Fragmento

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Fragmento representação da memória na arquitectura

Carlos Alberto Amaral Albuquerque Castro P ro v a

Final

para

Licenciatura FAUP

em

A rq u i t e c t u r a

ano lectivo 2005/2006


Capa: Herbert Bayer Auto-retrato, 1932, (Pormenor) Foto-montagem, colagem

II


Prova Final para Licenciatura em Arquitectura FAUP, ano lectivo 2005/2006

FRAGMENTO - representação da memória na arquitectura Carlos Alberto Amaral Albuquerque Castro

III


Agradecimentos Pela disponibilidade, atenção e rigor na orientação do trabalho Arquitecto Carlos Machado Pelo apoio, acompanhamento e rigor Diana Vieira da Silva Pela amizade e confronto de ideias Tiago Araújo Pedro Varela Rui Gonçalves Tiago Oliveira

IV


Dedicado aos meus pais e irmãos

Docente Acompanhante Assistente Convidado Arqtº Carlos Manuel Castro Cabral Machado Estágio realizado no período de 23/09/2005 a 23/03/2006 sob a responsabilidade: Arqtº Álvaro Leite Siza Vieira



Abstract “No nosso tempo e contexto, o “contemporâneo” é uma espécie de transe, um espelho baço para todo os relativismos. Em Portugal ainda estamos a decidir se alguma vez fomos modernos, e já o “contemporâneo” nos entra em casa como um tsunami.” O estudo em questão tenta perceber como os arquitectos portugueses, mais concretamente Álvaro Siza e Eduardo Souto Moura, respondem ao momento de crítica ao Moderno. A partir da cidade Rossiana invoca-se o universo portuense da década de 70 e 80. Aldo Rossi é uma personagem determinante para uma nova abordagem da arquitectura e da cidade. Para este a “ ...lógica de “princípio” inclui a intuição do “fim”...” apontando então para as constantes da arquitectura. Aquelas constantes que emergem da evocação fragmentada do passado e que são reutilizadas com novos usos. A cidade de Rossi, concretizada no contacto de peças independentes, remete a definição da evolução urbana para a História e para a sua memória. A arquitectura enquanto ordem e abstracção não impede uma evolução autónoma de cada cidade. O conhecimento da evolução da arquitectura permite afirmar a importância essencial da acção do Tempo. As marcas da passagem do tempo são testemunho da evolução das cidades e dos edifícios. O desgaste e a consequente ruína dos edifícios são parte de um processo de aproximação à Natureza. A ruína enquanto tema e instrumento de projecto é objecto de análise. Álvaro Siza na década de 70 supera “... a fase da arquitectura em que se pensava que a unidade da linguagem resolvia alguma coisa e reconhece a complexidade da cidade constituída por fragmentos que se adicionam ou sobrepõem.” É neste momento que Siza projecta São Victor (1974-77) e a Casa Beires na Póvoa de Varzim (1973-76). Como comentário literário, estes projectos manipulam a modernidade da linguagem, sintetizando a fractura provocada pela impossibilidade da Modernidade. Da experiência de colaboração com Siza, Souto Moura parte num percurso pessoal, onde apreende que a ruína dos edifícios pode tornar-se instrumento e matéria de projecto. Como metáfora da aproximação à Natureza, Souto Moura utiliza o fragmento, a contradição, no sentido claro de anunciar e justificar o uso dos materiais e sistemas construtivos da modernidade. Subentendida no percurso de Álvaro Siza e Souto Moura encontramos a presença de Távora, que sendo a própria Arquitectura, anuncia já no Parque da Quinta da Conceição a utilização da história e dos seus monumentos como instrumento operacional de projecto.

Jorge Figueira, Para Lá do “Contemporâneo” Regressando a Rossi, in J.A. nº 217, p. 51

Jorge Figueira, Para Lá do “Contemporâneo” Regressando a Rossi, in J.A. nº 217, p. 51

����������������������� Alexandre Alves Costa, Álvaro Siza, p. 27

VII



Sumário

3

1 - Introdução

3

1.1 - Objectivo

5

1.2 - Método

7

2 - O CORPO - A busca da universalidade

7

2.1 - O Tempo e a cidade

11

2.2 - Um caminho para a Natureza - Ordem e composição formal

17

3 - CORPO e FRACTURA - Ruína, natureza, paisagem, memória

23

4 - “Frammenti” - Rossi

29

5 - Corpos fragmentados - Álvaro Siza Vieira

37

5.1 - Casa Beires, Póvoa de Varzim, 1973 - 76

43

5.2 - Intervenção SAAL em São Victor, Porto, 1974 - 77

49

5.3 - Casa Alcino Cardoso, Moledo do Minho, 1971 - 73

53

6 - Percurso até à Natureza - Eduardo Souto de Moura

59

6.1 - O Mercado de Carandá, Braga, 1980 - 84

67

6.2 - A ruína no projecto

69

6.2.1 - A operação SAAL em São Victor

73

6.3 - A ruína como processo, evolução

75

6.4 - A ruína como instrumento e tema de projecto

81

6.5 - A ruína como justificação da abstracção

83

7 - OUTRA VISÃO - Fernando Távora - a lição das constantes Parque municipal da Quinta da Conceição, Leça da Palmeira, 1956 - 60

89

8 - Conclusão

93

9 - Bibliografia

95

10 - Créditos de imagens

IX



Fragmento - representação da memória na arquitectura



1 - Introdução

Este trabalho é resultado de uma incursão pessoal no estudo da arquitectura baseada na ideia de fragmento. Vários são os conceitos que surgem paralelamente: ruína, colagem e memória. Na cidade de hoje pode perguntar-se se o plano, como projecto desenhado, é um instrumento eficaz de desenho urbano. A história das cidades tem sido feita de colagens e sobreposições que salientam a condição de uma paisagem composta por várias partes, por fragmentos que são planeados, mas que não consideram necessariamente a totalidade da cidade. A condição de universalidade na arquitectura contrapõe-se e complementa a individualidade de cada cultura e da história presente nos monumentos nos quais a mistura de influências promove singularidades características dessas culturas. A imagem da cidade é definida pela memória dos quais os seus monumentos, acumulações de tecidos e estratos urbanos são prova. Com uma particular atenção nestes fenómenos Aldo Rossi desenvolveu uma base teórica assente na ideia de fragmento e acumulação de peças formais simples que se relacionam e criam uma unidade especifica à história da cidade, à sua identidade. Vários arquitectos aceitaram a condição evolutiva e fragmentada das cidades e tiraram partido dessa condição nos seus projectos - vejam-se alguns arquitectos portugueses como Fernando Távora, Álvaro Siza e Souto Moura. Interessa neste estudo estudar estas concretizações, projectos que abordem directamente a questão do fragmento nas suas variadas vertentes: o fragmento enquanto “ruína existente”, “ruína inventada”, paisagem composta por fragmentos, fragmento enquanto peça excepcional numa regra existente ou fragmentação como processo projectual. 1.1 - Objectivo A selecção dos casos de estudo engloba o trabalho de três arquitectos portugueses: Fernando Távora (Parque da Quinta da Conceição, 1956-60), Álvaro Siza Vieira e Eduardo Souto Moura. O trabalho incide particularmente nos dois últimos, no período de 1970 a 1980 onde é evidente uma mudança nos elementos linguísticos. As obras em estudo do arquitecto Siza Vieira são a Casa Beires (1973-77), a operação SAAL em São Victor (1974 – 77) e a Casa Alcino Cardoso (1971-73). Importa também analisar a influência do período em que Eduardo Souto Moura colaborou com este arquitecto, assim como a presença de Aldo Rossi no início do percurso de Souto Moura. Projectos como o Concurso para a casa Karl Friedrich Schinkel (1979) ou o Mercado de Carandá em Braga (1980-84 construção, 2001 recuperação) são os exemplos representativos deste período.



A partir destes casos, pretende-se compreender como o “fragmento” se pode tornar instrumento de projecto. O fragmento como elemento planeado e projectado, pode ser representativo de algo imprevisível, que de outra forma só poderia ser conseguido com a passagem do tempo. 1.2 - Método A partir de um aprofundamento dos escritos de Rossi (em particular aqueles que versem sobre a cidade e o seu carácter fragmentado), pretende-se suportar um discurso que reflectirá sobre as obras referidas anteriormente. A reflexão terá pretende ter como base dois campos; 1) os textos críticos de outros autores e os textos dos próprios arquitectos acerca das suas obras; 2) a análise cuidadosa dos desenhos e, quando possível, a visita às obras em questão. Assim o estudo divide-se em 3 partes. Inicialmente aborda-se a universalidade e a abstracção na arquitectura e urbanismo como necessidade operativa para sistematizar as intervenções planeadas. Num segundo item, aborda-se o carácter subjectivo e imprevisível da arquitectura, onde o papel do Tempo como actor é essencial. O Tempo como unificador da Arquitectura e Natureza, utilizando a ruína como instrumento de união. Aborda-se ainda a concepção de cidade e arquitectura que Rossi defende e demonstra com a análise da permanência das formas.


Circus Domitianus Pantheon

Amphitheatrum Flavium

Circus Maximus

fig. 1 - Planta dos monumentos da Roma Antiga fig. 2 - Reconstrução da Via Appia, Piranesi fig. 5 - Planta de Roma por Piranesi

fig. 3 - Circus Domitianus fig. 4 -Planta da P. Navona fig. 6 - Vista aérea de Roma - Piazza Navona e Panteão


2 - O CORPO - A busca da universalidade

A condição de universalidade na arquitectura e no urbanismo, suporta e complementase com a individualidade de cada cultura e da sua história, assim como a regra e a ordem suportam os sistemas compositivos das obras arquitectónicas. Neste primeiro ponto pretende-se apontar alguns exemplos que tentam ilustrar a presença da universalidade nos mais variados momentos históricos, assim como a permanência da ordem como base compositiva ao longo da historia do urbanismo e da arquitectura. No entanto a universalidade aqui considerada é sempre vista como esquema-base que com o decorrer do tempo vai suportando novos factos urbanos e vai sendo modificada. 2.1 - O Tempo e a cidade As cidades são fruto das acumulações e sobreposições de factos urbanos ao longo dos tempos. No conjunto formam um tecido unificado pelo tempo. Apesar de este tecido ser composto por fragmentos de cidade, vários são os exemplos ao longo da história de cidades planeadas como uma unidade. São exemplo disso os casos de cidade de fundação como as cidades-estado gregas, as cidades romanas, as cidades de fundação medievais e coloniais, as cidades iluministas ou mais recentemente as cidades-capital como Brasília (1956-60) ou Chandigarh (1950). Neste tipo de realizações o princípio fundamental é a regra, a repetição baseada num modelo único que constitui um princípio de intervenção no território eficaz para as necessidades políticas, económicas e militares dos estados mas que simultaneamente vai ganhando carácter com o decorrer do Tempo. No entanto, cidades como Roma e Atenas são exemplos que evoluem a partir de aglomerados e ajuntamentos habitacionais que ao longo do Tempo se densificaram e tornaram metrópoles. Estas cidades são construídas pelo Tempo que vai modificando e acrescentando ao mesmo recinto as configurações do espaço urbano. É no contacto entre as peças excepcionais e a malha habitacional que a cidade se torna viva e individualmente rica. A própria disposição dos elementos urbanos de Roma aponta para uma colagem de peças (fig. 1), que influencia as utopias de Piranesi no tempo das primeiras descobertas arqueológicas da cidade de Roma. São elementos-base reminiscentes dos vários estratos históricos da cidade e que, como Rossi afirma, “aceleram o processo da dinâmica urbana.”

Esta é resultado de uma evolução

constante, de confrontos entre peças arquitecturalmente individuais, que representam diferentes épocas que vão polarizando aglomerações em seu torno equilibrando o tecido

Aldo Rossi, La Arquitectura de la Ciudad, p. 172


fig. 7 - Planta de levantamento da cidade de Split (1966)

fig. 8 - Planta do Palรกcio romano de Diocleciano (Split)

fig. 9 - Planta da Catedral de Siracusa, antigo Templo Grego

fig. 10 - Vista da nave interior da Catedral de Siracusa


urbano e dando-lhe elementos vitais à sua identidade. Muitas vezes, suportaram, ao longo dos tempos, novos usos sendo a estrutura formal a mesma, como exemplificam os casos dos anfiteatros de Lucca, de Florença, de Arles e de Nimes, do Teatro Marcellus em Roma, da Piazza Navona (fig.3 - 4 e fig. 6), da catedral de Siracusa ou da cidade de Split. Este último é paradigma das ambiguidade da distinção entre cidade e arquitectura. Um palácio que se transforma em cidade, onde espaços domésticos evoluem para espaços urbanos. A reutilização de uma estrutura formal, não é condicionada pela função a que foi destinada e portanto responde perfeitamente a novos usos. A estrutura cartesiana do palácio, dos seus percursos e dos seus pátios, transforma-se em ruas e praças, que vão sendo preenchidas por uma densificação habitacional. Esta, respeitando a macroestrutura do palácio e agora da cidade, modifica alinhamentos, e a uma escala menor altera por completo a presença dos edifícios antigos. No entanto os grandes equipamentos, mantêm-se com elementos polarizadores, em redor dos quais se desenham as novas funções urbanas. No caso da catedral de Siracusa, partindo de um templo grego, a matriz evolui para uma igreja cristã. Neste caso, uma arquitectura que privilegiava o exterior e a relação com o espaço público evolui para um espaço interior que privilegia a reflexão e a interiorização da arquitectura. Aquilo que era exterior, o espaço entre colunas de ordem dórica torna-se na nave da igreja confirmando um eixo dominante interior e longitudinal ao contrário da sua inicial condição exterior. A economia de meios, permite a reutilização de antigas formas, sobrepondo significações e culturas. Álvaro Siza diz sobre Buenos Aires: “O tempo, com muitos arquitectos e inúmeros habitantes, permite esta densidade e esta beleza que vemos quase com desespero nas cidades antigas e que nos parece inatingível.” . Portanto, como em Buenos Aires, a densidade de acontecimentos urbanos não é directamente decorrente da ausência de regra. Criada com uma matriz geométrica bastante rígida, a evolução permitiu a sua densificação e hierarquização. À imagem das cidades de fundação da antiguidade clássica, acontecimentos como as colonizações europeias quinhentistas e seiscentistas, ou a posterior Revolução Industrial, provocaram a necessidade de criar novas cidades e zonas urbanizadas. Não se pode esperar construir a cidade instantaneamente, como Siza refere no seu texto sobre o Bairro da Quinta da Malagueira , onde afirma que só com o Tempo a evolução das cidades atinge a imagem das cidades antigas. No entanto Siza assume utilizar elementos formais para atrair funções não planeadas no projecto inicial. É o caso do aqueduto que além da sua função infraestrutural, quando entra em contacto com a malha habitacional permite a construção posterior de programas de apoio. “Assim, tentei por meio de elementos de funcionalidade pública desencadear o processo de mistura de funções. No remate de cada

