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Jornal Extra Classe, ano 19, número 187 | Especial doação de órgãos e tecidos | setembro de 2014

Santa Catarina lidera o ranking de doações fez sua especialização na Espanha. Andrade está convencido de que, antes de investir em publicidade sobre doação de órgãos, é preciso preparar os profissionais de saúde. As técnicas de comunicação com as famílias no momento da doação, difundidas em cursos, são fundamentais para alcançar os resultados atuais”. A gente não pede órgãos, a gente oferece a possibilidade de doação e a doação é um consolo de que outros deixam de morrer, dá um sentido à vida”, diz. Os cursos ensinam como o médico pode ajudar uma família Joel de Andrade, coordenador do SC Transplantes, de Santa Catarina a tomar a decisão e permitem diminuir também a tensão do profissional de saúde. “A principalmente em relação aos transplantes hepáticos. doação é quase um efeito colateral da boa comunica- A lista de espera por órgãos ainda é grande, é preciso ção”, reflete. Postura, tom de voz, comunicação não avançar mais, analisa Andrade. Falta uma política naverbal, sem julgamentos: é preciso ouvir o familiar, cional de Coordenação de Transplantes, assim como entender que há um primeiro momento de negação existe a coordenação de órgãos, e é importante introda morte, esperar a assimilação da dor. duzir o tema nos currículos das escolas de Medicina e Atualmente, a SC Transplantes atende a deman- Enfermagem. “Doação de órgãos não é uma causa, é da de Santa Catarina e também de outros estados, uma questão de saúde pública”, afirma.

Foto: Igor Sperotto

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estado de Santa Catarina é líder nacional em doações de órgãos para transplantes nos últimos oito anos. Até junho de 2014, a Central de Transplantes daquele estado atingiu a marca de 29,4 doadores por milhão de população, índice que se aproxima da Espanha, referência em todo o mundo (veja artigo sobre o modelo espanhol na página 6). Os bons resultados podem estar relacionados a dois fatores: a capacitação dos profissionais de saúde para oferecer a doação de órgãos no momento doloroso em que uma família é comunicada da morte de um parente, e a portaria ministerial que prevê a profissionalização dos coordenadores de transplantes em nível hospitalar. Desde maio de 2013, cerca de cem coordenadores recebem uma gratificação por desempenho da atividade através de um fundo administrado pelo Conselho Municipal de Saúde. A Central de Transplantes de Santa Catarina, conhecida como SC Transplantes, ligada à Secretaria Estadual de Saúde, começou a funcionar em 1999. Em 2008, passou por uma reestruturação e investiu em educação e formação com médicos como Valter Garcia, da Santa Casa do Rio Grande do Sul, e a sanitarista Selma Loch. “É impressionante os picos de doação que ocorrem após um evento de educação”, observa Joel de Andrade, médico intensivista e coordenador do SC Transplantes, que

Estudantes aprendem a cultura da solidariedade Foto: Igor Sperotto

cadastramento de doadores de medula óssea. “Fizemos um curso de capacitação para os alunos disseminarem a cultura doadora. Profissionais do Hemocentro deram palestras para professores, funcionários e estudantes”, conta Mariluce. No Laboratório de Informática da escola, os próprios alunos tiveram a ideia de criar um folheto com os dizeres: “Você pode ser a peça que está faltando”. Em 2011, Atividade desenvolvida por alunos para doação de cabelos foram para o Parque da Redenção divulgar e sensibiA ideia surgiu na aula de Ciências, em 2009, com lizar doadores. E desde então a história se repete, ala turma da 7ª série. A professora Mariluce Campos, da ternando campanhas de doação de sangue e medula. Muitos pais e mães foram pegos de surpresa. Escola de Educação Básica Rainha do Brasil, em Porto Alegre, estava ensinando os tipos sanguíneos e um aluno No início, diziam que não tinham tempo para “tirar comentou que tinha lido no jornal uma notícia sobre a a medula”. Foi preciso explicar o que é a medula, e dificuldade de conseguir doadores de sangue porque as que, num primeiro momento, para se cadastrar basta pessoas não queriam doar, ou tinham medo. “Pior do doar sangue. Como a idade mínima para doação de que isso, pensou Mariluce na época, há um agravante que sangue é 16 anos de idade, desde que acompanhado é a falta de doação de órgãos para transplante”. As aulas por um adulto, e para medula é 18 anos, os jovens, continuaram com a análise da tipologia de sangue doado estimulados pelas campanhas, agora ficam ansiosos voluntariamente por professores. Na amostragem, ficou esperando para contribuir. Desde 2013, uma nova ideia sugerida por duas claro que o tipo O, universal, era o mais raro. A turma decidiu então promover uma campanha de conscienti- alunas começa a tomar forma. O desafio é ampliar a zação na escola e na comunidade para estimular a doa- cultura doadora. Até o final de 2014, elas vão mobilição. Fizeram uma parceria com o Hemocentro, e quan- zar o Grêmio Estudantil, a banda da escola, imprimir do, no segundo evento programado, a unidade móvel de camisetas e fazer vídeos para engajar o maior número coleta de sangue estragou, ampliaram a proposta para o de pessoas no desenvolvimento da consciência de que

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é importante doar órgãos e tecidos. “Queremos que os alunos sejam os protagonistas e participem de todo o processo”, incentiva Mariluce. Ao que tudo indica, a lição está sendo bem aprendida. No colégio com uma população de 1 mil estudantes, até as crianças do turno integral estão engajadas no espírito de solidariedade. Isabela Silva da Cunha, 11 anos, viu uma reportagem na televisão sobre doação de cabelos para quem tem câncer, e comentou na aula da professora Luciana Ribeiro do Carmo. A professora gostou da ideia e resolveu cortar seu próprio cabelo. Em seguida, 11 meninas e outra colega a imitaram. Descobriram que cortar cabelo não só não dói, e cresce rápido, mas principalmente que uma mecha de apenas 10 centímetros unida a outras mechas pode virar peruca e colorir com um sorriso o rosto de quem sofre com uma doença cujo medicamento pode provocar a perda dos pelos. DOAÇÕES – Os cabelos doados pelas crianças que estudam na Escola Rainha do Brasil são recolhidos pela ONG Cabelaço (https://pt-br.facebook.com/cabelacors). Unindo mechas, esta ONG propicia a criação de perucas que são doadas a jovens com câncer cujos cabelos caíram com o tratamento. A foto que abre a página do Cabelaço no Facebook dá uma ideia de como um ato solidário simples como esse pode ser tão gratificante para quem recebe a doação.


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