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Infindável viagem

artista educador TAKEO SAWADA nas artes não há fim: arte e liberdade na escola material pedagógico para professores

organização

carmo malacrida

valéria prates gobato valquíria prates

Flamboiã como metáfora

DANILO SANTOS DE MIRANDA

DIRETOR DO SESC SÃO PAULO

As intersecções entre arte e educação poderiam adotar o flamboiã como metáfora fértil. Árvore cujo emaranhado dos galhos, folhas e flores forma uma das sombras mais frescas de que se pode desfrutar e, ao mesmo tempo, um dos coloridos mais exuberantes que se possa fruir, ela oferece sugestões promissoras para pensar a articulação de processos artísticos e educacionais. À distância, em volta e debaixo de um flamboiã, as pessoas descobrem circunstâncias próprias à contemplação, à desaceleração, à permanência, ao bem-estar e ao encontro, podendo fazer da experiência estética uma oportunidade educativa – e vice-versa.

Considerada nesses termos, a figura do flamboiã empresta suas alusões ao legado de Takeo Sawada (1917-2004), artista e educador nipo-brasileiro atuante na região onde se situa a cidade de Presidente Prudente (SP). Múltiplo em suas criações pictóricas e poéticas, obstinado em suas iniciativas pedagógicas, esse imigrante japonês de histórico agrícola – para quem

"Na infindável viagem, floresce vermelho o Flamboyant", como versa seu haicai mais citado – foi amante das paisagens e cultor das palavras, além de educador e incentivador das novas gerações. Assim como se dedicava à aquarela, à poesia e aos seus diários, Sawada colaborou com a implantação de uma escola rural, lecionou japonês e ministrou por décadas um curso de artes plásticas, fundado por ele, voltado ao público infantil.

Nutrindo intercâmbios com o Japão e facilitando a exibição

de trabalhos de seus alunos nesse país, o agente intercultural personificado por esse ex-lavrador protagoniza o projeto “Infindável Viagem: Takeo Sawada”, uma realização do Sesc. Com atividades presenciais e on-line, além do intercâmbio entre ateliês brasileiros e japoneses e da produção de documentário, o projeto conta com apoios da Secretaria

Municipal de Cultura, Secretaria

Municipal de Educação, TV

Fronteira e Fundação Japão. Para o Sesc, como indutor de conexões entre matrizes e práticas culturais diversas, tratase da oportunidade de desdobrar situações artístico-pedagógicas de uma herança abrigada na sombra de um flamboiã.

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nas artes não há fim: arte e liberdade na escola

Nas artes não há fim, assim como na vida do homem. Portanto, a vida do homem seria uma arte, pois percorre no ermo da infindável viagem. takeo sawada

As ações do projeto Infindável Viagem: Takeo Sawada - artista, educador tomam como inspiração e oportunidade de formação as experiências e saberes de Takeo Sawada (1917-2004), imigrante nipo-brasileiro que valorizou a liberdade, o trabalho e a educação pelas artes durante toda a sua existência, cultivando simultaneamente a terra, as palavras e as imagens. Fruto das pesquisas da artista e educadora Carmo Malacrida, curadora responsável pelo legado do artista, o projeto conta com a realização de um conjunto de atividades realizadas entre os anos de 2021 e 2022, movimentando redes de parceiros na realização de uma ampla programação que abrange: um programa de formação de professores, um intercâmbio de cooperação técnica e trocas entre estudantes

e professores de ateliês de arte do Brasil e do Japão, um documentário sobre o artista e uma exposição de parte do arquivo Takeo Sawada, com documentos, registros e obras selecionadas em processo de curadoria coletiva com um grupo de crianças e adolescentes.

As próximas páginas apresentam um conjunto de práticas, reflexões e pesquisas tecidas a partir da leitura de textos de Takeo Sawada e do conteúdo das aulas ministradas por nós e pelos professores doutores Adriana Pedrassa Prates, Rejane Galvão Coutinho e Sidiney Peterson Lima, professores especialistas em ensino da arte convidados a produzirem conteúdo inédito a partir de sua trajetória. O resultado foi o curso de formação para professores “Nas artes não há fim – arte e liberdade na escola”, que

promoveu a participação de cerca de 400 professores, por meio da parceria entre o Sesc Thermas de Presidente Prudente e a Secretaria Municipal de Educação de Presidente Prudente. Nele, as práticas do artista-professor foram contextualizadas na história da arte, da educação e das relações entre Brasil e Japão.

Prepare-se para ler esta publicação como quem faz uma travessia de descobertas, encontros e visões de mundo inspiradoras que certamente podem transformar suas aulas e até mesmo sua escola.

CARMO MALACRIDA, VALÉRIA PRATES

GOBATO E VALQUÍRIA PRATES

CURADORAS DO PROJETO INFINDÁVEL

VIAGEM: TAKEO SAWADA, ARTISTA EDUCADOR

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7 com a palavra, TAKEO SAWADA

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TAKEO SAWADA: imigrante, artista e professor

21 a escola como centro cultural

29 o desenho e a criança

36 entre experimentos e documentações de Takeo Sawada

às experiências na SPART Cultural

61 referências bibliográficas

com a palavra, TAKEO SAWADA

“Sou grato por ter recebido este convite do presidente da Pan-Solo de Língua Japonesa. A aula de pintura começou às 9h00. Até ontem estava frio e chuvoso, mas não chovia e a névoa fria de inverno foi se dissipando aos poucos e todos os participantes puderam fazer seus desenhos preferidos até as 15h00 na espaçosa e arborizada praça da Igreja na cidade de Tupã (SP). Antes da proposta do dia, me reuni no Salão com os organizadores e os participantes acompanhados de seus pais e pedi que observassem os trabalhos realizados em sala de aula e os selecionados para a mostra internacional. E falei para as crianças que, nos trabalhos que fariam a partir de agora, desenhassem livremente, com o coração, os temas que gostassem. Além disso conversei com os pais, gentilmente, sobre o propósito de ensinar pinturas para as crianças. Em seguida, fomos para a praça e cada um pode escolher seu lugar favorito, e começar a desenhar. A cor do sol no inverno também é quente e a pintura das crianças tem cores quentes. A praça está cheia de crianças aqui e ali, professores e outras pessoas que sobem e descem. Os trabalhos das crianças, na direção vertical e horizontal, têm a primavera chegando. Os trabalhos das crianças mais novas não têm nada a ver com a paisagem da Praça. Fazem desenhos bonitos com as costas dos dedos sem usar pincel. Uma criança com o sorriso no rosto se alonga, estica o pescoço e se inclina para trás em direção à torre da igreja, que se eleva alta no céu. Um desenho comovente. A alegria das crianças me impressiona, meu coração está

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renovado. Estas crianças estão se expressando sem nenhuma ajuda e elas têm entre 12 ou 3 anos. Não se pode pensar apenas com a cabeça, isso não impressiona. Gostaria de lhes dar um conselho simples para que possam apreciar de forma mais livre e divertida: Desenhe livremente como quiser, percorrendo o marcador quantas vezes você desejar. Por volta das 15h00, os desenhistas se reúnem no Salão com seus trabalhos e em seguida com a colaboração de professores o trabalho é selecionado. Eu digo: Vou escolher a partir de agora... Todas as crianças estão olhando para seus trabalhos, incluindo seus professores, pais e outros. Não importa qual seja escolhido todos, incluindo as crianças, gritarão alegremente e aplaudirão. Todas as vezes fico cheio de alegria e entusiasmo. Uma aula de pintura no jardim onde todos são felizes juntos. No calor do inverno, não importa qual pintura você escolha, é infantil. Foi um aplauso alegre e unânime. Gostaria de expressar minha mais profunda gratidão a todos os integrantes das Escolas da Pan-Paulista pela colaboração e agradecer pela alegria desta aula de pintura infantil, emocionante como a alegria da educação da beleza através da pintura”. (takeo sawada para o diÁrio Nippak, ediÇÃo de 02/07/1986, traduÇÃo livre de carmo malacrida)

“O menino ingênuo que desistiu do ensino médio e chegou ao Brasil aos 17 anos, antes que percebesse fez 80. Meus filhos, principalmente a mais nova, queriam comemorar meu aniversário em São Paulo. Já fui várias vezes à São Paulo, mas hoje em dia, como estou com mais idade, ficar muito tempo sentado me cansa. Minha filha mais nova, que gosta de pintura e visitou muitos museus na Europa, me disse: ‘está tendo uma exposição do Monet no MASP!’ Então, quando me perguntaram se queria ir, facilmente disse sim e fui com minha esposa. A comemoração dos 80 foi na chácara de um amigo dos meus filhos e lá estavam muitos rostos nostálgicos. Estou feliz de ter vindo à São Paulo em meu aniversário. Ah, também olhei para o céu noturno do Brasil, Hoshi ichi, a posição das estrelas dos meus 80 anos. Ah, antes

que eu percebesse, era a noite do meu 80º aniversário. No dia seguinte, recebi o telefonema de minha filha mais nova, ‘vamos ver a exposição do Monet no MASP nesta tarde’. Os visitantes esperavam em uma longa fila por cerca de uma hora e meia para ver a exposição. Finalmente, entro no prédio. No início, em uma sala mal iluminada, o público assistia, em silêncio, a um filme preliminar com pinturas e imagens de época do pintor. Depois disso entrei na sala onde pude ver ao vivo as pinturas de Monet. As pinturas eram muito maiores do que eu esperava e as obras primas com ninfeias eram muito mais densas do que eu imaginava. O que dizer, especialmente, sobre a pintura das ninfeias e a pintura de uma mulher remando? Eram os olhos de Monet, o coração de Monet, ou ‘os olhos da sua mente’? E eu

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(takeo sawada para o diÁrio Nippak, ediÇÃo de 05/08/1997, acervo ts, traduÇÃo livre de carmo malacrida).

não consegui me afastar delas por um bom tempo. Foi um pouco antes de abstrair completamente em outras pinturas. Fiquei impressionado com o toque livre e as cores vibrantes que dançavam. Monet teria morrido aos 86 anos... Estava cheio de pensamentos que se estreitavam em meu coração. Revi as obras primas de Paris e já era noite quando sai do MASP com meu coração, aos 80 anos, iluminado. Eu imigrei para o Brasil, um país estranho de terras verdes, quando era um menino... Eu vim para as terras desta grande potência e mantive meu entusiasmo vivo. Não consegui fazer fortuna, mas não me arrependo de nada. Vivi nas yamayama* fazendo o que eu gostava. E passei um terço de minha vida desenhando com as crianças brasileiras... Pensando nos 80 anos: estou com 80 anos, e eu, que posso conviver amigavelmente com meus compatriotas imigrantes e brasileiros nesta grande potência, penso profundamente em minha vida”.

