Mídia, tec;nologia e Aprendizagem

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Mídia, Tecnologias e Aprendizagem Lato Sensu Resumo Neste artigo, serão discutidos aspectos sociológicos da mídia e as implicações psicológicas do processo de recepção dos seus conteúdos. A mídia utiliza, predominantemente, a imagem como recurso para a construção de seus discursos, assim, aqui serão apresentadas algumas questões acerca da imagem e da aprendizagem no contexto midiático. No campo da educação, uma das abordagens educacionais para esse fenômeno social é a conhecida como mídia-educação. Serão abordados também, aspectos sobre as instâncias do processo de comunicação, da forma de interação do sistema mídia com o sujeito receptor de seu conteúdo. Além disso, características das principais mídias utilizadas na educação, procurando ressaltar as possibilidades para o uso educacional. Palavras-chave: mídia-educação, imagem e educação, sistema midiático, sociologia da comunicação, níveis de leitura da imagem, audiovisual e aprendizagem, virtualidade.

1 Mídia e vida humana Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era diretamente vivido se esvai na fumaça da representação (DEBORD, 1994).

O trecho citado é parte da obra de Guy Debord, sociólogo e filósofo francês. Escrita no auge dos movimentos contraculturais do final dos anos 60 do século XX, talvez seja uma das obras mais críticas à nossa sociedade. Ela apresenta uma análise do desenvolvimento da sociedade, denunciando

a espetacularização, entendida como estruturante das relações sociais, que passou a definir e organizar a sociedade contemporânea. Nesse universo, a mídia, enquanto instituição promotora das relações espetaculares, coloca-se no centro de nossa discussão. Sem pretender demonizar a mídia ou a tecnologia que a suporta, pretende-se trazer alguns elementos para pensar os usos e as implicações do ponto de vista social e psíquico da relação da mídia com a educação, em particular com a aprendizagem. Quando pensamos sobre a relação da mídia em nossa vida, tendemos a sublinhar seus valores culturais e dar menos atenção a seus valores sociológicos e psicológicos. Talvez a palavra certa não seja nem valores, e sim implicações, intervenções na natureza humana a partir do aparato tecnológico, ou, como também é denominado, Sistema Social da Mídia. Em meio às questões discutidas em torno da mídia, a psicanálise oferece alguns elementos para reflexão. Os psicanalistas afirmam que o mal do século é a ansiedade e a depressão: ambos os distúrbios psíquicos tem o tédio como um de seus componentes, uma vez que ele se instaura como uma das manifestações subjetivas de um espírito coagido, afastado de sua verdadeira existência, ou seja, como uma manifestação das consequências do ponto de vista psíquico que esta sociedade midiatizada vem produzindo nas pessoas (ADORNO, 1995). Esse processo traz como uma das principais consequências a detração da fantasia – como utopia – e seu atrofiamento, pois o sujeito volta sua fantasia para o conteúdo que as mídias lhes oferecem e se identifica num processo psíquico de regressão do tipo narcísico, de fantasia ilusória. A perda dessa dimensão na subjetividade humana cria as condições para que, mesmo

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tendo tempo livre para desfrutá-lo à sua maneira, as pessoas não conseguem fazer deste um tempo efetivamente livre. Elas acabam por buscar uma nova oferta do mercado da diversão para consumi-la nesse tempo, satisfazendo em alguma medida sua necessidade psíquica de desligamento (ainda que por poucas horas) do real: um filme no cinema, algumas horas na internet, outras tantas presas na frente da televisão. As mídias, nesse sentido, atuam como elemento de coesão entre o tempo do trabalho e do não-trabalho, mantendo o sujeito numa dinâmica de continuidade na sua vida estandardizada, relacionando-se a partir de uma dinâmica da espetacularização. Com isso, o tédio da vida cotidiana é ilusoriamente rompido pelo glamour proporcionado pelo conteúdo das mídias, pela vida do galã, pela ida aos cinemas, pelos encontros furtivos nas salas de bate-papo virtual. Porém, além dessas dimensões de caráter psicossocial, alguns autores ainda apontam outros elementos que atuam diretamente sobre os indivíduos. Uma dessas é a relação dos sujeitos com o tempo. Segundo Uhlmann (2002, p. 6), “A realidade fragmentada, retratada por imagens sem tempo, levam as pessoas a reações inadequadas tais como a regressão a tempos passados ou digressões em mundos de fantasias, enfim a viverem em um mundo sem o agora, sem o real, somente o virtual e imagético”. A distinção entre espaço e tempo fica desfocada. Essas questões explicam em alguma medida certos comportamentos de pessoas que vivem, no sentido lato do termo, a vida de personagens da mídia. Os personagens são criações, não existem e, portanto, não podem ser analisados e sequer tomados dentro do mesmo quadro de referência e de valores com os quais lidamos no nosso convívio. No entanto, a narrativa da mídia e a narrativa da vida cotidiana aparecem para parte da população, sem qualquer distinção. Esse efeito certamente é devastador, pois mostra em que medida esses sujeitos estão suscetíveis ao discurso midiático, sem ou pouca capacidade de discernimento. Com isso, temos que concordar com Uhlmann (2002, p. 3) de que Sônia Cristina Vermelho

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O convívio social no mundo ocidental passa a ser, de maneira crescente, até mesmo exponencial com o advento das novas tecnologias geradoras de imagens, governado por imagens, de aparências, do político, do diretor, do homem e da mulher. Imagens que se sobrepõe à pessoa.

Nesse sentido, a discussão sobre as imagens coloca-se no núcleo deste artigo, pois independente da tecnologia utilizada, as relações sociais na atualidade são mediadas pelas imagens. Segundo Costa (2005), as imagens, além de despertar um movimento intrapsíquico profundo, tem grande importância na cultura humana. Para o autor [...] as imagens mentais que obtemos de nossa relação com o mundo podem ser armazenadas, constituindo nossa memória, podem ser analisadas pela nossa reflexão e podem se transformar numa bagagem de conhecimento, experiência e afetividade (2005, p. 27).

Várias técnicas foram desenvolvidas ao longo da história humana, permitindo que os indivíduos expressem sua subjetividade, utilizando-se de desenhos, pinturas e esculturas. Por meio disso, compartilham com os outros suas emoções e sentimentos, despertados pela relação de si próprio com o mundo e com os outros. Com o desenvolvimento tecnológico, o processo de produção de imagens foi se ampliando e diversificando. Costa (2005) organiza as imagens em duas categorias distintas: imagens tradicionais, que são as “imagens produzidas a partir do uso de técnicas manuais ou gestuais e instrumentos que apenas facilitam ou potencializam a expressão do autor” (p. 28); e as imagens técnicas, que são realizadas com o “uso de equipamentos que interferem de forma significativa no seu processo de produção” (p. 29). Segundo a autora, ao falarmos em imagens, devemos identificar, ainda, o processo ou o estágio do processo cognitivo ao qual nos referimos, ou seja, podemos tratar de uma imagem advinda de uma percepção sensorial da realidade (imagem/visão), de imagens internas elaboradas do mundo (imagem/pensamento) ou de expressões de nossa

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subjetividade (imagem/texto). Nessa última estão as imagens produzidas por linguagens tradicionais e as imagens técnicas. No campo da educação, a tradição que submeteu os conhecimentos ao registro escrito obriga quem deseja ter acesso a ele utilizar a leitura, prática esta que levou à associação entre conhecimento e alfabetização. Já a linguagem visual, por ser considerada pouco precisa, ambígua ou excessivamente particular, parecendo pouco ligada à racionalidade, fez com que a escola não utilizasse como base para a aprendizagem as imagens e sua leitura em atividades pedagógicas. Na sociedade atual, as imagens nos cercam a todo o momento, seja a nossa própria imagem refletida no espelho, sejam as imagens que aparecem no cinema, na televisão ou nas telas do computador. Essas imagens, mesmo que involuntariamente, despertam a emoção, gerando diferentes reações. Diante dessa realidade, a retomada da leitura das imagens na escola torna-se urgente e, para Costa (2005, p. 35), a opção por uma educação que valoriza a educação pela e para a imagem não se faz em nome de uma ação pedagógica menos disciplinada ou mais espontaneísta, mas em busca de um entendimento mais afetivo do mundo e de uma comunicação mais abrangente e inclusiva.

Porém, não podemos deixar de enfatizar que a utilização da linguagem visual na educação exige planejamento e aprendizado e, principalmente, uma leitura crítica das mesmas justamente pelo caráter emotivo, ambíguo e afetivo. Retomando as categorias comentadas anteriormente (imagem/visão, imagem/pensamento, imagem/texto), Costa (2005) sugere aos educadores alguns trabalhos pedagógicos a partir das capacidades que ajudam a desenvolver. A primeira categoria, imagem/visão, relaciona-se ao uso do olhar e ao desenvolvimento da competência do ver com a prática da observação. Segundo a autora (2005, p. 38): [...] o olhar não depende apenas da habilidade dos órgãos da percepção,

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mas também dos processos mentais, e que ambos necessitam ajustes, treinamento e experimentação para seu desenvolvimento. As atividades pedagógicas voltadas para essa finalidade dizem respeito à conscientização do ato de ver, de sua complexidade e parcialidade. Dizem respeito também ao aprendizado de uma metodologia de aprimoramento da observação.

