Revista E - junho/2023

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Revista E | junho de 2023 nº 12 | ano 29

Pioneirismo Os múltiplos talentos de Carolina Maria de Jesus

Florestar mentes Como nos integrar à cidade enquanto parte da natureza?

Gente grande O circo contemporâneo que também encanta adultos

Memórias do morro Fotos de uma das maiores comunidades urbanas do país

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DE 16 A 25 DE JUNHO DE 2023

A 7a edição apresenta um panorama diversificado da produção artística do circo contemporâneo. Espetáculos internacionais e nacionais, intervenções, instalação interativa, atividades formativas, mesas de discussão, encontro de autores e lançamento do livro

A Arte do Circo na América do Sul pelas Edições Sesc.

24 DE MAIO AVENIDA PAULISTA BELENZINHO CAMPO LIMPO CONSOLAÇÃO CPF GUARULHOS IPIRANGA ITAQUERA PINHEIROS POMPEIA SANTANA VILA MARIANA

< sescsp.org.br/circos >

CAPA: Obra Garden #6 (2003), do avaf (assume vivid astro focus), coletivo de artistas que, desde 2001, cria arte para confrontar códigos culturais e políticos através de uma superabundância de cores e formas. O trabalho faz parte da instalação interativa e imersiva alterações vividas absolutamente fantasiosas, em cartaz no Sesc Avenida Paulista com uma retrospectiva labiríntica dos 20 anos de atuação do coletivo.

Foto: Bruna Damasceno

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Bem-estar como essência

Portal do Sesc (QR Code ao lado)

Promover qualidade de vida e bem-estar aos trabalhadores do comércio de bens, serviços e turismo, de seus familiares, bem como de toda a comunidade, é a missão do Sesc –Serviço Social do Comércio. Criado em 1946 por iniciativa do empresariado do setor, realiza ampla ação de caráter educativo permanente por meio de programações nos campos da cultura, do lazer, da saúde, dos esportes, do turismo e da alimentação, proporcionando o crescimento interpessoal e a sociabilização.

Legendas Acessibilidade

Com seus centros culturais e esportivos presentes em todo o estado, oferece atividades diversas, como apresentações de música, teatro, dança e circo, cursos, oficinas e vivências nas áreas do esporte e da formação para a sustentabilidade, dentre tantas outras experiências presentes nessa sólida ação programática. Atua, desse modo, para a ampliação do repertório de seu público frequentador, formando olhares e ampliando horizontes, sempre numa perspectiva de valorização dos múltiplos saberes e da difusão da pluralidade de vozes.

Em estabelecimentos de uso coletivo é assegurado o acompanhamento de cão-guia. As unidades do Sesc estão preparadas para receber todos os públicos.

Reconhecer e defender a importância desta ação emancipadora, já tão longeva, e a utilização de recursos e esforços, para que permaneça presente e relevante na vida da população, é também um meio de construir uma sociedade mais justa e com mais oportunidades para todos.

APP Sesc São Paulo para tablets e celulares

A cidade e suas inquietações

Com desafios de dimensões proporcionais à sua própria condição de metrópole, a vida na cidade nos pede um pacto de reconciliação. Cabe a nós uma inquietante e provocadora pergunta: como fazer as pazes com o habitar urbano para que seja desfrutado na plenitude do bem-estar?

Somos e fazemos cultura a partir do espaço em que vivemos. E se a vida contemporânea é essencialmente urbana, é nesse cenário que vamos construir os meios para vivermos com mais qualidade e dignidade, enfrentando e superando obstáculos.

Caminhos apontam que a resposta a esse questionamento passa por nos integrarmos às áreas verdes, valorizando, incentivando e participando de iniciativas que nos conectam uns com os outros e a nós com a natureza. Se por um lado somos capazes de facilmente identificar problemas crônicos dos centros urbanos, por outro também notamos uma crescente mobilização para a realização de ações que geram melhorias. São pessoas que acreditam e defendem que os problemas são globais e que as soluções começam em âmbito local. Deste modo, investem na realização de projetos diversos, assumindo o protagonismo da mudança.

Esse é, por exemplo, o mote do trabalho do urbanista mexicano Erik Cisneros, entrevistado desta edição da Revista E. É também tema de reportagem que destaca a importância de “florestar a mente” para fazer, da cidade, uma morada plena. Aceita este desafio?

SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO – SESC

Administração Regional no Estado de São Paulo Av. Álvaro Ramos, 991 – Belenzinho

CONSELHO REGIONAL DO SESC EM SÃO PAULO

Presidente: Abram Abe Szajman

Diretor Regional: Danilo Santos de Miranda

Efetivos: Arnaldo Odlevati Junior, Benedito Toso de Arruda, Dan Guinsburg, Jair Francisco Mafra, José de Sousa Lima, José Maria de Faria, José Roberto Pena, Manuel Henrique Farias Ramos, Marco Antonio Melchior, Milton Zamora, Paulo Cesar Garcia Lopes, Paulo João de Oliveira Alonso, Paulo Roberto Gullo, Rafik Hussein Saab, Reinaldo Pedro Correa, Rosana Aparecida da Silva, Valterli Martinez, Vanderlei Barbosa dos Santos

Suplentes: Aguinaldo Rodrigues da Silva, Aldo Minchillo, Antonio Cozzi Junior, Antonio Di Girolamo, Antonio Fojo Costa, Antonio Geraldo Giannini, Célio Simões Cerri, Cláudio Barnabé Cajado, Costabile Matarazzo Junior, Edison Severo Maltoni, Omar Abdul Assaf, Sérgio Vanderlei da Silva, Vilter Croqui Marcondes, Vitor Fernandes, William Pedro Luz

REPRESENTANTES JUNTO AO CONSELHO NACIONAL

Efetivos: Abram Abe Szajman, Ivo Dall’Acqua Júnior, Rubens Torres Medrano

Suplentes: Álvaro Luiz Bruzadin Furtado, Marcelo Braga, Vicente Amato Sobrinho

CONSELHO EDITORIAL | Revista E

Adriana Cruz Macedo, Adriano Ladeira Vannucchi, Airá Fuentes Tacca, Alessandra Gonçalvez da Silva, Aline Ribenboim, Andréa de Oliveira Rodrigues, Beatriz de Oliveira Falasco Zerbini, Bruna Hitos Pereira, Bruna Marcatto da Rocha, Camila Onofre, Carolina Vieira Belizario, Cinthya de Rezende Martins, Danny Abensur, Demetrio de Almeida Leite, Denise Orlandi Collus, Diego Vinicius Teixeira Ferreira, Edmar Rodrigues de Fátima Júnior, Eduardo Santana Freitas, Elisa Helena Oliveira Leite, Emily Fonseca de Souza, Felipe Campagna de Gaspari, Felipe Teixeira Mendes Torres, Felipe Veiga do Nascimento, Fernanda Costa Dorazio, Fernando Hugo da Cruz Fialho, Flávia Pereira Rabaça, Geraldo Cruz e Silva Neto, Geraldo Soares Ramos Junior, Heloisa Pisani, Hildeberto Alves Junior, Ivy Granata Delalibera, José Gonçalves da Silva Junior, José Mauricio Rodrigues Lima, Juliana Viana Barbosa, Karla Priscila Vieira da Silva, Lilian Vieira Ambar, Lizandra Magalhães, Marcel Antonio Verrumo, Maria Lucia Morgante de Miranda, Mariana Lins Prado, Marina Maria Magalhães, Marina Reis, Marina Tomaz Zan, Monique Mendonça dos Santos, Nathalia Veronica Candido da Silva, Patricia Maciel da Silva, Paula Teixeira Amancio Ferreira, Paulo H. Souza Cavalcante, Priscila Machado Nunes, Rachel D'Ipollito de Oliveira Scire, Rafael Nicolas da Silva, Renan Cantuario Pereira, Renata Barros da Silva, Ricardo Carrero da Costa, Ricardo Lemos Antunes Ribeiro, Silvia Cristina Garcia, Stephany Tiveron Guerra, Thaís Cristina Kruse, Thaís Ferreira Rodrigues, Thais Heinisch de Carvalho e Silva, Thays Cabette Barbosa Alves, Ueliton dos Santos Alves, Vitor Penteado Franciscon, Viviane Machado Lemos

Coordenação-Geral: Aurea Leszczynski Vieira Gonçalves

Editora-Executiva: Adriana Reis Paulics • Projeto Gráfico e Diagramação: Bruno Thofer e Larissa Ohori • Edição de Textos: Adriana Reis Paulics, Guilherme Barreto e Maria Júlia Lledó • Revisão de Textos: Cláudio Leite • Edição de Fotografia: Adriana Vichi • Repórteres: Carolina Vieira Belizario, Luna D’Alama, Manuela Ferreira e Maria Júlia Lledó • Coordenação-Executiva: Marcos Ribeiro de Carvalho e Fernando Fialho • Coordenação Editorial Revista E: Adriana Reis Paulics, Guilherme Barreto e Marina Pereira • Propaganda: Daniel Tonus e José Gonçalves

Júnior • Arte de Anúncios: Ariane Ramos de Azevedo, Jucimara Serra e Alexandre Calderero • Supervisão Gráfica: Rogerio Ianelli • Finalização: Bruno Thofer e Larissa Ohori • Criação Digital Revista E: Ana Paula Fraay • Circulação e Distribuição: Nelson Soares da Fonseca

Jornalista Responsável: Adriana Reis Paulics (MTB 37.488)

A Revista E é uma publicação do Sesc São Paulo, sob coordenação da Superintendência de Comunicação Social

Distribuição gratuita. Nenhuma pessoa está autorizada a vender anúncios

Esta publicação está disponível para retirada gratuita nas unidades do Sesc São Paulo e também em versão digital, em sescsp.org.br/revistae e no aplicativo Sesc SP para tablets e celulares (Android e IOS).

Fale conosco: revistae@sescsp.org.br

Urbanista mexicano

Erik Cisneros defende o urbanismo tático como instrumento para melhorias na mobilidade, segurança e bem-estar social nas metrópoles

A importância de repensar formas de habitar as cidades a partir de soluções sustentáveis, biodiversas e integradas à natureza

Fotos de Afonso Pimenta e João Mendes preservam memórias do Aglomerado da Serra, em BH (MG), uma das maiores comunidades urbanas do país

Confira os destaques da programação do mês, entre eles a ação Culturas em Trânsito

Para além do reconhecimento literário mundial, Carolina Maria de Jesus também brilhou na música como compositora e cantora

dossiê entrevista sustentabilidade bio gráfica circo

No picadeiro contemporâneo, pautas sociais e performances inovadoras ampliam o público da arte circense, sensibilizando e encantando os adultos

p.11 p.16 p.24 p.34 p.40

p.54

SUMÁRIO
Adriana Vichi (Entrevista); João Mendes, Série Retratos em Estúdio, Retrato do "Zé Repolho", 1970 (Gráfica)

Artigos de Margarida

Maria Adamatti e Carolinne

Mendes da Silva refletem sobre pioneirismo e desafios das cineastas brasileiras

A poesia por trás das lentes do cineasta Sérgio Tréfaut, que no documentário

Paraíso (2021) retrata o encontro entre música, vida e memórias

Cores, sons e sabores das feiras de rua de São Paulo: um passeio visual pela diversidade desses espaços que, de terça a domingo, preservam a cultura da cidade

em pauta encontros inéditos depoimento almanaque P.S.

p.60

p.66 p.70 p.74 p.78 p.82

Alexandra Pinho Helô D´Angelo Felipe Campagna de Gaspari
Eduardo
D'Angelo
Coelho (Encontros); Helô
(Inéditos); Adriana Vichi (Almanaque)

Numa arena de rodeio montada no Galpão do Sesc Pompeia, a atriz Lucienne Guedes Fahrer laça um boi em cena de Agropeça, novo trabalho do Teatro da Vertigem, em cartaz até 11 de junho. Com texto de Marcelino Freire e direção de Antonio Araújo, o espetáculo mistura o ambiente rural brasileiro com o universo lobatiano do Sítio do Picapau Amarelo para tentar desvendar um país que rumina e ao mesmo tempo agoniza em busca do próprio destino.

9 | e
Ricardo Ferreira em cena

Experiências sensoriais, afetivas e de conhecimento entre as pessoas e as áreas verdes.

Confira a programação: sescsp.org.br/florestar

Confluências culturais

forçado, compartilhando saberes, histórias e valores a partir da representatividade de cada uma.

Com o tema Protagonismo sem fronteiras, a edição deste ano contempla bate-papos e apresentações de teatro, dança e música, além de feiras e atividades na área da alimentação, nas unidades da capital, interior e litoral, durante todo o mês de junho. As ações buscam criar espaços de fala que tragam reflexões sobre identidades, trajetórias, direitos e dignidade humana.

Com o objetivo de criar espaços de reflexão sobre questões que envolvem a situação do refúgio pelo mundo e chamar a atenção para a migração como um direito humano, o Sesc São Paulo realiza, neste mês, a ação Culturas em Trânsito. A programação ocorre no contexto da celebração ao Dia Mundial do Refugiado (20/6) e busca trazer o protagonismo das pessoas que vivenciam condições de deslocamento

“Queremos transitar entre as culturas e permitir intercâmbios; que o deslocamento também seja pelo movimentar de saberes diversos trazidos por migrantes e refugiados. Criar, portanto, espaços para que essas pessoas possam se manifestar por suas próprias falas e ações, por meio de suas identidades, trajetórias e expressões artísticas”, afirma João Doescher, assistente técnico da Gerência de Estudos e Programas Sociais do Sesc São Paulo.

Entre os destaques da programação, o curso Refúgios Humanos para Profissionais da Saúde abrange encontros formativos em que serão compartilhadas experiências, pesquisas e saberes com pessoas em situação de refúgio e migrantes internacionais que deixaram seus países em razão da violação dos direitos humanos. O curso será realizado de 5 a 29/6, no Sesc Carmo, em parceria com a Supervisão Técnica de Saúde Sé, órgão da Prefeitura de São Paulo. No dia 24/6, o Sesc Bom Retiro apresenta Musisa e Luendo, performance inédita que conta com a participação de artistas africanos. E no dia 3/6, o Sesc Interlagos recebe o coral infantil Coração Jolie, projeto da organização não governamental I Know my Rights (IKMR), que reúne crianças de diferentes nacionalidades, cantando músicas brasileiras, tendo o refúgio como tema.

Confira a programação completa: sescsp.org.br/culturas_emtransito

Ação realizada pelo Sesc São Paulo sensibiliza para a temática do refúgio, com atividades nas áreas de teatro, dança, música e alimentação
A cantora Fanta Konatê, de Guiné, apresenta-se no Sesc Itaquera, dia 8/6, acompanhada da banda Troupe Djembedon.
“Queremos transitar entre as culturas e permitir intercâmbios; que o deslocamento também seja pelo movimentar de saberes diversos trazidos por migrantes e refugiados”
João Doescher, assistente técnico da Gerência de Estudos e Programas Sociais do Sesc São Paulo
Fabio Guerra
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LENTE URBANA

Propor reflexões sobre a paisagem urbana e as formas de registrá-la. Esse é o objetivo do curso gratuito Fotografia e Cidade, mais novo lançamento da plataforma de educação a distância do Sesc São Paulo. Com 16

Literatura na praça

O Sesc São Paulo está n’A Feira do Livro, que chega à segunda edição entre os dias 7 e 11/6, em São Paulo (SP). Com entrada gratuita, o evento é organizado pela Associação Quatro Cinco Um e pela Maré Produções, combinando os formatos de

videoaulas conduzidas por Cristiano Mascaro – arquiteto e um dos maiores fotógrafos do país –, o curso aborda temas como o treino da sensibilidade do olhar, a importância de não se desviar dos imprevistos do acaso e o trabalho autoral em artes visuais. Inscreva-se: sescsp.org.br/ead.

Ecos de Césaire

O Sesc Carmo realiza, desde maio, o projeto As ensinagens negras de Aimé Césaire, em homenagem aos 110 anos de nascimento do ensaísta, poeta e político martinicano (1913-2008), pensador dos conceitos de colonialismo e negritude. Em clubes de leitura, bate-papos e cursos, a programação traz discussões sobre suas teorias, bem como as possibilidades de diálogos transatlânticos que atravessam a negritude brasileira. Com a participação de personalidades como a escritora e poeta Auritha Tabajara, o pesquisador Deivison Faustino, o antropólogo e professor Kabengele Munanga e a jornalista e escritora Rosane Borges, entre outros convidados, o projeto, que vai até julho, busca uma abordagem decolonial e interseccional que ecoa as discussões de Césaire. Confira a programação completa: sescsp.org. br/aimecesaire.

feira de rua e festival literário. Montada na Praça Charles Miller, no Pacaembu, bairro da zona oeste da capital paulista, a feira reúne editoras independentes, periféricas, quilombolas e infantojuvenis, além de grupos editoriais multinacionais e atividades paralelas, como mesas de debate e bate-papos com

autores brasileiros e estrangeiros.

