DESCENTRALIZAÇÃO DA GESTÃO ESCOLAR EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO

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DESCENTRALIZAÇÃO DA GESTÃO ESCOLAR EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO Daniel Tomaz de Araújo (UFPB) taunai21@hotmail.com.br Polyana Lopes Oliveira (UEPB) polly.lopes@hotmail.com Roberlandia Araújo de Sousa (UFPB) roby.s_araujo@hotmail.com Romário da Silva Gomes (UFPB) romario.adm5@gmail.com

Resumo: O presente trabalho tem por finalidade compreender a possibilidade de descentralização da gestão escolar em tempos de globalização. Nesse sentido, buscou-se perceber a influência desta no processo educacional, entender a gestão escolar como um instrumento de participação coletiva, observar o ato de gerir como um processo de mediação e não de controle, lançar um olhar critico sobre a educação, buscando identificar quais elementos inerentes a ela contribuem para a emancipação ou para a dominação dos sujeitos nela envolvidos. Para tanto, utilizou-se neste estudo o método exploratório com um trajeto bibliográfico, com base em trabalhos já desenvolvidos em torno da problemática. Diante disto é possivel compreender a importância em se aproveitar o espaço da escola pública para que sejam colocadas em prática modelos de gestão mais democráticos e participativos, onde todos tenham direito a ouvir e serem ouvidos. Palavras-chave: Globalização, Gestão escolar, Descentralização, Democratização.

1 Introdução Vivemos em uma sociedade global que prega a valorização do capital, da iniciativa privada em detrimento da atuação da esfera estatal. Tal proposta neoliberal considera que o Estado seja incapaz de gerir os recursos públicos, passando então a administração desses recursos a esfera privada. Sem a administração do Estado, a iniciativa privada encontraria concorrência e se esforçaria para prestar um serviço de qualidade à população. Portanto, boa qualidade estaria associada ao valor de compra e não ao direito, à cidadania. Nessa perspectiva, Burbules & Torres (2004, p. 15) afirma que: Com a implementação de políticas neoliberais, o Estado omitiu-se de sua responsabilidade de administrar os recursos públicos para promover a justiça social, a qual está sendo substituída por uma fé cega no mercado


(por exemplo, nos apelos por mais privatizações de escolas, por “escolhas” e vales) e pela esperança de que o crescimento econômico gere um excedente para ajudar o pobre, ou que a caridade privada assuma aquilo que os programas estatais deixem de fora.

Neste contexto, a população perde o espaço público e gratuito de discussão e reivindicação, pelo fato do Estado se reduzir a uma participação mínima na gerência do bem público por ser considerado incapaz de fazê-lo de modo a promover a justiça social. Na educação, esses espaços continuam cada vez mais escassos enquanto que o processo de ensino e aprendizagem oferecido pela escola pública não tem a qualidade inerente a tal processo. Portanto, Costa (2001, p. 45) faz o seguinte comentário sobre a questão: A argumentação é poderosa: após décadas de gestão estatal, o que se encontra é um sistema escolar sofrível em todos os termos, espelho de uma sociedade absurdamente desigual. (...). Em suma, inépcia, corrupção,clientelismo, favorecimento, mau uso de recursos públicos, refração a controles democráticos, eis o quadro presente da escola no Brasil, a grosso modo. Por que, então, insistir na receita? Melhor não seria experimentar uma estrutura alternativa a um sistema educacional unanimemente reconhecido como fracassado?

A educação pública brasileira não desempenha com qualidade o processo de ensino e aprendizagem, deixando a camada menos favorecida da sociedade sem a aquisição dos conhecimentos que lhes são necessários para o convívio em sociedade. É nesse contexto que este trabalho está inserido, tentando compreender a escola pública enquanto espaço de participação coletiva e de discussão e reivindicação inerentes ao processo de gestão da educação. A busca de qualidade da escola pública é dever de todos nós: professores, alunos, pesquisadores, enfim, de todos os que podem ser chamados de cidadãos. 2 A influência da globalização no processo educacional A exclusão a que as camadas menos favorecidas estão sendo vitimadas se caracteriza por uma baixa qualidade do processo de ensino e aprendizagem oferecido pelas escolas públicas. Nesse sentido, Connell (2001, p. 11) assim se posiciona: Crianças vindas de famílias pobres são, em geral, as que têm menos êxito, se avaliadas através dos procedimentos convencionais de medida e as mais difíceis de serem ensinadas através dos métodos tradicionais. Elas são as que têm menos poder na escola, são as menos capazes de fazer valer suas reivindicações ou de insistir para que suas necessidades sejam satisfeitas, mais são, por outro lado, as que mais dependem da escola para obter sua educação.