*yamayama: modo como o artista se referia às suas terras rurais produtivas “Sessenta e cinco anos no Brasil, não tenho fortuna nem arrependimento! Fui abençoado com bons amigos assim que cheguei ao Brasil. E mesmo hoje, aos oitenta e um anos de idade, tenho muitos deles. Há vinte e cinco anos, pinto com as crianças brasileiras, que têm olhos e cores de pele diferentes umas das outras. Estou escrevendo enquanto penso nessa felicidade. Os dias passam rápidos, ontem eu estava no África Maru viajando por quase dois meses para chegar aqui, há sessenta e cinco anos. Tive a sorte de voltar ao Japão por duas vezes para visitar minha Terra Natal durante este tempo, mas quando penso nisso, sinto apenas uma nostalgia. Aquele garoto que abandonou o quarto ano do ensino médio em 1933, aos dezessete anos, hoje tem oitenta e um anos e cabelos grisalhos. Não sou mais jovem. O tio Toshiro, que eu conhecia só por cartas, veio ao Brasil quando eu tinha quatro anos de idade, não tinha lembranças dele e quando o encontrei foi como se o visse pela primeira vez. Antes de vir ao Brasil, ouvia dizer que ele era um tio sério em tudo, mas acho que seja assim porque teve uma carreira militar severa no Japão antes de vir ao Brasil, ele servia o Corpo de Fuzileiros Navais em Yokosuka.

Quando cheguei ao porto, fiquei com um pouco de medo, mas eu estava no Brasil! Apesar de ser um garoto de dezessete anos, não era mais uma criança. Meu tio me perguntou: ‘o que você vai fazer’?

Bom não importa o que eu faço, o importante é que estou aqui. Então meu tio pediu que eu lhe ouvisse com muita atenção e me disse que quando ele vivia no Japão, era graduado em uma faculdade, que

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seu avô era Membro do Conselho do Condado no Japão e seu pai dono de muitos campos de arroz, mas não pode contar com nada disso aqui e que eu também não poderia contar, nem mesmo com ele e minha tia, e que a única coisa que eu poderia contar seria com os meus braços. Meu tio estava certo, quando eu estava no Japão, não conhecia o trabalho duro, só estudava e meu pai arcava com tudo. Levei um choque e minha tia, que estava por perto, disse que ele estava sendo muito duro, mas ele ignorou. Logo me tornei um camarada na lida difícil nas terras de café de seu amigo, o Sr. K, um homem muito trabalhador; e sempre refleti e aprendi com as palavras de meu tio. Tem muitas pessoas que sempre me perguntam, tanto brasileiros

quanto japoneses, principalmente jornalistas, repórteres de TV, colegas artistas além dos pais das crianças que eu ensino no atelier: ‘há quantos anos está no Brasil? Qual a sua idade? Quer voltar ao Japão? O que acha de morar no Brasil’? etc. Quando me faço estas perguntas, fico confuso e a primeira coisa que me lembro claramente no meu coração é que perdi minha mãe cedo (aos dez anos de idade); meu pai, para nos distrair, nos deu um animal de estimação, mas eu não conseguia me dar bem com nada nem com ninguém. Eu não suportava ter perdido minha mãe e ficava isolado com meu diário e o material de pintura que meu pai me comprou e mesmo assim me sentia sozinho e os dias de solidão persistiram por muito tempo. Neste meio tempo, mudei do ensino primário para

o secundário, quando eu estava no quarto ano, pensava: ‘existe o Brasil além deste mar’! Meus tios moravam no Brasil e quando eles enviavam notícias diziam que o Brasil era um país grande com florestas virgens, com montanhas e também com um grande Rio, o Amazonas, plantações de café sem fim, sobre a qual voam condores em um céu imenso. Comecei a ansiar por um país assim e decidi vir ao Brasil. Creio que nunca serei como algumas pessoas, nunca tive a ambição de me tornar proprietário de terras... Sou o filho mais velho, mas o casamento de meu pai fez, finalmente, eu vir para o Brasil. Quando o navio enfim deixou o Porto de Kobe, meus dois tios (irmãos mais novos de meu pai) vieram de Ibaraki para se despedirem. Meu pai não veio, talvez teria sido triste e doloroso para ele deixar seu

filho partir. O navio logo sairia, eu estava no convés. Gradualmente o navio começou a se afastar e o Porto começou a ficar como uma aquarela e finalmente desapareceu. Ainda me lembro que pensava que não poderia mais voltar ao Japão e com isso em mente cheguei ao Porto de Santos, com o qual ansiava, depois de um cruzeiro de quase dois meses. Depois de seis anos morando aqui, chegou ao Brasil a filha de um amigo de meu pai para nos casarmos. Casei. Minha casa na lavoura, àquela época, era uma casa muito, muito simples e minha esposa me disse que estava determinada e preparada para viver ali; ela estava com dezenove anos de idade. Agora, somos abençoados com dois filhos e três filhas, cada um deles cresceu, estudou e mora na cidade de São Paulo (SP), e nós dois que

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passamos por momentos difíceis juntos temos uma vida tranquila em Presidente Prudente. Sessenta e cinco anos se passaram em um piscar de olhos, sem fortuna, sem arrependimentos, abençoado com bons amigos! Deixei a agricultura, em que passei quarenta anos apaixonado pelas yamayama; há vinte e cinco anos pinto com as crianças do Brasil e sou grato por tudo isso. Cultivei minhas terras até 1970, só as deixei por uma situação única, foi duro ter de deixá-las, no entanto se não as tivesse deixado não teria a vida que tenho agora. Quando as deixei, senti como se estivesse me faltando um pedaço. Fiquei menos de um ano sem trabalhar, fui convidado pelo Bunkyo para ensinar a língua japonesa. Dei aulas por dez anos, só as deixei quando pediram para um jovem professor me substituir. Há vinte e cinco anos pinto com as crianças, seus desenhos me trazem ânimo e continuarei com elas até quando minha saúde me permitir. Muitos dos meus amigos do Japão morreram, mas seus corações ainda vivem dentro do meu coração. Sou grato aos meus amigos. Durante um longo tempo, trabalhei com o algodão, mas não guardei dinheiro, eu não tenho conexão com ele. Não me arrependo de nada nestes sessenta e cinco anos, eu estou vivo, minha vida ainda está em chamas como o Flamboyant e isso parece um sonho! (takeo sawada para o diÁrio Nippak, 1999, acervo ts, traduÇÃo livre carmo malacrida).

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TAKEO SAWADA: imigrante, artista e professor1

1 O presente texto foi escrito a partir de uma síntese da pesquisa sobre Takeo Sawada, realizada por Carmo Malacrida e Adriana Prates Pedrassa em 2021, a convite do Sesc Thermas Presidente Prudente.

O imigrante japonês Takeo Sawada (1917-2004) trabalhou no Brasil como agricultor, artista e professor na região de Presidente Prudente ao longo de pouco mais de seis décadas no século XX.

Pudemos tomar contato com sua visão de mundo nas páginas anteriores, três momentos de sua biografia. Primeiramente, narrou um trabalho de oficina de criação com crianças.

Depois contou sobre a primeira vez que pôde ver pinturas do artista impressionista francês Claude Monet (1840-1926) presencialmente. Por fim, fez uma retrospectiva de sua própria vida, ao completar sessenta e cinco anos de vida no Brasil, quando estava com oitenta e um anos de idade.

Reconhecer a relevância de sua atuação no cenário local e nacional pode ser um exercício de investigação: dos modos de experimentar as dimensões estética, ética e política empregadas pelo artista no ensino da arte, da valorização da cidade e do convívio com crianças e em seus próprios processos criativos nas artes visuais e narrativas.

Neste sentido, à medida em que nos enveredamos em suas práticas e histórias de vida, podemos observar seus próprios desejos e escolhas diárias no contato com crianças e jovens estudantes, reconhecendo as possibilidades de transformação de suas práticas e contextos de vida, por meio do exercício constante de suspensão de certezas e da busca pelo sentido poético de sua própria existência.

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Imigração e deslocamentos entre culturas

O que sabemos sobre a imigração japonesa no Brasil? Como ela foi pensada? Em que contexto ela aconteceu? Como os primeiros imigrantes do Japão foram recebidos em nosso país? Em que locais eles se instalaram? Quais tipos de trabalhos eles realizavam?

Como foi planejada a integração entre japoneses e brasileiros?

Todas estas perguntas podem ter na biografia de Takeo Sawada uma porta de entrada para avistarmos paisagens e narrativas entre a arte e a educação permeadas por traços da cultura nipo--brasileira. Suas vivências cotidianas, suas memórias e impressões sobre a vida foram registradas em diários, artigos de jornais e em poesias escritas ao longo de sua jornada.

Nascido em 1917, na província de Ibaraki, o jovem Sawada chegou ao Brasil em 1933, buscando “a terra onde o verão é eterno”. O caminho percorrido pelo navio África Maru foi registrado detalhadamente em uma cartografia afetiva com desenhos e textos que mostram sua sensibilidade e intimidade com as palavras.

