A influencia da memória de longo prazo no desempenho escolar: um estudo do Testing Effect

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A influencia da memória de longo prazo no desempenho escolar: um estudo do Testing Effect

Prof. Sandro G. L. Prass prof.sandroprass@gmail.com Universidade de Caxias do Sul, RS – Brasil. RESUMO O “Testing Effect” refere-se à descoberta de que a memória de longo prazo é aumentada quando o estudante dedica algum tempo para a resolução de testes complementares (gradualmente mais complexos) aos da aula (do livro ou caderno) quando se prepara para um teste ou prova (concurso). O Testing Effect também é chamado de prática de recuperação, teste de prática ou aprendizado aprimorado e seus

resultados

são

publicados

desde

1917

por

Gates.

Neste

trabalho

apresentaremos alguns resultados práticos (experimentais) de uma pesquisa realizada com dois grupos de alunos do 1º ano do ensino médio em 2017, na disciplina de Física. Os resultados demonstram a eficácia do processo com uma redução de até 80% das notas abaixo da média. A pesquisa foi baseada nos estudos do professor Thomas C. Toppino (PhD) do Department of Psychology Villanova University, Pensilvania – USA.

PROBLEMA A grande demora em promover o nivelamento das habilidades e competências necessárias para a evolução nos estudos da Física dos alunos do 1 o ano do ensino médio e o consequente baixo rendimento, em função, principalmente, da falta de experiência (habilidade) na coleta, análise, compreensão e conversão de unidades de medida, na resolução matemática de equações e análise de resultados.

PROPOSTA Os dois grupos de alunos envolvidos na pesquisa tiveram uma aula idêntica, com as mesmas explicações, com os mesmos exercícios, nas mesmas condições.


Sendo que para uma das avaliações tinham como material de estudo apenas o material gerado nas aulas (caderno, livro, textos, exercícios, exemplos), executando um processo denominado to-be-remembered e para outras duas avaliações tiveram o complemento de uma lista de atividades, de testes preparados para uma insistente recuperação dos elementos mais importantes do conteúdo, gradativamente mais complexos, segundo a proposta do processo Testing Effect. Em seguida os resultados são comparados estatisticamente.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA BÁSICA PARA O EXPERIMENTO Segundo a teoria de aprendizagem significativa de Ausubel (1968) o fator isolado mais importante que influencia a aprendizagem é aquilo que o aprendiz já sabe. Sejam estes conhecimentos adquiridos através de experiências vividas, práticas realizadas, de estudos teóricos, leituras, notícias, de procedimentos decorados, esquemas, etc., ou seja, das memórias de longo prazo do aprendiz. E neste contexto que, quando o professor, de uma forma ativa, consegue estabelecer ligações entre o que o aluno já sabe com o novo conhecimento é que a chance deste conhecimento ser assimilado é muito maior. Por isso, é razoável afirmar que este princípio está baseado, em grande parte, na memória estudante, e em especial na memória de longo prazo. Segundo Ausubel, a aprendizagem ocorre quando a nova informação "ancora-se" em conceitos relevantes (subsunçores) preexistentes na estrutura cognitiva (memória). Ou seja, novas ideias (conceitos) podem ser aprendidas significativamente, na medida em que outras ideias estejam entendidas, na estrutura cognitiva do indivíduo e funcionem, dessa forma, como ponto de ancoragem para as novas. Em vista da fundamental importância da memória do estudante no processo de ensino aprendizagem, fica clara a necessidade de se realizar atividades didáticas que tenham potencial para desenvolver no aprendiz habilidades e competências que permaneçam na memória de longo prazo deste. São comuns os depoimentos de estudantes que confirmam o fato de estudarem intensamente antes da prova e até