A segunda categoria, imagem/pensamento, refere-se aos estímulos visuais que são organizados para que o observador identifique ou reconheça aquilo que vê, ou seja, as imagens são organizadas e processadas. Nessa categoria também entram as emoções, a memória e os juízos de valor, que darão origem a visão de mundo. A terceira categoria, imagem/texto, diz respeito às imagens processadas em nossa mente, que representam os elementos mais importantes que possuímos em nossa relação com os outros e com o mundo à nossa volta. Para que essa relação se efetive, foram criadas as linguagens que colocam os indivíduos em comunicação, permitindo que estes expressem a sua visão de mundo. De acordo com Costa (2005), é possível identificar dois subgrupos pertencentes ao grupo imagem/texto: textos em linguagens visuais e textos em linguagens não-visuais. O primeiro diz respeito “às imagens que resultam do uso predominante das linguagens que se destinam à percepção visual do observador” (COSTA, 2005, p. 46) e que podem ser divididas em imagens de linguagens tradicionais (pintura, desenho, gravura, escultura) ou imagens técnicas (fotografia, cinema, vídeo, computadores); o segundo se constitui “em obras que se destina à percepção coletiva pela sensibilização de outros órgãos dos sentidos que não a visão, como audição, olfato ou tato” (COSTA, 2005, p. 46). Também podem ser divididas em linguagens tradicionais (música, por meio de instrumentos musicais) e técnicas (música, com o uso de tecnologias avançadas de produção e reprodução de sons). Sinteticamente, essa categorização está na tabela a seguir:

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Tabela 1 Categorização das imagens Característica Cognitivo

Produção

Imagem/visão Percepção sensorial da realidade Olhar

Tecnologia

nenhuma

Imagem/pensamento Imagem/texto Imagens internas ela- Expressões de nossa subjetividade boradas do mundo Estímulos visuais para Processadas em nossa mente com técnica reconhecimento nenhuma Tecnologia Imagens tradicionais Imagens técnicas Uso de técnicas manuais ou gestuais Pintura, desenho, gravura, escultura Música, por meio de instrumentos musicais

Linguagem visual Linguagem não-visual

Nesse ponto, voltamos a olhar para as instâncias de formação do sujeito. O que está acontecendo com nossa sociedade? Sem entrar em uma situação de plena nostalgia, mas, em décadas anteriores, a sociedade tinha confiança em algumas instituições sociais, essa crença permitia certa estabilidade emocional. A crença na escola garantia que ao final dos estudos básicos o sujeito teria um emprego, que o sistema financeiro iria manter sob guarda os bens e oferecer bons serviços, etc. Porém, depois da segunda metade do século XX, essas instituições sociais entraram num processo de descrédito perante a sociedade e, como consequência, é perceptível o aumento da instabilidade social, tanto individual quanto coletiva de boa parcela da sociedade. Do ponto de vista da mídia, a forma como esta vem lidando com as questões de interesse público tem gerado uma série de pesquisas e corresultados, levando a críticas e a elogios, situando-a em alguns momentos como responsável e em outros como instigadora da crise social. Conforme Fischer (2005, p. 46), atualmente, o conteúdo da mídia tem causado certo descaso com as questões públicas e isso [...] diminui significativamente o atrativo por temas que sejam de interesse comum; parece que reduzimos em nós a

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Uso de equipamentos Fotografia, cinema, vídeo, computadores Música com o uso de tecnologias avançadas de produção e reprodução de sons

capacidade e a própria vontade de trazer os sofrimentos privados para o lugar da discussão de questões públicas: vamos internalizando um modo peculiar de olhar e tratar “a dor dos outros” [...]

Esses aspectos são centrais para pensarmos a questão da mídia em termos de sua influência na formação das novas gerações e do papel que ela ocupa diante das outras instituições formadoras: a família e a escola. Nessa discussão, é importante focar na televisão, não por uma razão específica, mas, fundamentalmente, porque ela está presente na maioria dos lares brasileiros – segundo IBGE (2009), em mais de 90% – e é uma das mídias que professores e alunos têm acesso dentro e fora da escola. A forma e o conteúdo do que é veiculado pela televisão encontram-se intimamente ligados, o seu grande poder está na forma de recepção que, segundo Adorno (1971), impede o controle sobre o eu consciente. Em função dessa característica, é difícil dimensionar as implicações sobre a formação do sujeito, uma vez que, mesmo isolando esses fatores, sabe-se que ele só adquire força na totalidade do sistema, ou seja, ainda que os meios de comunicação tenham formas diversas de atuarem sobre o indivíduo, o seu poder se amplia em função do clima que acabam por criar no seu conjunto: a televisão, em parceria com as revistas, com o rádio, com o cinema etc., cria um

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“clima” em torno de um dado conteúdo. Em termos comunicacionais, é a conhecida teoria agenda setting ou agendamento temático. A televisão não é a única instância formadora, mas reforça ainda mais o que os indivíduos já são efetivamente e amplia as estruturas comunicacionais do sistema social e econômico. Com isso, como coloca Adorno (1971), a economia psíquica individual tornou-se socializada, ao criar um mundo de aparência e, dessa forma, atuar muito mais nos mecanismos psicológicos, contribuindo para que se veja o mundo como ideologia. O autor levanta dois aspectos característicos da televisão: • o fato de levar os produtos para dentro das casas; • a miniaturização das imagens, que deveria implicar uma percepção estética e não natural. Em particular, o segundo aspecto demonstra como nossa percepção foi condicionada pelas mídias. Tomar aquelas imagens miniaturizadas como reais é racionalmente impossível, pois não seria razoável a identificação com os heróis, uma vez que se mostra claramente como algo não-real. No entanto, a degeneração de nossa percepção estética permite que esses objetos miniaturizados sejam apreendidos como brinquedos, os quais podem ser tomados para si, como propriedade, dando a sensação ao telespectador de superioridade perante esses objetos. Segundo Adorno (1995), isso pode levar a uma duplicidade do mundo criado pela televisão. Esse aspecto toma relevância porque uma parcela considerável de informações sobre nossa sociedade advém dessa mídia. Muitos de nós convivemos num espaço social bastante reduzido: espaço do trabalho, do lar, em geral da cidade onde residimos, porém, sabemos de situações que ocorrem nos quatro cantos do mundo. O espaço é, assim, comprimido (HARVEY, 1994) cada vez mais, em função do uso crescente dos meios de comunicação que nos levam em espectro até os lugares mais inóspitos. Assim como a fotografia, a imagem projetada na tela de uma televisão esconde muitas outras imagens, é um recorte, um fragmento do mundo trazido até nós.

A relação entre público e privado colocase hoje no centro de muitas discussões sobre a televisão. Em muitos aspectos, o privado tem sido utilizado como elemento nuclear na estruturação de programas para a televisão, como os reality shows, os quais, muito mais do que trazer para dentro dos lares o que acontece no espaço público, fazem fantasia e espetáculo do que é privado do outro. Num interessante estudo realizado entre 1997 a 2000 sobre o conteúdo dos programas de televisão, Fischer (2001), tentando caracterizar o que denominou de dispositivo pedagógico da mídia, descreveu as variadas técnicas de exposição dos indivíduos. Os modos de transformar a vida em espetáculo possibilitaram à autora identificar que a partir dos recursos do zoom, do enquadramento, etc., a televisão captura aquilo que é mais íntimo do sujeito e expõe ao público, como se pudesse e devesse penetrar na intimidade daqueles que traz à cena, e também, por conseguinte, na intimidade de quem observa: um exercício de voyerismo, um espelho de narciso. A autora acrescenta ainda que [...] é na exposição dos sujeitos, basicamente na exposição de todos os medos e inseguranças, de todas as dúvidas, pecados e transgressões que, ao serem publicizados, são tratados no sentido de uma normalização [...] (FISCHER, 2001, p. 104).

Ou seja, ao agir publicizando o que é privado, expondo a intimidade das pessoas, a televisão busca uma conformação do comportamento, uma adaptação à realidade. Outro elemento para reflexões seria analisar essa questão do ponto de vista da relação entre indivíduo e coletividade. No texto “Psicologia das massas e análise do ego”, Freud (1976) explica que o processo de identificação que ocorre numa coletividade possui traços que indicam uma regressão do eu, pois, em um grupo, existe uma forte tendência da personalidade individual consciente desaparecer, dando lugar a uma orientação de pensamentos e sentimentos ditados pela coletividade, bem como uma preponderância da afetividade e da vida psíquica inconsciente.

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Os indivíduos, num coletivo, tendem a executar irrefletidamente ações que surgem no grupo, ele renuncia ao seu ideal de ego trocando-o pelo do grupo, isto porque, segundo Freud (1976), o indivíduo sente necessidade de estar em harmonia com os demais membros do grupo ligando-se a eles por laços libidinais. Mais recentemente, numa análise da sociedade da segunda metade do século XX, Marcuse (1998) defende que a repressão exercida pela autoridade, como a existente nos grupos sociais como a família, igreja, etc., vem sendo afrouxada exatamente pela perda da função paterna. Para ele, vivemos numa sociedade sem pai, na qual a atrofia do ego observada por Freud na análise das massas pode ser amplamente encontrada nos domínios da sociedade atual, e não somente na relação do indivíduo com o grupo social. As mídias vêm cumprindo essa função identificada por Freud. Como dizia Marcuse [...] a atrofia do ego, sua resistência reduzida aos outros se manifestam na maneira com que permanentemente fica disponível para soluções que lhe são impostas de fora. A antena em cada casa, o rádio em cada praia, a vitrola em cada bar e restaurante são todos gritos de desespero para não ficarmos sós, separados dos grandes, condenados ao vazio, ao ódio ou aos sonhos do próprio eu (1998, p. 97).