O Sesc, apoiador cultural do evento, marca presença com programação no palco da praça, além de um espaço das Edições Sesc com livros à venda e conteúdos integrados à programação sociocultural.

Visite A Feira do Livro: instagram.com/afeiradolivro.

Marco Delfiol (lente urbana)
e | 12 DOSSIÊ
Um dos mais importantes fotógrafos do país, Cristiano Mascaro ministra o curso gratuito Fotografia e Cidade, disponível na plataforma de educação a distância do Sesc São Paulo.

Jairo Goldflus (Livros Falam); Rodrigo Menezes (Molecagens)

LIVROS FALAM

A série documental Super Libris, que neste mês estreia sua terceira temporada no SescTV, reúne escritores e profissionais da área editorial em depoimentos sobre caminhos para a criação de um livro, subjetividades do processo criativo e curiosidades sobre técnicas e estilos literários. A série, que foi

MOLECAGENS

A palavra omodé, em iorubá, abrange os universos da criança. Seu significado percorre o início da vida humana, fase que exige cuidado e encantamento. E é a partir desse conceito que o Sesc Bom Retiro realiza Omodé: Festival Sesc de Arte e Cultura Negra para a Molecada, uma mostra artística e educativa que, entre junho e agosto, oferece apresentações de teatro, dança e música, exibições de filmes, exposição, atividades

criada em 2015, apresenta 21 novos episódios, exibidos todas as terças, às 19h30, e disponíveis sob demanda no site do canal. Entre os convidados desta temporada estão o médico e escritor Drauzio Varella, o quadrinista Mauricio de Sousa, o músico Arnaldo Antunes e a autora Amara Moira. A estreia é celebrada em dois eventos presenciais: no dia 1º/6, o diretor José Roberto

Torero conduz um bate-papo, no Sesc Consolação, sobre a chegada da série ao centésimo episódio; e no dia 15/6, no Sesc Campo Limpo, Torero se reúne com Roberta Estrela D'Alva e Sergio Vaz, convidados dos primeiros episódios da nova temporada, para uma conversa sobre movimentos literários na periferia. Assista à série em: sesctv.org.br/superlibris.

físico-esportivas, ações formativas e bate-papos. O objetivo é celebrar as culturas afro-brasileiras para expandir reflexões sobre as negritudes, a ancestralidade, o antirracismo e a diversidade na infância. Para marcar a abertura do festival, o espetáculo infantojuvenil O Pequeno Herói Preto, com sessões entre 8 e 11/6, narra as aventuras de Super Nagô, um youtuber de 10 anos que descobre seus poderes através da ancestralidade. Confira a programação completa: sescsp.org.br/omode.

O ator Junior Dantas no espetáculo O Pequeno Herói Preto, que recebeu sete indicações ao Prêmio CBTIJ (Centro Brasileiro de Teatro para a Infância e Juventude).
13 | e DOSSIÊ
Para celebrar o lançamento da terceira temporada da série Super Libris no SescTV, o poeta Sergio Vaz participa de bate-papo sobre movimentos literários na periferia, dia 15/6, no Sesc Campo Limpo.

FAÇA SUA CREDENCIAL PLENA

Pessoas que trabalham ou se aposentaram em empresas do comércio de bens, serviços ou turismo podem fazer gratuitamente a Credencial Plena do Sesc e ter acesso a muitos benefícios. São aceitos registro em carteira profissional (com contrato de trabalho ativo ou suspenso), contrato de trabalho temporário, termo de estágio e de jovem aprendiz, e pessoas desempregadas dessas empresas até 24 meses.

Para fazer ou renovar a Credencial Plena de maneira online e de onde estiver, baixe o app Credencial Sesc SP ou acesse centralrelacionamento.sescsp. org.br. Se preferir, nesses mesmos locais é possível agendar horário para ir presencialmente a uma das Unidades (compareça com a documentação necessária).

A Credencial Plena é o acesso para trabalhadores e dependentes ao uso dos serviços e programações nas Unidades do Sesc.

Sobre a Credencial Plena:

• É gratuita

• Tem validade de até dois anos

• Pode ser utilizada nas Unidades do Sesc em todo o Brasil

• Prioriza os acessos às atividades do Sesc

• Oferece descontos nas atividades e serviços pagos

Acesse a matéria Tudo o que você precisa saber sobre a Credencial Plena do Sesc

Faça a sua Credencial Plena online! Baixe o app Credencial Sesc SP ou acesse centralrelacionamento. sescsp.org.br

PARA FAZER OU RENOVAR A CREDENCIAL PLENA DO SESC SÃO PAULO
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Ricardo Ferreira

sescsp.org.br/relicario

ZÉLiA DUNCAN

AO ViVO NO SESC _ 1997

Com músicas do início da carreira, Zélia Duncan mostra neste registro histórico não só sua força como cantora, com sua voz grave marcante, mas também como compositora em um momento de consagração. Gravado no Sesc Pompeia, o álbum Relicário: Zélia Duncan (ao vivo no Sesc 1997) rememora essa fase na trajetória da cantora e traz ainda uma conversa inédita com Zuza Homem de Mello, no projeto "Ouvindo Estrelas".

Relicário: Zélia Duncan (Ao vivo no Sesc 1997)

Disponível exclusivamente no

Visite a loja virtual e conheça o catálogo completo sescsp.org.br/loja

/selosesc

HumaniCIDADE

Urbanista mexicano Erik

Mais de 80% da população brasileira, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), vive em áreas urbanas e repete, dia após dia, a rotina de olhar para o alto e avistar uma cordilheira de arranha-céus. No nível do chão, avenidas e ruas serpenteiam percursos que, no caminho para o trabalho ou a escola, percorremos a pé, de carro, ônibus, metrô ou bicicleta. Talvez possamos, pelo caminho, avistar árvores, escutar pássaros, sentar em algum banco de praça. Na melhor das hipóteses, descansar sob a sombra de algum refúgio verde da cidade, desfrutando momentos de lazer e sociabilização.

Borrados cada vez mais pelo crescimento de novos edifícios, estacionamentos e centros comerciais, desenhos urbanos precisam reconsiderar a urgência de praças, parques e calçadas arborizadas não só para a saúde da população, como também para a biodiversidade da região que ocupam. Segunda cidade mais populosa das Américas, “perdendo” apenas para São Paulo (SP), cuja região metropolitana reúne pouco mais de 22,4 milhões de habitantes, a Cidade do México, capital daquele país e casa de 21,9 milhões de moradores, corre atrás de soluções imediatas por uma resiliência urbana. Afinal, cidades resilientes têm capacidade de resposta e reinvenção diante de adversidades como alagamentos, poluição, violência e desafios de mobilidade.

Adriana Vichi 17 | e entrevista
Cisneros mostra que é possível pensar em soluções eficientes e de baixo custo para mobilidade e promoção de qualidade de vida nos centros urbanos POR MARIA JÚLIA LLEDÓ

Para Erik Cisneros, urbanista mexicano e diretor de engenharia de tráfego na Secretaria de Segurança Cidadã da Cidade do México, é urgente colocarmos em prática o conceito de urbanismo tático. Essa ferramenta visa modificar a dinâmica das grandes cidades ao testar mudanças de planejamento urbano antes de implementá-las permanentemente. Ou seja, a partir de alterações rápidas, reversíveis e de baixo custo, ruas e espaços públicos podem se tornar mais seguros e amigáveis para a sociedade. Em entrevista à Revista

E, após participação na cerimônia de abertura da 29ª edição do Dia do Desafio, realizada no Sesc Belenzinho, em abril passado, Cisneros compartilhou exemplos de projetos que, ao modificarem a paisagem urbana, também interferiram no comportamento das pessoas, gerando um sentimento de pertencimento e cuidado, além de promover convivência, qualidade de vida e bem-estar.

O que é urbanismo tático?

É uma ferramenta que utilizamos em diferentes cidades para gerar mudanças imediatas a baixo custo e com alto impacto. Podemos utilizá-lo em qualquer cidade, rua ou espaço público. Podemos, inclusive, utilizá-lo dentro de edifícios. O que nós buscamos com o urbanismo tático é experimentar projetos ou propostas que poderiam chegar a ser muito caras para serem realizadas e, então, avaliar sua viabilidade posteriormente. O urbanismo tático é uma intervenção que podemos realizar com pintura, mobiliário, vasos de plantas, com ativação das pessoas, com e para as pessoas. Isso nos ajuda a realizar mudanças sociais que podem gerar benefícios à prática de atividade física e esportiva, à segurança da população, à manutenção da infraestrutura do espaço e para que as pessoas se apropriem do seu entorno.

Como urbanista, desde quando você se dedica ao urbanismo tático?

Sou urbanista, mas me transformei em arquiteto, engenheiro e fiscal nas ruas, trabalhando para a cidade, para as pessoas. Há mais de 12 anos venho realizando intervenções urbanas, tendo o urbanismo tático como ferramenta para experimentar desenhos e propostas, para calibrar os mesmos projetos que, às vezes, nós podemos desenhar a partir de um plano ou de um escritório. Levamos esses projetos a campo para que as pessoas vejam como podem ser implementados e como as ruas podem funcionar de uma maneira diferente daquela a qual estamos acostumados.

Poderia compartilhar alguns exemplos de projetos de urbanismo tático que realizou na Cidade do México?

Fizemos muitas intervenções de urbanismo tático e, felizmente, elas evoluíram para obras e construções. Uma das que eu mais gosto se chama Mi Calle (Minha Rua), e está na Avenida 20 de Novembro, que é a continuação de uma via que corta de norte a sul a capital do México, até chegar ao centro da cidade. Conseguimos reduzir essa avenida de cinco para duas pistas e uma ciclovia, ampliando as calçadas, criando espaços públicos e buscando priorizar que as pessoas caminhem, com segurança, até o centro. Em um trecho da rua, de um quilômetro, não havia um só lugar para que as pessoas pudessem se sentar, tampouco havia permanência das pessoas ali até conseguirmos transformá-la em uma das ruas mais atrativas do Centro Histórico, com maior diversidade de pessoas, onde muitas crianças passaram a ocupar um espaço que antes era inimaginável que pudesse existir.

Muito se fala de uma Cidade Amiga da Criança, conceito baseado no programa Child Friendly Cities Initiative (CFCI), do Unicef. Quais critérios definem o que é uma Cidade Amiga da Criança?

A estratégia mais simples é buscar que a velocidade das ruas seja a menor possível para que, em termos de tempo de reação, as crianças sempre tenham prioridade. Um segundo ponto é aumentar os espaços para pedestres, tornando o entorno visível e sem obstáculos visuais para que meninos e meninas possam ver e entender qualquer tipo de risco. Além desses dois elementos, o terceiro é muito importante: usar elementos didáticos, adaptativos e móveis para criar espaços de convivência e de brincar. Ou seja, uma cidade onde nossas crianças ocupem um espaço público com itens que possam estimular a criatividade, que promovam encontros com nossas infâncias e gerem comunidades.

Nosso entorno muda nosso comportamento.
Como mudar de comportamento se o entorno não muda?
e | 18 entrevista

Cada vez mais escassas, áreas verdes em espaços urbanos também se converteram em prioridade nos planos diretores das cidades mundo afora. O urbanismo tático também apresenta essa preocupação?

Sim. Como podemos ver, nossas cidades estão rodeadas de concreto. Então, plantar ou proteger essas áreas verdes é extremamente importante. Quando buscamos fazer plantios urbanos, não fazemos apenas a partir de iniciativas do governo. Sempre fazemos com a comunidade. Levamos mudas de espécies nativas que se adaptam a um determinado lugar para também assegurar que tenham um longo período de vida. Plantamos junto à comunidade, e cada pessoa se torna um guardião desses espaços. Isso é o que tem que acontecer em grande escala: todos os cidadãos devem ser os guardiões das áreas verdes, dos nossos espaços vivos.

Entre as ações que você realiza estão as revitalizações de quadras esportivas, principalmente em cidades mexicanas com alto índice de violência. Estes espaços têm potencial para, de fato, diminuir a insegurança

destes locais e estimular a convivência, a prática esportiva e o lazer?

Precisamos entender que o desenho da quadra destinado a uma prática esportiva é somente uma das muitas atividades que ali podem ser realizadas. As quadras precisam ser espaços dinâmicos e versáteis que permitam qualquer coisa, e que desde a criança até as pessoas mais velhas possam ocupálas. Sendo assim, a transformação dessas quadras com pinturas, desenhos e ativação do espaço público resultam em diferentes oportunidades do que nela pode ser feito e como isso pode ser compartilhado pela comunidade. Claro que as quadras nos aproximam das práticas esportivas e nos estimulam para tal. Mas, o que acontece quando não temos esses espaços? Temos que pensar em áreas dinâmicas, com formas que não necessariamente são retangulares. Espaços que podemos adaptar, porque o objetivo é realizar atividade física e poder, a partir dessa atividade física, promover a convivência e o bem-estar das pessoas do entorno. Por isso, temos que dar abertura a essas pessoas e buscar adaptar esses espaços às suas necessidades.

Resultado de uma ação de urbanismo tático na cidade de Reynosa, considerada uma das mais violentas do México: moradores se reuniram para fazer desenho e pintura de uma quadra que estava deteriorada, e não era ocupada pela comunidade.
19 | e
Erik Cisneros

Poderia nos dar um exemplo de quadra em um bairro considerado violento e como esse espaço mudou o comportamento das pessoas do entorno?

Ter pessoas nas ruas é o que gera segurança. Quando chegamos a esses espaços não ocupados, abandonados, deteriorados, começamos com uma ativação física: colocamos música e realizamos algum tipo de atividade. Quando as pessoas que estão em casa escutam risos e brincadeiras, elas começam a se aproximar. Afinal, somos seres sociais. Nesse momento, saem de casa, começam as interações e as pessoas passam a demonstrar criatividade. Fazemos, todos juntos, uma intervenção artística nas quadras. Aqui, não se trata somente de uma questão estética, mas de promover um orgulho dessa comunidade por uma área onde ninguém queria estar. Ao transformar esse lugar, a comunidade faz com que ele fique bonito e interessante, onde as crianças passam a brincar. As infâncias são as grandes guardiãs dos nossos espaços públicos. Minha geração teve a oportunidade de brincar nas ruas, porém, atualmente, as crianças não podem fazer isso, e temos que fazer algo a respeito. Elas não sabem o quão especial é brincar na rua, aprender, trocar e entender o que é a empatia num exercício prático de convivência.

Como se dá o critério de escolha dos lugares onde são realizadas intervenções de urbanismo tático?

Hoje, se olharmos para as nossas cidades, se pararmos em qualquer esquina, vamos encontrar carências. Basta dedicarmos alguns minutos para conversar com qualquer pessoa, que ela dará um diagnóstico dos problemas do seu entorno. Nossa responsabilidade é buscar as ferramentas, e como técnicos buscar as soluções mais práticas e imediatas para solucionar esses problemas, e que sejam adaptativas. Por exemplo: há alguns dias, moradoras de uma comunidade na Cidade do México nos disseram que havia um problema porque o transporte de cargas estava passando pelas ruas estreitas da comunidade. E nessa rua há uma escola, por isso, muitas crianças costumam caminhar por ali. Quando visitamos o lugar, vimos que o transporte de cargas, com o objetivo de diminuir o tempo de jornada, ocupava essas ruas pequenas e secundárias em vez de ocupar a via principal. Isso era possível porque essas ruas tinham espaço para tal, quando não deveriam ter. Então, o que realizamos foi implementar, com o urbanismo tático, um novo desenho da rua e,

posteriormente, construímos essa mudança. Essa é a maneira mais rápida de fazer intervenções, e isso vai melhorar a segurança do entorno da escola, das pessoas que habitam essa comunidade e das crianças. Dessa forma, os transportes de carga que utilizavam esse percurso tiveram que acessar a via principal, como deveria ser desde o começo.

Que efeitos são percebidos depois de realizadas essas mudanças?