A tristeza profunda por perder sua mãe e o novo casamento de seu pai foram acontecimentos decisivos para sua mudança para o Brasil, um deslocamento que envolvia uma detalhada preparação, com a participação em palestras, vacinação comprovada e o compromisso para trabalhar por pelo menos dois anos em uma

propriedade rural específica. Isso porque a imigração japonesa foi oficializada por políticas públicas e acordos entre o Brasil e o Japão, buscando facilitar a circulação e o deslocamento do oriente para o ocidente.

Os acordos ocorreram no âmbito das políticas de branqueamento do Brasil, em curso durante o período do Estado Novo. Importante lembrar que os imigrantes mais bem aceitos dentro de um contexto nacionalista em nosso país foram os europeus, com certa dificuldade de recepção dos japoneses em diáspora, principalmente no período da 2ª Guerra Mundial, quando eram vistos por muitos como um povo inimigo.

Foi neste contexto que Takeo Sawada chegou ao Brasil, seguindo seus tios e, anos mais tarde, constituiu família. Muitas das fotografias de seu arquivo pessoal mostram o período em que trabalhou como agricultor no contexto da “febre do ouro branco”, cultivando algodão inicialmente como arrendatário e depois como dono de uma propriedade, que chamava em seus escritos de “yama” ou “yamayama”, palavra japonesa que pode ser traduzida como montanha mas era comumente usada por imigrantes japoneses para se referir simultaneamente à terra e ao trabalho de cultivo. Aos cinquenta e nove anos de idade, conseguiu retornar pela primeira vez ao Japão, participando de uma atividade cultural como professor e artista, mostrando suas obras em uma exposição montada no interior de uma embarcação. Este evento nos ajuda a lembrar do impacto

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Artista plástico impressionista

Artista das imagens e das palavras, Takeo Sawada dedicou-se à pintura e à escrita de poesias durante toda a sua vida. A orientação do artista impressionista Kenji Tamura durante cerca de quatro anos lhe rendeu um prêmio com o reconhecimento do Imperador fundamental que a segunda onda de imigração de japoneses para o Brasil (1932-1936) teve na disseminação da cultura japonesa em diferentes locais do país, especialmente em regiões rurais, atrelada ao trabalho com a terra e à organização de comunidades que fundaram escolas e clubes de fomento e cultivo da língua e das tradições culturais japonesas de maneira mais ampla, como por exemplo nos esportes e festividades. Takeo Sawada foi um dos grandes colaboradores na construção de uma comunidade escolar no Bairro Guarujá, em Presidente Prudente, onde foi escolhido como paraninfo da primeira turma certificada, em 1956.

Chamou a atenção das pesquisadoras Carmo Malacrida e Adriana Pedrassa Prates o fato de a produção de Takeo Sawada ter se mantido fiel à sua formação inicial de teor impressionista por pistas de suas influências artísticas, buscando diálogos de seu trabalho com a arte feita por outros artistas nipo-brasileiros no século XX.

Sua dedicação à terra, às artes visuais e ao ensino da língua e da cultura japonesa foi um exercício constante de partilha pública, com reverberações locais e no contexto de uma rede de comunidades nipônicas no Brasil, com pontos de contato e trocas com o Japão. do Japão nos primeiros anos de sua adolescência, além de um sólido conjunto de referências herdadas de seu mestre: artistas impressionistas, pósimpressionistas e expressionistas como Vincent Van Gogh (18531890), Claude Monet (18401926), Paul Gauguin (1873-1903), Auguste Renoir (1841-1919) e Amedeo Modigliani (1884-1920).

A produção artística de Takeo Sawada manteve-se figurativa e impressionista durante toda a sua vida, abrangendo diferentes gêneros da pintura, com destaque para as paisagens, mas também com naturezas-mortas e autorretratos. Em seus trabalhos, Takeo utilizou diferentes técnicas de pintura e desenho, explorando materiais como aquarela, tinta óleo, grafite, pincel atômico, guache, pastel oleoso. Costumava fazer seus desenhos ao ar 15

Entre as décadas de 1970 e 1990, Takeo Sawada participou de diversas exposições coletivas e salões de arte nacionais e internacionais, conquistando prêmios e reconhecimento de seu trabalho e estabelecendo vínculos com outros artistas nipobrasileiros, como Ken Kaneko (1935-), que em depoimento a Carmo Malacrida contextualizou o trabalho de Sawada:

As aulas que marcaram sua formação artística deram origem não somente ao artista dedicado que produziu durante toda sua vida, mas também ao professor de artes, um ofício de criação que garantiu o sustento de sua família por muitos anos. livre ou a partir de fotografias, transformando-os em pintura em seu ateliê. Importante confrontar suas escolhas estéticas com as de outros artistas nikkeis que foram seus contemporâneos, tiveram uma trajetória marcada pelo êxodo rural e pela vida na cidade, e se organizaram como grupo de artistas imigrantes japoneses, como por exemplo o Grupo Seibi, Artistas Nikkei, Grupo Guanabara, Grupo 15 (ou Grupo do Jacaré). A busca por formação em artes nos anos de 1950 levou muitos destes artistas ao Informalismo Abstrato, que no Japão ficou conhecido como tufão informal, chegando a diversos espaços de arte do Brasil por meio da atuação de artistas e professores franceses.

“Conheço muitos artistas pelo Brasil, mas aquarelista como Sawada nunca vi em nenhum lugar. Ele era especial. A maneira como pintava, com a cor opaca e tinta densa, vem dos ensinamentos na escola, no Japão, no final do período Taishō, mais ou menos 1920. No Japão as crianças tinham aulas de arte na escola desde muito cedo e nesta época passaram a

ensinar o que se chamava ‘Movimento de Pintura Moderna’. Na hora da aula de arte, as crianças saiam da sala de aula com os professores para desenhar ao ar livre, desenhavam o natural, depois voltavam para a sala e pintavam. Estudavam também a pintura tradicional japonesa, que tinha a mesma paleta de cor, meio acinzentada, das pinturas do Sawada”.

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Sawada Sensei: professor de artes

Para Takeo Sawada, seu ofício como professor sempre foi motivo de orgulho, em especial por ser uma das profissões mais valorizadas e respeitadas no Japão. Ao perder uma safra inteira e ver sua plantação destruída por uma tempestade, ele decidiu mudar-se para um bairro mais próximo ao centro de Presidente Prudente e dedicar-se a uma nova profissão: professor de Artes para crianças. Suas aulas são lembradas com muito afeto e alegria, sentimentos que podemos captar nos relatos de seus alunos, como narrou Rodrigo Bueno (1970-), designer gráfico e poeta, em 2018:

“Quando eu era criança e perguntava o que fazer com a tinta e o pincel diante do papel em branco, ele respondia:VONTAAAADE VO-CÊ! Sempre com alegria e entusiasmo, era essa a lição do sensei. Vontade Você. As crianças entendiam. Era pra pintar o que quisesse. Era pra ter vontade dentro de si. É a força de vontade, a vontade que guia o pincel e transforma água e a tinta no papel em algo que ninguém nunca viu antes. Às vezes era um lugar ou alguém, uma cena que a gente revelava. Essa cena estava dentro do coração. Então o sensei ensinava a seguir o coração, a ter vontade própria, ser alguém, ser único e ser realmente livre. Hoje, toda dúvida ou insegurança de adulto que tenho é acolhida e resolvida com isso que o sensei me ensinou: vontade você. Essas palavras foram decisivas na minha vida! Viva Takeo Sawada!”

A frase “Vooontaade vo-cê!!!” de Sawada Sensei nos convida a suspender as certezas e escutar o que nos afeta, nossos desejos, nossas ebulições, nossas investigações. Longe de se relacionar com o laisse fair do “desenho livre”, muito disseminado em aulas de arte dos anos 1980, a liberdade que ele convoca é da ordem do desejo, do estar presente e atento a um mundo que precisa ser percebido.

Com base em escritos de Takeo Sawada e relatos de seus alunos, Carmo Malacrida e Adriana

Pedrassa construíram uma lista de palavras sobre sua prática pedagógica: criatividade,

indivíduo, sensibilidade, coração, vontade, cidadão, felicidade, paz, originalidade, criança do Brasil, alma, alegria.

Para Sawada, a criança é protagonista e autônoma de seus processos de aprendizagem e criação. Por isso, sua prática era “com as crianças”, respeitando as vontades e processos individuais, orientando-os. Gesto que o diferenciava de muitos professores que faziam “para as crianças”, mostrando apenas exemplos a serem seguidos como “bonitos” ou “corretos”.

Sua prática testemunha suas intenções em cada aula e os deslocamentos que quer provocar em cada um de seus alunos, do essencial e da essência, do que está em aberto para experimentação e do que ele não abre mão como cuidado com a prática artística, uma educação do coração, da sensibilidade, que pode ser sintetizada nos seguintes princípios pedagógicos do artista-professor:

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O exercício da sensibilidade nas aulas de artes: [...] a pintura das crianças tem sensibilidade, imaginação boa e muita originalidade. Elas demonstram o coração, a alma da criança do Brasil.

A valorização da liberdade de escolha e expressão da criança: [...] não interfiro nas composições das crianças, sempre falo para elas pintarem o que elas gostam, o que está no coração.

O papel do professor como um mediador cultural e orientador de processos: [...] O que eu faço é apenas mostrar aos meus alunos uma direção, a direção da arte, onde eles podem expressar, com sensibilidade e liberdade, as coisas boas que eles têm dentro de si.

Valorização da individualidade de cada estudante:

[...] deixo as crianças à vontade, um é diferente do outro. Não fazem cópias, tudo igual não é arte. Eles têm toda a liberdade de realizarem o que gostam.

Busca da educação pela experiência:

[...] é difícil explicar para as crianças na sala de aula sobre o que elas não conhecem, fiquei emocionado com a possibilidade da educação prática.

Incentivo à partilha pública da produção das crianças como exercício comunitário:

[...]As exposições são boas para [...] educar os sentimentos das crianças.

Estabelecimento de regras e acordos para garantir tempo, espaço e recursos para a experimentação livre: [...] não pode copiar nada e também não pode virar bagunça, mas aos poucos vou ensinando sem interferir no processo de criação.

