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BIENAL NAÍFS DO BRASIL ITINERÂNCIA DA 13* EDIÇÃO

TODO MUNDO É, EXCETO QUEM NÃO É Curadoria Clarissa Diniz, Claudinei Roberto e Sandra Leibovici

EVIDÊNCIAS Curadoria Clarissa Diniz e Claudinei Roberto

21 de abril a 02 de julho de 2017


TODO MUNDO É, EXCETO QUEM, NAO E


ROTAS ALTERADAS Sesc São Paulo

Rumo ao interior do estado de São Paulo, no sentido noroeste da capital, situa-se uma cidade margeada por um rio que se impõe na paisagem e corta seu desenho urbano. Majestoso, esse afluente do Tietê tornou-se simbolo da região e referên­ cia cultural, cuja relevância se imprime nomeando a cidade de Piracicaba. O Sesc, ali instalado, realiza ações voltadas para o seg­ mento de arte naif há trinta anos. Com tal lastro, ao longo do tempo, conceitos foram expandidos, significados amplia­ dos e entendimentos revistos, gerando permanências, que proporcionaram estabilidade, e mudanças, que conferiram frescor na continuidade da"Bienal Naífs do Brasil". Essa cele­ bração ao fazer artístico se consagrou por agregar encontros entre artistas de várias regiões do território nacional, curado­ res, pesquisadores, galeristas, colecionadores, professores, estudantes e públicos de distintos lugares. A “13* Bienal Naífs do Brasil: Todo mundo é, exceto quem não é” foi realizada em 2016 e, nesse ensejo, sua itinerãncia chega, pela primeira vez, á cidade de São Paulo. Esse percurso, trilhado para encontrar outros públicos, almeja compartilhar poéticas, estender discussões e difundir as particularidades acerca dessa manifestação cultural. A pro­ dução náíf apresentada nessa edição é considerada como tal, a partir do que é imanente às obras, abrangendo as cone­ xões que tecem com diferentes realidades. Uma experiência que nos evoca a lidar de modo complexo com os sentidos da palavra naíf, renovando concepções ou validando defi­ nições reverenciadas. E, ao manter diálogos potentes com o contemporâneo, é possível compreendê-la como uma expressão artística vigorosa, que se manifesta no presente, mantendo seus anseios voltados para o futuro. O acolhimento que o Sesc dedica às relações entre arte e desenvolvimento humano está ligado a um conjunto de ações e ideias que encontra ressonância no trabalho educa­ tivo e no entendimento da arte como um convite á liberdade. Assim, o fascínio provocado por imaginários vindos de diver­ sos cantos do país nos convida a experimentar rotas e tra­ vessias entre o lírico, o lúdico, o poético e o insubordinável, decorrentes de universos insurgentes de cada artista.

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CLARISSA DINIZ Curadora

A itinerância da "13' Bienal Naifs do Brasil” ao Sesc Belenzinho, na capital paulista, é índice do amadurecimento deste projeto, iniciado em 1986 pela unidade piracicabana do Sesc São Paulo. Além de evidenciar a densidade adquirida ao longo dos últimos 30 anos, a chegada do projeto à pauliceia indica também a recente intensificação do interesse local por formas de criação menos pautadas pelo campo institu­ cional (e mercadológico) da arte. Este aporte ‘naíf diz tanto de Piracicaba quanto nos fala de São Paulo. Mais adiante, ecoa também algumas das preocupações que nortearam o projeto curatorial desta edição, ciente de que fazia parte de suas especificidades relacionar-se com o lastro de suas edições anteriores. Cada edição se inscreve como continuidade e, ao mesmo tempo, inflexão de bienais passadas, encarando o desafio de chacoalhar com a mesma intensidade com a qual adensa suas intenções e métodos. É nesse sentido que a “13* Bienal Náífs do Brasil" optou por não conceber uma mostra distinta daquela formada, vertebralmente, pelos artistas selecionados através da convocatória de participa­ ção da Bienal. Se em outras edições houve salas especiais ou curadorias paralelas, nesta 13' edição os diferentes capí­ tulos do projeto se encontram. A curadoria de "Todo mundo é, exceto quem não é" tomou como ponto de partida e fio condutor as obras selecionadas por meio do regulamento. Dessa maneira, antes de sermos os curadores desta Bienal, talvez sejamos seu primeiro público. Foi somente após conhecer os artistas selecionados que demais obras foram convidadas, na intenção de estabelecer conversas singu­ lares entre obras que se imantam, se demandam e ilumi­ nam perspectivas umas às outras. Os núcleos apresentados buscam sublinhar interesses que foram manifestados pelos trabalhos inscritos na Bienal, e não expectativas que foram curatorialmente lançadas sobre eles. É nesse sentido que nos propusemos a ir aquém do naíf, por compreendermos que nossos habituais desejos de "ir além" mascaram a suposição - e, por vezes, mesmo a imposição - de um limite àqueles ou àquilo que se pre-


