Manuel de Araújo Porto Alegre e Gonçalves de Magalhães

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O Brasão do Império e a Constelação de Amizades de Manuel de Araújo Porto-Alegre e Gonçalves de Magalhães: Uma Leitura Neo-estruturalista Semiótica 1

O projeto de construção de uma literatura considerada verdadeiramente nacional foi levado a termo pelos românticos Manuel de Araújo Porto-Alegre e Gonçalves de Magalhães. Porém, envolvidos que estavam com a política e a administração do segundo império partiram no sentido de um projeto com características pedagógicas, moralizantes e patrióticas de tal modo que suas produções poéticas estão marcadas por esses aspectos. Como observa Roque Spencer Maciel de Barros, a respeito de Gonçalves de Magalhães: “O projeto romântico e espiritualista da educação do País está elaborado. Tratase, agora, de pô-lo em prática, com o exemplo concreto de uma nova literatura e de um novo pensamento desenvolvidos. A esse exemplo Magalhães, na medida de suas forças, dedicará daqui por diante sua vida, até o final, primeiro para realizá-lo, depois para defendê-lo. E o primeiro passo desse trabalho concreto será a publicação dos Suspiros Poéticos e Saudades, com a sua redefinição, em termos nacionais, da missão do poeta, como educador de seu País, de sua sensibilidade e de suas idéias.” (BARROS, p. 73) Ao lado de Magalhães, Manuel de Araújo Porto-Alegre desempenhará trabalho importante e fundamental para a efetivação do plano traçado: “O desafio de ‘fundar’ uma nação ‘brasileira’, a busca de civilização, a vida política e a religiosidade, tudo parece ter sido imbuído por Porto Alegre de um caráter estético. Ao projetar nas artes a potencialidade de transformar a sociedade imperial em uma nação culta e peculiar, Porto Alegre dotou de contornos específicos seu engajamento na construção da nacionalidade.” (SQUEFF, p. 24) Os dois amigos seguiram assim caminhos literários emparelhados, ambos escreveram poemas épicos, publicaram poesias líricas eivadas de aspectos heróicos , escreveram teatro com fundamentação histórica. Porto Alegre tem suas especificidades como a de ser pintor, ter sido considerado um admirador da doutrina espírita, ter sido 1

Texto originalmente integrante da pesquisa de pós-doutoramento realizada na USP, em 2010, sob orientação da prof.ª dr.ª Cilaine Alves Cunha, com o título de “Poetas do Império: Estudo da Poesia Lírica de Gonçalves de Magalhães e Manuel de Araújo Porto-Alegre”, posteriormente publicado como livro, com o mesmo título em 2011 (São Paulo, Signos, 2011). Este é o último capítulo.

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diretor do IHGB por 14 anos. Magalhães, por seu turno, teve intensa carreira diplomática e iniciou os estudos de psicologia no Brasil, além de devotado estudioso da filosofia. No prefácio “Ao Leitor”, de Poesias, de 1832, Magalhães escreve: “Acresce mais que a Poesia, louvando as ações dos Grandes Homens, dos Patriotas, e dos Beneméritos, tem por fim inspirar o amor à virtude, e horror ao vício. Assim a Poesia é uma parte da Filosofia moral, ou para melhor dizer, a Poesia e a Filosofia é uma mesma coisa, considerada por dois pontos de vista diferentes. Portanto a leitura dos Poetas é sempre útil, e muito concorre para a moral e a ilustração dos Povos.” Com tal concepção, não é de se estranhar, como já estudamos, que os versos de Magalhães e de Manuel de Araújo Porto-Alegre, se carregados que estão de mensagens patrióticas, moralizantes, e de elementos históricos, também está ausente de paixões amorosas, de sensibilidade erótica e personagens femininas. Mas o fato é que criou-se um grupo de artistas e pensadores, liderados implicitamente por esse dois poetas que tendiam para o projeto artístico em que acreditavam. Esse grupo, aponta Letícia Squeff 2 , podia ter se reunido em dois locais preferenciais, uma vez que freqüentados costumeiramente. O primeiro era a casa do bispo do Rio de Janeiro, Dom José Caetano, na qual Porto Alegre se hospedara por uma época. O outro lugar a loja de Evaristo da Veiga, denominada “Clube da Rua dos Pescadores”. Formariam o grupo informalmente Gonçalves de Magalhães, Porto Alegre, Evaristo da Veiga, Torres Homem, Paula Sousa, Lino Coutinho, Monte Alverne, Freire Alemão, Tomás Gonzaga dos Santos, Paulo Cândido e Antônio Felix Martins. Temos, pois, um grupo que será acrescido de outros nomes com o tempo, no decorrer das carreiras de Gonçalves de Magalhães e de Manuel de Araújo Porto-Alegre. A partir desses dois poetas e tomando por bases suas obras poéticas podemos fazer um exercício com características de análise sociométrica. A sociometria, ou técnica de análise de grupos ou redes sociais, foi primeiramente desenvolvida, nos moldes modernos, pelo psicoterapeuta Jacob Levy Moreno na década de 30 do século XX.

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SQUEFF, Letícia. O Brasil Nas Letras de Um Pintor, p. 66.