Incentivo à criação autoral:

[...] O importante é a criatividade, a imaginação natural; não ensino copiar. Cópia não é arte, se não fica toda a vida imitando.

O diálogo e a observação como modos de orientação de processos de criação:

[...] Deixo as crianças livres para criar, forneço apenas pequenas orientações e a grande obra de arte surge.

Takeo Sawada tinha como referência para seu trabalho como docente dois de seus amigos artistas, com quem trocava ideias sobre o ensino da arte: Yo Yoshitome (1925) e Kenichi Kaneko (1935), imigrantes japoneses que chegaram ao Brasil na década de 1960 com suas carreiras artísticas já consolidadas e tornaram-se referência como professores de pintura com crianças.

A participação dos estudantes em concursos e exposições de artes era uma prática pedagógica consagrada no mundo todo, conquistando muitas escolas de comunidades nipo-brasileiras dentro da perspectiva da construção da paz mundial pelo contato com as artes e o convívio entre as nações, nutrindo ainda um mesmo tipo de interesse que as vanguardas modernas tiveram

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na arte infantil como fonte de inspiração.

No Brasil, as pesquisas de Mário de Andrade e Herbert Head alimentaram o interesse na participação em exposições e concursos infantis locais, nacionais e internacionais, criando redes e circuitos que contavam com deslocamentos e viagens para a participação em encontros, mas também a produção de eventos com programação de incentivo às práticas artísticas, exposições de arte de crianças, publicações, troca de correspondências e textos. Sawada Sensei entendia estes concursos como uma oportunidade para os estudantes mostrarem publicamente seus trabalhos e terem contato com a produção de outras crianças, conversarem sobre arte e perceberem socialmente o valor de seu empenho como membros de um grupo de criação, ampliando seu repertório cultural durante os processos de preparação de obras, seleção, inscrição e participação nas cerimônias de premiação que culminavam no reconhecimento individual e coletivo de cada grupo participante.

percebido e elaborado pela arte das crianças. Estas pastas nos lembram também da importância de registrarmos nossa jornada como docentes, não apenas para podermos resgatar momentos vivenciados, mas também para que outros professores possam permanecer em diálogo conosco em outros tempos e espaços para além de nossa atuação.

O minucioso trabalho de registro da participação de seus alunos em exposições pode ser estudado no arquivo que reúne sua produção, em um universo de cerca de oitenta pastas artesanais nas quais o professor reuniu e diagramou registros fotográficos, textos, recortes de jornais e catálogos, premiações e anotações que revelam visões de mundo, valores e posicionamentos de um mundo em constante transformação,

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a escola como centro cultural

A escola pode ser um lugar de emancipações cultural e democrática sempre que busque colaborar com a formação integral de cidadãos críticos e reflexivos, como um centro de produção e difusão cultural das mais diversas modalidades de manifestações artísticas. Neste sentido, as salas de aula podem ser lugares de trocas e de encontros: de pessoas, memórias, histórias, saberes e culturas.

De acordo com dados do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) de 2010, setenta por cento dos brasileiros nunca foram ao museu. Dentre estes, oitenta e dois por cento são das classes A e B.

Neste cenário, é importante considerar que dentre as pessoas que visitaram exposições, muitas foram pela primeira vez com a

escola. Também com a escola puderam conhecer o cinema, o teatro ou assistir a espetáculos de dança.

Além disso, a aula de artes costuma ser, para muitos, o lugar de performar pela primeira vez outros papéis, experimentar exercícios de criação que fazem parte do ofício de atores, dançarinos, músicos, cantores e artistas visuais. Na escola, crianças e jovens podem ter suas chances de acesso à cultura amplificadas, sendo as aulas de artes e linguagens a porta de entrada para experiências de criação e interpretação que podem ampliar a visão de mundo de estudantes de todas as idades e classes sociais.

Ao escolher proporcionar essas vivências aos estudantes, professores podem acolher no

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calendário escolar e no currículo a diversidade cultural de sua comunidade escolar e de seu país. Na soma das experiências e vivências cotidianas, professores, crianças, jovens, famílias e tantas outras pessoas que trabalham nesse local desenvolvem o senso estético e ético.

Por isso, é muito importante buscarmos colaborar para a valorização da diversidade, contemplando o conjunto de valores, visões de mundo, filosofias de vida, missão e organização, que estabelecem os modos de ensinar e aprender em uma escola, definindo os elementos da cultura escolar local.

Exposições

na escola: a produção artística dos alunos As exposições de desenhos e outras formas de expressão artística das crianças fazem parte do cotidiano da escola. Sempre nos deparamos com mostras nos pátios, corredores, paredes, portas e dentro das salas de aula.

Elas revelam a cultura de infância vivida no local, bem como algumas das bases que nos ajudam a constituir nossas definições acerca do que é uma criança e seus valores. Também revelam os modos de criação de uma aula de artes: com liberdade para a experimentação ou com o convite à reprodução. Takeo Sawada dizia que “se é cópia, não é arte, pois não há expressão, criatividade e invenção”. Ele acreditava que os participantes de suas aulas podiam criar livremente a partir da observação e da escolha de elementos para compor uma imagem. Infelizmente, as paredes de muitas escolas podem revelar processos com intenções pedagógicas muito diferentes dessas ideias defendidas por Sawada, com trabalhos copiados ou que não parecem terem sido feitos pelas crianças, sendo possível até mesmo identificar a mão do professor em suas produções. O observador atento pode perceber até mesmo que o professor recortou os materiais, selecionou cores específicas ou até mesmo escolheu um desenho único para toda turma pintar ou colar seguindo o mesmo padrão e ordem.

O que mais podem nos contar as paredes e exposições de uma escola?

Vamos fazer uma pausa e pensar nas paredes da nossa escola. As perguntas a seguir podem servir de base para um diagnóstico:

O que está exposto nestas paredes?

Que tipos de trabalhos compõem esse espaço?

Como eles foram organizados: por cor, tema, tamanho ou assunto?

Eles foram feitos pelas crianças ou pelos professores?

Estão em que local da escola?

Há exposições em espaços abertos também?

Em que altura foram colocados os trabalhos?

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As crianças conseguem ver os detalhes?

Como é a iluminação do lugar?

É um lugar de passagem ou também é possível ficar um tempo apreciando os trabalhos?

Os trabalhos são todos iguais ou refletem a diversidade da sala de aula?

Que materiais foram utilizados?

As exposições nas escolas podem apresentar as produções das crianças e seus portfólios, as pesquisas realizadas em grupo e os registros fotográficos e vídeos realizados durante o processo. Neste caso, é importante o professor escrever um breve texto contando um pouco sobre o percurso vivido junto com as crianças. A curadoria pode ser feita pelo professor ou

compartilhada com as crianças, que também participam do processo de escolhas e construção de narrativas.

É importante durante o processo de criação das aulas de artes a escolha consciente de materiais tanto na produção de trabalhos das crianças quanto nas decorações das festas, celebrações e eventos. Por exemplo, para comemorar a Semana do Meio Ambiente ou a

Virada Sustentável, precisamos usar materiais que dialoguem com essa proposta. Neste caso, o E.V.A., material derivado do petróleo de lenta decomposição, não comunica a preocupação da escola com a sustentabilidade, apontando o contrário: a falta de cuidado na escolha. Ou seja, os materiais utilizados nas aulas de artes também comunicam valores e visões de mundo da escola.

Curadoria?

O trabalho do curador se faz pela pesquisa, seleção e proposta de relações entre os materiais escolhidos a serem expostos.

Ele também irá pensar em como organizar esses trabalhos num espaço (seja ele uma sala ou uma parede) de modo que fique clara a sua intenção por meio da narrativa e do diálogo construído entre as obras.

Quando estamos na escola, também podemos fazer curadorias dos trabalhos das crianças e dos processos de aprendizagem que vivemos junto com elas por meio de exposições ou até mesmo na organização de um portfólio.  Algumas perguntas importantes para pensar sobre quais e como mostrar os trabalhos e processos dos estudantes:

Quais perguntas atravessaram o processo?

O que é essencial nos trabalhos?

Qual é a essência das produções?

O que está em jogo no processo de criação vivenciado?

Como tornar visível a aprendizagem presente nesses processos?

Como compartilhar processos com quem não participou dos mesmos?

O que queremos comunicar a partir dos trabalhos selecionados?

Por onde andou a curiosidade das crianças? E a sua?

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Intencionalidade: qual é a minha intenção com esta exposição?

Para além de mostrar “produtos finais”, podemos partilhar nas exposições escolares muitas outras coisas, como:

• Registros de vivências e aulas (fotográficos, vídeos, áudios)

• Produções das crianças

• Falas das crianças por escrito ou áudio

• Hipóteses e perguntas que integraram o processo

• Conceitos guarda-chuva relacionados aos temas

• Textos do professor e dos alunos

• Planejamentos de aulas e projetos

• Mapas mentais do processo

• Objetos utilizados

O que levar em consideração para montar uma exposição?

• Iluminação

• Acústica

• Criação de fluxo

• Cores

• Comunicação por meio de diferentes linguagens e materialidades

• Exposição de forma vertical ou horizontal

As imagens a seguir mostram algumas possibilidades de organização de materiais em exposições em escolas.

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Por

que fazemos exposições nas escolas?

Explorando possibilidades

Para celebrar e tornar visíveis os processos de ensino e aprendizagem vividos em determinado período. Por isso, é muito importante partilhar registros e não só produções finais.

O registro é uma parte fundamental do trabalho do professor e permite o acesso a perguntas, investigações, pesquisas e invenções de cada grupo de estudantes durante um processo de ensino e aprendizagem em artes. Ele pode ser feito de diferentes formas e por isso é importante definir de antemão suas especificidades: para que e para quem mostraremos os registros?

Quais tipos de registros você faz? O que você faz com os seus registros?