A formação do eu mediado por relações fragilizadas, carentes de situações de enfrentamento para a formação de um ego bem estruturado, acaba por colocar as pessoas, e as crianças em particular, diante de um processo de identificação com o coletivo no qual se sentem ainda mais favoráveis a uma adesão apressada aos ideais do grupo, sem parâmetro valorativo para avaliar suas ações. Numa sociedade como essa, liberada dos vínculos sentimentais com a autoridade paterna como símbolo da consciência moral, a tendência é a liberação de uma enorme carga de energia destrutiva. A propagação da agressividade tomaria dimensões gigantescas, podendo levar ao colapso do grupo (MARCUSE, 1998). Essas previsões parecem estar, em grande medida, se confirmando, não só pela realidade Sônia Cristina Vermelho

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das grandes cidades, como também pelos conteúdos dos programas de TV, dos filmes do cinema, e dos conteúdos e usos da internet (CARLSSON; FEILITZEN, 1999; FISCHER, 2001; ERAUSQUIM, 1983). Com mais de 50 anos de existência, a televisão encontra-se no centro de muitos grupos de pesquisadores em todo o mundo. Esse fenômeno de ampliação e massificação, do ponto de vista comunicacional, só pode ser comparado com a internet que, em menos de 20 anos, avançou para todos os cantos do planeta alterando profundamente práticas e hábitos relacionais. A nova geração vive sob a égide de uma nova ecologia comunicacional, sob novos formatos de aprendizagem. Isso porque, diferentemente das gerações anteriores, o acesso à informação é ilimitado e, portanto, pode e cabe a cada um estabelecer sua estratégia didática, respeitando e potencializando suas habilidades cognitivas. No entanto, pelo seu curto tempo de vida, ainda carecemos de um volume de pesquisas que nos permitam estabelecer um quadro explicativo para o fenômeno da comunicação por meio da rede digital. Com a televisão é possível estabelecer esse quadro. A seguir, um mapeamento das pesquisas realizadas com a televisão, em que procurou-se identificá-las a partir das implicações do uso e do consumo da TV. Segundo Rivoltela (2002) podemos classificar esses estudos em dois grandes grupos: • Pesquisas sociológicas – efeitos de curto prazo e efeitos de longo prazo; • Pesquisas psicológicas – efeitos psicocognitivos e efeitos comportamentais. Essa classificação indica que os estudos levaram a resultados distintos. O consumo de televisão em curto prazo pode trazer os seguintes efeitos do ponto de vista psíquico e cognitivo: • Acionar os mecanismos projetivos – algumas pesquisas indicaram que o sujeito que consome a mídia pode se projetar neste ou naquele personagem de uma novela, filme etc. Ainda que seja um mecanismo natural do sujeito, pode se complicar se a projeção

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acontecer de forma intensa em personagens virtuais. • Acionar os mecanismos de identificação – a identificação é conhecida como o ato através do qual o sujeito tende a identificar-se com algo que lhe é externo, sejam pessoas ou coisas. Nessa situação, a televisão, ao oferecer modelos de fácil identificação – em virtude de seus personagens serem, na maioria, estereotipados – amplifica a ação do mecanismo de identificação. Isso pode ocorrer com o herói, mas também com o vilão, pois não há garantia que uma criança vá se identificar com o personagem que tem uma atitude correta. Rivoltela (2002, p. 4) ainda acrescenta que, Estes modelos, todavia, comportam uma lógica simplista, frequentemente não traduzem valores positivos, influenciando negativamente o modo pelo qual a criança se comporta e valora o bem e o mal. Outras vezes apenas se tornam o motivo para frustrações, em razão das diferenças entre o que acontece de excepcional nas aventuras dos heróis na TV e a normalidade da experiência cotidiana das crianças.

Existem efeitos de curto prazo, mas que trazem consequências do ponto de vista comportamental. As pesquisas identificaram um comportamento de “imitação” em relação a personagens da mídia, segundo Rivoltela (2002, p. 5) “Entre as razões que levam à imitação está a natureza da imagem televisiva, realidade e fantasia a um só tempo, a verossimilhança que pode sugerir ser possível o que é irrealizável”. Esse comportamento tem sido reforçado com o fenômeno mais atual de integração das mídias. Um exemplo bem característico é o da revista Capricho, voltada para o público adolescente feminino, que possui além do meio impresso todo um suporte na internet. As capas sempre são estampadas com os rostos mais cobiçados ou admirados do mundo juvenil, seja porque é o astro/estrela da novela, um nome do mundo da moda, da música ou do cinema. Entre as reportagens, Sônia Cristina Vermelho

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algumas muito instrutivas e realmente educativas, mas a maioria traz sempre as dicas de como parecer-se com o personagem em destaque na capa, reforçando um comportamento de imitação, como se, usando a roupa ou a maquiagem, fosse possível adquirir parte dos atributos daquele personagem. Após o lançamento nas bancas, a revista disponibiliza no seu site outras matérias, vídeos e fotos, além dos links para os blogs, twitter ou orkut das pessoas citadas na revista. Isso permite que, além daquele conteúdo do filme ou da TV, o contato com os personagens e seu universo glamoroso possa ser acessado e compartilhado de forma mais dinâmica e intensa. Sobre os efeitos de longo prazo decorrentes do consumo da mídia, Rivoltela (2002) diz que, um deles, é a inibição da criatividade e morte da imaginação. Segundo o autor, alguns pesquisadores chegaram à conclusão de que uma exposição habitual e prolongada à televisão produziria uma redução da capacidade lúdica das crianças, podendo ser desde uma tendência a repetir alguns esquemas estereotipados nos jogos e nas brincadeiras com seus colegas, até mesmo o efeito mais extremo que seria a perda da vontade e capacidade de brincar. Conforme uma das explicações dadas pelos pesquisadores, a imagem televisiva, ao utilizar os primeiros planos – trazendo um detalhamento maior – causaria uma saturação de informações, inibindo a ação criativa de complementar aquilo que é vislumbrado na tela. Essa falta de necessidade de imaginar o que estaria se passando, como ocorre com a leitura de um livro que exige a imaginação para criar as imagens da estória, seria o principal agente inibidor. Em várias pesquisas, os resultados indicaram que a reincidência do consumo da televisão pode causar alterações cerebrais, pois no momento da assistência o cérebro se encontra em uma “fase alfa”, caracterizada pela passividade e pelo bloqueio da atividade ocular. Esse processo ainda produz uma atrofia da atividade do hemisfério esquerdo do cérebro em relação ao direito. Ao estimular o lado direito do cérebro,

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[...] inibiria a conceituação em privilégio da associação analógica, permitindo encontrar uma possível causa não somente para aquela crise da imaginação de que se falava anteriormente, mas também justificando as observações de muitos professores quando responsabilizam a exposição das crianças à televisão pelos sintomas que manifestam seus alunos: verbalização esparsa, incapacidade de concentração e falta de motivação para os estudos (RIVOLTELA, 2002, p. 10).

Segundo a conclusão de um outro grupo de pesquisas, o consumo continuado da televisão pode atuar na formação criando identidades frágeis e, por corolário, fazendo desaparecer a infância. O fato de imitar, de se identificar ou se projetar em personagens virtuais, poderia causar na criança a formação de uma identidade fragilizada, pelo fato deste processo ter sido apoiado em situações não reais. Com relação à infância, é certamente uma das hipóteses mais difundidas entre os pesquisadores, pois “[...] a infância como realidade sociocultural, o universo infantil, seus traços psicológicos e comportamentais característicos, tendem a transformar-se a tal a ponto que correm o risco de desaparecer” (RIVOLTELA, 2002, p. 12). Uma das questões levantadas pelos autores e sobre a qual é bastante interessante pensar, diz respeito aos espaços de circulação das crianças na família. Segundo Rivoltela (2002, p. 14), As transformações no modelo nuclear de família, a crise de identidade dos papéis dos pais, sobretudo dos homens [...] concorrem para transformar a infância. A criança é cada vez menos o objeto de atenção educativa e está cada vez mais submetida às confusas expectativas e projeções compensatórias dos desejos dos pais; é cada vez menos o sujeito de um dialogismo comunicativo entre gerações, e cada vez mais está reduzida à satisfação das suas necessidades imediatas e das suas exigências materiais.