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Uma das principais ferramentas da Sociometria 3 é o Sociograma. Sociograma é um gráfico de relações e interações dentro de um grupo. Constituído basicamente por nodos, arestas e setas. Os nodos representam os indivíduos e as arestas e setas representam as interações dentro do grupo. Por meio do sociograma pode-se definir a posição que cada indivíduo tem no grupo, sua importância que pode ser dada pelo número e pela freqüência das interações ou relações observadas, pela orientação delas. Pode-se também por meio do sociograma observar a expansão de uma idéia, sua origem, ou em outros termos, como os biológicos, estudar o avanço de uma epidemia. Abraham Moles defendendo a eficiência da teoria sociodinâmica para o estudo das questões culturais em relação aos sistemas de comunicação de massa, em determinado momento analisa a contribuição sociométrica e busca uma breve definição de sociograma: “A noção de campo social foi bem esclarecida pelos conceitos sociométricos provenientes da obra de Moreno, que se baseiam em uma teoria estruturalista desse campo, conduzindo a uma espécie de alquimia social. Os indivíduos serão considerados como átomos capazes de ligações uns com os outros, e serão esquematizados por círculos dos quais partem e aos quais conduzem flechas, interligando-os a outros átomos, sendo flechas mais ou menos espessas segundo a intensidade das relações entre os indivíduos. Observe-se, do ponto de vista epistemológico, que o termo ‘campo’ aplicado a átomos unitários é um abuso da linguagem, pois a essência do campo é ser contínuo. Esta extensão, na verdade, é cada vez mais válida exatamente na medida em que a sociometria considera os indivíduos cada vez mais ‘de longe’, e tende a assimilá-los aos grãos de areia ou às partículas de um sistema em escoamento.” (MOLES: 1974, p. 137) Assim, por meio da sociometria é possível analisar um grupo de indivíduos e as relações que caracterizam a dinâmica desse grupo. A primeira questão é precisamente identificar os limites, o tamanho do grupo. Pode existir um grupo muito homogêneo, com relações bem definidas de inserção no grupo. O caso de uma família ou uma gangue urbana. As regras de inserção no grupo são mais ou menos definidas, mas são reconhecíveis sem grande dificuldade. Por outro lado, pode existir um grupo muito heterogêneo, cujas relações ou ainda, as regras de inserção no grupo são muito voláteis. É o caso, por exemplo, 3

Indicamos para leitura: JENNINGS, H.H. 1987. Sociometry in Group Relations. 2nd ed. Westport: Greenwood. MORENO, J. L. 1951. Sociometry, Experimental Method and the Science of Society. An Approach to a New Political Orientation. Beacon House, Beacon, New York. Em Português: MONTEIRO, José Maurício & CARVALHO, Esly Regina Souza de. Sociodrama e Sociometria – Aplicações Clínicas. São Paulo, Agora-Summus, 2008.

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de grupos efêmeros, como o de uma excursão, ou uma turma fazendo um curso de férias. Pode ocorrer mesmo, que surja um grupo que até era invisível, a partir da análise de grupos contíguos. Moles, em outra obra, comenta acerca da necessidade natural do ser humano de estar em sociedade, de estar num grupo, embora persista, em alguns casos a noção cada vez mais inverossímil do celibata cultural ou do ermitão: “A Literatura, que oferece à Psicologia um registro ilimitado de ‘casos’, tem freqüentemente descrito indivíduos isolados, mas convém observar que esse termo ‘isolado’ raramente é válido simultaneamente para todos os planos da atividade humana: quem está ao mesmo tempo isolado em seu trabalho, isolado em suas relações sociais, que não escreve nem recebe cartas, que não lê nem publica nem se comunica com a sociedade a não ser ocasionalmente – o velho castelão misantropo, refugiado no campo, sem rádio nem televisão nem correio -, esse tipo de indivíduo é antes uma personagem de ficção que, no limite, não existe, no sentido pragmático do termo, visto que não vê e é invisível.” (MOLES: 1973, p. 97) A leitura da obra poética de Gonçalves de Magalhães, por vezes temos a impressão de encontrarmos esse “velho castelão misantropo” que reclama do seu exílio, de sua solidão e que se refugia na saudade e na rememoração dum tempo anterior ao seu confinamento: “Ah! Deixo ainda mais, deixo um amigo, Que raros são, e que tão poucos tenho!” (MAGALHÃES, “Ao Deixar Paris”) “Ausente do saudoso, pátrio ninho, Em regiões tão mortas” (MAGALHÃES, “O dia 7 de Setembro em Paris”) Por sua vez, a leitura dos poemas de Manuel de Araújo Porto-Alegre, temos um eu-lírico que constantemente cita uma série de nomes e que os homenageia e declama sua qualidades: “Mostra do Caldas a sagrada lira; O plaustro sideral que à Virgem dera O piedoso São-Carlos; a palheta De Leandro e de Rosa; o fino escopro Do grande Valentim, não superado, E os raios da eloqüência que dos lábios Sampaio e Monte-Alverne dardejaram; De Magalhães os místicos suspiros,

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E sei quadro do Plauto Brasileiro Expirando nas frágoas desses monstros A quem Galileu disse: E pur se muove!” (PORTO ALEGRE, “Canto Genetlíaco”) Tomaremos, pois, as duas obras poéticas como ponto de partida para esquematizar um sociograma de relações entre as duas obras e o nomes homenageados. Para início de nosso sociograma há que se considerar um ponto central e o faremos colocando os dois nomes dos poetas e ligando-os não apenas entre si, enquanto átomos de nosso microgrupo inicial, díade, mas inserindo um terceiro, e talvez o nome mais importante em termos de influência sobre ambos no contexto brasileiro que era o de Dom Pedro II. O próprio imperador se integrou ao grupo que defendia a importância do poema épico Confederação dos Tamoios, de Magalhães. Nas poesias de Porto Alegre, por sua vez, são várias as referências à figura do Imperador e do Império: “Faze com que este Filho que nos deste \ Complete a obra imensa começada \ No alto do Ipiranga e no Janeiro”, ou mais adiante: (...) “No heróico sagitário, quando à terra, Sorrindo-se, baixou à pátria amada, De Pedro, o filho que hoje cinge o cetro De benéfica luz, amor e glória.” (PORTO-ALEGRE, “Canto Genetlíaco”) Assim traçaremos uma linha ligando os três “átomos” centrais de nosso sociograma:

Porto-Alegre

D. Pedro II

Gonçalves de Magalhães Evaristo da Veiga (1799-1837), morreu apenas um ano após a publicação de Suspiros Poéticos e Saudades de Magalhães e não chegou a ver impresso as obras poéticas

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de Porto Alegre, sua livraria na rua da Alfândega era ponto de encontro importante daquele grupo de artistas e pensadores. É o autor da letra do “Hino da Independência”. No poema “O Homem Probo Evaristo Ferreira da Veiga”, Magalhães escreve:

“Mas tu amas a Pátria, como eu amo; Amas com amor mais puro, Sem mescla de interesse, como se ama Uma mãe terna, que não tem tesouros, Mas só lágrimas tem para legar-nos.” Francisco de Sales Torres-Homem (1812-1876) 4 , figura controversa daqueles tempos, mulato, filho de português com escrava, era abolicionista, e curiosamente, usava peruca branca e pó de arroz para clarear a pele. Figura influente no círculo de amizades do grupo que estudamos. Em Suspiros Poéticos e Saudades, Magalhães lhe dedica o poema “Uma Noite no Coliseu”: “O amigo fiel; juntos passamos \ De Tito o arco, e ao pé do Palatino \ De um mocho ouvimos hórridos gemidos, \ Que os ares magoavam, ressoando \ Do Coliseu nos longos corredores.” Observemos a sutileza do poema dedicado, uma vez que os dois amigos ouvem ainda as lamentações dos muitos escravos gladiadores que ali pereceram. A revista Nitheroy, fundada na França, foi um dos primeiros órgãos disseminadores de idéias românticas no Brasil, seus fundadores foram Gonçalves de Magalhães, Manuel de Araújo Porto-Alegre e Torres Homem. Frei Francisco do Monte Alverne (1784-1858) foi destacado orador e pregador oficial do Império, ocupando vários cargos honoríficos. A respeito de sua obra, José Aderaldo Castello comenta:

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Francisco de Sales Torres Homem, o visconde de Inhomirim (Rio de Janeiro, 29 de janeiro de 1812 — Paris, 3 de junho de 1876), foi um advogado, jornalista, diplomata, escritor, médico e político brasileiro. Filho do padre Apolinário e da mulata Maria Patrícia, conhecida como Maria "Você me Mata", neta da escrava Eva da Serra de Taubaté, Torres Homem, retratado como um macaco em caricaturas da época, apesar de ter sido mulato, é considerado o negro que conseguiu maior destaque durante o Império. Ele era contra a escravidão, mas escondia seu cabelo com perucas e usava pó de arroz para clarear a pele. Dava muita importância à aparência. Segundo ele, é "preciso não deixar os medíocres e tolos sequer essa superioridade: trajarem bem. As exterioridades têm inquestionável importância." (Campos, 1954, p.19). Fez parte de sociedades secretas republicanas e mais de uma vez desrespeitou o Império. Apesar disso, recebeu o título de Visconde do Imperador em 1871. Foi deputado geral, presidente do Banco do Brasil, ministro da Fazenda, conselheiro de Estado e senador do Império do Brasil de 1868 a 1869. (fonte: Wikipédia).

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“É o princípio da sugestão que a palavra passa a exercer pela sua musicalidade, pressentida já na época pela própria obra de Monte Alverne, de sabor acentuadamente romântico. E esse famoso orador sacro brasileiro, de sentimento nacionalista bem desenvolvido, é o ponto de partida da oratória legitimamente brasileira, de maneira geral.” (CASTELLO, p. 210) Porto Alegre em “O Corcovado” cita-o como um dos nomes de destaque da cultura nacional: “E o grave Monte Alverne, os prévios louros \ De uma idade maior.” Magalhães dedica-lhe um poema: “Ao Meu Ilustre Mestre e Amigo – o reverendíssimo Fr. Francisco de Monte Alverne”, onde a certa altura diz: “Mas desconheço as vozes, e nem sinto Bater-me o coração dilacerado Da grave dor cristã; nem me transportes Subir minha alma ao céu como um eflúvio Da flor erguido; então saudoso extinto; Quem me dera inda ouvir o grande Alverne!” O Frei Francisco de São Carlos (1763-1829) 5 não chegou em vida a ler os versos dos jovens poetas aqui estudados. José Aderaldo Castello a seu respeito escreve: “Pregador de grande fama, deve ter sido também figura central de um grupo que se reunia na época em tertúlia literária, uma espécie de Arcádia, que teria deixado copiosa produção poética hoje ignorada em sua maior parte. Mas o que lhe deu reputação em nossa história literária foi o poema religioso A Assunção – composta em honra da Santa Virgem, como se indica publicado pela primeira vez em 1819.” (CASTELLO, p. 216) Porto Alegre cita o poeta várias vezes em sua obra, por exemplo, no “O Corcovado”: “Já no metro suave de um São Carlos \ Ressuscitar edênicas delícias”. Januário da Cunha Barbosa (1780-1846) foi também destacado orador sacro, fundador do IHGB, do qual Porto Alegre seria diretor por 14 anos. Publicou entre 1829 e 1832 uma das primeiras antologias poéticas do Brasil, o Parnaso Brasileiro. Porto Alegre o cita em

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Indicamos para análise do poema A Assunção da Santa Virgem, de Frei Francisco de São Carlos, o capítulo “A Assunção: Do Clássico ao Nacionalismo Romântico” em nossa dissertação de mestrado: LUNA, Jairo. Retórica da Poesia Épica: de Bento Teixeira a Sousândrade. São Paulo, USP, 1997. O referido capítulo vai da página 161 a 192.