Álvaro Siza, Évora - Malagueira, in Imaginar a Evidência, p. 124

Álvaro Siza, Évora - Malagueira, in Imaginar a Evidência


fig. 11 - Planta da cidade grega de Pireu fig. 13 - Planta da cidade romana Timgad fig. 15 - Planta da cidade de Karlsruhe

fig. 12 - Planta da cidade grega de Mileto fig. 14 - Planta da cidade de Buenos Aires fig. 16 - Planta da cidade de Chandigarh

fig. 17 - Pormenor do Plano do Bairro da Malagueira

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bloco de habitações há espaço reservado, (...) para diversas actividades públicas.” As grandes infraestruturas urbanas como é o caso do aqueduto na Malagueira, podem-se denominar de “elementos primários” que Rossi define no seu livro “Arquitectura da cidade” como catalizadores urbanos, sendo semelhantes às igrejas e aos grandes momentos que conformem à sua volta pólos de localidade. Apesar das constantes alterações que o Tempo promove, a regra está presente. A ordem determina as intervenções urbanas necessárias para darem resposta às diferentes necessidades e mudanças das sociedades. 2.2 - Um caminho para a Natureza - Ordem e composição formal Da procura da essência na arquitectura surgem dois sistemas formais que ao longo dos tempos têm sido reutilizados. Estes dois sistemas - aditivo e subtractivo - presentes em todos os momentos de modernidade, constituem meios de atingir a clareza, o equilíbrio, a harmonia, enfim a essência, o evidente, o natural, a Natureza. A modernidade deve ser aqui entendida como atitude intemporal, como Távora a definia, “integração perfeita de todos os elementos que podem influir na realização de qualquer obra, utilizando todos os meios que melhor levem à concretização de determinado fim.” Deste modo, o fragmento é parte integrante dos processos de busca da ordem. Utilizar o fragmento não significa perda de modernidade, mas um passo necessário para ir de encontro à ordem natural que resulta da acção do Tempo. Como actuar na matéria? Ou, como é que a arquitectura emerge da matéria? “...duas espécies de procedimentos de execução: aquele que partindo do exterior, procura a forma no interior do bloco, e aquele que, partindo da sua estrutura interior e complementando-a pouco a pouco, conduz a forma à sua plenitude. O desbaste procede por toques, progressivamente mais próximos, unidos por relações cada vez mais estreitas; o mesmo se passa como o acrescentamento, e o escultor exclusivamente sensível às relações entre volumes, ao equilíbrio das massas, por mais indiferente que seja à experimentação e aos efeitos do modelado, não “tocou” menos a sua estátua: caracteriza-se pela economia de toque, como outros pela sua prodigalidade.” Henry Focillon afirma que, na arte, existem dois modos de agir sobre a matéria. Ambos válidos em abstracto (e a nosso ver aplicáveis ao objecto arquitectural). A subtracção parte de um exterior sólido e volumétrico e vai aplicando pequenos “desbastes” para atingir a forma pré-existente no seu interior. A adição consiste no agrupamento de pequenas partes

Álvaro Siza, A Arquitectura mais interessante aparece onde culturas se misturam intensivamente (entrevista com Álvaro Siza por Dorien Boasson), in Arquitectura e Renovação em Portugal, p. 22

Aldo Rossi, La Arquitectura de la Ciudad, p. 157

Fernando Távora, Arquitectura e Urbanismo - a lição das constantes, p. 9-10

Henry Focillon��, A Vida das Formas seguido de Elogio da Mão, p. 67

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fig. 18 - Erechteion em Atenas

fig. 19 - Casas em Asilah, Marrocos

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separadas que passam a formar uma unidade cada vez mais sólida. Assim a adição resulta da aglomeração de peças que, pela vontade do artista, se tornam numa totalidade. Ao longo da história da arquitectura, estes dois processos também foram aplicados na concepção dos edifícios. Estes processos são importantes para a definição formal da arquitectura, como no caso da Arquitectura Clássica Grega, onde é visível os elementos da estrutura, do cheio. Esta era uma arquitectura feita por peças distintas como colunas, fuste, arquitrave e frontão. A arquitectura Clássica Grega (fig. 18) é desta forma baseada no sistema aditivo enquanto que em arquitecturas como a Árabe (fig. 19), ou a Clássica Romana facilmente nomeamos os elementos que compõem os vazios, sejam eles janelas, portas, frestas ou arcos. Na obra de Mies Van der Rohe ou Le Corbusier estes dois modos de agir sobre a matéria estão presentes. Le Corbusier criou o sistema Domino, que supõe uma base formal na estrutura dos edifícios, ou seja, elementos soltos que são organizados num esquema que permite a planta livre. Compõe simultaneamente edifícios que utilizando esta mesma base estrutural para criar os volumes-base, escava os anteriores volumes numa composição assente no sistema de proporções Le Modulor como acontece no bairro de Pessac (1925) ou na Ville em Garches (1927). Para Le Corbusier a arquitectura depende directamente do jogo dos volumes sob a luz e por isso numa primeira fase a atitude projectual passa pela concepção da estrutura por adição concebendo sólidos base (volumes) que são trabalhados e escavados (subtracção). Esta atitude atingiu o seu culminar na capela de Ronchamp (1955), onde mais do que a abstracção estrutural, Le Corbusier trabalha com a espessura, escavando a profundidade e manipulando as massas do edifício. Pelo contrário, Mies na sua pesquisa pelo ideal do esqueleto estrutural como visão formal e da inter-relação dos espaços adopta um esquema compositivo com base em peças que são montadas numa forma completa. A imagem dos esqueletos dos edifícios em construção, com a retícula de aço, tornou-se objectivo e conceito construtivo ideal. Para este a procura da essência da arquitectura tinha que partir do seu interior e, portanto, da sua estrutura. Destas duas diferentes posturas é possível afirmar que a arquitectura de Le Corbusier é tendencialmente “figurativa” enquanto que Mies apresenta uma arquitectura “abstracta”, com base nos conceitos que Carlos Marti Aris desenvolve no texto “Abstracción en Arquitectura: una definición”. Isto é, a partir da forma arquitectónica e das suas duas origens etimológicas surgem as diferenças. Do termo grego eidos evolui uma ideia de “disposição e ordenação geral das suas partes” onde a “...forma se identifica com a essencial constituição interna de um objecto,...” . Estamos perante o noção de “estrutura”, que por privilegiar a relação entre as partes e a essencial constituição do objecto remete para a “abstracção” e para a arquitectura de Mies. Por outro lado a forma arquitectónica como Gestalt, do alemão, é

Carlos Martí Arís, Abstraccion en Arquitectura: Una definicion, in La cimbra y el arco, p. 36

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vista como aparência do objecto, volume e conformação exterior e consequentemente é “figurativa” e bastante próximo do “...jogo Sábio, correcto e magnífico dos volumes reunidos sob a luz” de Le Corbusier. “O traçado regulador é uma garantia contra o arbitrário. Proporciona a satisfação de espírito.”10 “Quien dice ordenar dice componer. La Composición es lo proprio del genio humano(...).”11 Para Le Corbusier era essencial a presença dos traçados reguladores, a regra que permite desde sempre “afirmar” a composição arquitectónica. O Modulor aparece como uma regra que seria utilizada em toda a arquitectura, seria a base para atingir uma determinada unidade e proporção. O traçado regulador é um suporte formal, que nos ajuda a localizar-nos no processo de projecto. Como no passado, a arquitectura tem como fim atingir a “ordem natural” das coisas. Para Le Corbusier estes traçados são elementos que atribuem rigor à composição e que a tornam objectiva. “El orden es más que mera organización. Organizar es definir la finalidad. En cambio ordenar es dar sentido a las coisas”.12 Mies via na arquitectura a obrigação de representar o universo, a sua essência, na perfeição do detalhe e no desenho rigoroso e cartesiano. Ambicionava ordenar o território e a vida. Portanto para Mies a arquitectura é mais do que concretização formal de uma função determinada, ela é essência e consequentemente a arquitectura “é”, independentemente da função. Assim se compreende que a sua obra mais paradigmática - o Pavilhão de Barcelona (1929) - fosse mais um propileu, um espaço para ser percorrido, do que na realidade um objecto arquitectónico com uma função determinada. O Pavilhão seria a representação do próprio universo “...entre a estrutura cartesiana marcada pelos pilares cruciformes. Tudo isto contribui para a sensação universal, ou seja, um edifício que representa uma ideia de universo, de essência, onde o tecto branco é céu...”13. Será ordem essencial, onde mais que a procura da ordem própria da Natureza na arquitectura, a ordem torna-se a representação do universo essencial para Mies, a partir do instrumento que escolheu para o atingir - a abstracção, como Carlos Martí Arís a entende, afirmando “...considerar “abstractas” aquelas obras que participem dessa busca do essencial e dessa renúncia ao particular e ao contingente.”14.

Le Corbusier, Por uma arquitectura, p. 13

10

Le Corbusier, Por uma arquitectura, p. 41

11

Le Corbusier, En Defensa de la Arquitectura, in El Espíritu Nuevo En Arquitectura/En Defensa De La Arquitectura, p. 49 12

Mies van der Rohe citado em Mies van der Rohe - La Palabra sin Artificio – reflexiones sobre arquitectura 1922/1968, p. 239 13

Fritz Neumeyer, Mies van der Rohe - La Palabra sin Artificio – reflexiones sobre arquitectura 1922/1968, p.324 14

Carlos Martí Arís, Abstracción en Arquitectura: una definición, in La cimbra y el arco, p. 33

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fig. 20 - BasĂ­lica de Maxentius, Roma, Piranesi

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3 - CORPO e FRACTURA - Ruína, natureza, paisagem, memória

A arquitectura enquanto obra construída é algo que não é estável, pelo contrário a sua principal condição é a de constante transformação e relação com o Tempo. O Tempo e a dimensão cultural da arquitectura, são factores influentes na percepção da arquitectura pelas sociedades. O objecto arquitectónico é muitas vezes idealizado como um passo para atingir a ordem da Natureza, na qual as formas, o equilíbrio e a proporção são constantes. A arquitectura enquanto objecto de criação, não perdura muito tempo no seu estado inicial. A forma construída tal como foi idealizada pelo arquitecto torna-se rapidamente objecto de acção do Tempo, aproximando-se, através de um longo processo, da condição da Natureza. No entanto este acção do arquitecto, é constantemente confrontada com a acção do Tempo, que consome e degrada a Arquitectura. A ruína enquanto pedaço de uma arquitectura que resta e se degrada, pode ser comparada com a própria Natureza. Thomas Burnett compara a montanha a uma grande “ruína da Natureza” que é “nua e vertical, corroída e manchada, desordenada e informe, velha”15. Esta definição permite levar mais além a influência e abrangência do conceito de ruína. A ruína é o resultado de um processo onde o Tempo actua e desgasta a matéria. Esta acção é permanente e age sobre todos os elementos, Arquitectura e Natureza. No entanto parece que a Natureza apresenta desde sempre esse desgaste e portanto esta pode ser entendida como um processo de reconstrução e degradação permanentes. Portanto as marcas do Tempo, as manchas, as ruínas são etapas de um percurso maior em que a Arquitectura, que tenta ser Natureza, se torna por arruinização e fragmentação, parte da mesma. Este é o fim anunciado de toda a Arquitectura: ser um objecto desgastado pelo tempo que se vai aproximando da condição inicial e possivelmente da condição total da Natureza. A natureza nunca é vista na sua verdadeira essência, mas sim “(...) através de uma cultura.”16, o mesmo será dizer, “Paisagem”, segunda a definição de Blanc-Parnand e Raison. Sendo esta uma realidade filtrada por uma cultura, ou seja por uma visão colectiva, a paisagem torna-se algo que é próprio de uma comunidade. Assim sendo, as paisagens são uma visão personalizada da Natureza e em consequência tornam-se em algo que é a priori definido e concreto. Entre o simples enquadramento de Natureza, ou composição visual da Natureza humanizada, surge a dúvida relativamente à consideração da “visão urbana” como “paisagem”.

15

Carlo Carena, Ruína-Restauro, in Enciclopédia Einaudi - Volume 1 Memória-História, p. 111

16

�������������������������������������������������������� Blanc-Parnand e Raison (1980) citados por Carlo Carena, Ruína-Restauro, in Enciclopédia Einaudi - Volume 1 Memória-História, p. 107

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Será “vista” ou será paisagem? A noção atrás referida de “(...)natureza através de uma cultura.” parece indicar que a paisagem é vista como um enquadramento ou composição visual que apresenta a Natureza como tema primordial. No entanto, inúmeras vezes, os elementos qualificativos da paisagem são elementos humanizados, como acontece, por exemplo, na paisagem duriense, em que os socalcos de xisto são parte essencial da morfologia do território. Ou seja, na maior parte dos casos a paisagem é em parte, resultado da acção do Homem, que em relação com a Natureza desenha um novo conjunto paisagístico. Esta representação fabricada da Natureza entrando em contacto com a humanização da mesma, relacionase constantemente com a ruína. Esta é “exemplo moral entre os cenários da natureza.”17. Portanto se a humanização é essencial para a definição de paisagem, no extremo desta mesma humanização e da sua futura corrosão pelo tempo, está também a paisagem urbana. O perfil urbano e as suas camadas temporais, onde ruínas são sobrepostas e são substituídas por outra novas realidades, é a representação de um processo de apropriação do tempo, em que toda a realidade construída tende para a uniformização. Como se referiu atrás, a acção do tempo e a sua representação, a ruína, é o elemento que permite unificar a Natureza e a Arquitectura, e consequentemente é plausível afirmar que, sendo a imagem urbana fruto da acção do tempo, esta é paisagem, Natureza vista através de uma cultura. A ruína como representação de uma memória, exerce uma relação dialéctica com a paisagem. “Um singular jogo de ricochete entre elementos naturais e fragmentos de um edifício ou da estátua, que até podem ser simplesmente desprovidos de qualquer valor artístico”18 , mas que na realidade contribui para a significação particular da paisagem, sendo a ruína um “exemplo moral”. Por outro lado, lendo Carducci numa carta a Lídia (18 de Outubro de 1877) em que diz “Volto do Fórum Romano e... pensei que... dentro de dez milhões de anos a terra cairá aos bocados ou tornar-se-á numa nebulosa”19, a ruína torna-se imagem de morte, visão fúnebre da sociedade e dos tempos. Portanto esta pode tornar-se instrumento metafórico, que tenta comunicar um fim anunciado. Não é o fim concreto de um certo edifício, mas sim uma visão negra e decadente de uma sociedade ou civilização. O fragmento resultante da acção do tempo é uma imagem que associada à história, constrói uma memória colectiva. Memória é aquilo que faz com que a história seja operativa. “os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória colectiva. ”20. As memórias colectivas relativizam o passado, o que faz com que a história seja algo fabricado e imaginado. A ruína de um edifício é um registo de um tempo passado que sabemos que 17

Chateaubriand (������������������������������� 1802) ������������������������� citado������������������� por Carlo Carena, Ruína-Restauro, in Enciclopédia Einaudi - Volume 1 Memória-História, p. 111 18

Chateaubriand (������������������������������� 1802) ������������������������� citado por Carlo �������������� Carena, Ruína-Restauro, in Enciclopédia Einaudi - Volume 1 Memória-História, p. 111 19

Carducci (������������������������������� 1877) ������������������������� citado������������������� por Carlo Carena, Ruína-Restauro, in Enciclopédia Einaudi - Volume 1 Memória-História, p. 127 20

Jacques Le Golf, Memória, in Enciclopédia Einaudi - Volume 1 Memória-História, p. 11

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nos pertence. Assim estes elementos, registos de outros tempos, que são essenciais para a “sustentabilidade emocional” de uma sociedade, determinam que a partir dos mesmos se possa inventar ou imaginar memórias colectivas. “O surrealismo, modelado pelo sonho, é levado a interrogar-se sobre a memória. Em 1922, André Breton anotou nos seus Carnets: “ E se a memória mais não fosse que um produto da imaginação?” Para saber mais sobre o sonho, o homem deve poder confiar cada vez mais na memória, normalmente tão frágil e enganadora. Daí a importância no Manifeste du Surreálisme (1924) da teoria da “memória educável”, nova metamorfose das Artes Memoriae”21 A memória, para os surrealistas, não é definitiva. Isto é, como produto de imaginação, a memória, que pode ser construída e modificada, torna-se instrumento operacional da arte. Aldo Rossi também encara os factos arquitectónicos históricos soltos do restauro e da sua museificação. A memória é educável e portanto esta pode ser resultado do sonho e da imaginação. As formas que remetem para o passado não têm a necessidade de lhe pertencerem. À semelhança de Aldo Rossi, Souto Moura inventa a ruína quando pensa ser necessária para o projecto (ou seja, usa a memória como produto da imaginação). Assim como o canto do galo é um sinal mnemónico para S.Pedro, que o faz recordar da previsão de Cristo que ele o iria negar três vezes, também a ruína inventada pode intervir perante o colectivo como um sinal mnemónico. Isto é, o projecto, à semelhança de Rossi e das suas formas básicas que perduram no tempo, utiliza conscientemente pedaços formais que remetem para outras épocas lembrando os instrumentos próprios da psicologia individual. Os objectos que remetem para o passado cumprem a função de ligar o passado ao presente e assim suportam as culturas que necessitam da memória, de uma História. É neste sentido que a arquitectura que tem como atitude projectual utilizar as formas básicas do passado para promover a evolução constante da cidade, pode-se comparar às notas mnemónicas da memória humana. “Por consiguiente, debemos encontrar un difícil equilibrio entre la realidad ciertamente precaria de los viejos assentamientos y nuestro proyecto, nuestra alternativa. Desde la antiguedad hasta hoy, la ciudad ha venido creando su imagen y ha su memoria; nosotros la vemos a través del esta memoria. “22

