Revista Sotaques Nº01 Junho

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Junho / 2014 Nº 01 - Gratuito

Fernando Pessoa Como Nunca o Viu

Alexandre Borges A Estrela Das Novelas

Tchê …

O Indomável Felipão

Ricardo Gordo

Inventa Um Novo Fado


Entrevista

Alexandre Borges Para o ator brasileiro Alexandre Borges, Fernando Pessoa é uma questão muito pessoal. Apaixonou-se pelo poeta português quando viveu em Portugal, através da leitura de Álvaro de Campos, e não tem dúvidas em afirmar que compor uma personagem é como criar um heterónimo.

P - Como tomou contacto com Fernando Pessoa ?

P – O Fernando Pessoa tinha alma de ator ?

Alexandre Borges – Eu vivi no Porto durante um período, em 1989, trabalhei com a companhia Seiva Trupe e, durante essa fase, tomei contacto com os poemas de Fernando Pessoa, nomeadamente com o “ poema em linha recta” de Álvaro de Campos. Senti imediatamente que tinha encontrado algo muito pessoal, que me enchia a alma, e quis fazer um projecto ligado a Pessoa.

Alexandre Borges – Não acho. Pessoa era muito reservado, tinha poucas relações – com escritores e pintores – e não gostava de se exibir.

P – Daí nasceu o projecto poema bar “Vinícius/Fernando Pessoa” que já apresentou várias vezes em Portugal ? Alexandre Borges – Foi apresentado pela primeira vez há três anos na Casa Fernando Pessoa. Através de uma amiga pianista, a Carla Seixas, conheci um pianista português, João Vasco, e juntamo-nos para criar um espectáculo luso-brasileiro de poesia e música que abordasse a obra de Fernando Pessoa. Daí resultou este poema bar Vinícius/Fernando Pessoa, procurando mostrar ao público, de um modo mais informal, a obra destes dois grandes escritores da língua portuguesa.

P - Tem algum poema preferido de Fernando Pessoa e Vinícius de Moraes ? Alexandre Borges – No caso de Pessoa, como referi anteriormente, escolheria o “ poema em linha” porque retrata quem era o Fernando Pessoa e como ele se sacrificou, deu a sua vida pela arte. Em relação ao Vinícius, a minha preferência vai para o Soneto de fidelidade porque é um texto sobre a força das emoções e do amor. 2

Através do seu quarto ele viajava pelo mundo através da sua escrita. Tinha uma forma mais íntima de se expressar através da arte.

P – Compor uma personagem também é criar heterónimos? Alexandre Borges – Sim. Pode-se fazer essa comparação. Quando criamos uma personagem, carregamos uma vida connosco: sentimos o que ela sente, e vamos construindo-a paulatinamente, acrescentando-lhe camadas de profundidade. De certa forma, é um heterónimo que criamos dentro de nós.

P – O que significa Portugal para si ? Alexandre Borges – Eu julgo que Portugal me trouxe maturidade, e foi muito importante para mim. Quando vivi cá era muito jovem – tinha 23 anos – vinha de um país irreverente como o Brasil, e foi muito interessante conhecer o passado do Brasil, a ancestralidade, a língua, a gastronomia, essa herança cultural que nós brasileiros temos aqui.

P – Qual é o sotaque de Alexandre Borges ?

Alexandre Borges – Eu diria que tenho um sotaque mais universal em função da minha carreira como ator. O meu sotaque tem misturas de Santos – onde nasci e que é uma cidade com profundas influências portuguesas – de São Paulo – na qual trabalhei e que é um espaço neo-babilónico, com imensas culturas – e também do Porto, cidade onde morei um ano e que também influenciou a minha forma de falar.


“Criar uma personagem é ter um heterónimo dentro de nós”

Qual é o sotaque de Alexandre Borges ? Alexandre Borges – Eu diria que tenho um sotaque mais universal em função da minha carreira como ator. O meu sotaque tem misturas de Santos – onde nasci e que é uma cidade com profundas influências portuguesas – de São Paulo – na qual trabalhei e que é um espaço neo-babilónico, com imensas culturas – e também do Porto, cidade onde morei um ano e que também influenciou a minha forma de falar. Texto Rui Marques

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Heterónimos

a Amemo-nos tranquilamente, pensa

Se quiséssemos, trocar beijos e abr Mas que mais vale estarmos sentad Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Ricardo Reis 4


ando que podíamos, raços e carícias, dos ao pé um do outro

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Entrevista Livro

Fernando Pessoa morreu e um dos seus heterónimos, o médico portuense Ricardo Reis, está vivo. É a partir desta engenhosa ideia que José Saramago urdiu, em 1984, o romance “ O ano da Morte de Ricardo Reis”.

Portugal, Salazar Salazar Salazar, este não veio, só aparece quando lhe convém, nos locais e às horas que escolhe, aquele não admira que aqui esteja, porque está em toda parte” – lemos no interior do livro.

José Saramago era um escritor multifacetado. E um grande observador dos homens e das suas dinâmicas – não espanta, por isso, que lhe chamasse a atenção a figura de Ricardo Reis, médico nascido no Porto, monárquico e amante da filosofia grega, que procurava a harmonia, o famoso “ carpe diem”, tantas vezes proclamado e tão poucas vivido.