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mais de uma ocasião, como em “O Corcovado”, lamentando a morte recente do amigo: ““Rola ainda em teu rosto a justa lágrima \ Que há pouco arrancou o teu Januário” Inscreveremos esses nomes no nosso sociograma, para que ele vá se desenvolvendo e tomando forma como sociograma de um grupo literário:

Porto-Alegre 1 2 3 4 D. Pedro II

Gonçalves de Magalhães

No nosso novo sociograma, os números 1, 2, 3 e 4 representam os personagens 1 – Evaristo da Veiga; 2 – Torres Homem; 3 – Frei São Carlos e 4 – Januário da Cunha Barbosa. Continuemos, pois, a analisar no sociograma nosso grupo, acrescentando novos “átomos”. Em Suspiros Poéticos e Saudades, Magalhães dedica um poema o intitulando “Ao Ilmo. E Exmo. Sr. José Joaquim da Rocha”, e diz, a certa altura: “Tu foste um dos primeiros que firmaram \ A Independência nossa.” Este José Joaquim da Rocha, homônimo do pintor restaurador baiano do século XVIII, foi um dos articuladores do movimento da Independência. 6

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José Joaquim da Rocha - (1777-1868) Nascido em Mariana (MG), forma-se engenheiro militar. No momento que antecedeu o 7 de setembro, funda em sua casa o Clube da Resistência, mais tarde Clube da Independência, do qual tomam parte alguns dos articuladores do movimento no Rio de Janeiro, como José Clemente Pereira, Luís Pereira da Nóbrega de Sousa Coutinho, Luís de Menezes Vasconcelos de Drummond, entre outros. É um dos promotores do retorno dos irmãos José Bonifácio e Martim Francisco ao ministério, ocorrido em outubro de 1822. Após o fechamento da Constituinte por d. Pedro I, em 1823, acompanha Bonifácio em seu exílio na França. Eles mantêm longa e sincera amizade. Morre em 28 de janeiro de 1868, no Rio de Janeiro.

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Outro poema do livro de Magalhães é dedicado já no título “Ao Coronel Antônio de Souza Lima de Itaparica” Este coronel teve papel decisivo na guerra da Independência na Bahia. Notadamente na batalha de Pirajá e na conquista do forte de São Lourenço, palco da resistência do Exército Português durante a Guerra da Independência do Brasil (18221823), foi conquistado em janeiro de 1823 pelas forças independentes do Capitão Antônio de Souza Lima com canhões trazidos da Fortaleza do Morro de São Paulo. Por esse feito, o forte foi presenteado pelo General Pedro Labatut (1775-1849) com uma bandeira do Brasil, recebendo menção elogiosa na Ordem do Dia 13 de janeiro. O Coronel é citado como personagem no poema épico Paraguassu, de Ladislau dos Santos Titara, 1825. Ao Coronel, Magalhães, diz na epígrafe desse poema oferecer o “Cântico de Waterloo”, logo a seguir vem o poema “Napoleão em Waterloo”, considerado pela crítica em geral sua obra prima no livro. Neste específico poema dedicado “Ao Coronel”, diz: “Intrépido soldado peregrino, \ Que depois de salvar Itaparica, Guardaste na bainha a espada ufana”. No primeiro livro de Magalhães, Poesias (1932), está o poema “Elegia a Morte do Exímio Orador Fr. Francisco de Sampaio”. 7 No poema lemos: “Que escuto? ... já morreu... já não existe... \ Sampaio... o Orador... morreu Sampaio! \ E quem a tão cruel golpe resiste?”

Acrescentemos, pois esses três nomes ao nosso sociograma:

Porto-Alegre 1 2 3 4 5 6 7 D. Pedro II

Gonçalves de Magalhães 7

Frei Francisco de Santa Tereza de Jesus Sampaio (Rio, 1778-1830) entrou com quinze anos para a Ordem franciscana e mereceu honras de pregador régio. Além do Atlântico voou a sua fama de exímio orador sacro; tanto assim que foi sócio correspondente da Academia de Belas-Letras de Munique. O Sr. Dr. Ramiz Galvão, no seu estudo O púlpito no Brasil, coloca Sampaio na primeira plana dos nossos pregadores, considerando-o superior a Fr. S. Carlos, no que discorda do cônego Fernandes Pinheiro.