21

Carlo Carena, Ruína-Restauro, in Enciclopédia Einaudi - Volume 1 Memória-História, p. 43

22

������������ Aldo Rossi, Ciudad y proyecto, in Proyecto y Ciudad Historica - I Seminário Internacional de Arquitectura en Compostela, pag 17

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fig. 21 - Minaretes de mesquitas, Marrocos: - Chellah, Rabat (sĂŠc. XIV) - Koutobia, Marrakech (1184-99)

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- Kasbah andaluza, Rabat - Torre Hassan, Rabat (1195-99)

- Minaretes de mesquitas, Fez - Minarete de mesquita, Rabat


4 - “Frammenti” - Rossi

“Rossi insiste, por otra parte, en la permanencia de la arquitectura, en su condición atemporal, lo que le lleva inmediatamente a despergala de lo que son sus obligaciones funcionales. Y así Rossi habla de la indiferencia funcional, que concede a la forma arquitectónica valor en sí misma y elimina cualquier relación determinista entre forma y uso.”23 “Hacer arquitectura es “construir”, es poder constituir aquellos “fatti architettonici” con los que la ciudad está hecha.”24 A cidade para Rossi, é composta por fragmentos, por pedaços de história, que no seu conjunto compõem e formam uma unidade própria: uma unidade diferente da defendida pela utopia modernista. É cidade viva, evolutiva, como um processo de acumulação de fragmentos, que se compatibilizam entre si. Esta lógica é transposta para o projecto de arquitectura que segue uma composição por elementos, peças em número limitado e restrito, como evocação da arquitectura do passado. Cilindros, prismas, pirâmides e esferas são elementos da mesma natureza, formas de geometria básica, que em conjunto definem, por adição, uma unidade. Provavelmente a ideia de fragmento, num processo de criação de unidade, só se compatibiliza com um processo aditivo de elementos simples e reconhecíveis. Segundo a análise de Ezio Bonfanti25, este processo na obra de Aldo Rossi concretiza-se nos esquemas compositivos que recorrem a formas simples aglomeradas como o cilindro-coluna, pilar prismático, muro maciço, escadas exteriores e vigas-ponte de secção triangular. Esta sistematização procura a aproximação da história e das formas ao longo da história. As soluções formais são repetidamente testadas e usadas não deixando de cumprir o mesmo papel na leitura da cidade. Por exemplo, nos minaretes das mesquitas muçulmanas, em que a proporção e o esquema ornamental tende a ser o mesmo ao longo dos séculos, a repetição é um suporte do desenho e orientação na Medina tradicional (fig. 21). A repetição proporciona a relação entre os vários elementos que compõem um conjunto com uma determinada identidade. A escala e a proporção entre os elementos contribui para a individualização de cada solução formal quando aplicada a um determinado lugar. Aparentemente, o processo aditivo na composição formal de Rossi é o mais acertado na realidade actual e o mais compatível com uma cidade e paisagem difusas, resultante de colagens e aglomerados independentes que por se tocarem nos seus limites fazem parte do

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Rafael Moneo, Aldo Rossi, in Inquietud teórica y estrategia proyectual : en la obra de ocho arquitectos contemporáneos, p. 104 24

Rafael Moneo, Aldo Rossi, in Inquietud teórica y estrategia proyectual : en la obra de ocho arquitectos contemporáneos, p. 105 25

Ezio Bonfanti, Elementos Y Construcción. Notas Sobre La Arquitectura de Aldo Rossi, in Aldo Rossi Architetture 1988-1992, p. 17

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fig. 22 - desenho de Aldo Rossi

fig. 23 - Planta do projecto para a Praรงa Segrate, Aldo Rossi, 1965

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fig. 24 - Vista da praรงa de Segrate, Aldo Rossi, 1965


mesmo conjunto. Analisando os desenhos e as colagens realizados pelo arquitecto, percebese que a cidade de Rossi é composta por objectos arquitectónicos que são “colados” no tecido existente. “... los monumentos romanos, los palacios del Renacimiento, los castillos, las catedrales góticas, constituyen la arquitectura; son partes de su construcción. Como tales, reaparecerán siempre, no solamente y no tanto como historia y memoria, sino como elementos de la proyección.”26. A história da arquitectura como “enorme recolección de utopias, de fracassos ...”27 permite realizar uma analogia com a realidade das cidades actuais. Para Rossi a solução para os problemas da actualidade não deve negar o passado. A solução encontra-se na história da cidade e na sua arquitectura, portanto não deveriam existir rupturas e as soluções processuais da antiguidade devem ser analisadas como importantes instrumentos de projecto. Esta ideia de cidade e da arquitectura, precede a noção de que não há novas formas e novas tipologias. As tipologias estão desde sempre associadas às formas. Sendo estruturas formais que garantem a continuidade das formas no tempo através de estruturas comuns, auxiliam o projecto. Para Aldo Rossi, a história da arquitectura é mais do que memória, é elemento de projecto. A noção de fragmento é fundamental para a leitura da cidade actual e da sua evolução, sendo a cidade um conjunto de fragmentos. Para Rossi o fragmento está presente não só na leitura da cidade, mas também na atitude projectual do arquitecto. Assim o fragmento possui duas dimensões. Além da cidade composta por partes e fragmentos que se vão acumulando e sedimentando no tempo, também no projecto de arquitectura Rossi defende um processo compositivo aditivo. Os frammenti são pequenos pedaços de fractura de um corpo, ou como diz Rossi: “Frammento significa (...) un opera o un componimento di cui si sia perduta gran parte...”28 e portanto o fragmento pode ser considerado um corpo mutilado. A cidade é bela e ordenada pela incrível riqueza e variedade dos pequenos pedaços que a compõem e que adicionados estabelecem as tensões que se equilibram e formam um conjunto harmonioso. Portanto a noção de fragmento é aplicável a diferentes escalas tanto ao nível dos elementos urbanos, à imagem do discurso de Rossi sobre a cidade, assim como ao nível do edifício como acontece nas suas obras. No projecto para a Praça Segrate (1965), é clara a distribuição e organização de elementos sólidos geométricos primários (fig. 23 e 24). O desenho do espaço público obedece uma composição formal que tem como base a analogia com as ruínas das ágoras, dispondo no chão aquilo que poderiam ser colunas truncadas, representação de uma

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Aldo Rossi, Arquitectura Para Los Museos, in Para Una Arquitectura de Tendencia - Escritos 1956 - 1972, p. 207 27

Manfredo Tafuri citado por Ezio Bonfanti, Elementos Y Construcción. Notas Sobre La Arquitectura de Aldo Rossi, in Aldo Rossi, p. 30 28

“Fragmento é obra da qual se perdeu grande parte”(tradução livre) Aldo Rossi, Frammenti, in Aldo Rossi Architecture 1957-1987, p. 7

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fractura, cicatriz de um tempo passado que é necessário incutir para desenhar a “alma” da praça. É a invenção de uma “paisagem cultural”. Eduardo Souto Moura na recuperação do Mercado do Carandá aproximar-se-á desta atitude perante a arquitectura como veremos mais à frente. Representa uma fractura do seu próprio projecto. Esta fractura é encarada no sentido da fragmentação como processo projectual onde Souto Moura também incorpora as novas lógicas e necessidades resultantes da cidade.

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fig. 25 - Desenho de Ă lvaro Siza

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5 - Corpos fragmentados - Álvaro Siza Vieira

A arquitectura para Álvaro Siza, é “reacción a la complejidad de un programa”29 utilizando para isso a fragmentação que é característica da cidade e dos seus processos de formação. Siza critica a tendência que se verifica na arquitectura contemporânea para que cada peça individual tenda a conter em si a complexidade do sistema da cidade. Pelo contrário o arquitecto aponta o carácter evolutivo das cidades, e consequentemente da arquitectura, como o caminho que deve ser seguido. Este carácter evolutivo assenta na noção de suporte para a vida que a arquitectura tem que ser, de maneira a que o tempo se ocupe da verdadeira caracterização dos espaços e das arquitecturas. Assim esta assimilação dos espaços ao longo do tempo, faz com que a memória seja um factor extremamente importante na idealização das cidades e das arquitecturas. “No debemos olvidar que la ciudad no esta sólo hecha, de su realidad, sino también de su memoria”30. Nos anos setenta - talvez influenciado por Aldo Rossi e pela leitura de Robert Venturi da obra de Alvar Aalto - Siza revela uma atracção pelo fragmento e pela fragmentação como tema e como processo projectual. Uma fragmentação de corpos que para o arquitecto está presente na evolução histórica dos tecidos urbanos, anunciando uma unidade possível composta por fragmentos urbanos de épocas distintas. Muitos dos seus desenhos parecem expressar este interesse pelo tema. A fluidez no seu processo de fazer arquitectura caracterizam a obra de Siza Vieira. A naturalidade com que toda a complexidade da sua obra parece ser criada demonstra a intensa capacidade de Siza em criar os seus “sítios” a partir de uma leitura clara e objectiva da essência dos lugares. O trabalho de Siza é caracterizado pelo pensamento fluído que une e harmoniza um conjunto de soluções formais que a priori parecem não fazer parte do mesmo vocabulário. Constrói a sua arquitectura a partir de uma nebulosa que se vai descortinando ao longo da concepção de um determinado edifício num determinado local. Parece ter relação com a sua concepção de universalidade que “...tiene más que ver con la vocación de las ciudades, que viene de siglos de intervención, de mestizaje, de sobreposición...”31 e que vai sendo delineada partindo de uma primeira ideia que se baseia na relação com a memória e com o lugar.

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��������������������������������������� Álvaro Siza entrevistado por Alejandro ������� Zaera, salvando las turbulencias: entrevista con alvaro siza, in El Croquis 68/69+95 Álvaro Siza, p. 16 30

��������������������������������������� Álvaro Siza entrevistado por Alejandro ������� Zaera, salvando las turbulencias: entrevista con alvaro siza, in El Croquis 68/69+95 Álvaro Siza, p. 16 31

��������������������������������������� Álvaro Siza entrevistado por Alejandro ������� Zaera, salvando las turbulencias: entrevista con alvaro siza, in El Croquis 68/69+95 Álvaro Siza, p. 6-7

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fig. 26 - Desenho “La Citiá Analoga”, Aldo Rossi, 1976

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Trata-se da capacidade de unir o inconciliável, de trabalhar com elementos independentes e criar uma unidade harmoniosa que parece que sempre existiu. A utilização de elementos formais excepcionais, a invenção de ruínas ou a fragmentação dos sólidos-base são partes de um processo de desmontagem de um programa e de uma arquitectura. Este conflito, o momento em que o inconciliável se conjuga é primordial na sua obra. O arquitecto parece consciente da sua condição enquanto força unificadora de vários elementos quando afirma: “Gostaria de construir no deserto do Sahara. Provavelmente ao abrir fundações, alguma coisa iria aparecer, adiando a prova da Grande Liberdade; cacos, uma moeda de oiro, o turbante de um nómada, desenhos indecifráveis gravados em rocha. Nesta Terra não há desertos. E se houvesse? Provavelmente estaria condenado a construir um barco carregado de Memórias próximas ou distantes até à inconsciência: invenções.”32 Claramente, Siza parece não acreditar na total liberdade criativa, sem circunstância e sem “balizas”. Não há “desertos” que sejam totalmente vazios de elementos caracterizadores, porque o sítio encontra-se a priori definido na mente do arquitecto. Como a Natureza é, de certa forma, filtrada por uma cultura tornando-se paisagem, a visão pessoal do arquitecto é, à partida, uma “paisagem” artificial que se tenta tornar natural. Claramente, Siza parece projectar consciente da sua situação numa sociedade e num tempo em que a utopia da cidade modernista, de uma cidade desenhada de uma só vez e em que todos os acontecimentos urbanos são fruto do desenho do arquitecto, já não faz, a seu ver, sentido. A cidade para Siza, à imagem de Rossi, é feita de adições que dão um carácter próprio a cada sítio. Aceita o carácter fragmentário de cada intervenção, de cada arquitectura e consequentemente realça a individualidade de cada acontecimento arquitectónico. Isso não impede Siza de desenhar a paisagem com a sua arquitectura, de desenhar/imaginar o evidente. Nesse processo, torna-se claro uma tendência para incluir nos seus projectos, na evidência imaginada para um determinado sítio, a complexidade de um “contexto” à imagem da Cidade Rossiana (cidade Análoga), conjunto múltiplo e composto de várias peças. Peças reconhecíveis e abrangentes, que são independentes do sítio de onde partem, capazes de contribuir para uma cidade com identidade. Parte de uma forma básica, de um sólido reconhecível, e por operações sucessivas, parte, dobra e desdobra, fractura e fragmenta a forma original criando um novo complexo de pequenas formas. Estes fragmentos desenhados representam uma metonímia da cidade, uma paisagem recriada. Este processo é claro no desenho da Faculdade de Arquitectura da U. Porto (1984-90), onde partindo de “uma configuração inspirada nos edifícios massivos da cidade, como o Palácio

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(A propósito do Banco Borges & Irmão em Vila do Conde (1986)) Álvaro Siza, Álvaro Siza – Escrits, p. 41

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fig. 27 - Escola Superior de Educação, Setúbal, A. Siza fig. 29 - Faculdade de Arquitectura da U. Porto, A. Siza

fig. 31 - Vista do Bairro da Malagueira, Évora, Álvaro Siza

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fig. 28 - Galeria Ufizzi, Florença, Giorgio Vasari fig. 30 - Santuário de Cabo Espichel


Episcopal”33, desenha um sólido que se desenvolve à volta de um pátio, para durante as várias fases do projecto começar a fragmentar esse mesmo sólido em pequenas peças que correspondem às torres de aulas - transformando aquilo que seria um só volume num confronto de peças e partes que se relacionam entre si. Esta estrutura ambígua conjuga a imagem modernista com blocos soltos, com o desenho do pátio à imagem dos grandes edifícios conventuais e o desenho das fachadas antropomórficas. Tal como se encontram nas ruínas históricas as fundações de edifícios, a partir dos quais pode-se adivinhar as antigas funções, o edifício da Faculdade de Arquitectura apresenta um vazio entre as últimas duas torres, deixando pressentir como seria a fundação de uma hipotética quinta torre. Simultaneamente ao processo assente na fragmentação, o arquitecto reutiliza estruturas formais existentes na História da Arquitectura, como acontece em projectos como os da Escola Superior de Educação de Setúbal (1986-93), próxima do Santuário do cabo Espichel. A função não é determinante para a forma; para Aldo Rossi certas estruturas formais que perduram no tempo podem ser úteis como instrumento concreto de projecto. Paulo Martins Barata, sobre a Casa Beires, afirma que esta casa é “...explodida, fragmentos suspensos permanecem sem uma lógica estrutural evidente...”34. Esta ideia de explosão e fragmentação parte de uma percepção romântica da paisagem, do projecto como uma ruína. Para Álvaro Siza não existe a Grande Liberdade, toda a arquitectura é circunstancial, o que lhe interessa é tornar física a evidência que ele imaginou e projectou. O que pretende é reinterpretar uma história, inventar um contexto de memórias colectivas e pessoais, negando o deserto de circunstâncias. Relativamente à intervenção em Évora no bairro da Malagueira (1977), Siza diz: “O que imagina faz-se presente e tomba sobre o chão ondulado, como um lençol branco e pesado. Revelando mil coisas a que ninguém prestava atenção: rochas emergentes, árvores, muros e caminhos de pé posto, tanques, depósitos e sulcos de água, construções em ruínas, esqueletos de animais”35. Esta acção reveladora que assenta na manipulação da memória colectiva, parece ser o anúncio da personalidade escondida dos sítios. “O mundo inteiro e a memória inteira do mundo continuamente desenham a cidade”36. O genius loci existe portanto como algo que ultrapassa o sítio do projecto, mas que pertence também à interioridade do arquitecto e à sua sensibilidade, adquirindo um significado de matéria e simultaneamente instrumento de projecto.

