Anais I CIAMI - VI CNA - IX EPA - 2016 e VIII EPA - 2014

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ARTE & INCLUSÃO EM MÚLTIPLOS CONTEXTOS

Robson Xavier da Costa e Aarão Pereira de Araújo Júnior (Organizadores).


I CONGRESSO IBEROAMERICANO DE ARTE. MUSEUS E INCLUSÃO I CIAMI - 2016 Link: https://www.even3.com.br/ciami Foto da capa: Robson Xavier. Portão - Guarabira, Paraíba. Série portas do mundo. 2006. Organizadores do Ebook - 2017 Dr. Robson Xavier da Costa (UFPB) e Dr. Aarão Pereira de Araújo Júnior (IFPB)

Bolsista do Grupo de Trabalho em Acessibilidade Comunicacional e apoio técnico: Chrisley Wellen do Vale Mendonça Comissão Científica do Evento Dr. Robson Xavier da Costa UFPB – Presidente Drª. Ana Cláudia Lopes de Assunção - URCA Dr. Clécio de Lacerda - UFC Dr. Guilherme Barbosa Schulze - UFPB Drª. Lívia Marques Carvalho - UFPB Drª. Luciene Lehmkuhl - UFPB Drª. Maria Emília Sardelich - UFPB Drª. Maria Helena Mousinho Magalhães - UFPB Doutoranda Eleonora Montenegro - UFPB Doutorando Renato Fonseca Livramento da Silva - UFPB

Comissão Organizadora do Evento Dr. Robson Xavier da Costa – Coordenador Geral do Evento Me. Jacqueline Alves Carolino, Me. Maria das Graças Leite De Souza, Me. Márcio Soares dos Santos e Me. Rosangela Xavier da Costa. Alessandra Chianca, Aracy Guimaraes dos Santos, Chrisley Wellen do Vale Mendonça, Elisa Damante Ângelo e Silva, Jeanne Gleber, Maria Gorete Xavier da Costa, Miriam Carla Marques Machado, Rayssa Claudino de Melo, Shirley Moreira Tanure, Suellen Virgínia Patrício de Mélo e Viviane dos Santos Coutinho. Apoio: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA COMITÊ DE INCLUSÃO E ACESSIBILIDADE CENTRO DE COMUNICAÇÃO, TURISMO E ARTES PROGRAMA ASSOCIADO DE PÓS GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS UFPB/UFPE Realização: LABORATÓRIO DE PESQUISA EM ARTES VISUAIS APLICADAS E INTEGRATIVAS GRUPO DE PESQUISA EM ARTE, MUSEUS E INCLUSÃO - Link: http://www.ccta.ufpb.br/lavais


UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA COMITÊ DE INCLUSÃO E ACESSIBILIDADE CENTRO DE COMUNICAÇÃO, TURISMO E ARTES

ANAIS I CONGRESSO IBEROAMERICANO DE ARTE. MUSEUS E INCLUSÃO I CIAMI - 2016 V CONGRESSO NORDESTINO DE ARTETERAPIA - 2016 IX ENCONTRO PARAIBANO DE ARTETERAPIA - 2016 VIII ENCONTRO PARAIBANO DE ARTETERAPIA - 2014

ARTE & INCLUSÃO EM MÚLTIPLOS CONTEXTOS

João Pessoa, Paraíba, Brasil 2017



SUMÁRIO BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE ARTE & INCLUSÃO Robson Xavier........................................................................................................................1

UNIDADE 01 INVESTIGAÇÕES SOBRE POÉTICAS ARTÍSTICAS, DESIGN E ARTES APLICADAS INCLUSIVAS. ......................................................... 3 O TEATRO MEDIANDO UMA POSSIBILIDADE TERAPÊUTICA Lucia Serpa............................................................................................................... 4 ELEMENTOS VISUAIS DO ESPETÁCULO: APONTAMENTOS PARA ELABORAÇÃO DE AUDIODESCRIÇÃO Larissa Hobi. .......................................................................................................... 10 SALA DE AULA DE EDUCAÇÃO INFANTIL INCLUSIVA, SOB A ÓTICA DE ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA DE EMÍLIA FERREIRO Naiade Maris Andrade Sousa e Aarão Pereira de Araújo Júnior ........................ 24 BRINQUEDOTECA PARA CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: UMA PROPOSTA DE DESIGN DE INTERIORES Samara Coeli Paiva Téjo e Aarão Pereira de Araújo Junior ................................ 39 ANTEPROJETO DE DESIGN DE INTERIORES DE UMA BIBLIOTECA INFANTIL ITINERANTE EM MÓDULOS DE CONTAINERS DE 20 PÉS Ângela Mayara de Souza Oliveira e Paulo Sérgio Araújo Peregrino..............................54

CORPOREIDADES HÍBRIDAS NA CENA/ARTE CONTEMPORÂNEA Jerônimo Vieira de Lima Silva e Robson Xavier da Costa .................................. 77

UNIDADE 02 INVESTIGAÇÕES SOBRE ENSINO INCLUSIVO DE ARTES e MEDIAÇÃO INCLUSIVA EM MUSEUS, INSTITUIÇÕES SOCIAIS E CULTURAIS ............................................................................................. 84 EXPERIÊNCIAS DO PROJETO ACESSO: CAMINHOS POSSÍVEIS PARA ACESSIBILIDADE AOS MUSEUS Márcia Bitu Moreno ................................................................................................ 85


ARTE CONTEMPORÂNEA E PAISAGEM URBANA: VISUALIDADE E VISIBILIDADE Carmen Silvia Maia de Paiva..........................................................................................................................75 ESTRATÉGIAS DE MEDIAÇÃO PARA INCLUSÃO EM MUSEUS DE FORTALEZA Sara Vasconcelos Cruz ....................................................................................... 105 TRANSLUZ: INCLUSÃO E RECONHECIMENTO ATRAVÉS DA ARTE Rebeca Oliveira Sousa ........................................................................................ 118 PATRIMÔNIO INCLUSIVO – UMA EXPERIÊNCIA DOS SENTIDOS Amanda de Andrade Viana e Anderson Vinícius Santana do Nascimento ...... 130 PRINCÍPIOS NORTEADORES DA MEDIAÇÃO CULTURAL COMO EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL Ana Cláudia Lopes de Assunção ........................................................................ 141 WAYFINDING E MEDIAÇÃO CULTURAL NA ESTAÇÃO CABO BRANCO E ESTAÇÃO DAS ARTES EM JOÃO PESSOA – PB: PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES Robson Xavier da Costa, Viviane dos Santos Coutinho e Aracy Guimarães dos Santos ................................................................................................................... 156 INCLUSÃO: UMA RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA Olga Scartezini de Rezende e Norberto Stori...................................................................144