Quando realizamos essas intervenções, é muito especial ver como muda o comportamento das pessoas nas ruas dessas comunidades, locais onde as crianças talvez nem saíssem para brincar, e hoje elas saem. Isso é algo imediato. Os moradores nos veem demarcando com outro desenho a rua, apenas com tinta e fios, se dão conta da solução, e entendem o porquê. Se fizéssemos o desenho em um escritório e depois fôssemos lá aplicar, eles não saberiam o que estava sendo proposto e poderiam seguir preocupados. Mas, enquanto desenhamos no próprio espaço e com a participação deles, eles se sentem donos do projeto e satisfeitos daquilo que estavam reivindicando: a segurança da comunidade.

Em palestras, você já disse que a melhor forma de avaliar a qualidade de um espaço público é pelo número de mulheres e crianças que o frequentam. Por quê?

As cidades, lamentavelmente, foram desenhadas por homens e para homens. Homens jovens em idade produtiva. E temos que retomar e transformar nossas cidades, nossas ruas, entendê-las [como funcionam] ao longo de todo dia, poder iluminar e clarear as ruas. Quando avaliamos os espaços e vemos que não há mulheres e crianças, esse é um grande indicador de que o lugar não é seguro. Porém, é exatamente o contrário do que acontece com a mobilidade nas cidades, pois as mulheres realizam trabalhos de cuidado, são as pessoas que mais se movem e mais transitam diariamente. Elas exercem uma mobilidade mais eficiente e mais extensa que a dos homens, que costumam fazer poucos trechos, como casa-trabalho ou casa-escola. As mulheres fazem mais trechos de viagem e, também está comprovado, caminham mais que os homens. Portanto, temos que transformar as ruas para as mulheres. O trabalho de urbanismo tático começa quando falamos com as mulheres sobre os projetos. Nós somos apenas colaboradores e aliados.

Adriana Vichi 21 | e entrevista

Qual o impacto do urbanismo tático sobre o comportamento da população?

Nosso entorno muda nosso comportamento. Como mudar de comportamento se o entorno não muda?

Ambos caminham juntos, em harmonia. Por isso nós transformamos espaços. Eu não chego a mudar as pessoas, porque eu não conheço a história de cada uma e suas necessidades, mas, busco transformar espaços para gerar outras oportunidades a uma comunidade. É uma forma humilde de nos aproximarmos e gerar oportunidades. Sem julgar, simplesmente propondo mudanças, transpondo barreiras de medos e de negatividade a partir da participação do entorno.

O que ainda impede que ferramentas como o urbanismo tático e outras alternativas sejam implementadas por governantes?

O grande desafio para os governos é que entendam o que está acontecendo nas ruas. Nosso trabalho [como funcionários públicos] é difícil porque nossas administrações nos pedem que estejamos dentro dos escritórios, e o primeiro desafio é mostrar aos profissionais que eles precisam ir para as ruas e vivenciá-las. Quando nós temos a responsabilidade de construir um espaço, de transformá-lo, de realizar sua manutenção ou transformação, temos que ir às ruas. O contato com a cidadania é o mais importante. Esse é um exercício prático. Como quando somos atletas e treinamos para o dia oficial da partida. É impossível ganhar uma partida com

apenas uma pessoa. Sempre tem que haver um trabalho em equipe. E temos que entender que essa equipe não é a equipe do governo ou dos cidadãos, mas de todos.

Você é otimista quanto ao futuro das cidades?

Acredito que as cidades continuarão crescendo e que podemos fazer algo melhor a respeito. A pandemia nos ensinou tantas coisas, foi triste perder tantas pessoas importantes em nossas vidas e em nossas comunidades, mas a pandemia demonstrou que sim, podemos promover mudanças significativas; sim, podemos cuidar uns dos outros; sim, podemos sobreviver ao que vier a acontecer; sim, podemos deixar de usar os carros; sim, podemos nos cuidar em nossas casas e conviver de outra maneira bem diferente. Espero que as pessoas possam ler essa mensagem e deixar de lado, um minuto, as redes sociais, tirar um minuto para pensar como podemos viver de maneira melhor. E que o benefício que eu estou gerando é imediato e conectado com os benefícios do meu entorno. É um efeito cascata.

Assista ao vídeo com trechos da entrevista com o urbanista Erik Cisneros, realizada no Sesc Belenzinho.

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Quando nós temos a responsabilidade de construir um espaço, de transformá-lo, de realizar sua manutenção ou transformação, temos que ir às ruas

Bate-papos, cursos, oficinas e intervenções artísticas que discutem como o preconceito relacionado à idade se manifesta na sociedade.

Programação completa em sescsp.org.br/contraviolencia

FLORESTAR A MENTE

Soluções baseadas na natureza apontam caminhos para a promoção da biodiversidade nos centros urbanos
POR MARIA JÚLIA LLEDÓ
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Craig/Adobe Stock; Olena Sergienko/Unsplash

Antes de se mudar para Altamira (PA), todas as vezes em que a jornalista e escritora Eliane Brum viajava para a Amazônia e retornava ao seu apartamento em Porto Alegre (RS) ou São Paulo (SP), relatava a impressão de ter seu corpo confinado no espaço de dois quartos. “Quem entra na floresta pela primeira vez não sabe o que fazer com os sentidos que sente, com as partes do corpo que desconhecia e que de repente nunca mais a deixará”, descreveu em Banzeiro òkòtó – Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo (Companhia das Letras, 2021). Na metrópole, Brum havia se acostumado a “chavear-se por dentro”, e ter seu corpo restrito, comprimido. A sensação descrita pela autora ilustra também o sentimento compartilhado por parte da população que vive em centros urbanos e que ainda acredita que a natureza é um parente distante que visitamos somente nas férias.

No entanto, cá estamos: matérias orgânicas compostas de 70% de água, dependentes da energia do sol, dos alimentos que brotam da terra, dos animais e insetos responsáveis pela polinização de plantas e por outros ciclos vitais de um ecossistema do qual, sim, somos integrantes. Habituados à expressão “selva de pedra”, esquecemos que cidades como São Paulo também são habitadas por uma diversidade de espécies, e que sob o asfalto correm mais de três mil quilômetros de rios e córregos. Mas, será que temos consciência do nosso habitat? Como estamos nos relacionando com a fauna e a flora urbanas, e que ações podemos realizar, e reivindicar, pela biodiversidade nas metrópoles?

Na última década, o conceito de Soluções baseadas na Natureza (SbN), aplicado nos centros urbanos, vem ganhando visibilidade mundial. Embora sua essência seja praticada há mais tempo, o objetivo é trabalhar pela resiliência urbana das cidades [Leia a Entrevista com o urbanista mexicano Erik Cisneros, nesta edição] a partir de projetos sustentáveis como: jardins de chuva, parques lineares, restauração de encostas e agricultura urbana. “De modo geral, o conceito de SbN propõe que os desafios relacionados ao meio ambiente, à biodiversidade e à sociedade devem ser abordados de forma conjunta, a partir de soluções sinérgicas a estas problemáticas”, descreve a Revista LABVERDE, do Laboratório VERDE da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), publicada em dezembro de 2021.

Adriana Vichi; Fábrica de Árvores (Novas Árvores Por Aí)

AÇÕES CONJUNTAS

Iniciativas que partem da sociedade tomam a dianteira nesse cenário e envolvem tanto a população quanto o poder público a partir da premissa: “os problemas são globais, mas a ação precisa ser local”, como costuma dizer o engenheiro e permacultor Guilherme Castagna, sócio-fundador do Fluxus Design Ecológico. Em 2020, o Fluxus projetou e apoiou a implantação de jardins de chuva na esquina da Rua Décio com a Rua das Uvaias jardins de chuva nas ruas das Uvaias e Décio, no bairro Vila Mariana, zona sul de São Paulo, em parceria com o Instituto Ecobairro, a Subprefeitura da Vila Mariana, o Sesc Vila Mariana, moradores do bairro e outras instituições.

Considerado uma SbN, o jardim de chuva contribui para a filtração das águas pluviais no solo, minimizando alagamentos e promovendo a melhoria do microclima, ao reduzir a temperatura do entorno e aumentar a umidade e a qualidade do ar. Essa alternativa também fornece abrigo e alimento a aves e insetos e estreita a relação entre a população e áreas verdes. Hoje a cidade de São Paulo conta com 228 jardins de chuva distribuídos nas zonas norte, sul, leste, oeste e centro, segundo dados da Prefeitura de São Paulo. Um número que precisa se alastrar, dadas as proporções da cidade.

Construído num nível abaixo da rua, esse tipo de projeto leva em consideração diversos estudos que, de acordo com o engenheiro, incluem: tipo de solo, capacidade de

Uma floresta de bolso em meio à selva de pedra: próximo ao Largo da Batata, o Largo das Araucárias é resultado de muitas mãos, como a iniciativa Novas Árvores Por Aí.
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sustentabilidade

EU QUERO TRAZER A MATA ATLÂNTICA, OUTRA VEZ, PARA O ESPAÇO

QUE

SEMPRE FOI DELA

Hélio da Silva, plantador de árvores

filtração, espécies de plantas e arranjo de plantio, além de maneiras de proteger e conectar todos esses elementos para que a água sempre tenha um fluxo. “É incrível quando a gente oferece oficinas em espaços abertos e atividades que envolvem as pessoas, bem como capacitá-las para levar essas propostas adiante. Outros, curiosos, colocam a mão na massa, vivenciam o escavar, arrancam uma capa de asfalto e olham o pedaço de terra embaixo, que não via a luz há 40, 50 anos. Isso é muito poderoso, porque transforma a percepção da pessoa, de um jeito que ela nunca mais vai olhar para um asfalto e para um terreno livre da mesma forma. E ela vai compartilhar esse entendimento com outras pessoas”, observa Castagna.

Outra ação que busca revelar a biodiversidade do espaço urbano e, principalmente, engajar mais pessoas na criação de áreas verdes, foi criada pelo ambientalista Nik Sabey em 2016. A iniciativa Novas Árvores Por Aí realiza, entre outras atividades, plantios coletivos, cultivando espécies nativas da Mata Atlântica em seu habitat natural. Do hobby de plantar mudas a caminho do trabalho ou nas horas de folga, Nik amadureceu a ideia de somar mais parceiros para potencializar suas ações. “O Novas Árvores vem para sugerir uma postura ativa. Quando a gente fomenta o plantio e faz mutirões, principalmente através das redes sociais, a ideia é que isso reverbere, que as pessoas se sintam capazes de replicar em seus bairros e cidades”, explica.

Erich Sacco/Adobe Stock; Adriana Vichi

Entre as realizações do Novas Árvores está o Largo das Araucárias, cultivado em 2016, nos moldes de uma floresta de bolso, próximo ao Largo da Batata, zona oeste da cidade. A ação realizada junto ao paisagista Ricardo Cardim, teve também a parceria do arquiteto Sergio Reis, das iniciativas Flores no Cimento, Árvore Generosa, Fábrica de Árvores, e de voluntários, além do apoio da Subprefeitura de Pinheiros, que permitiu o plantio coletivo em dois pequenos terrenos. Num deles, inclusive, chegou a funcionar um posto de gasolina. “Na época, acho que plantamos 300 árvores, mas a intenção da floresta de bolso é que as espécies possam ir se substituindo, ou seja, algumas têm uma vida mais curta exatamente para proporcionar uma competição com outras. Dessa forma, uma acelera o crescimento do grupo”, conta Nik. Em poucos meses, os transeuntes viram se formar um oásis verde em meio ao concreto. Hoje, o ambientalista contabiliza, aproximadamente, 150 árvores no local, entre araucárias, figueiras, jatobás, araçás, e até mesmo uma Figueira das Lágrimas, “uma das árvores mais antigas na cidade, de que se tem registro”, destaca Nik.

JARDINEIRO FIEL

Sem ajuda do poder público ou de iniciativas da sociedade civil, o administrador de empresas aposentado Hélio da Silva empreendeu um voo solo há 20 anos. Uma cruzada pela ampliação e preservação da Mata Atlântica às margens do Córrego Tiquatira, no bairro da Penha, zona leste da cidade, que resultou na criação do Parque Linear de Tiquatira, primeiro desta modalidade na capital. Seu Hélio, como é conhecido, brinca que, assim como o personagem-título do filme Forrest Gump (EUA, 1994), sua história parece, à princípio, obra de ficção.

É que desde 2003, ele vem plantando, regando e cuidando, ininterruptamente, de milhares de espécies nativas no entorno das avenidas Governador Carvalho Pinto, Doutor Assis Ribeiro e Cangaíba, ao longo do córrego. No começo, das 200 mudas que cultivou, todas foram arrancadas. Depois, fez o

Em 20 anos, o aposentado Hélio da Silva já plantou mais de 39 mil árvores nas margens do Córrego Tiquatira, zona leste de São Paulo: a ação resultou na criação do primeiro parque linear da cidade, em 2008.

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plantio de outras 400 mudas, que também foram extirpadas. Mas ele não desistiu. “Eu via que o meu bairro estava ficando cada dia mais degradado, uma região paupérrima em infraestrutura, em verde. Pensei: se eu moro ali, por que não posso fazer algo a respeito? Não foi um desafio, foi uma missão. Eu quero trazer a Mata Atlântica, outra vez, para o espaço que sempre foi dela”, desabafa.

E lá se vão duas décadas desde a primeira árvore num lugar que antes era um terreno árido, com caixas e sacos de lixo, e que era considerado perigoso no bairro. Em 2008, com o apoio dos moradores, o espaço recebeu o suporte oficial da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, que ali criou o Parque Tiquatira.

Com a meta de plantar 50 mil árvores, Seu Hélio já contabiliza 39 mil e 800 “filhas”, como se refere –número calculado no dia 11 de maio deste ano, pois ele faz as contas periodicamente. A única coisa de que já perdeu a conta foi do número de pessoas que o abordam todos os dias no parque para agradecer, cumprimentar ou simplesmente tirar dúvidas sobre as espécies – mais de 150, como jequitibás, aroeiras, jacarandás, entre outras – que sombreiam os percursos de caminhada e de pausa para contemplação da natureza e sociabilização dos frequentadores.

“Se eu for à Avenida Paulista e perguntar para qualquer pessoa onde ela gostaria de tirar férias, ela vai me dizer que na praia ou na montanha. Ou seja, as pessoas gostam da natureza, e a natureza é o nosso melhor remédio, ela cura. Por isso, meu objetivo é arborizar. Olha como a árvore é generosa, nos dá sombra, regula o clima, atrai pássaros, dá flores, frutos, e tudo de graça. O homem, um dia, tenho certeza absoluta, vai entender a linguagem das árvores”, compartilha o plantador de árvores, como gosta de ser chamado.

AMPLIAR HORIZONTES

Mudar a forma como olhamos para o ambiente onde estamos integrados e nos responsabilizarmos pelo nosso entorno será a mais importante virada de chave da humanidade no século 21. “A gente já faz parte de uma geração que se acostumou, por exemplo, a olhar para o Rio Tietê e ver aquele canal feio de concreto, que exala um cheiro horrível. Não tem nada de normal nisso. Então, uma educação ecológica é fundamental no sentido de entender o oikos [palavra grega cuja

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ISSO É MUITO PODEROSO, PORQUE TRANSFORMA A PERCEPÇÃO DA PESSOA, DE UM JEITO

QUE ELA NUNCA MAIS VAI OLHAR PARA UM

ASFALTO E PARA UM TERRENO LIVRE DA

MESMA FORMA. E ELA VAI COMPARTILHAR

ESSE ENTENDIMENTO COM OUTRAS PESSOAS

Guilherme Castagna, engenheiro e permacultor

pronúncia é ecos], a ecologia como o estudo da casa, e o estudo da nossa casa maior que é o planeta”, acredita o engenheiro e permacultor Guilherme Castagna.

O ambientalista Nik Sabey endossa a importância de reavaliarmos nossa relação com a biodiversidade nos espaços urbanos. “A árvore condensa muitas soluções: ela reduz a temperatura, garante áreas permeáveis, reduz o impacto das chuvas – ou seja, a chuva primeiro passa pelo filtro das árvores, de suas copas –, além de umidificar o ar e dar abrigo para a fauna. Eu acho que a aproximação de todo esse universo das árvores, das soluções e da inteligência da natureza mostra para as pessoas que ainda não entenderam porque a gente deve preservar e plantar.”