tende ultrapassar ou transbordar. Intencionando não atribuir estancamentos a uns para colocar outros em movimento, o gesto reflexivo desta Bienal é ir aquém. Ir porque o aquém tampouco está dado como local onde restamos. Precisa ser igualmente alcançado, construído, inventado, para que não seja um retomismo qualquer. Articulando artistas contem­ porâneos e históricos, de contextos sociais os mais varia­ dos e intencionalidades poéticas igualmente singulares, a exposição propõe um estado de indiferenciação aquém do naíf, para que as obras e as subjetividades possam conti­ nuar diferenciando-se, distinguindo-se, ocupando as exce­ ções que lhe cabem, para aquém de classificações e limites que porventura lhe sejam atribuídos. É por esta razão que tomamos de empréstimo a noção "todo mundo é, exceto quem não é". lançada pelo antropó­ logo Eduardo Viveiros de Castro em resposta á ansiedade política que demanda definir "quem é índio e quem não é". Negando-se a legislar identidades dos outros - indicando quem seria “genuinamente" índio, ou não -, o antropólogo aponta para o caráter excludente e hegemônico dessa prática que. na política como na arte, não se dá pelo desejo de relação entre culturas, mas pela disputa por estabelecer (e. no caso indígena, por homologar) territórios que terminam por configurar políticas segregacionistas. Reunindo artistas de culturas indígenas, cujas obras discutem suas urgências e, inclusive, contando com um artista nominado índio, "Todo mundo é, exceto quem não" é suscita a reversão de uma suposta “flecha do tempo" (de caráter evolutivo) da condi­ ção da existência, que sugere que alguém seria “genuíno" no começo da linha do tempo para posteriormente deixar de sê-lo, como se "ser indio" fosse uma etapa até que se torne “branco" ou, no caso da arte, como se o “naif" o fosse somente até deixar de sê-lo. Como coloca Viveiros de Castro, “o encontro com o mundo índio nos leva para o futuro, não para o passado". Não se trata de uma leitura progressista das subjetividades, mas de uma abertura aos processos de diferenciação que. por sua vez, não estacionam: o diferente está continuamente diferindo, podendo inclusive indiferenciar-se. Quem 'não é’ o é, portanto, na mesma potência de quem o seja. Seja lá o que se seja. Seja lá o que for.