Eles mostram indicadores, evidências, pistas de como continuar certos processos de pesquisa com as crianças, presentes na leitura de nossas observações escritas ou nas imagens, como fotografias e vídeos que fazemos em sala de aula. Tipos de registros:

• Fotográficos

• Em vídeo

• Em áudio

• Escritos: coleta de falas das crianças, dos professores, dos familiares

Registro e avaliação: qual a relação?

• Documentação/Registros podem ser elaborados como possibilidade reflexiva.

• Itinerário didático e percursos de aprendizagem podem ser relembrados, reexaminados, analisados e reconstruídos.

• Documentação/Registros como oportunidade de busca de sentido.

• No momento da documentação (observação e interpretação), o elemento de avaliação entra em campo contextualmente, isto é, no contexto e ao longo do tempo em que a experiência (ação) acontece.

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• A documentação registra a pergunta, o diálogo e o confronto com os colegas.

• Explicar o processo de avaliação é escolher o que “valorizar”.

• A avaliação não é só interpretável, mas é, ela mesma, interpretação. É uma forma narrativa de texto, uma comunicação intra e interpessoal, porque oferece a quem lê uma ocasião reflexiva e de conhecimento.

• Você procura oferecer ao outro não o seu saber, mas os limites do seu saber. Ou seja, os seus limites derivados do fato de que o objeto a ser narrado é um processo, um percurso de pesquisa.

Organização de portfólio

O portfólio é instrumento que possibilita a apresentação e comunicação de um percurso vivido de modo individual ou coletivo. A forma como é organizado pode tornar visível o envolvimento e o desenvolvimento da criança ou do grupo por meio da diversidade de trabalhos que o compõe.

Esse recurso também é utilizado por profissionais de diferentes áreas do conhecimento, como uma complementação ao currículo, pois é no portfólio que muitos profissionais conseguem compartilhar de modo visual suas habilidades e competências anunciadas em seus currículos.

O fazer de um portfólio é processual. Vamos ao longo dos projetos e percursos acrescentando materiais de forma que eles narrem o processo por meio de diversas linguagens. Eles podem ser bimestrais, trimestrais, semestrais e, juntos, revelarem as aprendizagens de um ano todo.

expectativas de aprendizagens elencados pelo professor durante seu planejamento. É por meio dele que a comunidade escolar poderá ter acesso ao modo como as competências e habilidades descritas na BNCC foram trabalhadas em sala de aula. Ele pode ser individual ou coletivo, contando assim o percurso de uma criança ou da turma toda.

Algumas reflexões sobre esse instrumento:

O que compõe um portfólio?

Que formato ele pode ter?

Como partilhar um portfólio?

Quem constrói o portfólio: o professor, as crianças, os dois juntos?

O portfólio é composto por diferentes elementos que promovem a visibilidade do currículo, os objetivos e

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o desenho e a criança

Para refletir sobre o desenho da criança, abordaremos a pesquisa da professora Rejane Galvão Coutinho, tendo como ponto de partida a coleção de desenhos de Mário de Andrade, que foram realizados por crianças e adolescentes no início do século XX. Entre distanciamentos e aproximações com o tema, entraremos em contato com sua pesquisa, a de Mário de Andrade e a contextualização histórica desse interesse pela Arte Infantil no início do século XX.

Coutinho nos convoca a refletir acerca de como as ideias que temos hoje sobre as expressões gráficas e plásticas das crianças vieram se entrelaçando para que possamos pensar:

O que sabemos sobre o desenho das crianças?

Que concepções temos sobre essas produções?

Como nos relacionamos com esse universo?

O que podemos fazer para ampliar e estimular a relação com as artes na escola?

Inspirada pelo arte-educador americano Brent Wilson, Rejane formulou as perguntas acima partindo do pressuposto de que somos nós adultos que olhamos para a produção das crianças e interferimos nas mesmas.

Coutinho narra o início de sua carreira no contexto escolar:

“Comecei a trabalhar em uma escola com crianças da préescola. E naturalmente fui me interessando pelas produções

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artísticas das crianças, o que me levou a fazer um curso de Licenciatura em Educação Artística. E nesse momento entrei em contato com um livro (Desenvolvimento da Capacidade

Criadora; Viktor Lowenfeld e W. L. Brittain (1947-1977) que foi muito utilizado na formação de gerações de arte e educadores”.

Essa leitura começou a gerar muitas inquietações, já que sua experiência na escola não condizia com o que estava escrito nos livros. Na escola, Rejane via muita cópia e um medo de desenhar errado ou de forma inadequada, portanto a realidade não era bem aquilo que estava descrito nas páginas. Então ela resolveu estudar mais sobre o assunto e se aprofundou no tema durante um curso de Especialização, quando pesquisou sobre desenho com reflexões acerca de suas práticas na educação, momento em que fez um trabalho de observação de desenhos em duas escolas, uma mais tradicional e outra mais construtivista. Nesta mesma época, a professora passou em um concurso público e começou a dar aula no Estado para o que é hoje o ensino médio (alunos do Magistério). A escola em que foi trabalhar chama-se Escola Sylvio Rabelo, que coincidentemente Rejane descobriu ser um artista que tinha uma pesquisa datada de 1936, sobre desenho infantil, reunida no livro Psicologia do Desenho Infantil. Além disso, descobriu que Sylvio foi professor das educadoras Noemia Varela e Ana Mae Barbosa.

A criança é artista?

Diante da pergunta, a pesquisadora indagou-se: Por que ele levou essa pergunta para um curso como esse?

Entre os arquivos pesquisados, a professora encontrou uma série de anotações feitas ao longo do curso e uma delas chamou muito sua atenção:

Sua pesquisa sobre o desenho na infância a levou à coleção de desenhos de crianças de Mário de Andrade, que trouxe novas inquietações sobre o tema. Em uma de suas buscas, se deparou com a seguinte pergunta de Mário de Andrade, formulada em 1938, em um curso que ministrou sobre filosofia e história da arte:

“A criança não possui os caracteres técnicos, estilísticos, estéticos, inerentes à arte ... pois, é um aprendizado (jogo) interessado, tanto quanto brincar de família ou de condutor de bonde”. Mário de Andrade

Com estas palavras, Mário respondeu sua própria pergunta: a criança não é artista, porque ela não tem domínio técnico, estilístico e nem formação em artes. Na escola, desenha como uma brincadeira, como um jogo, assim como brinca de casinha, de bola. Essa prática de desenho estava em outro lugar. Vale destacar que ele não estava observando os desenhos de crianças que faziam parte de cursos e aulas de arte, como os alunos de Takeo Sawada por exemplo, mas sim as produções de

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crianças em escolas formais de sua época.

À medida em que Rejane se aprofundou em sua pesquisa, novas inquietações surgiram a partir de novas descobertas. Uma nova pergunta apareceu:

Qual eram seus interesses ao reunir esses desenhos?

Como se constituiu a coleção de desenhos infantis de Mário de Andrade?

O que Mário de Andrade lia e conhecia a respeito deste assunto?

Que uso fez destes desenhos?

Situando a coleção de desenhos infantis de Mário de Andrade

Procedência dos desenhos:

O que levou Mário de Andrade a colecionar desenhos infantis da década de 1930?

A pergunta surgiu de um estranhamento, pois apesar de Mario dar aula sobre diversos assuntos para diferentes faixas etárias, não há registros de que ele tenha dado aula para crianças (e também não tinha filhos), então:

Escreveu sobre eles ou usou este conhecimento em alguma produção?

Mário de Andrade colecionou desenhos de crianças entre os anos de 1927 e 1942.

A coleção faz parte do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo e contém 2.253 peças, das quais 2.160 são desenhos e 93 são documentos como ofícios, cartas, bilhetes, envelopes, pastas, programas de eventos do Departamento de Cultura e 78 folhas contendo anotações de Mário de Andrade sobre a coleção.

1.243 desenhos do concurso em 1935 57.55% (Biblioteca Infantil, Parques Infantis da Lapa, Pedro II e Ipiranga)

809 desenhos de escola 37.45% (Escolas de São Paulo, Piracicaba, Araraquara e Varginha-MG)

47 de filhos de amigos 2.18%

61 sem identificação 2.82%

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Como aconteceu o concurso infantil?

O concurso aconteceu no período em que Mário de Andrade geriu o Departamento de Cultura de São Paulo. Ele tinha interesse em conhecer essas produções e os contextos em que foram feitas.

Mário de Andrade escreveu o edital do concurso em que é possível compreender sua intencionalidade com o mesmo, ao delinear um contorno para que essas produções fossem feitas:

• Concurso entre os Parques Infantis e a Biblioteca Infantil, gerida pelo Departamento de Cultura de São Paulo.

• Assunto: livre.

• Proibidas cópias e os desenhos deveriam ser feitos nos parques e na biblioteca (portanto, ele já estava pensando que se trouxessem desenhos de casa, estes poderiam ter “ajuda” de um adulto).

• Foi absolutamente proibida a sugestão ou correção dos trabalhos dos concorrentes, já que Mario queria evitar que as próprias instrutoras interferissem na produção das crianças.

• Assinatura do desenho deveria ocorrer no verso da folha, assim o nome não interferiria no resultado final do desenho.

• Os trabalhos, premiados ou não, ficariam em sua posse.

• Haveria um júri de três membros (entretanto, não houve um júri já que Mário de Andrade deixou

a gestão do Departamento de Cultura por questões políticas antes do término do concurso). Neste edital, Mario contou que os materiais foram comprados com seus próprios recursos para o concurso, dentre eles papel canson e lápis de boa qualidade, para distribuir entre os parques e a biblioteca de modo que as crianças pudessem realizar suas produções.

Coutinho, diante destas descobertas, começou a fazer novas perguntas retomando a questão inicial de Mario: a criança é artista? A partir dela, propôs um movimento de distanciamento da coleção a fim de contextualizar a pesquisa de Mário de Andrade, localizando-a no tempo e espaço em que foi feita:

• Seria esse um momento de construção de um ideário sobre arte infantil?

• Em que contexto ele estava?

• O que ele estava lendo para se ater nessa questão?