Nesse sentido, percebemos a desigualdade exercida pela escola pública sobre as crianças pobres. Elas apresentam dificuldades de acompanhar o processo de ensino e aprendizagem pelas condições socioeconômico-culturais em que vivem, entretanto, as escolas não encontram uma solução para pelo menos minimizar essas dificuldades. Assim sendo, essas crianças que são as que mais precisam dos benefícios que a escolarização oferece, a fim de vencer as limitações que lhes são impostas e sair da situação em que se encontram continuam carentes de conhecimento e participação social. Faz-se


necessário um repensar sobre a contribuição da escola pública e gratuita para a emancipação da população menos favorecida da sociedade. Portanto, Lück & Lima (2006, p. 13) retratam a situação dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, conforme a seguir: Nas últimas décadas, a organização social de países desenvolvidos e em desenvolvimento passa por profundas modificações causadas por uma intrincada mescla de fatores: intenso deslocamento das populações rurais e das pequenas cidades do interior para capitais de regiões metropolitanas, o que acelera o processo de urbanização e periferização dos grandes centros; influencia de fatores econômicos e sociais provenientes do processo geral de globalização, o que leva a maiores e complexas demandas de mercado e qualidade de vida; rápida agregação das novas tecnologias da informação e da comunicação no cotidiano das pessoas, o que requer da sociedade civil e do poder público mais organização e democratização do acesso para determinados segmentos da população; além de vários outros fatores.

Nesse sentido, percebemos que diversos fatores convergem para a exclusão cada vez maior dos menos favorecidos do contexto social. Quando essas pessoas mais carentes tentam se deslocar para outros centros com a pretensão de melhorar a qualidade de vida, passam a morar em favelas e a enfrentar diversos problemas que as afastam ainda mais do processo de ascensão social. Em relação a explosão das novas tecnologias da informação e da comunicação, estas se tornam instrumentos voltados a aumentar a distância entre as classes sociais, se o poder público não assegurar uma política de acesso as novas tecnologias pelos segmentos mais carentes da sociedade. No caso específico do Brasil, Lück & Lima (2006, p. 13) assim se expressam: Em países com as características estruturais como as do Brasil, essas causalidades interagem com variáveis socioeconômicas e culturais/educacionais, que provocam problemas com a violência social endêmica, o clientelismo e a corrupção política, as cooptações entre poder e mídia e os baixos níveis de qualidade de vida, por exemplo.

Diante do exposto, os problemas hora vistos se concretizam das mais variadas formas conforme fatores socioeconômicos e culturais em que se encontra a população. Nesse sentido, diante desse cenário, a educação ganha novas responsabilidades e deve passar por profundas transformações para acompanhar esse cenário de mudanças. Em relação a esse processo de transformações, Vasconcellos (2002, p. 51) se posiciona da seguinte forma: O movimento de democratização e qualificação da educação é um amplo e complexo processo, que tem como meta a mudança da prática de sala de aula e na escola. Neste, a equipe diretiva (direção, supervisão, coordenação pedagógica, orientação educacional) tem um importante papel dada sua influência na criação de um clima organizacional favorável.

Portanto, faz-se necessário um repensar do papel da escola dentro da realidade social complexa que vivemos. A escola deve mudar sua postura a fim de que ela não se torne um instrumento de exclusão das classes subalternas e, sim, oportuniza-las meios de progresso e de solução para as dificuldades em que se encontram. É neste contexto que o processo de gestão democrática deve ser implantado na escola, tendo em vista a participação