INTERAÇÕES VISUAIS: VÍDEO GAME COMO UMA POSSIBILIDADE PARA ESTUDO E APRECIAÇÃO DE ELEMENTOS ARTÍSTICOS E ESTÉTICOS DAS ARTES. Maximiano Fernandes da Costa.......................................................................... 182 FORMAÇÃO CONTINUADA EM ARTES VISUAIS: RELAÇÕES COM A PESQUISA – UM OLHAR PARA ALÉM DAS DIFERENÇAS Cândida Alayde de Carvalho Bittencourt e Roberta Puccetti ........................... 190 EDUCAÇÃO ESPECIAL: UM RELATO DE EXPERIENCIA SOBRE A EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM SALA DE AULA Maria Gorete Xavier da Costa ............................................................................. 201 TRILHAS POTIGUARES: A EDUCAÇÃO ESTÉTICA NO SERTÃO DO RIO GRANDE DO NORTE Jailson Valentim dos Santos ............................................................................... 209 LIVROS DIDÁTICOS DE ARTES VISUAIS: PONDERAÇÕES SOBRE A METODOLOGIZAÇÃO DO ENSINO DE ARTE Charles Farias Siqueira e Jaílson Valentim dos Santos.................................... 221


ENSINO DE ARTES VISUAIS PARA CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIAS VISUAIS NO INSTITUTO DOS CEGOS DA PARAÍBA ADALGISA CUNHA Robson Xavier da Costa e Maria das Graças Leite de Souza ........................... 231 REPENSANDO ANTIGOS CONCEITOS, EXPERIMENTANDO NOVOS INSTRUMENTOS E PRÁTICAS Emanuel Guedes Soares da Costa ..................................................................... 244 INCLUSÃO E DEFICIÊNCIA NA PERCEPÇÃO DAS PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL DO CREI PROFª. ANTONIETA ARANHA DE MACEDO EM JOÃO PESSOA/PARAÍBA Robson Xavier da Costa e Maria da Penha Lima............................................................219 PROJETOS DE CULTURA VISUAL EM ESPAÇOS NÃO FORMAIS DE APRENDIZAGEM Maria Emilia Sardelich e Joana Gaviraghi Brustolin.......................................................235

UNIDADE 03 INVESTIGAÇÕES SOBRE ARTETERAPIA, TERAPIA OCUPACIONAL E PRÁTICAS ARTÍSTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES INCLUSIVAS. ......................................................................................... 284 A SINALÉTICA NA CULTURA VISUAL NO SISTEMA BRASILEIRO ORGANIZACIONAL DE SAÚDE: UMA ABORDAGEM EXPLORATÓRIA Aracy Guimarães dos Santos ............................................................................. 285 VIVA OS LOUCOS QUE INVENTARAM O AMOR: PONDERAÇÕES SOBRE ATIVIDADES EXPRESSIVAS REALIZADAS NO CAPS I – PARELHAS/RN Jailson Valentim dos Santos e Geângela de Oliveira Trindade ........................ 295 POÉTICAS DA DIFERENÇA: OFICINA DE DANÇA PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS Luna Dias Ferreira................................................................................................ 307 A ARTE DA ACEITAÇÃO DA MORTE: UM ESTUDO DE CASO Rosangela Xavier da Costa ................................................................................. 315 A INFLUÊNCIA DA ARTE NO IMAGINÁRIO DA PESSOA IDOSA: UM ESTUDO EM UMA INSTITUIÇÃO DE LONGA PERMANÊNCIA Robson Xavier da Costa, Jacqueline Alves Carolino, Rosangela Xavier da Costa, Shirley Moreira Tanure e Alecsonia Pereira de Araújo .......................... 322 ARTES VISUAIS & INCLUSÃO NO INSTITUTO DOS CEGOS DA PARAÍBA Robson Xavier da Costa, Miriam Carla Marques Machado, Rayssa Claudino de Melo e Viviane dos Santos Coutinho .................................................................. 333


AULAS DE ARTES VISUAIS NA FUNDAÇÃO CENTRO INTEGRADO DE APOIO AO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA – FUNAD: RELATO DE OBSERVAÇÃO Robson Xavier da Costa, Patrícia de Oliveira Silva e Viviane dos Santos Coutinho ............................................................................................................... 338 ESPAÇO DE CRIAÇÃO: UMA EXPERIÊNCIA COM MULHERES/MÃES DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS Roberta Puccetti e Giovanna Clivati .................................................................. 360 ARTIVIDADES DE ARTES COM IDOSOS: QUALIDADE DE VIDA E SOCIABILIDADE Ana Maria Reis Garcia Marcondes e Miriam Carla Marques Machado ............. 361 “QUEM SOU EU?”: A ARTE COMO TERAPIA PROMOVENDO O AUTOCONHECIMENTO DA PESSOA IDOSA Jacqueline Alves Carolino, Rosangela Xavier da Costa e Shirley Moreira Tanure ............................................................................................................................... 373


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BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE ARTE & INCLUSÃO