33

Peter Testa, Espaço Evolucionário. Projectar a Escola de Arquitectura do Porto, in Edifício da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. Percursos do Projecto, p.69 34

Paulo Martins Barata, Casa Beires - Póvoa de Varzim 1973-1976, in Álvaro Siza - 1954-1976, p. 170 35

Álvaro Siza (������ 1990), Quinta da Malagueira, in As Cidades de Álvaro Siza

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Álvaro Siza (������ 1990), Quinta da Malagueira, in As Cidades de Álvaro Siza

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“Pensemos en el caso de Siza.(...) Hay en este una especie de locura que tiene que ver con el temperamento portugués y que alcanza su cenit en la experiencia de Pessoa. Los heterónimos de Pessoa expresan de hecho, la búsqueda de una identidad”37. Esta afirmação de Távora relativamente à actividade de Siza nos mais variados contextos mostra como o método projectual de Siza é consequência do modo próprio, simultaneamente desdobrado e único de ver o mundo. Siza usa a colagem de linguagens à imagem de Fernando Pessoa. Distingue-se no entanto deste autor pela mistura das arquitecturas a que se referencia, pois em Fernando Pessoa cada heterónimo é individual e supõe uma linguagem própria coerente. O arquitecto não sente a necessidade de assumir uma única linguagem, transforma os conceitos e linguagens formais de vários arquitectos que elege como referência para o seu próprio discurso. Os diversos heterónimos de Siza constituem-se como um só espírito. Este torna-se mais holandês do que os holandeses e mais alemão do que os alemães. “Depois nós montamos esses bocados, criando um espaço intermédio, transformando-o numa imagem, e damos-lhe um sentido, de modo que cada imagem signifique alguma qualquer coisa à luz das outras. Transformar o espaço do mesmo modo pelo qual nos transformamos a nós próprios: mediante fragmentos comparados com os “outros”.“38 “Nenhum sítio é um deserto. Posso sempre ser um dos habitantes.”39 O arquitecto apresenta a sua própria ideia de arquitectura para cada lugar, antecipando um qualquer argumento geográfico ou histórico. Estes argumentos - os geográficos ou históricos - podem funcionar como instrumentos projectuais que suportam a intervenção imaginada pelo arquitecto. Ao contrário daqueles que defendem que a ideia está no lugar, a resposta do arquitecto baseia-se na ideia de transformação, de evolução e de fragmento. De cada transformação - desassossego da forma - que acontece no projecto, emerge o fragmento. Siza diz: “Cada desenho, deve captar com o máximo rigor, um momento preciso da imagem palpitante, em todas as suas tonalidades, e quanto melhor puder reconhecer essa qualidade palpitante da realidade, mais claro será”40.������������������������������������� Numa imagem fixa, linear, contínua, não cabe tal proposta. A forma fragmentada parece ser uma resposta mais flexível à natureza complexa e multifacetada do projecto, capaz de responder a diversas situações, lugares, a diversos programas, projectos.� As obras que se apresentam neste estudo - a Casa Beires 1973-76, a intervenção SAAL no quarteirão de São Victor 1974-77 e a Casa Alcino Cardoso 1971-73 - abordam de diferente modo a condição fragmentária. Nestes projectos o fragmento não é método fixo, a ruína não está sempre presente como matéria de projecto. Em Siza tudo é matéria de projecto, enquanto contribuir para a solução. 37

Fernando Távora, Nulle dies sine linea - Fragmentos de una conversación con Fernando Távora, in DPA 14 Távora, p. 11 38

Álvaro Siza, Prefacio, in Alvaro Siza - Professión poética/Profissão poética, p. 7

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������������� Álvaro Siza, Oito Pontos,���� in Álvaro Siza : escritos, p. 27

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Kenneth Frampton, Historia crítica de la arquitectura moderna, p. 322

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fig. 32 - Planta da casa Rocha Ribeiro, Maia, Álvaro Siza (ampliação - implantação a cinzento)

fig. 33 - Foto da casa Rocha Ribeiro, Maia, Álvaro Siza

fig. 34 - Esquisso para o projecto da Casa Beires, Póvoa de Varzim, Álvaro Siza

fig. 35 - Vista áerea da implantação da Casa Beires

fig. 36 - Plantas, alçados e corte do projecto construído da Casa Beires

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5.1 - Casa Beires, Póvoa de Varzim, 1973-76 Esta casa, localizada na Póvoa de Varzim, insere-se na malha reticular do plano de expansão daquela cidade. A encomenda seria, de acordo com a vontade do cliente, para o desenho de uma casa com um pátio à imagem da casa Rocha Ribeiro (1960-62) (fig. 32). Ao contrário da estratégia que o arquitecto utiliza no desenho das suas anteriores casas unifamiliares, a Casa Beires não se fecha para a rua. Aqui, o arquitecto aparentemente aceita trabalhar dentro daquilo que constitui as regras do plano de expansão daquela área suburbana. A casa organiza-se segundo um esquema tipológico clássico. No primeiro piso encontram-se as zonas comuns, incluindo um quarto e entrada de serviço e no piso superior os quartos. Relativamente ao esquema formal da casa, esta apresenta-se como um volume “...quebrado sobre um lado, para criar uma ruína abstracta.”41 O volume original obedece a uma retícula de 5 metros por 4 metros. No último módulo localizado a poente a retícula de 4 metros passa a 3 metros. Os quartos e as salas desenvolvem-se em volta do plano ondulado de vidro voltado para a rua. Como em casas anteriores, Siza desenha a entrada da casa na sua face lateral, acessível através de um percurso lateral de acesso à garagem. A cozinha e a sala de comer direccionam-se para as traseiras da casa, assim como a garagem e um anexo coberto. A nível formal, este anexo faz parte do volume da casa como se uma parte da casa ficasse presa ao muro. No lado oposto a este anexo o plano ondulado de vidro representa a fractura da casa. A tipologia é bastante clara, porém no piso superior apresenta variações tanto ao nível da organização como da forma. Essa variação traduz-se num quarto que tende a ser escritório e nos quartos organizados de forma radial em relação à cortina de vidro. As casas de banho deste piso têm as suas paredes interiores arredondadas, à semelhança de Le Corbusier, para atingir o quarto mais distante do respectivo piso. O desenho do piso térreo obedece a uma métrica ortogonal até chegar ao momento de ruptura, quando encontra o plano envidraçado ondulante. A sala, que no volume originário ocuparia toda a fachada da rua, quando é atingida pela “explosão” fragmenta-se em vários espaços menores que por sua vez vão-se relacionando com as portadas envidraçadas (à semelhança da fachada). A posição da escada ocupa o módulo central da fachada nordeste (a entrada) e é o único elemento que não sofre alterações com a ruptura quando esta atinge o piso dos quartos. É no piso dos quartos que está expressa a vontade do arquitecto fazer explodir a casa criando uma fractura. O eixo da parede que suporta o segundo quarto roda adaptando-se aos novos limites da casa. Este movimento projectual obriga os sanitários, que se localizam no canto Norte da casa, a adaptarem-se abandonando os seus limites rectos e ortogonais. A localização do escritório é também resultado desta ruptura possibilitado pela rotação dos eixos das paredes centrais criando um alargamento adjacente às escadas. Por sua vez este

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Paulo Martins Barata, Casa Beires - Póvoa de Varzim, 1973-1976, in Álvaro Siza - 1954-1976, p. 164

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fig. 37 - Planta piso dos quartos, Casa Beires, Póvoa de Varzim, Álvaro Siza

fig. 38 - Planta piso térreo, Casa Beires, Póvoa de Varzim, Álvaro Siza

fig. 39 - Esboço para Escola Paula Frassineti, Porto, Álvaro Siza

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4m


alargamento funciona como espaço de acesso ao quarto sudeste. Todos os quartos abrem para a ruptura, para o plano envidraçado ondulante como que mostrando a sua intimidade e privacidade. Nesta ruptura que Paulo Martins Barata diz ser “construção crítica”, produz um “comentário à banalidade demagógica do contexto urbano”42. A fractura apresenta-se como um momento de ruptura não só com o contexto, mas também uma ruptura com o percurso do próprio arquitecto. Ao contrário das anteriores, esta obra de arquitectura é, como afirma Martins Barata, “cosa mentale”43 que separa no momento da sua génese, a construção e a forma arquitectónica. Perante a impossibilidade de construir a casa como resposta ao pedido do cliente, Siza avança com um projecto de forte carácter conceptual, não tendo em atenção as dificuldades de execução do detalhe. Portanto a crença de Siza na não-concretização do projecto serve de teste a uma ruptura que se veio a concretizar. O projecto da casa Beires, exemplo notável da construção artesanal, é levado ao limite no seu virtuosismo. Esta casa e o projecto para a Escola Paula Frassineti (1975), que nunca foi construído, pela sua semelhança conceptual constituiram um momento de viragem no percurso do arquitecto. Siza abandonará progressivamente uma certa maneira de fazer arquitectura apoiada no detalhe e na construção artesanal, sendo a forma final directamente consequente da tecnologia disponível. Estas novas experiências de Álvaro Siza poderão ter sido influenciadas pelo livro de Aldo Rossi, “A Arquitectura da Cidade”, que na época tinha sido recentemente publicado. Como Rossi afirma no Seminário de Santiago de Compostela, “ El conocimiento de lo extraño, del “non self”, a través de la memoria, y por tanto la memoria y lo específico son para nosotros aspectos esenciales...”44. Será este “conhecimento do estranho”, o elemento de excepção, a visão fragmentada da casa Beires ou da escola Paula Frassineti? A presença de elementos arquitectónicos que fogem ao puro funcionalismo lembram os jardins ingleses românticos nos quais edifícios explodidos para criar falsas ruínas serviam para desenhar a paisagem. Uma paisagem que é um educar da paisagem psicológica dos habitantes, mais do que visão da natureza. Como referido no capítulo anterior sobre a ruína e memória, sabemos que a memória é facilmente educável e que pode ser fruto do sonho surrealista. Siza Vieira utiliza em vários trabalhos esta espécie de memória inventada que mesmo sendo fruto do imaginário do arquitecto prolonga a memória real que é condenada a desaparecer pelo Tempo. O arquitecto com plena consciência desse mesmo facto diz: “Hitler escreveu que para destruir um povo, para nele apagar a consciência de si próprio, basta destruir os seus monumentos, o meio físico a partir do qual ele se identifica.”45 42

Paulo Martins Barata, Casa Beires - Póvoa de Varzim, 1973-1976, in Álvaro Siza - 1954-1976, p. 164 43

Peter Testa citado por Paulo ���������������������� Martins Barata, Casa Beires - Póvoa de Varzim, 1973-1976, in Álvaro Siza - 1954-1976, p. 164 44

Aldo Rossi, Ciudad y Proyecto, in Proyecto y Ciudad Historica - I Seminário Internacional de Arquitectura en Compostela, p. 18 45

Álvaro Siza in JN (1980), A cidade que Temos, in As Cidades de Álvaro Siza

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fig. 40 - Esboรงo da Casa Beires

fig. 41 - Vista da Casa Beires

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fig. 42 - Vista actual da Casa Beires


Ainda acerca da casa Beires, ou casa Bomba, a ruptura simbolizada no “totem implantado no jardim adquire uma autonomia própria da escultura”46. A ruptura surge como representação formal, não é uma concretização funcional, mas uma acção num gesto muito ligado às noções referidas de memória e ruína (fig. 41 e 42). Para enfatizar esta ideia de ruptura o arquitecto encontrou motivo para confrontar duas linguagens aparentemente opostas. Da “massa homogénea ocre” em que são dispostas janelas e portas irrompe, como cicatriz de uma ferida, a cortina de vidro ondulante que cobre a testa da laje e anuncia as casas que Souto Moura posteriormente viria a realizar. Anterior à realização do projecto da Casa Beires Álvaro Siza percebe o contraste de linguagens como o instrumento da contemporaneidade que resolve também a “descontinuidade com o passado, projectando-o no presente”47 e desenha um pano de vidro para o edifício de escritórios na Avenida da Ponte no Porto (196973). Neste projecto expõe “a angústia e a dor do dividido, depois de no sítio acentuar os elementos que o constituem e de incorporar no projecto, por um processo de colagem, alguns edifícios preexistentes que recupera, transforma o pano de vidro que constitui a fachada e é um dos mais caros temas da modernidade, em espelho reflector da cidade antiga que penetrando virtualmente a nova construção, protagoniza o projecto.”48. O pano de vidro aqui descrito será a representação de um modernismo influenciado por Stirling que surge como o elemento que conseguirá sarar a arquitectura contemporânea, cicatrizar um “corpo mutilado”? Será o momento da união entre o moderno - pelo pano de vidro - e a tradição representada na técnica e princípios formais e construtivos?

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Paulo Martins Barata, Casa Beires - Póvoa de Varzim 1973-1976, in Álvaro Siza - 1954-1976, p. 170 47

Alexandre Alves Costa, 3. Diálogo e Distanciamento, in Álvaro Siza, (exposição Álvaro Siza arquitecturas 1980-1990) p. 28 48

����������������������� Alexandre Alves Costa, 3. Diálogo e Distanciamento, in Álvaro Siza, (exposição Álvaro Siza arquitecturas 1980-1990) p. 28

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fig. 43 - Plano Geral da intervenção SAAL em São Victor, Porto, Álvaro Siza

fig. 44 - Esquissos da intervenção SAAL em São Victor, Porto, Álvaro Siza

fig. 45 - Vistas da intervenção SAAL em São Victor, Porto, Álvaro Siza

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5.2 - Intervenção SAAL em São Victor, Porto, 1974 - 77 Como na “fractura” da Casa Beires, o contacto entre linguagens díspares volta a ser tema na intervenção SAAL no Quarteirão da Senhora das Dores. Esta intervenção realizou-se num quarteirão limítrofe à Rua de S. Vitor perto do Jardim de S. Lázaro. Este projecto é parte do Serviço Ambulatório de Apoio Local promovido por Nuno Portas logo a seguir à Revolução de 25 de Abril de 1974, encontrando-se localizado numa zona densamente habitada e caracterizada por uma grande quantidade de “ilhas”. Este projecto assim como a intervenção da Bouça na Rua da Boavista (1973-77) foram exemplos de participação da população na discussão do projecto, onde à luz de uma revolução política tenta-se promover uma revolução cultural e de participação associativa. Porém neste estudo aborda-se a arquitectura e a sua relação com os terrenos contíguos e, a outra escala, com a própria cidade. Este projecto é de grande importância pelas experimentações realizadas ao nível da recuperação/manutenção das ruínas existentes que fomentaram “actos de fundação”49, como diz Alves Costa, no caminho de arquitectos como Eduardo Souto Moura. “Se então já não podemos ter princípios primeiros para justificar a nossa actividade, o que nos resta para justificar os nosso projectos? Precisamente daquelas condições de pertencer(...), que nos são reveladas à medida que, ao passear no bairro reparamos que ali, havia uma loja, que ali, ali há vestígios, há ruínas, há histórias.”50 Os vestígios da memória do lugar suportam a intervenção radical ao nível tipológico e morfológico no “interior do quarteirão da Sra das Dores, onde as condições de natureza mais urbanística não prevalecem.”51 A operação desenvolveu-se rapidamente após a expropriação do terreno em causa para um parque de estacionamento com posterior protesto de alguns habitantes, inscrevendo-a no âmbito do projecto SAAL. Este projecto fazia parte de uma visão mais abrangente para o quarteirão inteiro, considerando “... a ilha como possível estrutura de desenvolvimento da cidade”52. Álvaro Siza adopta uma linguagem inspirada nos bairros habitacionais de J. J. P. Oud ( Hoek van Holland (1937-38)), seguindo a imagem de uma modernidade que confrontada com os restos de uma outra cidade mais antiga (a camada arqueológica) parece actuar de modo cicatrizante nas feridas existentes. Como na Casa Beires, o momento da fractura torna-se o elemento de uma harmonia fundamentada no conflito. É o equilíbrio que importa. A modernidade presente no conjunto de casas em banda disposto longitudinalmente em São Victor, contrasta com as ruínas preservadas, os muros 49