se saírem bem na prova, mas que num curtíssimo espaço de tempo depois da avaliação já não reconhecem mais o que foi estudado ou se quer que raciocínios utilizaram na resolução da mesma. Neste contexto, Wheeler, Ewers e Buonanno (2003) descobriram que o tipo de experiência de aprendizagem to-be-remembered (TBR), onde o estudante estuda repetidamente os seus materiais de aula (exercícios, livros, tarefas de casa e anotações de aula), em relação à experiência de aprendizagem proposta pelo Testing Effect (TE), onde os estudantes resolvem listas de exercícios gradualmente mais complexos, apresentaram diferenças no intervalo de retenção (memória) e na determinação do desempenho final dos estudantes nas avaliações. O estudo apontou, em alguns poucos casos, um melhor resultado para o processo to-beremembered do que um Testing Effect após um curto intervalo de tempo, enquanto o Testing Effect foi mais benéfico em longo prazo. Resultados semelhantes foram relatados por outros pesquisadores (Roediger & Karpicke, 2006b; Runquist, 1983). Wheeler et al. concluem que, enquanto os estudos em cima do material tradicional de aula (TBR) pudessem fortalecer uma representação na memória, os testes complementares (TE) fortalece ou melhora o próprio processo de recuperação, reduzindo a chance de perda de memória de longo prazo. A Memória de Longo Prazo possui capacidade ilimitada de armazenamento e, as informações ficam nela armazenadas por tempo também ilimitado. A Memória de Longo Prazo contém as informações que nós temos disponíveis de maneira mais ou menos permanente, ou seja, permite a recuperação de uma informação depois de décadas que ela armazenada e os limites da sua capacidade são desconhecidos. E importante percebemos a diferença da Memória de Longo Prazo com os outros tipos de memórias e sua estrutura. O conhecimento armazenado na Memória de Longo Prazo afeta nossas percepção do mundo e nos influencia na tomada de decisões. A Memória de Longo Prazo tem como função armazenar toda a informação que nós possuímos e não estamos usando (Gagné, Yekovich & Yekovich, 1993; Pfromm Neto, 1987). A informação entra na Memória de Longo Prazo através da Memória de Curto Prazo. Para Gagné e colaboradores (1993), a sensação de não lembrar alguma coisa está mais associada à falta de uma boa pista de recuperação da informação do que à perda da informação propriamente dita.


Enquanto a informação precisa ser ensaiada para se manter na Memória de Curta Duração, ela precisa ser elaborada para ir para a Memória de Longa Duração, isto é, precisa ser classificada, organizada, conectada e armazenada com a informação que já existe na Memória de Longa Duração, processo este possibilitado por uma lista de testes devidamente estruturada. Como aponta Dembo (1994), o propósito das estratégias de aprendizagem é de ajudar o aluno a controlar o processamento da informação de modo que ele possa melhor armazenar e recuperar a informação na Memória de Longa Duração. Uma questão crítica diz respeito à comparabilidade da lista de exercícios (material didático) e as questões nas avaliações. Embora os estudantes participantes de estudos estivessem expostos a todos as possibilidades de situações problema para o seus estudos (via TBR), eles geralmente lembram apenas alguns dos itens das tais possibilidades (Carrier & Pashler, 1992; Kuo & Hirshman, 1996) e quando comparados aos que realizam os exercícios complementares (Testing Effect) e mesmo em situações onde as questões da avaliação diferem significativamente das dos testes realizados, estes tem mais sucesso na resolução das mesmas, ou seja, apresentam maior competência frente à complexidade. Destaca-se que as diferenças na recuperação de informações entre os processos de estudo (TBR) e o dos testes complementares (TE) podem ser minimizadas com a estratégia da repetição auditiva sucessiva dos conteúdos (Kuo e Hirshman, 1996), dependendo do objeto de estudo. Estudos apontam que estudos aos pares reduzem a taxa de esquecimento e alargam a vantagem do Testing Effect na aprendizagem e na recuperação da memória em intervalos de retenção mais longos, Runquist (1983). É importante salientar que nem sempre existirão conhecimentos prévios (memórias) na estrutura cognitiva do aluno que possam ancorar um novo conhecimento, e daí a aprendizagem, inicia pelo menos, de uma forma denominada como aprendizagem mecânica. Mas mesmo neste tipo de aprendizagem pode existir algum tipo de associação, porém, não no sentido de interação com conhecimentos prévios, por não existirem. Apesar da aprendizagem significativa, baseada nos conhecimentos prévios dos alunos, ser mais desejável em relação à aprendizagem mecânica, em muitas


situações a aprendizagem mecânica é desejável e necessária, principalmente quando se está na fase inicial do ensinamento de um novo conhecimento, inédito a uma pessoa. Segundo Moreira (2009), Ausubel não estabelece a distinção entre aprendizagem significativa e mecânica como sendo uma dicotomia, e sim como um continuum. Por exemplo, a simples memorização de fórmulas situar-se-ia em um dos extremos desse continuum (o da aprendizagem mecânica), enquanto que a aprendizagem de relações entre conceitos poderia estar no outro extremo (o da aprendizagem significativa).