CLAUDINEI ROBERTO DA SILVA Curador

Podemos atribuir o crescente interesse e importância que as até aqui 13 edições das "Bienais Naifs do Brasil" logra­ ram alcançar no decorrer das três décadas da sua existência ao fato de que mais do que selecionar e tornar público um elenco de obras e artistas de todo país, as “Bienais Naifs do Brasil" realizadas no Sesc Piracicaba, município do inte­ rior de São Paulo, têm conseguido, além disso, promover um necessário debate em torno dessas manifestações que não poucos consideram indignas do interesse acadêmico. A vocação democrática e felizmente polêmica da "Bienal Naifs do Brasil" está espelhada também nos cuidados de que ela é cercada e na consequentemente rica produção crítica surgida do trabalho de curadores, educadores, técni­ cos e pesquisadores a ela dedicados. A “13* Bienal Naifs do Brasil: Todo mundo é, exceto quem não é". título proposto pela curadora Clarissa Diniz, é a primeira a excursionar para além dos limites de Piracicaba e é mais um resultado gerado pelas inquietações estimuladas a partir da singularidade dessa produção artística genuína a arte que chamamos naif ou popular - que é na feliz defi­ nição do professor Danilo Miranda insubmissa e veraz. Esta bienal, como aquelas que a precederam, formula em chave potente hipóteses não esgotadas pelos textos que ela fez surgir, pois as bienais são, sobretudo, um acontecimento que se completa e ganha maior sentido na interação com público que elas sabem cativar. A exposição "Todo mundo é, exceto quem não é" é uma das maiores até aqui realizada pelo Sesc Piracicaba. Participaram do processo inicial de seleção 948 obras de 474 artistas oriundos de todas as regiões do país. Sua inédita intinerância mais uma vez aponta para a atenção que este tipo de realização artística desperta entre muitos de nós e confirma o caráter democrático de uma instituição que historicamente prestigia esta vertente da arte nacio­ nal. A exposição traz ao Sesc Belenzinho uma coleção de 181 obras de artistas selecionados e convidados, que colo­ cadas em relação constroem uma narrativa abrangente e generosa sobre o fenômeno no qual se debruça e afirma

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uma vez mais uma importância que transcende o interesse “meramente" estético. Podemos argumentar que valores éticos, além dos esté­ ticos, são inerentes às obras de arte, porém esses atributos são às vezes negados á produção cultural e artística daque­ les a quem chamamos naif, fato contestado pelas obras presentes a esta mostra. Aqui as preocupações de ordem política, ecológica, social, de gênero, etc, estão evidencia­ das de maneira ora explicita, ora sutil, não apenas expressa na literalidade própria a algumas narrativas, mas também, e principalmente, pelo uso pertinente, competente e sagaz das técnicas e dos materiais que estes artistas lançam mão.

Página 2 Geraldo Tartaruga. A Chegada de Pedro Malaaartes no Inferno. 2015 (detalhe) Página 6 Flãvio de Carvalho, Sem título, 1972 (detalhe)

Página 9 Joio Generoso. Retrato lambe, lambe I. 2015 (detalhe)

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Página 10 Rosalina, Caminho para o futuro, 2015 (detalhe)

Página 13 Thiago Martins de Melo. 0 coqueiro de sete cabeças após o martírio de São Sebastião de Mantegna - Para Oxóssi e Nação Tupinambá, 2014 (detalhe)


M.B.0.. Os Guardiões da Floresta. 2015

TODO MUNDO É, EXCETO

Neves Torres. Córrego do Rancho, 2015

QUEM NÃO É

ESPAÇO

Desnaturalizar. Nem mesmo o saci é o saci. A natureza não é o que nos une. O que nos conecta é o que fazemos com ela; o que ela faz conosco, num nós que é também dela. A coexistência entre diferentes formas de existência funda reciprocidades e simetrias: humanos e mitos pertencem ao mesmo regime de verdade. Inclusive a origem do mundo de vez em quando se origina novamente, dando a luz a outros corpos. E a corporeidade persiste.

Quando não impera a perspectiva euclidiana. Espacialidades são formas de existir: prescindir de centros ou pontos de fuga funda outros corpos, relações e equilíbrios. Quando a profundidade cede ao raso, já não há o que transbordar tudo é amplidão. Quando se atenua a gravidade, descentrada, radicaliza-se a coreografia.

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Eduirdo Vir, O filo i torre Exu • mojubi 2015 Areis Jr.. Pescador no ver-o-peso. 2D16

GRÁFICO A preponderância da linha que grava e organiza. Da linha que possibilita limitar e em cuja trama, ao mesmo tempo, se intrinca a vida. A linha que decora é também a linha que rabisca; grafar, mais do que escrever, é inscrever. Como ins­ crita é a linha orgânica, que se faz no encontro de superfícies e corpos: linha que surge quando a borda se torna meio.

