Catálogo de maio de 2010

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KAMINAGAI, tADAsHI HiroSHiMa, JaPão, 1899 – PariS, França, 1982 Por decisão de seu pai, frequentou a partir dos 14 anos um monastério budista, que dois anos mais tarde o enviou para a Indonésia. Ali, trabalhou até os 27 anos em plantações de borracha, coco, café, milho e arroz. Mas, decidido a ser pintor, retornou ao Japão e de lá partiu imediatamente para Paris, onde foi acolhido por Foujita, que o aconselhou nas primeiras questões técnicas de pintura. Conheceu Kees van Dongem, que o apresentou aos grandes mestres da Escola de Paris, como Bonnard, Matisse, Marquet, Manguin, Braque, Chagall, Derain, Segonzag e Dufy, os quais passaram a emoldurar seus quadros na pequena oficina que ele montara na capital francesa. Começou a expor em 1930, participando dos salões das Tulherias e de Outono. Retornou ao Japão em 1940, mas ali um conselho de Foujita, o levou ao Brasil. Tomou um navio com a intenção de chegar ao México. Acabou aportando no Rio de Janeiro, no ano do ataque japonês a Pearl Harbor. No Rio, voltou a fazer molduras, tendo como auxiliares, em épocas diferentes, Tikashi Fukushima, Flávio-Shiró e Inimá de Paula. Pintor fovista, foi um típico representante da escola de Paris, expressando seus temas, antes de tudo, através da cor, que nele sempre foi vibrátil. Carregou sua pintura de um lirismo que é, ao mesmo tempo, uma lição de profundo amor à vida. Daí, também, a presença, ao lado da paisagem, de um outro tema recorrente, a flor, símbolo desse seu apego à vida, aos amigos, à família e, sobretudo, à própria pintura, fonte de prazer e de alegria. Soube captar e transmitir em suas telas a diversidade de nossa paisagem: o verde e a quietude amazônicas, a agitação e luminosidade das praias cariocas, o colorido da arquitetura de Salvador e São Luís. Nunca se manteve indiferente a essa diversa paisagem que o comovia. No Brasil, participou do Salão Nacional de Belas-Artes (1941), do qual seria júri em 1948, recebendo medalha de prata; e da Bienal de São Paulo (1953). Realizou sua primeira individual no Hotel Serrador, Rio de Janeiro (1946), à qual se seguiram outras em São Paulo, Salvador, São Luís e Belém. Retornou a Paris em 1956, um ano após realizar mostra na Embaixada do Brasil em Tóquio. Voltaria a expor no Rio de Janeiro (1980, 1981, 1985 e 1986), sempre na Galeria Realidade. No terceiro aniversário de sua morte, em 1985, foram realizadas mostras simultâneas do artista no Museu Nacional de Belas-Artes e na Galeria Realidade, levadas, a seguir para o Museu de Arte de São Paulo e a Galeria a Ponte, São Paulo. Em 1986, figurou na mostra “Tempos de guerra”, na Galeria Banerj, Rio de Janeiro. Bibliografia: Frederico Morais. Tempos de guerra, cat. exp. (Rio de Janeiro: Galeria Banerj, 1986). KApOOR, ANIsH BoMBaiM, índia, 1954 Filho de mãe judia e pai hindu, Anish Kapoor tinha dezessete anos quando se transferiu para Londres, onde iria frequentar o Hornsey College of Art (1973-1977) e a Chelsea School of Art (1977-1978). Realizou sua primeira individual na galeria Patrice Alexandre, de Paris, em 1980. Seguiram-se exposições nas galerias Lisson, de Londres (1982), Venster, de Rotterdan, Walker, de Liverpool e Le Nouveau Musée, de Lyon, França, todas em 1983. Ao lado de Tony Cragg, Anthony Gormley, Alisson Wilding e Bill Woodrow foi um dos renovadores da escultura inglesa, que se impôs internacionalmente a partir da década de 1980 juntamente com a transvanguarda italiana e o neoexpressionismo alemão. Reunidos na mostra “Transformações: nova escultura da Grã-Bretanha”, Kapoor e os escultores referidos foram o principal destaque da Bienal de São Paulo em 1983. Mostra que a seguir foi apresentada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Os quatro escultores não constituíram, entretanto, um