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Os números 5, 6 e 7 se referem, portanto, a José Joaquim Rocha, Cap. Antônio de Souza Lima, Fr. Francisco de Sampaio, respectivamente. Porto Alegre em “O Corcovado” cita Clemente Pereira (1787 – 1854) 8 : “De Clemente Pereira, compartindo \ O nobre prêmio, o caridoso esforço, \Sua glória também nos evos firma.” Cita também Ferdinand Pettrich (1798-1872) que confeccionou as estátuas de D.Pedro (eqüestre) e do próprio Clemente Pereira na Praia Vermelha. Guillerm Auler escreve a este respeito: “Na correspondência de Manuel de Araújo Porto Alegre, existente no Arquivo da Casa Imperial, há valiosa informação para os estudiosos da história da arte brasileira. Escrevendo a Silvestre Pinheiro, em 10 de abril de 1844, relata o futuro barão de Santo Angelo: "Daqui a ano e meio, verão os brasileiros a primeira estátua de mármore feita no seu país, e começarão a habituar-se a um espetáculo novo para eles, e uma vez convencidos de sua necessidade hão de ir continuando’.” 9 Pettrich foi o autor de um conjunto de várias esculturas no Rio de Janeiro. Destacando no poema “O Corcovando”, em determinado momento a Ilha de Paquetá, Porto Alegre não esquece de citar José Bonifácio (que lá tinha residência) e que foi também um dos principais poetas do chamado período pré-romântico: “.A linda Paquetá, delícia, orgulho \ Da tua capital, do Brasil todo! \ Onde o puro Evaristo e o egrégio Andrada \ Forma dias fruir de ameno pouso”. Massaud Moisés sempre muito crítico, observa acerca de José Bonifácio: “Não que se lhe negue pendor para o trato com as musas, não que se lhe deixe de reconhecer vasto saber, inclusive literário, mas tudo isso está longe de configurar um poeta acima da média. Os seus poemas acusam elevação,

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José Clemente Pereira, também conhecido como José Pequeno (Ade, Castelo Mendo, 17 de fevereiro de 1787 — Rio de Janeiro, 10 de março de 1854), foi um magistrado e político luso-brasileiro. Liderou as manifestações populares do Dia do Fico. Foi deputado geral, ministro dos Estrangeiros, ministro da Justiça, ministro da Guerra, Conselheiro de Estado, ministro da Fazenda e senador do Império do Brasil de 1842 a 1854. Foi provedor da Santa Casa de Misericórdia e sua viúva foi agraciada com o título de condessa da Piedade. 9

Fonte: http://www.artedata.com/crml/crml3001.asp?ArtID=18 (site de Carlos Roberto Maciel Levy. O artigo é assinado por Guilherme Auler, e o texto referencia o aritog O escultor Pettrich, in Presença de alguns artistas

germânicos no Brasil (I). Separata da Revista Vozes, ano 57, dezembro de 1963, p.896-902.

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solenidade, gravidade, enfim, os méritos que habituamos a aplaudir no cientista e político”. (MOISÉS, p. 319) Em “A Destruição das Florestas” é citado por Porto Alegre os amigos que convida à “Meditação” (Canto III). O primeiro deles é Francisco Freire Alemão (1797-1874), médico e botânico: ““Amável Freire, companheiro errante \ Sobre o cimo das serras de Petrópolis, \ Que adoras a Natura, e lhe consagras, \ Sábio e artista, culto tão sublime.” O próximo a ser chamado no poema, para observar e meditar sobre cena infausta é Frei Custódio. Trata-se de Frei Custódio Serrão (1799 – 1873), o segundo administrador do Jardim Botânico, tendo sido antes administrador do museu imperial: “Profundo e solitário Frei Custódio, \ Que estudas a epopéia grandiosa \ Das idades da terra”. O outro convidado é denominado apenas de Silva, que deve se tratar de seu amigo Paulo Barbosa da Silva, a quem já dedicara o poema “O Corcovado”. Paulo Barbosa da Silva (1774 – 1868) 10 , Coloquemos, pois estes novos nomes no nosso sociograma, iniciando agora uma nova linha, com estes nomes, situadas na altura de D. Pedro II.

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Após a queda de José Bonifácio de Andrada e Silva, Paulo Barbosa da Silva exerceu o cargo de mordomomor da Casa Imperial. Em 1840, o Imperador Dom Pedro II confirmou-o nesta posição, quando em 1837 foi alçado ao posto de major e, em 1839, o de tenente-coronel. Em 1843, Paulo Barbosa da Silva, no auge de sua carreira na corte, é promovido a coronel e, um ano depois, reformado como brigadeiro. É a época em que, por iniciativa do major Julio Frederico Koeler, que se manifestara antigo defensor da colonização germânica da Serra da Estrela, adere à causa do fundador de Petrópolis, com o qual assina um contrato em sua qualidade de mordomo da Casa Imperial como decreto. No documento Paulo Barbosa da Silva aluga ao major, sob condições claras e determinadas, a fazenda que adquirira Dom Pedro I chamada Córrego Seco.

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Nesse novo sociograma os números de 8 a 14 referem-se conforme tabela a seguir: 8 – Clemente Pereira; 9 – Ferdinand Pettrich; 10-José Bonifácio; 11-Dom Pedro II; 12- Freire Alemão; 13-Frei Custódio Serrão; 14-Paulo Barbosa Silva. No mesmo “Canto Genetlíaco”, Porto Alegre homenageia Paulo Emílio Bregaro. Paulo Emílio Bregaro, que foi uma pessoa importante no ato final da independência do Brasil. Coube a ele, junto com o capitão Antonio Cordeiro, a missão de entregar a D. Pedro, já em São Paulo, as notícias da Corte Portuguesa culminando com o grito “Independência ou Morte”. Bregaro entrou para a história brasileira como o “Correio da Independência”: “Rompa o triunfo em préstito pomposo, À voz da Natureza, à voz Brasília, Nesta cena, não vista, os hinos mescle; Ofusque-se o esplendor de Paulo Emílio Os triunfos de Roma, o luxo, o fasto, Desse, que em baías, filho de Tibério, Sobre as ondeas tirreanas com assombro, A noite converteu num claro dia!” Outro homenageado por Porto Alegre no Canto Genetlíaco e ligado à política do império foi Francisco de Paula Souza e Melo (1791 – 1854) 11 : “Que das águas de Itu surgiu sem nome, \ Para nobre brilhar no parlamento, \ Modesto Paula Souza!” Assim, como a figura de D. Pedro II é importante no contexto da obra, muito é citado pelos poetas a independência do Brasil, realizada por Pedro I. Veja-se o poema “O