Ainda que no Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo – lei que orienta o crescimento e o desenvolvimento urbano de toda a cidade – a dimensão ambiental desempenhe papel fundamental na estruturação e ordenação territorial, repensar o modelo de urbanização exige a participação e a vigilância constante da sociedade. E para que isso aconteça,

precisamos nos enxergar como seres da natureza, aponta a ambientalista Ângela Mendes, filha de Chico Mendes (1944-1988), e presidenta do comitê que carrega o legado de seu pai. Assim como o seringueiro e líder ambiental, Ângela explica que, se antes acreditava estar lutando para salvar a Floresta Amazônica, hoje ela percebe que está lutando para salvar a humanidade.

“As pessoas vivem cansadas, esgotadas, e a gente sabe, por exemplo, que é muita informação todo tempo, com a internet, que é muito boa porque informa, mas também vai afastando as pessoas, cada vez mais, desse elemento íntimo que nos liga ao mundo. Acho que é preciso se dar momentos de pausa e de reflexão para olhar o entorno, olhar o que tem à sua volta e tentar se enxergar nesse lugar. Entender os milagres da natureza, como uma semente de samaúma, a rainha da Floresta Amazônica [árvore que chega a ter 60 metros de altura, 40 metros de copa e três metros de diâmetro].

A gente sabe que não é uma tarefa fácil no mundo de hoje, mas é necessário”, ressalta a ambientalista, que participará, neste mês, do Festival Florestar, realizado pelo Sesc São Paulo [Leia Somos Natureza].

Fotos: Adriana Vichi 31 | e

sustentabilidade / para ver no sesc

SOMOS NATUREZA

Cursos, oficinas, debates, plantios e outras ações compõem primeira edição do Festival Florestar

Essenciais à manutenção de todas as formas de vida, reservas ecológicas, parques estaduais, florestas nativas, parques urbanos, praças, jardins e outros tipos de áreas verdes têm cada vez mais importância reconhecida, especialmente nos grandes centros urbanos. Não só pelos serviços ambientais que exercem – melhoria da qualidade do ar, absorção de águas pluviais, equilíbrio do clima e preservação da biodiversidade –, mas também por seu aspecto cultural. Para o Sesc São Paulo, que realiza, entre 4 e 18 de junho, a primeira edição do Festival Florestar, as áreas verdes em ambientes urbanos ainda potencializam diferentes ações educativas e promovem a convivência e o bem-estar.

“O Sesc possui seis vezes mais áreas verdes do que área construída no conjunto de suas unidades no estado de São Paulo. São jardins, hortas, bosques e áreas gramadas onde se pode conviver, caminhar e sentir a natureza. Gostamos quando as pessoas tiram os calçados e sentem a grama, sobem nas árvores e tocam as folhas, isso nos faz natureza. E estas áreas verdes promovem qualidade do

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ar, conforto térmico e ainda são espaços educativos e de fruição para quem visita as unidades”, descreve Alessandra Gonçalves, assistente técnica da Gerência de Educação para Sustentabilidade e Cidadania do Sesc São Paulo.

No mês em que se celebra o Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho), o Festival Florestar pretende ampliar o debate sobre a importância da sociobiodiversidade, reunindo diversas atividades em todo o estado, como debates, vivências, exposições, exibições de filmes, oficinas e outras ações educativas. Dividida em três eixos – Florestar o pensamento, Florestar a terra e Nós, florestar –, a programação também se estende para ruas, praças, jardins, parques e territórios vizinhos às unidades do Sesc.

“Ao realizar atividades com essa tônica, o Sesc busca potencializar conexões entre espaços naturais e construídos, influenciando mais interações sociais e sensibilizando pessoas de todas as idades quanto aos impactos ambientais causados pelas diferentes relações construídas ao longo do tempo entre sociedade e natureza”, explica Alessandra Gonçalves.

Confira destaques da programação:

AVENIDA PAULISTA

Amigos do jardim

Qual a importância dos insetos na natureza, como por exemplo as joaninhas? Neste curso, conheça características gerais dos insetos, as diferentes fases de desenvolvimento e a relevância deles em espaços verdes da Avenida Paulista.

De 4 a 18/6. Quintas e domingos, às 15h (exceto dia 15/6). GRÁTIS (retirada de ingressos 30 minutos antes).

GUARULHOS

Botânica para iniciantes

Curso teórico e prático que apresenta história, conceitos e técnicas da tradicional ciência que estuda os vegetais e fungos. Com Escola de Botânica.

De 13 a 29/6. Terças e quintas, às 18h30. Inscrições: R$ 12 a R$ 40.

ARARAQUARA

Como identificar e atrair aves para nosso quintal Vivência para identificação de espécies por meio da observação e audição do canto dos pássaros. Os participantes

para ver no sesc / sustentabilidade

constroem um comedouro para as aves do seu quintal. Com o fotógrafo e observador de aves silvestres Gabriel Arroyo.

Dia 17/6. Sábado, às 14h30. GRÁTIS (retirada de senhas 30 minutos antes).

PRESIDENTE PRUDENTE

Emergência climática e racismo ambiental Bate-papo que discute a relação entre as questões socioambientais e as desigualdades raciais e sociais no Brasil, a fim de propor soluções para o enfrentamento da crise climática e civilizatória. Com Amanda Costa e Marcelo Rocha.

Dia 15/6. Quinta, às 20h. GRÁTIS.

Mais informações: sescsp.org.br/festivalflorestar

Fotos: Freepik
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O Encontro dos abraçadores de árvores – você conhece mesmo esses seres incríveis? acontece nos dias 10 e 11/6, no Sesc Guarulhos, e também integra a programação do Festival Florestar. Carolina Maria de Jesus em embarque para o Uruguai, no Aeroporto de Viracopos (SP), em 1961.

Jóia RARA

Os múltiplos talentos de Carolina Maria de Jesus, que desafiou as estatísticas e tornou-se uma

mais importantes personalidades da cultura do país

Em 1960, quando publicou seu primeiro livro, Quarto de despejo: diário de uma favelada, Carolina Maria de Jesus (1914-1977) tinha 46 anos de idade e três filhos pequenos, que criava e educava sozinha, enquanto trabalhava como catadora de papéis e materiais recicláveis. Até ali, ela possuía uma trajetória que, mais do que aproximar, a distanciava, de modo categórico, de outros nomes da literatura brasileira: negra, periférica e de pouca escolaridade. No entanto, para além do diário que a tornou mundialmente conhecida, Carolina explorou, ao longo das décadas, outras linguagens que reafirmaram seus diversos talentos. Escreveu romance, poesias, contos, peças de teatro e provérbios. Também compôs e interpretou as 12 músicas do LP Quarto de Despejo: Carolina Maria de Jesus cantando suas composições, gravado em 1961, e que acaba de ganhar uma releitura pelo Selo Sesc com o álbum digital Bitita – As composições de Carolina Maria de Jesus

[Leia em Vozes de Carolina]. Os sambas e marchinhas da artista orquestram outra faceta desta mulher múltipla que, embora profundamente marcada pela pobreza e pelo racismo, conduziu a vida com ousadia e resiliência.

“As imagens mais difundidas de Carolina são aquelas nas quais ela aparece de lenço branco cobrindo o cabelo, tendo os barracos e a favela como paisagem, como pano de fundo. Essas imagens reforçam, de alguma forma, essa visão da autora como uma escritora favelada, alimentando um certo fetiche que a mídia branca e racista tem pela pobreza e o sofrimento negros”, analisa a historiadora Rosa Couto. As composições da escritora mineira revelam, no entanto, segundo Rosa, uma artista inquieta – definição que, em sua visão, representa bem quem foi Carolina Maria de Jesus.

“Ela era uma mulher curiosa, que não aceitava ser limitada. Por isso, permitiu-se compor e cantar as próprias músicas.

das
Estadão Conteúdo 35 | e bio

Acredito que ela tenha lutado para deixar registros sobre sua passagem pelo mundo, para expor suas ideias, seus afetos, suas opiniões políticas, seus comentários sociais. Fez tudo isso com as ferramentas que tinha disponíveis: caneta, papel, voz, musicalidade. Vejo isso como uma forma de resistir ao historicídio, ao apagamento histórico que afeta a população negra no Brasil, de modo geral. Como uma recusa a ser esquecida ou silenciada”, reflete a historiadora.

NOVOS OLHARES

As tais imagens, como a do lenço branco cobrindo o cabelo, ou aquelas em que Carolina observa o interlocutor com um semblante melancólico e cabisbaixo ocultam, ainda, a mulher vaidosa que a artista era. Gostava de aparecer elegante nos muitos eventos para os quais era convidada após o enorme sucesso de vendas do seu livro de estreia. Tinha predileção por casacos, lenços coloridos, adornos nos cabelos e, criativa, às vezes fazia seus próprios colares. “De todas as imagens de Carolina Maria de Jesus, a minha preferida é a do aeroporto. Carolina bem vestida, de cabelos livres, uma mala no chão, uma revista na mão e uma bolsa bonita, sorrindo, em frente a um avião da Air France no Aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP), um voo que a levaria para o Uruguai para acompanhar o lançamento de seu livro Quarto de despejo”, escreveu a escritora e jornalista Ana Paula Lisboa, em artigo publicado no jornal O Globo de 25 de agosto de 2021.

A fotografia em questão, de 13 de dezembro de 1961, exibe a escritora sorridente, de vestido estampado e pérolas no pescoço. “Dizem que ela era muito conhecida pelos funcionários do aeroporto por viajar frequentemente. Quantas mulheres negras pegavam um avião em Viracopos em 1961? É óbvio que ela seria reconhecida pelos funcionários; quando somos únicas, é mais fácil guardar o rosto. Todas as coisas escritas sobre Carolina deveriam ser ilustradas com essa foto. O verbete ‘sucesso’ no dicionário deveria ser ilustrado por essa imagem”, destacou Ana Paula Lisboa em seu artigo.

FLORES E ESPINHOS

Menos de dois anos antes da viagem ao Uruguai, a escritora morava na antiga favela do Canindé, na região central da capital paulista. A comunidade – definida por

do Sesc São Paulo? Somente em 2022, foram 963 empréstimos registrados

Carolina como o "o quarto de despejo da sociedade" – era a porta de entrada para os imigrantes pobres que ancoravam numa São Paulo em pleno crescimento urbano. Chegou ao Canindé sozinha, no final dos anos 1940. Nascida em uma comunidade rural da cidade de Sacramento, no sudoeste de Minas Gerais, Carolina trabalhou como empregada doméstica, lavadeira e passadeira até engravidar e perder os empregos. A literatura a acompanhou desde criança, quando, alfabetizada por uma professora, recebeu os primeiros incentivos para escrever.

“As composições de Carolina Maria de Jesus revelam o cotidiano da vida na favela, coisas que ela via e vivia, uma outra forma de diário”, observa Rosa Couto. Afiada e perspicaz, a artista cantou na irônica Vedete da Favela: “Conhece a Maria Rosa?/ Ela pensa que é a tal/ Ficou muito vaidosa/ Saiu seu retrato no jornal/ Maria conta vantagem/ Que comprou muitos vestidos/ Preparou sua bagagem/ Vai lá pros Estados Unidos”. Já em Ra, Re, Ri, Ro, Rua, a compositora retratou a violência doméstica que testemunhava entre as vizinhas. “Você chega de madrugada/ Fazendo arruaça e xaveco/ Além de não comprar nada/ Ainda quebra os meus cacareco”. Nas linhas de O Pobre e o Rico, por sua vez, Carolina fez uma reflexão sobre as condições adversas das classes sociais. “Pobre não envolve nos negócio da nação/ Pobre não tem nada com a desorganização/ Pobre e rico vence a batalha/ Na sua pátria rico ganha medalha”.

Você sabia que a obra “Quarto de despejo: diário de uma favelada” é o livro mais emprestado pelas bibliotecas das unidades
Arquivo Nacional e | 36 bio

Registro de 1960, autografando o livro Quarto de despejo: diário de uma favelada

OUTRAS TERRAS

Foi no Canindé que nasceram os três filhos da escritora: João José de Jesus, José Carlos de Jesus e Vera Eunice de Jesus Lima. Apesar de ter despertado muitas paixões, Carolina optou por não se casar – dizia que não queria estar presa a um matrimônio infeliz e permeado por agressões físicas. “A mulher da favela tem que mendiga e ainda apanha, parece tambor. De noite, enquanto elas pede socorro, eu tranquilamente no meu barracão ouço valsas vienenses. Não invejo as mulheres casadas da favela que levam vida de escravas indianas”, registrou Carolina em Quarto de despejo

Revelada ao público pelo jornalista Audálio Dantas (1929-2018), Carolina publicou, ainda em vida, as obras Pedaços da fome (1963), romance ficcional, e Provérbios (1963). Entre os trabalhos póstumos, estão Diário de Bitita (1986) e Clíris: Poemas recolhidos (1996). Nenhum, entretanto, alcançou o mesmo sucesso do fenômeno editorial de Quarto de despejo, que vendeu mais de 100 mil cópias no seu primeiro ano de publicação. Graças aos

rendimentos obtidos com seu livro de estreia, a escritora teve a vida transformada do dia para a noite. O barraco precário, erguido com sobras de madeira e telhas de amianto, às margens do Rio Tietê, deu lugar às casas de alvenaria para onde se mudou com os filhos – inicialmente, viveram no município de Osasco, na Grande São Paulo e, em seguida, nos bairros de Santana e Parelheiros (nas zonas norte e sul paulistanas, respectivamente).

Em maio de 1960, Carolina registrou impressões sobre a nova fase nos diários que deram origem ao livro Casa de Alvenaria: diário de uma ex-favelada (1961). O cotidiano, menos duro, dava vez a reflexões de escrita suave. “Poder comprar roupas para mim. Tudo em mim está despertando. Eu estou pensando nuns brincos, colares e vestidos bonitos e eu vou visitar um dentista. (...) Nas ruas o povo dava-me os parabens. Quando passo perto de um onibus, ouço: olha a mulher que escreve!”. No terreno da casa de Parelheiros, ela plantou um jardim – a escritora adorava rosas. Sobre o local onde viveu até o fim da vida, escreveu: “29 de março. No meu jardim tem uma roseira. As crianças colhem as rosas para brincar. Não revolto porque nascem outras flôres”.

Coleção
Ruth de Souza
Abotoando o vestido da atriz Ruth de Souza, na favela do Canindé, na região central da capital paulista, em 1961: a atriz fez o papel da escritora em adaptação para o teatro da obra Quarto de despejo: diário de uma favelada, sob direção de Amir Haddad.
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Novas perspectivas sobre a trajetória de Carolina Maria de Jesus permitem ver, também, uma mulher apaixonada por música e Carnaval. Há uma emblemática imagem, capturada pela escritora Zélia Gattai (1916-2008) em fevereiro de 1963, que prova tal relação: a artista mineira, festiva, posando com um traje de tecidos brilhantes, penas e plumas, costurado por ela mesma, pronta para a folia.

“Carolina [está] linda, produzida para o Carnaval, esse momento icônico para a cultura afrobrasileira, quebrando essa imagem de ‘pobreza’ e ‘sofrimento’”, comenta a historiadora e pesquisadora Rosa Couto. Essa mesma imagem, aliás, compôs a exposição Carolina Maria de Jesus: um Brasil para os brasileiros, que esteve em cartaz no Sesc Ribeirão Preto e no Sesc

Sorocaba. O álbum digital Bitita –As composições de Carolina Maria de Jesus (2023), lançado pelo Selo Sesc, inspira-se nesta faceta para destacar a grandeza musical da escritora, que transformava em melodias as contradições e desigualdades que testemunhava.

Em Bitita, o protagonismo está nas diversas vozes e no batuque. A responsável pela produção e direção musical do disco é a percussionista Sthe Araújo, que convidou as intérpretes Nega Duda e Girlei Miranda, integrantes do bloco afro Ilú Obá De Min, além de Mestre Nico, multiartista recifense radicado em São Paulo (SP).

As escolhas sonoras, instrumentação, arranjos e vozes dão vida às canções de Carolina Maria de Jesus ao passo

para ver no sesc / bio

VOZES DE CAROLINA

Disco digital lançado pelo Selo Sesc recupera obra musical da autora de Quarto de despejo

que dialogam com registros da história e com a produção cultural contemporânea. “Esse processo diz muito sobre a cena musical paulistana negra e independente, desde sempre muito fértil, mas, atualmente, bastante agitada por artistas que estão trazendo à tona trabalhos conscientemente mergulhados na arte negra brasileira e suas referências históricas”, ressalta Rosa Couto.

SELO SESC

Bitita – As composições de Carolina Maria de Jesus (2023)

Produção e direção musical de Sthe Araújo Disponível nos principais tocadores de áudio e em sesc.digital/album/ bitita-carolina-maria-de-jesus.