O início do século XX, foi permeado pela questão de uma construção de um ideário de Arte Infantil. E assim novas perguntas surgiram:

• Por que atribuímos características artísticas às produções infantis?

• Desde quando atribuímos esses valores às crianças?

• Quais as consequências dessas relações para as crianças e para os educadores?

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Indícios de respostas encontrados durante a pesquisa

1) Pistas dos séculos XVIII e início do século XIX:

Jean Jacques Rousseau, no livro Emílio: ou da Educação (1762), discorre sobre a relação entre um professor e seu aluno. Na epígrafe abaixo, fica claro que Rousseau não está sugerindo que a criança não vai ser artista, mas que desenhar era um exercício que desenvolveria a capacidade de observação e a capacidade motora: “Eu gostaria que minha criança cultivasse esta arte [o desenho], não precisamente pela arte mesma, mas, para fazer seus olhos exatos e suas mãos flexíveis”.

Os filósofos e educadores Pestalozzi e Froebel são considerados os criadores do Jardim de Infância no século XIX. Ambos leram muitos desses escritos de Rousseau e o desenho estava presente nos contextos escolares propostos por eles.

• Estudos e pesquisas sobre a psicogênese, alinhados à pedagogia;

2) Pistas do século XIX e início do século XX:

• Estudos e teorias de psicólogos e historiadores da cultura, no fim do século XIX;

• Projeto de colonização sob o paradigma de civilização e progresso;

• Explicação da filogênese pela ontogênese, que relaciona o “primitivo” e a criança: o desenho é visto como recurso de pesquisa da filogênese pela ontogênese, principalmente o desenho das crianças, para compreender como os humanos desenvolvem o pensamento e a linguagem;

• Estudos e pesquisas sobre a origem da arte: os humanos têm a capacidade de figurar, uma tentativa de descobrir as origens da arte, o nascimento da arte. Rejane Coutinho destaca a importância de pensarmos sobre os contextos em que foram feitas estas pesquisas: sempre dentro dessa perspectiva da “colonialidade”, de que existem os primitivos e a manutenção do

status de superioridade do homem branco europeu. Em seu livro First Drawing (primeiro desenho), Sylvia Fein faz um paralelo entre os desenhos das crianças e os dos nossos antepassados (homens pré-históricos), que começavam as representações com círculos seguidos de raios. Os desenhos apresentam esquemas elementares, sintéticos da figura humana. Uma imagem de consenso e uma construção de linguagem. Dentre estas pesquisas, há uma expectativa de que a criança vá se desenvolvendo e que seu desenho chegaria a um realismo, dando uma ideia de progresso e progressão.

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3) Pistas do início do século XX

Os Modernistas e suas pesquisas pictóricas observam a produção infantil e incorporam muitos dos elementos constitutivos. Por exemplo:

• Wassily Kandinsky incorpora o vocabulário visual universal da infância;

• Paul Klee agrega as referências pessoais e a autenticidade;

• Jean Dubuffet se dedica a estudar as origens da criatividade;

• Pablo Picasso investiga a inventividade infantil livre de convenções.

A apreciação da arte infantil: exposições Feitas para adultos e por adultos, em locais de circulação de adultos e não de crianças, as exposições infantis eram organizadas a partir de critérios e seleção de adultos com diferentes finalidades:

• Divulgar resultados de pesquisas científicas;

• Reforçar as produções modernistas;

• Comparar com trabalhos de “primitivos” e loucos;

• Divulgar experiências de ensino;

• Promover intercâmbios culturais e propagandas políticas e ideológicas;

• Circular interesses econômicos (para divulgar materiais).

As exposições colaboraram com as tessituras dessas ideias, na construção desse ideário de arte infantil e de acostumar o olhar do adulto frente a essas produções. Muitas dessas exposições foram visitadas por artistas modernistas, educadores, professores, críticos de artes, psicólogos. Diante desta constatação, Rejane Coutinho elaborou uma nova pergunta: Quais as consequências destas relações para as crianças e para os educadores?

Dentre as respostas possíveis, destacam-se:

• Ideia de criança “naturalmente” expressiva e criativa: na atualidade, claramente podemos contestar essa ideia que se criou, já que muitas pesquisas mostram que a criança se expressa em resposta à sua relação com o mundo. Sendo assim, é preciso alimentar a criança com referências, oferecer materiais diversificados, levar a criança a observar o mundo, como Takeo Sawada fazia em suas aulas, pois não é uma característica inata em todas as crianças e precisa ser estimulada por meio de vivências orientadas. A capacidade de figurar vai sendo desenvolvida sob o risco de ser estimulada ou bloqueada por fatores externos.

• Deslocamento da capacidade figurativa do campo da linguagem para o campo da arte: é uma capacidade que está dentro do âmbito da linguagem, não podemos querer que ela faça uma figura humana completa sem que ela perceba isso. É preciso ampliar essas referências das crianças.

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• Repertório imagético atribuído ao universo infantil pelos adultos - ou cultura visual infantil: um repertório começa a fazer parte da própria cultura da criança, que passa a consumir esses desenhos atribuídos a esse repertório imagético infantil, ou seja, a criança vai sendo alimentada por esse próprio repertório (de desenhos, cartoons etc.) como se ele fosse “infantil” per si - e vem daí a importância de ampliar esse universo, ampliando as referências imagéticas oferecidas aos estudantes.

Que concepções temos sobre essas produções?

Como nos relacionamos com esse universo?

O que podemos fazer para ampliar e estimular a nossa relação e a das crianças com as artes?

Por fim, Rejane Coutinho nos convida a questionar:

O que sabemos sobre o desenho das crianças?

A criança começa a explorar desde muito cedo diferentes tipos de riscadores, intrigada pelos rastros que eles deixam no papel ou em outros suportes. Vão assim aparecendo as garatujas. O adulto tem função importante nesse momento, pois começa a se relacionar com essas representações carregadas de possibilidades de interpretação. Não é nem muito bom a gente fazer interpretações nesse momento, mas sim perguntas sobre sua produção: “O que você está desenhando?” Não tente adivinhar, converse sobre a produção. A criança começa a elaborar as suas ideias ao fazer esse desenho e é muito importante que respeitemos o que ela está conseguindo trabalhar em suas criações.

Podemos observar que à medida em que a criança vai crescendo, seu desenho vai se complexificando na elaboração de uma figura humana de forma muito sintética. Em um mesmo papel, ela coloca diferentes perspectivas em um mesmo desenho, mostrando uma pesquisa que a criança vai fazendo para representar esses diferentes pontos de vista. Ao ver essa sobreposição, não podemos chegar e falar: “tá errado!”, mas sim mostrar mais referências para que ela vá se aprofundando nessa pesquisa, utilizando-se cada vez mais de diferentes recursos, inclusive uma exploração de recursos tecnológicos. A criança, quando copia um personagem de desenho animado, nos mostra como essa cultura visual começa a fazer parte de seu imaginário. Edith Derdyk, em seu livro Formas de pensar o desenho, faz uma distinção entre imitação e cópia, sendo que imitação é quando a criança escolhe fazer o que ela quer absorver, isto é, uma apropriação daquilo que ela quer representar. A imitação é, portanto, um processo de apropriação, uma forma de entender como aquela imagem é construída. A cópia é uma imposição de um modelo, de um código, recurso utilizado historicamente como procedimento em escolas de Belas Artes.

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Entre experimentos e documentações: de

TAKEO SAWADA às experiências na

SPART Cultural

Carmo Malacrida, pesquisadora da obra e vida de Takeo Sawada e responsável pela salvaguarda de sua produção e seu arquivo em formação, partilha em suas pesquisas alguns importantes aspectos das práticas de ensino realizadas pelo artista na ACAE (Associação Cultural, Agrícola e Esportiva de Presidente Prudente), local onde foi sua aluna e também acompanhou seu trabalho como professora assistente.

Ela conta como Takeo organizava a sala de aula, como conduzia esses encontros, sua relação com os alunos e o acompanhamento que fazia de seus processos.

Nas paredes das salas de aula havia produções dos alunos, dele mesmo e também imagens dos calendários que recebia com reproduções de obras infantis que participaram das exposições de arte infantil no Japão.

As mesas eram organizadas de modo que os alunos tivessem um bom espaço para desenvolverem seus trabalhos. Nelas, ele colocava os materiais que seriam utilizados nos encontros: livros que poderiam ser consultados, pequenos contextos de aprendizagem (composição com materiais diversos) que poderiam servir de inspiração para realizarem seus trabalhos ou que podiam ser reconstruídos e reorganizados pelas próprias crianças a partir de seu desejo e vontade. Observem nas imagens a seguir a maneira como ele organizava diferentes contextos sobre as cadeiras, usando diferentes objetos e plantas:

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Sala de aula do Prof. Takeo Sawada na ACAE, Presidente Prudente (SP), 1997
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Fotos: Carmo Malacrida

Deixo as crianças à vontade, um é diferente do outro. Não fazem cópias, tudo igual não é arte. Eles têm toda a liberdade de realizarem o que gostam... Ensinar estas crianças é a minha vida. TS

Sala de aula do Prof. Takeo Sawada na ACAE, Presidente Prudente (SP), 1997

Fotos: Carmo Malacrida

• Vontade você

• Coração grande

• Não ter medo do papel

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Takeo Sawada estimulava seus alunos a fazerem algo que tivesse sentido para eles, que se relacionasse com seus desejos e afetos. Como Paulo Freire, que nos pergunta para onde a nossa curiosidade tem nos levado, Sawada Sensei provocava seus alunos a entrarem em contato com suas perguntas geradoras, aquilo que os inquietava. Também convidava o grupo a observar o mundo, o entorno, estar de corpo presente, ter uma escuta ativa, crítica e reflexiva.

Curso de Pintura para escolas de língua japonesa da cidade de Londrina (PR), 1980. Foto: Acervo fotográfico TS.

• Observar e ouvir

Seus alunos desenhando na AV. Washington Luiz, em frente à ACAE, em Presidente Prudente (SP), 1982. Foto: Acervo fotográfico TS.