Robson Xavier (UFPB) Agosto de 2017

Esta coletânea é o resultado dos trabalhos aprovados e apresentados durante o I CONGRESSO IBEROAMERICANO DE ARTE, MUSEUS E INCLUSÃO (I CIAMI), o V Congresso Nordestino de Arteterapia, o XIX Encontro Paraibano de Arteterapia e o XVII Encontro Paraibano de Arteterapia realizados na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), esses eventos foram organizados pela equipe do Laboratório de Artes Visuais Aplicadas e Integrativas (LAVAIS) e pelo Grupo de Pesquisa em Arte, Museus e Inclusão (GPAMI/UFPB/CNPq), com o apoio do Comitê de Inclusão e Acessibilidade (CIA UFPB), por meio do Grupo de Trabalho em Acessibilidade Comunicacional (GTAC). Em 2015, iniciei uma parceria acadêmica com o Prof. Dr. Aarão Pereira Júnior, docente do Curso de Design de Interiores do Instituto Federal da Paraíba (IFPB) a partir da sua aprovação como bolsista de Pós Doutorado pelo Programa Nacional de Pós Doutorado (PNPD) da CAPES, junto ao Programa Associado de Pós Graduação em Artes Visuais PPGAV UFPB/UFPE, sob a minha tutoria. Seu ingresso no PPGAV UFPB, na linha de pesquisa em Educação em Artes Visuais no Brasil, coincidiu com o ano da organização do evento na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a partir do diálogo estabelecido foi possível organizar esta coletânea em parceria. Neste Congresso e nos encontros associados reunimos diversas vertentes da investigação sobre as múltiplas relações entre Arte, Museus e Inclusão com ênfase nos estudos teóricos, históricos, críticos, técnicos e artísticos realizados no contexto Iberoamericano. As questões referentes ao conceito de inclusão em seu amplo leque de possibilidades tem sido tema para inúmeras vertentes de investigações acadêmicas, em diferentes áreas de conhecimento, a necessidade dessas pesquisas foi ampliada com a aprovação da Lei 13.196, de 15 de Julho de 2015, intitulada Lei brasileira da Inclusão, pela Casa Civil da Presidência da República do Brasil. Esse tema passou a ser elemento essencial da pauta contemporânea, tornando-se não só política pública prioritária, como obrigatoriedade legal. Os museus e as demais instituições culturais que já vinham discutindo e propondo medidas e estratégias de ação objetivando a democratização de acesso aos bens culturais no Brasil e no mundo, passaram a responder as obrigatoriedades legislativas, participando ativamente do processo de humanização e contribuindo para o empoderamento dos agentes sociais envolvidos. O Grupo de Pesquisa em Arte, Museus e Inclusão (GPAMI), a equipe do Laboratório de Artes Visuais Aplicadas e Integrativas (LAVAIs) e a Pinacoteca da Universidade Federal da Paraíba (UFPB – gestão 2015-2016), visando responder as demandas legais das práticas inclusivas em contextos educativos (formais, não formais e informais) em museus e instituições culturais, a partir das demanda de mediação e dos estudos de públicos em museus, se propuseram a estabelecer diálogos entre investigadores que abordam novas práticas de pesquisas na área de Artes e Inclusão no contexto Iberoamericano.


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Questões referentes às investigações sobre acessibilidade em todas as suas abordagens, seja atitudinal, física e/ou comunicacional, desenvolvidas no contexto Iberoamericano foram debatidas a partir do questionamento do modelo social da deficiência, considerando qual o papel dos museus e das instituições culturais nas práticas de inclusão e acessibilidade? Quais são as práticas inclusivas desenvolvidas com ensino de artes visuais no contexto Iberoamericano? Quais os impactos da inclusão e acessibilidade na relação do público com as obras de arte em museus e instituições culturais? Como as práticas artísticas podem tornar-se mais inclusivas em diferentes contextos? Nesse sentido, foi significativo refletir durante o evento sobre a geopolítica das investigações e práticas que relacionam arte, inclusão e acessibilidade em diferentes contextos Iberoamericanos, a partir dos estudos de públicos, de acervos e de mediação em museus de arte, do ensino das artes, dos processos criativos, do design inclusivo e das práticas artísticas integrativas e complementares. A coletânea foi organizada a partir das três linhas temáticas centrais: unidade 01 – Investigações sobre poéticas artísticas, design e artes aplicadas e inclusivas; unidade 02 – Investigações sobre ensino inclusivo de artes e mediação inclusiva em museus, instituições sociais e culturais; unidade III – investigações sobre arteterapia, terapia ocupacional e práticas artísticas integrativas, complementares inclusivas. Na primeira unidade reunimos artigos que abordam questões relacionadas às pesquisas sobre o teatro terapêutico, a audiodescrição de espetáculos teatrais, a corporeidade hibrida na performance, o design inclusivo aplicado à educação infantil e a brinquedoteca. Na segunda unidade reunimos os artigos que abordam questões relacionadas às pesquisas sobre acessibilidade em museus de arte e instituições culturais, fotografia e diversidade, teatro de bonecos inclusivo, mediação inclusiva, wayfinding em museus de arte, videogame, formação continuada de professores em artes visuais, educação especial na perspectiva da inclusão, educação estética, livros didáticos de artes visuais, educação em artes visuais de pessoas com deficiências visuais e inclusão por meio do ensino das artes visuais. Na terceira unidade reunimos os artigos que abordam questões relacionadas às pesquisas sobre a importância da sinalética no Sistema Único de Saúde (SUS); sobre atividades expressivas em CAPS, dança para pessoas com deficiências, a aceitação da morte, arte e imaginário da pessoa idosa, artes visuais em instituições de educação especial e inclusiva. Com esta publicação esperamos contribuir para o aprofundamento de pesquisas em/sobre Artes e Inclusão em contextos formais, não formais e informais de educação e cultura, com o objetivo de favorecer a acessibilidade ambiental, atitudinal e comunicacional e a permanência das pessoas com ou sem deficiências nas redes escolares, nos museus e instituições socioculturais, buscando contribuir para o diálogo entre os grupos de pesquisa e o aprofundamento da construção de conhecimentos sobre o tema no contexto Iberoamericano.


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UNIDADE 01 INVESTIGAÇÕES SOBRE POÉTICAS ARTÍSTICAS, DESIGN E ARTES APLICADAS INCLUSIVAS.