Ricardo Ferreira
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Responsável pela produção e direção musical do álbum Bitita, a percussionista Sthe Araújo (à direita) toca ao lado de Girlei Miranda, do bloco afro Ilú Obá De Min.

RETRATOS DE UM POVO

A beleza da vida cotidiana do Aglomerado da Serra, em BH, uma das maiores comunidades urbanas do país, pelas lentes de João Mendes e Afonso Pimenta POR LUNA D’ALAMA

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Elana dos Santos, série Baile Black Soul (1985), foto de Afonso Pimenta.

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Única cordilheira do Brasil, a Serra do Espinhaço estende-se por mil quilômetros entre os estados de Minas Gerais e Bahia. No limite sul de Belo Horizonte, essa cadeia montanhosa recebe o nome de Serra do Curral, onde, há mais de um século, formou-se o Aglomerado da Serra, uma das maiores comunidades urbanas de Minas Gerais e do país. Composta por oito vilas, consideradas um complexo pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a região reúne entre 50 mil pessoas (segundo dados oficiais) e 150 mil (de acordo com lideranças comunitárias). A maioria de seus primeiros habitantes veio do interior mineiro para ajudar na construção da capital, ou em busca de emprego, sem ter onde morar.

Ao longo das últimas duas décadas, o artista visual e curador Guilherme Cunha desenvolve um trabalho social nesse aglomerado periférico, onde descobriu um movimento de 12 fotógrafos que registravam, desde os anos 1960, o dia a dia dos moradores. Essa pesquisa resultou num projeto que deu origem a duas exposições e ao livro fotográfico Memórias da Vila – Histórias dos Moradores da Comunidade da Serra (Circuito, 2016).

Atualmente, Cunha se concentra em dois desses profissionais – João Mendes e Afonso Pimenta – e, a partir de um acervo de 250 mil imagens catalogadas e preservadas, ou restauradas digitalmente, fez uma seleção de 320 para compor a mostra Retratistas do Morro [Leia mais em Da beca ao black]. “Essa história começa com senhoras da comunidade que diziam que seus netos não iriam saber das lutas que elas haviam travado para conquistar tudo o que conseguiram. O primeiro fotógrafo que encontramos, Seu Adão, hoje trabalha como serralheiro, e jogou todo o acervo no lixo uma semana antes da minha visita. Portanto, esse é um trabalho de resgate da tradição oral, de preservação da memória e de luta por igualdade simbólica na representação imagética, pois reflete a realidade de toda uma população [sobretudo negra] que construiu o país, as metrópoles, e que batalha por moradia e direitos fundamentais”, destaca o curador.

Ainda em atividade, na casa dos 70 anos, os fotógrafos João Mendes e Afonso Pimenta (e seus retratados) são as estrelas da exposição e de um documentário homônimo lançado em 2020. Mendes mantém, desde a década de 1970, um estúdio na entrada da comunidade, onde Pimenta trabalhou como seu assistente por alguns anos. Enquanto o primeiro se dedicou a retratos, o segundo focou no “corpo a corpo”, como ele mesmo define: ir até as pessoas para clicá-las em aniversários, batizados, festas de 15 anos, casamentos, desfiles e bailes black

“Foi a mãe do João quem lhe pediu para me dar um emprego de ajudante, ao me ver em má companhia na rua. Eu lavava as fotos, cortava, colocava para secar. Trabalhei também como gari por mais de uma década, mas a fotografia sempre esteve impregnada em mim”, conta Pimenta, nascido em São Pedro do Suaçuí (MG). “Estou aposentado há 17 anos e ainda fotografo, mas bem menos, porque o celular chegou e abocanhou boa parte da minha clientela. Já participei de exposições e é uma satisfação saber que meu trabalho está sendo reconhecido, pois eu pensava que ficaria restrito aos becos da comunidade”, completa.

Natural de Iapu (MG), no Vale do Rio Doce, João Mendes está na profissão há quase cinco décadas – três dessas dedicadas a fotografar alunos de beca ao fim da pré-escola. “Comecei em 1965, ainda adolescente, na cidade de Ipatinga (MG). Tenho clientes de várias gerações e não pretendo parar, estou firme e forte”, diz. Para o curador Guilherme Cunha, a história do Brasil é um espaço cheio de vazios, com grandes distorções. “O simples ato de não se preservar um material é capaz de provocar o seu desaparecimento. Portanto, a memória precisa de um esforço coletivo de conservação, de um empenho tão amplo e diverso quanto a multiplicidade de populações que existem neste país. Temos que cuidar do nosso lastro simbólico, dos elementos (imagens, signos e patrimônios) que nos representam”, finaliza.

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Fernando Black, série Baile Black Soul (1987), foto de Afonso Pimenta. Marcelo Santos, Renata "Negona" e Marcelino Antônio Braga de Oliveira "Ganso", série Baile Black Soul (1986), foto de Afonso Pimenta.
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Adailson Pereira da Silva, série Baile Black Soul (1985), foto de Afonso Pimenta. Aniversário de 6 anos da Renatinha (1988), foto de Afonso Pimenta.
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Tereza e filho (1987), foto de Afonso Pimenta. João Pereira e sua neta Ester (1987), foto de Afonso Pimenta. Série Becas (1985), foto de João Mendes.
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Marcelo (1985), foto de João Mendes.

Série Retratos em Estúdio, fotos de João Mendes. Da esquerda para a direita, na primeira linha: Pelé (1978), Sem título (1970) e Retrato do João Batista Cruz "Joãozinho do açougue" (1979); na segunda linha: Retrato da Fátima (1979), Retrato de João Cardoso (1979) e Retrato de Sônia Cristina da Silva (1979); na terceira linha: Sem título (1970), Sem título (1970) e Sem título (1979).

DA BECA AO BLACK

Exposição Retratistas do Morro revela o dia a dia de uma comunidade da capital mineira entre os anos 1960 e 1990

As identidades, os modos de vida, as lutas e as conquistas de moradores do Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte (MG). Contadas a partir das visões de mundo deles próprios, estão presentes na exposição Retratistas do Morro, no Sesc Pinheiros, em cartaz entre 20 de junho e 20 de novembro. Sob curadoria de Guilherme Cunha, a mostra é dividida em três núcleos visuais (becas, bailes e retratos) e percorre o período entre o fim dos anos 1960 e o início dos 1990, um momento de intensa produção dos fotógrafos João Mendes e Afonso Pimenta.

“Nosso objetivo é que as imagens tragam a presença desses corpos para o espaço expositivo. Queremos que as fotografias não representem, mas apresentem essas pessoas. Será um momento de encontro”, explica.

A mostra também reúne áudios de entrevistas com os fotógrafos e fotografados. “O Sesc São Paulo entende como fundamental a preservação das

memórias e patrimônios culturais que apresentam experiências coletivas das populações brasileiras. Assim, na exposição, convivem lado a lado registros fotográficos e testemunhos orais destes protagonistas, permitindo ampliar percepções e pontos de vista sobre as realidades que nos cercam”, afirma Juliana Braga de Mattos, gerente de Artes Visuais e Tecnologia do Sesc.

para ver no sesc / gráfica

PINHEIROS

Exposição Retratistas do Morro

Fotografias de João Mendes e Afonso Pimenta, com curadoria de Guilherme Cunha De 20/6 a 20/11. Terça a sábado, das 10h30 às 21h. Domingos e feriados, das 10h30 às 18h. GRÁTIS. sescsp.org.br/pinheiros

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Retrato de João Pedro Pimenta (1986), foto de Afonso Pimenta.

GRANDE CIRCO para gente

Voltadas ao público adulto, montagens

contemporâneas das artes circenses

repercutem questões de gênero, racismo, pluralidade de corpos e pautas ambientais

POR LUNA D’ALAMA No monólogo King Kong Fran, a atriz Rafaela Azevedo interpreta uma palhaça que subverte o padrão feminino e provoca a plateia com temas tabus. Nanda Carnevalli

Vestida de gorila, a artista Rafaela Azevedo tem lotado teatros no Rio de Janeiro (RJ) desde novembro de 2022, com sua versão da Monga (ou Konga, para os cariocas). No monólogo King Kong Fran, uma palhaça subverte o padrão feminino imposto ao longo de séculos, falando sobre sexualidade, assédio e outros temas tabus. “Faço uma inversão com o público: trato todos os homens como se fossem mulheres, enquanto eu sou o ‘macho da história’. Gero constrangimento na plateia masculina, mas as mulheres riem, aplaudem e se sentem finalmente vingadas”, descreve.

Até os anos 1990, segundo Rafaela, as mulheres não costumavam ser palhaças. Só havia dois lugares para elas no circo: a idealização ou o medo. O papel da perfeição ficava com a equilibrista ou a contorcionista, enquanto o da aberração pertencia à mulher barbada. “Me inspirei na teoria King Kong, da escritora francesa Virginie Despentes. Ela diz que somos ensinadas a não reagir,

a perdoar sempre, a assumir que a culpa é nossa. Mas a mulher tem poder e deve reagir. Ela escreve, e eu atuo, para as que não estão no ‘mercado de boas moças’”, explica a artista, que, neste mês, apresentase na programação do CIRCOS –Festival Internacional Sesc de Circo [Leia mais em Bravo, bravo!].

Assim como Rafaela, artistas de circo têm levado aos picadeiros, palcos e praças temas sensíveis da atualidade, utilizando-se da diversidade e da ludicidade dessa linguagem artística para promover reflexões, com foco no público adulto. São montagens que abordam discussões da pauta contemporânea, como o papel da mulher na sociedade, a diversidade de corpos, a luta antirracista e as temáticas ambientais e de sustentabilidade.

A discussão de gênero é o foco do espetáculo protagonizado por Rafaela, que também tem a participação de outras 15 pessoas, quase todas mulheres – com exceção do codiretor e codramaturgo Pedro Brício. “Ao fim

Bel Toledo, do Circo de Ébanos, em cena do espetáculo Fio Forte, que discute, por meio de acrobacias, a inclusão de corpos negros na arte circense.

do espetáculo, faço um bate-papo com o público, e os homens dizem que sentem medo de mim durante uma hora. Eu respondo que isso é o que nós, mulheres, vivemos o tempo todo. Peço, então, para que enxerguem nossa realidade e virem nossos aliados”, afirma.

PÉS PELA DIVERSIDADE

O circo contemporâneo traz outros enredos a fim de despertar reflexões e mudanças de comportamento no público adulto. No trabalho da artista catarinense Emeli Barossi, por exemplo, estão em pauta a acessibilidade e o capacitismo. Com a perna direita menor e mais fina, e calçando num pé um sapato tamanho 35 e no outro, 30 – por conta de uma malformação congênita chamada hemimelia fibular – ela apresenta o espetáculo solo Circo de los Pies, da La Luna Cia. de Teatro. Sua palhaça Asmeline (nome que surgiu da ideia de “As Emelis”, ou seja, das múltiplas figuras que habitam seu corpo) leva ao picadeiro os palhaços Pezão e Pezinho, cada um

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Melissa Haidar circo

com seu nariz vermelho. O primeiro é caracterizado como forte, elegante e multi-instrumentista, enquanto o segundo é pequeno, corajoso, revolucionário e com aptidão para a mágica.

“Quis criar algo a partir da minha assimetria, que trouxesse o corpo como ferramenta. Sempre tive essa relação de pessoalizar as pernas, mas não enxergava a diferença como potência – agora sim. A acessibilidade também faz parte da dramaturgia: a voz da audiodescrição conversa comigo. É como se fosse um raio-X que me olha de fora e vai narrando as cenas, não só para o público surdo. Isso ocorre de forma poética, mais preocupada em trazer sensações do que descrever”, detalha. Além disso, as intérpretes de Libras são guias que também interagem com Asmeline.

Quem vê Emeli no palco não imagina que, desde seu nascimento, a jovem já passou por 13 cirurgias para alongar a perna direita em 13 centímetros, o que a tornou a primeira pessoa no Brasil a concluir

esse tratamento. “O circo é um lugar onde me sinto bem, onde tenho coragem para fazer o que, no dia a dia, tenho medo. Acredito que devemos ocupar os espaços que são nossos por direito”, avalia. Ao final do espetáculo, Asmeline, Pezão e Pezinho fazem um número em tecido acrobático, no qual seus pés finalmente conseguem voar.

LGBTQIAPN+ E IDENTIDADES

Intitulado Cuir – Couro, o espetáculo belga encenado pelo dançarino contemporâneo e professor de ioga Gilles Polet e pelo ginasta Arno Ferrera (que também assina a direção artística) investiga as identidades LGBTQIAPN+ ao discutir a relação entre dois homens e suas questões envolvendo as masculinidades, a virilidade e o poder. O figurino de ambos é inspirado em arreios de couro, como os usados por cavalos – daí o título do espetáculo. Mas a palavra cuir (couro, em francês) também é o termo latino para queer, amplificando os significados do trabalho. Em cena, os artistas

manipulam o corpo um do outro, numa luta consensual coreografada por acrobacias.

Outro espetáculo que, além de cativar esteticamente, também sensibiliza para questões socioculturais, é Colibri – Uma Fábula Circense Latino-americana , do coletivo Um Café da Manhã. A montagem inclui a artista trans Eliara Queiroz, reunindo artistas do Brasil, México, Peru e Colômbia. Em pauta, o decolonialismo e as identidades latino-americanas: cada técnica circense é relacionada a diferentes mitos e à história de formação desses povos.

“Batizamos de Colibri porque esse pássaro é o único que voa para frente e para trás, numa simbologia de olharmos para o futuro e para o passado ao mesmo tempo”, explica a fundadora do coletivo, Ana Coll.

Ela conta que os 12 artistas em cena são corporalmente distintos. “A estética, porém, não é o que nos motiva, e sim as técnicas e temáticas com que nos expressamos e comunicamos.

A UM UNIVERSO
TRADICIONAL,
DÉCADAS
FICANDO MAIS PLURAIS E TRANSPARENTES
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O CIRCO, EM SUA ORIGEM, PERTENCIA
FAMILIAR, MUITO
MAS HÁ CERCA DE DUAS
ESTAMOS RESPIRANDO NOVOS ARES,
Bel Toledo, pesquisadora, artista e produtora

Sempre dialogamos com esse circo para adultos, embora as crianças compreendam outras camadas que estão ali. Elas interagem de outra maneira, e as reações também ocorrem em momentos diferentes. Buscamos o risco, o surpreendente, o extraordinário”, revela Ana, que no espetáculo realiza números aéreos, de dança e mastro chinês.

CORPOS NEGROS

Especialista em circo há mais de 30 anos, Bel Toledo é uma das fundadoras do Circo de Ébanos, primeira companhia

de artistas circenses negros do país, criada em 2007 como um projeto social para incluir profissionais pretos e pardos (vindos sobretudo das periferias paulistanas). Hoje, a companhia conta com oito artistas, que estreiam neste mês o espetáculo Fio Forte . “Esse trabalho tem uma pegada mais contemporânea e um número aéreo e coletivo multicordas. O nome vem dessa demonstração de força e união entre os integrantes”, explica a produtora, que já foi presidente da Cooperativa Brasileira de Circo e diretora do Picadeiro Circo Escola, em Osasco (SP).

Para a pesquisadora, esse processo de inclusão de corpos e temas diversos na arte está acontecendo em todas as linguagens contemporâneas, quebrando paradigmas. “O circo, em sua origem, pertencia a um universo familiar, muito tradicional, mas há cerca de duas décadas estamos respirando novos ares, ficando mais plurais e transparentes. Nossa narrativa se ampliou. Hoje não precisamos mais bater de porta em porta atrás de trabalho, há uma demanda que vem até nós. Estamos vivendo este momento profícuo para o circo, que só tende a se fortalecer e se expandir em todo o mundo”, finaliza Bel Toledo.

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A artista Emeli Barossi no espetáculo solo Circo de los Pies: uma reflexão sobre a diversidade de corpos.
Nathállia Machado

circo / para ver no sesc

BRAVO, BRAVO!

Para adultos e crianças, panorama da produção circense contemporânea compõe a 7ª edição do CIRCOS – Festival Internacional Sesc de Circo

Da palhaçaria à acrobacia, do malabarismo às intersecções com a performance e a dança, a sétima edição do CIRCOS –Festival Internacional Sesc de Circo é realizada de 16 a 25 de junho, em 13 unidades do Sesc São Paulo. Criado em 2013, e transformado em bianual em 2015, o evento apresenta um panorama diversificado e contemporâneo da produção circense. Um dos destaques deste ano é a quantidade de espetáculos que buscam dialogar com o público adulto – embora

a maioria das performances seja destinada a todas as idades.