Curso de pintura em Presidente Epitácio (SP), 1995. Foto: Acervo fotográfico TS.

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As excursões e estudos de campo com as crianças eram uma prática recorrente no trabalho de Takeo Sawada com as crianças, momentos para conhecer coisas e lugares novos, aprender a ver e a estar atento aos detalhes.

Sawada sabia dar tempo e espaço para a invenção, investigação e criatividade.

Nos registros fotográficos de Takeo Sawada, ele passeia com seus alunos em praças públicas e diferentes espaços da cidade. Era comum levar as crianças para desenharem “do natural”, como dizia. Ocupar as ruas, habitar espaços públicos, observar paisagens urbanas e rurais fazia parte do planejamento pedagógico do professor. Para ele, era muito importante também a formação das crianças enquanto cidadãs.

Projeto de ver e aprender

As crianças desenhando no Simba Safari, em São Paulo, 1982. Foto: Acervo fotográfico TS.

Yumi Sakotame, 10 anos, aquarela, 1982.

Foto: Acervo fotográfico TS.

É difícil de explicar, na prática, em uma sala de aula o que as crianças não conhecem, e aqui estão podendo fazer desenhos, emotivos, a partir da realidade. TS (1982)

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Carmo Malacrida realizou o projeto Arquitetura Consciente (2014) em diálogo com as práticas de Sawada Sensei, problematizando com seu grupo de crianças a demolição de um espaço e a gentrificação na cidade de Presidente Prudente. Na ocasião, Carmo acompanhou a demolição do prédio da ACAE, local onde Takeo Sawada deu aula por muitos anos, para a construção de uma loja da franquia de fast food no mesmo local, transformando completamente a paisagem urbana.

Carmo acompanhou e registrou todo o processo de transformação com seus alunos, ação que contou inclusive com a retirada de árvores centenárias do local.

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Prédio da ACAE, Av. Washington Luiz, entrada para a sala de aula de Sawadasensei, 2014.

Imagem do terreno antes da construção e erradicação das árvores

Erradicação de árvores para a construção da rede de fast food na Av. Washington Luiz, 2014.

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A partir desse acontecimento que a atravessou afetivamente enquanto cidadã de Presidente Prudente, Carmo iniciou um projeto de investigação sobre arquitetura com as crianças, que tinha como pergunta norteadora: É possível uma arquitetura que respeite as construções antigas e a natureza?

Carmo trouxe para as crianças uma série de projetos arquitetônicos de diferentes países que levaram em consideração a história e a flora local para compará-los à construção que estava sendo feita em Presidente Prudente.

México

Presidente Prudente

É possível uma arquitetura que respeite as construções antigas e a natureza?

Comparação entre um projeto arquitetônico realizado em Coyoacán, México, onde houve o respeito e preservação de uma construção antiga e árvores já existentes e o projeto da rede de fast food, em nossa cidade, onde uma construção da década de 40 foi danificada e árvores centenárias foram erradicadas, na Av. Washington Luiz, para a execução do projeto da rede de fast food.

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Centro Cultural Elena Garro

Arquiteta: Fernanda Canales

Localização: Coyoacán, México

O projeto, localizado em Coyoacán, é uma adaptação de uma casa existente, um edifício do início do século 20, que foi transformado em um Centro Cultural.

Rede de Fast Food

Arquiteto: Osako

Localização: Presidente Prudente (SP)

2011

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2013

Durante a contextualização, as crianças foram convidadas a pensar em diferentes soluções arquitetônicas que poderiam ter isso aplicadas à construção da lanchonete, a partir da apreciação da planta arquitetônica da obra.

Nesta conversa, apareceram muitas ideias, algumas delas listadas abaixo:

• Por que não fizeram a rampa antes da árvore?

• A escada poderia ser mais na esquina.

• Parece ser difícil de subir esta escada.

• Ela é muito feia.

• A rampa poderia ser entre as árvores.

• Deveria mesmo é ser depois das árvores, daí não tinha esta curva.

• Como o carro vai fazer esta curva?

• Muito mal feita.

• Vai ser difícil!

• Eu nunca vou comer lanche nesta lanchonete

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Planta da rede de fast food

Um dos exercícios propostos para o grupo foi:

Proposta: Projetar ums rede de fast food respeitando as árvores centenárias

Objetivos: Conscientização da importância da preservação do meio ambiente para uma maior qualidade de vida na cidade e

Conhecer arquitetura consciente

Material: Lápis grafite; Lápis de cor e Uma planta do terreno com a localização das árvores que haviam sido erradicadas.

Cada criança fez uma proposição diferente para o projeto de uma rede de fast food respeitando as árvores centenárias.

Arthur, 7 anos Marco Túlio, 14 anos Elisa, 10 anos Maria Fernanda, 8 anos
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Maria Clara, 11 anos

Carmo realizou um trabalho de grande sensibilidade e de relevância, um projeto transdisciplinar que convocou as crianças a terem um olhar atento à cidade, às suas transformações e a pensar outras soluções humanistas e sensíveis, que acolhem a memória coletiva de um grupo de pessoas e que respeita a natureza. Quantas competências e habilidades ela colocou em movimento neste projeto? Qual é o papel do professor senão problematizar para transformar? Como inserir as crianças em discussões sobre urbanização e vida em sociedade? O que podemos fazer diante de mudanças que não dialogam com nossos valores? O que teria acontecido se o arquiteto responsável tivesse conversado

com estas crianças antes de construir sua obra? Teria ele tomado as mesmas decisões ou teria feito novas escolhas? São muitas as perguntas que ficam ressoando ao tomarmos contato com este projeto.

Outro aspecto importante da pesquisa de Carmo Malacrida acerca da produção de Takeo Sawada como professor se dedica aos processos de documentação de projetos, em paralelo aos seus próprios registros de atividades realizadas no SPART, juntamente com as crianças.

Isso porque as práticas artísticas e pedagógicas de Takeo estão permeadas por um detalhado processo de registro e documentação, compostos por uma riqueza de materiais que combinam fotografias, áudios, recortes de jornais e registros escritos. Ele fez uma documentação sobre sua pesquisa enquanto artista e por meio de pastas e diários, ao longo de sua carreira, foi construindo seu portfólio, de maneira fluida e viva, agregando novos trabalhos, participações em exposições, pensamentos sobre a vida e a arte, atribuindo sentido e revelando seu propósito e seus afetos.

Vale destacar a materialidade empregada na elaboração desses registros, pois trazem uma grande simplicidade: papelão, craft, fita crepe, durex, jornal, barbante e reaproveitamento de papel e agendas. Uma documentação composta por:

• Recortes de jornais e revistas;

• Impressos (convites, catálogos, regulamentos, certificados);

• Fotografias dos trabalhos dos alunos e de seus trabalhos;

• Fotografias das aulas na ACAE;

• Fotografias das oficinas em outros espaços.

Hoje, a partir deste material, é possível acessar as escolhas, as ideias, as perguntas moventes e os desejos que estavam em jogo para este artista. A documentação, que é essa organização de nossos registros, é importante para a sistematização de nossa memória e um modo generoso de compartilhar o vivido com outras pessoas. Como professor, Takeo Sawada utilizava com seus alunos a mesma estratégia de documentação de processos que fazia enquanto artista, criando álbuns, cadernos e pastas que eram partilhados em exposições e na sala de aula.

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Cartografia da travessia, desenho realizado por TS do roteiro de sua viagem Japão/Brasil em 1933.

Capa e interior do 4º de 5 álbuns manufaturados por TS que trazem registros fotográficos e impressos de seu interesse e de suas atividades como agricultor, artista e educador, artigos seus para os jornais japoneses de São Paulo (SP), correspondências, cartografias, desenhos e anotações, datas variadas

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Interior da pasta manufaturada por TS com colagens e escritas de Haikais. s/d

Capa e interior do álbum manufaturada por TS com recortes de jornais e impressos, datas variadas.

Capa e interior da pasta manufaturada por TS com informações sobre a 6ª Bienal Internacional de Kanagawa e a premiação de seus alunos, em 1991.

Capa e interior da pasta manufaturada por TS com informações sobre a 7ª Bienal Internacional de Kanagawa e a premiação de seus alunos, em 1993.

Interior da pasta manufaturada por TS com imagens e informações de práticas ao ar livre em Presidente Prudente, Álvares Machado e seus cursos de férias em cidades dos Estados do Paraná e Mato Grosso do Sul, entre os anos de 1974 e 1980.

4ª Exposição de Arte Infantil de Pres. Prudente (SP), na ACAE em 1976. Foto: Acervo fotográfico TS.

Capa e interior do álbum manufaturado por TS com registros fotográficos e impressos de seu interesse e de suas atividades como artista e educador, artigos seus para os jornais japoneses de São Paulo (SP), correspondências e anotações, datas variadas.

Interior do álbum manufaturado por TS com registros fotográficos e impressos de seu interesse e de suas atividades como artista e educador, artigos seus para os jornais japoneses de São Paulo (SP), correspondências e anotações, datas variadas.

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Este trabalho pretende abrir um caminho importante para a amizade e boa vontade internacionais. Com isso em mente, gostaria que os excelentes trabalhos criados para esta mostra fossem mensageiros de união para as crianças do nosso ancestral Japão e de outros países ao redor do mundo e abrissem caminho para a amizade e boa vontade internacional. Disse o organizador TS. (São Paulo Shimbun, edição de 18 de setembro de 1982).

TS com seus alunos da ACAE na Premiação da 10ª Exposição de Arte e Pintura Infantil Internacional do Japão durante a IV Exposição de Pintura Infantil da Alta Sorocabana, em 1984.

Foto: Acervo fotográfico TS.

TS no Salão de Pintura Infantil de Pres. Prudente (III Exposição de Pintura Infantil da Alta Sorocabana), no Palácio da Cultura Dr. Pedro Furquim em 1980.

TS no Spart cultural com sua ex-aluna Rafaela Ruffino, Carmo Malacrida e Ana Luísa Ruffino, em 2002. Foto: Paulo Miguel.