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O TEATRO MEDIANDO UMA POSSIBILIDADE TERAPÊUTICA Lucia Serpa1

Introdução Não vou falar aqui sobre psicodrama ou sobre a criação do teatro espontâneo em Viena no século passado. Explico isto porque são os maiores expoentes da visão terapêutica no Teatro se nos colocamos dispostos a pesquisar material sobre o assunto. Talvez acabe tocando em questões que eles abordam e conclua que vislumbramos a mesma verdade, como um diamante com várias faces, cada um mirando um dos seus lados. Tampouco colocarei uma abordagem que seja nova, inédita para aqueles que vivem o teatro e sua multipluralidade de funções. Aqueles que realmente se dedicam ao Teatro na Educação, que estão ativos em sua prática, podem explicar com propriedade os efeitos que o Teatro produz no indivíduo que passa pela experiência. O intuito maior é falar aqui sobre algo simples, anterior a qualquer tese ou criação de um sistema. É sobre o fator humano, o coração do teatro e da educação que queremos dialogar. Então podem argumentar: mas é sobre isso que qualquer teatro fala! E cada um que cria uma forma de ―sistema‖ defende a humanidade intrínseca em sua estrutura. É sua essência. Então está certo, tocarei em pontos que estão na base do psicodrama, do teatro espontâneo, do teatro essencial que aprendi com Denise Stoklos, no teatro do oprimido de Boal, na pedagogia brechtiana, na memória de emoções desenvolvida por Stanislavski, no teatro de Artaud, de Grotovski e Barba, na pedagogia de Paulo Freire e até nas explicações de Vygotsky e sua zona proximal, na qual vemos um processo de aprendizado acontecendo, entre o não saber algo e o saber. Há ainda as explicações psicológicas de Piaget, de Freud e Jung. E juntamente com eles coloco o olhar de Joseph Campbell sobre os arquétipos que todos nós, como heróis, empreendemos em nossas jornadas aqui na Terra. Sim, são muitos e ainda existem outros tantos, que passaram por nós ou ainda estão aqui colocando seus pensamentos para que sejam refletidos por todos. Admiráveis, necessários. E todos tocam na dimensão humana que fez e faz o teatro existir. Talvez o que eu realmente queira é transgredir um fator acadêmico que muitas vezes nos amarra. Falo da necessidade de teorizar sobre algo já teórico, ou seja, colocar mais palavras em uma discussão sem fim e que, infelizmente, muitas vezes, não toca ou não desemboca em uma prática, na vida que é desenhada em nossos dias. Cada vez mais acredito que o saber vem da experiência, do que foi vivido e levado à consciência. E é este o ponto nevrálgico deste ―artigo‖ – o teatro ajudando na consciência de si mesmo e do mundo em que vive. 1. Consciência + ação = Conscientização 1

Professora do Departamento de Artes Cênicas da Universidade Federal da Paraíba, Coordenadora do Curso de Licenciatura em Teatro e do Grupo de Pesquisa Teatro na Educação.


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Vivemos a nossa percepção de mundo, construída a partir de interpretações do que se estabelece para nós como uma realidade. Podemos viver uma mesma cena na vida, você e eu, e provavelmente teremos lembranças diferentes do que aconteceu. Quem tem irmãos passa por experiências como esta ao rememorar fatos do passado e compartilhar a visão que tinham do pai ou da mãe, por exemplo. Normalmente as percepções, que normalmente são certezas/verdades para cada um, são diferentes. Somos diferentes. Nossos sentidos apreendem a realidade exterior, de uma forma relativa, já que é pessoal e, por isso, subjetiva. Nossos pensamentos são construídos a partir de princípios, valores e crenças desenvolvidos a partir de uma série de influências. Há as influências genéticas, mas também as sociais. A família, o grupo ou comunidade a que pertencemos, a cultura da qual fazemos parte e o sistema vigente na sociedade em que vivemos estabelecem marcas interiores que irão ganhar expressão no mundo exterior. Para Vygotsky (2000) a relação da criança com o ambiente se dá pela interação com outras pessoas, situação em que é oferecido a ela um conjunto de conceitos, pertencentes à realidade cultural do grupo em que ela está inserida. Os significados são interiorizados em seu processo de desenvolvimento, culminando com o aparecimento do pensamento verbal. O pensamento deixa de ser biológico para se tornar histórico-social e sua principal marca é a construção dos significados das palavras. Ele surge por volta dos dois anos de idade, quando a criança passa a dominar a fala e construir seus conceitos sobre os objetos. Vygotsky afirma que unimos a linguagem ao pensamento para organizar a realidade. Vamos crescendo e escolhendo novas influências em nossa realidade particular. A mídia, a moda, a profissão, os amigos, os gostos, apaixonamentos, ideais, desejos, padrões emocionais que nossa personalidade desenvolve, podem nos levar a procurar diferentes horizontes ou apenas a reproduzir o que está posto. Para Freire (1979) o processo no qual o ser humano se torna consciente do mundo em que vive é fundamental. Ele defendia que todos nós devemos ser cidadãos do mundo e que a educação é o instrumento capaz de auxiliar cada um a encontrar o seu papel de cidadão, de ser humano, saindo da condição de oprimido e podendo criar uma sociedade mais humana. Mas para encontrar a força transformadora de cada um o processo de conscientização é fundamental. A palavra conscientização já denota um processo, um trabalho a ser empreendido. Primeiramente tem-se a consciência de ser. Temos um cérebro que, apesar da medicina ainda não o compreender em sua totalidade, sabe-se já muitas coisas e a mais primária delas é que ele realiza uma série de sinapses enviando informações para o nosso corpo do mais sutil ao mais denso. Na antiguidade os egípcios faziam uma divisão interessante: têm-se quatro corpos — o físico, o mental, o emocional e o espiritual. Pensamentos, ideias, compreensão racional do mundo interno e externo compõe um corpo, o mental, enquanto emoções, sensibilidade, intuição — o sentir — são características de outro corpo, o emocional. O corpo espiritual seria a habitação da alma, aquela parte que estaria ligada com o lugar de onde se vêm e para onde se retorna e que é responsável pela ‗chama da vida‘ que todos possuem. A união dos quatro corpos é a configuração de um ser humano total, a reunião do objetivo e do subjetivo.