grupo, tampouco desenvolveram um estilo comum. Nicholas Serota, apresentando-os na Bienal paulista, observa que enquanto Cragg e Woodrow mostram o homem na sociedade contemporânea e os contrastes de culturas e valores, Gormley e Kapoor se preocupam com o ser: o mistério e o deslumbramento da criação, o ciclo da vida e a dicotomia entre o físico e o intelectual. Kapoor confirma Serota: “Não tenho preocupações formais. Não quero fazer esculturas de formas. Quero fazer esculturas sobre crença, paixão e experiência, alheio às preocupações materiais”. Passado o impacto coletivo da nova escultura inglesa, cada um seguiu o próprio rumo. Kapoor, que recebeu em 1991 o mais importante prêmio de artes plásticas da Inglaterra, o Turner, participou das bienais de Veneza (1982 e 1990), Paris (1983) e São Paulo (1996), e da Documenta de Kassel (1992), figurando em importantes coletivas na Europa e nos Estados Unidos. Depois de duas participações na 338

Bienal paulista, Kapoor realizou mostra individual no Centro Cultural Banco do Brasil (Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília) em 2006-2007. Nessa ocasião, em diversas entrevistas, reafirmou seus pontos de vista polêmicos sobre o significado da obra de arte e o papel do artista no mundo atual. Em face das calamidades em curso no mundo atual, sustenta que “ser artista, hoje, é um ato político contra as forças negativas”, mas, ressalva: “Não podemos querer que a arte faça política, ela não é boa para isso”. Ou: É importante que nessa era em que tudo gira em torno do capitalismo – tudo mesmo – existam pequenos momentos na vida que não sejam em torno do dinheiro, mas um estímulo a ser de uma forma profunda. Acho que a arte é boa para lidar com questões filosóficas, questões como: “por que estamos aqui?”, “qual o significado da vida?” Bibliografia: Nicholas Serota. Transformações: nova escultura na Grã-bretanha (XVII Bienal de São Paulo, 1983).

KRAJCbeRG, FRANs kozieniCe, Polônia, 1921 Sua família foi dizimada em campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial. Preso, conseguiu fugir, ficou doente e foi internado em Minsk, capital da Bielo-Rússia, onde, durante sua convalescença, começou a pintar. Estudou engenharia em Leningrado. Em 1941, com a invasão da URSS pelos alemães, Krajcberg foi incorporado ao exército polonês e, com a patente de oficial, ajudou a construir pontes de emergência no front. Terminada a guerra, decidiu dedicar-se integralmente à arte. Partiu para Stuttgart, na Alemanha, onde frequentou por quase dois anos o ateliê de Willy Baumeister. Viajou a seguir para Paris, onde, sem dinheiro, permaneceu pouco tempo. Com ajuda financeira de Chagall, tomou um navio para o Brasil, aportando no Rio de Janeiro em 1947. Transferiu-se para São Paulo, empregando-se como servente no Museu de Arte Moderna daquela cidade e, como tal, ajudou a montar a I Bienal de São Paulo, em 1951, na qual expôs três obras. A seguir, durante quatro anos, trabalhou na empresa Klabin, no interior do Paraná, morando numa floresta de araucária, onde continuou pintando e produzindo cerâmica. Em 1956 mudou-se para o Rio de Janeiro, dividindo com Franz Weissmann um ateliê no bairro de Laranjeiras. Com o dinheiro do prêmio de melhor pintor brasileiro recebido na Bienal de São Paulo em 1957, voltou a Paris, onde presenciou ao mesmo tempo o esgotamento do tachismo e os lances iniciais do novo realismo, permanecendo até 1964. Intercalou sua estada na capital francesa com diversas viagens a Ibiza, Ilhas Baleares, na Espanha, onde, habitando uma gruta próxima do mar, deu início às suas terres craquelées. De volta ao Brasil, instalou seu ateliê ao ar livre no sopé do Pico do Itabirito. A permanência de um ano em Minas Gerais resultou em uma transformação definitiva no desenvolvimento de sua obra. Evolui dos quadros-objetos