de toda a comunidade escolar e extra-escolar na tomada de decisões da escola para que a democratização seja algo notório no âmbito escolar. 3 Gestão escolar: um instrumento de participação coletiva A sociedade passa por profundas transformações. O processo de globalização adentra a educação e esta passa a ser oferecida com distinção às diversas classes sociais. Em meio a esse contexto, sentimos a necessidade de se implantar, na escola, um modelo de gestão em que toda a comunidade (escolar e extra-escolar) participe da organização escolar como um todo. Nesse sentido, Paro (2001, p. 97) assim se posiciona: Se os fins humanos (sociais) da educação se relacionam com a liberdade, então é necessário que se providenciem as condições para que aqueles cujos interesses a escola deve atender participem democraticamente da tomada de decisões que dizem respeito aos destinos da escola e sua administração. (...) Dessa forma, a democratização da gestão da escola básica não pode restringir-se aos limites do próprio Estado – promovendo a participação coletiva apenas dos que atuam em seu interior - , mas envolver principalmente os usuários e a comunidade em geral, de modo que se possa produzir, por parte da população, uma real possibilidade de controle democrático do Estado no provimento da educação escolar em quantidade e qualidade compatíveis com as obrigações do poder público e de acordo com os interesses da sociedade.

A participação é um exercício da cidadania, uma vez que oportuniza reflexão e decisão coletiva do caminhar da escola. É através desse pensar coletivo que a escola percebe as prioridades a serem providenciadas no sentido de solucionar os problemas da escola, não perdendo de vista o foco na melhoria qualitativa da educação. A escola pública e gratuita deve se constituir em um espaço democrático de discussão e de tomada de decisões coletivas tendo em vista a participação de todos os segmentos envolvidos na escola. Esta postura atende ao princípio da democracia e do exercício da cidadania. A questão legal da gestão escolar está expressa na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN Nº 9.394/96 que, através de Brasil (1996, p. 14) assegura que: “Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: (...) VIII – gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino”. Diante do exposto, a gestão escolar deve ser assegurado através do ensino público para atender a uma exigência legal, oferecendo a comunidade uma educação democrática baseada em espaços de discussão e participação coletiva. Portanto, a LDBEN Nº 9.394/96 através de Brasil (1996, p. 17-18) assim se expressa: Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de: (...) VI – articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola; VII – informar os pais e responsáveis sobre a freqüência e o rendimento dos alunos, bem como sobre a execução de sua proposta pedagógica. Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de: (...)


VI – colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade.

A participação da comunidade na escola é, portanto, um imperativo legal a que deve ser atendido. A escola deve integrar as famílias das educandos e a comunidade às suas atividades de várias maneiras, propiciando um novo caminhar à escola. Diante do exposto, Lück et al (2005, p. 20) afirma que: Aos responsáveis pela gestão escolar compete, portanto, promover a criação e a sustentação de um ambiente propício à participação plena, no processo social escolar, dos seus profissionais, de alunos e de seus pais, uma vez que se entende que é por essa participação que os mesmos desenvolvem consciência social crítica e sentido de cidadania.

Portanto, percebemos que cabe ao gestor escolar propiciar e motivar toda a comunidade escolar e extra-escolar para a participação nas discussões e tomada de decisões. Com um gestor autoritário e centralizador, a escola passa a ser um espaço em que os talentos ficam escondidos e o trabalho se caracteriza como excludente e burocrático onde as decisões são tomadas e obedecidas priorizando uma organização vertical e hierarquizada. Nesta linha de raciocínio, Paro (2005, p. 12) assegura que: A esse respeito, é preciso aprofundar as reflexões de modo a que se perceba que, ao se distribuir a autoridade entre os vários setores da escola, o diretor não estará perdendo poder – já que não se pode perder o que não se tem -, mas dividindo responsabilidade. E, ao acontecer isso, quem estará ganhando poder é a própria escola.

No cotidiano da escola pública encontramos gestores que não oportunizam momentos de participação dos diversos segmentos envolvidos na escola por pensarem que, agindo assim, vão perder espaço e, consequentemente, sair da direção da escola para dar lugar a um outro integrante da escola que tenha se destacado. Esta postura não atende aos princípios da democracia, uma vez que o cargo de gestor não é propriedade exclusiva de alguém e também não é um cargo em que se deve centralizar todas as decisões da escola. O gestor escolar deve ser aquele que ouve, opina, distribui tarefas e motiva as outras pessoas a participar de todas as questões da escola. Agindo assim, o gestor pode deixar explícito a sua característica de liderança no exercício de suas atribuições. Portanto, Terjon (2006, p. 19-20) assim se expressa com relação a liderança: Liderança é mais uma forma de atuar do que um discurso. Ela se torna perceptível muito mais no comportamento da equipe do que nos treinamentos a ela oferecidos. Liderança é a arte de orquestrar, sensibilizar, capacitar.