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PICTÓRICO O desejante da pintura. Quando se deseja, deseja-se o todo - da cor, da tinta, da massa, do escorrimento, do volume, da superfície, do espaço. Daquilo que é o pictórico fora da pintura, e para além de qualquer figura. Do desejo pela pintura que se interpõe à narrativa e que, desejante, delira.

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Laercio. Casal de pretos velhos. 2013 Randolpho Lam

MATÉRICO A preponderância da linha que grava e organiza. Da linha que possibilita limitar e em cuja trama, ao mesmo tempo, se intrinca a vida. A linha que decora é também a linha que rabisca; grafar, mais do que escrever, é inscrever. Como ins­ crita é a linha orgânica, que se faz no encontro de superfícies e corpos: linha que surge quando a borda se torna meio.

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; da Vila Cristina (Série “Crônicas de retalho”). 2015

POLÍTICO Multidão. Sem unidade, a multidão funda um comum por entre as diferenças e as singularidades. O comum prescinde de unidade: além do senso, há também o dissenso comum. A multidão se multiplica na luta e nas formas de ocupação e reinvenção desses comuns, das manifestações politicas à praia ou ao futebol. Mesmo no seio da (in)visibilidade social - naquilo que poderia ser a negação do individuo ou a afir­ mação hegemônica de um sobre muitos - emerge a multi­ dão, dissensual e poderosa.

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EVI DÊN CIAS


OS SENTIDOS DO TEMPO Sesc Sâo Paulo

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O tempo não se deixa ver. tocar, ouvir, saborear e, apesar de aparentemente abstrato, pode ser evidenciado por uma expe­ riência concreta, que deixa vestígios e, por imprimir memória, pode recontar histórias. Um processo em perene andamento, que orienta perspectivas e olhares sobre o passado, norteia o presente e ascende projeções para o futuro. Uma imersão em busca das origens da “Bienal Naífs do Brasil" nos remete ao ano de 1986, no Sesc Piracicaba, com o projeto Cenas da Cultura Caipira, iniciativa que valo­ rizava as tradições populares e proporcionou espaço para a primeira exposição coletiva de artistas naífs na instituição. Nos anos seguintes, as mostras com tal temática ampliaram sua representação e, em 1992, nasceu a Bienal, com a regu­ laridade mantida até hoje. Inicialmente denominada como Mostra Internacional de Arte Ingênua e Primitiva, esta pri­ meira edição foi premiada pela APCA - Associação Paulista de Críticos de Arte, na categoria de Melhor Evento de Artes Visuais do Interior do Estado. Nas edições posteriores, diferentes expografias foram criadas e formatos experimentados. Curadores convidados apontaram para distintos aspectos, favorecendo discussões conceituais e formais que abasteceram, elucidaram e robus­ teceram os preceitos que envolvem sua realização. Durante esse percurso, por meio do Prêmio Aquisição da Bienal, o Acervo Sesc de Arte Brasileira formou um considerável patri­ mônio cultural constituído por obras naífs e populares das mais variadas regiões do Brasil. Algumas delas compõem a presente exposição, bem como o olhar de artistas convida­ dos que colaboram para essa narrativa visual, que evidencia trabalhos e temas essenciais ao longo de tal trajetória. O Sesc, ao realizar a “Bienal Naífs do Brasil", valoriza artistas populares e naífs e um legado feito pelas mãos daqueles que, por ventura, estiveram à margem - seja de um rio ou do circuito artístico - e aqui ocupam um lugar central, tanto nas discussões estéticas e conceituais, quanto em relação ao seu lugar na história da arte brasileira. E os sentidos do tempo, para tais manufaturas artísticas, revelam sua potência e seu caráter de permanência materiali­ zados em telas, traquitanas e suportes diversos, bem como na memória dos que se permitem tocar pela imaginação do outro.