����������������������� Alexandre Alves Costa, Reconhecer e Dizer, in Architécti nº 5, p. 101

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Giani Vattimo citado por Paulo Martins Barata, Renovação de São Victor-SAAL Porto 1974-1977, in Álvaro Siza - 1954-1976, p. 185-186 51

Alexandre Alves Costa,�� A Ilha Proletária como Elemento Base do�������������� Tecido������� Urbano, in JA 204, p. 13

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Álvaro Siza citado por Alexandre Alves Costa,�� A Ilha Proletária como Elemento Base do�������� Tecido� Urbano, in JA 204, p. 12

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fig. 46 - Pormenor da casas recuperadas em São Victor

fig. 47 - Esquisso do espaço interior das casas recuperadas, Álvaro Siza

fig. 48 - Montagem do alçado do projecto de São Victor com um desenho do muro de A. Siza

fig. 49 - Vista da intervenção SAAL em São Victor

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existentes e os percursos antigos. Como Alves Costa afirma “Siza abre o confronto e esta é a sua concepção de participação”53. “Edifícios periféricos, já desabitados, são rigorosamente restaurados e adaptados a novo programa mas, na reconstrução que desfrutasse, apenas, de uma fundação e muros semidestruídos, uma nova linguagem se sobrepõe à arquitectura preexistente, ambas permitindo uma aproximação gradual a um desenho urbano que tende a superar, seja os critérios de simples restauros, seja a eliminação física da cidade existente.”54 A construção consistiu num primeiro bloco em banda, com dois pisos, localizado no interior do quarteirão, expressão de radicalidade. Quando necessário este bloco é atravessado por percursos pedonais antigos. Recuperou ruínas de 4 casas antigas deixando as paredes, sinal de memória, completando-as com uma linguagem moderna. O projecto inicial compreende várias intervenções: o bloco em banda de dois pisos, dois edifícios em banda paralelos, a recuperação de quatro casas em ruínas e uma casa que permite a entrada no interior do quarteirão. Ao nível da implantação mantém as entradas no limite exterior do quarteirão que forma com o seu projecto. Mantém o carácter do interior do quarteirão para onde viram as traseiras das casas que formam o seu limite, permitindo clarificar as relações urbanas de público e privado. Nesta definição de cidade está presente uma reflexão crítica das directrizes da cidade produzida pelas regras do urbanismo moderno que iam sendo aplicadas na construção dos bairros camarários do Porto. No bairro de São Victor, além da implantação do edificado, e do tipo de intervenção em cada habitação, era essencial para a leitura do projecto de “cidade” o muro antigo mantido enquanto ruína que dá escala e controla o espaço público de acesso às casas. Este muro conforma uma reinterpretação dos caminhos típicos das ilhas, à semelhança dos caminhos relativamente à sua escala e funciona como suporte da memória colectiva. Para reforçar esta ideia, as próprias paredes divisórias dos módulos em banda avançam sobre o exterior fragmentando-se, tornando-se bancos, lembrando os antigos muros divisórios dos lotes. O muro deixado como recordação reforça a modernidade do volume construído. O muro recortado casualmente, fruto da passagem do tempo, as pedras e paramentos semidestruídos são testemunho dos tempos idos e dos novos tempos. O muro é um símbolo, é significado, é memória. Esta relação entre o novo e a ruína é consequência das críticas à utopia universalista e é nova como metodologia consciente de projecto. Siza deixa de acreditar na “ordem harmoniosa construída em compreensão/contemplação da natureza”55 e apercebe-se do cariz evolutivo das cidades e das culturas. O desenho desta intervenção não se resume apenas à intervenção descrita anteriormente, da

53

����������������������� Alexandre Alves Costa, A Ilha Proletária como Elemento Base do�������������� Tecido������� Urbano, in JA 204, p. 14

54

����������������������� Alexandre Alves Costa, A Ilha Proletária como Elemento Base do�������������� Tecido������� Urbano, in JA 204, p. 13

55

Alexandre Alves Costa, Reconhecer e Dizer, in Architécti nº 5, p. 102

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fig. 50 - Desenho de SĂŁo Victor, Ă lvaro Siza

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qual só resta o volume das habitações em banda e o conjunto das casas recuperadas, tendo sido destruído o muro antigo. Esta intervenção abarca uma concepção mais abrangente de cidade, um tecido composto por uma ordem intersticial, que completaria uma cidade já existente. Pretende recordar as “ilhas” naquilo que elas representam ao nível da colectividade. O convívio, o sentido comunitário e a conectividade à cidade, eram defendidos. Uma atitude de resposta perante o êxodo provocado por um regime político que criticava a insalubridade das “ilhas”. “A imagem das ilhas é, pelo que foi dito, qualquer coisa que a população repudia em bloco. Mas repudiar esta imagem que tem implícita a segregação e a miséria, não significava recusar a sua centralidade ou o que tem de positivo a sua vida comunitária.”56.

56

Alexandre Alves Costa, A Ilha Proletária como Elemento Base do�������������� Tecido������� Urbano, in JA 204, p. 12

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fig. 51 - Esquisso da piscina da Casa Alcino Cardoso, Moledo de Minho, Ă lvaro Siza

fig. 52 - Vista da piscina da Casa Alcino Cardoso, Moledo do Minho, Ă lvaro Siza

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fig. 53 - Vista do volume novo dos quartos


5.3 - Casa Alcino Cardoso, Moledo do Minho, 1971-73 “La piscina, proyectada más tarde, ha sido diseñada como uma ruina inventada a partir del recuerdo de las muchas cosas que pertenecem al paisaje del Miño, y también a otros paisajes. Está orientada siguiendo el recorrido del sol y querría estar en relación con todo lo que la rodea - lo nuevo y lo viejo - como si fuese un intermediario o una (im)posible síntesis.”57 Esta obra é essencialmente a reconversão de um conjunto de habitação rural com a respectiva quinta, numa casa de férias. Este projecto divide-se em 3 fases distintas. Numa primeira fase Álvaro Siza cria uma nova ala de quartos que penetra num dos corpos do velho conjunto edificado. Esta ala, diferencia-se do antigo, e como Alves Costa afirma: “o momento de encontro do novo e do recuperado, agora penetração física e não apenas virtual é expressivamente enfatizado (...)”58. Como em São Victor este encontro é assumidamente apoiado na linguagem que, sendo expressão de um confronto da existência com o novo, participa no diálogo com a realidade. É o pano de vidro, como na Casa Beires, que cicatriza a ferida da intervenção do arquitecto. Porém a cortina de vidro, na leveza dos seus pinázios que remetem para as tradicionais janelas de guilhotina, apresenta um processo artesanal de fabrico que já se perdeu. No entanto o uso desta técnica não é sinónimo de algum discurso que dependa unicamente da tradição como método de projecto. Pelo contrário, Álvaro Siza encara todo o conhecimento como instrumento da arquitectura. A implantação deste projecto é uma releitura dos socalcos, fazendo com que o corpo de quartos envidraçado pertença a um deles. O pano de vidro é lido como mais um muro dos socalcos. Numa segunda fase, o desenho da piscina completa o socalco, uma piscina à imagem de um tanque agrícola, onde “o elemento escultórico de entrada da água na piscina é terreno aberto, o monumento à essência perene da arquitectura que, como no principio, não é mais do que marca de posse da terra e de respeito pelos elementos da Natureza.”59. Esta peça é essencial para perceber a importância da manipulação da memória. Apesar de ser uma construção totalmente nova, desenhada de raiz, esta não é puramente funcional, e apresenta um outro carácter. Simula uma presença com a marca do “tempo”, uma história. Num dos esquissos preliminares o portal de entrada na piscina era desenhado como um muro semidestruído, como se as pedras do seu aparelho fossem perecendo com o tempo (fig. 51). Uma falsa ruína, “romântica”, que contribui para “um pathos aparentemente arcaico, mas cronologicamente indefinido, que é consciente e selectivamente manipulado pelo arquitecto

57

Álvaro Siza, Casa Alcino Cardoso en Moledo do Minho 1971, in Álvaro Siza Casas 1954-2004, p. 72 58

����������������������� Alexandre Alves Costa, Álvaro Siza, p. 28

59

����������������������� Alexandre Alves Costa, Álvaro Siza, p. 29

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fig. 54 - Esquema comparativo das vĂĄrias fases da Casa Alcino Cardoso, Ă lvaro Siza

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através de uma quase prospecção arqueológica”60. Estes elementos arquitectónicos que aparecem como preexistências, aparentemente resultado da passagem do tempo, são na verdade desenhados. Quando são verdadeiras peças com memória, ou seja ruínas existentes, elas são manipuladas como instrumento que o arquitecto usa para produzir a sua “evidência imaginada”, como Alves Costa diz: a “busca de uma razão que não reprima nenhum dos elementos que constituem a realidade, apenas os ordene para que coexistam.”61. A última fase deste projecto, mais recente e portanto fora da baliza temporal definida para este estudo, é resultado da anexação de parcelas da quinta adjacentes, e é a recuperação dos edifícios existentes para turismo rural. Neste projecto é de realçar, além da recuperação dos edifícios existentes, a construção do socalco que realça a topografia e recupera a analogia com o socalco onde assenta o pano de vidro da primeira intervenção. Este é o elemento que afirma uma ligação entre os dois conjuntos, pois une a intervenção inicial ao centro articulador da nova intervenção.

60

Paulo Martins Barata, Casa Alcino Cardoso - Moledo do Minho 1971-1973, in Álvaro Siza - 19541976, p. 40 61

����������������������� Alexandre Alves Costa, Álvaro Siza, p. 27

51


fig. 55 - Vista interior do Mercado do Caranda, Braga, Eduardo Souto Moura

fig. 56 - Vista da casa 2 em Nevogilde, Porto, Eduardo Souto Moura

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6 - Percurso até à Natureza - Eduardo Souto de Moura

“o fim dos edifícios é serem boas ruínas”62 “porque a ruína deixa de ser Arquitectura e passa a ser Natureza. E mantive a ruína para manter essa pretensão de ser quase obra natural, anónima. “63 O arquitecto Eduardo Souto Moura projecta com todos os instrumentos que lhe permitam justificar uma ideia. A ideia é na maior parte das vezes argumentada por uma regra que é logo de seguida questionada por oposição e contraste. Esta ideia é muitas vezes baseada na relação da ruína com o novo e da ruína com o sítio. Na obra de Eduardo Souto Moura, a ruína é parte do processo de fragmentação ou é ela própria o fragmento a ter em conta. A ruína adquire diferentes identidades e significados de acordo com a intenção do próprio projecto. O método projectual varia de acordo com a relação com a ruína, ou com a manipulação da própria peça arqueológica. Aparentemente é difícil perceber nesta variedade uma ideia de evolução ou percurso. A ruína é encarada como instrumento que justifica e suporta o projecto. Na obra inicial de Souto Moura a influência de Álvaro Siza é clara. As soluções projectuais são semelhantes, como as que se encontram presentes na relação entre a casa Alcino Cardoso com a casa do Baião ou a casa em Moledo. Nestas obras o projecto supera a condição de edifício e torna-se o desenho duma nova Natureza, socalcos à imagem da paisagem, onde se encaixa a casa, um pano de vidro encimado por uma laje. Nesta abordagem da obra de Souto Moura, não é pretensão construir uma qualquer cronologia ou demonstração de um processo mental, pretende-se apenas uma leitura fragmentária para sustentar novos temas, com todas as restrições que este método implica. Invenção da ruína/fragmento “Vejam-se projectos como a casa para Karl Friedrich Schinkel”, Leça da Palmeira - 1979; a casa 2 em Nevogilde (1983) e o Mercado do Carandá (1980), projectos nos quais a ruína aparece como uma criação, uma invenção do sítio, quase como uma necessidade de criar memória e estabelecer através dela as relações natureza-construção”64 Eduardo Souto Moura encontra na Casa Beires de Álvaro Siza ou na piscina da Casa Alcino

62

��������������������������������������� Perret citado por Eduardo Souto Moura, A Ambição à Obra Anónima (numa conversa com Eduardo Souto Moura), in Eduardo Souto Moura, (ed. 2000), p. 31 63

�������������������� Eduardo Souto Moura, A Ambição à Obra Anónima (numa conversa com Eduardo Souto Moura), in Eduardo Souto Moura, (ed. 2000), p. 31 64

Excerto do trabalho de grupo da cadeira de História da Arquitectura Contemporânea, 5º ano, 2004/2005

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fig. 57 - Vista da Recuperação de Ruína, Gerês, Eduardo Souto Moura

fig. 59 - Vista da Casa em Baião, Eduardo Souto Moura

fig. 58 - Vista da Clínica Dentária, Porto, Eduardo Souto Moura

fig. 60 - Vista da Recuperação da Pousada de Sta. Maria do Bouro, Eduardo Souto Moura

fig. 61 - Vista do muro de entrada da Casa na rua Miguel Torga, Porto, Eduardo Souto Moura

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Cardoso soluções projectuais que influenciaram o seu método projectual. Nestas casas a ideia de inventar um fragmento ou corpo fragmentado está presente. Assim no projecto criase uma imagem de quebra, de rompimento, para mostrar algo de novo contido no interior de forma. Ao simular a quebra permite à arquitectura participar na evolução da cidade. Ambos os projectos de Siza parecem recordar a temática romântica de criar, inventar, uma ruína no jardim. Existe a necessidade de desenhar um passado, uma imagem deste, pois “não é o lugar que dá fama à ruína, é esta que enobrece e embeleza o lugar”65. Portanto parece claro que, à semelhança de Siza Vieira, quando Eduardo Souto Moura não tem preexistências arquitectónicas, cria-as, inventa-as para argumentar uma implantação, uma linguagem, uma topografia e uma paisagem. Na ruína “Há no abrigo do Gerês (1980-82), primeira obra construída por E.S.M. uma certa inocência que o próprio assume, respeitando a preexistência e realçando-a com os novos materiais, sobretudo o pano de vidro.”66 Da mesma forma em projectos mais recentes como a recuperação da pousada de Santa Maria do Bouro (1989-97) e da Alfândega (1990-), fazer novo não significa alterar tipologias ou implantação, mas sim “… dar continuidade, para aproveitar, como que por economia de meios compensada pela qualidade dos materiais e do desenho de detalhe”67. A linguagem essa sim é totalmente moderna, pois as técnicas não são as mesmas de outrora e não faz sentido construir com os métodos antigos. Assim, E.S.M. aproveita do existente a carga de uma história e assume-a para si e para os seus projectos. Souto Moura pretende exaltar a ruína quase como se esta permanecesse intacta mesmo quando é profundamente manipulada, mantendo sempre a sua essência. Ao lado da ruína Em Baião (1990-93) esta atitude ainda é mais evidente porque deixa a ruína como o fim de um ciclo em que o edifício atingiu o seu estado maior, porque a ruína deixa de ser Arquitectura e passa a ser Natureza. Aqui a construção está “ao lado” da ruína. A ruína faz parte da casa, mas como um jardim de inverno. A Natureza consome este espaço, absorve-o com a sua vegetação, até que qualquer parte do muro e das paredes da antiga casa deixem de ser visíveis. Nesta obra encontramos a intenção de manter o processo natural da ruína até esta se tornar parte da Natureza; encontramos a vontade de oferecer uma morte digna à ruína, deixando-a ao cuidado das intempéries. Com peças de ruína Mas quando não existem ruínas suficientemente fortes para cumprir esta função, como é que E.S.M. encara esta abordagem? “Podemos falar de fragmento “colado” no interior de uma 65

Lord ������������������������������� Byron citado por Carlo Carena, Ruína-Restauro, in Enciclopédia Einaudi - Volume 1 MemóriaHistória, p. 109 66