Neste ano, o CIRCOS apresenta seis estreias e quatro espetáculos inéditos nas Américas, com artistas de 19 países, três continentes e quatro estados brasileiros. No palco, expressiva presença de artistas negros e participação de profissionais não cisgêneros, além de uma diversidade de corpos, origens e estéticas nas criações.

“O CIRCOS – Festival Internacional Sesc de Circo chega ao marco de dez anos de existência, com uma vocação: ser um lugar de discussão dessa linguagem, de encontros, trocas e conexões. Nesta edição, a curadoria traz ao público um panorama multifacetado das manifestações circenses da contemporaneidade”, conta Marina Zan, assistente da Gerência de Ação Cultural do Sesc São Paulo.

Para além das apresentações, o festival CIRCOS também abre espaço para diálogos em atividades formativas, além do lançamento do livro A arte do circo na América do Sul – Trajetórias, tradições e inovações na arena contemporânea, organizado pela professora argentina Julieta Infantino e publicado pelas Edições Sesc São Paulo.

Confira alguns destaques da programação:

VILA MARIANA

Yé (Água)

Com Circus Baobab (Guiné). Um quarto da população mundial não tem acesso à água potável. Partindo dessa premissa, artistas disputam uma garrafa de água em acrobacias

e coreografias inspiradas em danças tradicionais africanas, hip-hop, krump e técnicas de teatro. De 16 a 18/6. Sexta, às 20h. Sábado, às 21h. Domingo, às 18h.

CONSOLAÇÃO

23 fragmentos desses últimos dias

Com Instrumento de Ver (Brasil/Brasília e França). Em um número de faquirismo, a dor dos passos sobre cacos de vidro representa as mazelas do Brasil. Somam-se números de contorcionismo, acrobacias, shows aéreos e danças brasileiras. De 23 a 25/6. Sexta e sábado, às 20h. Domingo, às 14h.

SANTANA

Um domingo

Com Proyecto MIGRA e Galpão de Guevara (Argentina). Para contar a história de uma família aristocrática em decadência, acrobacia, malabarismo e suspensão capilar se mesclam ao teatro e à dança, com elementos de ilusionismo. Dias 17 e 18/6. Sábado e domingo, às 18h.

GUARULHOS

Construtores

Com Coletivo Vertigem (São Paulo). Com o crescimento das cidades, é comum que elas pareçam sempre em obras. Como seria o dia a dia desses construtores se todas as suas atividades estivessem permeadas pelo circo?

Dias 24 e 25/6. Sábado, às 16h. Domingo, às 14h. GRÁTIS.

Saiba mais: circos.sescsp.org.br

João Saenger
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Cena do espetáculo 23 fragmentos desses últimos dias, do coletivo Instrumento de Ver, em cartaz no Sesc Consolação, de 23 a 25/6.

mulheres BRASILEIRO

DO cinema

Asétima arte nasceu e se desenvolveu tendo a figura masculina em primeiro plano. À mulher foi delegado o papel de coadjuvante à frente e atrás das câmeras, tampouco foi valorizada sua autoria nas narrativas audiovisuais. Ainda que avanços tenham ocorrido nas últimas décadas, as mulheres ainda apresentam baixa representatividade no cinema brasileiro, segundo dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine): apenas 20% e 25% ocupam cargos de direção e roteiro, respectivamente. Documentários e ficções assinados por mulheres têm sido valorizados em câmera lenta tanto nas bilheterias quanto em indicações e premiações em festivais mundo afora. Apesar do vagaroso progresso de representatividade feminina, ainda é preciso haver uma revisão histórica para que o legado das pioneiras do cinema brasileiro seja reconhecido e preservado.

“Nos anos 1930-1940, as mulheres finalmente tornaram-se diretoras de cinema no Brasil. Cleo de Verberena (1904-1972), Gilda de Abreu (1904-1979) e Carmen Santos (1904-1952) integram a lista das primeiras cineastas, seguidas por Carla Civelli (19211977) e Maria Basaglia (1912-1998). A trajetória do cinema feito por mulheres deste período pode ser comparada a uma fagulha acesa em 1930, que rea-

cende com força na metade dos anos 1940 e varia de intensidade nos anos 1950”, descreve a pesquisadora Margarida Maria Adamatti, professora do Programa de Pós-Graduação em Imagem e Som na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Enquanto essas e outras pioneiras do cinema brasileiro enfrentam o perigo do esquecimento, uma nova geração lida com outras dificuldades na produção cinematográfica. “Ainda hoje falta representatividade para as mulheres no cinema nacional, já que elas são minoria nos elencos e produções, desproporcionalmente à sua presença na sociedade brasileira. Para as mulheres negras, a falta de representatividade é ainda mais grave”, aponta a pesquisadora Carolinne Mendes da Silva, doutora em história social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).

Neste Em Pauta, Adamatti e Silva mergulham, cada qual, em um período da história do Brasil –do cinema silencioso aos dias de hoje –, destacando nomes, obras, percalços e desafios das mulheres na sétima arte. As pesquisadoras também ministraram, entre março e junho deste ano, os cursos As Cineastas pioneiras no Brasil e Representação e representatividade feminina no cinema brasileiro, respectivamente, realizados no Sesc Consolação.

em pauta 61

de 1930 a 1959

Nos anos 1930-1940, as mulheres finalmente tornaram-se diretoras de cinema no Brasil. Cleo de Verberena, Gilda de Abreu e Carmen Santos integram a lista das primeiras cineastas, seguidas por Carla Civelli e Maria Basaglia, no final da década de 1950. A trajetória do cinema feito por mulheres deste período pode ser comparada a uma fagulha acesa em 1930, que reacende com força na metade dos anos 1940 e varia de intensidade nos anos 1950.

Em 1927, tem início o cinema sonoro nos Estados Unidos. Uma euforia domina o contexto brasileiro com a possibilidade de aproveitar a falta de legendas dos filmes americanos para ocupar o mercado com o produto nacional. Três anos depois, em 1930, o primeiro filme dirigido por uma mulher, no Brasil, é realizado como cinema silencioso. A obra permanece desaparecida até hoje. Com o pseudônimo de Cleo de Verberena, Jacyra Martins da Silveira dirige seu único filme, O mistério do dominó preto (1930). A obra é filmada na pequena Épica Film, fundada por Cleo e seu marido, César Melani, recém-convertido em produtor. A produção retoma o modelo artesanal vigente do cinema silencioso brasileiro dos anos 1920. O malogro da obra consome a herança do casal e coincide com o fracasso de muitos filmes silenciosos brasileiros realizados naquele período, cujos lançamentos tardios ocorrem quando o cinema sonoro americano se consolida definitivamente no nosso mercado exibidor, com salas bem equipadas e legendas.

Cleo não foi a única cineasta a se aventurar em funções atrás da câmera durante o silencioso brasileiro. Antes dela, a futura diretora Carmen Santos se torna produtora e estrela de A carne (1924) e Mademoiselle Cinéma (1925), graças ao patrocínio de seu marido empresário, Antonio Seabra. Carmen troca a vida de operária e vendedora pela de atriz de cinema em 1919, com apenas 15 anos. Mulher altiva e independente, Santos funda em 1934 seu estúdio, a Brasil Vita Filmes, onde atua como estrela ao lado do cineasta Humberto Mauro. Entre 1938 e 1948, Carmen Santos realiza seu único filme como cineasta, Inconfidência Mineira, que não obtém sucesso, nem de crítica, nem de público. A obra se perde num incêndio, junto com quase toda a filmografia de Carmen, decorrente de seus mais de 30 anos dedicados ao cinema brasileiro. Inconfidência tem uma produção tumultuada, por causa dos altos custos envolvidos na adaptação de um filme histórico, por problemas financeiros e por um incêndio que destrói parte do material gravado.

O fracasso de público de Cleo e de Carmen se contrapõe ao imenso sucesso de Gilda de Abreu com O Ébrio (1946), lançado dois anos antes de Inconfidência. Gilda é a única mulher que integra a lista de cineastas que tiveram as maiores bilheterias da história do cinema brasileiro. De família rica, Abreu tem uma carreira multifacetada pelas artes, como atriz de cinema e teatro, compositora musical, dramaturga, diretora teatral, diretora de cinema, autora de radionovelas, escritora, roteirista, empresária e cantora lírica. Diferente de Cleo e Carmen, a maior parte dos filmes de Gilda sobreviveu ao tempo. Ela inicia a carreira como atriz aos 29 anos, em 1933, no teatro de revista. Três anos depois , se torna estrela do filme Bonequinha de seda, de Oduvaldo Vianna, na Cinédia.

Embora de maneira descontínua, a carreira de Gilda ocupa 40 anos no cinema e inclui a realização de três longas-metragens: O Ébrio (1946), Pinguinho de gente (1949) e Coração materno (1951). Dois anos antes de morrer, ela realiza o curta-metragem Canção de amor (1977). A estreia de Gilda como cineasta ocorre através de um convite do produtor Adhemar

Panorama da trajetória das cineastas pioneiras do Brasil:
em pauta 62
POR MARGARIDA MARIA ADAMATTI

Gonzaga, que visava o retorno financeiro certo com a adaptação da peça de sucesso O Ébrio, de Vicente Celestino, marido de Gilda.

O último longa-metragem de Gilda de Abreu, Coração materno, é rodado em 1951, mas o êxito de O Ébrio não se repete na filmografia da diretora. Com um grande intervalo de tempo, as mulheres só voltam a filmar, no Brasil, no final da década de 1950. Será depois do fracasso dos grandes estúdios paulistas, que as italianas Carla Civelli e Maria Basaglia realizam seus filmes, deixando para trás o antigo modelo da produção industrial. Exatamente durante os anos 1950, os grandes estúdios paulistas dão impulso à inserção profissional de técnicos, o que inclui o trabalho feminino atrás das câmeras, como é o caso de Carla Civelli. Ela e Basaglia vêm ao Brasil na época de euforia com a possibilidade de industrialização do cinema paulista. Não são atrizes, nem estrelas, diferentemente de Carmen e Gilda, mas trazem experiência anterior em cinema nas funções de diretora, roteirista, continuísta e montadora.

Carla muda para o Brasil por volta de 1946, empolgada com as cartas de seu irmão, Mário Civelli, sobre o quadro promissor do cinema brasileiro. Ela teria trabalhado na Itália como continuísta e montadora. Os laços familiares aproximam Civelli do teatro e do cinema. Carla casa-se com o experiente diretor teatral Ruggero Jacobbi, enquanto seu irmão, Mário, se torna produtor-geral de dois estúdios paulistas, Maristela e Multifilmes. Em produções independentes ou de estúdio, Carla alterna a atuação como editora musical, assistente de montagem e montadora, com destaque para os três filmes dirigidos por seu marido no Maristela e no Vera Cruz.

Na área teatral, Civelli começa como tradutora e assistente de direção de Ruggero Jacobbi, até estrear em 1951 como diretora de teatro. Carla dirige seu primeiro e único filme, É um caso de polícia, em 1959, em um regime colaborativo com os atores. Seu segundo marido, Giuseppe [José] Baldacconi, é coprodutor e montador do filme. É um caso de polícia não é lançado comercialmente, devido ao desinteresse dos exibidores.

Maria Basaglia vem ao Brasil por volta de 1956, acompanhada de seu marido, o cineasta e produtor Marcello Albani. Ambos trazem uma carreira consolidada no cinema italiano, trabalhando geralmente em parceria. Na Itália, Basaglia se especializa como roteirista e, assistente de direção, quando estreia como diretora em 1953 com Sua altezza ha detto: no! e, em 1956, com Sangue di zingara . No Brasil, o casal funda a Paulistania Film. Albani atua como produtor, enquanto Basaglia dirige dois filmes em 1958: o drama O pão que o diabo amassou e a comédia Macumba na alta . Com o fracasso, Albani e Basaglia retornam à Itália por volta de 1964.

Das cineastas pioneiras que desenvolvem carreira no Brasil, apenas Cleo era brasileira de nascença. Curiosamente, Cleo, Gilda e Carmen nascem no mesmo ano, 1904. A informação faz de Verberena a cineasta de estreia mais jovem deste grupo, com 26 anos. Se o país de origem destas diretoras não permite o uso da expressão cineastas brasileiras, a luta enfrentada por Cleo, Gilda, Carmen, Maria e Carla para realizar filmes de longa-metragem no Brasil, diga-se de passagem, em condições adversas, significa uma grande conquista das nossas profissionais de cinema em relação ao papel subordinado ocupado pelas mulheres na sociedade brasileira daquele período. Depois de um novo salto, encontramos as mulheres de volta à direção nos anos 1960, com o moderno cinema brasileiro.

Margarida Maria Adamatti é doutora em Meios e Processos Audiovisuais pela Universidade de São Paulo (USP), pós-doutora pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e professora do Programa de Pós-Graduação em Imagem e Som da mesma instituição. É autora de Crítica de cinema e repressão – estética e política no jornal alternativo Opinião (Editora Alameda/ Fapesp, 2019).

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pauta

O cinema brasileiro possui uma longa e diversa trajetória, ainda pouco analisada do ponto de vista da participação das mulheres. Diretoras, produtoras, roteiristas, fotógrafas, atrizes e tantas outras profissionais têm contribuído, desde os primórdios de nossa produção audiovisual, para enriquecer a cinematografia nacional. Se foram, tantas vezes, representadas como objeto do olhar masculino, enquanto personagens, as mulheres se afirmaram como sujeito ativo de suas narrativas, em uma evidente expressão da luta feminista nesse campo.

Marcada pela chamada “segunda onda feminista”, que se iniciou na Europa e nos Estados Unidos, mas também chegou ao Brasil, a década de 1960 é um período de efervescência na discussão sobre o papel da mulher na sociedade. Nesse momento, ganharam espaço questões como a violência doméstica e sexual, a busca da mulher pelo prazer sexual e pelo controle de natalidade, e a sua realização pessoal enquanto ser e indivíduo. A expressão que marcou essa segunda onda foi “o pessoal é político”, apontando a necessidade de se trazer para a esfera pública questões tradicionalmente encaradas como da esfera privada. Esse debate se desenvolveu também no cinema nacional da época e reverberou nos anos seguintes, em meio à conjuntura de autoritarismo político e repressão.

O momento de efervescência política e cultural do Brasil, nos anos 1960, foi marcado pela atuação da esquerda, principalmente por meio do Partido

Comunista Brasileiro (PCB), no qual a abertura para a pauta de gênero era menor. Nesse contexto, um grupo de jovens cinéfilos brasileiros – alguns que já atuavam na crítica cinematográfica ou mesmo já tinham realizado seus primeiros curtas-metragens – começou a produzir seus primeiros filmes em um movimento que ficaria conhecido como Cinema Novo. Em comum, existia um questionamento do modelo hollywoodiano. Interessava-lhes realizar um cinema independente, com a possibilidade para a experimentação estética, a abordagem de questões ligadas à formação da identidade nacional e uma postura crítica em relação às desigualdades sociais e econômicas do país.

A discussão de gênero surgiu nesses filmes cinemanovistas por meio de personagens femininas que muitas vezes demonstravam insatisfação com o modelo tradicional do “ser mulher”, associado ao casamento e à maternidade, por exemplo. Porém, ainda havia estereótipos relacionados à feminilidade e à masculinidade. Entre as pessoas que assinaram a direção de obras do Cinema Novo, Helena Solberg é reconhecida como o único nome feminino. É significativo que seu filme de estreia, A entrevista (1966), trouxesse a discussão em torno da virgindade feminina.

Na década de 1970, o cinema foi apropriado por um discurso crítico por parte de mulheres que denunciavam a situação de desigualdade, ao mesmo tempo em que a repressão da ditadura militar buscava fortalecer as tradicionais normas de conduta para os gêneros. Os filmes produzidos pela produtora Belair, no Rio de Janeiro (RJ), e pela Boca do Lixo, em São Paulo (SP), ficaram conhecidos como um Cinema Marginal, que radicalizou a proposta de experimentação estética do Cinema Novo.

Teresa Trautman estava entre os cineastas da Boca do Lixo, e depois atuou no Rio como atriz, roteirista, diretora, montadora e produtora. Seu primeiro longa-metragem, Os homens que eu tive, de 1973, evidencia o machismo e a dificuldade dos homens em lidar com a autonomia feminina, inclusive no âmbito das relações consideradas não convencionais.