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Francisco de Paula Sousa e Melo (Itu, 5 de janeiro de 1791 — Rio de Janeiro, 16 de agosto de 1854) foi um nobre e político brasileiro. Amigo do padre Diogo Antônio Feijó, viveu um tempo em sua casa no Rio de Janeiro, na rua São José, nº 28. Filho de Antônio José de Sousa e Gertrudes Solidônia de Cerqueira, casado com Maria de Barros Leite, tiveram oito filhos, dentre eles Francisco de Paula Leite. Foi deputado à Assembléia Constituinte em Portugal, ainda no tempo do Brasil colônia. Foi depois deputado-geral nas três primeiras legislaturas, senador (de 1833 a 1854) e primeiro-ministro do Império do Brasil em 1848. (Fonte: Wikipédia).

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Dia 7 de Setembro em Paris”, de Magalhães em Suspiros Poéticos e Saudades, ou Porto Alegre em “Canto Genetlíaco” (Brasilianas): ““E o nobre pavilhão que Pedro outr’ora \Brandira no Ipiranga ao mundo inteiro” Outros nomes são citados nos poemas de Porto Alegre, mas não são seus coetâneos, como Mestre Valentim (1745-1813), o mulato Valentim da Fonseca e Silva, comumente conhecido como Mestre Valentim, destaca-se como um dos artistas mais originais em atuação no Rio de Janeiro entre o último quartel do século XVIII e o início do XIX. Seu estilo "híbrido", no qual concilia formas barrocas e rococós com certo sentido de contenção e sobriedade neoclássicas, sinaliza os processos de aculturação ocorridos nessa cidade desde sua proclamação a capital do vice-reino. Porto Alegre fez defesa acalorada dos valores artísticos de Mestre Valentim, tanto na corte, quanto no IHGB. Porto Alegre via nele um dos melhores exemplos a ser seguido pelas artes brasileira, para se contrapor às influências estrangeiras: “Valentim elevou a arte borronímica a um ponto tal, que rivaliza com as maravilhas de Versailles e a Capela Real de Dresda.” 12 Neste sentido, julgamos ser importante considerá-lo dentro das referências de nosso sociograma literário. Analisando tanto a obra de Magalhães quanto a de Porto Alegre e observando a fortuna crítica, devemos considerar como participante de nosso sociograma o filósofo francês Victor Cousin. Em Letícia Squeff lemos acerca de Porto Alegre: “Porto Alegre parece ter seguido o conselho de Victor Cousin, o mestre do espiritualismo eclético, que recomendava q eu ‘a ninguém é dado caminhar fora do seu século’. Talvez por isso ele também não tenha escapado de certas estultices, célebres entre os intelectuais do Império, como aquela de atribuir origens mediterrâneas aos índios brasileiros.” (SQUEFF, p. 16) Magalhães, por sua vez, entre 1883 e 1836, frequenta o curso de filosofia de Jouffroy, na França, e estuda Victor Cousin com afinco. Roque Spencer aponta a forte influências das idéias filosóficas de Cousin em Magalhães: “E para comprovar essa ‘aliança espiritual’, o ‘projeto nacional romântico’, tal como o concebe Magalhães, seria elaborado em Paris, não só sob a influência literária de Denis e do romantismo francês, mas, principalmente, sob a inspiração da filosofia eclética de outro francês, Victor Cousin. De fato, se manifesta na 12

Porto Alegre, “Santa Cruz dos Milagres”, em: Ostentor Brasileiro. N.° 3, vol.1, 1845, p.241-242.

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poesia de Magalhães, está marcado por um fundo filosófico embebido em Cousin, cujas idéias, não só epistemológicas, históricas ou éticas, mas mesmo as estéticas, constituiriam o ‘centro de gravidade’ do pensamento de Magalhães.” (BARROS, p. 30) Ainda, devemos acrescentar ao nosso sociograma Ferdinand Wolf (1796-1866), bibliotecário de Viena, a quem fora encomendado pela corte brasileira a fazer um estudo da literatura brasileira. No caso de Porto-Alegre, quando Wolf estava a elaborar seu livro O Brasil Literário - Brésil littéraire (Berlin 1863), parece que colheu informações diretas de Magalhães e de Porto Alegre, uma vez que ambos estavam na Europa naquele momento: “O problema é que o livro de Wolf acrescenta mais um aspecto à biografia do artista: afirma que ele [Porto Alegre] fora para o Rio de Janeiro com a intenção de tornar-se..diplomata, enfatiza o trabalho literário, mencionando, de passagem, a atuação nas artes plásticas. De fato, se foi poeta bissexto durante o tempo que passou na corte, nos últimos anos de vida Porto Alegre dedicou-se principalmente à literatura. (...) Sabe-se que o autor [Wolf] retirou as informações para o livro de conversas com Porto Alegre e Gonçalves de Magalhães, que viviam como diplomatas na Europa. Torna-se difícil duvidar, assim, que não tenha sido o próprio Porto Alegre quem forneceu a Wolf a interpretação de seu passado. Ele [Porto Alegre] influenciou o crítico austríaco a incluir seu nome entre os literatos brasileiros, ou menos não o impediu. Curiosamente, calou sobre sua atuação em prol das belas-artes no Império.” (SQUEFF, p. 48) Poderiam ser acrescidos mais outros nomes, mas acrescentaremos apenas o de Antônio Félix Martins 13 , que participou da organização da Revista Nitheroy na França, com Magalhães e Porto Alegre. Outros nomes citados (Leandro, Pinheiro, Rosa) por Porto Alegre estão já numa esfera mais exterior do grupo, uma vez que sua influência é menos percebida na obra. Pode-se discutir que influência Paulo Emílio Bregaro, pode ter, mas observe-se que nosso Sociograma é literário, baseando-se nas características e nas referências das obras desses dois poetas, e os fatos históricos relativos à Independência do 13

