Setúbal Revista Nr. 15

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Revista Bimensal | N.º 15 - II Série - 3º Ano Fevereiro / Março 2019

Comportamentos agressivos em crianças e adolescentes

JOÃO MENDONZA “Cantar para o Papa Francisco foi uma grande emoção...”

Gente Feliz com Pouco



EDITORIAL

Amor a tudo o que fazemos `tÜ|t ]ÉûÉ YxÜÜÉ Diretora Editorial

F

evereiro, mês dedicado ao amor, alinhado com as emoções e os afetos, com os apegos e desapegos, que temos ao longo da vida às pessoas, às situações, à arte, à vida em geral e a tudo aquilo que fazemos. Ao longo deste numero 15 da SER - Setúbal Revista, encontrará uma série de artigos onde o amor está patente, de alguma forma e através dos mais variados contextos. Pela palavra, pela imagem, pela expressão dos afetos e das emoções, pela música, pela arte, pelas viagens, e pelos artigos que aqui lhe apresentamos, onde poderá encontrar variadissimas formas de amor.

FICHA TÉCNICA

Este mês debruçamo-nos na pessoa de João Mendonza, Setubalense, vocalista do grupo Passione, jovem revelador de um gosto especial pela arte, pela vida, partilhando connosco o apego que sempre teve à Musica, que nos traz um pouco da sua história de vida, um pouco da sua carreira e um pouco do amor que demonstra pela vida e pela arte. Noutro ponto da revista relembramos que a imagem, a palavra e os afetos resultam numa tríade perfeita, resultam efetivamente bem, através de um modelo de transgressão bedigna, que podemos encontrar na pagina de poesia, da nossa colaboradora Isabel Marques. E fomos encontrar ainda a Isabel na Bi-

blioteca Municipal de Setúbal, numa partilha desprentensiosa dos seus trabalhos ligados à palavra, à emoção e ao amor. Simbolo de grande resiliência, transgressão e amor é também a Ana Sofia Martins, que para além de ser muito bem-vinda a esta familia SER, nos traz muito amor pelo seu blogue, e pela partilha que faz, dos seus contatos pelo mundo. Obrigada por acreditar na SER. Obrigada a todos os nossos colaboradores e desejos de um bom ano 2019, com muito amor à vida e a tudo o que fazemos dentro dela. Bem Hajam! n

Setúbal Revista – Registo na ERC: 126664; Depósito Legal Nr. 390882/15 Propriedade: João, Pedro & Armindo, Lda. [Sócios: Armindo Manuel Fernandes da Conceição (33%); Maria João Moreira da Conceição Ferro (33%); Pedro Manuel Moreira da Conceição (33%)]; Diretora Editorial: Maria João Ferro; Editores: Maria João Ferro. Colaboram nesta edição: Maria Pereira; Isabel Marques; Maria do Carmo Branco; Nuno Castro Luís; Jorge dos Santos Forreta; Paula Cunha e Silva; Eugenia Canito; Silvia Silva; José Gomes; Alexandra Aleixo; José Nobre; Carolina Bico; Alexandra Mendes; Cristina Pinho. Contactos: redacao@setubalrevista.com - Avenida 5 de Outubro, 111, 2900-312 Setúbal; Publicidade: 967 122 006 - Estatuto Editorial em www.setubalrevista.com

Setúbal Revista respeita a opção dos seus colaboradores quanto ao Acordo Ortográfico Setúbal Revista

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SUMÁRIO ENTREVISTA

P.17 A 26

TURISMO

P.6 E 7

Os pimentos assados da minha vizinha de baixo OPINIÃO

“Nós fizemos a canção ‘Ave Maria’, que foi entregue em 2017 quando o Papa Francisco veio a Portugal”

P.14 E 15

João Mendonza, 27 anos, natural de Setúbal é formado em Comunicação Social pela Universidade Católica Portuguesa e tem o curso de Canto, do Conservatório Nacional de Lisboa. Apaixonado pela música desde cedo, João Mendonza começou por imitar grandes referências do universo lírico. Com apenas 11 anos participou em “A Cinderela”, a primeira ópera infantil portuguesa, onde interpretou um dos papéis principais e nunca mais parou.

VIAGENS

P. 30 E 31

Gente Feliz com Pouco PSICOLOGIA

Viajar para quem está numa cadeira de rodas Não, nem tudo é um mar de rosas! Como tudo na vida, nada é perfeito e viajar não tem só coisas boas. E viajar, estando numa cadeira de rodas, pode ter ainda menos coisas boas. Calma! Eu disse menos, não disse que não tinha.

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Setúbal Revista

P.28 E 29

Comportamentos agressivos em crianças e adolescentes


ATUALIDADE

Aconteceu na Biblioteca Municipal de Setúbal

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o passado dia 26 de janeiro, a Casa da Poesia convidou Isabel Marques a participar num momento de poesia na Biblioteca Municipal de Setúbal. Aconteceu realmente, um momento de excelente Poesia, pela mão da nossa colaboradora e poetisa, Isabel Marques. Esta sessão contou com a presença dos convidados, Maria João Ferro, Sara Loureiro e Albano

Almeida e com um conjunto de poemas extraordinários. Como a própria poetisa afirma, “…Biblioteca Municipal, na casa das Palavras, completamente cheia, gentilmente convidada pela Casa da Poesia de Setúbal, entre amigos e demais sorrisos que não conhecia, que as palavras se soltaram…Sara Loureiro lê o que escrevo e eu fico deslumbrada a

ouvi-la. Na sua voz, crescem e se sublimam. Albano Almeida emoldura as nossas vozes com a sua música. E a juntar, para que tudo fique perfeito, a minha Editora Maria João Ferro, segreda-me palavras lindas de confiança. Agradeço a TODOS de coração cheio a presença, os sorrisos, uma ou outra lágrima “O MOMENTO LINDO”...”. Ficamos a aguardar o livro… Setúbal Revista

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TURISMO

ALEX-EM-LUTÉCIA Correspondente em Paris, França

Os pimentos assados da minha vizinha de baixo

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m Paris usufruo do privilégio de viver num lindo edifício construído na última década do século XIX, de varandas forjadas em ferro e que assumem por vezes, formas complicadas no chão quando a luz do dia se consegue escapar por entre elas…. Adoro o apartamento com o seu desenho antiquado de salas e quartos e janelas impossíveis de tão altas…. Adoro subir as escadas, abrir a porta e ser constantemente surpreendida pelo o charme que emana das velhas paredes, não fora o facto de dia sim, dia sim, a entrada se achar perfumada por um cheiro que, embora eu o associe a bom tempo e alegres patuscadas, no remanso do meu lar não deixo de o considerar deveras inconveniente: o de pimentos assados, pimentos esses que parecem constituir-se como o ingrediente por excelência da família que habita mesmo por baixo de mim!! E já por diversas vezes me cruzei com o fornecedor que vem ao prédio deixar à minha vizinha várias caixas!! Belíssimos exemplares, enormes, verdes, amarelos e vermelhos, guardados de forma cuidada numa caixa, certamente proveniente de um dos excelentes mercados de rua que por toda a cidade e arredores florescem, convidativos e formidáveis e onde se compram genuínos produtos franceses das várias regiões, a preços de Paris, claro… O meu favorito é o de Versailles e apesar de existirem outros mais à mão, nem sequer tento resistir ao apelo que me leva a percorrer o caminho até lá, aproveitando também para passar diante do exuberante e dourado palácio do Rei-Sol. Maravilhosa Versailles…E tudo começou porque em 1641 ainda Delfim de França, Luís é para lá enviado juntamente com o seu irmão Filipe para a pe-