para as esculturas feitas com raízes e partes carcomidas de árvores retorcidas, que ele transforma, com ajuda de pigmentos naturais, em flores viris. Desde 1972 vive em Nova Viçosa, no Sul da Bahia, em uma casa no alto de uma árvore centenária, de onde pode contemplar ao mesmo tempo o mar e a Mata Atlântica. Estimulado pela força expressiva dos manguezais vizinhos, renova seu vocabulário plástico, realizando esculturas quase puritanas. Fazendo de Nova Viçosa pião de seus constantes deslocamentos geográficos, viaja de tempos em tempos a Paris, onde mantém ateliê em Montparnasse, e vai a Minas para recolher pigmentos naturais com os quais recobre suas esculturas e entinta suas gravuras. Ou, motivado por novos desafios, desloca-se para a Amazônia em viagens que podem durar meses, percorrendo rios e florestas, e para o Mato Grosso, onde, de início, documenta fotograficamente, em imagens dramáticas, as enormes queimadas. A expedição que realizou em 1978 ao rio Negro, acompanhado de Pierre Restany, resultou no Manifesto da Natureza Integral – um documento lido e discutido em todo o mundo. Com ênfase ainda maior a partir do impacto das queimadas, sua arte ganhou novos significados, ampliando sua capacidade de nos fazer indignar e aprofundar nossa consciência ecológica. Desde então, sua tarefa criativa consiste em buscar o invólucro formal para sua revolta. Para Krajcberg, a questão hoje é: “Como fazer gritar uma escultura como se fosse sua própria voz”. Figurou nas bienais de São Paulo (1951, 1963 e 1977, 1989/sala especial e 1992); Veneza (1964), na qual recebeu o prêmio Cidade de Veneza; Bahia (1966 e 1968); Menton, França (1969); Montevidéu (1983); Havana (1984); no Salão Comparaison, Paris (1961, 1965 e 1968); Salão de Maio, Paris (1969); Salão Nacional de Arte Moderna – sala especial “Arte e seus materiais”,

Rio de Janeiro (1984); na “Exposição internacional de esculturas efêmeras”, Fortaleza (1986); no “Panorama da arte atual brasileira”, São Paulo (1974); e nas mostras “Arte e matéria”, Montreal, Canadá (1964); “Nova arte brasileira”, Mineápolis, Estados Unidos (1962); “Visão da terra”, Rio de Janeiro (1977); “Face a la Machine”, Paris (1984); “Madeira, matéria de arte”, Rio de Janeiro (1984); “Arquitetura de terra”, Rio de Janeiro (1984); “Modernidade – arte brasileira do século XX”, Museu de Arte Moderna da Cidade de Paris (1987); “Brazil projects, PS-1”, Nova York (1988); “Mestres da escultura contemporânea”, Jogos Olímpicos de Seul, Coréia (1988); “Villette-Amazone – Manifesto para um ambiente no século XXI”, Paris (1996); “Escultura brasileira”, Washington, Estados Unidos (1997); “Être nature”, Paris (1998); “Les champs de la sculpture” (escultura ao ar livre), França, Bélgica, Holanda, Austrália, Japão e China (1999). Realizou individuais no Museu de Arte Moderna de São Paulo (1952); Petite Galerie, Rio de Janeiro (1955); Galerias do Século XX, Paris (1960); Bonino, Rio de Janeiro (1960); Galeria del Naviglio, Milão (1962); Galeria 27, Oslo, Noruega (1962); Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro (1965, 1974, 1984 e 1992); Galeria Relevo, Rio de Janeiro (1966); Museu de Arte Moderna de Israel (1969); Espace Pierre Cardin, Paris (1972); Centro Pompidou, Paris (1976); Galeria Arte Global, São Paulo (1976); Galeria Jean Boghici, Rio de Janeiro (1981); Galeria Thomas Cohn, Rio de Janeiro (1986, 1989 e 1992); Casa França-Brasil, Rio de Janeiro (1995). Bibliografia: Pierre Restany. Catálogo de exposição (Paris: Georges Pompidou, 1975). Antônio Houaiss. Kracjberg Natura (São Paulo: Index, 1987). Pierre Restany. Imagens do fogo, cat. exp (Rio de Janeiro: Museu de Arte Moderna, 1992). Frederico Morais. Frans Krajcberg: a arte como revolta (Rio de Janeiro: GB Arte, 2000). Filmografia: Walter Salles Jr. Krajcberg: o poeta dos vestígios, 1987.