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Para a visão acadêmica fica-se apenas com os últimos conceitos — o objetivo e o subjetivo. Subjetividade é uma palavra extremamente utilizada nas ciências sociais. A verdade passou a ser percebida através da consciência da subjetividade intrínseca no ser humano. A consciência, então, é formada por processos objetivos e subjetivos de apreensão da realidade, interna e externa, no qual a construção de uma identidade é percebida tanto em termos individuais como no âmbito social. Há um processo de aprofundamento quando o indivíduo se vê como um ser social. Pode-se dizer que se passa para um estado ‗avançado‘ de consciência quando se coloca crítico em relação à realidade. Pois mesmo inseridos em um contexto específico se é capaz de olhar com ‗distanciamento‘ este mesmo espaço/tempo em que se encontra. Para isso é necessário em um primeiro momento saber, conhecer, estar ciente da realidade estabelecida além da fronteira individual. Para isso o trabalho de conscientização. Quando alguém se vê no mundo se dá conta de que valores sociais, culturais, econômicos e políticos fazem parte da realidade e de que se está diretamente conectado a eles ou não (depende da consciência). Forma-se, então, a concepção de mundo. Freire (1985, p. 25) destacou o conceito de conscientização como parte fundamental do seu trabalho educativo: Ao ouvir pela primeira vez a palavra conscientização, percebi imediatamente a profundidade de seu significado, porque estou absolutamente convencido de que a educação como prática da liberdade é um ato de conhecimento, uma aproximação crítica da realidade (...). Ao nível espontâneo, o homem ao aproximar-se da realidade faz simplesmente a experiência da realidade na qual está e procura. Esta tomada de consciência não é ainda a conscientização, porque esta consiste no desenvolvimento crítico da tomada de consciência (FREIRE, 1985, P. 25).

Para Freire, antes da conscientização acontecer há um reconhecimento da situação, que ele chama de ―tomada de consciência‖. O que ao entender pode ser visto como a afirmação de: ‗eu reconheço algo‘, ou também, ‗eu conheço isto‘, mas ainda não se insere na situação da qual houve o reconhecimento. Apenas quando ocorre o ―desenvolvimento crítico‖ desta aproximação a algo tornado consciente chega-se ao saber este algo e, consequentemente, o trabalho da conscientização se dá (ou a ação de conscientizar). Freire (1979) diz que uma das características do homem é que somente ele é capaz de tomar distância frente ao mundo. Somente o homem pode distanciar-se do objeto para admirá-la e é capaz de agir conscientemente sobre a realidade objetivada. Assim a conscientização seria um ―teste conscientização, mais se ―desvela‖ a realidade.

de

realidade‖.

Quanto

mais

Por esta mesma razão, a conscientização não consiste em ―estar frente à realidade‖ assumindo uma posição falsamente intelectual. A conscientização não pode existir fora da ―práxis‖, ou melhor, sem o ato ação – reflexão. Esta unidade dialética constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de transformar o mundo que


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caracteriza os homens. Por isso mesmo, a conscientização é um compromisso histórico. É também consciência histórica: é inserção crítica na história, implica que os homens assumam o papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo. Exige que os homens criem sua existência com um material que a vida lhes oferece. (FREIRE, 1979, p. 15)

O ser humano deve ser o herói de sua própria história, o sujeito que faz o mundo acontecer, um ator social utilizando todo o ―material que a vida lhe oferece‖. Esta afirmação faz-me lembrar do teatro e com o material que ele trabalha – a vida. 2. O teatro e a conscientização Teatro é vida. Foi assim que aprendi a fazer teatro. O teatro toca em verdades de dentro e de fora de nossos próprios limites. Fala de emoções, pensamentos, situações, eventos, fatos, histórias, imaginações, ilusões e realidades que já tocam em um limite sutil da experiência humana - o que é ilusão? O que é realidade? O teatro pode instrumentalizar o indivíduo em sua relação consigo mesmo e com o mundo que concebe / percebe / toma consciência. É uma expressão que trabalha com todos os aspectos humanos. Sentir, pensar, fazer, reagir, falar, perceber, dialogar, morrer, lutar, amar, ser – tudo faz parte da vida. O teatro mostra a vida e tudo que participa dela. Recriamos situações e possibilidades. Falamos da vida que acontece no mundo interior e no mundo ao redor e também em mundos inventados, imaginados. O teatro foi caminhando pelos períodos históricos da humanidade adquirindo diferentes funções, ora realizando conexões místicas realizando a ligação entre o homem e o divino, em outros tempos fazendo uma leitura mítica e/ou catártica com a realidade, ora divertindo, ora parodiando questões políticas e econômicas, ora catequizando povos para serem colonizados em nome de princípios religiosos (e também políticos e econômicos), ora transgredindo ou servindo ao sistema estabelecido, ora unindo todas as possibilidades e dizendo que tudo era/é válido. Em relação à educação, muitos pensadores desde o Egito Antigo, passando pela Grécia com Platão e Aristóteles, pela Alemanha com Schiller, Hegel e Brecht, pela Rússia de Vygotsky e Bakhtin, a França de Rousseau, Piaget e Freinet, a América de Dewey e Slade e o Brasil de Freire, Boal, Alves e Antunes, falaram da importância do lúdico, da arte ou especificamente do teatro, como importantes para a formação de um ser humano integral. Em primeiro lugar o teatro trabalha com a ideia de que seu essencial instrumento é o próprio ser — a pessoa. O corpo, a fala, a expressão, a consciência de si mesmo, tudo deve ser desenvolvido. Assim, um trabalho no teatro tem início a partir do corpo físico e todas as suas possibilidades, é ele que irá atuar não só no palco, mas em sua vida. É o seu veículo, que lhe possibilitará andar pelo mundo. O olhar volta-se para o concreto de si mesmo, a densidade do corpo, sua materialidade, como se movimenta, a função das articulações, o contato com o chão onde os pés pisam e as possibilidades desses braços que estão soltos e podem gesticular.