Denúncia dos totalitarismos e homenagem aos heróis anónimos que resistem, apesar de todas as contrariedades, “ O ano da Morte de Ricardo Reis”, é uma referência incontornável no conjunto da obra de José Saramago. Não só é uma leitura agradável e recreativa, como é uma obra de cidadania e para a cidadania, para que nunca nos esqueçamos que o mal pode estar a bater-nos à porta a qualquer instante.

Ricardo Reis e José Saramago tinham muito em comum. Eram dois rebeldes com causa e de causas, e por isso não espanta nada que se encontrassem no pior cenário possível – o Portugal suicida que caminhava para o negrume da Ditadura salazarista – e que o escritor nos relatasse o último ano da vida do poeta, entre a melancolia do fim e a premonição da ascensão do mal. Nesta obra “ O ano da morte de Ricardo Reis”, seguimos os passos de Ricardo Reis regressado, em 1936 a Lisboa, e o confronto interior que sente face à inevitável ascensão do fascismo na Europa e do Estado novo em Portugal . Escutamos os ecos do Salazarismo a instalar-se como um vírus na vida dos portugueses: “Esfuziam gritos patrióticos, Portugal, Portugal,

Texto António Santos

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Mundial 2014

Mundial 2014

O Mundial regressa a Casa

Com a realização do Mundial de 2014, no Brasil, podemos dizer que o campeonato do mundo regressa a casa. Não só o Brasil é o país com mais mundiais no currículo, como é o berço de alguns dos maiores craques da história. Teoricamente, o futebol profissional nasceu na Inglaterra. Os clubes mais antigos são ingleses, e a própria liga inglesa é considerada a melhor do mundo. Mas na prática, o futebol cresceu e consolidou-se como desporto apaixonante no Brasil. Foi lá que craques como Leónidas, Pelé, Jairzinho, Tostão, Zico,

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Ronaldo, Ronaldinho ou Roberto Carlos, entre tantos outros, se destacaram e maravilharam o mundo do futebol. O Brasil teve aquela que é vista pelos comentadores como a melhor selecção da história – a canarinha que venceu o mundial do México em 1970 – mas também a melhor selecção que não venceu um mundial junto com a Holanda de Cruyff – o Brasil de 1982, treinado por Telé Santana, com o quadrado mágico de meio campo constituído por Zico, Falcão, Sócrates e Toninho Cerezo.


Esta selecção brasileira, após a grande vitória contra a campeã mundial Espanha, na Taça das Confederações, respira confiança. E os adeptos brasileiros já sonham com o Hexacampeonato. Expectativas também existem pela participação da selecção portuguesa. Liderada por Cristiano Ronaldo, eleito melhor jogador do mundo em 2013, Portugal parte como uma das grandes equipas deste mundial.

Que vença o futebol ! Texto Paulo César

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Mundial 2014

Tché …o indomável Filipão Luís Filipe Scolari não deixa ninguém indiferente. Para alguns é um técnico teimoso, difícil, mas para a maioria dos adeptos portugueses e brasileiros é um motivador nato, alguém que consegue unir os povos à volta da sua equipa. A breves semanas do arranque do Mundial de 2014, onde orientará a selecção brasileira, traçamos um retrato do indomável Filipão. Se perguntarmos a um adepto de futebol das selecções portuguesas e brasileiras por um treinador carismático, nas últimas décadas, o primeiro nome que apontarão será Scolari. Não estamos a falar apenas do seleccionador que conquistou, em 2002, o tão desejado penta-campeonato para o Brasil, como de um treinador que levou Portugal à final do Europeu.

nhe-se que Filipão mais tarde, em 1999, venceria outra taça libertadores da América pelo Palmeiras. 2002 foi um ano mágico para Scolari e para a selecção brasileira. O anterior campeonato do mundo em 1998, em França, tinha sido decepcionante para a canarinha, e os dirigentes apostaram no técnico gaúcho para conquistar o pentacampeonato.

Um campeão com Sotaques !

Nascido a 9 de Novembro de 1948, em Passo fundo no Rio Grande do Sul, começou a jogar nos juvenis do Aimoré. Seguiram-se, já como sénior, o Caxias, Juventude, Novo Hamburgo e o CSA, onde se destacou como um defesa cheio de garra, exibindo dotes de liderança. Finalizada a carreira de jogador, Scolari tornou-se professor de educação física em escolas dos estados de Porto alegre e do Rio Grande do sul. Começou a treinar equipas modestas como o CSA ou o Juventude até lhe surgir a oportunidade de treinar o Grémio, no qual foi campeão gaúcho em 1987. Depois de passagens pelo médio oriente, regressa ao Grémio para uma etapa triunfal. Vencedor da copa Brasil em 1994, campeão da taça libertadores em 1995 e campeão brasileiro em 1996 – subli10

O mundial de 2002, organizado conjuntamente pelo Japão e pela Coreia, foi uma síntese das suas qualidades: disciplinador, exigente mas amigo dos jogadores, não teve receio em enfrentar a opinião pública não convocando Romário, e formar um grupo à sua imagem. A confiança que transmitiu à equipa viu-se reflectida em campo com sete vitórias em sete jogos, numa demonstração clara de superioridade. Ganhador nato, Scolari também é um homem de desafios. Quando o presidente da federação portuguesas de futebol, Gilberto Madaíl, o convidou para orientar a selecção portuguesa no Europeu que esta celebrava em casa, aceitou. No Europeu de 2004, Luís Filipe Scolari foi muito mais que um seleccionador. Foi um líder: foi por sua iniciativa que os portugueses puseram bandeiras nas janelas, criando-se um movimento de apoio à selecção, que a levou à primeira final da sua história. Dois anos depois, em 2006, Portugal voltava a uma meia-final do campeonato do Mundo na Alemanha. Igualava-se, assim, o resultado de 1966 Texto Paulo César


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Heterónimos

a “ Não sou nada. Nunca serei nada Não posso querer ser nada.