Nesse sentido, a liderança passa a ter um caráter mais prático do que teórico. Através da organização de uma escola, é mais fácil perceber se existe espírito de liderança ou não. Ou seja, é através da prática da liderança que se torna líder mais do que através de treinamentos e palestras. É nessa linha de raciocínio que Terjon (2006, p. 47) se posiciona conforme a seguir: Para chegar a um cargo de direção ou ser empresário é suficiente, num primeiro momento, saber fazer tudo o que precisa ser feito. A medida que os desafios se


ampliam, porém, saber fazer não é mais suficiente. É preciso conseguir que os outros façam para poder crescer. Quem confiar apenas em si próprio nunca ampliará seus negócios.

O caminhar de uma escola depende de que todas as pessoas envolvidas no trabalho escolar demonstrem competências diversas para que contribuam da melhor forma possível para o oferecimento de uma educação de qualidade. Neste contexto, uma única pessoa não é capaz de resolver todos os problemas da escola, mas sim, um trabalho coletivo eficiente que compreende a escola como um todo, ou seja, tenha uma visão geral da escola. 3 Gestão democrática: exigência da sociedade globalizada Coutinho (2002) defende a idéia da democratização como valor universal, compreendendo que não são as formas concretas que a democracia assume em determinado contextos históricos, uma vez que são sempre passíveis de modificações e aprofundamentos, mas sim o processo de democratização, porque se expressa em uma crescente socialização da participação política, a qual tem valor universal. Em nossas experiências cotidianas, o conceito de administração ou gestão ainda tem se confundido com a idéia de chefia ou controle e isso tem se refletido no âmbito educacional. É comum encontrarmos instituições escolares onde as informações não saem da sala do gestor. No entanto, se buscarmos observar o ato de gerir ou administrar sob outro prisma, compreenderemos que este consiste, na realidade, em um processo de mediação e busca por atingir determinados objetivos. Nesse sentido, Paro (1986) define a gestão como sendo “a utilização racional de recursos para a realização de determinados fins.” Assim sendo, podemos desconsiderar aqueles modelos de gestão que desconhecendo seu caráter de mediação acabam centralizando o poder de discussão e informação e impossibilitando a participação no processo de tomada de decisões inerentes ao sistema educacional. Em contrapartida, mesmo estando inserida em uma sociedade que valoriza e perpetua as relações de dominação, aderindo ao caráter de mediação, a gestão encontra a possibilidade de interagir com inúmeros outros objetivos, sem desligar-se, no entanto, da finalidade do sistema ao qual pertence.Não ocorrendo isto, dá-se um processo de completa burocratização da atividade escolar e os objetivos acabam sendo deixados à margem. Conhecendo o papel que a escola desempenha na divisão social do trabalho e na reprodução do sistema vigente e, consequentemente, das classes sociais, podemos compreender a importância decorrente do processo de democratização dessas escolas. Visto que, segundo Bourdieu e Passeron (1976:220), O sistema escolar reproduz, a nível social, os diferentes capitais culturais das classes sociais e, por fim, as próprias classes sociais. Os mecanismos de reprodução encontram sua explicação última nas relações de poder, relações essas de domínio e subordinação que não podem ser explicadas por um simples reconhecimento de consumos diferenciais.

Assim sendo, faz-se necessário que todos que, de maneira direta ou indireta, lidam com a educação tenham conhecimento a respeito da importância do serviço prestado por


esse sistema, o qual segundo PARO (1986), “estando responsável por um serviço que se supõe necessário, desejável e útil a sociedade precisa que seu produto tenha especificações bastante rigorosas quanto à sua qualidade.” Pode-se perceber que defendendo os mesmos ideais da escola tradicional, a escola atual tem tomado como objetivo principal a preparação para o mercado de trabalho ou para o ingresso na universidade, objetivo este que não sendo socialmente relevante nem humanamente defensável, acaba por restrigir a função escolar ao ato de dar notas, aprovar alunos e os treinarem para realizar os testes típicos de vestibulares, concursos, etc. Deste modo, os alunos que deveriam estar freqüentando a escola para formarem suas personalidades enquanto cidadãos conscientes e autônomos acabam por reduzir-se a vítimas de um instrumento de reprodução social. Deste modo, é necessário que se desconsidere completamente a tendência atual presente no âmbito educacional de se resumir a gestão escolar a aspectos tecnicistas provenientes do sistema empresarial capitalista. Isso porque Se se pretende, com a educação escolar, concorrer para a emancipação do indivíduo enquanto cidadão partícipe de uma sociedade democrática e, ao mesmo tempo, darlhes meios, não apenas para sobreviver, mas para viver bem e melhor no usufruto de bens culturais que hoje são privilégio de poucos, então a gestão escolar deve fazer-se de modo a estar em plena coerência com esses objetivos. (PARO, 1997).