DADOS COLETADOS A seguir os resultados das avaliações do GRUPO 1 envolvido no estudo, composto de 27 alunos do 1o ano do ensino médio. O teste 1 foi aplicado em 21/03/17, o teste 2 em 09/05/17 e o teste 3 em 13/06/17. Sendo importante salientar que o conteúdo das avaliações é cumulativo e progressivamente mais complexo. Teste 1: movimento, repouso, deslocamento e velocidade média (MRU). Teste 2: velocidade média, aceleração, deslocamento em movimentos com aceleração (MRU e MRUV). Sendo proposta uma lista complementar com 20 questões. Teste 3: movimentos acelerados, leis de Newton, força, força resultante, peso, força normal, força de tração em cordas, inicio do estudo sobre força de atrito. Sendo proposta uma lista complementar com 33 questões. No teste 1 os procedimentos didáticos são os ditos tradicionais, ou seja, conteúdo exposto, explicado, exercícios resolvidos, tarefas de casa são propostas e corrigidas na próxima aula, e por fim, os alunos são avaliados. Neste caso o que o aluno tem para estudar é o material didático e os exercícios já desenvolvidos, é um estudo no sistema “to-be-remembered” (TBR). Nos demais testes, gradativamente, foi introduzido o sistema proposto pelo “Testing Effect”, onde o diferencial é a aplicação das listas de exercícios


complementares para resolução em casa, com problemas gradativamente mais complexos. E neste caso, as tarefas de casa são cobradas dos estudantes, através de uma conferência, aluno por aluno, sobre sua resolução. TESTE 1

TESTE 2

TESTE 3

1

7,3

9,5

9,2

2

4,0

7,5

7,9

3

4,6

7,0

6,7

4

6,3

10,0

8,3

5

5,3

7,5

9,2

6

6,3

10,0

7,1

7

3,0

10,0

8,3

8

6,9

9,5

7,1

9

9,9

9,5

10,0

10

6,9

6,0

5,8

11

5,6

6,0

7,5

12

7,6

8,5

8,3

13

4,6

7,0

7,9

14

4,0

7,0

7,5

15

8,9

10,0

8,3

16

7,9

8,5

6,7

17

5,3

10,0

7,9

18

8,3

10,0

9,2

19

4,3

6,0

5,8

20

8,3

8,5

8,7

21

8,9

8,5

7,9

22

5,9

9,5

8,3

23

1,3

2,5

4,2

24

3,0

7,5

9,2

25

6,9

10,0

7,5

26

6,9

8,5

5,0

27

9,2

7,5

9,2

MÉDIA

6,2

8,2

7,7

A seguir um quadro demonstrativo por nível de rendimento por teste, onde é descrita a quantidade de notas por nível de rendimento nas provas.


BAIXO

BOM

ÓTIMO

(0 a 6,9)

(7 a 8)

(8 a 10)

TESTE 1

18

3

6

TESTE 2

4

7

16

TESTE 3

5

10

12

Num quadro demonstrativo de resultados é possível perceber a diferença quantitativa de resultados por faixa de rendimento. Sendo que a queda dos resultados classificados como baixos foi de 73%, mesmo considerando que nesta categoria inicialmente existiam diversos exemplos de notas próximas a média 7,0 (que poderiam não ser consideradas tão ruins), ou seja, entre 6,0 e 6,9 pontos. Já os ditos bons resultados aumentaram em 233% e os ditos ótimos aumentaram 100%.

O GRUPO 2, composto de 33 alunos, da mesma série que os do GRUPO 1, com o mesmo material didático, nas exatas mesmas condições de ensino, os resultados de 4 avaliações são apresentados na tabela a seguir. TESTE 1