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quena residência construída pelo pai, na tentativa bem-sucedida de os pouparem então a uma epidemia de varíola que grassava em Saint-Germain. Já rei, Luís XIV adota o hábito de ir caçar para aqueles bosques tendo decidido, face à sua localização, fazer aí centro do seu reinado, modelado pela apenas regia vontade e conceção de poder absoluto, suficientemente afastado da tumultuosa e perigosa Paris sempre pronta a amotinar-se, mas ao mesmo tempo não tão longe assim… Um espaço amplo que permitirá, no fim, alojar e fixar toda a extensa corte como nenhuma outra residência o havia antes feito e desta forma

controlar a inquieta nobreza, atando-os com laços de cetim e brocado, enredando-os na complicada etiqueta francesa - etiqueta essa que contemplava de modo exaustivo as refeições tomadas pela família real de forma publica, na presença em pé de centenas de cortesãos selecionados e onde apenas as doze damas mais nobres do reino detinham o direito se sentar num banco, defronte... Uma cerimónia que seguia o ritual francês de uma primeira apresentação de todos os pratos, sucedido então da degustação das sopas, das entradas, dos assados, dos doces e por fim das frutas….


TURISMO Pela mesa de Luís XIV passavam os melhores produtos que o país oferecia e a tradição parece manter-se ainda nos nossos dias. As bancas do mercado que se erguem no centro de uma das praças desta “Ville” fariam, com toda a certeza, ainda hoje, a delícia dos chefs de cuisine” reais… Desde a carne ao peixe, passando pelos vegetais e terminando nos queijos, a oferta é sublime e não fora alguma necessária contenção, tenho a certeza que nem conseguiria arrastar o saco das compras…. Como resistir à descarada exposição de tantas especiarias cujas misturas de aromas fazem cócegas no nariz? E depois são colocadas em pequenos frasquinhos que tornam tão giras as despensas... As vieiras Saint-Jacques recordando as coleções de conchas das infâncias… O peito de pato primorosamente embalado e temperado com as ervas obrigatórias e

fáceis de confecionar, fazendo-nos brilhar nos jantares de amigos… As melhores peras e maçãs exalando gosto e sol, assim como as framboesas cor-de-framboesa, carnudas, e cujas etiquetas indicam que vieram de Portugal… Um círculo de gostos que ao longo do tempo foi acrescentando aos valores regionais os internacionais – ou não fora já Paris o melting pot que se tem tornado nas ultimas décadas, destacando-se

desta maneira, também em Versailles, a já quase obrigatória street food, que com o tempo e novas tendências, tem ascendido na escala gastronómica mundial. Foi, portanto, sem surpresa, mas com enorme agrado, que constatei que nas bancas dos doces não faltam sequer os pasteis de nata convenientemente identificados… Au revoir, Bisou n

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SAÚDE

CRISTINA PINHO Médica Gastroenterologista / Homeopata cristinapinhomedica@gmail.com

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A 18 de janeiro de 2019, as ordens profissionais médicas de Portugal e Espanha assinaram, em Madrid, uma declaração conjunta sobre pseudoterapias e pseudociências. Consta nesse documento: “Entendemos por pseudoterapia (falsa terapia), toda aquela oferta de cura de doenças ou alívio de sintomas ou melhoria da saúde, utilizando procedimentos, técnicas, produtos, remédios ou substâncias baseadas em crenças ou critérios que não dispõem atualmente de evidência científica, nem foram valida-

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“Convencional versus NÃO Convencional”

dos na sua eficácia, efetividade, qualidade e segurança pelo método científico convencional, apresentando-se falsamente como científicas (pseudociência/falsa ciência).” Estes colegas colocam a Homeopatia (método que utilizo em conjunto com a medicina convencional há mais de 12 anos) nesta categoria. Aqui vos deixo, em várias etapas durante os próximos meses, os motivos que me levam a considerar a Homeopatia uma ciência com provas dadas, sistematicamente, há mais de 200 anos.

Homeopatia é uma cultura de saúde e um modelo para a medicina, criados há duzentos anos pelo médico alemão Samuel Hahnemann (1755-1843). Baseiase no cuidado integral do ser humano e pratica o atendimento centrado no paciente e não na doença. Após vinte anos de experimentação nele próprio, na família, nos colegas e amigos, Hahnemann publica em 1810 "ORGANON DA ARTE RACIONAL DE CURAR" (1,2). Na sua origem grega ORGANON significa "instrumento, meio" e designa os


SAÚDE

seis tratados de Aristóteles dedicados à lógica. Com este título a intenção de Samuel Hahnemann é muito explícita, tal como o próprio enfatiza. Ele pretende definir uma medicina coerente, racional, que se apoia apenas na observação e colheita criteriosa dos factos, ou seja, apenas e só baseada na experiência. Utiliza, pela primeira vez, o termo HOMEOPATIA a partir do grego HOMOIOPÁTHIEA. HOMOIOS quer dizer “igual, o mesmo, similar, parecido com” e PATHEIA, “capacidade de sentir”. Com esta denominação, Hahnemann passa a descrever um método de tratamento que consiste em administrar aos enfermos doses muito pequenas de substâncias que provocam, em indivíduos sãos, situações clínicas semelhantes à da doença que se pretende curar. O ORGANON forma um todo, uma unidade solidamente construída, com 291 aforismos muito bem fundamentados. É um tratado médico parecido com um tratado jurídico, estando dividido em duas partes: Doutrina (1-70) e Prática (71291). A primeira parte compreende o conhecimento teórico, base filosófica e definição das competências indispensáveis ao

praticante e a segunda descreve a técnica, a arte de como fazer. É o aforismo 9 (3), que resume como Samuel Hahnemann sentia o ser humano. Há duzentos anos concluiu que somos um corpo material animado por uma força vital (FV), de natureza espiritual, que nos mantém saudáveis para que o espírito dotado de razão (mente) que vive em nós possa atender aos mais altos fins da nossa existência. Assim, para aqueles que encaram o corpo como um mero instrumento bioquímico, regido por neurotransmissores que circulam entre o cérebro e a periferia, consoante o sistema de crenças que a nossa mente apresenta, fica claro que a FV é o eixo PNEI (psiconeuroendócrinoimunológico), conceito usado pela medicina convencional para explicar o funcionamento do binómio mente-corpo (4). Para os que entendem, como eu, que tudo está interligado e provém de uma consciência una, que nos dá vida, sustenta, protege e cura constantemente, é fácil aceitar a natureza espiritual da nossa forma humana e sentir a sua interdependência e ligação constantes com a mente e o corpo (PNEI). Aquilo que a medicina convencional con-

sidera um corpo físico dotado de um sistema de regulação chamado mente, para a homeopatia é um instrumento vivo com um espírito dotado de razão (mente), que a ciência ainda não alcança (e alcançará?...). O leitor compreende que respira porque está vivo? Ou entende que está vivo porque respira? Continua. n Notas e Bibliografia: 1. Hahnemann, Samuel (2002) “Exposição da Doutrina Homeopática ou ORGANON DA ARTE DE CURAR”, Traduzido da 6ª Edição Alemã GEHSP “Benoit Mure”. 2. Pustiglione, Marcelo (2010) “ORGANON DA ARTE DE CURAR DE SAMUEL HAHNEMANN PARA O SÉCULO XXI”, Organon. 3. Aforismo 9: “No estado de saúde, a força vital de natureza espiritual, que dinamicamente anima o corpo material, reina com poder ilimitado e mantém todas as suas partes em admirável atividade harmónica, nas suas sensações e funções, de maneira que o espírito dotado de razão, que reside em nós, pode livremente dispor desse instrumento vivo e são para atender aos mais altos fins da nossa existência.” 4. Pereira da Silva, José António “Psico-Neuro-Endócrino-Imuno-Reumatologia: Explorando os mecanismos biológicos das manifestações psicossomáticas” Acta Reum Port 2002; 27: 251-262. 5. Pinho, Cristina (2017) “Médico Unicista: Ensaio sobre a Arte de Curar”, Mahatma.

