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CONSIGO MENSURAR A IMPORTÂNCIA HISTÓRICA E CULTURAL DO MEU TRABALHO. PERPETUAR E MULTIPLICAR ESSE CONHECIMENTO É

Parte Da Minha Constru O Como Ser Humano

Mestra Cida Ivanov, ceramista

Em 2001, Cida fez um curso de cerâmica em que conheceu a professora Adélia Barsotti. “Foi naquele momento, vendo aquela senhora forte, que decidi assumir a responsabilidade de multiplicar esse saber-fazer caiçara, imerso em histórias indígenas e afro-brasileiras”, conta a artista, que também encontrou na manipulação do barro uma prática terapêutica. A partir daquele momento, Cida mergulhou no universo da cerâmica utilitária da região, para compreender a importância dessa técnica. Descobriu que, no século 19, utensílios feitos no local eram enviados em canoas para o Rio de Janeiro e para o Porto de Santos, a fim de abastecer a Coroa portuguesa. Além disso, serviam de moeda de troca com moradores de Ilhabela (SP).

Em 1906, cem paneleiras queimavam suas peças na Rua do Fogo, onde ficavam os fornos de São Sebastião. Em 2001, porém, só havia Dona Adélia, que já enfrentava dificuldades para obter matéria-prima havia mais de meio século. “Nos últimos 22 anos, sou eu a mantenedora dessa arte. Compro o barro de uma olaria em Paraibuna (SP), e meu forno é a gás. Ensino a ‘lida’, como dizia Dona Adélia, a crianças, adolescentes, adultos e idosos. Ver os olhos deles brilhando não tem preço, é algo que me completa. Por meio da oralidade e da prática, consigo mensurar a importância histórica e cultural do meu trabalho. Perpetuar e multiplicar esse conhecimento é parte da minha construção como ser humano”, conta Cida, que desde 2005 também desenvolve oficinas em escolas municipais e projetos na área de saúde mental, em Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) da cidade. Entre 11 e 14/7, ela ministra uma oficina e um curso de cerâmica identitária no Sesc Bertioga.

Povos Origin Rios

Pedro Karaí Ruvixa música

Artista indígena das etnias Xucuru-Kariri, de Palmeira dos Índios (AL), Pedro Karaí Ruvixa se dedica à musicoterapia nativa e à confecção de instrumentos sonoros como o maracá. Para ele, transmitir saberes ancestrais é uma maneira de valorizar a cultura de seus povos. “Esse é um legado dos meus antepassados, que utilizam o maracá há milênios, como uma ferramenta de conexão com o sagrado, a natureza e os astros. Passar esse conhecimento adiante, portanto, é uma honra e uma forma de ser a continuação deles”, acredita.

Ruvixa explica que o maracá é usado pelos Xucuru-Kariri e por outras etnias em rituais de cura e de passagem, rezas, cantos, danças, lutas e até em brincadeiras infantis. “Faz parte das nossas tradições e da nossa resistência”, resume. O artista também toca diferentes tipos de flautas nativas, flauta doce e tambor. Autodidata, ele conta que foi inspirado por sua ancestralidade: “O espírito toca a flauta e a flauta toca o espírito. Sou um guardião das flautas nativas.”

Após passar a adolescência ouvindo esse instrumento de sopro, Ruvixa começou a tocá-lo em 2017, quando conheceu um luthier peruano em um festival de música. “Ele fez uma flauta para mim, inspirada no modelo Siyotanka, usado pelo povo Lakota, originário da América do Norte. Segundo histórias antigas, esse instrumento surgiu em um período de muitas guerras e lutas dos povos nativos contra invasores, e veio para promover a paz”, destaca.

O artista admite que gosta de meditar ao som da flauta. “Também busco levar bem-estar às pessoas com a musicoterapia nativa, em vivências sensoriais coletivas.” De acordo com o músico, a vibração desses sons ancestrais é capaz de promover a conexão consigo e com o ambiente. “São formas de reduzir o estresse e a ansiedade, ao menos por um instante, como um bom vento que sopra levando tudo o que pesa e deixando boas sensações”, define.