Os efeitos de longo prazo são aqueles adquiridos por um consumo prolongado da televisão e que figuram no plano comportamental. Um deles diz respeito às mudanças nas relações sociais, pois a televisão, como um componente de consumo pelos integrantes do Sônia Cristina Vermelho

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núcleo familiar, exige uma nova maneira de negociar o seu uso. Nesses casos os resultados têm mostrado que esse objeto tanto pode favorecer um processo de negociação amigável ou não, ou seja, tanto pode reforçar como enfraquecer a coesão interna do grupo familiar. Além dessa questão, surge também a problemática envolvendo o conjunto de valores e a capacidade da televisão interferir na definição desse quadro pelo poder de fascinação da imagem. Se as pesquisas trazem resultados significativos, há que se considerar que nesse aspecto, a cultura local, nacional traz consequências sobre os resultados. Pode-se, assim, considerar esse aspecto relativizando seus resultados, pois serve como alerta aos pais, professores e comunidades. O fato é que essas pesquisas demonstram o potencial educacional da estrutura midiática atual e, nesse sentido, é importante que os agentes de socialização privilegiados (família e escola) repensem sua ação, levando em consideração a ação dos meios de comunicação no processo formativo das novas gerações. Entretanto, vivemos um dilema real, pois os pais e professores ensinam valores que contribuem para uma formação que privilegia uma convivência pacífica e coletiva, enquanto a mídia estimula comportamentos contrários a esses valores. Para atuar nesse contexto, é importante sublinhar as questões inerentes à interface da escola com a mídia, duas instituições sociais que atuam fortemente na formação das novas gerações. É fundamental que tomemos a mídia como espaço de saber e, uma vez que as relações na sociedade atual estão baseadas nas relações imagéticas, é fundamental entendermos e nos apropriarmos da comunicação como uma prática social emancipadora. Sendo assim, podemos afirmar categoricamente que viver em sociedade é, antes de tudo, estabelecer algum tipo de vinculação com os outros. A psicologia e a sociologia buscam, dentro de quadros explicativos distintos, alcançar uma maior compreensão dos fenômenos individuais e coletivos na dinâmica espaço-temporal do processo de comunicação, mas certamente não tem sido uma tarefa fácil.

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A complexidade do vínculo inerente ao processo comunicativo deve-se, entre outras coisas, à multiplicidade quanto aos tipos, meios, lugares etc. Como descreve Baitello Jr. (1999, p. 83), [...] a distribuição de símbolos e imagens, seja ela feita pelos códigos da visualidade, ou por outros códigos, cria grandes complexos de vínculos comunicativos – grupos, tribos, seitas, crenças, sociedades, culturas – e, com isso, cria realidades que não apenas podem interferir na vida das pessoas, como de fato determinam seus destinos, moldam sua percepção, impõem-lhes restrições, definem recortes e janelas para o seu mundo.

O que se tem atualmente é uma hibridação discursiva, técnica e midiática, grandemente facilitada pela convergência em torno da tecnologia digital, um exemplo é o da revista Capricho, citado anteriormente. Ou seja, é possível vislumbrarmos na atualidade uma produção de conteúdos em que todos os recursos dos diversos meios estão sendo trabalhados de forma muito criativa, dinâmica e ilimitada. O desenvolvimento dos meios em base digital extrapola, rompe com as barreiras em torno da divisão dos produtos em seus suportes clássicos: mídia impressa, mídia visual, mídia audiovisual etc., as quais, por sua vez, estabelecem uma relação uni, bi ou multidirecional. Assim sendo, nos vemos atravessados por uma rede, enlaçados numa teia, mergulhados num espaço comunicativo espesso e complexo em que o real se constitui quase na sua totalidade em um espaço comunicativo. No entanto, ainda que nos comuniquemos todo o tempo de nossa vida (salvo em situações extremamente particulares de impedimentos biológicos), quando tentamos analisar esse fenômeno dito comunicação é como se ele nos “escapasse por entre os dedos”. A facilidade para colocar em ação a comunicação está diretamente oposta à de compreendê-la. Essas questões, por conseguinte, envolvem o campo da retórica, das práticas de linguagem em torno dos discursos que circulam socialmente, bem como da hermenêutica, ou seja, da interpretação, da explicação dos sentidos dos Sônia Cristina Vermelho

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discursos. Se a retórica antiga era a técnica política por excelência de linguagem na polis grega, temos hoje a midiatização enquanto prática tecnológica do discurso, sob a égide do mercado (SODRÉ, 2007).

2 Mídia e tecnologia [...] já não somos homens de pensamento, homens cuja vida interior se alimenta nos textos. Os choques sensoriais conduzem-nos e dominam-nos; a vida moderna assalta-nos pelos sentidos, pelos olhos, pelos ouvidos. O automobilista vai demasiado depressa para ler os painéis, e apenas obedece aos sinais vermelhos e verdes. [...] O ocioso que, sentado num cadeirão, julga repousar, roda o botão e fará explodir no silêncio de sua casa a veemência sonora do rádio ou, na penumbra, os trepidantes fantasmas da televisão, a menos que tenha ido procurar numa sala obscura os espasmos visuais e sonoros do cinema [...] (HUYGHE, 1986, p. 9-10).

A questão colocada por Huyghe nos remete a todo o sistema mídia. Porém, o que conhecemos hoje é resultado do desenvolvimento de um sistema de linguagem, desde os tempos mais remotos da vida humana. Na história da humanização, existiu um esforço em conquistar a natureza, dominar o desconhecido. Essa busca fez com que se desenvolvesse um sistema de comunicação, de troca, de contato entre os sujeitos e, posteriormente, serviu para o próprio registro das descobertas, das ideias, das informações. Diversas formas foram criadas pelas comunidades ao longo da pré-história e da antiguidade, essa variedade de sinais (de diversas naturezas) e códigos que chamamos de linguagem. A linguagem é tão importante para as sociedades humanas, que é considerada o diferenciador entre o homem e outros animais. A primeira forma de linguagem, a oral, permitiu, em primeiro lugar, que os sujeitos se diferenciassem da natureza e apreendessem o mundo como algo exterior a eles. Permitiu, ainda, criar todos os outros meios de comunicação e formas de linguagem. Foi assim que

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de interpretar imagens, mas não conseguimos os sujeitos começaram a se diferenciar dos dimensionar o real significado delas, pois o animais e, séculos depois, a compreender-se contexto atual é muito diferente daquele vivienquanto indivíduos. do pelos homens das cavernas. Além da oralidade, a arqueologia ajudou Diariamente, somos “bombardeados” por enormemente a desvendar os segredos dos uma enorme quantidade de informações escritempos mais remotos da civilização. Na base tas, sonoras e visuais. Em função dessa diverdo processo civilizatório está a criação de forsidade, existe um esforço enorme para commas de comunicação não-orais, sendo que as preender as implicações dos vários modelos, mais antigas formas conhecidas são as inscrições rupestres, que são somos “bombardeados” por uma formas e tipos de mídia, sobre nossa percepção desenhos talhados nas enorme quantidade de informado mundo e sobre o que pedras. Essas imagens foram utilizadas como ções escritas, sonoras e visuais. aprendemos com elas. Esse esforço fez com que a mídia e seus conformas de expressão e de comunicação, tanto teúdos fossem classificados. Entre as tantas que alguns códigos linguísticos até hoje posclassificações, optamos por algumas conceisuem em sua estrutura a imagem, tal como tuações, buscando em particular aquelas que os hieróglifos, outros códigos, como o noscolocam em relevo o aspecto interacional. so, utilizam como complemento os símbolos, No aspecto da estrutura tecnológica enícones e signos. contramos em Harry Pross (apud BAITELLO Para que a comunicação se efetive é neJUNIOR, 2000) os conceitos de mídias primácessário, portanto, que existam dois sujeitos: rias, secundárias e terciárias. Mídia primária um que elabora, que cria a mensagem (polo é o próprio corpo, engloba todos os recursos emissor) e o outro que a decodifica, que a inque dispomos para produzir mensagens, para terpreta (polo receptor). Para tanto, é necessáestabelecermos uma relação com o outro. rio que ambos os lados do processo comuniComo diz Baitello Jr. (2000), são todos os cativo – emissor e receptor – tenham domínio sons, movimentos e odores que criam códido código linguístico utilizado. Quando essa gos e regras, que possuem significados. Na comunicação acontece diretamente entre mídia primária, o emissor deve dominar a dois sujeitos, dizemos que a comunicação é gestualidade e a mímica, enquanto o mensadireta, quando existe algum tipo de suporte geiro (transmissor) deve saber correr, cavalgar material em que a mensagem é gravada, dizee dirigir, para garantir a transmissão da menmos que a comunicação é mediada. sagem. Nesse campo de estudos, a teoria das Inerente a comunicação mediada temmídias incorpora as contribuições dos estuse, de um lado, o polo receptor e de outro, o dos dos códigos hipolinguais (biológicos), polo emissor. Num sistema de comunicação linguais (sociais) e hiperlinguais (universo dos direta, emissores e receptores encontram-se símbolos). Nessa dimensão, os aspectos culjuntos no momento da comunicação, como turais são os elementos centrais no processo numa conversa pessoal. Numa comunicação comunicativo, pois o que está em relevo são mediada, existe entre o emissor e o receptor os hábitos culturais. Na mídia primária, o coralgum meio (rádio, TV, jornal, web, etc.), aspo é visto também como possuidor de uma sim, a emissão e a recepção da mensagem memória cultural (MENEZES, 2008). acontecem em tempos e lugares distintos. A Com o aparecimento da escrita e com a comunicação mediada é o modelo de comurevolução cultural, social e cognitiva, surgiu nicação que impera nos tempos atuais, com o que Pross (apud BAITELLO JR, 2000) denoo crescente avanço tecnológico que coloca à minou de mídia secundária. A grande difedisposição do sujeito uma infinidade de oprença das mídias primária e secundária é que ções, ampliando consideravelmente o potenesta necessita de um suporte externo ao sujeicial comunicativo. to para transportar e manter a mensagem. O No caso das inscrições rupestres, a comunipapel, por exemplo, possibilita que a imagem cação ainda é possível pela nossa capacidade Sônia Cristina Vermelho

