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CRÍTICA leitura

Jornalista e escritora, Januária Cristina Alves fala sobre a importância da educação midiática na formação de leitores críticos, éticos e cidadãos desde a infância

Apaixonada por ler, escrever e contar histórias, a paulistana criada no interior pernambucano Januária Cristina Alves resolveu, aos 12 anos, mandar uma carta a um suplemento infantil de um jornal do Recife (PE). Foi incentivada pela mãe, que era assinante do diário, a datilografar o texto à máquina. Em 15 dias, sua história foi publicada, e logo a garota se tornou colaboradora regular do periódico. Foi quando decidiu que queria ser jornalista.

Com o diploma, Januária trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde e Diário do Grande ABC, além de revistas como Claudia e Superinteressante, ambas da Editora Abril. Na Folha, ficou 13 anos colaborando na formação de professores. E, quando em 2010, a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) introduziu um currículo de formação de professores em alfabetização midiática e informacional, foi uma das primeiras pessoas a formar turmas no Brasil.

De volta à academia, Januária obteve o título de mestre em comunicação social pela Universidade de São Paulo (USP). Também escreveu mais de 50 livros infantojuvenis, e já recebeu dois prêmios Jabuti, um prêmio Abril de Jornalismo e um Vladimir Herzog de Direitos Humanos. Educomunicadora, colunista do Nexo Jornal e coapresentadora do podcast Curti, e daí?, é ainda coautora de Como não ser enganado pelas fake news (Moderna, 2019) e assina o prefácio de Manifesto pela Educação Midiática (Edições Sesc São Paulo, 2022), do pesquisador inglês David Buckingham. Pelas Edições Sesc, publicou também, em 2017, o Abecedário de personagens do folclore brasileiro, obra finalista do Jabuti e referência para a criação da série Cidade Invisível, da plataforma de streaming Netflix. Neste Encontros, Januária Cristina Alves fala sobre educação midiática, combate à desinformação e os desafios apresentados pelas tecnologias digitais.

Educa O Midi Tica

A educação midiática nasceu como alfabetização midiática. A Unesco até bem pouco tempo atrás a chamava de alfabetização midiática e informacional. Em primeiro lugar, temos um problema mundial, em que metade da humanidade está conectada e a outra metade, não. Ou seja, apenas metade da população tem acesso às mídias impressas ou digitais. No Brasil, vimos esse problema com as crianças durante a pandemia de Covid-19. A gente teve um atraso muito grande e, entre outros aspectos, houve falta de acesso a celular e computador. Então, como é que eles teriam aula online? Nós temos uma geração que domina a tecnologia, os aparelhos, mas ainda não sabe acessar uma informação qualificada. Ainda não temos leitores críticos e competentes.

Para a educomunicadora Januária Cristina Alves, "não vamos conseguir avançar na definição de liberdade de expressão sem ter a lei do nosso lado".

A educação midiática se propõe a dar o acesso à informação, ensinar como as coisas funcionam e propiciar uma leitura crítica, para que as pessoas possam entender o mundo, ter uma participação cidadã e compreender por que estão acessando, curtindo, compartilhando tal conteúdo.

A preocupação da educação midiática é formar não só um leitor crítico, mas alguém que produza, compartilhe e consuma um conteúdo responsável.

Ecossistema Informacional

Com o advento da internet, mudou-se muito o ecossistema informacional. Lembro, quando era pequena, que meus pais gostavam de ler jornal e diziam: “Saiu no jornal, é verdade!”. O jornal era uma instituição e a imprensa tinha credibilidade, porque se esperava que as notícias fossem checadas e rechecadas. Não que não tivessem erros, sempre houve, era um trabalho feito por humanos. Porém, a partir do momento em que as redes sociais entraram na nossa vida, qualquer pessoa tem acesso à informação e pode publicá-la. Brinco que somos todos “jornalistas”. Qualquer um que tem uma câmera, filma e posta, e foi aí que começou o grande imbróglio das fake news e de todas essas questões. Além disso, as plataformas estão envolvidas até o pescoço nesses conteúdos, porque são elas que dizem o que vai ou não para o ar. Então, a gente precisa responsabilizá-las também, pois não dá para se ter educação midiática sem a colaboração das plataformas. São poucos os países que realmente tiveram sucesso nisso até hoje. Na Finlândia, por exemplo, 98% da população não cai em fake news É uma coisa linda, mas eles têm uma população que confia muito nas suas instituições, no governo, na imprensa. Portanto, está muito ligado a criar um ecossistema informacional confiável. A gente tem este desafio pela frente.

Chamado Responsabilidade

Hoje, a gente tem uma quantidade enorme de meios de informação. Aliás, é este o problema: fontes demais para qualidade de menos. Você pode fazer a sua página de rede social, mas tem que entender o algoritmo, onde a sua mensagem está sendo veiculada, por que usar hashtag e para que ela serve. É o que a gente chama de transparência algorítmica. Além de produzir conteúdo, temos que compreender o modo de produção e, principalmente, os interesses por trás de tudo isso. Por isso, todos os atores envolvidos na educação midiática têm que ser chamados à responsabilidade para combater a desinformação. Não é à toa que países do mundo inteiro estão batendo cabeça sobre como se regulam as mídias, porque isso toca numa questão muito delicada, que é a liberdade de expressão.