4 Escola: ambiente de emancipação ou de dominação? Tendo a educação uma finalidade social, ou seja, de humanizar os indivíduos e prepará-los para viver em sociedade, é fundamental que a escola ofereça as condições para que todos os envolvidos e interessados pelo sistema educacional participem de maneira democrática e ativa no processo de tomada de decisões referentes ao funcionamento da escola e sua administração. Para Paro (2001,p.35) a escola e, em especial a escola pública, na qualidade de espaço privilegiado de realização da educação sistematizada pela ação dialógica, pela conformação da consciência critica, ainda carece de um trabalho de formação democrática que, ao proporcionar valores e conhecimentos, capacite e encoraje seus alunos a exercerem ativamente sua cidadania na construção de uma sociedade melhor.

Compreendendo a democracia como o meio mais eficaz para que se exerça a liberdade e se permita a participação dos indivíduos nos processos administrativos, constituindo, portanto, um instrumento que garante à população o direito de exercer sua cidadania de maneira plena e consciente. No entanto, para que a sociedade se democratize, é importante que as instituições que a compõe possibilitem aos indivíduos exercer esse direito a democracia. A fragilidade da democracia fundamentada na participação política da população apenas no momento de eleger seus governantes e representantes legislativos em âmbito municipal, estadual, e federal está em que, assim, a população fica privada de processos que, durante os períodos de mandatos parlamentares ou governamentais, permitiriam controlar as ações dos eleitos para tais mandatos no sentido de atender aos interesses das camadas populares. Por isso, o caminho para a real “democratização da sociedade” precisa passar pela ocupação “de novos espaços, isto é, de espaços até agora dominados por organização de tipo hierárquico ou burocrático.” (BOBBIO, 1989, p. 55)


Sendo a instância escolar um dos espaços onde esta hierarquização e burocratização está explícita, é importante que se promova a participação coletiva, envolvendo não apenas aqueles que atuam no interior da instituição, mas a comunidade de modo geral, possibilitando que esta exerça o monitoramento do sistema escolar e possa observar até que ponto o poder público tem cumprido com suas obrigações e atendido aos interesses da população. De acordo com o artigo 206 da constituição, O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; III – gestão democrática do ensino público, na forma da lei.

Deste modo, percebemos que mais do que uma necessidade e uma exigência da sociedade globalizada, abrir espaços de discussão e participação social e, portanto, gerir democraticamente corresponde a uma obrigação de quem está a frente dos processos administrativos. 5 Educar para a promoção social e intelectual das camadas populares Desenvolver uma gestão escolar orientada pelos principios da administração cientifica contribui para reprodução e perpetuação do processo de exploração do trabalho pelo capital, o que acaba por garantir uma manutenção da ordem social vigente, fortemente marcada pelo caráter conservador e, portanto de dominação e exploração das classes dominadas pelas classes dominantes. Neste contexto, considerando a ligação existente entre a democracia social e a democratização da escola, podemos compreender o papel da educação na preparação de indivíduos resistentes à dominação e a imposição de regras colocadas pelas classes dominantes. De acordo com Fávero e Semeraro (2002, p.7), ao lado de outras forças sociopolítico-culturais que vêm transformando o Brasil, a luta por uma escola pública, universal e de qualidade empreendida pelos educadores brasileiros representa uma expressão peculiar e inseparável da educação, ao mesmo tempo em que se torna uma poderosa contribuição para o processo de democratização do país.

Assim sendo, ao adotar um modelo descentralizado de gestão, a escola acaba contribuindo para a formação de cidadãos ativos que sendo capazes de assumir responsabilidades sociais, contribuam para transformar o Estado em um instrumento verdadeiramente público. Tendo em vista que uma das condições essenciais para que se desenvolva a democracia é a qualificação do cidadão dentro de uma processo democrátco, pode-se concordar com Saviane (1999, p. 54) quando ele afirma que: a relação entre educação e democracia se caracteriza pela dependência e influência recíprocas. A democracia depende da educação para seu


fortalecimento e consolidação e a educação depende da democracia para seu pleno desenvolvimento, pois a educação não é outra coisa senão uma relação entre pessoas livres em graus diferentes de maturação humana.