LHOte, ANDRé Bordeaux, França, 1885 – PariS, França, 1962 Autodidata, começou a participar dos salões de arte de Paris em 1906 (Salão dos Independentes) e 1907 (Salão de Outubro). Realizou sua primeira individual em 1910, recebendo elogios de André Salmon, Apollinaire e Jacques Rivière. Oficialmente não participou do cubismo, mas em suas pinturas tangenciou várias questões que permeavam a estética do movimento. Por nunca ter rompido totalmente com a figura, esteve mais próximo do cubismo sintético de Gleizes e Gris que do cubismo analítico de Braque e Picasso. Frank Elgar, tomando como referência a tela Rugby (1917), descreve o método e as concepções de Lhote: Transcrição geométrica das figuras ou dos objetos, nítida articulação de planos pelo contorno e pela cor, composição sutilmente hierarquizada, pesquisa de movimento, inteligibilidade da escritura. Sempre apaixonado pela perfeição, Lhote deseja que tudo entre no quadro: forma, luz, espaço, inteligência e sensibilidade, dinamismo e estabilidade. O que é tentar o absoluto. Diz, no entanto, que “cada uma de suas obras parece ser uma demonstração, mais que uma efusão”. Pintor, teórico e professor, André Lhote exerceu a crítica de arte e publicou diversos livros, dos quais os mais conhecidos são Traité du paysage e Traité de la figure. Transformou seu ateliê da rue Odessa, 18, em Paris, em academia de arte, recebendo jovens artistas de várias partes do mundo. Terá sido, entre os mestres-artistas franceses, desde os tempos da nossa Academia Imperial, o que mais artistas brasileiros ajudou a formar. Entre outros, Tarsila do Amaral, Francisco Brennand, Ione Saldanha, Antônio Gomide, Vera Mindlin, Teresa Nicolao, Mário Silésio, Genaro de Carvalho, Frank Schaeffer, Sérgio Campos Mello e Iberê Camargo. Este, em depoimento escrito em 1969, afirmou: Hoje, decorridos vinte anos, posso afirmar que minha experiência na Academia Lhote foi a mais proveitosa na minha formação de pintor. Encontrei aí a certeza das minhas intuições. Não que minha obra tenha influência da pintura de Lhote. Refiro-me à influência – e a valorizo – que exerceu na minha compreensão dos valores pictóricos. Ele, como nenhum outro, fez-me ver as identidades na solução da cor, de valor, de ritmo, enfim, de todos os elementos de linguagem pictórica no mundo da pintura, que abrange todas as épocas. […] Seu tratado de anatomia era a geometria: “Il faut geométrizer”. Preocupado em criar obra clássica, permanente, repetia: “Il faut refaire les anciens maitres”. Fez sentir, evocando a obra de Cézanne, que o verdadeiro revolucionário nem sempre é o mais exaltado, aquele que na sua época parece ocupar a vanguarda. Em agosto de 1952, convidado pela Prefeitura do Rio de Janeiro, André Lhote deu um curso prático de três


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