À parte disso, tenho em mim todos

Álvaro de Campos 12


a.

s os sonhos do mundo.

�

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Capa

Fernando Pessoa, o chato em cinco poemas Fernando Pessoa é intocável. Vive numa redoma de vidro imune à crítica e ninguém ousa pôr em causa a sua poesia: esse é um dogma que atravessa o nosso meio cultural. A revista sotaques Brasil/Portugal não tem tabus, e pensamos que não existe cultura sem sentido crítico. Por isso, decidimos dissecar alguns dos principais poemas de Pessoa assinados por ele ou pelos seus heterónimos, e mostrar que, no fundo, há muita chatice na sua obra.

Ora bem, o poeta não é um fingidor porque a poesia é criação artística. Faz parte da vida e do mundo.

Autopsicografia

Este poema é de um realismo atroz e lança uma mensagem equívoca sobre a arte. Como se a poesia não fizesse parte da realidade, e o poeta não passasse de um farsante que engana a sociedade ao escrever poesia.

O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente.

Veredicto: Um poema chato, pouco imaginativo e que desvaloriza a poesia como arte

Liberdade Ai que prazer Não cumprir um dever, Ter um livro para ler E não fazer! Ler é maçada, Estudar é nada. Sol doira Sem literatura O rio corre, bem ou mal, Sem edição original. E a brisa, essa, De tão naturalmente matinal, Como o tempo não tem pressa...

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Veredicto: O grau supremo de chatice. “ Ai que prazer ter um livro e não o ler” – que incompreensível desvalorização da leitura como um ato de liberdade ! Também é um monumento à contradição, um jogo de palavras que diz algo e o seu contrário com a mesma falsa autoridade. Em suma: estes cinco poemas provam que Fernando Pessoa, que tinha notáveis poemas, também caia muitas vezes na chatice suprema. Nele encontrámos textos que revelam uma concepção quase científica da poesia, como se os poemas fossem criados em laboratório para causar efeito no leitor. Fernando Pessoa é um poeta muito chato !


Não sei quantas almas tenho Atento ao que sou e vejo, Torno-me eles e não eu. Cada meu sonho ou desejo É do que nasce e não meu. Sou minha própria paisagem; Assisto à minha passagem, Diverso, móbil e só, Não sei sentir-me onde estou.

Veredicto: Excecional chatice ! Que detalhe ! Por um lado, diz que se torna noutros – presumo que nos heterónimos que criou– mas por outro, cai na contradição ao afirmar que é a sua própria paisagem. Afinal em que é que ficámos, Fernando Pessoa? Conclui que é diverso. Mas é diverso e ao mesmo tempo é a sua própria paisagem ?

O guardador de rebanhos

Veredicto: O nível de chatice disparou. Quem cumpre um aniversário, presume-se, está vivo e não morto ! Depois a alusão à religião, não se compreende. Será para causar efeito no leitor ? Para se afirmar como moderno ?

Eu nunca guardei rebanhos, Mas é como se os guardasse. Minha alma é como um pastor, Conhece o vento e o sol E anda pela mão das Estações A seguir e a olhar. Toda a paz da Natureza sem gente Vem sentar-se a meu lado. Mas eu fico triste como um pôr de sol Para a nossa imaginação, Quando esfria no fundo da planície E se sente a noite entrada Como uma borboleta pela janela.

Em suma: chato, chato, chato !

Aniversário No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, Eu era feliz e ninguém estava morto. Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos, E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer

Texto Rui Marques

Veredicto: Grau elevadíssimo de chatice. Há neste trecho do poema várias perplexidades: primeiro é de uma falta de imaginação brutal dizer que a sua alma é como se fosse um pastor. Não existe outra metáfora ou comparação mais criativa que pudesse fazer em relação à alma ? Eu bem sei que Alberto Caieiro é um heterónimo simples, mas não exageremos ……

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Capa

Tudo vale a pena quando a alma não é pequena.

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A poesia portuguesa deve libertar-se da sombra de Fernando Pessoa