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e/ou o texto permaneça registrado e possa ser acessado em qualquer tempo e em qualquer lugar. Na mídia secundária, é necessário um suporte extracorpóreo somente para produzir a mensagem, mas não para recebê-la, ou seja, a produção e a emissão necessitam de suporte. Nessa classificação estão os meios impressos (jornais, revistas, cartazes, etc.) e os auditivos (rádios, aparelhos de som, etc.). Na mídia terciária, os dois lados do processo comunicativo necessitam de um aparato técnico codificador e decodificador da mensagem. Ou seja, “[...] nela todos os corpos envolvidos no processo comunicativo precisam de ferramentas” (MENEZES, 2008). Para acessar a mensagem é necessário equipamento específico e isso só foi possível com o domínio da eletricidade, da transmissão de mensagens por meio de ondas, em que o conteúdo pode ser codificado para ser transmitido e/ou gravado e decodificado para ser recebido. Atualmente, contamos com uma infinidade de mídias terciárias em nosso cotidiano, as quais alteraram significativamente nossa relação com o espaço e com o tempo. A consequência mais imediata com o surgimento da mídia terciária – a aceleração do tempo e das sincronizações sociais (BAITELLO JR., 2000) – é o surgimento de uma cultura de massa com todos os seus aspectos positivos e negativos. Realizando uma análise da mídia terciária em termos relacionais, ou seja, uma análise sobre os conteúdos e o impacto destes sobre o receptor, é possível obter, pelo menos, quatro categorias de conteúdo e da problemática em torno dele: da dimensão mercadoria, da dimensão sociabilidade, da dimensão comunicação e da dimensão cultura. Na dimensão mercadoria, o que se analisa é o que é consumido pelo sujeito (rádio, programas de TV, tipos de filme etc.). Cada conteúdo carrega um conjunto de elementos qualificadores: popular, clássico, moderno, informativo, entretenimento. O sistema midiático “vende” seus produtos e nós “compramos” alguns e rejeitamos outros. Na dimensão da sociabilidade, o local e a forma de consumo do conteúdo estão colocados (como, onde e com quem), pois estes interferem no processo de socialização

das pessoas, agrupando-as, distanciando-as e criando formas distintas de socialização. A dimensão da comunicação analisa o que é requerido das habilidades sensoriais do sujeito (audição, visão etc.) e o que ele precisa dominar em termos de códigos para interpretar suas mensagens. Finalmente, na dimensão cultura, é analisado o potencial mobilizador de aspectos de nossa cultura, aos valores culturais privilegiados, comportamentos etc. Porém, para que seja possível compreender melhor essas questões e, até mesmo, dimensionar as possibilidades em termos educacionais, é importante saber que a apreensão dos conteúdos da mídia se dá de forma graduada, ou seja, existem níveis de leitura que levam a um aprofundamento cada vez maior do conteúdo. Alguns conteúdos são mais propícios a essa leitura aprofundada, outros nem tanto. Por exemplo, é mais fácil, do ponto de vista operacional, “ler” uma fotografia com mais profundidade do que um filme, em função da fotografia ser uma imagem estática e o filme não. No caso das imagens, para que a leitura seja feita, passa-se por três níveis de atenção: instintivo, descritivo e simbólico. No nível instintivo, a leitura se dá de imediato, pois os elementos que intervêm neste nível são aqueles ligados ao mecanismo da percepção, elementos emotivos tais como as cores (quentes e frias), as formas (altitude, latitude, altivez etc.), as expressões e as evocações imediatas. Os olhos correm pela imagem e se prendem aos pontos focais, percebendo os mais expressivos. O nível descritivo, que acontece num momento posterior à leitura descritiva, é aquele em que nosso olhar começa a se prender nos elementos que compõem a imagem. Nesse nível, começa-se a observar as linhas que dão a noção de perspectiva, os planos que surgem (geral, médio, close) pelos campos, pelo volume dos objetos, luzes e sombras que compõe o todo. No nível descritivo, nosso cérebro recebe um conjunto maior de informações: a descrição dos objetos, do ambiente e a identificação do “sujeito” da imagem. No nível simbólico, nossa percepção sobre a imagem assume uma dimensão simbólica, ou seja, nesta fase a leitura se pauta pelos

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a indicação objetiva. Já a conotação é compreendida como sendo o sentido translato, subjetivo, propriedade que tem um termo de designar um ou mais seres. No exemplo anterior, casa pode ser entendida no seu sentido denotativo como local de abrigo, e no sentido conotativo como aconchego, segurança. Isso nos leva a uma questão fundamental na discussão em torno da mídia e seu potencial educativo. Os signos foram construídos socialmente e os significados são criados na relação que o sujeito estabelece com o objeto. O sentido conotativo de casa, por exemplo, foi construído a partir da relação do sujeito com o objeto. Nos tempos atuais, em que o sistema mídia atua no processo de socialização e, portanto, de formação e de aprendizagem, a (re) significação dos objetos igualmente passa a sofrer interferências do meio. Ou seja, a mídia também tem o potencial de (re) significar os objetos, de construir ou desconstruir os seus significados. Todo conteúdo de mídia possui um conjunto de elementos que o constitui: um texto, [...] signo é a relação entre o conceiuma imagem, um som etc., os quais são proto (que denominaremos, mais adiante, duzidos com técnica num suporte tecnológisignificado) e a imagem acústica (significante). Em outros termos, quando utico. É importante analisar esses conteúdos e lizamos a palavra mesa, estamos como processo subjetivo em torno da aprendizabinando um conceito de mesa com os gem possível. fonemas me-sa (ECO, 1993, p. 58). No caso da imagem, em particular a fotográfica, o ato de produzir e/ou apreciar Assim, é possível entender o aspecto linuma fotografia é um processo que envolve o guístico que organiza nossa capacidade de observar, o selecionar, o escolher uma visão comunicação e da comunicação por meio e um ponto de vista. Do ponto de vista da de conceitos. Toda língua, como um sistepsicologia, a fotografia tem sido associada ma organizado de conceitos e de signos, tem aos processos que ocorrem no nosso apareum aspecto que é o significante – o objeto e lho psíquico. Dubois (1993) encontra na fosua forma – e um som associado a ele. Por tografia, apoiado em Freud, elementos para exemplo, enquanto conceito, o objeto casa relacionar processos psípossui características que a mídia tem o potencial de (re) quicos aos processos de nos permitem visualizar significar os objetos produção da fotografia. sua imagem ao lermos ou Parte da noção de aura para defender que no escutarmos o nome casa. No entanto, associada a essa imagem criada em nossa menato de tomada de um instante do real (tirar a te, também evocamos o que ela representa e foto), ocorre uma cisão daquela imagem do significa para nós culturalmente. Com isso, a seu mundo, como diz Dubois, procede-se expressão: casa (significante = objeto) + casa um corte definitivo do cordão umbilical que (significado = cultura) = casa (significação = vinculava aquela imagem ao mundo. O temlugar de abrigo). po de espera entre a abertura do diafragma e A partir dessa definição, o termo denoa visualização da imagem – seu consumo –, tação é compreendido como o sinal, como situa-se entre um real que já não existe mais,

conhecimentos que temos sobre o assunto, sobre os objetos, o ambiente etc. Nessa fase, trabalha-se com os aspectos polissêmicos das imagens. Sua interpretação e leitura dependerão do arsenal de conhecimentos e da sensibilidade do observador. Essas características assumidas pela imagem e o modo de apreender o conteúdo, permitiram o entendimento de que lidamos sempre com dois níveis fundamentais em torno do conteúdo de uma imagem/mensagem: a denotação e a conotação. O nível denotativo refere-se à enumeração e descrição dos objetos num determinado contexto e espaço. O nível conotativo refere-se à análise das mensagens ocultas numa imagem e na forma como a informação aparece escondida ou reforçada. Para Umberto Eco (1993), a conotação é a soma de todas as unidades culturais que o significante pode evocar institucionalmente na mente do destinatário. Nessa discussão é necessário compreender o conceito de signo.

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levado pelo tempo, e uma imagem concretizada no suporte, imagem latente, que nos proporciona a revelação de um tempo e lugar longínquos, “por mais próximos que estejam” (DUBOIS, 1993). A fotografia é a memória que se concretiza num suporte material. Essa relação indefinível, entre essas temporalidades – o presente e o passado – nas imagens registradas no passado que são trazidas ao presente, ilustra de maneira complementar o funcionamento do aparelho psíquico (DUBOIS, 1993). Segundo ele, Os traços mnésicos escondidos em nosso inconsciente estão ao mesmo tempo sempre todos ali, e sempre inteiros. Só sua ascensão à superfície é seletiva. Todas as virtualidades são registradas, mas as atualizações na consciência, as revelações são feitas pontualmente, de acordo com mil procedimentos, que são como tantos filtros [...] (DUBOIS, 1993, p. 321).

Segundo o autor, uma fotografia sempre esconde mil imagens atrás dela, sob ela ou à sua volta. É um recorte idealizado e realizado pelo enquadramento dado, que imprime e esconde imagens do real. No entanto, a relação amorosa que temos com a fotografia emerge em grande medida desde sua origem, devido à vontade, ao desejo humano de conservar traços de uma presença que irá desaparecer com o tempo, é o “[...] trabalho sobre a temporalidade e o jogo complexo entre a duração e o instante, a presença marcada, numa das versões, do autorretrato, com suas impossibilidades e seus paradoxos enunciativos [...]” (DUBOIS, 1993, p. 139), que vai estar presente no ato de olhar para uma foto e que marca profundamente nossa relação com a imagem fotográfica. Roland Barthes, ao analisar a fotografia, afirma que as imagens possuem estatuto próprio na ação sobre nosso imaginário. Barthes justifica que a imagem fotográfica não pode ser aprofundada “[...] por causa de sua força de evidência”. Isso em função de que [...] na imagem, o objeto se entrega em bloco e a vista está certa disso – ao contrário do texto ou de outras percepções que me dão o objeto de uma maneira vaga, discutível, e assim me

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incitam a desconfiar do que julgo ver (BARTHES, 1984, p. 157).