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Clarissa Diniz Curadora O que as folhagens verdes e rosas que tomam Miscigenação (2004) - pintura de Aparecida Azedo - parcialmente escon­ dem é. de alguma forma, o que nos interessa com esta expo­ sição. Não exatamente o que encobre a colorida vegetação, tão típica da obra da artista, senão os diversos jogos entre aquilo que se camufla e aquilo que se precipita no absoluta­ mente vasto corpo de obras que ao longo dos últimos 30 anos conformaram a “Bienal Naifs do Brasil". Se um olhar apres­ sado verá na frondosa pintura mais uma imagem da “encan­ tadora vida no campo", por sua vez um olhar menos fugidio perceberá a crítica do trabalho de Aparecida, que ao longo de sua vida foi também militante comunista. Pois, por entre a cena aparentemente bucólica, disfarçada justamente por seu escancaramento, está uma imagem de trabalho forçado em que personagens negros estão atados a cavalos monta­ dos por homens brancos. Da ambivalência entre a cena de escravidão e o titulo mesticeiro da pintura nasce a potência disruptiva da obra, tão histórica quanto atual. E, ao que nos parece, cada vez mais urgente. Todavia, Miscigenação talvez seja uma exceção. O que a oportunidade de pesquisar a coleção formada ao longo das últimas 12 edições da “Bienal Naifs do Brasil" nos trouxe é que a ambiguidade critica desta pintura de Aparecida não se repete no conjunto. Se a poucas obras esteve reservada tal capacidade de tensionar-se, não é verdade que não houve, de outro modo, uma significativa complexidade de tensões entre obras e vocações estéticas e políticas diversas. Pois, se a den­ sidade institucional da Bienal fortaleceu um campo especifico do dito ‘natf - coproduzindo Tendências’ visivelmente surgi­ das dentro das tradicionais circunscrições desse campo -, por outro lado, a importante capilaridade do projeto (que alcança quase todos os estados do país) o torna também espaço de convivência entre perspectivas singulares e contra-hegemônicas do Brasil e, vale sublinhar, da arte. Com graus ora maiores, ora menores de conivência, na Bienal têm convivido1

1 HôIk> Oiticica, em seu terto Brasil Dianeia (1973). afirmava que a 'convi cofwênoa* era uma 'doença lipica kxasJeica’.

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paisagens idílicas com paisagens apocalípticas, idealizações da mulher com críticas feministas, harmonizações do mundo com distopias. Para além de seus temas (campo, cidade, natureza, trabalho, género, religião, entre outros), as obras aqui apre­ sentadas numa espécie de painel de evidências susten­ tam essas fricções políticas desde aspectos esteticamente "intrínsecos*. Pois enquanto as imagens (estamos diante de um universo radicalmente figurativo em termos de represen­ tação) de trabalho rural, por exemplo, se antagonizam entre versões apaziguadoras das tensões sociais nele envolvi­ das e versões que denunciam explorações e violências, o que as torna sensivelmente tendentes á ordem ou á crítica são, como não poderia deixar de ser, seus partidos formais. Contrastam-se também a cultura de certa ‘perícia plástica' e o antagonismo de uma consciente 'desobediência' ao métier da arte e, em especial, do universo do ‘naif, convidando-nos a pensar acerca dessas classificações e seus modos de atuação social. Afinal, como evidencia o recente apagamento das pixações e dos grafites de São Paulo, as grandes infle­ xões políticas demandam inextrincáveis transformações estéticas, e - insistamos em acreditar - vice-versa. Aespacialidade.alinha.acor.omovimento.adensidade.a matéria, as dimensões, a gestualidade..., dentre tantos outros aspectos são, portanto, também determinantes dos discursos dos trabalhos e seus respectivos autores. Aquém das pre­ guiçosas presunções de que obras esteticamente ordenadas seriam menos questionadoras do que trabalhos de expressivi­ dades imprevistas, é preciso observar que pinturas que repre­ sentam manifestações de ruas de modo esquemático podem ser tão reverentes ao status quo como podem ser criticas pai­ sagens que, de tão idilicas, talvez sejam utópicas. É contra o

risco de binômios empobrecedores que esta exposição inclui, junto ao seu painel de evidências, um conjunto de trabalhos de singular força poética e plástica, inconformes á tentativa de restringi-los a enunciados políticos quaisquer. Pois, diante da heterogeneidade dessas três décadas de Bienal, parece-nos igualmente relevante sublinhar sua fecunda complexidade quanto arriscar-nos a traçar percursos por entre suas (e, por­ tanto, nossas) ambivalências e contradições.


