas, utilizamos retalhos para compor o leterring que está emoldurado na perfeição das formas geométricas”, explica Fábio Carvalho, que também fala sobre a inspiração para criar o logotipo. “Parece clichê, mas nos inspiramos na famosa frase de Mies van der Rohe ‘less is more’ – ‘menos é mais’’. A orientação de todo o processo gráfico de criação ocorreu na disciplina Design Editorial. O estudante Lucas Marciano explica a definição do GRID da publicação, que teve como princípio a valorização dos espaços. “Utilizamos grandes espaços em branco e características mais minimalistas, tentando valorizar mais as imagens da revista”. Um dos desafios foi compatibilizar os interesses do jornalismo e do design. “Nosso maior desafio foi alinhar a quantidade de

texto em cada matéria”, explica Edenilson Toledo. Após ajustes e compatibilizações, foi botar a mão na massa. Os estudantes de jornalismo produzindo textos e imagens, e os de design dando forma ao projeto. Em linhas gerais, portanto, Retalhos ganhou forma a partir das seguintes etapas: concepção editorial do produto, elaboração do projeto gráfico, produção editorial, incluindo a produção de textos e imagens, produção gráfica e revisão. Ficou demonstrado para todos que produzir uma revista de qualidade exige a definição clara de um projeto editorial, produção jornalística e criatividade artística. As estudantes de jornalismo autoras são Alessandra Postali, Arlete Moraes, Amanda Conceição, Ana Carolina Brunelli e Kamila Vallis. A orientação de jornalismo coube aos professores Wanderley Garcia (projeto) e Paulo Roberto Botão (edição). Os estudantes de Design Gráfico que realizaram a produção visual foram Fábio Carvalho, Edenilson Toledo e Lucas Gabriel, orientados pelo professor Camilo Riani.

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{CINEMA}

Foto: Classiicline

Metropolis Amanda C. Conceição Há 89 anos Fritz Lang e sua esposa Thea von Harbou, apresentavam ao mundo o filme Metrópolis. A grandiosa obra de ficção científica, considerada por muitos especialistas como precursora do Expressionismo Alemão, ainda hoje se mostra atual. No roteiro: um mundo futurístico marcado pela luta entre classes. As duas “Marias”, a primeira responsável pelo início da revolta da classe trabalhadora; a segunda, o icônico robô que faz parte do imaginário coletivo de cinéfilos ou não.

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Ficha Técnica: Ano: 1927, Alemanha Direção: Fritz Lang Roteiro: Fritz Lang e Thea von Harbou Elenco: Alfred Abel, Gustav Fröhlich, Brigitte Helm, Rudolf Klein-Rogge Gênero: Ficção Científica Obra disponível em DVD: R$: 39,90


{ARTIGO}

De Valesca a Bob Dylan As (sem) fronteiras da Arte do século XXI Alexandre Mauro Bragion O século XXI vem nos pregando algumas peças. Sem pessimismos ou clichês saudosistas, um olhar para a contemporaneidade nos põe a refletir sobre os rumos aparentemente insólitos que áreas como a do conhecimento e das artes parecem estar tomando. É fato que, como sempre acontece desde que o mundo é mundo, o tempo presente nos soa estranho aos ouvidos. E é fato também, nessa mesma trilha, que o passado – justamente por já ter passado – quase sempre ganha contornos mais suaves em nossa mente, adocicado que é pelo distanciamento temporal e pela criação alegórica da memória. Todavia, e tentando escapar às máximas redundantes que permeiam essas reflexões, é inegável que, à percepção de nossos dias, somos solapados constantemente por surpresas de todas as ordens. Há quase dois anos, por exemplo, um professor de filosofia pôs em evidência – em uma de suas provas voltadas a alunos do ensino médio – conceitos pseudofilosóficos de uma das mulheres mais cobiçadas pelos homens do país: Valesca Poposuda. Sem discutir o mérito da questão proposta pelo professor (questão essa que talvez tenha muito mais de uma fina ironia do que a mídia infelizmente conseguiu entender e divulgar), a filosofia poposuda de Valesca abundou a olhos vistos em canais da web e da TV. A máxima Valesquiana do “beijinho no ombro” para o “recalque” viralizou tão