Excerto do trabalho de grupo da cadeira de História da Arquitectura Contemporânea, 5º ano, 2004/2005 67

Alexandre Alves Costa, Reconhecer e Dizer, in Architécti nº 5, p. 103

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fig. 62 - Vista de casa na Quinta do Lago, Algarve, Eduardo Souto Moura

fig. 63 - Mesa desenhada por Eduardo Souto Moura

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clínica dentária na Rua do Amial - Porto (1981-83), na casa unifamiliar na rua Miguel Torga - no Porto (1987-94), e na remodelação de um apartamento em Braga (1989-91)? A ruína é utilizada como “peça” para desenhar o próprio edifício. Será uma tentativa de conferir um carácter ao sítio, de lhe “enxertar” memória? “68 Estes fragmentos poderão sempre ser encarados como ruína, não no sentido histórico, em que a fragmentação da forma é devida à passagem do tempo, mas como uma partícula de um outro tempo um pouco mais recuado que escapou ao novo, ao tempo de transformação. Pode ser também a arquitectura feita de peças, elementos que adicionados formam uma unidade. O fragmento como metáfora Existem ainda outros projectos onde o fragmento é encarado como a excepção à regra do projecto. “(...) o fragmento é a excepção que confirma a regra, ou seja, a excepção (o quadrado torto na composição existente na casa da Quinta do Lago no Algarve (1984-89), a perna barroca na mesa moderna, o projecto para a praça General Humberto Delgado (1979), o projecto para café do centro desportivo, em Braga (1983)) atribui ao projecto um sentido artístico, poético, na medida em que este transmite uma mensagem metafórica que contém em si o desejo de explorar a ambiguidade no projecto.”69 Será esta excepção - o fragmento - uma metáfora que tenta tomar para si o lugar da ruína enquanto exemplo moral da paisagem? “ Souto Moura inventa histórias quando não existe história, constrói os sinais do tempo para os preservar e qualifica a sua narrativa com a dignidade dos materiais naturais...”70

68

Excerto do trabalho de grupo da cadeira de História da Arquitectura Contemporânea, 5º ano, 2004/2005 69

Excerto do trabalho de grupo da cadeira de História da Arquitectura Contemporânea, 5º ano, 2004/2005 70

Alexandre Alves Costa, Reconhecer e Dizer, in Architécti nº 5, p. 103

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fig. 64 - Esquisso para entrada no Mercado de Caranadรก, Braga, Eduardo Souto Moura

fig. 65 - Stoa na ร gora Athalos em Atenas

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fig. 66 - Esquissos para o projecto do Mercado de Carandรก, Braga, Eduardo Souto Moura


6.1 - O Mercado de Carandá, Braga, 1980 - 84 Num caminho para o nada surge a obra. Assente numa preexistência, num muro, num caminho romano segundo o arquitecto, o mercado apresenta-se como uma linha apenas, um gesto só. O mercado é resultado da tentativa de estruturar o crescimento da cidade, de lançar uma malha, que suporte o desenvolvimento da zona. Deste gesto surgem uma série de muros que articulam espaços e vivências. A imagem exterior da obra é determinada por grandes planos que não se intersectam, demonstrando uma influência referente às obras neoplásticas de Mies Van der Rohe. Os planos brancos, opacos, contrastam com a textura enrugada dos muros de granito aparelhado. As colunas que suportam o plano horizontal de betão, quase etéreo, criam uma realidade para o exterior de carácter plástico, quase abstracto. O mercado esconde no seu interior uma espacialidade marcada por 3 naves definidas pela sucessão de colunas. Por oposição ao exterior, no interior está presente a analogia com formas associadas aos lugares de comércio recorrentes ao longo da história, locais como as stoas gregas. A base estrutural deste edifício assenta numa rede de pontos, que distam 8 x 6.5 metros, ou seja, numa sucessão de colunas que dá ritmo ao percurso e estabelece a divisão espacial na qual se apoia uma cobertura plana em duplo balanço. É interessante perceber como a imagem do mercado contrasta com o seu sistema estrutural, uma vez que a cobertura está sustentada pela colunata e não pelos muros, como poderia parecer à primeira vista. Numa primeira abordagem à planimetria apresenta-se portanto uma métrica rígida que se traduz num esquematismo, nalguma abstracção, que todavia não se sente na vivência do espaço. Fica sim a presença forte dos elementos por si articulados, criando o espaço como uma síntese. O edifício apresenta um carácter de flexibilidade de usos. Talvez a forma do edifício tenha superado a sua função: “La forma del edificio es más fuerte que su contenido ideológico, o si queréis es indiferente respecto a su contenido ideológico.”71 A utilização do plano livre mais do que uma escolha linguística é um instrumento empírico, um artifício, um modo de trabalhar para obter um certo grau de flexibilidade durante a construção.

71

(acerca da mesquita Córdoba) Aldo ������������� Rossi, Ciudad y Proyecto, in Proyecto y Ciudad Historica - I Seminário Internacional de Arquitectura en Compostela, p. 21

59


fig. 67 - Vista do muro arruinado, Mercado de Carandá, Braga, Eduardo Souto Moura

fig. 68 - Vista aérea do Mercado de Carandá, Braga, Eduardo Souto Moura

Muros de Pedra Acessos verticais (escadas) fig. 69 - Axonometria do Mercado de Carandá, Braga, Eduardo Souto Moura fig. 70 - Planta do Mercado de Carandá, braga, Eduardo Souto Moura

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O projecto apresenta duas grandes áreas distintas: uma pública com bancas de venda e outra com armazéns frigoríficos, casa de banho e zonas de amanho no primeiro piso e mercado no segundo piso. Estas duas áreas também se distinguem no pé-direito. A zona a poente apresenta um pé-direito que corresponde à totalidade da altura à laje de cobertura, enquanto que a zona nascente apresenta diferenças de pé direito. O programa do mercado é organizado por sete grandes muros. Quatro destes muros são construídos em granito, sendo três perpendiculares ao eixo maior do mercado e o quarto paralelo ao eixo maior do mercado dobrando para o interior quando atinge o centro do edifício. Os restantes muros rebocados a branco são paralelos ao eixo maior do mercado. Dois destes formam a fachada norte do mercado e um outro conforma a fachada sul que vira para a rua e limita a zona sul dos armazéns. O muro longitudinal de granito é essencial à leitura do projecto. Suporta um percurso público (a rua) em mezzanine sobre as bancas do mercado. A poente enquadra uma das escadas que permite aceder a essa mezzanine desenhando também uma das entradas do mercado. No extremo oposto (a zona central do mercado), o muro longitudinal de pedra atinge as ruínas da casa da quinta e o café do mercado e dobra para o interior do mercado marcando outra entrada do edifício. Neste momento o muro serve também de pano de fundo à escada que permite o acesso nascente ao percurso público que é simultaneamente cobertura de várias lojas existentes. O muro central de granito (perpendicular ao eixo maior do mercado) delimita a nascente o espaço das bancas do mercado. Este muro é especial, pois é desenhado desde raíz como uma ruína, que se vai degradando e que permite a entrada para o mercado (fig. 67). Parece pertencer às ruínas da casa adjacente, como um muro de propriedade que se degradou. Encontra-se no centro da composição, articulando urbano e cidade, novo e antigo. Este muro, a relação com as ruínas da antiga casa da quinta e o café projectado para aquele local funcionam como elemento de equilíbrio. A recuperação do mercado, Braga, 2001 Pouco tempo após um normal funcionamento, o mercado cessou a sua actividade. Após anos de abandono, a Câmara Municipal de Braga encomendou ao arquitecto Eduardo Souto Moura a recuperação da obra, desta vez pensada para estar integrada no programa cultural da cidade. O arquitecto retirou parte da cobertura deixando as colunas com os ferros das armaduras à vista na extremidade superior. O espaço que anteriormente era lido como interior, composto por três naves é agora um jardim de colunas e árvores, de distribuição e desafogo para o programa cultural proposto. É de realçar, a referência subtil aos campos de ruínas romanas

61


fig. 71 - Ruína romana em Vollubilis, Marrocos

fig. 72 - Ruína romana em Vollubilis, Marrocos

fig. 73 - Colunas caídas, Centro Cultural Carandá, Braga, Eduardo Souto Moura

fig. 74 - Centro Cultural Carandá, Braga, Eduardo Souto Moura

fig. 75 - Café do Mercado, Braga, E. Souto Moura

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e gregas, onde as colunas permanecem personificados nos quatro pilares arrancados e dispostos na entrada poente e dispostos quase casuisticamente tombados. Além destas colunas tombadas como representação da acção do Tempo, também os muros de pedra se encontram “arruinados”. Os muros que no primeiro projecto se encontravam inteiros, apresentam agora faltas de pedras em determinados cantos, reforçando a intervenção do arquitecto que age representando a acção do Tempo. Estes muros aproximam-se agora do muro central que desde o início se apresentava em ruína. Aliada a esta alteração formal, a mudança funcional de mercado para centro cultural trouxe novas valências funcionais: escola de dança, biblioteca municipal, jardim de infância, casa de chá e quiosque. A escola de dança situa-se num novo volume coberto por um jardim, situado a norte, libertando ao invés o espaço das antigas bancadas. O restante programa localiza-se nas lojas debaixo do percurso superior (exterior). O Café do Mercado, Braga, 1980 - 1984 Localizado na proximidade da antiga casa da quinta, o café aproveita a força do existente para se projectar no sentido da periferia urbana. O café está implantado no centro do mercado onde se localiza uma das entradas, assim como o “muro arruinado”. Agarra-se à ruína da casa, aproveitando a estabilidade formal da arquitectura popular presente nas ruínas dessa mesma casa, criando a excepção no lado virado para os campos envolventes: desenha um plano vertical que marca a entrada. Este plano vertical rebocado contrasta com o aparelho de pedra da casa e aumenta a escala do edifício. “É fundamentalmente conseguir a escala pela fachada; que é uma actividade facial e pictórica, muito da arquitectura portuguesa(...)”72 Este plano constitui o maior desafio estrutural da obra, uma vez que esta “parede viga”, forte elemento estrutural mas que, de modo contraditório parece flutuar, tem como únicos apoios um pilar de betão e um outro metálico. Dada a simplicidade do programa parece intuitiva a decisão da separação entre o espaço de café propriamente dito e os espaços de apoio que se “escondem” nas paredes da antiga casa. A ruína inventada No mercado surge a ruína inventada. Esta ruína não sendo uma memória existente, é desenhada, desenvolvendo-se o projecto a partir desta condição. Após a recuperação do Gerês em que a memória é fundamental ao projecto, no mercado

72

�������������������� Eduardo Souto Moura, A Ambição à Obra Anónima (numa conversa com Eduardo Souto Moura), in Eduardo Souto Moura, (ed. 2000), p. 31

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fig. 76 - Planta do Café do Mercado fig. 77 - Vista do campo, Café do Mercado

fig. 78 -Vista do jardim interior do Centro Cultural de Carandá

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fig. 79 - Pormenor do remate da coluna, após a reconversão de mercado para centro cultural.


onde a obra é pública e encontra-se num contexto urbano, Eduardo Souto Moura sente a necessidade de ter uma história à qual se agarrar, dessa forma usa os caminhos existentes e os muros inventados. Posteriormente, para realizar o projecto do café, usa a preexistência como “ruína operacional”. Não importam tanto as histórias do sítio, importa sim a capacidade de conferir memória através do material disponível. Anos mais tarde, quando lhe foi encomendada nova intervenção no mercado, o arquitecto sente que este edifício merece que lhe seja conferido um carácter de monumento. Dessa forma o projecto mostra as suas “entranhas”, o passado arruinado personificado nas armaduras expostas dos pilares, nas colunas tombadas. O arquitecto tenta “ressuscitar” o espaço, mudando o carácter da obra perante a população, perante a cidade. Eduardo Souto Moura actuou sobre o existente - que neste caso em especial era ruína de um projecto seu, uma história contada por ele mesmo no passado - de forma a conferirlhe um estatuto de ruína só possível com a criação de uma imagem de algo que pertence ao passado. Desta forma tenta criar um mecanismo mnemónico na população para assim simular a aproximação à Natureza e desta maneira fazer esquecer o abandono a que o mercado foi sujeito. “Ao desenhar a ruína (no primeiro projecto) tenta referenciar-se a uma memória do lugar (caminhos existentes e muros que os recordam), mas ao destruir para construir, ao provocar uma nova ruína, procura referenciar-se a uma história que já passou para a cidade (o mercado), como forma de caracterizar a sua nova função.”73

73

Excerto do trabalho de grupo da cadeira de História da Arquitectura Contemporânea, 5º ano, 2004/2005

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fig. 80 - Pormenor do desenho da Casa Karl Friedrich Schinkel, Eduardo Souto Moura

fig. 81 - Desenho da Casa Beires, Ă lvaro Siza

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6.2 - A ruína no projecto “Testemunho do poder destrutivo do tempo e do triunfo da natureza sobre a cultura, as ruínas conferem todavia à paisagem uma marca humana que as contém, abrindo-a para uma dimensão histórica. Tal como as peças de colecção, com as quais se assemelham pela falta de utilidade, as ruínas podem, na maior parte dos casos, desempenhar o seu próprio papel graças à imaginação que vê nelas um signo de acontecimentos do passado, investindoas assim de valores particulares. As ruínas tornam-se portanto, fontes para o conhecimento histórico que, através de um processo de pesquisa que as leva à atribuição, extrai os dados relativos aos seus artífices. Ruína é também metáfora de caducidade e de finitude...”74 Da anterior enumeração de modos de acção do arquitecto Souto Moura é notório um factor comum: a ideia de projecto. A partir da interpretação pessoal do sítio, que se baseia em argumentos de carácter pragmático, de uma abordagem da topografia como elemento do projecto, a ideia torna-se a leitura clara do sítio onde intervir assim como a interpretação aparentemente única do edifício a propor. Esta ideia é de facto elementar, une e justifica a coerência das opções tomadas. “ ... quando um objecto artificial simula uma permanência perene e comunica uma sensação de que aquele sítio intacto não poderia prescindir daquele objecto preciso, significa que a Arquitectura conseguiu o estatuto de “Natureza”, de coisa natural.”75 No início do percurso de Eduardo Souto Moura, a ruína é instrumento preponderante para analisar e compreender os seus projectos. Eduardo Souto Moura trabalhou com Álvaro Siza e em consequência existe uma coincidência temporal na abordagem do tema da ruína. Em São Victor, esta influência é bastante clara, não só no modo de pensar a ruína como condição histórica e de memória, mas também na maneira como ela é encarada de acordo com uma metodologia de restauro ou reconstrução de património que o projecto pressupõe. A ruína pode ser elemento que “injecta” significado e valores a um edifício. Eduardo Souto Moura é modernista, mas interpreta e corrige a faceta mais “cinzenta” do Estilo Internacional, lembrando que os edifícios precisam de uma interpretação sempre particular do sítio como instrumento de projecto. Não uma interpretação simplista do conceito de genius loci onde é recorrente afirmar que a solução projectual está no sítio, mas sim uma interpretação do local como matéria de projecto, sempre no sentido de ser Arquitectura. Ou seja, arquitectura como um objecto preciso de que um sítio intacto não poderá prescindir. “... enfim, é o querer conhecer a história, não com imagens de frente, mas por dentro, na lucidez do projecto, onde a razão dita e o “sítio” aceita, quando o “sítio” informa e a razão acerta”76. É uma relação entre razão e sítio, ou melhor, entre arquitectura e o lugar apreendida

74

Carlo Carena, Ruína-Restauro, in Enciclopédia Einaudi - Volume 1 Memória-História, p. 129

75

Eduardo Souto Moura, Não há duas sem três, in JA 217, p. 29

76

Eduardo Souto Moura, Não há duas sem três, in JA 217, p. 28

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fig. 82 - Pormenor do desenho “La Citiá Analoga”, Aldo Rossi, 1976 fig. 83 - Pormenor do desenho para o Concurso para a S.E.C., Porto, Eduardo Souto Moura