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Toma-se consciência de que se preenche um espaço, interior e exterior. Pode correr, andar, deitar, sentar e quando se movimenta a respiração se configura diferente, ela pode acelerar, assim como as batidas do coração. Há um organismo que permite que tudo aconteça e, do ar, através de ondas, pode-se emitir sons. Fala, grita, sussurra, canta, silencia, dialoga. Convive-se com uma linguagem para a comunicação. Toma-se consciência dos sentidos, de emoções e pensamentos. Não é preciso pensar para que o coração bata, para que o ar entre e saia pelas narinas, para que o estômago ou qualquer outro órgão realize a sua função. Mas os gestos estão ligados ao que se pensa e se sente. Em síntese, a pessoa passa por um reconhecimento de si mesma como ser objetivo e subjetivo, em que há uma identidade. Diferente de todos os outros, podese ter semelhanças, mas nunca será igual à outra pessoa. Movimenta o corpo de forma diferente, utiliza os sentidos de forma diferente, tem hábitos, sensações, capacidades, dificuldades próprias. Cada um é cada um. O trabalho passa pela consciência dessas características individuais e como elas são expressas no espaço exterior. Após o reconhecimento do espaço e que existem outros/outras nesse mesmo espaço, as diferenças vão aparecer e, assim, irão possibilitar a formatação de uma autoimagem mais concreta. O teatro trabalha com três unidades básicas: o espaço, o tempo e a ação. A consciência vai sendo expandida quando reconhece o espaço, interno e externo, e que existe um tempo em que se está e se é. Aqui tem-se tanto a ideia de ritmo e que é possível dominar o corpo e sensações para que esteja completamente presente, aqui e agora, como também que existe um tempo histórico pelo qual as coisas acontecem, aconteceram ou acontecerão. E que a partir do que se pensa, sente e quer, a pessoa age. As ações podem ser físicas e/ou psicológicas (internas). A observação de si mesmo, do outro/outra, do espaço externo, do tempo em que se vive, da sociedade em que se está inserido é bastante estimulada no trabalho com o teatro. É um instrumento importante para o processo de conscientização e determinação de uma identidade. Um dos elementos fundamentais do teatro é a ação. A própria palavra drama, etimologicamente, significa ação. A ideia de atuação — apresentar uma ação — condiz com o movimento impulsionado pela Educação Popular e as Ciências Sociais de que se é ator social, tem um papel, uma função a desempenhar. O espetáculo teatral não acontece sem algum ator em cena. Apesar da modernidade trazer recursos tecnológicos bastante utilizados pelo teatro como vídeos, projeções, sistemas de iluminação, jogos de ilusão ótica e de alguns acreditarem que uma apresentação teatral pode prescindir do fator humano no momento do espetáculo, isto é um equívoco que temos que combater. A essência do teatro é o ser humano, podemos realizar um espetáculo apenas com uma única pessoa em cena e mais nada — sem cenário, luz, figurino, adereço. Ela pode mesmo nem falar, mas algo será mostrado. Teatro é expressão. É uma forma do ser humano se expressar. Expressar suas emoções, pensamentos, ideias, ideologias, sua conexão com a vida, a natureza, o divino, consigo mesmo, com o outro, com a sociedade ou o poder estabelecido, algo ele tem para ser dito. Ele pode mostrar a moralidade de uma situação ou de toda uma época. Pode rever o passado, compreender o presente ou imaginar o futuro.


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Assim, particularmente, acredito que o teatro é terapêutico. Por si só. Não apenas no caso do psicodrama, no qual a pessoa revive alguma situação ou assiste outros atuando em uma cena que ele próprio viveu, para melhor compreender suas ações e reações. Tomar consciência é um ato terapêutico. É entrar em contato com uma verdade, com a verdade de cada um e do mundo em que vivemos. O trabalho de conscientização não cessa, não chegamos a um ponto em que estamos ―prontos‖, pois estamos em eterno movimento. Estamos em evolução. Cada parte de nosso corpo físico não cessa de fazer seu trabalho, assim como nossa cabeça dificilmente para de pensar. Estamos em movimento, recebemos estímulos o tempo todo, dentro e fora de nós. Assim sempre há o que tornar consciente, que nos leva a um aprendizado infinito. O teatro trabalha com este eterno movimento, ajuda a fazer relações entre o interior e o exterior para que estabeleçamos uma ideia de realidade ou verdade que somos. Concluindo Bom, creio que não consegui deixar de teorizar um pouquinho. Há muito ainda para ser dito sobre o assunto. Tenho consciência de que não adentrei muito nas possibilidades terapêuticas que o Teatro contempla. Havia todos os nomes que citei no início desta breve reflexão. Boal e Brecht são grandes exemplos no universo teatral de buscadores e provocadores de um trabalho de conscientização. Foram diretores, dramaturgos e criadores de metodologias, nas quais os espectadores não são passíveis, mas atuantes de um processo ―pedagógico‖ proporcionado pelo teatro. Somos todos indivíduos, temos uma identidade, fazemos escolhas e vamos definindo nosso caminho no mundo. Somos atores sociais. Cidadãos do mundo, como afirmou Paulo Freire. Então no percurso da escrita desta ―fala‖ escolhi fazer uma relação do Teatro com o processo de conscientização e que esta seria a grande possibilidade terapêutica. Seria uma possibilidade de auxiliar na ―cura‖ de uma sociedade que se mostra tão desumana. Defendo o teatro na educação como um instrumento eficaz para o desenvolvimento humano. Pensando em todos os aspectos que formam um ser humano. Corpo físico, pensamentos, sentimentos, sensações, sentidos, ideais, criatividade, imaginação, valores, princípios, necessidades, vontades, desejos, crenças, quanta coisa faz parte da realização do ser. Creio que poderíamos chamar de TEATRO DA CONSCIENTIZAÇÃO, ou apenas TEATRO SIMPLES. Um teatro sem formalismos, que possibilite a cada um realizar a sua vocação e condição essencial de ser humano. Referências FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979. _____________ Educação como prática da liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1985. VYGOTSKY, Lev. A Construção do Pensamento e da Linguagem. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2000.


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ELEMENTOS VISUAIS DO ESPETÁCULO: APONTAMENTOS PARA ELABORAÇÃO DE AUDIODESCRIÇÃO Larissa Hobi2.