Com isso, podemos pensar que a imagem nos apresenta como uma totalidade em si. Ela não abarca a totalidade do real, mas no processo de sua leitura a apreendemos na sua totalidade, ao contrário da mensagem escrita que difere da fotografia pela sequencialidade com que apreendemos seu conteúdo. Sendo assim, a fotografia age univocamente, invocando-nos a participar da mensagem-imagem com apelos que transcendem o consciente lido e racionalizado, pois traz à tona elementos registrados no nosso inconsciente que emergem como fragmentos, como ruínas de um tempo perdido. Ela superdimensiona a dimensão conotativa do objeto, de sua representação no contexto cultural e afetivo do sujeito. Esse aspecto é interessante se analisarmos no interior da própria história da fotografia. Segundo Dubois (1993), o primeiro estágio do discurso fotográfico esteve ligado à ideia da mimese, a imagem fotográfica como mimese do real, fortemente atribuída em função da semelhança existente entre a foto e o seu referente. Recoberta pelas noções de similaridade e realidade, a fotografia ligava-se à verdade, documento que garantia autenticidade ao objeto. Concebida como espelho do mundo, a imagem construída por meio de processos mecânicos e físico-químicos ganhava estatuto da imitação mais perfeita da realidade. Ainda hoje, a ação de uma imagem fotográfica sobre a subjetividade humana permanece carregada do indício de veracidade, pois, como coloca Dubois (1993, p. 26), ao nos depararmos com uma foto, subsiste, apesar de tudo, “[...] um sentimento de realidade incontornável do qual não conseguimos nos livrar apesar da consciência de todos os códigos que estão em jogo nela e que se combinaram para a sua elaboração”. Ou, como dizia Barthes (1984, p. 132), “[...] na fotografia, de um ponto de vista fenomenológico, o poder de autenticação sobrepõe-se ao poder de representação”.

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[...] o estudo da imagem é fundamental para o entendimento dos múltiplos pontos de vista que os homens constroem a respeito de si mesmos e dos outros, de seus comportamentos, seus pensamentos, seus sentimentos e suas emoções em diferentes experiências de tempo e espaço.

Entretanto, a autora adverte que a imagem, pelo seu caráter polissêmico, exige uma análise não só na sua dimensão histórica e sociológica, mas também semiológica, ou seja, na dimensão cognitiva da imagem. Uma foto também pode assumir uma função de registro do cotidiano – aquelas produzidas sobre fatos sociais, ambientais –, para servir como suporte às matérias jornalísticas. Essas imagens são chamadas de fotojornalísticas e, normalmente, são produzidas por fotógrafos especializados, que adquirem um olhar sobre a realidade que lhes permite registrar os fatos no instante em que ocorrem. São pessoas que trabalham para os jornais, revistas e que são contratados para fazerem coberturas fotográficas dos fatos e eventos sociais, políticos, artísticos e esportivos. Depois, as fotos farão parte das matérias publicadas por esses veículos de comunicação. As fotografias podem ser também do tipo artísticas, cuja função é a de apreciação artística. A fotografia artística se consolidou, atualmente, como um ramo da fotografia, com alguns fotógrafos que são artistas da imagem. Uma foto-arte possui o mesmo status que uma pintura ou escultura, existem exposições Sônia Cristina Vermelho

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Composição diagonal

Por conta dessas características, uma fotografia assume funções distintas, alcançando, atualmente, uma categorização que tem como base a intenção com que foi produzida, e também, a partir de quais elementos. Uma foto pode assumir ou ser feita com uma função histórica ou documental. Por exemplo, as fotos antigas de cidades, casas e pessoas, atualmente podem ser utilizadas para analisar o contexto arquitetônico de um determinado período e região. Muitas pesquisas antropológicas utilizam-se de imagens para discutir determinadas temáticas. Conforme nos coloca Alegre (1998, p. 76),

de fotografias em galerias de arte produzidas por fotógrafos que se especializaram nessa modalidade. Um exemplo de fotógrafo que possui sua obra divulgada em vários países é Sebastião Salgado. Seu estilo fotográfico é reconhecidamente forte, em função do apelo emocional e crítico que possuem suas imagens – são fortes. Outro tipo é a foto cuja função é a publicidade, aquela produzida em estúdios fotográficos, ou mesmo externamente, mas com todo cuidado técnico para dar publicidade a algum produto. As fotos de moda também se encontram nessa categoria. Independente da função e do tipo da fotografia, existem cuidados para que se obtenha uma boa foto. A técnica para produção de uma imagem prende-se, basicamente, em três itens: enquadramento, plano e ângulo. Claro que outros elementos também são considerados, por exemplo, uma imagem com a fusão de fundo é desagradável e pode roubar a atenção do centro de interesse. Fusões de fundo são objetos ou linhas que estão excessivamente juntas ao assunto principal. O ideal é simplificar as fotos e reforçar o centro de interesse selecionando fundos simples, evitando assuntos não-relacionados com o assunto principal. Toda fotografia é um recorte da realidade definido pelo enquadramento, que é o recorte que será dado ao real, uma escolha entre o que ficará dentro do quadro da imagem e o que ficará fora. Um exemplo de falta de enquadramento é quando tiramos uma foto em que a cabeça ou os pés são cortados. É importante analisar os objetos que serão fotografados pelo visor ou lente da máquina para que se consiga um bom enquadramento. Além do enquadramento, a composição também define o recorte a ser dado. Nos exemplos a seguir, é possível analisar melhor.

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2.1 Composição diagonal Na composição diagonal, propositalmente cria-se no leitor uma sensação de desequilíbrio, pois a impressão é de que o objeto vai cair. Esse tipo de enquadramento deve ser

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bem dosado, para não dar a impressão de que a foto foi mal tirada.

Acervo da autora.

2.4 Composição vertical Um exemplo de composição vertical é o de fotos de pessoas. O sentido de um corpo humano é vertical, ao tirar uma foto no sentido horizontal, a pessoa fica “achatada” e aparenta ser mais baixa do que realmente é. Por isso o segredo é tirar a foto no sentido vertical. Na foto a seguir, o objeto possui linhas que “puxam” a imagem para cima, fazendo com que predomine uma imagem mais verticalizada. Nesse caso, a única possibilidade é enquadrar, para que a foto fique numa posição vertical.

2.2 Composição central Na composição central, o objeto ocupa todo o centro da foto. Nessa foto, pode-se ver que o objeto ocupa toda a imagem, portanto o enquadramento centralizado é o mais indicado.

Acervo da autora.

Acervo da autora.

2.3 Composição horizontal Nessa foto, todos os objetos possuem uma direção mais horizontalizada: as pedras, o barco e a própria linha do horizonte que é marcada na imagem. Portanto, para essa imagem, a composição mais indicada é a horizontal, com a máquina deitada nessa posição.

Acervo da autora.

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O plano também compõe a técnica fotográfica. O plano é definido como a distância entre o observador e o objeto fotografado. Pode-se utilizar o plano de duas formas: a) aproximando-se ou distanciando-se fisicamente do objeto para o registro ou b) utilizando os recursos de zoom da máquina, que permite que os objetos sejam fotografados com planos distintos.

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Plano aproximado

Acervo da autora.

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Plano médio

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3 Acervo da autora. Acervo da autora.

O plano de conjunto, plano geral ou panorâmica permite registrar o máximo de espaço possível que o equipamento ou que a posição do fotógrafo permite. Na fotografia a seguir, foi possível mostrar desde objetos bem próximos ao observador, até os que estão bem distantes.

Acervo da autora.

Acervo da autora.

Porém, para que uma imagem possua um forte apelo emotivo e visual, é importante respeitar a “regra dos terços”. Essa regra diz que quando se quer dar relevância a certos objetos numa imagem, deve-se colocá-lo ocupando a região compreendida entre os dois terços inferiores direito ou esquerdo da imagem, nunca na parte superior e menos ainda na parte central. Assim, a leitura respeitará as zonas de atenção que ficam entre os dois terços abaixo e à direita da imagem. Sônia Cristina Vermelho

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A imagem fixa é uma das formas de produção de conteúdo utilizadas por algumas mídias. O audiovisual, que surgiu com o cinema no século XIX, foi resultado de uma série de pequenos avanços técnicos. Primeiramente surgiu a fotografia, depois com fotos numa sequência mostrada em uma sucessão rápida produziu a sensação de movimento. Historicamente, essa atividade já era realizada desde a antiguidade. Os chineses desenvolveram a arte das sombras chinesas, projetando a silhueta de pequenas figuras de madeira ou couro e representando pequenas histórias. No século XVII foram desenvolvidos os primeiros projetores dotados de lentes, as lanternas mágicas. Imagens eram pintadas sobre vidro e projetadas em paredes ou em tecidos. Esses sistemas foram os precursores dos atuais projetores de slides.