A exposição é boa para educar os sentimentos das crianças, é um evento de cooperação cultural. Neste ano tivemos menos cópias, os resultados são perceptíveis. A mostra de pintura infantil se enquadra como um projeto de educação cultural pan-solo com o objetivo de aprofundar a amizade entre Japão e Brasil. TS. (Paulista Shimbun, edição de 1976)

Foto: Acervo fotográfico TS.

TS acompanhado de seus alunos no Salão de Pintura Infantil de Pres. Prudente (III Exposição de Pintura Infantil da Alta Sorocabana), no Palácio da Cultura Dr. Pedro Furquim em 1980.

Foto: Acervo fotográfico TS.

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Carmo também apresentou uma de suas documentações pedagógicas, prática que realiza no SPART Cultural, local onde promove exposições experimentais de artes visuais com crianças. Ela conta que a cada projeto vivido com as crianças, organiza os registros do processo de modo a criar uma memória e uma narrativa que revelam a intencionalidade do projeto bem como a transdisciplinaridade do mesmo.

Um exemplo é a documentação que fez sobre o projeto “Bitita: para Carolina Maria de Jesus”, uma exposição sobre uma escritora brasileira negra, autora do livro “Quarto de despejo: Diário de uma favelada” e de tantos outros.

Exposição experimental de artes visuais, novembro de 2018

15 alunos entre 14 e 04 anos

BITITA

Para: Carolina Maria de Jesus Carolina Maria de Jesus (1914 – 1977)

Foi uma mulher pobre e negra, com pouco estudo, mas que carregava em si um espírito visionário e pleno de sabedoria.

Em 1958, o repórter Audálio Dantas, a encontrou durante uma pauta que fez para o Jornal Folha da Noite sobre o cotidiano na favela que beirava o rio Tietê.

Em 1960, Carolina surpreendeu a literatura brasileira com o livro Quarto de Desejo - Diário de uma Favelada, que ganhou o mundo. Foi destaque na imprensa internacional, com direito a reportagem na revista Times, virou peça de teatro e foi traduzido para 15 idiomas. Vendeu 80 mil livros no Brasil.

1. DETERMINAR UMA REFERÊNCIA

2. PESQUISAR SOBRE

3. CONTEXTUALIZAR

4. DETERMINAR A LINGUAGEM

5. TÉCNICA / MATERIAL

6. PROVIDENCIAR MATERIAL

7. PROCESSO CRIATIVO COM PROPOSTAS ESTRUTURANTES

8. DETERMINAR DATA

As crianças vivem todo o processo de feitura das exposições, de criar um trabalho para expor, o planejamento, a curadoria, a montagem e a desmontagem. Carmo acredita que a vivência de todo esse processo é tão formativa quanto à própria produção de trabalhos, pois tudo é feito a partir de conversas com as crianças; todas as tomadas de decisões, negociações de sentidos e mediação de conflitos. O processo de fazer uma exposição com as crianças pode variar entre 6 meses e um ano, e conta com as seguintes etapas:

9. INFORMAÇÕES / DIVULGAÇÃO

10. MONTAGEM

11. ABERTURA

Para as exposições, Carmo seleciona referências que dialogam com seus valores, portanto costuma escolher mulheres artistas ou escritoras como ponto de partida para a realização do projeto que culminará em uma mostra de trabalhos de arte feitos por e com crianças.

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5. divulgar a obra da escritora. Na ocasião do projeto de Carolina de Jesus, sintetizou sua intenção e propósito:

REFERÊNCIA: a escritora brasileira

Carolina Maria de Jesus.

PROPOSTA ESTRUTURANTE:

narrar a vida da escritora com linguagens das artes visuais, tendo como referência o seu livro

QUARTO de DESPEJO.

LINGUAGEM: instalação

OBJETIVOS:

1. conhecer novas linguagens.

2. vivenciar o processo artístico (o fazer técnico, a representação imaginativa e a expressividade).

3. ampliar o repertório artístico visual e estético.

4. conhecer os códigos de uma mostra de artes visuais.

Contextualização: conhecer a obra Quarto de Despejo e a vida da escritora.

Contextualização da linguagem

Instalação: Esta linguagem lança a obra no espaço, com o auxílio de materiais muito variados, na tentativa de construir um ambiente ou cena, cujo movimento é dado pela relação entre objetos, construções, o ponto de vista e o corpo do observador. Para a apreensão da obra é preciso percorrê-la, passar entre suas aberturas (Enciclopédia Itau Cultural).

BARRACO

Proposta estruturante: criar um barraco, um ambiente penetrável, para ser construído por um profissional.

LINGUAGEM: ambiente penetrável (Não é uma obra para ser apenas observada, sua proposta é ser vivenciada. É um espaço no qual o fruidor entra e, nele, passa por experiências visuais e sensoriais).

REFERÊNCIA: O barraco da Carolina na Favela do Canindé.

TÉCNICA: Carpintaria.

PROCESSO CRIATIVO

MATERIAL: madeirite, caibros, pregos, mata juntas e dobradiças.

A instalação foi composta por vários projetos, de forma a envolver todos que participavam da proposta artística.

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GRITOS DELA

PROPOSTA ESTRUTURANTE:

Escrever frases da Carolina nas paredes externas e internas do barraco.

LINGUAGEM: Transcrição

REFERÊNCIA: As frases de Carolina em seu livro QUARTO de DESPEJO.

TÉCNICA: Caligrafia sobre as paredes do barraco.

MATERIAL: Giz Branco.

Imagem 41 (39)

Seleção de materiais

Vale destacar que são crianças de faixas etárias diversas e que a elaboração de vários projetos é uma boa estratégia de agrupamentos.

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CASTELO

PROPOSTA ESTRUTURANTE: Transformar um texto escrito em texto visual.

LINGUAGEM: Backlight (painel impresso ou pintado, confeccionado em material translúcido e iluminado por trás).

REFERÊNCIA: Uma frase de Carolina em seu livro Quarto de Despejo.

TÉCNICA: Pintura.

MATERIAL: Papel, tinta acrílica, grafite.

“Enquanto escrevo vou pensando que resido num castelo cor de ouro que reluz na luz do sol. Que as janelas são de prata e as luzes são de brilhantes. Que a minha vista circula no jardim e eu contemplo as flores de todas as qualidades. É preciso criar este ambiente de fantasia para esquecer que eu estou na favela. As horas que eu sou feliz é quando estou residindo nos castelos imaginários”.

Processo criativo

Outro ponto importante de observação é a diversidade de linguagens e técnicas que compõem cada projeto.

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RETRATO DA CAROLINA

PROPOSTA ESTRUTURANTE: Pintar o retrato da Carolina destacando seus signos mais marcantes.

LINGUAGEM: Retrato (gênero na pintura ou na fotografia onde a intervenção é a representação de um ser vivo”.

REFERÊNCIA: Os retratos fotográficos de Carolina.

TÉCNICA: Pintura.

MATERIAL: Tinta acrílica e suportes reciclados de dimensões variadas.

Processo criativo
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Os retratos

UMA PALAVRA PARA A CAROLINA

PROPOSTA ESTRUTURANTE: Definir a Carolina com uma palavra.

LINGUAGEM: Escrita.

REFERÊNCIA: Do que você sabe sobre a Carolina.

MATERIAL: Tinta acrílica sobre suportes recicladas de dimensões variadas. Processo

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criativo

CAROLINA

PROPOSTA ESTRUTURANTE: Criar interferências sobre as imagens fotográficas da Carolina.

LINGUAGEM: Intervenção (processo de criar interferências em imagens, fotografias, objetos ou obras de arte preexistentes. Intervenção, nesse caso, possui um sentido semelhante à apropriação, contribuição, manipulação, interferência).

REFERÊNCIA: Os retratos fotográficos da Carolina.

TÉCNICA: Pintura.

MATERIAL: Grafite, lápis de cor, tinta acrílica e guache. Processo criativo

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CÉU ESTRELADO

PROPOSTA ESTRUTURANTE: Criar um céu estrelado.

LINGUAGEM: Assemblage (todo e qualquer tipo de material pode ser incorporado à obra de arte. A ideia forte que ancora as assemblages diz respeito à concepção de que os objetos dispares reunidos na obra, ainda que produzam um novo conjunto, não perdem o sentido original).

REFERÊNCIA: Uma frase da escritora de seu livro Quarto de Despejo.

TÉCNICA: Acumulação.

MATERIAL: Fita metalizada e luz de led.

“O céu está salpicado de estrelas e eu que sou exótica gostaria de recortar um pedaço do céu para fazer um vestido”.

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As crianças participaram de cada etapa da instalação como um todo e, no dia de abertura, todas estavam presentes.

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Mais um projeto que a artista Carmo Malacrida realizou e nos faz refletir sobre práticas pedagógicas: O que é possível fazer dentro da escola em que atuo? Neste, também é possível observar como ela trabalhou competências e habilidades declaradas na BNCC de Artes e a potência de viver um projeto transdisciplinar no qual a criança entra em contato com diferentes disciplinas, como ciências sociais (desigualdades sociais, habitações, espaço público, ocupações e favelas, diversidade), ciências da natureza (estudo sobre o céu), matemática (orçamento da exposição, metragem de espaços e objetos), língua portuguesa (escrita, leitura, literatura brasileira), além de competências socioemocionais

também descritas na base nacional curricular comum. Para mim o mais importante para qualquer trabalho artístico é à vontade e sensibilidade do aluno. Sem criatividade, originalidade e coração não existe arte. TS. (Jornal Oeste Notícias, edição de 16 de fevereiro de 1997. Acervo TS).

O trabalho realizado é muito inspirador para repensarmos nossas práticas com alunos. Para finalizar, é importante retomar uma provocação feita pelo professor Sidiney Peterson Lima, que nos convida a conhecer os artistas locais de nossas cidades, suas produções, pesquisas e práticas como forma de ampliar nosso repertório e enriquecer nossa formação.

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