Introdução O caleidoscópio de imagens e, a cultura predominantemente visual em que vivemos na contemporaneidade nos leva a refletir sobre a construção de uma sociedade inclusiva, que não diferencie ou limite as experiências culturais, comunicacionais, sociais e educacionais por meio de barreiras comunicacionais. Mas sim que, potencialize o acesso a bens/eventos e os transforme em um lugar de construção de saberes e fruição, criando mecanismos para minimizar as perdas advindas de uma deficiência visual, valendo-se de recursos de acessibilidade em que o conteúdo imagético é transformado em palavras. Ao possibilitar o acesso a conteúdos imagéticos para pessoas com deficiência visual, estamos além de incluindo essas pessoas socialmente e culturalmente, contribuindo para a criação de cidadãos ―mais críticos, mais capazes de compreender os aspectos culturais, históricos e sociais contidos nas informações visuais‖ (MOTTA, 2015, p.02) Dessa forma, é urgente a necessidade da ampliação relativa ao conhecimento e a utilização da audiodescrição (AD) na remoção de barreiras comunicacionais. Os pesquisadores e entusiastas da área, Lívia Motta e Paulo Romeu Filho (2010, p.11), definem a AD como: [...] um recurso de acessibilidade que amplia o entendimento das pessoas com deficiência visual em eventos culturais, gravados ou ao vivo, como: peças de teatro, programas de TV, exposições, mostras, musicais, óperas, desfiles e espetáculos de dança; eventos turísticos, esportivos, pedagógicos e científicos tais como aulas, seminários, congressos, palestras, feiras e outros, por meio de informação sonora. É uma atividade de mediação linguística, uma modalidade de tradução intersemiótica, que transforma o visual em verbal, abrindo possibilidades maiores de acesso à cultura e à informação, contribuindo para a inclusão cultural, social e escolar. Além das pessoas com deficiência visual, a audiodescrição amplia também o entendimento de pessoas com deficiência intelectual, idosos e disléxicos (ROMEU FILHO, 2010, p. 11).

Ao partirmos do pressuposto de que os elementos que compõem a cena, a saber: o ator, a voz, a música, o ritmo, o espaço, o tempo, a ação, o figurino, a maquiagem, o objeto, a iluminação, o olfato, o tato, o paladar e o texto; são regulados e organizados na perspectiva da construção de uma narrativa que pode se apresentar de forma multissequencial e multiforme ou não sequencial, pretendese uma discussão que leva em conta os elementos visuais do espetáculo e a sua tradução em palavras, na perspectiva da inclusão cultural/comunicacional de 2

Mestre em Artes Cênicas (PPGArC UFRN). Especialista em Audiodescrição (UFJF). Graduada em Artes Cênicas (UFPB). Audiodescritora/Pesquisadora do GTAD do Lavid/UFPB. Email: larahobi@gmail.com.


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pessoas com deficiência visual em espetáculos teatrais 1. Breve panorama do campo: acessibilidade cultural É possível afirmar que, ao se valer do recurso da audiodescrição, estaremos em consonância com a Lei n° 10.098/2000, que estabelece as normas gerais para promoção da acessibilidade de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. A acessibilidade é definida como a possibilidade e condição de alcance aos espaços, transportes e comunicação, pela pessoa com deficiência. Quanto à comunicação, a lei define como barreira qualquer entrave que prejudique o recebimento ou a expressão de mensagens, por meio de sistemas de comunicação, que podem ou não ser de massa. Também prevê que barreiras na comunicação sejam eliminadas e técnicas e mecanismos sejam adotados para garantir a essas pessoas o direito de acesso à informação, comunicação, trabalho, educação, transporte, cultura e lazer. Afinal, quem tem deficiência? Ou a pessoa é deficiente? Quem define essa condição? Nas questões relativas aos postulados da deficiência na perspectiva da inclusão X integração, é urgente a revisão dos nossos conceitos, pois, muitas vezes as pessoas com deficiência se encontram inseridas na sociedade, desenvolvendo com autonomia tarefas do cotidiano, porém, encontram barreiras em atitudes sociais, uma vez que muitos os concebem enquanto dependentes do auxílio de terceiros ou incapazes de autonomia por serem deficientes. O conceito de integração é pautado no modelo médico e concebe, grosso modo, a pessoa com deficiência enquanto dependente de cuidados de terceiros, se apresentando como uma pessoa dependente, incapaz de se auto gerir e desenvolver atividades relativas ao trabalho, estudo, lazer, cultura, deveres cotidianos, etc. Dentro dessa visão, em que a deficiência se apresenta como um ―problema‖ do indivíduo cabe ao mesmo, adaptar-se a sociedade e/ou submeter-se ao processo de reabilitação ou cura. Dessa forma, ocorreria sua integração na sociedade, uma vez que, já se encontraria preparada para viver na sociedade, não mais precisando da ajuda de terceiros. Já o conceito de inclusão, atua na perspectiva do modelo social que, preconiza a modificação da sociedade como pressuposto para que os indivíduos busquem seu desenvolvimento e exerçam a cidadania. Esse modelo preza pela independência, pela equiparação de oportunidades e pelo empoderamento. Dessa forma, a deficiência é concebida a partir da interação entre homem e sociedade, ou seja, limitação funcional x ambiente. Diante desse panorama, a deficiência não se apresenta exclusivamente como uma incapacidade ou ausência de habilidades do indivíduo, ocorrendo uma transição em que o foco recai na acessibilidade, nas condições do meio, das comunicações e das atitudes sociais. Diante do exposto, é possível perceber os ganhos advindos na forma de se conceber a deficiência na atualidade, uma vez que o foco recai na acessibilidade, nas condições do meio, das comunicações e das atitudes da sociedade; e a não é apenas uma incapacidade, falta ou ausência de habilidade da pessoa; passando a ser definida a partir da interação homem/sociedade; ou seja, deficiência = Limitação Funcional X Ambiente. A partir desse novo modelo que se apresenta, em que o foco da deficiência é dividido entre a pessoa e a sociedade, as discussões travadas serão relativas à


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inclusão, preconizando que, a ―inclusão social consiste em tornarmos a sociedade toda um lugar viável para a convivência entre pessoas de todos os tipos e condições na realização de seus direitos, necessidades e potencialidades‖ (SASSAKI, 2003). Dentre os documentos elaborados, citamos a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2008), que insere a deficiência no âmbito dos Direitos Humanos, dentre outras mudanças significativas, a exemplo da definição de deficiência: Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, com as demais pessoas (sassaki, 2003).

Romeu Kazumi Sassaki (2012) apresenta em texto intitulado Sete dimensões da acessibilidade, a definição de acessibilidade: Acesso [das pessoas com deficiência], em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ao público ou de uso público, tanto na zona urbana como na rural – Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência - Organização das Nações Unidas, 2006; Decreto Legislativo 186/2008; e Decreto 6.949/2009 (op. cit, 2012).