Antônio Félix Martins, primeiro e único barão de São Félix (Rio de Janeiro, 30 de novembro de 1812 — Rio de Janeiro, 18 de fevereiro de 1892) foi um médico, professor e político brasileiro. Filho de José Martins e Rita Angélica de Jesus, casou-se com Ana Carolina Pinto. Formado na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, foi ali professor de patologia, além de cirurgião da Guarda Nacional, inspetor do Hospital Marítimo de Santa Isabel, presidente da Junta Central de Higiene Pública, da Caixa Municipal de Socorros Públicos e do Montepio Geral dos servidores do Estado. Foi membro e presidente da Academia Imperial de Medicina. Como político, foi vereador e presidente da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Era maçom na Loja Grande Oriente Unido do Brasil e também sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. (fonte: Wikipédia).

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Brasil e a proposta de criação de um projeto literário para o Brasil estão de tal forma influentes na obra deles, que os personagens históricos envolvidos nesses acontecimentos e que foram contemporâneos de Magalhães e Porto Alegre foram decisivos. Assim, acrescentaremos apenas mais sete nomes ao nosso sociograma, ficando assim:

Os números de átomos de 15 a 21 referem-se respectivamente aos seguintes nomes: 15 – Paulo Emílio Bregaro; 16 – Francisco de Paula Souza e Melo; 17 – Mestre Valentim; 18 – Dom Pedro I; 19 – Victor Cousin; 20 – Ferdinand Wolf; 21 – Antônio Félix Martins. Analisando um pouco nosso sociograma, podemos perceber que existe um eixo vertical central formado pela figuras determinantes de Gonçalves de Magalhães se Araújo Porto Alegre, e que o centro desse eixo é ocupado por Dom Pedro II. Pelo papel dominante que exerceram na literatura produzida por esse grupo, justifica-se a colocação dos dois 15


poetas nos extremos, e pela função dominante de poder que o imperador tinha sobre todos os personagens citados – que em sua maioria estavam ligados ao governo imperial – justifica-se também a colocação de Dom Pedro ao centro. Existem três linhas de sete átomos cada uma, representando os integrantes do grupo, sendo que na linha central, a figura que representa o cruzamento da linha com o eixo vertical é o próprio Dom Pedro II. Na primeira linha os nomes colocados estão assim dispostos em suas representações no grupo. Do lado direito do grupo, na primeira linha temos dois personagens que foram determinantes para o andamento de projetos de publicação conjunta, como a Revista Nitheroy, como é o caso de Torres Homem e Januário da Cunha Barbosa, Frei Francisco de São Carlos, ou, ainda, para o fornecimento de material literário, como é o caso do livreiro Evaristo da Veiga – este já na mira do eixo vertical. Do lado esquerdo do grupo, temos personagens que tiveram papel menor ou insignificante em termos literários, mas que estão presentes em termos de patriotismo, que serviram aos poetas como exemplo dessa característica. São eles, José Joaquim da Rocha, Capitão Antônio de Souza Lima e o Frei Francisco de Sampaio. Na linha seguinte, ou intermediária, do lado direito temos, personagens ligados ao limite entre Arte e História, como é o caso de José Bonifácio, do escultor Pettrich e um personagem ligado diretamente ao papel histórico de Bonifácio que foi Clemente Pereira. Ao centro, Dom Pedro II, e do lado esquerdo temos outros três personagens sem importância literária, mas de importância histórica e política: Frei Custódio Serrão, Freire Alemão e Paulo Barbosa da Silva. Na terceira linha, temos do lado direito temos dois personagens de destaque político e histórico, ligados ao processo de independência – Paulo Emílio e Paula Souza, e um terceiro, que é um artista plástico do período colonial, cuja figura serviu a Porto Alegre para que defendesse um conceito de valor da arte brasileira em contraposição à européia, numa estratégia de buscar nossa independência também no campo artístico, Mestre Valentim. No centro dessa terceira linha e sob o eixo vertical, está a figura de Dom Pedro I, do lado esquerdo temos os dois franceses que influenciaram decisivamente Magalhães e Porto Alegre (Cousin e Wolf) e por fim, Antônio Félix da Silva, que na França ajudou na criação da revista Nitheroy.