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O invento dos irmãos Auguste e Louis Lumière, o “cinematógrafo”, foi o que impulsionou o cinema. Ele logo se desenvolveu e se popularizou, tornando-se diversão e sendo utilizado para muitos fins: documentários, estudos científicos etc. O produto do cinema, o filme, tem uma história curta, mas recheada de conteúdo que permite uma classificação, chamada de gênero. O gênero nada mais é do que um conjunto de elementos que permite a identificação de um filme logo nas primeiras cenas: o cenário, os personagens, a iluminação, tudo isso já vai dizendo qual o gênero do filme. Alguns tipos mais conhecidos são: documentário, ficção, comédia, western, terror, policial, entre tantos outros tipos que vem se consolidando no mercado cinematográfico. Do ponto de vista social e econômico, o mercado cinematográfico representa um setor industrial e econômico importante – de grande faturamento – em alguns países geradores de emprego. Mas o que possibilitou esse desenvolvimento econômico foi um sistema criado nos EUA conhecido como star system. Esse sistema surgiu com a criação dos grandes estúdios e consistia em fabricar estrelas para encantar as plateias. O star system é o responsável pela produção das grandes estrelas de cinema. Atrizes famosas como Sophia Loren, Elizabeth Taylor, Gary Cooper, James Dean e mais recentemente: Roger Moore, Leonardo Di Caprio, Julia Roberts etc., são alguns que a indústria cinematográfica colocou no mercado para serem consumidos. Além dessa estratégia mercadológica, a indústria cinematográfica ocidental produz filmes que se encaixam literalmente em uma fórmula de sucesso, chamada de “cinema clássico narrativo”. A maioria absoluta dos filmes hollywoodianos são clássicos narrativos – que é a forma de estrutura narrativa que o público de cinema, em geral, está acostumado a ver. O público foi educado, nos últimos 100 anos da história do cinema, a assimilar facilmente esse tipo de filme. O espectador médio possui total compreensão desses filmes estruturados sob a narrativa clássica porque seu cérebro está programado para assistir a eles. Sônia Cristina Vermelho

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Existem regras e fórmulas para se fazer um filme clássico narrativo e o que acontece é que, em geral, se essas regras e fórmulas são obedecidas, o filme é um sucesso. O público geralmente rejeita os filmes que fogem a esse tipo de estruturação narrativa, porque filmes não-clássicos narrativos não se encaixam no padrão ao qual os nossos cérebros estão acostumados. Essas regras são, basicamente: • é absolutamente necessário que o filme tenha início, meio e fim bem definidos; • todo filme clássico narrativo parte da premissa de uma situação estável sendo abalada por um acontecimento chave (que desestabiliza o normal) e a posterior busca pela volta à estabilidade; • o espectador deve, obrigatoriamente, se identificar com os personagens, que devem ser escritos e interpretados a fim de causar essa identificação. Além disso, o espectador busca no filme uma espécie de catarse para os seus próprios problemas e sentimentos, portanto, o final feliz é quase uma obrigação; • todo filme clássico narrativo possui pelo menos dois plot points muito bem definidos: o primeiro é o acontecimento chave que desestabiliza a situação normal e o segundo é um outro acontecimento chave que é o clímax do filme – e que aponta para o final dele. Quanto aos elementos técnicos do audiovisual, além dos fotográficos, ainda podem ser utilizados os recursos de iluminação, os cenários e a trilha sonora. Esses recursos são específicos e ajudam a compor uma verdadeira gramática para a linguagem audiovisual. No entanto, socialmente falando, as três mídias que possuem atualmente maior impacto e penetração na sociedade são o rádio, a televisão (pelo número de aparelhos presentes nos espaços brasileiros) e a mídia digital, particularmente a internet, pela sua densidade e flexibilidade.

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No Brasil, a figura de maior destaque no desenvolvimento da tecnologia do rádio é o padre-cientista Landell de Moura, que obteve do Governo brasileiro, em 1900, a carta patente sobre seu invento. No Brasil, a primeira transmissão oficial foi no dia 7 de setembro de 1922, em comemoração ao centenário da independência do Brasil, com o discurso do então presidente da República Epitácio Pessoa. O rádio comercial, nas primeiras décadas do século XX, foi resultante do crescente processo de consumo dessa mídia, em particular após a aprovação do Decreto n. 21.111 de 01/03/1932, que autorizou que 10% da programação de uma emissora pudesse ser composta por comerciais pagos. Nessa mesma época, começou a contratação de artistas e de produtores para manter um padrão de qualidade na programação veiculada. Nos anos 40 do século XX, época de ouro do rádio, a programação tornou-se ainda mais popular e aumentou significativamente os índices de audiência. Em 1942, foi transmitida a primeira radionovela (Em busca da felicidade). Começaram também os programas de esporte, o radiojornalismo e os noticiários, em particular o famoso programa O repórter Esso, que posteriormente foi levado para a televisão. A vinculação do rádio com a política veio nessa época. Esse processo esteve ligado diretamente ao contexto anterior à Segunda Guerra Mundial e se intensificou durante o conflito. Segundo Chaia (2001, p. 210), embora existissem algumas especulações em torno das potencialidades do meio, os nazistas foram os primeiros a perceber e posteriormente a desenvolver o uso do rádio como meio de propaganda nacional e internacional.

No Brasil, o rádio também foi utilizado com propósitos políticos, com mais intensidade durante o governo de Getúlio Vargas (1930-45 e 1950-54) que, consciente de seu potencial comunicacional, utilizou essa mídia para promover a integração nacional em torno do seu projeto político. Getúlio foi quem criou, em 1935, o programa Hora do Brasil “[...] que tinha como objetivo promover a inSônia Cristina Vermelho

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tegração nacional, criar uma identidade política e divulgar suas ideias políticas” (CHAIA, 2001, p. 218). Posteriormente, Eurico Gaspar Dutra alterou o nome do programa para Voz do Brasil, o qual permanece até os dias atuais. O rádio é uma mídia que sempre esteve muito atrelada às questões políticas (CHAIA, 2001). Outro ponto interessante do rádio é a sua forma de consumo. Como diz Chaia, uma das [...] características que diferencia o rádio dos outros meios de comunicação é o aspecto de que as mensagens são transmitidas apenas oralmente, através do som, e o receptor pode executar outras atividades, concomitantemente à sua escuta. O rádio pode, portanto, estar presente em muitos lugares, possibilitando várias ações simultâneas e conquistando espaços que a televisão e o jornal impresso não podem preencher (2001, p. 202).

Essa característica inaugurou, certamente, um fenômeno social em que um conteúdo poderia ser consumido em praticamente qualquer lugar, por qualquer pessoa, pois o rádio não requer que para seu consumo sejam adquiridas habilidades específicas, além da capacidade de ouvir. Outro aspecto que também tornou o rádio uma mídia atrativa, do ponto de vista do produtor, é a sua estrutura tecnológica e o processo de produção. O seu dinamismo e flexibilidade permitem que os conteúdos possam ser alterados, atualizados e produzidos com grande facilidade e com baixo custo, em comparação, por exemplo, com os custos de produção para a televisão, cinema ou jornal. O custo de transmissão da voz é bem menor do que o custo de transmissão da imagem. Muitos acreditavam que, com o surgimento da televisão, o rádio iria desaparecer. Porém, o efeito foi contrário. O rádio encontrou sua própria linguagem e conquistou seu público, funcionando em complementaridade em relação às demais mídias. Devido às suas características, o rádio explora certos potenciais humanos (a voz e a audição), se caracterizando como a mídia da oralidade. Como tal, um texto narrado deve ser interpretado como um texto de teatro. A mensagem deve ser elaborada e interpretada

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segundo padrões técnicos, mas também estéticos. Essa questão torna-se um fator central nas produções para o rádio, pois na oralidade lidamos com a problemática da interpretação da mensagem. No caso da televisão, dentro da programação da TV brasileira, a telenovela desponta como fenômeno nacional. Esse gênero cresceu a passos largos e rapidamente ganhou o coração do grande público. Detentor de altos índices de audiência, o gênero tornou-se alvo de inúmeras pesquisas tanto no Brasil como na América Latina. Segundo Elias (1998, p. 38), O sucesso da telenovela, tal qual a conhecemos hoje, pode ser atribuído ao fato de ela possibilitar ao telespectador uma identificação com o seu cotidiano, funciona como um espelho da realidade. A telenovela parece colocar um pouco de fantasia na vida real e um pouco de realidade na fantasia.