Um dos grandes problemas da poesia portuguesa tem sido a subordinação excessiva à sombra tutelar de Fernando Pessoa. Como se não houvesse outras vozes, correntes, formas de abordar a poesia – uma delas é, paradoxalmente, a de um dos heterónimos de Pessoa, o inclassificável Álvaro de Campos. Diz-se, habitualmente, que Portugal é um país de poetas. Frase feita ou realidade, o facto é que é invulgar o número de poetas e de escolas que eles influenciaram – por exemplo, encontramos na nossa Literatura do século XX autores tão diferentes como Herberto Hélder, José Régio, Miguel Torga, Mário de Sá Carneiro, Mário Cesarinny, Ruy Belo, Alexandre O’Neill ou David Mourão Ferreira. Nenhum deles ocupa, porém, o lugar de poeta mais universal da língua portuguesa. Esse lugar no Panteão literário nacional é ocupado, quase por decreto, por Fernando Pessoa. E … no entanto não é difícil encontrar poetas com um arrebato lírico mais vincado – estou a lembrar-me de Ruy Belo ou Herberto Hélder – de poetas com uma superior ironia – e aqui recordo-me de Cesarinny ou de Alexandre O ‘Neill . Também podemos apontar poetas que não separavam a vida da sua obra – e, provavelmente, o supremo exemplo será o de Mário de Sá Carneiro, suicida aos 25 anos num quarto de hotel em Paris. Fernando Pessoa, não. Excepto esse milagre poético que é Álvaro de Campos – um grande poeta precisamente por fugir aos lugares comuns que associamos aos poetas – Pessoa caracteriza-se por escrever uma poesia quase científica, que cai ora na obsessão da rima fácil, ora na afirmação da rebeldia moderna, mais ou menos previsível. Comparando-o com o outro grande vate da poesia nacional – Camões – fica claramente a perder.

Lemos a lírica ou a épica camoniana, e sentimo-nos mergulhados na essência poética, na busca da verdade, na reflexão amargurada sobre a vida e o mundo. Camões sentia profundamente aquilo que dizia. Pessoa, pelo contrário, brincava com as palavras quase infantilmente, como se a Literatura não passasse de um jogo com as cartas marcadas. O primeiro era um cosmos, um universo de universos em que cada verso era uma afirmação individual. Já o segundo encarava a poesia como um reflexo da cultura em que vivia, procurando causar o maior efeito possível nos seus textos . Significa este meu juízo que Fernando Pessoa é um mau poeta ? De maneira nenhuma. Basta ler o “ poema em linha recta” ou “ Tabacaria” para descobrir uma genialidade indesmentível. Porém, Álvaro de Campos foi uma ilha no seio da obra pessoana. Assinando como Fernando Pessoa, Ricardo Reis ou Alberto Caieiro, Pessoa quase nunca nos surpreende. Só quando se eleva à figura imperfeita de Álvaro de Campos é que ele se solta, definitivamente, das convenções poéticas. Fernando Pessoa disse, numa célebre frase, que quem escrevesse a sua biografia só teria de assinalar duas datas – a do seu nascimento e a da sua morte. Eu acrescentaria mais uma – quando criou Álvaro de Campos. Libertando-nos da sombra tutelar de Fernando Pessoa, honraremos esse legado do grande poeta, seu heterónimo. Porque o poeta, ao contrário do que escrevia Fernando Pessoa, não é um fingidor, é um criador que busca incessantemente a verdade dentro de si próprio. 17


MĂşsica

“ Gosto do sotaque brasileiro do nordeste!

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Ricardo Gordo Inventa um Fado metal

Os novos nomes do Fado têm nome e apelido. Como Ricardo Gordo, um artista que aprendeu com o mestre Custódio Galego, e que criou um estilo próprio – o Fado metal, nome de um dos seus álbuns e símbolo de um fado aberto ao diálogo permanente com outros géneros musicais. P – O Ricardo Gordo começou a tocar aos dez anos. Como foram os seus primeiros momentos na música ? RG – Na verdade, o meu primeiro contacto com um instrumento foi por volta dos 7/8 com um flauta de bisel, de plástico, que usei para tocar melodias simples. Aos 9 anos toquei ao vivo pela primeira vez no palco Timor na Expo 98, e a sensação foi óptima. Ter pessoas a apreciar a música que fazia, na altura em conjunto com outros músicos, foi muito bom.

P – Teve uma formação ecléctica ao longo da sua carreira– guitarra portuguesa, blues, rock. O que é que aprendeu em cada género musical? RG – A ser eclético! Absorver estas influências e técnicas musicais permitiram-me fazer esta fusão que é a minha música hoje. Todos os estilos musicais têm características especiais que podem abrilhantar a execução quando usados em ambientes diferentes. Por exemplo, usar o fraseado do jazz com a guitarra portuguesa.

P –Estudou com o mestre Custódio Castelo guitarra portuguesa. O que mais aprendeu com esta grande figura da música portuguesa ? RG –Estudei e estudo. Aprendi acima de tudo a ser humilde e que a música é uma arte sem fim, em constante evolução. É necessário ter uma mente aberta para poder evoluir e inovar.

P – Em 2011, tocou o clássico “ Verdes anos” de Carlos Paredes num filme. Que importância tem esta música para a história da guitarra portuguesa ? RG –Tratou-se de uma peça de teatro. É uma música com um significado político forte. Carlos Paredes escreveu-a enquanto esteve preso por causa da ditadura. É uma melodia de esperança. Quem é português e pensa em Carlos Paredes, relembra-o com os “Verdes Anos”.

P – O que é que torna a guitarra portuguesa diferente e especial face a outros vários instrumentos musicais ? RG – Segundo Custódio Castelo, é “o instrumento que evoca a saudade”. Pessoalmente, é uma expansão do meu corpo, esta permite-me canalizar as minhas emoções. É difícil não nos apaixonar-mos por este instrumento, a sonoridade é única.

P – A revista Sotaques valoriza o intercâmbio cultural entre o Brasil e Portugal. Gostava de levar este género musical numa digressão ao país irmão ? RG – Claro que sim. Um dia espero levar.