Representação e representatividade feminina no cinema brasileiro: de 1960 aos dias atuais
em pauta 64
POR CAROLINNE MENDES DA SILVA

Curiosamente, o cinema dos anos 1970 e 1980 trouxe também a mulher enquanto objeto sexual em diferentes filmes da pornochanchada, gênero associado às comédias eróticas. Essas produções traziam roteiros simples que serviam como pano de fundo para cenas de nudez e sugestões sexuais. Diferentemente do pornô, não havia sexo explícito, mas a pornochanchada exibia fartamente os corpos das mulheres, representadas, no geral, enquanto objeto de satisfação masculina. Com frequência, esses filmes traziam, por exemplo, os estereótipos de mulheres ingênuas, inseguras e constantemente dispostas “ao prazer”.

Após a redemocratização, o cinema nacional passou por um período de retração com a extinção da Empresa Brasileira de Filmes S.A. (Embrafilme), então principal responsável pelo financiamento, coprodução e distribuição de filmes no país. Em meados da década de 1990, um sistema de incentivos fiscais favoreceu uma nova fase de fomento à produção cinematográfica, que foi caracterizada como “cinema da retomada”, e marcada pela ascensão de mulheres à direção de filmes. O longa-metragem de Carla Camurati – Carlota Joaquina, Princesa do Brazil (1995) – foi considerado um marco da retomada do cinema nacional, atingindo cerca de 1,5 milhão de espectadores devido a uma iniciativa de distribuição independente, da própria diretora. Outras cineastas que se destacaram desde então são Lúcia Murat, Laís Bodanzky e Anna Muylaert. Esta última tem, entre seus trabalhos mais reconhecidos, o filme Durval Discos (2002).

Ainda hoje falta representatividade para as mulheres no cinema nacional, já que elas são minoria nos elencos e produções, desproporcionalmente à sua presença na sociedade brasileira. Para as negras, a falta de representatividade é ainda mais grave. Quando observamos o campo da atuação, elas foram representadas em uma quantidade menor de papéis, muitas vezes estereotipadas. E ao observarmos o campo da direção, pouquíssimas mulheres negras conseguiram alçar esse cargo, principalmente nos longas-metragens de ficção, produções que demandam maior investimento financeiro.

CINEASTAS NEGRAS

Adélia Sampaio foi a primeira mulher negra a lançar um filme desse tipo, Amor Maldito, em 1984. Foi ignorada durante muito tempo pela historiografia do cinema brasileiro e redescoberta com a tese de doutorado de Edileuza Penha de Souza (2013), da Universidade de Brasília (UnB), chamada Cinema na Panela de Barro: Mulheres Negras, Narrativas de Amor, Afeto e Intimidade. Edileuza fez um levantamento dos realizadores e das realizadoras negras do cinema nacional, citando o pioneirismo de Adélia Sampaio. Sua tese e o resgate do nome de Adélia são simbólicos num período em que os estudos e políticas afirmativas e identitárias conquistaram espaço público no Brasil.

Ainda hoje é muito difícil o acesso das mulheres negras à direção. Viviane Ferreira foi a segunda mulher negra a lançar um longa-metragem de ficção: Um Dia com Jerusa (2020). É importante recuperar as histórias dessas pioneiras no cinema brasileiro, entretanto, é fundamental também reconhecer porque tantas outras não tiveram as mesmas oportunidades. Por um lado, o cinema enquanto meio de representação, que produz e reproduz relações de gênero, no geral, ainda se estrutura de forma machista, empregando menos mulheres em posições de poder e veiculando, com frequência, papéis estereotipados. Por outro lado, a luta por representatividade tem ganhado visibilidade também nesse campo, com grupos historicamente oprimidos e marginalizados (mulheres, pessoas negras, pessoas LGBTQIA+ etc.) buscando que seus interesses sejam representados e garantidos e que suas histórias sejam narradas em sua diversidade.

Carolinne Mendes da Silva é doutora em história social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), tendo investigado, no mestrado, a representação do negro no Cinema Novo, e no doutorado, a questão de gênero neste mesmo movimento. É autora de O negro no cinema brasileiro (LiberArs, 2017).

em pauta 65

MAR tanto

Diretora do Instituto Camões, Alexandra

Pinho navega pelas semelhanças e pelo oceano de diversidade que fortalecem a conexão entre Brasil e Portugal

Para além da revisão histórica que vem atualizando as relações entre o Brasil e outros países lusófonos com Portugal, pontes vêm sendo criadas por uma frutífera produção cultural. A língua portuguesa, em toda sua diversidade e plasticidade, é o oceano pelo qual navegamos. Conselheira cultural na Embaixada de Portugal no Brasil, Alexandra Pinho ocupa, desde 2018, a direção do Camões - Instituto da Cooperação e da Língua, em Brasília, onde atua na promoção do diálogo entre os países por meio de ações culturais.

Um trabalho realizado em conjunto com instituições públicas e privadas não só para a valorização

Licenciada em línguas e literaturas modernas pela Universidade de Coimbra, Alexandra Pinho é diretora do Camões - Instituto da Cooperação e da Língua, em Brasília.

e difusão da língua portuguesa, mas também para a produção de conhecimento e fomento cultural. “Eu olho para o Brasil e vejo um país vastíssimo, construído com muita diversidade, com várias identidades que se cruzam e, portanto, o primeiro grande desafio é procurar entender a melhor forma de cooperação nas diferentes áreas geográficas, e como podemos estar presentes sempre em parceria”, explica a diretora do Instituto Camões.

Neste Encontros , Alexandra Pinho, que é licenciada em línguas e literaturas modernas pela Universidade de Coimbra, e mestre em estudos alemães pela Universidade Nova de Lisboa, aborda o reconhecimento das diversidades culturais que abraçam a língua portuguesa, reflete sobre as conexões entre Brasil e Portugal e mira novos caminhos à vista.

PRÊMIO CAMÕES

O galardão mais importante das literaturas em língua portuguesa é um prêmio binacional, ou seja, é dado pelo Brasil e por Portugal de forma absolutamente paritária e, em 2019, como sabemos, Chico Buarque foi o escritor, cantor, compositor escolhido, mas não foi possível chegarmos à cerimônia de entrega do diploma [quatro anos depois, em 23 de abril de 2023, Chico Buarque recebeu o prêmio em cerimônia realizada em Lisboa]. Neste último 5 de maio, ocorreu a entrega do Prêmio Camões à querida Paulina Chiziane, galardoada de 2021. Trabalhei cinco anos como diretora do Camões em Maputo [capital de Moçambique, no leste do continente africano] e tive a

oportunidade de conhecer Paulina, a primeira mulher moçambicana negra a receber este prêmio. Uma mulher que é um exemplo, sobretudo para as meninas em Moçambique, ao mostrá-las a possibilidade da emancipação. É muito importante que haja esse reconhecimento público daquilo que significa termos figuras nos diferentes países de língua portuguesa que nos representam, criam pontes e estão presentes em várias gerações. São pessoas que nos ajudam a compreender melhor o lugar onde estamos e a olhar também para o outro.

PELA COOPERAÇÃO

O Instituto Camões tem três pilares de atuação. Um na área da cooperação, que tem na Agência Brasileira de Cooperação (ABC) a sua congênere mais direta - e estamos a falar de cooperação para o desenvolvimento, em especial atenção para os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), mas também Timor Leste [único país lusófono do continente asiático], nas áreas, sobretudo, de educação, saúde e cultura. Temos uma segunda vertente de atuação na área da língua portuguesa, tanto no que diz respeito à difusão da língua em países que não falam português, quanto na formação de professores nos países de língua portuguesa em África e Timor Leste, bem como uma atuação muito especial no Brasil através da rede de Cátedras Camões. O terceiro pilar é a cultura, que é transversal aos outros dois pilares. Eu olho para o Brasil e vejo um país vastíssimo, construído com muita diversidade, com várias identidades que se cruzam e, portanto, o primeiro grande desafio é procurar

entender a melhor forma de cooperação nas diferentes áreas geográficas, e como podemos estar presentes sempre em parceria, e da melhor forma, tanto em São Paulo quanto em Sergipe, em Belém e outras cidades. Assim, a atuação [do Instituto Camões] no Brasil está muito ligada à vertente da língua portuguesa enquanto língua que nos ajuda a compreender o mundo e a produzir conhecimento.

COMO ONDAS

Eu vejo [as aproximações culturais entre Brasil e Portugal] como as ondas do mar: às vezes chegam mais perto, e às vezes afastamse um pouquinho, mas o mais importante é sabermos que as ondas existem constantemente, que esse mar está lá e que é para ele que importa olhar, e não necessariamente para momentos específicos. Evidentemente que temos que estar atentos ao momento, e ele é fundamental, mas aquilo que para mim é um grande ensinamento ao longo destes anos no Brasil é que, de fato, há um fluxo permanente que não pode ser mensurável. A grande questão é não pensarmos que já vimos tudo. Isso eu acho que é fundamental para mim: perceber que conheço alguma coisa, mas tem muito para continuar a conhecer. Essa continuidade de troca, esse permanente olhar, é muito relevante.

PERTO E LONGE

Quando cheguei a Praga [capital da República Tcheca], onde também trabalhei, efetivamente tive a noção do que é estar num país estrangeiro, de uma língua que é

Eduardo Coelho
67 | e encontros

encontros

uma barreira até conseguirmos nos comunicar, de uma base cultural bastante distinta. No Brasil, não é assim. Quando visitei Minas Gerais, a imagem mais forte é a chegada a Ouro Preto, que tanto se assemelha com a paisagem do norte de Portugal. É a mesma, mas é diferente. E eu acho que é essa tensão, essa aproximação e, ao mesmo tempo, essa diferença que é tão enriquecedora para nós. Acho que também por isso os brasileiros se sentem tão acolhidos ou querem ir a Portugal. Porque, de fato, não há esse estranhamento inicial, esse choque e barreira. Essa diferença vai se tornando clara à medida que dialogamos, que vemos, que conhecemos, que procuramos entender o lugar onde estamos.

REVISÃO HISTÓRICA

Há agora uma questão muito importante, de olhar para a África, a África independente, os países independentes, os países que têm seu lugar, sua voz, seu destino nas mãos. Isso é um processo que está em curso em Portugal e que significa revisitar a nossa história. Nem sempre é um caminho de progresso, às vezes temos que parar, refletir, aprofundar e perceber o que é que estamos a fazer. Por exemplo, a importância do teatro na programação do Mirada [Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas, cuja sexta edição foi realizada pelo Sesc São Paulo, em setembro passado], ao trazer grupos como o Teatro do Vestido, que refletem de uma forma sistemática sobre a questão colonial, a herança colonial. É fundamental que seja apresentado em Portugal, e várias companhias têm feito esse trabalho para trazer alguma

proximidade com este assunto, e que não seja apenas colocado na esfera política, mas também possa ser sentido. A arte, a cultura, nos ajudam a pensar e a sentir.

PELA MÚSICA

O Dia Mundial da Língua Portuguesa [5 de maio] foi consignado pela Unesco em 2019, em novembro, mas nós nunca conseguimos fazer uma celebração presencial. Até este ano, quando celebramos presencialmente esta língua que nos é comum. Uma língua pluricêntrica e de muitas nuances. Uma língua que também é muito plástica. Foi pensando na importância da música para a língua e aquilo que ela representa, que nós acreditamos que seria interessante trazer para a primeira celebração presencial não a literatura, mas sim, a música. Uma música que une periferias e

que se apresenta como Meu bairro, Minha língua, ao trazer as periferias de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Lisboa, de Cabo Verde [em show realizado no Sesc Vila Mariana, no dia 6 de maio deste ano]. Portanto, nesse sentido, fazemos um primeiro encontro daquilo que também são movimentos musicais. Porque o show traz pessoas de várias proveniências, não só geográficas, mas também musicais. É quase como ter uma orquestra com vários timbres. Uma confluência, digamos assim, de várias proveniências. E a música nos traz para a esfera dos sentimentos e do entretenimento.

PLASTICIDADE DA LÍNGUA

Por meio do acordo [ortográfico] de 1911, Portugal tinha como meta criar uma norma, porque cada um estava a escrever à sua maneira. Este acordo mais recente é um

O projeto Meu Bairro, Minha Língua - O concerto, em celebração ao Dia Mundial da Língua Portuguesa, teve a participação de Vinicius Terra, Anelis Assumpção, Curumin, Dino d’Santiago, Lavoisier, Brisa Flow e Ian Wapichana em show no teatro do Sesc Vila Mariana, dia 6/5.

Bruna Damasceno
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EU VEJO [AS APROXIMAÇÕES CULTURAIS

ENTRE BRASIL E PORTUGAL] COMO AS ONDAS DO MAR: ÀS VEZES CHEGAM MAIS

PERTO, E ÀS VEZES AFASTAM-SE

UM POUQUINHO, MAS O MAIS

IMPORTANTE É SABERMOS QUE AS ONDAS EXISTEM CONSTANTEMENTE

acordo um pouquinho diferente, mas basicamente é uma normativa. Lembro-me sempre de um escritor português do início do século 20 que foi muito arredio ao acordo ortográfico, porque não era um acordo transversal. Teixeira de Pascoaes [1877-1952], que era um escritor conservador, dizia: “Como o abismo se perde quando se perde o y”. Porque “abismo” escrevia-se com “y”, e há todo um desenho da palavra que ele também encontrava naquela grafia. Penso que o acordo seja um instrumento, mas ele é um de muitos. Ele por si só não nos traz soluções miraculosas, ele nos traz uma busca de alguma confluência. Mas eu acredito muito mais em trocas, num diálogo construído através de diferentes formas, seja na dança, na literatura, na música, mais do que numa norma ortográfica. Temos que ter consciência de que são os falantes que criam a língua, e que a língua é uma entidade viva, a mais viva de todas, porque se ela

ficar presa no registro normativo, ela não evolui e vai deixar de nos dizer aquilo que vemos.

NOVOS HORIZONTES

É importantíssimo que Brasil e Portugal se unam para que a língua portuguesa passe a ser uma língua de trabalho em organizações internacionais, como nas Nações Unidas. Essa é uma valorização que só acontecerá quando trabalharmos conjuntamente. Além disso, na África e, sobretudo, em Timor Leste, dedicarmos um olhar muito especial à área da educação. Pensar no futuro passa por conseguirmos não só fortalecer o contexto bilateral, mas também olharmos para o contexto multilateral, tanto no que tem a ver com as organizações internacionais, quanto naquilo que é a esfera específica da CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa]. Fico muito feliz que o

Brasil tenha entrado novamente no programa DocTV CPLP e voltado a participar ativamente, porque esse é um primeiro passo importante para desenvolvermos conteúdos audiovisuais em língua portuguesa e continuarmos a promover esse tipo de encontro, também, na área do cinema e do audiovisual. Ouça, em formato de podcast, a conversa com a diretora do Instituto Camões, Alexandra Pinho, presente na reunião virtual do Conselho Editorial da Revista E, no dia 27 de abril de 2023. A mediação é de Thaís Heinisch, assistente de literatura e bibliotecas na Gerência de Ação Cultural do Sesc São Paulo.

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encontros

QUADRINHOS POR HELÔ D'ANGELO

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inéditos
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Helô D'Angelo (@helodangeloarte) é ilustradora e quadrinista. Autora de Dora e a gata (2019), Isolamento (2020), Pequeno manual de defesa pessoal (2022) e Nos olhos de quem vê (2022), é vencedora do Troféu HQMIX, em 2022, na categoria web tiras.

O PASSADO É UMA CANÇÃO

Diretor do documentário Paraíso, Sérgio Tréfaut retrata o encontro entre música, vida e memórias

POR CAROLINA VIEIRA BELIZARIO

Durante a pandemia de Covid-19, grande parte da população recorreu ao uso de ferramentas tecnológicas para trabalhar, estudar, exercitar-se e até mesmo conviver com outras pessoas. No entanto, para uma parcela dos idosos – cerca de 31 milhões de pessoas, de acordo com o último censo realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2010 –, as tecnologias são um pouco menos acessíveis e nem sempre suficientes para encurtar a distância entre familiares e amigos.

Habituados aos encontros diários de conversa e cantoria, mulheres e homens idosos que pararam de se ver diariamente nos jardins do Palácio do Catete – antiga

sede do governo brasileiro, no Rio de Janeiro (RJ) – tiveram sua história contada no documentário Paraíso (2021), dirigido por Sérgio Tréfaut e lançado pelo SescTV.