A questão envolvendo o avanço das mídias de massa há muito vem revestida de posições, indicando, segundo Umberto Eco (1993), a classificação das pessoas entre os apocalípticos e os integrados. Os apocalípticos seriam aquelas pessoas que veriam no fenômeno do crescimento dos meios de comunicação de massa, ou das mídias de massa, como a televisão, o rádio, o cinema, uma ameaça de crise para a cultura e para a democracia. Os integrados são aqueles que se rejubilam com a democratização do acesso de milhões de pessoas a essa cultura do lazer. No entanto, como adverte Umberto Eco (1993), as atitudes extremistas acabam levando a resultados semelhantes. A atitude mais adequada é ter uma posição crítica, o equilíbrio entre o otimismo ingênuo e o catastrofismo estéril, um equilíbrio que assume a ambivalência do meio, as suas possibilidades e limitações, as suas contradições internas. No Brasil, é possível afirmar que é forte a penetração da televisão nos espaços urbanos, confirmando que se trata de uma prática relacionada ao universo cultural da modernidade. Entre as classes sociais – sabendo que a pirâmide socioeconômica brasileira é bastante distorcida, com concentração de renda Sônia Cristina Vermelho

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numa parcela pequena da população – existe um número significativo de famílias com baixo poder aquisitivo, mas que possui televisão de canal aberto, na sua grande maioria, e que tem, neste meio, uma das poucas formas de acesso aos produtos culturais: filmes, novelas, shows, notícias, documentários etc. Em termos numéricos, a televisão atinge mais de 90% dos lares brasileiros (PNAD/ IBGE, 2009). Com isso, do ponto de vista cultural, a população brasileira tem, hoje, um veículo que atinge praticamente a totalidade da população, ou seja, o que está em jogo é a estruturação de nossa relação com o mundo. As mídias digitais representam um avanço, tornando-se uma ferramenta de democratização do acesso à informação. Mas são interessantes algumas informações sobre a gênese dessa tecnologia. A criação da internet coincide com as mudanças na economia e na política no final dos anos 50 do século XX, em plena Guerra Fria, na disputa pela liderança tecnológica. O EUA criou uma Agência de Desenvolvimento de Projetos Avançados, a Arpa, subordinada ao Ministério de Defesa e, em 1962, com a junção de outro invento da AT&T, o modem, se tornou viável a comunicação de dados entre dois computadores com a transmissão de pacotes de dados. Essa tecnologia começou a receber a atenção do governo americano porque apresentava a possibilidade de distribuir as informações estratégicas em vários pontos, impedindo que informações valiosas fossem destruídas, em caso de ataque, fragilizando a defesa do país, disso surgiu a Arpanet. Desse uso estratégico-militar, a rede de computadores sofreu um novo impulso quando, ainda nos anos 70 do século XX, os economistas estadunidenses pressentiram que para os próximos períodos a informação teria um peso significativo na economia. Em 1977, encomendaram um relatório para avaliar esse aspecto e identificaram que, desde 1966, a informação representava 47% da força de trabalho e do produto interno bruto daquele país. O desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação faz parte de uma estratégia dos países mais ricos para se manterem na liderança econômica.

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nesses avanços, tem-se os Ambientes Virtuais Esse fenômeno fez surgir uma questão sode Aprendizagem (AVA), considerada a teccial: a alfabetização digital. Atualmente, donologia mais avançada para a educação. minar os códigos da rede eletrônica é tão imAlguns elementos em torno da problemáportante como tem sido até agora saber ler e tica sobre a penetração da mídia na sociedaescrever. A proliferação das novas tecnologias de a tornam uma instância formativa de grane a enorme quantidade de informações que a de importância e relevância educacional. internet oferece às pessoas coloca em xeque Além disso, o sistema mídia interfere também a necessidade de repensar alguns papéis na no processo social como um todo, pois atua educação. Como diz o pedagogo Seymour intensamente nas relações sociais, ou seja, Papert, do Massachutts Institute of Technology a construção da cidadania passa pelo inter(MIT), “se a escola não fizer uma revolução, câmbio com a mídia, em geral. Os meios de as crianças vão fazê-la”. comunicação são espaços do saber e a popuEssa mídia trouxe, ainda, a incorporação lação tem confiança nos seus relatos (conteúde uma infinidade de termos e conceitos: dos). Com isso, a sociedade ocidental modercyberspace, web site, homepage, e-mail, link, na acabou por construir um mundo com base hacker, browser, interface etc. No entanto, o nas relações imagéticas conceito mais difundido Atualmente, dominar os com a mídia, criando e importante é o de hipercódigos da rede eletrônica é tão uma realidade editada. texto. Lucia Leão, no seu livro O labirinto da hiper- importante como tem sido até Por isso, é fundamental entender a comunicação mídia (1999), explica de agora saber ler e escrever. como prática social e, maneira simples o que é como tal, deve-se ter uma atuação crítica frenum hipertexto: “um documento digital comte ao sistema mídia, pensar criticamente seus posto por diferentes blocos de informações conteúdos, saber selecionar informações. interconectadas” (p. 15), através de vínculos Segundo alguns pesquisadores do tema, eletrônicos ou links, que permitem ao usuário o sistema mídia estrutura os atos comunicatiavançar na leitura na ordem desejada. vos, criando uma rede comunicativa espessa e Segundo Pierre Lévy, os chamados blocos ampla. Isso pode levar a uma hipotrofia dos de textos são como nós e os links são as conenossos sentidos (sensorium humano), a uma xões. Para ele, o chamado hipertexto hipertrofia dos sentidos de proximidade (tato, olfato, paladar) e a uma hipotrofia dos senti[...] é um conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser palavras, dos de distância (audição e visão). Essas mupáginas, imagens, gráficos ou partes danças podem, ainda, contribuir para desende gráficos, sequências sonoras, dovolver algumas patologias da comunicação, cumentos complexos que podem eles mesmos ser hipertextos. Os itens de inas quais são geradoras da violência, que seria formação não são ligados linearmente, a perda da propriorecepção (sentido do prócomo em uma corda com nós, mas prio corpo). cada um deles, ou a maioria, estende O que está em jogo nesse processo é o suas conexões em estrela, de modo reticular. Navegar em um hipertexto siggrau de adesão que o sujeito estabelece com nifica, portanto, desenhar um percurso o discurso da mídia, quanto mais aderente em uma rede que pode ser tão complifor o discurso em relação às expectativas do cada quanto possível (1993, p. 33). sujeito, maior será a interferência da mensagem na vida da pessoa. Com o crescimento Essa capacidade aliada à de incorporar e diversificação das mídias na sociedade, conteúdos de vários formatos, de ser multimídia, torna a internet a mais poderosa mídia de esse processo tende a acirrar-se, levando ao comunicação já desenvolvida pela humaniconceito de midiatização. Nesse conceito, a dade. Multimídia é um termo que pode definir questão não está no processo de veiculação a conjugação de textos, sons, imagens e mode acontecimentos por intermédio dos meios, vimentos. E, mais recentemente, baseando-se mas no “[...] funcionamento articulado das Sônia Cristina Vermelho

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tradicionais instituições sociais com a mídia”, o que nos permite “[...] sustentar a hipótese de uma mutação sociocultural centrada no funcionamento atual das tecnologias da comunicação” (SODRÉ, 2007, p. 19). Com isso, temos que concordar com Baitello Jr.: [...] a distribuição de símbolos e imagens, seja ela feita pelos códigos da visualidade, ou por outros códigos, cria grandes complexos de vínculos comunicativos – grupos, tribos, seitas, crenças, sociedades, culturas – e, com isso, cria realidades que não apenas podem interferir na vida das pessoas, como de fato determinam seus destinos, moldam sua percepção, impõem-lhes restrições, definem recortes e janelas para o seu mundo (1999, p. 82).

Por isso, pensamos que o desafio é para a sociedade e para a educação porque [...] comunicar é a ação de sempre, infinitamente, instaurar o comum da comunidade, não como um ente [...], mas como uma vinculação, portanto, como um nada constitutivo, pois o vínculo é sem substância física ou institucional, é pura abertura na linguagem (SODRÉ, 2007, p. 20).

Temos que considerar que lidamos com linguagem, com a construção do discurso que permite a formação de sujeitos (subjetividade) e a produção do real (concreticidade). Portanto, a relação da mídia com a educação vai muito além de um uso como recurso didático, de apoio, mas estabelece contextos complexos para a relação ensino-aprendizagem, pois o que acontece são entrecruzamentos de discursos: professor(a) e mídia, uma intertextualidade que inaugura um contexto complexo e preocupante. Para lidar com essas questões, há algumas décadas surgiu a área da mídia-educação, cujo objetivo é lidar com a mídia numa perspectiva social, entender o lugar que a mídia ocupa na sociedade atual e analisar o impacto social historicamente, as implicações para as relações sociais e para a organização da sociedade. Numa perspectiva educacional, o que a área defende é que o profissional da educação deve dominar as linguagens das Sônia Cristina Vermelho

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mídias, pois isso significa dominar novos códigos de acesso ao conhecimento, visando proporcionar uma formação crítica do aluno, em que ele aprenda a selecionar, criticar a fonte das informações. Numa perspectiva individual, a mídia-educação se propõe a atuar na produção de arte com a criação/autoria, o que atua diretamente sobre a autoestima dos alunos, mas também cria um novo modo de percepção estética do real. A noção de educação para as mídias abrange todas as maneiras de estudar, de aprender e de ensinar em todos os níveis [...] e em todas as circunstâncias, a história, a criação, a utilização e a avaliação das mídias enquanto artes plásticas e técnicas, bem como o lugar que elas ocupam na sociedade, seu impacto social, suas implicações da comunicação mediatizada, a participação e a modificação do modo de percepção que elas engendram, o papel do trabalho criador e o acesso às mídias (UNESCO, 1984).

Isso porque, numa análise social, vivemos um processo de desordenamento cultural (MARTÍN-BARBERO; REY, 2001), numa convivência com uma opulência em termos comunicacionais, com uma debilidade de público, com uma maior disponibilidade de informação, com um empobrecimento/deterioração da educação formal, num contexto em que existe uma multiplicação de signos, numa sociedade que padece de maior deficit simbólico. O que se coloca nesse contexto é que a mídia-educação ou educação para as mídias é condição sine qua non para a educação e para a cidadania, portanto, para a construção de uma sociedade democrática e humanista.

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