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MĂšSICA

IVONE CAMPOS Bióloga; Professora; Musicoterapeuta; Curso de Educação Musical pelo Conservatório Nacional de Música; Curso de Piano pelo Conservatório Nacional de Música

O poder da mĂşsica

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avia uma mĂşsica que era nossa. SĂł nossa. Mentira, havia duas. Uma era a mĂşsica que tocava quando nos conhecemos e nos olhĂĄmos pela primeira vez. A outra era uma com cuja letra nos identiďŹ cĂĄvamos. Fizemos delas as nossas mĂşsicas e cada vez que tocavam transportavam-nos para momentos Ăşnicos, enlevados e belos. Durante anos nos acompanharam, em momentos bons e maus, e foram nossas e sĂł nossas, como se de um cĂłdigo secreto se tratasse. Algo que apenas nĂłs sabĂ­amos, como algo privado e intocĂĄvel, sagrado e dileto. Foram essas mĂşsicas que muitas vezes me ďŹ zeram chorar com saudades tuas e outras tantas me ďŹ zeram sonhar com um futuro que seria tambĂŠm nosso e sĂł nosso. Foram essas mĂşsicas que me acompanharam durante anos na doença, na saĂşde, na tristeza e na alegria, como um casamento secreto que une os namorados. Engraçado como as mesmas mĂşsicas tinham efeitos diferentes e provocavam em mim sensaçþes tĂŁo dĂ­spares. Ora me faziam sonhar extasiada devaneando por um mundo nosso que, tal como as mĂşsicas nos pertencia, ora me lançavam num campo de dor, mĂĄgoa, tristeza ou saudade. Todos nĂłs “temosâ€? mĂşsicas que nos lembram lugares, pessoas ou acontecimentos. Lugares que visitĂĄmos e onde nĂŁo voltaremos, pessoas que ďŹ zeram parte da nossa vida e jĂĄ nĂŁo fazem ou acontecimentos que ďŹ caram gravados

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nas nossas memórias. A música tem esse poder: o de manter em nós pedaços do passado. De certa forma torna presente o que jå passou, ressuscitando instantes, cheiros e cores. Ao ouvirmos certas músicas, depressa nos sentimos teletransportados para esses momentos tambÊm só nossos, guardados nos baús da nossa memória.

O tempo passou. JĂĄ nĂŁo fazes parte dos meus dias. Mas as mĂşsicas, essas continuam vivas e podes nĂŁo acreditar, mas cada vez que as ouço lembro-me de ti. De nĂłs. Do que sonhĂĄmos e nĂŁo aconteceu e do que sonhĂĄmos e aconteceu. E quer acredites ou nĂŁo‌. Dou por mim muitas vezes a “chamar a mĂşsicaâ€?‌ Para todos os “Valentinsâ€? đ&#x;˜Š n



SOCIEDADE

EUGENIA CANITO Professora

“Pelo sonho é que vamos”

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os inúmeros poetas que enriquecem o nosso país, Sebastião Artur Cardoso da Gama, mais conhecido por simplesmente Sebastião da Gama, nasceu em 10 de Abril de 1924 e faleceu a 7 de Fevereiro de 1952, mas será sempre lembrado porque o conteúdo dos seus poemas agarram-se à nossa memória e prendem-se à nossa imaginação pelo seu conteúdo. Provavelmente, às pessoas que vivem em outros pontos do país, os seus poemas não terão a mesma simbologia, mas quem conhece a Serra da Arrábida, os seus poemas transmitem-nos uma tal profundidade: a ligação à terra, a mística da serra virada para o rio e à deusa floresta – o homem sozinho com a natureza… Licenciou-se em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi professor em Lisboa na Escola Industrial e Comercial Veiga Beirão, em Setúbal na Escola Industrial e Comercial, hoje Escola Sebastião da Gama, e em Estremoz na Escola Industrial e Comercial local, cidade onde o seu nome ficaria mais tarde ligado à atual Escola Básica Sebastião da Gama. A sua obra encontra-se ligada à Serra da Arrábida onde vivia e que tomou por motivo poético de primeiro plano (desde logo no seu livro de estrela, Serra Mãe) e à sua tragédia pessoal motivada pela doença que o vitimou precocemente, a tuberculose. Sebastião da Gama, natural de Vila Nogueira de Azeitão, ficou para a história pela sua dimensão humana, nomeadamente no convívio com os alunos. Literariamente não esteve dependente de qualquer escola, afirmando-se pela

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Pelo sonho é que vamos Comovidos e mudos. Chegamos? Não Chegamos? Haja ou não frutos. Pelo sonho é que vamos. Basta fé no que temos. Que talvez não teremos. Basta que a alma demos, Com a mesma alegria. Ao que desconhecemos. E ao que é do dia-a-dia. Chegamos? Não chegamos? Partimos. Vamos. Somos. “QUANDO EU NASCI, FICOU TUDO COMO ESTAVA……….” Sebastião da Gama


SOCIEDADE

sua temática: amor ao ser humano e pela sua candura muito pessoal que caracterizou os seus poemas. Os seus poemas fazem parte da minha antologia, porque o considero como um “puro”, é a minha principal referência deste poeta que estudei no passado Que grande poeta! Que grande profes-

sor! Para se ser professor é preciso ter as mãos purificadas. A toda a hora temos de tocar em flores. A toda a hora a poesia nos visita. SUBLIME! O seu Diário editado postumamente é um interessantíssimo testemunho da sua experiência como docente e uma valiosa reflexão sobre o ensino. Em Vila Nogueira de Azeitão foi inau-

gurado com o seu nome o Museu Sebastião da Gama destinado a preservar a memória e a obra do “Poeta da Arrábida” como era também conhecido. Faleceu precocemente aos 28 anos. Não resisto em transcrever o seu poema, que é o meu preferido, pela sua profundidade, beleza e inspiração. n Setúbal Revista

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CENAS DA VIDA FAMILIAR

JORGE SANTOS FORRETA Médico cenasdavidafamiliar.blogspot.pt

À

minha mãe, Maria de Jesus., Cresceu na antiga Rua do Poço, no coração do bairro de Troino: o trinta e nove era uma mercearia. As caixas de fruta, empilhadas, escondiam os quartos: um minúsculo, onde dormia aos pés da cama de ferro dos meus avós, mais o guarda-roupa e a espingarda de dois canos, outro, do Agostinho, improvisado na cama de palha que se aplanava diariamente sob um vão de escada, forrado com os posters que pedinchava, por carta, à embaixada americana. Na pia, o sabão macaco. Escuso por