Esta afirmação nos faz crer que quanto mais educação se tiver mais igualdade e direito de exercer a democracia se poderá ter. No entanto, é importante que ao objetivar a formação de um sujeito democrático, a escola não volte seu olhar apenas para a maturação social dos indivíduos, mas que forme-os a partir da compreensão dos princípios de socialização pedagógica e democrática e da consideração de suas habilidades cognitivas e éticas, investindo principalmente na preparação destes para o exercício de suas obrigações e direitos. So assim, será possível possibilitar às camanadas populares oportunidades de promoção social e participação ativa nos processos de gestão. Desta forma, além de estar coerente com a finalidade real da educação, a escola estará constituindo-se em um espaço de construção da cidadania, de liberdade de expressão e idéias, de liberdade para a construção de aprendizagens, e de crescimento pessoal e social, o que além além de caracterizá-le como um espaço democrático, faz com que esta esteja incluída nos direitos humanos, na medida em que esta cumpre o papel de combater o processo de dominação e alienação que a ordem estabelecida desenvolve e estimula, auxiliando, de forma interdisciplinar, no planos de ensino formal e informal, com a ajuda de educadores eruditos e não eruditos, os setores populares a despertar para a cidadania e descobrir novas formas de luta e resistência. Desta maneira, considerando a democracia como Mediação para a construção da liberdade e da convivência social, que inclui todos os meios e esforços que se utilizam para concretizar o entendimento entre grupos e pessoas, a partir de valores construídos historicamente. (Paro, 2002, p. 10)

É possível compreender sua relação com a educação, na medida em que, sendo a apropriação do saber historicamente produzido e constituindo uma mediação realizada pela humanidade para garantir a perpetuação da história, também pode possibilitar aos sujeitos, sem distinção de classe social, a participação ativa nos processos de gestão, considerando-os capazes de muito não apenas escolher seus representantos, mas fiscalizar o desempenho destes, o que consiste numa ação não só política, mas também pedagógica, Visto que, a formação do cidadão democrática exige, antes de qualquer coisa, a formação do sujeito pedagógico. A educação destinada às classes sociais dominadas deve não somente objetivar a preparação para o mercado de trabalho, mas contemplar aspectos referentes às condutas éticas, ao conhecimento do processo democrático, a capacidade de tomada de decisões e intervenção direta na esfera administrativa (TORRES, 2001). Assim sendo, o processo de gestão escolar deve estar vinculado à natureza educativa, infocando sempre o sentido politico da administração e buscando superar as práticas autoritárias que vêm sendo marcadas pela ausência da participação dos sujeitos, principalmente das camadas populares, envolvidos no processo educacional.


5 METODOLOGIA No intuito de compreender como tem ocorrido o processo de descentralização da gestão escolar na sociedade globalizada, buscou-se desenvolver, a partir de uma abordagem teórica, com base em estudos e pesquisa bibliográfica, um trabalho que contribua para um enriquecimento da discussão a respeito da gestão escolar. Sendo “feita com base em documentos já elaborados, tais como livros, dicionários, enciclopédias, periódicos, como jornais e revistas, além de publicações, como comunicação e artigos científicos, resenha e ensaios críticos” (SANTOS, 2002), a pesquisa bibliográfica oferece arcabouço teórico suficiente para que se possa discutir a problemática e aguçar pontos de vista referentes a questão. Utilizando autores como Fávero e Semeraro (2002), que discutem a ligação da educação pública com a democratização do país, Saviane (1999) que desenvolveu inúmeros trabalhos na área de gestão contemplando questões referentes a educação e gestão democrática, Bobbio (1989) com seu conceito de democratização da sociedade, Paro (1986) e seus trabalhos sobre o conceito de administração e sobre o ato de gerir, o referido trabalho vem contribuir com a discussão deste tema tão atual e, ao mesmo tempo, sufocado no âmbito escolar. Seja pela complexidade imbricada no ato de gerir democraticamente, seja pelo receio em ir contra o sistema de dominação que vige em nossa sociedade, o processo de descentralização da gestão tem sido empurrado e camuflado da forma como é possivel, mascarando-se por traz de grêmios estudantis que têm suas iniciativas sufocadas, associações de pais cujas reuniões nunca acontecem, conselhos escolares em que a equipe administrativa decide tudo em nome de todos, etc. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Assim sendo, diante do contexto de globalização e dominação que caracteriza a sociedade, onde a educação é diretamente afetada no que concerne a participação da sociedade na tomada de decisões. A iniciativa privada acaba recebendo a credibilidade de uma educação de qualidade e, com isso, o espaço de discussão fica comprometido, tendo em vista que a educação pública, a qual deveria se constituir na oportunidade de participação coletiva para a tomada de decisões tem, cada vez mais, se reduzido a um mero instrumento de reprodução social. Agir democraticamente no processo de gestão escolar implica promover uma transformação das práticas sociais que ali se constroem, é ampliando os espaços de participação e discussão e preservando a diferença de interesses de todos os envolvidos que se tem a possibilidade de criar e oportunizar condições concretas para a participação autônoma dos diversos segmentos que compõem o sistema educacional. Assim sendo relacionar pedagogicamente democracia e educação escolar necessita mais do que teorias e projetos fadados ao fracasso, ações concretas de revalorização das relações interpessoais de solidariedade e cooperação,o reconhecimento do caráter coletivo dos processos de construção dos conhecimentos e das identidades, além da atribuição de uma prioridade pedagógica ao desenvolvimento dos sujeitos sociais.