Texto Arlequim Bernardini

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Música

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P – Que músicos brasileiros admira ? RG – Gosto e respeito muito o Tom Jobim, a obra que ele deixou é maravilhosa. Gosto do misticismo do Raúl Seixas, que a meu ver estava muito à frente para época. Adoro o Yamandu Costa! Tenho pena que ele não seja mais conhecido em Portugal, porque realmente é um executante fora de série. Por fim, sou um fã acérrimo de Sepultura com Andreas Kisser, Igor e Max Cavalera! Esta é uma das minhas bandas favoritas de Thrash.

P – Divulgar a variedade de sotaques portugueses e brasileiros é uma das missões da nossa revista. Como é que caracteriza o seu sotaque ? RG – Português!

P – Gosta de algum sotaque português ou brasileiro em particular ? RG – Gosto do sotaque brasileiro do nordeste!

P – Viveu um ano no Porto. Que opinião tem do sotaque portuense e da cultura do Porto ? RG – Vivi 4 anos no Porto! Acho o sotaque horrível, mas em compensação têm as raparigas mais bonitas do país. A cultura é semelhante à do resto do país, pois temos de tudo. Têm uma forte ligação ao futebol, vivem muito o Futebol Clube do Porto.

P – O património musical português está suficientemente promovido.

?

RG – A Amália fez o favor de abrir esse caminho para nós. Apesar de eu achar que a promoção nunca é demais, penso que temos alguma visibilidade lá fora, por parte dos media e de alguns grupos musicais mais conhecidos. Desde que o Fado foi considerado património mundial, quebraram-se algumas barreiras. Infelizmente, não há possibilidade para todos os grupos fazerem apresentações lá fora no estrangeiro.

P –Se não está que medidas pensa que se deviam tomar para fazer esta divulgação ? RG – Penso que tem a ver com a falta de apoio que existe para grupos novos e mais pequenos. Não há muita gente disposta a investir em projectos que à partida se desconhece se vão ter sucesso ou não.

P – É docente de guitarra portuguesa na Escola Superior de artes aplicadas Castelo Branco. Como classifica as novas gerações que estão a aprender a tocar este instrumento ? RG – Continuo a ser aluno da ESART, neste momento no mestrado em guitarra portuguesa. No entanto, enquanto músico, reconheço que há guitarristas novos com muita qualidade, seja no fado, seja noutros estilos. Começa a haver uma certa vontade de levar a guitarra portuguesa para outros estilos e, também uma aceitação da parte das pessoas para a ouvirem noutro contexto que não seja o fado.

P – Quais são as grandes referências musicais de Ricardo Gordo ? RG – Muitas! No blues: Stevie Ray Vaughan, Johnny Winter, BB King. No jazz: Birelli Lagrene, Pat Metheny, John Scoffield, Jaco Pastorius. No rock clássico: Jimi Hendrix, Deep Purple, Led Zeppelin, The Doors, Black Sabbath. No metal: Megadeth, Metallica, Sepultura, Jason Becker. Na guitarra portuguesa: Carlos Paredes, Custódio Castelo, Fontes Rocha. No rock progressivo: Frank Zappa, Pink Floyd, Gentle Giant, Camel, Jethro Tull.

P – Depois do aclamado Fado metal, regressou em 2014 com “ Mar deserto”. Como caracteriza este novo álbum ? RG - É um disco para mostrar que a guitarra portuguesa pode implementar-se como instrumento solista noutros estilos musicais. Sejam o blues, o jazz, o pop, o metal. É um álbum cheio de experiências harmónicas e também ao nível das sonoridades. Cheguei mesmo a utilizar efeitos de guitarra eléctrica para explorar novos ambientes. Não se trata de um álbum conceptual, a menos que o conceito seja usar a guitarra portuguesa em estilos diferentes! Procurei construir um trabalho diferente daquilo que já se conhece, daí não ter gravado nenhum fado tradicional. No geral, estou muito satisfeito com o trabalho.

P – A guitarra portuguesa é uma parte de si ? Podia viver sem ela ?

RG – Vou utilizar a resposta que lhe dei há pouco noutra pergunta: “é uma expansão do meu corpo, esta permite-me canalizar as minhas emoções.”

P – Quais são os seus objectivos musicais para 2014 ? RG – Promover o novo disco em showcases, tv, rádio e concertos, e lá para o final do ano começar a pensar no próximo disco. 21


Heterónimos

“ Pouco me importa.

a

Pouco me importa o quê? Não sei: pouco me importa . ”

Alberto Caieiro 22


Parceiro

a

Atlas violeta associação cultural Nascida em 2013, a partir da iniciativa de um conjunto de cidadãos, portugueses e brasileiros, na cidade do Porto, a Associação Cultural Atlas Violeta é uma Associação Cultural sem fins lucrativos que visa promover a língua portuguesa junto dos países de língua portuguesa, das comunidades portuguesas, e de todos os interessados a nível global na nossa língua. Contactos:

www.facebook.com/atlasvioletacultura

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Moda

ESTAMPADO FLORAL Grandes. Pequenas. Médias. Tanto faz! O que importa é que haja flores. Aparecem em várias colecções de diferentes casas de moda e tomando sempre diferentes formas. Enquanto Balenciaga nos propõe um estampado sóbrio, em preto e branco (revelando outra das tendências da estação) com flores estilizadas, Elie Saab sugere um estampado colorido, quente e divertido. Não há peça que lhes escape: aparecem em saias, calças, blusas, vestidos; em looks totais ou como pormenores. A aposta ideal para quem procura um look feminino, romântico e primaveril.