TESTE 2

TESTE 3

TESTE 4

1

5

5

8,3

9,9

2

7,5

10

9,3

10

3

7,5

10

8,7

9,4

4

8

5,5

8,4

9,9

5

7

5

7,5

9,9

6

6,3

8,5

8,7

9,4

7

4

1

3,6

5,8

8

5

5

7,7

9,4

9

7,5

3,5

9,1

9

10

8

7

8,7

9

11

4,3

5,5

7

9

12

5,5

9

8,6

8,5

13

4,5

2,5

7,9

9

14

5

7

1,7

9,4

15

6,5

4

5,6

6

16

5

5,5

3,1

7,2

17

8

6,5

9,1

9,4

18

4,5

3

7,8

9


19

6,8

5,5

8,7

9,4

20

5,3

6

8,1

8,1

21

5,5

4

7,9

7,2

22

7

5,5

8,8

7,6

23

4,5

3

4

8,5

24

5,5

7,5

8,5

8,5

25

4

1,5

6,9

6,9

26

5,5

7

8,5

8,4

27

6,5

5

8,7

8,5

28

5,5

7,8

8,8

8,1

29

3,5

1

6,8

6,3

30

4,5

2,5

6,4

7,2

31

3

5

7,7

8,1

32

7,5

8,5

9,1

9

33

8

8

8

9

5,8

5,5

7,5

8,4

MÉDIA

A seguir um quadro demonstrativo por nível de rendimento por teste, onde é descrita a quantidade de notas por nível de rendimento nas provas. BAIXO

BOM

ÓTIMO

(0 a 6,9)

(7 a 8)

(8 a 10)

TESTE 1

23

6

4

TESTE 2

22

5

6

TESTE 3

8

7

18

TESTE 4

4

4

25

Num quadro demonstrativo de resultados é possível perceber a diferença quantitativa de resultados por faixa de rendimento. Sendo que a queda dos resultados classificados como baixos foi de 80%, mesmo considerando que nesta categoria inicialmente existiam diversos exemplos de notas próximas a média 7,0 (que poderiam não ser consideradas tão ruins), ou seja, entre 6,0 e 6,9 pontos. Já os ditos ótimos resultados aumentaram em mais de 500%.


CONSIDERAÇÕES FINAIS Considero fundamental salientar que

qualquer estratégia

de

ensino

aprendizagem só é potencialmente eficiente se houver a vontade de aprender por parte do educando. De Ausubel a Perrenoud é possível fundamentar que se o educando não quiser aprender a aprendizagem não acontece. E tal situação se aplica a resolução dos testes, das tarefas de casa, pois se os estudantes não resolverem as tarefas, não se esforçarem, não ocorrerá à aprendizagem. No entanto, depende do professor a motivação principal para que isto aconteça, instigando, motivando, valorizando os pequenos progressos, providenciando condições para que de pequeno em pequeno progresso, acerto, o aluno vá evoluindo para os desafios maiores. Não adianta nada olhar se o estudante tem o caderno feito, as tarefas resolvidas se ele não se sentir motivado a resolvê-las corretamente, pois é possível que estejam resolvidas, copiadas de outros ou simplesmente erradas para apenas constar que tentaram fazer. E neste sentido, envolve-los em um ambiente ativo de aprendizagem no momento do ensino e das correções motiva-os a fazerem certo. Principio básico dos modelos de aprendizagem ativa. Os resultados da aplicação do sistema Testing Effect de reforço aos estudos são significativamente positivos, mas creio que o maior ganho seja no engrandecimento da autoestima dos alunos frente à aprendizagem, a confiança de continuar aprendendo, pois, na semana seguinte a uma avaliação, a devolução da avaliação, começa outro conteúdo e o aluno tem de se sentir continuamente motivado e confiante de que irá continuar aprendendo e indo bem. Finalizando, saliento que o sistema proposto não consiste exclusivamente em se oferecer ao estudante uma lista extra de exercícios, a lista deve ser especialmente estruturada para gradativamente conduzir a aprendizagem de situações simples até situações mais complexas, exigindo gradativamente a conversão de habilidades isoladas, agora associadas, em competências.


BIBLIOGRAFIA Ausubel, D.P. (1968). Educational psychology: a cognitive view. New York, Holt, Rinehart and Winston. Carrier, M., & Pashler, H. (1992). The influence of retrieval on retention. Memory & Cognition, 20, 633–642. Dembo, M.H. (1994). Applying educational psychology (5 ed.). New York: Longman. Gagné, E.D., Yekovich, C.W., & Yekovich, F.R. (1993). The cognitive psychology of school learning . New York: Harper Collins. Dempster, F. N. (1992). Using tests to promote learning: A neglected classroom resource. Journal of Research and Development in Education, 25, 213–217. Gates, AI (1917). "Recitation Psychology, 6 , 40.

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