Diante disto, compreendemos que devemos aproveitar o espaço da escola pública, para colocarmos em prática um modelo de gestão mais democrático e participativo, onde todos os segmentos envolvidos tenham direito a ouvir e a serem ouvidos nas decisões da escola, para contribuir com uma educação de qualidade e que contribua não mais para a reprodução e perpetuação do sistema dominante, mas para a promoção dos indivíduos a cidadãos participativos e conscientes de seus direitos, que não haja em prol da dominação e opressão das camadas populares, mas possibilite sua promoção social e intelectual, que não fortaleça a hierarquização e burocratização do sistema escolar, mas torne-o flexível e transparente o suficiente de modo a oportunizar à sociedade, de modo geral, um monitoramento constante daquilo que ocorre no interior das instituições educacionais. 7 REFERÊNCIAS BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. 4 ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1989. BOURDIEU, P. & PASSERON (1976). La Reproducción. México, Editorial Siglo XXI. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988 BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN Nº 9.394/96. Brasília, DF: 1996. BURBULES, Nicholas B. TORRES, Carlos Alberto. Globalização e Educação: Uma Introdução. In: BURBULES, Nicholas B. TORRES, Carlos Alberto (Orgs.). Globalização e Educação: Perspectivas críticas. Porto Alegre, RS: Artmed, 2004. CONNELL, R. W. Pobreza e Educação. In: GENTILI, Pablo (org.). Pedagogia da exclusão: Crítica ao neolibralismo em educação. 8ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. COSTA, Márcio da. A Educação em tempos de conservadorismo. In: GENTILI, Pablo (org.). Pedagogia da exclusão: Crítica ao neolibralismo em educação. 8ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. COUTINHO, C.N. A democracia na batalha das idéias e nas lutas politicas do Brasil de hoje. In: FÁVERO, O. SEMERARO, G. (orgs). Democracia e construção do Público no Pensamento Educacional Brasileiro. Petrópolis; RJ: Vozes, 2002. FÁVERO, O.; SEMERARO, G. (Org). Democracia e construção do público no pensamento brasileiro. 1. Ed. Petrópolis: Vozes, 2002. LÜCK, Heloísa. FREITAS, Kátia Siqueira de. GIRLING, Robert. KEITH, Sherry. A escola participativa: o trabalho do gestor escolar. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005. LÜCK, Heloísa. LIMA, Myrian Del Vecchio de. Escola, comunidade e família no Brasil: um novo desafio para a gestão e liderança. Revista Gestão em Rede. Nº 71. CONSED – Conselho Nacional de Secretários de Educação. Brasília, DF: Agosto, 2006. PARO, Vitor Henrique. Escritos sobre Educação. São Paulo, SP: Xamã, 2001. __________________. Gestão Democrática da Escola Pública. São Paulo, SP: Ática, 2005. _________________. Administração escolar: introdução crítica. São Paulo, Cortez: Autores Associados, 1986. __________________. Gestão democrática da escola pública. São Paulo, Ática, 1997.


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