O filme, que estreou mundialmente no festival É Tudo Verdade de 2021, mostra como as canções conquistaram lugar de afeto durante a rotina de pessoas obrigadas a vivenciar o isolamento. A produção é também um convite à celebração da vida e ao respeito à história da população com mais de 60 anos, que enfrenta preconceitos, violência e privação de direitos. “Queria um retrato coletivo de solidão e paixão pelas canções que se transformam em alimento afetivo, como é a vida de tantos brasileiros”, conta o cineasta.

Paulistano, filho de pai português e mãe francesa, Tréfaut precisou lidar desde a infância com as mudanças de continente, em razão do exílio da família durante os anos de sistemas políticos ditatoriais que assolaram tanto Brasil quanto Portugal. Talvez, conhecer vários lugares e vivenciar culturas diversas fez com que o diretor decidisse contar histórias de outras pessoas mundo afora. Neste Depoimento, Tréfaut fala sobre Paraíso, sua relação com o Brasil e a paixão pelo cinema.

isolamento

Paraíso é um filme que retrata a população idosa que vive no Rio de Janeiro às vésperas da pandemia. São mulheres e homens que se reúnem todos os dias para cantar –sobretudo antigas canções de amor – nos jardins do Palácio do Catete.

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Estes “entusiásticos” amadores têm entre 80 e 100 anos de idade, e desde o momento em que se levantam, começam a pensar no que vão cantar nas serestas. Para vários deles, aquele encontro musical é o que dá razão e alegria à vida. As filmagens foram interrompidas em março de 2020, quando os jardins foram fechados. Todos se trancaram em casa. As pessoas que filmamos em 2019 fizeram parte das primeiras vítimas de Covid-19. O filme pretendia retratar uma ilha de felicidade e nostalgia dentro de uma sociedade cada vez mais violenta,

mas acabou sendo uma homenagem a uma população dizimada –vítima também da crueldade ocorrida nos últimos anos.

anonimato

Escolher personagens e contar boas histórias em um documentário requer que eles tenham aquilo que se costuma chamar de star quality: podem ser anônimos, podem ser feirantes, caminhoneiros, donas de casa, funcionários de escritório, médicos, mas quando olhamos e ouvimos como se exprimem, reconhecemos o carisma de grandes

personagens. No jardim do Catete, encontrei muitas pessoas assim, fascinantes. Mas eu não queria fazer uma reportagem que contasse a história de cada uma delas. Queria um retrato coletivo de solidão e paixão pelas canções que se transformam em alimento afetivo, como é a vida de tantos brasileiros.

universos

Fazer um documentário ou optar por uma ficção implica, normalmente, numa enorme diferença de escala de produção [orçamento, equipe e modos de

Tiago Miranda
Reconhecido internacionalmente, o cineasta brasileiro Sérgio Tréfaut já recebeu prêmios por obras de ficção e documentários.
75 | e depoimento

depoimento

trabalho]. O documentário costuma mergulhar num universo préexistente que desejamos retratar, com recursos bastante limitados. A ficção, mesmo quando filmada fora de estúdio, ambientada em verdadeiras locações e utilizando não atores, é uma obra previamente escrita e que exige uma responsabilidade quase demiúrgica. A escolha da forma passa pelo gesto inicial do autor, por querer dizer isto ou aquilo.

processo

O cinema é uma forma de comunicação transversal. Cada filme que faço pode se aproximar mais de uma ou de outra forma de arte, mas todas estão sempre presentes: fotografia, música e sonoplastia, poesia, literatura, pintura, arquitetura, teatro e representação, até mesmo dança. Uma das artistas que mais amo é Pina Bausch [(1940-2009) pedagoga, dançarina e coreógrafa

alemã], que não é apenas brilhante no retrato dos sentimentos, alegrias e sofrimentos, mas também na construção de espetáculos narrativos improváveis, com uma estrutura muito livre e, no entanto, lógica, com começo, meio e fim. Tantas vezes mudei de caminho no meio de um processo de pesquisa, de filmagem ou de montagem. Gosto dessa liberdade, que é sempre utilizada para fazer algo de melhor, maior, rico e mais interessante.

percalços

Curiosamente, o filme que sempre me deixou mais insatisfeito é uma das minhas produções de maior êxito. A Cidade dos Mortos (2009) [vencedor, em 2010, do festival Documenta Madrid, na Espanha], retrata o cotidiano de milhares de pessoas que moram nos cemitérios do Cairo, no Egito. Foi exibido em mais de 30 países. No entanto, pensei em jogar tudo no lixo e

SOU
MAIS UM
TODOS OS BRASILEIROS APRENDEM A SENTIR ATRAVÉS DA MÚSICA POPULAR.
APENAS
Divulgação e | 76
No documentário Paraíso (2021), gravado durante a pandemia, mulheres e homens compartilham suas histórias enquanto se reúnem para cantar nos jardins do Palácio do Catete, no Rio de Janeiro.

desistir do filme. Não o fiz por causa dos contratos de produção. É um documentário honesto e bonito. Conquistei a admiração e o respeito dos egípcios por ter filmado a realidade da vida nos cemitérios, de uma forma que ninguém mais tinha conseguido. Eu gostaria de ter continuado a filmar mais e já não tinha recursos para fazer. Acontece.

telona

Eu cresci no universo do cinema e faço filmes para serem vistos inicialmente em telas grandes. Paraíso esteve em cartaz em Portugal por cerca de três meses, e nos cinemas franceses, por nove semanas. Antes disso, circulou muito pelos festivais internacionais de Lisboa [Portugal], São Petersburgo [Rússia], Biarritz [França, onde foi premiado como melhor documentário musical], Skopje [Macedônia do Norte], Montevidéu [Uruguai],

Cracóvia [Polônia], entre outros. A estreia mundial de Paraíso foi na edição virtual do festival É Tudo Verdade, em 2021. Mais tarde, apresentei o filme numa tela enorme montada nos jardins do Palácio do Catete. Todos os participantes vieram de máscara. Foi comovente ver a plateia ao luar, cantando e aplaudindo cada música. Impressionante ver Dona Ilka, que filmei quando tinha 100 anos, assistir ao filme e me abraçar, já com seus 102.

memória

Minha trajetória está presente em Paraíso, exerce um papel forte na minha vida, na medida em que representa um regresso ao Brasil, país onde nasci e do qual fui arrancado quando tinha dez anos, momento em que meu irmão foi preso e quase assassinado pela polícia política. A questão da pertença ou não a um lugar é comum aos exilados

e aos migrantes, como trato em outros filmes. Vivi essa partida do Brasil como um exílio. Ao longo de quatro décadas, mantive uma relação muito forte com o país que eu reencontrava nas canções de grandes músicos. Passei anos cantando as canções que os seresteiros do Catete também cantam. Era minha maneira de me manter vivo, de dizer a mim quem eu era. Além disso, creio que, em grande parte, todos os brasileiros aprendem a sentir através da música popular. Sou apenas mais um.

Assista ao documentário Paraíso (2021), com direção de Sérgio Tréfaut, disponível no SescTV.

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ALMANAQUE

É dia de feira!

De terça a domingo, feiras livres ocupam ruas, praças e viadutos em todas as regiões da capital paulista, reunindo diferentes sabores, cores e públicos

Uma diversidade de sons e sabores preenche as feiras de rua na cidade de São Paulo. Há quem as frequente por conta dos produtos frescos e mais baratos, enquanto outros preferem passear por entre as barracas para descobrir e provar novidades que saltam aos olhos e agradam o olfato e o paladar. Oficializadas há mais de um século na capital paulista, as feiras livres são uma referência cultural para os paulistanos, de caráter bem democrático, pois recebem desde quem procura por frutas, legumes e verduras, pastel com caldo de cana, peixes, flores, utensílios diversos, até uma boa economia na hora da xepa. Atualmente, existem

953 feiras catalogadas em toda a capital, realizadas de terça a domingo, geralmente das 8h às 14h.

Segundo a Secretaria Municipal das Subprefeituras, as feiras deixaram de ocorrer na cidade às segundas a partir de 1965, pela necessidade de se fecharem mercados e entrepostos aos domingos, e também para conceder um dia de descanso aos feirantes. Neste Almanaque, passeie por seis feiras de rua que, de terça a domingo, movimentam a economia, empregam milhares de pessoas e ajudam a manter viva uma tradição centenária da cidade de São Paulo.

POR LUNA D’ALAMA FOTOS ADRIANA VICHI
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TERÇA A MAIS ANTIGA

As feiras livres foram oficializadas na cidade de São Paulo em 1914, por meio de um decreto do então prefeito Washington Luís (18691967). A iniciativa institucionalizou uma prática que já ocorria informalmente nos bairros. A primeira feira de rua paulistana ocupou o Largo General Osório, na

QUARTA NÃO CONVENCIONAL

Quem passa por cima de um viaduto na capital, de carro, moto ou ônibus, muitas vezes não imagina que, embaixo dele, pode haver feirantes e clientes negociando os melhores produtos e preços. É o caso do Viaduto do Glicério que, às quartas, abriga 25 feirantes e, aos domingos, 136.

Rua Dr. Pedro Severiano, s/nº, Cambuci, região central. Aos domingos, na esquina da Rua Teixeira Leite com a Rua São Paulo, s/nº.

região central, com 26 feirantes. Porém, a mais antiga ainda em atividade – com 72 barracas – é montada semanalmente, desde 1915, no Largo Senador Morais de Barros, no Brás.

Rua Firmiano Pinto, s/nº. Travessa da Av. Celso Garcia, altura do nº 734, Brás, zona leste. Dez minutos a pé do metrô Bresser-Mooca (Linha 3-Vermelha do Metrô).

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ALMANAQUE

QUINTA NOTURNA

Fazer feira no fim da tarde ou à noite pode ser uma opção para quem trabalha em horário comercial durante a semana. No site da Prefeitura, há mais de 20 exemplos de feiras que abrem às 16h e seguem até as 21h, em todas as regiões da capital.

Praça Grand Reserva Paulista, s/nº, Jardim Iris, zona norte.

SEXTA PEQUENAS DIMENSÕES

Para quem não curte muita muvuca, há várias feiras em São Paulo de tamanho diminuto, com até 15 vendedores. Uma delas acontece às sextas, no distrito da Lapa, com apenas seis feirantes.

Rua Salvador Caruso, 705, esquina com Rua Félix dos Santos, Vila Ipojuca, zona oeste.

e | 80

SÁBADO ORGÂNICA

Modelo de produção caracterizado por não utilizar fertilizantes e defensivos químicos sintéticos, sementes geneticamente modificadas nem intensa mecanização, a agricultura orgânica busca reduzir os impactos ambientais. Em São Paulo, 10 feiras orgânicas são realizadas de terça a domingo. Uma das maiores é promovida aos sábados e fica próxima ao Parque Ibirapuera. Além das feiras municipais, há outras organizadas pela Associação de Agricultura Orgânica (AAO), como a do Parque da Água Branca, na zona oeste, às terças, sábados e domingos.

Praça Eisenhower, s/nº, Paraíso, zona sul.

DOMINGO GIGANTE

As maiores feiras livres da cidade têm acima de 200 barracas e ocupam diversos quarteirões. Um dos exemplos é a Feira do Bosque, que se estende por mais de um quilômetro. Além da tradicional variedade de frutas, legumes, verduras, peixes e pastéis, ali os fregueses encontram produtos da culinária asiática, como yakisoba, tempurá e doces japoneses.

Rua Carneiro da Cunha, s/nº, esquina com a Rua Visconde de Inhaúma, Vila da Saúde, zona sul. Acesso pela estação Praça da Árvore (Linha 1-Azul do Metrô).

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Pequenas grandes descobertas

Condomínio popular na Lapa de Baixo, zona oeste da capital paulista, final dos anos 1980. Minha visão ainda não alcançava a altura da janela. Só enxergava o que existia ali fora quando alguém me levantava. Toda vez que as janelas de vidro estavam abertas, a parte final do galho da árvore entrava pela sala. Essa é uma das minhas primeiras memórias.

Neste mesmo apartamento, me lembro de disputar espaço no banheiro com vasos de plantas. Exageros maternos. De fato, a cidade de São Paulo exigia esses respiros. Eu ainda não me dava conta, mas de alguma forma percebia o que aquilo significava. Meus raros momentos ao ar livre basicamente aconteciam na Cidade Universitária, andando de bicicleta, ou no Sesc Itaquera, descendo os toboáguas.

No início da adolescência, já em Araras, no interior do estado, aconteceram grandes mudanças na rotina diária fora das paredes da capital. Só perceberia as diferenças mais tarde, olhando de longe. Caminhar até a casa dos novos amigos, pedalar pela cidade e explorar as áreas rurais trouxeram outra relação com os movimentos do corpo, que estava mais ativo nos deslocamentos diários. Suspeito que, nessa época, uma excursão para as cavernas do Vale do Ribeira, durante o colegial, teve grande influência na escolha profissional.

Já na faculdade de agronomia, a rotina no campus da Fazenda Lageado, em Botucatu, foi de fato o divisor de águas da forma como eu enxergava o mundo. Quantos detalhes e quanta ciência havia nas aulas de fisiologia vegetal! Acontece tudo isso na planta quando o raio de sol bate nas folhas? Como pode ser tão trabalhoso produzir cenoura, rúcula, laranja, mel e madeira? E as discussões sobre a reforma agrária e a importância da agricultura familiar!?

Após alguns anos de formado, participei de um processo seletivo que, entre outras questões, pedia: “Comente sobre a importância do trabalho dos jardineiros”. Respondi a essa pergunta contando uma história

que presenciei: uma senhora questionava se deveria manter um ipê-amarelo no seu quintal, pois ele já estava muito grande. Eu tentei pensar rápido para convencêla de que aquela árvore adulta e saudável deveria permanecer ali. “Ipês têm raiz pivotante, portanto ela não vai afetar o muro nem o calçamento”, disse. Raízes pivotantes crescem verticalmente para baixo. Ela se mostrou indiferente, creio que não entendeu meu raciocínio. Nesse momento, o jardineiro disse a ela: “Deixa ela aí! Até ela te dar algum problema, ela ainda vai te dar muitas alegrias”. A árvore ficou.

Após ser aprovado neste processo seletivo, iniciei uma nova jornada no Sesc Interlagos, zona sul de São Paulo. A convivência diária com os colegas, especialmente com os jardineiros e viveiristas que trabalham na manutenção das áreas verdes, ampliou meu olhar. Todo dia um novo aprendizado. Daquelas coisas que não nos contam na faculdade, que só quem lida na prática do dia a dia sabe.

Esta experiência em uma região de alta densidade populacional e que carece de praças e parques colaborou para fortalecer em mim a compreensão de que os ambientes naturais são espaços educadores, locais de convivência, repletos de possibilidades de experiências, além de promoverem o bem-estar e a qualidade de vida.

A grandiosidade das relações ecológicas pode ser contemplada também no ambiente urbano. A capacidade de apreciá-las e compreendê-las nos traz repertório para as mais variadas situações na vida. Vivenciar os ambientes naturais e observar as relações que ali se estabelecem entre os seres vivos e não vivos é essencial para as nossas descobertas.

Felipe Campagna de Gaspari é agrônomo, mestre em agroecologia e desenvolvimento rural e trabalha como assistente técnico na Gerência de Educação para Sustentabilidade e Cidadania do Sesc São Paulo.

e | 82 P.S.

Fique por dentro do que é destaque na programação deste mês!

Confira a programação completa: sescsp.org.br

JUNHO 2023
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Roberta Dabdab (foto); Nortearia (colagem) DISTRIBUIÇÃO GRATUITA VENDA PROIBIDA Aponte a câmera do celular para o código QR e acesse o portal do Sesc São Paulo. CONHEÇA O SESC CAMPO LIMPO

Articles inside

Pequenas grandes descobertas

2min
pages 82-83

ALMANAQUE

1min
pages 80-81

ALMANAQUE

1min
pages 78-79

O PASSADO É UMA CANÇÃO Diretor do documentário Paraíso, Sérgio Tréfaut retrata o encontro entre música, vida e memórias

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EU VEJO [AS APROXIMAÇÕES CULTURAIS

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MAR tanto

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mulheres BRASILEIRO DO cinema

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BRAVO, BRAVO!

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GRANDE CIRCO para gente

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DA BECA AO BLACK

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RETRATOS DE UM POVO

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VOZES DE CAROLINA

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Jóia RARA

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pages 35-39

SOMOS NATUREZA

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page 4

DE 16 A 25 DE JUNHO DE 2023

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pages 3-4
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