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Gente Feliz com Pouco

baixo, o sabonete Confiança e o aprèsrasage Musgo Real que o Agostinho calava, e que a minha mãe surripiava e espalhava pelo pescoço... Devota, não fosse a minha avó Ermelinda de Jesus, a estaurolatria cobria as paredes da mercearia e afastava o quebranto e o bolor. Ao lado da caixa registadora, um quadro do casamento e o Punto Azul, para a companhia: sucumbiu a minha avó, a café e pão com banha de cor, com o coração apertado à voz do Joselito. No primeiro morava o Senhor Ricardo

Peixinho, Presidente das Festas da Nossa Senhora da Arrábida: para a minha mãe, tinha assento no Conselho de Estado, ao lado do Carmona ou por cima dele e, por ele, a banda percorria Troino, círio às costas, e detinha-se por minutos à porta da mercearia! A minha mãe, a filha que não tiveram, seguia com a Virgem, na traineira até ao Portinho: trepada a serra, a tradição mandava bater o cu no S. Martinho, Sorte malvada, à frente, morava a Tia Anica, mãe da Principelina. Descascava as ervilhas da minha avó e ficava-lhe


CENAS DA VIDA FAMILIAR

com a metade. Era só a metade do trabalho: com a minha mãe ao colo, catava o piolho e benzia o olhado... Os meus avós alvoravam às cinco. Escolhidos a fruta e os repolhos, salmouravam as azeitonas. A avó, Ti Palmeloa, ordenava soltura ao Tio Valente, uma carvalhal figura mas um desastre na venda, incapaz da mentirola mais inocente... Sobrava, aproveitava-se para o licor e nos doces para barrar o papo-seco dos meninos, que nada lhes faltasse.

Gente simples, O luxo do meu avô: a caça e os coelhos que pendiam da cintura, e se não via um boi, a avó jurava comprados no mercado; o dela: assistir à matinée, de balcão, no Salão Setubalense! A minha mãe, Apanhava malhas e, sem sonhos, suspirava pela comunhão, o fato alugado à Graciete e a permanente no salão da Lena: ia linda ainda com a marca dos ferros, mas farta de caracóis e, por isso, obrigada a dormir sentada no almofadão

de bordado inglês. Jejuou e estatelou-se inanimada, no chão da igreja, salva pela fé, nas línguas de gato da Arcádia e nos rebuçados da Fábrica de Santo António. O Agostinho, Desdobrava-se nos trocos da caixa para ficar com as moedas de prata presas à mão. A avó controlava as notas. Mal podia, fugia para a bola, ranhosa de trapos e para a praia, no Cais do Carvão. A avó pagava, em dinheiro e mais em géneros, ao diretor da escola para o amarrar mas o bicho, pulava pelo o quintal do Louzada, não o apanhassem eles a laço, Chegado, a Ti Palmeloa lambia-lhe as costas, e chegava-lhe, viesse ele salgado do banho nu Sado... Outros tempos, A seriedade e a Palavra não eram vãs e, por tal e tal são trinta mil réis, a minha avó quase se suicidou: por morte da mãe, o Veneno, o irmão mais velho, olho azul e bem aberto, comprou a parte dos irmãos, quinze contos a cada, que a tia Merciana e o Zé Marreco lhe pediram para guardar... Mal o fez, sob a almofada de cetim que saía nos furos da feira e, por norma, à casa. O Agostinho estranhou o dinheiro, escondeu-o melhor... Pendulava ela no miradouro, quando o dinheiro chegou: o dela era o menos e os outros trinta mais ainda, que não tinha, que vergonha e o que pensariam... Além do dinheiro, Trouxera uma mesa antiga de madeira que um advogado, velho macaco, cobiçou., Reperguntou o preço, cheirou a madeira, sacou da navalha e raspou-a, pagou. Ao dia seguinte, vinha devolvê-la, fora trapaceado: não era de pau-santo... - Nunca lhe disse que era pau-santo ou de pau-diabo!, Mas espere: o senhor doutor queria enganar-me, fosse de pau-santo e não a vendia por esse preço! - replicou o tio Valente E quanto ao cheiro, - Tivesse perguntado e dizia-lhe que era da carrada de melões! Almocei há dias, com a minha mãe, no Largo da Palmeira, - Éramos pobres., Remediados, vá., O folhetim da coxa mais a bola de trapos e o pão molhado no azeite Andorinha..., As coisas que sonhas, não as tivemos, e o que passámos não sonhas, - Mas nunca ouvi uma discussão e na verdade éramos muito felizes! n Setúbal Revista

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ENTREVISTA

JOÃO MENDONZA “Comecei por imitar vários artistas como o Luciano Pavarotti”

Texto: Carolina Bico

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ENTREVISTA

Com apenas 11 anos participou em “A Cinderela”, a primeira ópera infantil portuguesa, onde interpretou um dos papéis principais e nunca mais parou.

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oão Mendonza, 27 anos, natural de Setúbal é formado em Comunicação Social pela Universidade Católica Portuguesa e tem o curso de Canto, do Conservatório Nacional de Lisboa. Ainda ponderou ser jornalista, mas o gosto pela música falou mais alto. Desde 2015, que integra o projeto “Passione”, um grupo de pop/lírico como tenor, juntamente com Carlos Barreto Xavier (piano). No dia 31 de outubro de 2018 viveu a experiência da sua vida ao cantar o tema original “Ave Maria” numa audiência com o Papa Francisco, no Vaticano. Recentemente, os “Passione” participaram nas comemorações do 266º aniversário do nascimento de Luísa Todi num concerto, no salão nobre dos Paços do Concelho.

Onde nasceu? Nasci em Setúbal, no Hospital de São Bernardo a 26 de outubro de 1991. Vivi oito anos em Lisboa, onde trabalhei e depois voltei à minha cidade. Setúbal é a minha terra, nós não escolhemos onde nascemos, mas tenho muito orgulho e acho que tive muita sorte por nascer em Setúbal, identifico-me com a cidade. Qual a sua formação? Tirei Comunicação Social na Universidade Católica Portuguesa e ao mesmo tempo fiz o curso de Canto no Conservatório Nacional de Lisboa durante quatro anos. Numa determinada altura da vida ainda pensei ser jornalista e pus a música um pouco de parte, mas comecei a ver os meus amigos a sofrer, porque é uma vida difícil e instável.



ENTREVISTA

“Nós fizemos a canção ‘Ave Maria’, que foi entregue em 2017 quando o Papa Francisco veio a Portugal”

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ENTREVISTA

“Ainda pensei ser jornalista e pus a música um bocado de parte”.

Optei por seguir o meu sonho, a música. Como é que surgiu a paixão pela música? Desde sempre, desde criança. Sempre ouvimos muita música lá em casa e no carro sobretudo clássica e dos anos 80. Ouvíamos muita ópera, o José Carreras, Plácido Domingo, esses cantores mais antigos, que fizeram com que eu também ganhasse a paixão. Ao ouvi-los comecei a imitá-los. Nas festas do colégio era sempre eu o “sacrificado”. Não me custava nada, mas sobrava sempre para mim a parte da música. Qual o seu compositor favorito? A nível lírico, confesso que não sou o maior apreciador da ópera dura italiana, como Verdi ou Puccini, por exemplo. Mas falando de música em geral, de estilos do século XX, gosto muito dos Queen, Frank Sinatra, apesar de não ser um compositor. Mas se considerar o meu estilo, tenho que escolher, Verdi. Além da música, quais os seus hobbies? Gosto muito de pintar telas grandes com temas abstratos de cores vivas e brilhantes. Adoro ir às praias da Arrábida, durante todo o ano, até mesmo no inverno (risos). Por que percurso passou até chegar ao projeto Passione? Eu comecei por imitar vários artistas como o Luciano Pavarotti, achava piada fazer aquelas vozes. E um dia quando tinha 11 anos fui fazer um casting para “A Cinderela”, a primeira ópera infantil, em Portugal numa companhia na Culturgest. Apesar de não ter tido ainda formação musical, fiquei com o papel principal. Fiz perto de 15 espetáculos. Já no Conservatório dei no CCB uma