rapidamente que a História da Filosofia no Brasil mal teve tempo de ver surgir em suas páginas um impagável sofisma rechonchudo e sensual capaz de deixar Freud de barbas eriçadas. Bem ou mal, o popusodismo instauro-se no pensamento nacional como conceito filosófico – e beijinhos nos ombros foram dados àqueles que acharam (e ainda acham) isso um absurdo. Nesse mesmo sentido, no mês de outubro deste ano foi a vez de os acadêmicos suecos do Prêmio Nobel fazerem entendidos e desentendidos em literatura bombardearem as redes sociais em defesa ou contra a indicação de Bob Dylan para o Nobel. Chacoalhados os alicerces da opinião pública internacional, o prêmio movimentou debates acalorados, fomentou opiniões radicais e fez surgir teorias literárias das mais absurdas até as razoavelmente aceitáveis. “Letra de música não é poema,” bradaram uns. “Poema e letra de música não tem diferença,” berraram outros. “Música também é literatura” – apressaram-se em dizer os mais afoitos. E entre sábios e sabichões, o próprio Bob Dylan pouco ou nada disse sobre sua premiação. Ao que parece, o “poeta” (podemos chamá-lo assim?) não se interessou muito pelo prêmio – o que, de alguma forma, pode também indiciar que ele mesmo não tenha entendido o porquê de lhe atribuírem tal honraria. Saindo pela tangente, por nossa vez, talvez possamos dizer que não há mal em atribuir a Dylan um prêmio literário.

Mas, ao que parece, há na fila desse prêmio tantos outros literatos importantes e com trabalhos geniais – dedicados exclusivamente à arte literária – e tão constantemente desprestigiados pela academia do Nobel, que a escolha do nome de Bob Dylan pareceu despropositada ou exageradamente mercadológica. Epifanias esquizofrênicas do século XXI ou não, a filosofia poposudística e a literatura bobdyliana dão o tom do que vem por aí no campo das artes e do conhecimento. Seria, então, exagero imaginar que, em breve, talvez tenhamos um Oscar entregue a um romancista, um Grammy a um cineasta e um Pulitzer a um carnavalesco brasileiro? Certamente, não. Depois que Ronaldinho Gaúcho recebeu da Acadêmia Brasileira de Letras a medalha Machado de Assis, as fronteiras do impossível na Arte do XXI foram totalmente dissolvidas. Tudo pode acontecer nesse universo agora sem fronteiras. Não há mais expectativas e probabilidades plausíveis nessa seara. O mundo – realmente – já não é mais o mesmo (e com ele não são mais os mesmos o Nobel, o Grammy, o futebol, o carnaval...). No entanto, se as mudanças são para melhor ou para pior, se são positivas ou negativas, ainda não sabemos responder. Ou melhor, talvez nunca tenhamos como responder a essa questão. Afinal, como cantou o poeta Bob Dylan (poeta, né?) “a resposta para isso, amigo, está soprando ao vento”.

Alexandre Mauro Bragion é Doutor em Teoria e História Literária pela Unicamp e coordenador do curso de especialização em Literatura e Outras Linguagens Artísticas da Unimep.

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{POESIA}

Sinta Joel Felipe Que teus sentidos perpassem pela arte Indefinida, bela, sofrida. Quente, ausente, dormente. A arte, ilimitada do jeito que é Transporta mundos por meios de acordes em ré Cores, vozes, imagens e movimentos. Nas ruas, em telas. Também em homenagens singelas. O quão belo pode ser o verde e o amarelo? Tudo depende da imensidão da sua mente Exercitada em universos de palavras Gigantes como brilhantes castelos As rimas que imprimem movimento Têm o poder de ultrapassar o tempo Transformando maçãs no escuro Em verdadeiros templos do futuro

As ruas são o altar criativo Dos magos do grafite Que, ao contrário do que se sugere, Conferem luz e vida a ambientes estéreis.

Que teus sentidos perpassem pela arte Que possas valsar com tuas inspirações Que estas transformem-te no curso do tempo e espaço Para que sigas um caminho de lições E, posteriormente, Possas inspirar outros corações.

Ilustração: Lais Mayumi Oka

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Homenagem de ZĂŠlio Alves Pinto ao SalĂŁo Internacional de Humor de Piracicaba, exclusiva para a Retalhos



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