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As relações do grupo foram verticalizadas para efeito didático, mas podemos pensar em ligações diagonais ligando todos com todos, porém, como nosso enfoque é sobre os dois poeta Magalhães e Porto Alegre e o grupo está sendo composto a partir das obras destes, é preferível manter a verticalização das ligações. O Sociograma, a partir do eixo central também se configura sobre um eixo horizontal. No eixo vertical prevalecem os conceitos de Patriotismo e Religião – que são dois conceitos determinantes tanto para a poesia de Magalhães e Porto Alegre, quanto para os imperadores Pedro I e Pedro II e para o poeta Januário da Cunha Barbosa, orador sacro e poeta. O eixo vertical oscila entre Literatura (poesia) e Filosofia, esta fundamentando as ações políticas da época (Iluminismo, Ecletismo). Assim temos o cruzamento dos dois eixos: Religião

Literatura

Filosofia

Patriotismo

Podemos sobrepor o sociograma ao cruzamento dos dois eixos e verificar a posição de cada átomo em relação a esses eixos e, no geral, todos se enquadraram com relativa justificativa aos eixos. Por exemplo, Cousin, estará no âmbito do quadrante entre Filosofia e Patriotismo; José Bonifácio, por sua vez no eixo da Literatura, na linha intermediária, poderá oscilar entre Patriotismo e Religião. Ao se sobrepor, fazemos uma identificação com um símbolo fundamental do império que é o Brasão do Império: a abóbada armilar e a cruz da Ordem de Cristo:

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Observando a abóbada armilar, constituída exatamente de um eixo vertical central e três linhas horizontais, os cruzamentos formam 21 pontos de interseção entre linhas horizontais e verticais, mais os dois extremos do eixo vertical central que combinam com a posição de nossos átomos no sociograma. Para adaptarmos melhor nosso sociograma e nossos eixos ao brasão do império, podemos dizer que a faixa diagonal amarela é um terceiro eixo que permite a rotação dos outros dois, como ponteiros do relógio, fazendo assim que ajustemos, de acordo com a rotação os nomes que não estejam adequados em seus quadrantes, dando assim ao sociograma um efeito dinâmico, ou como disse Abraham Moles, “um contínuo escoamento”. No brasão do império o círculo azul com vinte estrelas representam as 20 províncias do segundo reinado. Escolhemos as principais obras literárias de Magalhães e Porto Alegre, formando um total de vinte obras, representando assim cada estrela uma obra de um dos dois poetas, configurando assim a origem e as características do sociograma formado. As obras escolhidas foram as seguintes: Obras de Manuel de Araújo Porto Alegre 1 - Brasilianas, 1863 18


2 - Colombo, 1866 3 - Prólogo Dramático (teatro), 1837 4 - Angélica e Firmino (teatro), 1845 5 - A Estátua Amazônica (teatro), 1851 6 - Os Judas (teatro), 1858 7 - Canto Inaugural (teatro), 1959 Obras Gonçalves de Magalhães 8 - Amância (romance) 9 - Poesias, 1832 10 - Suspiros Poéticos e Saudades, 1836 11 - Antônio José ou o Poeta e a Inquisição, 1839 12 - Olgiato (tragédia), 1841 13 - A Confederação dos Tamoios, 1856 14 - Os Mistérios, 1858 15 - Fatos do Espírito Humano (filosofia), 1858 16 - Urânia, 1862 17 - Poesias Avulsas, 1864 18 - Cânticos Fúnebres, 1864 19 - A Alma e o Cérebro (Psicologia), 1876 20 - Opúsculos Históricos e Literários, 1865. Desse modo, concluímos essa comparação entre o conjunto de amigos e personagens que influenciaram a obra de Manuel de Araújo Porto Alegre e de Gonçalves de Magalhães, identificando uma possibilidade de comparação com a estrutura do Brasão do Império – símbolo tão caro aos dois poetas – e um sociograma cruzado com os eixos temáticos dominantes nas obras de ambos. É claro que a coincidência da forma e da estrutura foi buscada intencionalmente, mas o fato dela ser conseguida, demonstra como em termos culturais havia uma integração de propósitos e os símbolos escolhidos para representar os mesmos propósitos. Deste modo procedemos a uma análise Neo-estruturalista Semiótica, em que demonstramos como um conjunto significativo de elementos existentes nas obras de Manuel de Araújo Porto-Alegre e de Gonçalves de Magalhães articulam-se de modo a compor um diagrama que é análogo à forma do brasão do Império. A analogia não é gratuita, uma vez que os dois poetas figuraram efetivamente como ligados diretamente à política cultural do II Império e foram dos seus representantes mais significativos. Nossa proposição é que existiu uma ligação inconsciente ou sincrônica entre as possibilidades de realização das obras dos dois poetas e o contexto sócio-cultural em que eles estavam inseridos, de modo que surgem analogias, espelhamentos, reflexos – diretos ou traduzíveis 19


– de uma situação exterior à obra (qual seja seu contexto sócio-cultural e político) e as possibilidades de realização desta obra. O sociograma apresentado e o brasão do Império demonstram, ao nosso ver, esta possibilidade tradutiva de um conjunto de características de um contexto sócio-cultural nas possibilidades estruturais e formais da obra, fazendo com que seu conteúdo se expresse por meio dessas possibilidades, articulando uma transformação de um símbolo dominante naquele contexto nas especificidades da linguagem.

REFERÊNCIAS BARROS, Roque Spencer Maciel de. A Significação Educativa do Romantismo Brasileiro: Gonçalves de Magalhães. São Paulo, Grijalbo \ Edusp, 1973. CASTELLO, José Aderaldo. Manifestações Literárias do Período Colonial. São Paulo, Cultrix \ Edusp, 1973. LUNA, Jayro. Teoria do Neo-estruturalismo Semiótico. São Paulo, Vila Rica, 2006. MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira, vol 1: Origens, Barroco, Arcadismo. São Paulo, Cultrix, 1990. MOLES, Abraham. Sociodinâmica da Cultura. São Paulo, Perspectiva, 1974. _________. Rumos de uma Cultura Tecnológica. São Paulo, Perspectiva, 1973. SQUEFF, Letícia. O Brasil Nas Letras de Um Pintor. Campinas, Editora Unicamp, 2004.

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