série de concertos, uma ópera barroca, a “Flauta Mágica”, de Mozart. Depois mais tarde, surgiram os “Radiophone”, onde comecei a trabalhar com o Carlos Barreto Xavier dos “Passione”. Foi o meu primeiro projeto profissional de banda e de palco mais a sério. Fizemos produções pelo país, nomeadamente a Feira de Sant’Iago como cabeças de cartaz num dos dias. Tivemos vários temas nas novelas da TVI, na rádio, na televisão. Na altura, a música “Freedom” passou no “Beijo do Escorpião”, que teve imenso sucesso. Era a música da protagonista, a Sara Matos, e todos

os dias passava duas a três vezes. Curiosamente, a novela também passou no Chile e nós tivemos imensas reações de fãs a dizer que adoravam a canção. Tem imensa piada, um tema que é feito em Setúbal num home studio sair assim para o mundo. Há quanto tempo existe o projeto “Passione”? Os “Passione” surgiram em 2015 e somos um grupo composto por mim, João Mendonza (tenor) e pelo Carlos Barreto Xavier (piano). Podemos considerar-nos um grupo de pop/lírico, que foi um estilo que nós os dois inventáSetúbal Revista

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mos. Se é pop não é lírico, mas até que ponto é que o lírico pode ser pop? Há temas universais mesmo sendo líricos, como o “Nessun Dorma”, do Pavarotti. E porque não chamar-lhes populares? O pop vem disso mesmo. Qual o concerto mais marcante até agora? Eu acho que o mais marcante é sempre o último. Cada concerto, que tocamos é mais importante e vamos melhorando. Há sempre o primeiro que foi em Setúbal, um concerto pequeno mais intimista e outro no Fórum Municipal Luísa Todi, onde tivemos casa cheia. E Obviamente que não me vou esquecer do último concerto, em Roma. Vou guardar para sempre na memória pela carga

“Sempre ouvimos muita música lá em casa e no carro sobretudo clássica e anos 80”.

emocional. Quais os temas mais emblemáticos? Ainda só temos o “Ave Maria” como original, mas gosto do “Com Te Partirò”, do Andrea Boccelli, “O Sole Mio”, também cantamos e a “Lágrima”, da Amália Rodrigues. Brevemente vamos entrar com

novos temas em português. Já estamos a adaptá-los, mas ainda não temos o alinhamento, porque gostamos de interiorizar o que o público gosta. Se for em português é mais fácil chegar. Sobre Setúbal cantámos agora o “Rio Azul”, de Mário Regalado (letra e música). O facto de ser católico ajuda-o a preparar as interpretações e a entrar na espiritualidade dos temas? Sim, principalmente no “Ave Maria”. Se acreditarmos no que estamos a cantar, as pessoas vão entendê-lo de outra maneira. O nome “Passione” é inspirado em quê? Eu lembro-me que tinha algumas ideias Setúbal Revista

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“Se acreditarmos no que estamos a cantar, as pessoas vão entendê-lo de outra maneira”.

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ENTREVISTA

e uma delas era esta. O objetivo era ter um nome italiano, porque íamos cantar sobretudo em italiano e surgiu “Passione”, porque é internacional compreendido em português, espanhol, italiano. É uma palavra que traduzida em muitas línguas muda muito pouco. No dia 31 de outubro foram recebidos pelo Papa Francisco, no Vaticano. Como é que surgiu a oportunidade? Nós fizemos a canção “Ave Maria”, que foi entregue em 2017 quando o Papa Francisco veio a Portugal. O presidente Marcelo Rebelo de Sousa entregou-a como oferenda e o ano passado, o Vaticano convidou-nos para entregarmos de novo a canção pessoalmente. E cantámos em Roma, uma oportunidade muito restrita, em Portugal. O tema foi

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composto pelo Carlos Barreto Xavier, a música é original, a letra é que é a oração mariana. A vossa visita teve um enorme impacto mediático. Receberam muitas reações do público? E dos setubalenses? Sim, muitas. E mesmo para quem não é crente, as pessoas ficaram contentes. Além de ser um chefe espiritual da Igreja Católica, é um chefe de Estado também. Quem não acredita também gosta da música e sente a sua beleza e simplicidade. Houve muitos comentários, críticas positivas desse tipo de pessoas, que não ouvem a canção como uma oração, mas como uma música. Eu estava à espera que fosse mais para um nicho de público ligado à religião, mas

transcendeu tudo e esse também é o papel da música. O que sentiu ao representar a cidade e o país junto do chefe máximo da Igreja Católica? É muito bom, um orgulho acima de tudo. Nós levámos uma placa de agradecimento da cidade ao Santo Padre e obviamente que trazemos sempre Setúbal no peito quer toquemos em Roma ou em Palmela. Sinto-me grato e com a sensação de dever cumprido, porque não é todos os dias que isto acontece. Que projetos tem para o futuro? Em breve vou abrir uma guest house, a Mendonza Guest House, na Baixa de Setúbal, onde quero trazer um conceito de casa clássica e arrojada para clientes mais maduros.


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PSICOLOGIA

SILVIA SILVA Psicologa, Psicoterapeuta Torres Vedras psicologa.silviasilva@gmail.com

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perturbação do comportamento infantil e juvenil é uma patologia que tem vindo a evidenciar-se nas últimas gerações e que com ela traz consequências, de peso extremo, sociais e pessoais consideradas irreversíveis. Esta conduta não é nova, mas com a evolução e a enorme preocupação com os direitos humanos fundamentais, sobretudo os das crianças, seria de esperar que todas as condições estivessem reunidas para um desenvolvimento saudável tanto físico como psicológico, bem como um crescimento satisfatório nas crianças do mundo contemporâneo. Considera-se sobretudo necessário que o nascimento de um filho seja resultado de um projecto do casal, apesar disso é frequente observar que o dispêndio de energia inerente ao projecto parental educativo, assim como a realidade do nascimento e crescimento de uma criança com as implicações e obrigações que tal acarreta, ultrapassam muitas vezes a disponibilidade parental. A falta de regras e orientação básicas no construir do caminho evolutivo de uma criança é representativo da volubilidade parental que desencadeia a insegurança e baixa auto-estima na criança. Para se falar de uma criança nunca a podemos descrever isoladamente, sendo preciso fazê-lo no contexto em que ela se insere e onde tem crescido. Mesmo que as crianças possam não ser inofensivas, são inocentes e a sua culpabilidade e responsabilidade tem de ser partilhada por quem as educa ou educa mal.