CLAUDINEI ROBERTO DA SILVA Curador

A mostra “Evidências" apresenta ao público de São Paulo algumas obras selecionadas da coleção criada pelo Sesc a partir das até aqui 13 edições da “Bienal Naífs do Brasil'. Também contribuem para criação dessa exposição peças oriundas de coleções particulares. As criações originárias do “universo narT têm sido adje­ tivadas em excesso e dentre os predicados comumente atri­ buídos a elas estão os da ousadia e liberdade. De fato, se por eles entendermos inclusive certo pendor a transgressão concordaremos que ele está presente nos não poucos tra­ balhos que aqui desafiam certa lógica do “bem fazer artís­ tico" e estabelecem insinuantes padrões de latente frescor, até pelo uso sensível de materiais geralmente despreza­ dos. Assim, temos pinturas que mal se contém nos limites impostos pelos suportes variados em que são executadas e verificamos esculturas que. contrariando convenções, são pensadas enquanto brinquedos - deste modo estabele­ cendo novas possibilidades de relação da obra com o público. Essas operações são realizadas sem, no entanto, exaurir das linguagens seus recursos de expressão, mas, pelo contrário, tornando-os virtualmente mais plenos de potencial. As obras bi e tridimensionais dão-nos testemunho da extraordinária capacidade destes artistas para criar e cap­ turar das formas e matérias àquilo que lhes é essencial - e essa sensibilidade toda particular não raramente logra pro­ duzir uma arte de caráter mestiço, que miscigena e arranja qualidades de distintos lugares e situações, os harmoni­ zando numa só plataforma estético-ética. Esses artistas ás vezes revelam e scan ca rada mente a fonte material de onde provêm suas criações, ao mesmo tempo em que as ressignificam emprestando á matéria um sentido poético de clas­ sificação difícil ou pelo menos não tão óbvia. Essa verve contribui para a ideia segundo a qual os artistas naífs não participam de um tratado convencional das artes, subenten­ dendo-se que “foi á falta de aprendizado que os tornou artis­ tas", mas quem pensa assim ignora que o fazer artístico é por si um aprendizado.

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Por conseguinte, a potência criativa frequentemente atribuída a esses artistas é repetidamente imputada á sua formação não acadêmica e se isto é uma verdade - de resto questionável - é também verdade que parte importante dessa produção foi e está sendo balizada em maneiras de fazer já sedimentadas por um modelo, aliás, legitimo, criado no interior desse universo e esfera de produção dita naif. Esse modelo estabelecendo códigos - ou fórmulas - acaba por constituir paulatinamente senão uma espécie de “acade­ mia" própria, ao menos um pensamento "normativo” de regra. A exposição apresenta realizações que ao serem colo­ cadas em perspectiva criam uma narrativa que as obras sozi­ nhas não alcançam formular e, nesse sentido, ensejam mais um capitulo, que reputamos interessante na história da arte nacional, sobretudo se consentirmos que a história da arte é também escrita pelas narrativas organizadas através das exposições. Neste prisma, concordaremos que evidências coligidas a partir das doze edições da “Bienal Naífs do Brasil" organizadas pelo Sesc São Paulo na cidade de Piracicaba oferecem importantes subsídios à construção de uma histó­ ria da arte no Brasil que seja inclusiva e policêntrica.