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Verão: O jogo das tendências

Num mundo em que a diversidade cultural vai ganhando terreno, as tendências de moda proliferam e podem ser tão numerosas quanto os criadores. Assim acontece nesta estação. As propostas para a Primavera/Verão de 2014 apresentam um leque de influências e estilos diversos, com opções para todos os gostos: nas inspirações, o revivalismo dos anos 90, a Pop Art, o Street Style, a alfaiataria. Nas peças, o perfecto, as calças largas, a saia, o macacão. Nas cores, os tons pastel, os contrastes, os metalizados, o preto e branco. Transparências, bordados, estampados florais, riscas. Mais, mais e mais. No meio de tanta confusão, aqui estão três das principais tendências desta estação:

PRETO E BRANCO Embora, por haver tanta variedade de escolha, seja difícil selecionar uma cor da estação, é inegável que o contraste preto e branco foi uma aposta eleita por muitas marcas: Chanel, Fendi, Hervé Leger, e outras. E percebe-se porquê. Em qualquer look, a combinação confere um espírito sofisticado e arrojado, mas também clássico. A certeza de que não se erra.

JUMPSUITS (MACACÕES) Fazendo a transição das estações passadas, o jumpsuit continua a ser uma peça-chave. Surgem largos ou ajustados, estampados, ou em cores metalizadas. Outros têm cores mais austeras, com pormenores de alfaiataria. Há-os mais desportivos, mas também os há formais. Com tanta variedade, o macacão torna-se uma peça versátil que se pode usar nas mais diversas ocasiões.

É preciso ter em atenção que as tendências são apenas linhas-guia que, com o evoluir da moda e dos tempos, tendem a desaparecer. A germinação de influências, inspirações e estilos a que temos vindo a assistir nas últimas estações são prova disso. Lembre-se sempre de que a moda deve servir-nos, e não nós à moda. Nem todas as tendências se podem aplicar a todas as pessoas ou favorecem todos os corpos. Defendo que aquilo que usamos deve ser um reflexo da nossa personalidade ou estado de espírito. Escolha as tendências que valorizam a pessoa que é e a sua figura, ou, então, crie as suas próprias tendências. Use a moda como uma forma de expressão, uma afirmação da sua individualidade. Divirta-se! Texto António Granja

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Língua Portuguesa

Uma Língua que se

escreveu no Mar

“ Da minha língua vê-se o mar” – escrevia o escritor português, Vergílio Ferreira. O Mar é a grande metáfora da história da língua portuguesa, o tema por excelência que, tanto Camões como Fernando Pessoa, utilizaram como o centro de gravidade da sua Literatura. A comemoração dos oito séculos da língua portuguesa, este ano, com várias iniciativas em simultâneo, é um bom pretexto para fazermos uma viagem no tempo e no espaço. Para olharmos para essa língua que venceu todas as barreiras, viajou a todos os Continentes, se miscigenou com povos tão distintos, e é hoje a 5ª língua mais falada do mundo, com cerca de 280 milhões de falantes. O português nasceu de uma ramificação do latim vulgar, trazido pelos colonos romanos no século III antes de cristo, com influência menor de outros idiomas. Dessa família linguística é filho o galaico-português, que se desenvolveu no IV ano da era cristã, após a queda do Império romano, já no período das invasões bárbaras. Usado em documentos oficiais, desde o século IX d. c., o galego-português atingiu a sua plenitude como língua literária nos séculos XII e XIII. É a época do florescimento da poesia galaico-portuguesa e, paralelamente, também o momento em que o pequeno Condado Portucalense se torna independente – em 1143- e nasce o reino de Portugal. Inevitavelmente, a independência de Castela e Leão teve efeitos na língua. Os primeiros documentos escritos em português – e portanto já divergentes do galaico-português tradicional – foram por ordem cronológica “ A notícia dos fiadores” em 1175 e o testamento de D. Afonso II em 1214.

D. Dinis, em 1290, decreta que o galego-português passasse a ser designado como português, e a ser falado na corte em vez do latim. Em 1296, o português torna-se a língua usada na Chancelaria régia, na redacção das leis e dos documentos notariais. O próximo passo em frente uniu, como une sempre, a língua, a história e a geografia. Portugal precisava de assegurar a sua independência face a Castela, após sucessivas guerras. A expansão marítima era não só uma opção, mas uma necessidade de sobrevivência. Os Descobrimentos portugueses foram a resposta a essa necessidade, com consequências naturais na evolução da língua: as viagens à Índia, ao Brasil, a África, o convívio com múltiplas culturas, repercutiram-se no português. “ Os Lusíadas” foram o testemunho maior dessa epopeia. Uma obra que foi literalmente tirada do mar – quando o poeta, na Ásia, teve de resgatar o manuscrito após um naufrágio. Vários séculos depois, seria Fernando Pessoa com a “ Mensagem” a traçar esse pacto de sangue e de língua que une Portugal ao mar, relatando essa aventura do povo português ao longo da sua história. Entre Camões e Pessoa, está a língua portuguesa, que atravessou séculos e ganhou novos territórios, diferentes dialectos, desaguando no mundo. Hoje o Português é múltiplo – é de Portugal, do Brasil, de Angola, Moçambique, de Macau, é das comunidades portuguesas. Da nossa língua vê-se o mar, mas chega-se a todo o lado.