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Comportamentos agressivos em crianças e adolescentes


PSICOLOGIA

As crianças protestarem e discutirem quando algo lhes é indeferido, é uma saudável e sintomática da necessidade de independência e autonomia, as birras são uma manifestação que caracteriza um desenvolvimento psico-afectivo normal ao contrário de birras incontroláveis, assim como a agressividade excessiva e os estados de agitação, pela disrupção que provocam. É preciso dizer que dificuldade no exercício da função não se pode confundir com incapacidade parental. A satisfação das necessidades educacionais, alimentares, psicológicas e afectivas da criança está directamente na proporção da formação de carácter do indivíduo em causa, assim como a gravidade dos comportamentos perturbados está também directamente ligada à precocidade dos primeiros comportamentos desviantes. E se por um lado está a falta de amor,

por outro encontramos também o chamado “amor demais” que leva à superprotecção, impedindo a criança de experimentar e vivenciar as mais diversas tarefas e com elas crescer. Se a criança não é confrontada com situações de responsabilidade e não sofre a consequência das suas escolhas, dá lugar a condutas instintivas e responde com impulsividade a qualquer situação que lhe provoque alguma ameaça ou risco de perder a sua segurança e comodidade. A vontade dos pais em quebrar padrões rígidos, origina a compensarem os filhos pelo que não tiveram. À medida que cedem, perdem não só o controlo do que se passa, mas a firmeza e a certeza de a qualquer momento conseguirem resgatar a situação. O esforço que fazem para evitar sentimentos de frustração na criança aliado à indefinição de limites leva-a

à incapacidade de compreender que não pode ter tudo ou que para ter é preciso esperar, desejar, imaginar ou criar. O facilitismo na velocidade com que a exigência é satisfeita e o capricho saciado, oferece aos mais pequenos uma imagem distorcida da realidade, que os desprepara para a vida adulta, que os engana e os fragiliza, tornando-as crianças vegetativas e inseguras, e lhes cria expectativas falsas de conseguirem alcançar objectivos ambiciosos sem esforço. São as rotinas, o respeito, os limites que por um lado (pais) se impõem e por outro lado (filho) se respeitam, o diálogo e liberdade de expressão, o suporte afectivo, o mimo e/ou o elogio que fazem com que inicialmente a criança e posteriormente o adolescente saiba que tem um lugar no mundo, que é o lugar especial que tem naquela família. n Setúbal Revista

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VIAGENS

Viajar para quem está numa cadeira de rodas

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ão, nem tudo é um mar de rosas! Como tudo na vida, nada é perfeito e viajar não tem só coisas boas. E viajar, estando numa cadeira de rodas, pode ter ainda menos coisas boas. Calma! Eu disse menos, não disse que não tinha. Na véspera de uma viagem com muitas horas de avião, arrependo-me sempre de a ter marcado. Aquelas horas no avião são um sufoco! Fazer a mala é um stress pois tenho que levar mais coisas do que as outras pessoas e fico sempre com medo de me esquecer de alguma coisa essencial. Os obstáculos são muitos e há que contorná-los! Nem todos os locais estão acessíveis e, por vezes, tenho mesmo que desistir de algumas visitas. A questão é se, no final, o saldo é positivo!? Há que encontrar o nosso ritmo e ir! Descomplicar e, se não conseguimos ir a

todo o lado, vamos aonde dá. E garanto que dá para muito! Não andei na muralha da China? Pois no sítio onde estive não! talvez o conseguisse noutro local mas seria isso assim tão importante? Estive lá e vi que é uma obra realmente imponente, sentindo toda a sua grandiosidade. O que mais gosto em viagem é de andar pelas ruas e viver os locais que visito e isso nada me impede de o fazer. Provar a gastronomia? Sim, porque não? Visitar todos os museus, monumentos, lugares característicos? Quem o faz? Ir a todas praias paradisíacas do Mundo? Não, não consigo. Mas posso ir a muitas e, para

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quem vive em Portugal e tem das melhores praias isso é o menos importante! Aventurem-se e vão surpreender-se com o que podem fazer. No final, a nossa memória selectiva guarda sempre mais e com melhor nitidez os bons momentos em vez de os maus. Quando falamos de uma viagem, ou mesmo de um episódio da nossa vida, o que nos vem à mente são sempre os melhores momentos e os outros, se os contamos é em jeito de piada. Garanto-vos, o pior mesmo é o avião! Mas isso, pelo que sei, não acontece só comigo... JustGo!! n


VIAGENS

Sofia em Viagem Após um acidente de viação, no qual ficou paraplégica, Sofia passou a deslocar-se em cadeira de rodas. O facto de fazer algumas viagens e as dificuldades que encontra, desde o planear até à viagem em si mesma, levaram-na a partilhar as suas experiências com o objectivo de inspirar ou facilitar essa tarefa a outras pessoas. É no blog JustGo by Sofia que o faz, sendo, também, um espaço de divulgação e promoção de boas práticas de turismo, em termos de acessibilidades, para pessoas com mobilidade reduzida. http://justgo.com.pt

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CULINÁRIA

Bolinhos de Leite

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oje trago-vos uns bolinhos de leite, muito fáceis de fazer e acima de tudo deliciosos! Esta é uma receita muito especial para mim, pois trazme muitas recordações da infância e da minha avó Anica que os fazia como ninguém! Espero que gostem!

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Ingredientes: 500 gr. de açúcar 2 ovos 1 colher de sopa de manteiga 100 gr. de farinha de trigo 0,5 l de leite (de preferência gordo) Formas untadas com margarina e polvilhadas com um pouco de farinha.


CULINÁRIA

Modo de preparação Pré-aqueça o forno a 175º C. Unte as formas metálicas com margarina e polvilhe-as ligeiramente com farinha. Se quiser pode optar por fazer um único bolo, utilizando uma forma de tarte, mas sem fundo amovível. Misture os ovos com o açúcar, em seguida junte a manteiga derretida e a farinha. Por fim adicione o leite, aos poucos e poucos. Esta massa não deverá ser muito batida. O resultado final é uma massa bastante líquida. Encha as formas até meio, coloque-as sobre um tabuleiro e leve a cozer no forno pré-aquecido, durante aproximadamente 40 minutos ou até ficarem douradas. Retire do forno, deixe arrefecer um pouco e coloque os bolinhos em formas de papel. Esta receita rende cerca de 24 bolinhos. n

Com o apoio de Merengue & Chocolate email: merengueechocolate@gmail.com Setúbal Revista

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OPINIÃO

Dia de S. Valentim MARIA DO CARMO BRANCO Vogal do Conselho de Administração da UNISETI (Universidade Sénior)

14 de Fevereiro (Dia dos Namorados)

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omo estamos no mês de Fevereiro, o qual incorpora o dia dos namorados (dia 14), nada melhor que falar sobre a origem deste dia, que é motivo de comemoração em todo o mundo. A versão mais disseminada sobre a origem deste dia, segundo consta em alguns escritos, é a seguinte: No tempo do Imperador Cláudio II (ano 268), o Bispo Valentim não teria aceitado que o Imperador tivesse assinalado uma Lei proibindo os casamentos. A alegação do Imperador baseava-se no facto de que os homens seriam melhores combatentes se fossem solteiros e, como estava sempre em guerra, com proibição teria melhores homens para lutarem. Por não concordar com tal decisão, o Bispo Valentim continuou, secretamente, a celebrar casamentos. Ao ser descoberta a desobediência, o Imperador ordenou a sua prisão e condenou-o à morte. Diz-se que, enquanto esteve na prisão, conheceu a filha do carcereiro, uma jovem cega que o encantou de tal modo que, segundo diz a lenda, Valentim fez o milagre de lhe devolver a visão, o que causou grande devoção entre o povo. Para manter algum contacto com a rapariga, Valentim enviava-lhe bilhetes e assinava como “ O Namorado”. A execução do Bispo ocorreu no dia 14 de Fevereiro, véspera dos festejos “Lupercais”; que eram uma Festa em honra da Deusa Juno e do Deus da Natureza, Pan, na qual se festejava a fertilidade. A Igreja Católica considerou o Bispo Valentim como mártir, passando a celebrar-se o dia 14 de Fevereiro como dia de S. Valentim. Também na Idade Média se festejava essa data como o primeiro dia do aca-