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em Álvaro Siza e em Aldo Rossi, não só no que se refere às ferramentas práticas de projecto como às bases teóricas e do discurso argumentativo. O significado da obra, pode surgir das mais variadas maneiras. Provavelmente parte da aceitação de uma síntese impossível que se mantém aberta e contraditória. Assim como a regra é confirmada pela excepção, a contradição ou a ambiguidade entre a razão e o sítio confirmam a arquitectura. Podemos encontrar vários exemplos na obra de Souto Moura deste método: o quadrado torto na composição ortogonal presente no muro da casa da Quinta do Lago, a ruína em Baião em contraste com o volume de vidro, no Gerês onde a caixa de vidro não toca na ruína, a perna barroca da mesa de vidro, o resto da laje que permanece na recuperação de um apartamento em Braga ou o muro que propositadamente imita a ruína no mercado de Carandá. E são muitos mais os exemplos. A ruína é também a metáfora de um fim anunciado ou porventura do princípio de uma nova natureza - “sentimento subtilmente crepuscular”77 associada a uma paisagem - que aponta para uma leitura de continuidade através da transformação dos elementos. Esta definição comprova como a ruína é encarada de uma forma ambígua. A noção crepuscular, incute-lhe um significado de fim, ocaso de uma vida. No entanto a luz crepuscular tanto se observa ao fim do dia como no amanhecer. Será justo transpormos esta dualidade para a ruína como símbolo de um fim que é início de uma nova vida. Será esta umas das interpretações possíveis da intervenção em São Victor? Onde se deixam restos de uma memória de ilhas proletárias, anunciando o seu crepúsculo, para que numa nova forma cumpra a utopia social? 6.2.1 - A operação SAAL em São Victor “ ... em S. Victor consolidam-se ruínas, mantêm-se caminhos e atravessamentos antigos que se contrapõem enfaticamente à afirmação convicta de uma nova lógica tipológica e construtiva. No entanto, a nova regra nasce, mesmo por oposição, da preexistência, ajudando a conformar o sítio e acumulando significados. Noutras situações da mesma operação, Siza irá adoptar tipologias tradicionais ou restaurará rigorosamente edificações em ruína.”78 O tempo em que participou com Siza Vieira na operação SAAL em São Victor, mostrou a E.S.M. um conjunto variado de abordagens operativas das ruínas existentes. Siza opta recorrentemente pela oposição. Nem sempre a oposição é formal, mas como diz Alexandre Alves Costa, neste caso são tipologias novas com muros que se mantêm, uma oposição à preexistência que vai carregar de significado toda uma nova ideia de cidade apenas concretizada no interior de um quarteirão. Recupera o tema da ilha, não na tipologia edificatória, mas num sonho nunca concretizado de uma cidade entendida a partir do tema da ilha proletária. Porventura ainda 77

Carlo Carena, Ruína-Restauro, in Enciclopédia Einaudi - Volume 1 Memória-História, p. 107

78

Alexandre Alves Costa, Reconhecer e Dizer, in Architécti nº 5, p. 102

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exista em Siza a utopia de uma mudança social associada a uma atitude projectual. Em Souto Moura, e como diz Alves Costa, a atitude perante o projecto é “para dar continuidade, para aproveitar, como que por economia de meios(...)”. Eduardo Souto Moura deixa-se fascinar pelo tema da ruína, e esta “é” mesmo quando não existe a priori. Defende-a quando está presente e é instrumento fundamental do projecto, mas também a encara como possível de ser inventada e imaginada na execução de uma “paisagem” construída.

71


fig. 84 - Pousada de Santa Maria de Bouro, Eduardo Souto Moura fig. 85 - Recuperação do Museu Grão-Vasco, Viseu, Eduardo Souto Moura

72


6.3 - A ruína como processo, evolução “...Ruskin exigirá quatro ou cinco séculos de corrosão para considerar um edifício “no auge da sua importância””79. A ruína enquanto percurso natural de todos edifícios, no sentido da perfeição e integração na natureza, é encarada como um processo que não deve ser interrompido, nem acelerado. Eduardo Souto Moura utiliza esta noção quando se encontra perante uma verdadeira ruína. Com o seu projecto, vai realçar e defender a imagem de fim ao invés do restauro por completo. Uma “morte” que significa a aproximação à Natureza, a um estado de perfeição e completa pertença. Um crepúsculo que indica fim e princípio, reciclagem, integração no natural, anonimato. Acontece na casa do Gerês, na pousada de Santa Maria de Bouro, na casa de Baião, na recuperação da Alfândega do Porto. Deixando o existente “incólume”, ou construindo dentro dele, aquilo que é comum nestas obras, é uma vontade de deixar o existente naquele estado de evolução. Em certas situações simula uma ruína mais arruinada do que o pré-existente como acontece na recuperação do Museu Grão-Vasco em Viseu (2004). Neste projecto substitui o telhado antigo de telha por um telhado de zinco e aumenta um piso no pátio interior. Assim a imagem do edifício tenta fixar um tempo onde só restam as paredes exteriores (fig. 85). A intervenção do arquitecto resume-se a possibilitar um interior climatizado e protegido. A resposta à ruína não passa pela reconstrução como era na sua génese, mas com a linguagem moderna, abstracta, conseguir o estado de anonimato. Um anonimato que pretende não contar histórias, mas sim deixar as pessoas “ouvir as histórias”, um edifício que não pretende ser protagonista da vida, mas sim suporte ao decorrer da vida das pessoas. Nestas obras, a vontade é, fundamentalmente, a partir da obra anónima, criar condições e motivos para novos utilizadores usufruírem de um espaço recuperado para ser reutilizado. Na sua obra, os argumentos fundamentais num projecto deixam de o ser noutro. Não é uma posição conceptual a priori que define o projecto, é o projecto em si que define a estrutura conceptual por detrás dos argumentos que o defendem. Utiliza sempre a matéria a seu favor. A ruína, mesmo quando existe, é sempre manipulada conceptualmente no sentido de justificar a ideia de projecto.

79

Carlo Carena, Ruína-Restauro, in Enciclopédia Einaudi - Volume 1 Memória-História, p. 119

73


fig. 86 - Casa 2 em Nevogilde, Porto, Eduardo Souto Moura

74


6.4 - A ruína como instrumento e tema de projecto “.... los monumentos deben desacralizarse en el sentido de convertir parte de la ciudad en topografia y en material constructivo del que podamos servirnos.”80. A ruína não é apenas usada como material de projecto, esta é por vezes usada simultaneamente, como material de construção. Noutras intervenções a ruína nem existe como verdadeira. Pelo contrário, é inventada, como uma memória que não existiu, mas que é simulada para passar a existir. Os muros do mercado de Carandá são exemplo da criação de uma memória inventada assim como o Concurso para a Casa Karl Friedrich Schinkel ou a casa 2 em Nevogilde. Exemplos do uso literal da ruína podem ser encontrados em diversas obras de Souto Moura como os pedaços de frisos colados num muro de pedra na casa na rua Miguel Torga no Porto, pedaços de mármore que enriquecem o espaço da clínica dentária no Amial, o que resta das armaduras de uma laje que foi removida na remodelação de um apartamento em Braga. É a ruína do café junto ao mercado do Carandá, que é usada como matéria, constrói dentro e com a ruína. A ruína é parte integrante do projecto. “(...), é a ruína operacional... a obra não tem nada a haver com a ruína, mas tem a haver com o material disponível que dá para fazer uma obra...”81. Eduardo Souto Moura através da ruína, significa e dá significado aos sítios. É um “exemplo moral”82 na paisagem, é o elemento que garante uma dignificação do lugar, a valorização social e psicológica de uma paisagem. Quando o arquitecto pode manter a ruína no seu estado “fatal”, confere-lhe um lugar no projecto, mas sujeita-a à passagem do tempo. À falta de uma memória, desenha, inventa, cria a memória do sítio, conta o seu “passado” para justificar um futuro. “ Souto Moura inventa histórias quando não existe história, constrói os sinais do tempo para os preservar e qualifica a sua narrativa com a dignidade dos materiais naturais...”83. Eduardo Souto Moura percebe o significado da paisagem, além da importância da ruína em si. Actua topograficamente, cria um cenário, o cenário necessário para contar uma história, à qual atribui memória com a ruína inventada. Não apresenta a dedicação historicista “arqueológica” de Távora perante o existente. A relação da ruína com a paisagem, desde alguns séculos atrás apresenta uma importância conhecida. Na Idade Média, a ruína ganhou pela primeira vez, significado entre as sociedades. A 80

������������ Aldo Rossi, Ciudad y Proyecto, in Proyecto y Ciudad Historica - I Seminário Internacional de Arquitectura en Compostela, pag 19 81

Eduardo �������������������� Souto Moura, A Ambição à Obra Anónima (numa conversa com Eduardo Souto Moura), in Eduardo Souto Moura, (ed. 2000), p. 31 82

Chateaubriand (������������������������������� 1802) citado������������������� ������������������������� por Carlo Carena, Ruína-Restauro, in Enciclopédia Einaudi - Volume 1 Memória-História p. 111 83

Alexandre Alves Costa, Reconhecer e Dizer, in Architécti nº 5, p. 103

75


fig. 87 - “São Sebastiao”, Andrea Mantegna, c. 1480

76

fig. 88 - “Paisagem com S. João em Patmos”, Poussin, , 1640 fig. 89 - Termas de Caracalla, Piranesi


evangelização católica encontrou lugares e edifícios, onde a ruína transmitia a mistura de fé, mistério, coragem e uma memória desaparecida. A ruína torna-se então parte do imaginário dos artistas. Pintores como Mantegna e Poussin utilizam a ruína como peça fulcral de composição em algumas das suas pinturas. Para Mantegna a presença da ruína na composição da pintura era “...suporte essencial da estrutura do quadro e da estatura moral das personagens...“84. Representa a utopia da reconstrução de uma ordem que se encontrava no esquecimento dos homens. No século XIX, na Inglaterra, os jardins apresentavam uma obsessão pelo carácter paisagístico da ruína. Em alguns casos chegou-se a construir um edifício inteiro, para de seguida o fazer explodir de modo a que o processo fosse mais rápido. Esta atitude romântica não é estranha tanto a Siza como a Souto Moura. Na casa Alcino Cardoso, Álvaro Siza inventa uma ruína junto à piscina, só para atribuir um enquadramento paisagístico. Na casa Beires, simula a explosão de uma bomba no canto da casa que passa a revelar as suas entranhas; uma explosão metafórica, que justifica a mudança de linguagem, de um pano de parede fechado para um pano ondulado de vidro. Nas permanências deixadas em São Victor, cria uma nostalgia recuperada através de restauros de quatro casas existentes, ou uma nostalgia deixada por oposições tipológicas. Percebe-se, em Eduardo Souto Moura, uma proximidade com a abordagem teórica de Colin Rowe e de Robert Venturi. Paralelamente a uma procura da abstracção como a aproximação à Natureza (a abstracção defendida por Monestiroli como analogia para procurar as proporções naturais), Souto Moura utiliza o fragmento ou a fragmentação para relacionar a linguagem abstracta com a história e a memória constantemente reciclada. Como Monestiroli afirma: “ ... la analogia com la naturaleza pertenece al concepto de construcción, de organicidad de la construcción llevada hasta la confusión de los elementos arquitectónicos en un todo.”85 De certa forma parece existir em Souto Moura uma preocupação com a construção como um todo, como representação concreta da analogia com a natureza na sua relação do todo com o método construtivo. Para atingir a natureza utiliza o instrumento da modernidade que realiza a analogia com a natureza. Segundo Monestiroli a abstracção é uma analogia conceptual que permite à arquitectura libertar-se das referências formais da própria Natureza. A abstracção apresenta-se como verdadeiro instrumento da arquitectura de aproximação à natureza através do estudo de sistema de relações e proporção. Souto Moura aplica simultaneamente outra forma de analogia baseada na análise e

84

Carlo Carena, Ruína-Restauro, in Enciclopédia Einaudi - Volume 1 Memória-História, p. 107

85

Antonio Monestiroli, Arquitectura, naturaleza, historia - Las formas de la analogía en el lenguaje arquitectónico, in La Arquitectura de La Realidad, p . 204

77


fig. 90 - Desenho para o Concurso para a Casa de Karl Friedrich Schinkel, Leça da Palmeira, Eduardo Souto Moura

fig. 91 - Esquema do possível volume que origina a composição arruinada

78

fig. 92 - Reconstituição da possível volume que origina a composição arruinada


aproximação da história. Para o arquitecto “ ... establecer una relación con la historia significa querer estar a la altura de la arquitectura de la antiguedad.”86, segundo Monestiroli, que nos permite compreender a atitude de Souto Moura perante a ruína e os fragmentos de história. A tentativa de estar a la altura de arquitectura de la antiguedad, reflecte-se na utilização do fragmento e da ruína como instrumento de analogia formal com o passado. Será que a utilização de frisos antigos em muros de pedra actuais como na casa na Avenida da Boavista, ou a propositada ruinização de outros muros, a perna barroca na mesa de vidro, a praça estilhaçada General Humberto Delgado, poderão ser entendido como fragmento? No projecto para o concurso da casa Karl Friedrich Schinkel, estas contradições e misturas são, porventura, o grande tema do projecto. Elementos da linguagem clássica de Schinkel são misturados com o grafismo planimétrico dos primeiros projectos de Mies Van der Rohe (de influência neoplástica ou suprematista com Mondrian e Malevitch) que se articulam neste projecto com uma visão romântica da ruína que evolui a partir da “cidade” em direcção à Natureza (“campo”). Pilastras adoçadas, frisos que a determinado momento caem, colunas clássicas sem função de suporte, mostram a autêntica colagem de fragmentos de diversos tempos e linguagens. Não parece uma mistura ao acaso, mas relaciona directamente dois pontos da história da arquitectura - Schinkel e Mies Van der Rohe - demonstrando a afinidade do autor por estes momentos históricos, assumindo a importância destas influências. Não se dirá pós-modernista, pois esta não é uma atitude de génese conceptual, mas sim, uma questão operativa, como sempre em Eduardo Souto Moura. Não usa o fragmento como reacção ao código formal moderno. O arquitecto usa os seus paradigmas formais, a abstracção de influência directa de Mies Van der Rohe, sempre com a excepção como forma de acentuar a regra, o fragmento e a ruína como forma de acentuar a regra. Usa eventualmente a ruína como justificação de um abstracto local (pelos materiais e implantações desenhados).

86

(acerca de Adolf Loos) Antonio Monestiroli, Arquitectura, naturaleza, historia - Las formas de la analogía en el lenguaje arquitectónico, in La Arquitectura de La Realidad, p . 222

79



6.5 - A ruína como justificação da abstracção “a abstracção como momento do conhecimento estabelece uma nova relação com a natureza que, levada às últimas consequências, conduzirá ao definitivo abandono de toda a referência formal com esta.”87 Apesar das diferentes atitudes perante a ruína e perante o existente, a vontade de fazer novo utlizando a abstracção, une os vários projectos e as várias abordagens ao sítio. Eduardo Souto Moura sente (tal como Monestiroli) que “a noção que regra todo o processo é a proporção”88, e portanto, para ele, o meio da arquitectura se aproximar da Natureza é pela proporção. O meio da arquitectura seguir até à Natureza, de atingir a sua perfeição, é pela ruína. Mas esta abstracção, típica no modernismo, foi criticada por não considerar a leitura do lugar, na sua abrangência cultural, formal, social e material. Parece que o uso recorrente da ruína reforça a ligação ou união ao existente expondo aquilo que é essencial na forma da arquitectura sendo assim um instrumento para justificar o uso da abstracção. Quando o edifício caiu, está num processo crepuscular, e portanto não faz sentido nem reconstruir, nem construir com as mesmas técnicas e linguagens. Tenta “convencer” a sociedade e o lugar, de que a ruína é o fim anunciado, sendo necessário alternativas. Assim suporta a utilização de uma nova linguagem baseada na abstracção e anonimato utilizando materiais naturais. Existe uma realidade e uma vontade de fazer moderno, de contraste, de uso de materiais e métodos construtivos novos. Na realidade é tão válido usar materiais novos como materiais tradicionais. Ambos os processos são usados por Eduardo Souto Moura: constrói muros de pedra, ou muros de betão revestidos a pedra, mas em contraste também constrói “muros de vidro”. Para Eduardo Souto Moura a vontade de usar os materiais da modernidade justifica o uso da ruína ou a sua invenção para argumentar o seu projecto. O que significa a ruína? Será que pretende mostrar na degradação dos materiais, dos sistemas construtivos do passado, uma justificação e autorização para usar novos sistemas de construção e os materiais da modernidade? O vidro, o aço, a cobertura plana, são aqui usados em contraste com o passado, acentuando o corte, denunciando um novo tempo. Um tempo que pretende continuar a utopia clássica de aproximação à Natureza.