Página 20 Miguel S.S.S, Depois do Êxodo Rural. 2014 (detalhe)

Página 28 Lombas, Sem preconceito. 2012 (detalhe)

Página 24 Aparecida R. Azedo, Miscigenação. 2004 (detalhe)

Página 31 Ranchinho. A onça e o coelho. 1979 (detalhe)

Página 27 José Bezerra, Homens sertanejos. 2008 (detalhe)

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Ranchinho. Passando a Carpideira. 1998

CUodu Nén. Navegantes 2014

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José Pereira. Rodoviária II, 2004

Efifléncia Rolim Cavalinho e Cavaleiro. 2014

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Cordelia Sem titulo. 2008

Alex dos Santos. A rebelião, 2006

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Neri Andrade, Engenhos. 2MS

Mesbe Moina. Desb<a>am«nto da mata, i d

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Sesc SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO Administração Regional no Estado de São Paulo

Presidente do Conselho Regional Abram Szajman Diretor do Departamonto Regional Danilo Santos de Miranda SUPERINTENDENTES Técnico-Soda! Joel Naimayer Padula Comunicação Social Administração Luiz Deoclécio Mascaro Galina Assessoria Técnica o de Plane|amento Sérgio José Battistelli GERENTES Artes Visuais e Tecnologia Juliana Braga de Mattos Adjunta Nihra Luz Assistentes Sandra Leibovici, Kelly Teixeira, Fabiana Delboni e Julieta Machado Estudos e Desenvolvimento

Adjunto lé Paulo Ribeiro Artes Gráficas Hôlcio Magalhães Adjunta Karina Musumeci Assistente Rogério lanelli Desenvolvimento de Produtos Évelim Lucia Moraes Adjunta Andressa do Góis Assistente Jaqueline Alves Coutinho RelaçSes com o Público Milton Soares de Souza

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Adjunto Carlos Cabral Difusão e Promoção Marcos Ribeiro de Carvalho Adjunto Fernando Hugo C. Ralho Sesc Piracicaba Fábio José Rodrigues Lopes Adjunto Renato F. Oliani SescBelenzInho Marina Avilez Adjunto Fábio Luiz Vasconcelos

SESCBELENZINHO Programação Saleta dos Anjos (coordenação). Cátia Leandro e Regina Marques (supervisão), Leonardo Borges e Edison Eugênio (produção) Comunicação Ricardo Martins Infraestrutura Josué Cardoso Alimentação Roselaine Tavares da Silva Administrativo Marcelo de Jesus Edmilson Ferreira Lima

BIENAL NAÍFS DO BRASIL Comissão de Curadoria 13' edição: "Todo mundo é, exceto quem não é" Clarissa Diniz, Claudinei Roberto da Silva e Sandra Leibovici Assistente Danilo Pera Júri premlação Fabricio Lopez, JuSeta Machado e Valéria Laena Curadoria "Evidências” Clarissa Diniz e Claudinei Roberto da Silva Produção Executiva Nathalia Ungarelli NU Projetos de Arte Coordenação de produção Heloísa Leite Assistente

Coordenação Educativa Marcela Tiboni AcontemporSnea Projeto expográflco Barrira Ghoubar e Anna Ferrari Khaled Ghoubar Arquitetos Associados Assistente Fernando CczarM.Cesar Projeto lumlnotécnlco Alessandra Domingues Hipco Lux Assistentes Camilo Laurent e Mauricio Shirakawa Projeto audiovisual Sérgio Santos Identidade visual e projeto gráfico Fábio Prata, Rávia Nalon e Lucas Machado ps.2 arquitetura + design Assistentes Helena Sbeghen e Gabriela Luchetta Execução do Projeto Expográflco Maxxy Stands Montagem Rna Install Produtora de Arte Transporte e Seguro de Obras de Arte Millenium Transportes Iluminação WPA Assessoria de Imprensa Silvia Balady Oahoss Comunicaçlo

ITINERÀNCIA DA 13* EDIÇÃO

TODO MUNDO É, EXCETO QUEM NÃO É Curadoria Clarissa Diniz, Claudinei Roberto e Sandra Leibovici

EVIDÊNCIAS Curadoria Clarissa Diniz e Claudinei Roberto

21 de abril a 02 de julho de 2017 Visitação Terça a sábado, das 10h às 21 h Domingos e feriados, das 10h às 19h30

Agendamento de grupo tel (11) 2076-9704, das 10h às 17h ou agendamento@belenzinho.sescsp.org.br sescsp.org.br/bienalnaifs


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