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Texto Rui Marques


Parceiro

AM/FM arts & crafts atelier

a

É um Atelier de artes que junta a produção artística com o design de produto, afirmando-se em múltiplas áreas criativas.

www.facebook.com/am.fmatelier/info

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Ilha dos Amores

Embarquemos no

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Mar da Poesia !

O mar e a Paixão A Ilha dos Amores é uma rubrica que resulta de uma parceria entre a revista Sotaques Brasil/Portugal e o Projecto cultural Vadiação poética, divulgando novos valores da poesia, e promovendo a ponte cultural e linguística entre os poetas da língua portuguesa, e a relação entre o Brasil e Portugal.

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Ilha dos Amores

Sabias a Mar, Amor

Sabias a Mar, Amor mas eu não te percebia Nos lábios vertias uma sede de corais exóticos perdidos numa Ilha do Oriente E eu seguia-te, amor, como um marinheiro perdido sem bússola Éramos duas forças, tocando-se, a onda que embate na rocha, às vezes suave às vezes violentamente a espuma que se desfaz na areia em promessas de Futuro Sabias a Mar, amor mas eu não te percebia e um dia a Tempestade chegou as estrelas desalinharam-se do firmamento perdeu-se a inocência o Mar fez-se bravio e tudo acabou a nossa memória esfumou-se num tolo desencontro Sabias a Mar, Amor, Mas eu perdi-te para sempre

Autor : Gonçalves Guerra é o pseudónimo literário do escritor e jornalista Rui Marques. Com obra poética editada, a sua poesia é uma viagem irónica e lírica sobre a poesia e a voz que ela projecta no mundo e nos homens, que nos faz rir, reflectir e observar tudo aquilo que nos rodeia com mais atenção.

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Parceiro

Vadiação Poética Projecto Cultural Independente: Degustamos, Desconstruímos, Difundimos: Poesia. Programa de Rádio Circunscrito à Poesia, e Projecto Impulsionador de actividades variadas inerentes à Poesia, no intuito principal de difusão de novos Poetas, e de sedução colectiva à Arte da Poesia.

www.facebook.com/vadiacaopoetica

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Ilha dos Amores

Assim, do nada me obriga Assim, do nada me obriga A encetar todas as verdades publicas De me em ti me encontrar Libertino amor amado Em olhos de medusa feiticeira deusa Olhos de magia cores de fogo renascido em mim De águas de tristeza secadas De águas de amor em ti onduladas Me eleva a alma no coração da tua caravela Abrandando as cinzas frias Nos extremos polares, energeticamente Vem amor,´ Deita-te aqui no canto do meu ombro, Os meus olhos te prometem a calma aos teus temores Tremores do meu espirito não te sossegar Nos terramotos deste nosso sentimento Tecto habitáculo das nossas eucaristias Recolhendo em jazigos todas as ervas trevas traiçoeiras Nos brandos piedosos olhares Repousando todas as calmas mansas águas Das caravelas saqueadoras das aventuras por nós navegadas sobre as proas do tempo, ancoradas nos portos das nossas vidas, nunca limitando todas os gastos de esforço de nos amarmos em público. Vem amor. Afasta os tempos do passado nas águas turbulentas dos tubarões esfomeados. Explode nas minhas ondas, naufraguemos juntos nas areias finas das estrelas, que já rejubilam de emoção em nos banhar com a verdade das suas luminosidades coloridas orquestrando todas as notas felizes de agora mudar o tempo deste chão penoso em tempos de vida em passos compassados dos nossos beijos.

Autor: Vítor Hugo Moreira Vitor Hugo Moreira nasceu alucinações (short stories), Poética e é co-autor do du É ainda ator de teatro ama

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u a 6 de Dezembro de 1983, na vila de Recarei no Porto. É autor de Devaneios (poesia) e histórias, crónicas e , desenvolve vários projectos literários e culturais, integra o painel de locução do programa de rádio Vadiação uo de poesia ao vivo Poemó’Copo e do projecto Poemó’CoRpo (poesia, música e dança burlesca) . ador.

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Ilha dos Amores

Oceano dentro da Língua I

um pretérito escabroso...

papel de jornal, copo vazio no mesmo território da folha e mil memórias ali se engolem obtusas.

Re in vento

Epígrafes salientes Turvas linhas Sob o fundo sombrio Deu-se o ultimo gole Antes da imagem morrer de frio

A espiral do tempo Onde está escrito Onde repousa o sonho Inacabado. Onde míngua Tudo o que acredito O enredo dum risco Bem forjado.

nasci quente depois do toque roubado, o primeiro suspiro na superfície clara do amor movediço

bem acostumado à soma esquecida e presente das fases de planeta sem lua, mão sem gesto, voz sem palavra, alma sem corpo, lavrando calma o morto em cada cesto de não em nós.

E me veio O viço decrescente... A saga Tépida Do coração adestrado... Vivo minha morte Sempiterna E sorrio...