87

Antonio ��������������������� Monestiroli, Arquitectura, naturaleza, historia - Las formas de la analogía en el lenguaje arquitectónico, in La Arquitectura de La Realidad,������� p. 206 88

Antonio ��������������������� Monestiroli, Arquitectura, naturaleza, historia - Las formas de la analogía en el lenguaje arquitectónico, in La Arquitectura de La Realidad,������� p. 206

81


fig. 93 - Parque da Quinta da Conceição, Leça da Palmeira, Fernando Távora

fig. 94 - Vistas de peças restantes do antigo convento, presentes no Parque

82


7 - OUTRA VISÃO - Fernando Távora – a lição das constantes Parque municipal da Quinta da Conceição, Leça da Palmeira, 1956 - 60

“Existiam a avenida, a capela, o claustro, os tanques e portanto havia já elementos que garantiam uma estrutura a manter...”89 “Quando passeamos pelos jardins da Quinta da Conceição sentimos um equilíbrio tenso entre fracturas, artefactos e uma Natureza densa que nos acalma. O pavilhão de Ténis, com uma linguagem entre Doesburg e o Japão, e os muros “bate-bolas” em roxo-rei minhoto, não servem para nada. O importante é existirem, estarem lá, a sua autonomia, e por isso a pontuação que fazem no Texto Natural.”90 O parque da Quinta da Conceição encontra-se repleto de peças que se encontram distribuídas pelo parque pontuando percursos. Além dos equipamentos localizados no parque, como as piscinas e o pavilhão de Ténis, Távora manipula a localização das ruínas que restavam do convento para desenhar situações, enquadramentos e ambientes (fig. 94). Neste projecto Távora manipula as ruínas do convento como instrumento concreto de projecto anunciando algumas das premissas que Aldo Rossi iria desenvolver na sua teoria de arquitectura. Távora aproxima-se de Rossi mais na concretização prática do que no discurso teórico. Um discurso onde a história e as formas associadas a tipologias são o instrumento projectual preponderante. A peça arquitectónica, que neste caso faz parte da história, é utilizada como instrumento que contribui para a reinterpretação dos lugares. Ao serem encaradas como instrumento do projecto, as peças arquitectónicas contrariam a tendência de museificar as ruínas e a história. A história é vista como um processo contínuo onde a acção do arquitecto é continuar a acção dos mestres anónimos ao longo dos séculos. Uma acção caracterizada essencialmente pelas sobreposições e intervenções sobre o existente. A história suporta a interpretação da cidade como material de projecto. Isto não significa para Távora respeitar os monumentos isolados do seu contexto como aconteceu na intervenção da Direcção Geral do Monumentos Nacionais durante a década de quarenta. Para Távora “património” não é “a múmia envolvida em saco de plástico”91, é sim a “biblioteca” de soluções a problemas variados que o Tempo nos deu. “A história vale na medida em que pode resolver os problemas do presente e na medida em que se torna um auxiliar e não uma

89

Fernando Távora, (acerca da Quinta da Conceição), Fernando Távora, p. 66

90

��������������������� Eduardo Souto Moura, Não há duas sem três, in JA 217, p. 30

91

Fernando ����������������� Távora, Fernando Távora - Coisa Mental (entrevista de Jorge Figueira), in� Unidade 3, p. 105

83


fig. 95 - Planta actual da Quinta da Conceição e de Santiago, Leça da Palmeira, Fernando Távora fig. 96 - Vista do Casa dos 24 na sua relação com a Sé e a malha medieval, Porto, Fernando Távora

84


obsessão.”92 Sendo plausível falar da História como auxiliar de projecto, no sentido de estudo histórico dos vários lugares em que o arquitecto intervém enquanto elemento fundamental para o arquitecto se tornar “seu habitante” (Siza), no Parque da Quinta da Conceição é um pouco diferente. No Parque a história que auxilia o projecto está presente nos restos do convento que são manipulados e utilizados como material de construção. À semelhança das escadas e dos caminhos os fragmentos do convento são utilizados como conformadores do parque e da paisagem que Távora pretende construir. O arquitecto evoca o passado do lugar, da Quinta da Conceição, suportando e relacionando-se com a memória sentida naquelas pedras e naqueles muros recortados pelo tempo. “(...) os monumentos devem dessacralizar-se no sentido de converter parte da cidade em topografia e em material construtivo de que podem servir-nos.”93 Rossi apresenta uma nova visão dos monumentos e das zonas históricas. Assim como para Rossi as soluções dos problemas da actualidade não são diferentes das soluções aplicadas na arquitectura da cidade do passado, também para Távora a arquitectura abarca toda a dimensão da memória, da evolução cultural do Homem. “Sem produzir novos modelos, cada obra é um percurso de reflexão que do sítio abarca toda a cidade e, no sítio, fixa a forma, cada forma.”94. Ou como também disse mais tarde Alves Costa: “... com uma postura próxima da simplicidade com que os nossos mestres pedreiros sempre encararam a continuação ou alteração das obras dos seus predecessores.(...) Távora trabalha e molda a preexistência, usa-a como matéria de projecto. Relê nela o fluir da história e, aceitando sobreposições ou aposições estilísticas ou de linguagem, usa de todos os meios para o clarificar.”95 Este artigo em 1998 retoma o tema que Távora anuncia desde o início da sua obra (após os seus primeiros projectos “europeus” que reflectiam o discurso internacional que então chegava a Portugal). O Parque da Quinta da Conceição e a Casa de Ofir (1957/58) anunciam a terceira via que Távora defende e desenvolve após o Inquérito à Arquitectura Popular. A terceira via é na realidade a arquitectura no sentido mais puro. Uma arquitectura que é erudita e popular simultaneamente pretendendo voltar ao anonimato da intervenção e à aventura de fazer cidade. Távora na Quinta da Conceição e na Casa dos 24 (2000) opta pela evocação da memória dos sítios. Na Casa dos 24 tenta retomar a escala do confronto entre as duas massas: a Sé e o seu projecto. Sem função definida a Casa dos 24 é escultura e arquitectura simultaneamente, que cumpre desde logo o seu propósito: recusar o distanciamento entre 92

Fernando Távora citado por Jorge Figueira, Fernando Távora - Coisa Mental (entrevista de Jorge Figueira), in Unidade 3, p. 103 93

Aldo Rossi, Ciudad y Proyecto, in Proyecto y Ciudad Historica - I Seminário Internacional de Arqui������������ tectura en Compostela, p. 19 94

Alexandre Alves Costa, Alguns Fragmentos, in Fernando Távora (Catálogo de Exposição na Corunha), p. 59 95

Alexandre Alves Costa, Alguns Fragmentos, in Fernando Távora (Catálogo de Exposição na Corunha), p. 60

85



tecido urbano e monumento, tentando aproximar aquilo que foi “atraiçoado” pelo processo da museificação da década de 40. Este é um fragmento, uma peça que pelo seu carácter “cirúrgico”, determinou a proposta posterior de Siza para a Avenida da Ponte. “Na cidade avança-se por fragmentos dispersos, (...) Na cidade não se pode ser um só, é preciso ser múltiplo e “é simples ser múltiplo, basta ter o centro em toda a parte.””96 Pela simplicidade de abordagem da arquitectura e pela paixão demonstrada pelas “coisas da vida”, em Fernando Távora desenha-se o perfil de pessoa culta, verdadeiro participante na sociedade, que encontra na arquitectura a sua maneira de se exprimir. Dizia que desenhar era tão natural como respirar. Por ser tão aberto a diferentes atitudes era moderno. É uma modernidade inclusiva como afirma Alves Costa, que aceita e analisa os factos históricos tentando aglutinar e criar uma nova unidade para cada obra. Esta é uma unidade que tenta atingir a serenidade da arquitectura do Passado. Para Távora “ser” arquitectura (portuguesa) é a condição da universalidade. A Arquitectura é um fenómeno universal, plural e manifestação da existência do Homem. Aquilo que é constante é a própria Arquitectura, desde a cabana elementar do selvagem ou o refinado Parténon, é a necessidade de organizar o espaço. E assim torna-se necessário estudar as suas constantes para que suportem a evolução do Homem. As constantes da Arquitectura para Távora são: “...modernidade permanente, o esforço de colaboração que ele sempre traduziu, a sua importância como elemento condicionante da vida do homem.”

97

. Para

alcançar estas constantes, Távora aponta para o estudo das obras de arquitectura e urbanismo do Passado como suporte da arquitectura do presente.

96

Eduardo Souto Moura, A “Arte de ser Português”, in Fernando Távora, p. 72

97

Fernando Távora, Teoria geral da organizaçäo do espaço : arquitectura e urbanismo, p. 9

87



8 - Conclusão

“... cheguei à conclusão de que renovações ou recuperações num edifício têm que ser muito radicais; construir algo de novo tem que ser radical. Quando se unem dois tipos de edifícios, velho e novo, o novo tem que ser uma boa solução radical.”98 O fragmento, como tema e instrumento de projecto, é resposta decisiva à utopia da cidade contemporânea. O fragmento, neste âmbito, ultrapassa a sua definição e assume forma de processo. Um processo que caracteriza a evolução constante da cidade e que torna-se chave de descodificação da persistência da arquitectura como elemento essencial para actuar na cidade. O papel da arquitectura é semelhante ao acto de compor por fragmentos, de formar unidade a partir de peças simples e primárias. A cidade é composta por fragmentos que contribuem para a repetição de peças simples, que na sua individualidade não pretendem ser protagonistas centrais da construção da cidade, mas sim assegurar a continuidade das formas no tempo através das tipologias. “O mundo inteiro e a memória inteira do mundo continuamente desenham a cidade.”99 O Tempo é determinante na compreensão dos processos compositivos e evolutivos do urbano e da arquitectura. Assim a história, enquanto interpretação do passado, permite a análise e permite ser encarado como elemento operativo de projecto. O passado é fundamental para sistematizar as constantes, as transformações formais e tipológicas e consequentemente as permanências e persistências formais. A acção do Tempo está presente na ruína dos edifícios adquirindo conotações de moralidade perante a Arquitectura. A ruína é a imagem do “fim” da Arquitectura, ou seja, do que foi objecto da acção Humana. Assim perceber que a “... lógica de “princípio” inclui a intuição do “fim”;....”100 permite ver no passado o fundamento para o futuro. A estrutura teórica que suporta o projecto só pode ser operativa e realista quando ela for construída encarando o fim da obra arquitectural como algo natural. O conhecimento do “fim” pode ser deste modo instrumento poderoso da percepção da arquitectura na Natureza. O fragmento como representação da degradação e da acção do Tempo é elemento que ultrapassa a cidade e torna-se instrumento de projecto. No sentido de melhor definir o seu

98

Álvaro Siza, A Arquitectura mais interessante aparece onde culturas se misturam intensivamente (entrevista com Álvaro Siza por Dorien Boasson), in Arquitectura e Renovação em Portugal, p. 25 99

Álvaro Siza, Quinta da Malagueira, in As Cidades de Álvaro Siza

100

Jorge Figueira, Para Lá do “Contemporâneo” Regressando a Rossi, in J.A. nº 217, p. 51

89



fim inventa-se ruínas, ou constrói-se com estas. Tanto Souto Moura como Siza percebem a inevitabilidade do Tempo como actor externo no projecto da Arquitectura e assim a sua arquitectura tenta compreender e aceitar o Tempo como elemento constante. O fragmento como representação é de certa forma a tentativa de dominar o Tempo como matéria de projecto que se reflecte no lugar imaginado pelo arquitecto e também no tempo imaginado. “No fundo de que se trata? Trata-se da introdução do tempo, da consciência do tempo.”101

101

Fernando Távora, Fernando Távora - Coisa Mental (entrevista Jorge Figueira), in� Unidade 3, p. 103

91



9 - Bibliografia

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estrategia

proyectual: en

la

obra

de

ocho

arquitectos

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fig. 59 - �� MENDRISIO, Academia de arquitectura de Universidade de, Eduardo Souto de Moura : temi di progetti: mostre di architettura al Museo d´Arte, coord. Laura Peretti, Milano, Skira, 1998, p. 90. fig. 60 - Foto tirada por Diana Vieira da Silva. fig. 61 - AAVV, Eduardo Souto Moura, ed. Luiz Trigueiros, textos de Antonio Angelillo e Paulo Pais, Lisboa, Editorial Blau, 1994, p. 127. fig. 62 - AAVV, Eduardo Souto Moura, ed. Luiz Trigueiros, textos de Antonio Angelillo e Paulo Pais, Lisboa, Editorial Blau, 1994. fig. 63 - AAVV, Souto de Moura, int. Wilfried Wang, Álvaro Siza, Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 1990, p. 69. fig. 64 - AAVV, Souto de Moura, int. Wilfried Wang, Álvaro Siza, Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 1990, p. 15. fig. 65 - http:// www.treklens.com consultado em Agosto 2006. fig. 66 - ������������������������������������������������������ MENDRISIO, Academia de arquitectura de Universidade de, Eduardo Souto de Moura : temi di progetti: mostre di architettura al Museo d´Arte, coord. Laura Peretti, Milano, Skira, 1998��������� , p. 134. fig. 67 - Foto pessoal. fig. 68 - AAVV, Souto de Moura, int. Wilfried Wang, Álvaro Siza, Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 1990, p. 18. fig. 69 - AAVV, Souto de Moura, int. Wilfried Wang, Álvaro Siza, Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 1990, p. 19. fig. 70 - AAVV, Souto de Moura, int. Wilfried Wang, Álvaro Siza, Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 1990, p. 19. fig. 71 - Foto pessoal. fig. 72 - Foto pessoal. fig. 73 - Foto pessoal. fig. 74 - Foto pessoal. fig. 75 - AAVV, Souto de Moura, int. Wilfried Wang, Álvaro Siza, Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 1990, p. 28. fig. 76 - AAVV, Souto de Moura, int. Wilfried Wang, Álvaro Siza, Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 1990, p. 26. fig. 77 - AAVV, Souto de Moura, int. Wilfried Wang, Álvaro Siza, Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 1990, p. 29. fig. 78 - Foto pessoal. fig. 79 - Foto pessoal. fig. 80 - AAVV, Souto de Moura, int. Wilfried Wang, Álvaro Siza, Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 1990, p. 75. fig. 81 - CIANCHETTA, Alessandra; MOLTENI, Enrico, Álvaro Siza : casas 1954-2004, Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 2004, p. 90. fig. 82 - FERNANDES, Fátima; CANNATÁ, Michele, Formas Urbanas, - 1ª ed. - Porto, Asa, 2002, p. 62. fig. 83 - AAVV, Souto de Moura, int. Wilfried Wang, Álvaro Siza, Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 1990, p. 32. fig. 84 - Foto pessoal. fig. 85 - Foto tirada por Pedro Augusto Varela. fig. 86 - Foto tirada por Tiago Peixoto Araújo. fig. 87 - http://www.ibiblio.org/wm/paint/auth/mantegna/st-sebastian.jpg consultado em Agosto 2006. fig. 88 - http://www.artic.edu consultado em Agosto 2006. fig. 89 - http://sights.seindal.dk/sight/873_Engravings_by_Piranesi.html consultado em Agosto 2006. fig. 90 - AAVV, Souto de Moura, int. Wilfried Wang, Álvaro Siza, Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 1990, p. 75. fig. 91 - AAVV, Souto de Moura, int. Wilfried Wang, Álvaro Siza, Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 1990, p. 75. fig. 92 - AAVV, Souto de Moura, int. Wilfried Wang, Álvaro Siza, Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 1990, p. 75.

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