SABER AFRO-BRASILEIRO Cynthia Mariah joalheria e moda

Com quase 20 anos de carreira, a designer de joias, estilista e pesquisadora Cynthia Mariah começou a criar acessórios em 2004, para uso próprio. Nascida na zona sul de São Paulo, em uma família de artesãos, ela buscava adornos corporais que a representassem e, em poucos meses, já estava produzindo, sob encomenda, para parentes e amigos. “Tinha como propósito confeccionar peças únicas e exclusivas, e, conforme aumentava o entendimento sobre a minha negritude, meu trabalho também passou a carregar características culturais, identitárias e ancestrais”, conta.

A artista explica que sua criação em joalheria é pensada sob uma perspectiva que enaltece estéticas, técnicas e tecnologias pretas. Por isso, ela trabalha com elementos diversos (naturais, industriais, reciclados e ressignificados), que transmitem conhecimentos, características e legados africanos e afrodiaspóricos. “Ministro aulas desde 2012 e proponho um resgate de saberes e fazeres manuais. Busco, ainda, democratizar

Tecnologias E Artes

o ensino de modas decoloniais e afrocosmopolitas, pois esse segmento ainda tem uma dominação branca bastante elitista. Proponho trocas coletivas, respeito ao tempo e às especificidades dos meus alunos, pois somos todos importantes e detentores de conhecimentos”, afirma a professora, que apresenta suas coleções nas passarelas da Casa de Criadores, plataforma dedicada à moda e à arte brasileiras.

Cynthia Mariah começou a entender melhor seu trabalho em 2014, quando participou de uma oficina sobre joalheria africana no Sesc Belenzinho. Três anos depois, fez outra oficina, dessa vez no Sesc Itaquera, que a ensinou a lidar com metais e amadurecer um design autoral. Ela também estudou sobre “joias de crioulas”, enormes peças de ouro que adornavam mulheres negras escravizadas durante o Brasil colonial, especialmente na Bahia, como forma de demonstrar o poder de seus senhores. “Minhas joias hoje transitam entre passado, presente e futuro, trazendo a ancestralidade e o afrofuturismo para uma realidade afrocosmopolita”, analisa a artista, que conduz, neste mês, uma vivência de joalheria afrodiaspórica no Sesc Belenzinho, entre os dias 7 e 9/7, e residência artística de ateliê de moda no Sesc Bom Retiro, entre 11 e 15/7.

Tecnologias Digitais

Allan Moreira eletrônica e instalações

Graduado em engenharia da computação, apaixonado por tecnologia e com experiência em eletrônica e desenvolvimento de softwares há quase 30 anos, Allan Moreira é cofundador do Estúdio Hacker e dá aulas de eletrônica analógica e digital, programação e microcontroladores. Atua também em diversos projetos sociais voltados à educação de novas tecnologias para crianças, adultos e professores. Ele recorda que sua experiência em sala de aula começou em 1998, quando recebeu um convite do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) para ministrar cursos de curta duração na área.

Ele também trabalhou por muitos anos com desenvolvimento de projetos eletrônicos voltados à segurança e automação industrial, participando de todas as etapas – desde o protótipo até a implantação. “Esse processo me fez vivenciar constantemente a espiral da aprendizagem: imaginar, criar, testar, prototipar, refletir, recriar e compartilhar.” para ver no sesc / tecnologias e artes

Segundo Moreira, a tecnologia tem evoluído muito – e rapidamente – nas últimas décadas, e hoje está presente de forma onipresente em nosso cotidiano. “Por isso, desenvolver, saber integrar e fazer o melhor uso de soluções que melhorem a nossa vida, ou contribuam para toda a comunidade, é o que me motiva a colaborar para que mais pessoas se apropriem desses conhecimentos”, afirma.

Moreira conta que sua maior satisfação é ver um saber – anteriormente restrito a engenheiros – chegar a artistas, estudantes e entusiastas que podem dar vida a suas criações. “Ao ensinar, também identifico lacunas que preciso evoluir como professor, ser humano, pai e amigo. Como dizia Paulo Freire: ‘Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender’”, cita. Neste mês, ele estará no Sesc Pompeia, entre os dias 9 e 16/7, com o curso Cidades desobedientes: ecologia do impossível , por meio do qual pretende desenvolver a criação coletiva de instalações artísticas, eletrônicas e tecnologias da articulação. Além do Estúdio Hacker, o curso conta com a participação de Victor Guerra e do Núcleo de Jovens Políticos do Fundão, grupo da comunidade de M’Boi Mirim, no extremo sul da capital paulista.