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salamento dos pássaros e que, por isso, os namorados a assinalavam para enviar mensagens de amor que colocavam nas soleiras das portas das suas amadas. Já no século XVII, os Ingleses e Franceses começaram a celebrar o dia de S. Valentim como o Dia dos Namorados. Em 1840, nos Estados Unidos, foi criado um postal por Esther Howlard, para que os namorados trocassem entre si mensagens de amor. Desde então, começou a celebrar-se em vários países do mundo o dia 14 de Fevereiro, como o Dia dos Namorados, incluindo o nosso país. Falando de amor, irei referir algumas das grandes paixões que marcaram a história. Cleópatra e Marco António – Uma paixão pura e dura. Um louco amor, retratado por poetas e dramaturgos, é suficiente para povoar o nosso imaginário. Esta bela Egípcia, que se tornou rainha aos 17 anos, embora tivesse tido vários amantes, enamorou-se, perdidamente, por Marco António, quando tinha 27 anos e ele 42. O amor dele foi tão grande que abandonou as chefias militares, passando a viver só

para ela. Marco António morreu nos braços da sua amada. Dias depois, Cleópatra deixou-se morder por uma áspide, o que provocou a sua morte. Tinha 39 anos; Romeu e Julieta - imaginada por Shakespeare (1595-1596),grande paixão contrariada pelas famílias, Capuleto e Montecchio, que levou ao suicídio dos dois enamorados; D. Inês de Castro e D. Pedro I - O amor de Pedro e Inês é eterno! Vivemo-lo e sentimo-lo como fazendo parte de nós próprios. As intrigas, as invejas da Corte, levaram ao assassinato de Inês, a 7 de Janeiro de 1355. Após a coroação de D. Pedro I (1357),o Rei também corou Inês de Castro como Rainha de Portugal, mesmo estando morta. O amor entre os dois é mais do que uma história de amor. Este é o maior de todos os casos de amor vividos em Portugal. Os seus restos mortais repousam, lado a lado, no Mosteiro de Alcobaça. Rainha Vitória e Alberto de SaxeCoburg Gotha - Com o nome de Alexandrina, nasceu a 24 de Maio de 1819, e foi coroada como rainha em 1837, com apenas 18 anos. Apaixonou-se pelo seu primo, Alberto de Saxe, com quem casou em 1840, com grande paixão. Teve nove filhos, e o seu reinado de 64 anos, foi considerado um reinado de poderio e riqueza. Morreu em 22 de Janeiro de 1901,e com ela acabou a grande época vitoriana; Josefina e Napoleão- Foi a mulher que eu mais amei, dizia Napoleão . Josefina, cujo nome era Marie Joseph Rose Tascher de la Pagerie, nasceu na Martinica a 23 de Junho de 1763, foi viver para Paris em 1779, começando a frequentar os aristocráticos salões de Paris. Numa das festas conheceu


um pequeno e estranho homem, de grande ambição, com quem começou a viver uma relação muito intensa. A 18 de Maio de 1804, Napoleão é proclamado Imperador, sendo obrigado a casar pela Igreja. Foram consagrados Imperadores na Igreja de Notre Dame, a 2 de Dezembro de 1804. No entanto, por falta de herdeiros, tiveram que se divorciar. Contudo, o seu amor permaneceu até à morte. Primeiro morre Josefina e, depois, Napoleão, já deposto e exilado na ilha de Santa Helena. Wallis Simpsom e Eduardo VIII- De Rei de Inglaterra, passa a simples duque de Windsor, para poder estar com a mulher da sua vida, que nunca poderia vir a ser rainha, por ser divorciada, americana e plebeia. Conheceram-se em 1932 e nunca mais se separaram. Ela tinha 37 anos e ele 38 anos. Eduardo tornou-se prisioneiro e escravo de Wallis. Devido à sua assolapada paixão por aquela mulher, chegou a ter ligação ao regime nazi, por causa dela. Eduardo morreu em 1971 e foi sepultado em Inglaterra, tendo sido autorizado a Wallis entrar no país, apenas para o funeral. Só após a sua morte o seu corpo voltou a Inglaterra para ser sepultada ao lado do marido Evita e Juan Péron – Maria Eva Duarte conheceu em 1944, Juan Domingo Péron, militar, 24 anos mais velho, com o qual encetou uma relação de obsessão. Quando Péron foi preso, Eva tomou as rédeas da situação e conseguiu junto dos Sindicatos organizar uma manifestação a favor de Péron, conseguindo a sua libertação. Após o casamento, passou a chamar-se Evita,

encontrando em Péron um marido respeitador, que ela começou a idolatrar. Ele dizia-lhe: “Agora, sei quanto te amo e que não sei viver sem ti”. Evita participou na campanha que levou Péron à Presidência da Argentina, tendo sido a força motriz de toda a campanha. Os discursos de Evita eram de tal ordem, que o povo começou a adora-la. Criou a Fundação Eva Péron a favor dos “descamisados” e foi amada até morrer, pelo seu povo e pelo homem que ela conquistou. Jacqueline Bouvier e Jonh KennedyUma casamento que deu à América os únicos “príncipes” que o país teve. Uma relação apresentada como modelo e que resistiu ao feitio mulherengo de John. Uma história que fez sonhar a América e o Mundo. Jaqueline amou aquele homem inquieto e imprevisível, que a deixou para sempre tinha ela apenas 34 anos. Grace Kelly e Rainier III - Grace Kelly, atriz premiada com um óscar, trocou o cinema por um lugar de princesa, ao casar com Raibier III, do Mónaco. Um autêntico conto de fadas que encantou o mundo e que os tornou um modelo de casal. Este amor durou 26 anos, até ao fatídico acidente que a vitimou. Gala e Salvador Dali - Dali, referindose a Gala, disse: “nunca havia beijado assim, profundamente, e até ignorava que se pudesse fazê-lo”. Amaram-se loucamente durante longos anos. Gala tinha mais 10 anos que Salvador e tinha sido casada com Paul Éluard, um poeta francês, de quem teve uma filha. A família de Dali não estava de acordo

com aquela relação e expulsou-o de casa. Dali preferiu seguir a mulher que era a razão da sua vida, o encanto da sua arte, a sua musa inspiradora, que o levou ao mais alto voo que alguma vez imaginara. Alexandra e Nicolau Romanov – Apesar de ter terminado de forma trágica e da polémica que existia sobre a influência de Alexandra sobre Nicolau, a relação entre o último Czar russo e a mulher foi uma das mais bonitas e felizes histórias de amor ocorridas em famílias reais. Simone Signoret e Yves Montand Um amor sólido que resistiu a tudo. Foi uma relação madura, estável, gerida com elegância, embora com alguns deslizes ocorridos entre o casal. Descansam eternamente juntos no cemitério Pierre Lachaise, em Paris. Yoko Ono e John Lennon- protagonizaram um dos grandes romances do século XX. Uma paixão atribulada, marcada pela droga, álcool e muita polémica, enquadrada na época frenética em que foi vivida. Viviam colados um ao outro numa dependência extrema. Assim viveram até ao dia 8 de Dezembro de 1980, dia em que mataram John. Para terminar e seja qual for a origem do Dia dos Namorados, não deixem de ser românticos e festejem este dia com alegria e paixão, consolidando esse maravilhoso sentimento que é o Amor. n Obras Consultadas: “ As grandes paixões”, obra organizada por QuidNovi e a Enciclopédia Setúbal Revista