Eis, então, A última estrofe Que me cabe sob a folha Suja de palavra Silenciando atroz O calor do centro do sol E de nós Com um mergulho instintivo e conclusivo n’água.

sorrio desinfinito, mosca que pousa nos brinquedos novos esquecidos no entulho, e penso aflito a língua na púbis da veia:

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Autores : Daniele Negreiros e Gavine Rubro Gavine Rubro nasceu em Faro e vive atualmente em Veneza : sua poesia parte da crença na supremacia artística da mulher, e entende a escrita como um modo de respiração natural. Nunca participou em concursos literários. Daniele Negreiros é uma poeta brasileiro do Rio de Janeiro, autora do livro de poemas “ Poesia de risco”, que se assume como uma pessoa normal, um tanto desigual, que se deleita no trivial. Escreve no blogue www.poetisaescabrosa.blogspot.pt


II Um mar separa submerge Silencia. Jaz... Minh’alma... Carne... Sangue... pranto... Intra-morte Absoluta clausura Sem alforria. Infra-força Além das linhas do globo Noite ou dia... Uma palavra Estancando a dor Canta-me n’ouvido A Isquemia Talvez, essa, A filosofia A fuga... De todo poeta E a verdade De toda Poesia. sigo o olhar dos lugares e cedo o retrato para tintas modernas. minh’alma fugidia simples e azeite, oceano que separa a língua portuguesa. arrasar o assim-assim a culpa estalactite de musgo na gruta de enxofre do medo. o que é bom é isto; o que é bom

é o além do poema, as palavras que nele se escondem, que nele se sobrepõem escondem riem do e com o leitor, as palavras, não sei o que são, mas a poesia, é Carnaval e Samba e Lama e Fado e Ponte e Nau e Rei e sei que não há ressaca nem esguicho motor, a panela que escorre água por acaso, e arte, vem do mesmo processo, do mesmo acaso.

feroz e pluvial Um trago demorado da sinestesia do mais interior nos poemas.

III Eis sem leis O sabor do caldo... o pecado sob furor Remexido escavado Temperado E provado, na polpa dos acasos. Eis a inquietação passos em volta da matéria iniciante subtil do fim d’uma obra [Que se estenda...] [quem quiser, que entenda...] Que nos traga, piedosa,

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Editorial Portugal e Brasil reencontram-se através da revista Sotaques Aconteceu num brevíssimo lapso de tempo – nos primeiros dois trimestres de 1915. Um grupo de artistas e intelectuais portugueses e brasileiros lançavam-se numa aventura comum – a revista Orpheu – que passaria a ser distribuída nos dois lados do Atlântico. Os directores da nova revista, que nasceu na segunda década do século, eram o português Luís de Montalvor e o brasileiro Ronald de Carvalho, e o editor era o jovem António Ferro, mais tarde responsável pela propaganda do regime de Salazar, e protector da arte e dos artistas. Como colaboradores, iluminavam essas primeiras duas edições cometas como Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro, Almada de Negreiros ou Amadeo de Sousa-Cardoso. Fugaz e excecional, a revista Orpheu marcou as tendências estéticas e literárias do país. Foi graças a ela que uma geração ganhou o apelido de geração de Orpheu – foi ela a casa criativa onde Fernando Pessoa, através do seu heterónimo mais futurista e rebelde, Álvaro de Campos, publicou a “ Ode triunfal” do seu companheiro de viagens literárias, Mário de Sá Carneiro, ou de artistas plásticos como os já referidos Amadeo de Sousa Cardoso, Almada Negreiros ou Santa Rita, puderam expressar o seu talento artístico.

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certos, habitarão os artistas dos dois países nas mais variadas áreas. Nascemos também da conjugação das artes gráficas e plásticas. A partir da ideia original de um jornalista e poeta português, Rui Marques, e de um designer brasileiro, António Bernardini, unindo dois povos que têm de aprofundar a sua relação cultural, e mostrando as expressões de criatividade cultural e artística que permanecem ocultas do conhecimento público. Nesta primeira edição da revista Sotaques Brasil/Portugal, a música e a literatura vão ser as grandes protagonistas. A música porque destacamos novos valores da música nacional, a Literatura pois fazemos uma viagem nada convencional ao universo de Fernando Pessoa, e relemos um extraordinário livro de José Saramago sobre a vida e morte atribulada de um dos seus heterónimos, Ricardo Reis, no Portugal de Salazar. Sejam bem vindos a esta vossa casa. Habitem-na, experimentem-na, criem. E sobretudo comuniquem. Porque Portugal e o Brasil têm de comunicar mais e melhor e serem, definitivamente, o ponto de partida para percorrermos em conjunto a geografia cultural e artística dos países de língua portuguesa no mundo.

Quase cem anos depois, a revista online Sotaques toma essa passagem de testemunho e escreve a sua própria história. Como Orpheu, a revista Sotaques é um meio de comunicação entre a cultura portuguesa e brasileira, um casa comum onde, estamos

Arlequim Bernardini

Editor: António Bernardini Diretores: Rui Marques e António Bernardini Colaboradores

Ficha Técnica

Vítor Moreira Diogo Leal António Granja Fátima Gonçalves Daniele Negreiros Gavine Rubro Gonçalves Guerra António Santos

Telefone: 351 917 852 955 - 916622513 E-mail: antonio.sotaques@gmail.com - rui.sotaques@gmail.com

www.sotaques.pt - www.facebook.com/sotaques

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