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CONSULTÓRIO JURÍDICO

NUNO CASTRO LUIS Advogado

Ficar parecido com a foto do passaporte ou os direitos do passageiro aéreo

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uma época em que tanto se fala sobre a possibilidade de haver um aeroporto no Montijo, pareceu-me oportuno falar sobre viagens de avião. O escritor moçambicano Mia Couto escreveu, no seu livro O outro pé da Sereia, que “a viagem não começa quando se percorrem distâncias, mas quando se atravessam as nossas fronteiras interiores”. Idealizar, preparar, partir e regressar de uma viagem são momentos inesquecíveis para todos e, diria, de um certo ponto de vista, felizmente que cada vez para mais. Prova disso é o crescente número de passageiros aéreos, com destinos mais variados e longínquos, que utilizam as viagens como forma libertadora do seu sedentarismo físico e mental. Mas o que fazer quando a viagem de sonho se transforma em pesadelo? Não, não estou a pensar no receio associado ao perigo do voo, propriamente dito, que levou o escritor brasileiro Millôr Fernandes (1923-2012) a afirmar que basta um avião sacudir um pouco e todos os passageiros ficam mais parecidos com a foto do passaporte. Penso em voos atrasados, cancelados, bagagens perdidas, horas intermináveis em aeroportos sem saber o que fazer, enfim, situações tão recorrentes que podem transformar uma pausa retemperadora da alma num cansaço inesgotável. Saber alguns dos direitos, enquanto passageiro aéreo, pode prevenir e minimizar essas dificuldades, principalmente numa época em que viajar de avião se transformou num fenómeno de massas. Desde logo importa não esquecer que um passageiro em “low cost” tem exatamente os mesmos direitos

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mínimos que a Lei assegura aos restantes, independentemente da companhia em que se viaja. Comecemos por dar o exemplo de um atraso num voo. O atraso é avaliado em função da distância que se vai percorrer: se o voo for até 1500 Km, considera-se atraso a ausência de partida para lá de duas horas após o horário previsto; no caso de voos com mais de 1500 Km

será depois de três horas e, no caso de voos com mais de 3500 Km, será com uma saída após 4 ou mais horas da inicialmente marcada. Durante o período em que dura o atraso, o passageiro tem direito a comida e bebida de acordo com o tempo em que foi obrigado a esperar, podendo mesmo ser complementado com alojamento se a partida só se der no dia ou dias seguin-


CONSULTÓRIO JURÍDICO

tes. Neste caso terá, igualmente, direito ao transporte entre o hotel onde foi alojado e o aeroporto. E se o passageiro for fã da pontualidade britânica e já não tiver interesse em manter aquela viagem? No caso de a partida estar atrasada mais de cinco horas poderá sempre optar por não viajar, tendo direito ao valor do bilhete, bem como a um voo de regresso (no caso de o atraso se ter verificado já em local distinto do ponto inicial de partida, como acontece nas escalas). Mais problemática é a situação de um cancelamento de voo. O passageiro terá sempre direito, tenha ou não havido comunicação prévia do cancelamento, a optar pelo reembolso do valor do bilhete ou, se preferir, a um transporte alternativo para o destino pretendido. Em complemento, e caso este cancelamento não tenha sido comunicado com

a devida antecedência, o passageiro terá sempre direito a uma compensação mínima que poderá ir de 250 euros (no caso de voos até 1500 Km) até 600 euros (no caso de voos com mais de 3500 Km). Estes valores são referenciais mínimos, não impedindo compensações mais vantajosas em caso de acordo (sendo muito vulgar a prática de ofertas de vouchers para futuras viagens em que os valores são significativamente superiores). No caso de haver comunicação prévia deste cancelamento, esta indemnização só não existirá se tiver acontecido com duas semanas de antecedência ou se, no caso de ter acontecido até uma semana antes, lhe for dada a possibilidade de partir até duas horas antes da hora do voo cancelado e de chegar ao destino até quatro horas após a hora inicialmente prevista. Com menos de uma semana, este aviso prévio só será eficaz se a alternativa for

de partir até uma hora antes do voo cancelado e de chegar até duas horas depois da hora correspondente à que tinha o voo cancelado. Mais uma vez, tudo o que está a ser indicado corresponde a direitos mínimos, não impedindo que se procure, através de acordo, chegar a uma compensação mais favorável. O que nunca se poderá fazer é deixar de exigir os direitos enquanto passageiro aéreo, nem permitir que, antes mesmo de embarcar, haja situações que nos deixem ficar mais parecidos com a foto do passaporte. n Nota: para verificar outros direitos deverá consultar o Regulamento (CE) nº 2027/97, de 9 de Outubro, com a redação conferida pelo Regulamento (CE) nº 889/2002, de 11 de maio, bem como o Regulamento (CE) nº 261/2004, de 11 de Fevereiro. Setúbal Revista

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CULTURA

ISABEL OLIVEIRA MARQUES Poema Sobre Imagens

“O lugar onde a fotografia e as palavras se encontram.”

RIO Soltem as amarras do meu rio cortem os cabos deixem enfunar as velas que se encontre vasto e livre na deriva o vento e o mar chão farão o resto o eco do protesto se aproxima (vem do princípio dos tempos) e chegará a um novo porto sem sentido teimando acontecer mas a força do azul que é seu destino será capaz de deter homens dragas e funções de pedir à serra abraço e abrigo o bailado dos golfinhos será de entontecer os velhos da praia vão gritar até enrouquecer e os meninos depois de chapinhar em velhas canções de embalar irão adormecer então o rio caprichoso que veio do sul à procura da serra prometida não será cinzento nem negro mas AZUL e o meu repetido e demorado olhar não saberá mais a despedida

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Dois olhares sobre...


CULTURA

JOSÉ NOBRE Actor

O inimigo invisível

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esde há uns tempos para cá que o odor desagradável que se faz sentir na cidade se tem vindo a intensificar, tanto no número de episódios, que passaram a ser semanais, como na intensidade, que chega a ser, em certos dias, insuportável. Nauseabundo é o termo mais apropriado, porque nalguns casos provoca mesmo náuseas. O silêncio acerca do caso é ensurdecedor: as autoridades, quando se manifestam, tentam acalmar os ânimos, afirmando solenemente que não existe qualquer tipo de risco para a saúde pública em tais ocorrências. O facto é que as urgências do Hospital de S. Bernardo converteram-se em notícia de telejornal de princípio de ano por não conseguirem desembaraçar-se do imenso fluxo de pacientes que por lá aparecem. Fonte do hospital confirma um número anormal no aumento de casos com problemas respiratórios (notícia de rodapé). A reportagem limitou-se a focar a insuficiência de meios humanos para dar resposta às necessidades verificadas, sem nunca relacionar "a bota com a perdigota". A opinião assustadoramente comum que costumo recolher junto de alguns nativos é que: "é normal, porque a SOCEL costuma limpar as chaminés nesta altura do ano", ou então, menos explicativo — "é da SOCEL" —, e pronto, assunto arrumado. Seria de todo urgente apurar a origem de tais descargas, numa primeira fase, procedendo posteriormente ao desmantelamento, encerramento, deslocação, o que quiserem, desse propagador de poluição para bem longe dos nossos lares. É um caso de Saúde-Pública que merece ser debatido com extrema celeridade.n

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