É importante destacar a importância das perspectivas atuais relacionadas às representações sobre a deficiência visual, e seus desdobramentos, por meio de políticas públicas e de inclusão, que atuam na perspectiva da identidade e da diferença. Perspectiva esta, pautada nos estudos culturais que, emergem na cena social, buscando afirmar suas identidades, ao mesmo tempo em que questionam a posição das identidades até então hegemônicas; tal prática encontra-se no centro da teoria social e da prática política. Tais políticas se constituem como parâmetro para a implementação de ações afirmativas, dentre as quais a acessibilidade. As representações se estabelecem discursivamente, construindo significados de acordo com critérios estabelecidos nas relações de poder. Assim, os significados não são intactos, fixos, naturais ou supostamente „corretos‟; eles estão expostos à história e às mudanças; logo, novos significados e interpretações são produzidos, que, por sua vez, atuam na constituição das identidades, na construção de subjetividades, na delimitação das diferenças, na produção, no consumo e na regulação das condutas sociais. Aos poucos, essas pessoas têm a oportunidade de cada vez mais circular pelos espaços sociais, públicos ou privados, nos quais podem conviver com outros indivíduos „diferentes‟ e „semelhantes na sua diferença‟, partilhando experiências e vivências. A exposição a estes estímulos produz reações de identificação com esses artefatos culturais – aqui entendidos como reguladores culturais –, que provocam mudanças nas constituições identitárias. O acesso aos produtos culturais tem sido fundamental para a inserção social das pessoas com deficiência visual. De que forma, esse recurso de acessibilidade, que se apresenta como uma tecnologia assistiva, pode beneficiar pessoas com deficiência visual, tidos como seu público alvo? De que forma proporcionar a inclusão nos mais diversos contextos, a exemplo do cultural, informacional e educacional, ora discutido?


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É sabido que o processo inclusivo demanda a adaptação de recursos e estratégias para promover a tão falada inclusão, diante disso, é fundamental levar em conta que a audiodescrição se apresenta como um recurso para ampliar o entendimento, ao possibilitar que pessoas com deficiência visual acessem produtos culturais, de lazer e de informação. Tal recurso irá ampliar a compreensão além de favorecer o acesso mais detalhado por meio da audiodescrição, do universo imagético do produto apresentado, promovendo desta forma a quebra de barreiras comunicacionais, viabilizando o acesso ao conteúdo por todos. 2. Elementos visuais do espetáculo Abordaremos, nos subitens seguintes, elementos visuais das artes do espetáculo, tal listagem não pretende ser restritiva – uma vez que o espetáculo assimila recursos, suportes e dispositivos referentes ao seu contexto de época – mas descrever os recursos mais usuais que aparecem com mais frequência. Apesar da abordagem individual de cada componente, vale ressaltar que os mesmos atuam em conjunto na construção da narrativa, tal desmembramento visa abordá-los de forma mais didática. 2.1. Ator/Performer Elemento fundamental para a efetivação do fenômeno teatral, ―o ator, desempenhando um papel ou encarnando uma personagem, situa-se no próprio cerne do acontecimento teatral. Ele é o vínculo vivo entre o texto do autor, as diretivas de atuação do encenador e o olhar e a audição do espectador.‖ (PAVIS, 2007, p. 30). Mas, como descrever o trabalho do ator? De quais teorias se valer? Como transformar em palavras o que é imagético em sua atuação? O trabalho do ator, assim como os demais elementos relativos ao fazer teatral estão constantemente em evolução e, filiado a proposições estéticas e culturais, o que inviabiliza pensar, ou propor, uma teoria global para o ator. Ao nos referirmos aos atores orientais, por exemplo, nossa tarefa se mostraria menos árdua, uma vez que culturalmente a arte de ator é mais técnica, ou seja, vinculada a formas codificadas e reproduzíveis. Já o ator ocidental, está envolto em uma tradição ligada à improvisação, a livre expressão e, por vezes, a psicologização da personagem. No teatro, as emoções são sempre manifestadas graças a uma retórica do corpo e dos gestos nos quais a expressão emocional é sistematizada, ou mesmo codificada. Quanto mais as emoções são traduzidas em atitudes ou em ações físicas, mais elas se libertam das sutilezas psicológicas do indizível e da sugestão (PAVIS, 2005, p.50).

No entanto, o ator não necessariamente imita uma pessoa real, ele pode, através de convenções e/ou por relato verbal e gestual, propor ações. Pavis (2005), ao sugerir algumas observações sobre a metodologia da análise do ator contemporâneo ocidental, elucida a situação de ator e os traços específicos de sua atuação: O ator se constitui como tal assim que um espectador, ou seja, um observador externo, o olha e o considera como ―extraído‖ da


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realidade ambiente e portador de uma situação, de um papel, de uma atividade fictícia ou pelo menos distinta de sua própria realidade de referência. Mas não basta que tal observador decida que tal pessoa representa uma cena e, logo, que é um ator [...], é preciso também que o observado tenha consciência de representar um papel para seu observador e que assim a situação teatral esteja claramente definida. Quando a convenção está estabelecida, tudo o que o observador faz ou diz não é mais vendido pelo preço que se comprou, mas como ação ficcional que tem sentido e verdade apenas no mundo possível no qual observador e observado convencionam se situar. Assim procedendo, ao definir a atuação como uma convenção ficcional estamos no caso do ator ocidental que finge ser um outro; pelo contrário, o performer oriental (o atorcantor-dançarino), quer cante, dance ou recite, realiza essas ações reais como ele mesmo, como performer, e não como personagem fingindo ser um outro ao se fazer passar como tal aos olhos do espectador, se o termo performer é cada vez mais usado, no lugar de ―ator‖, é para insistir na ação completada pelo ator, por oposição à representação mimética de um papel. O performer é antes de tudo aquele que está presente de modo físico e psíquico diante do espectador (PAVIS, 2005, p. 51-52)

Na contemporaneidade, o ator nem sempre representa mimeticamente ―uma pessoa verdadeira, um indivíduo formando um todo, a uma série de emoções‖ (PAVIS, 2005, p. 55), a personagem, outrora ―cópia-substância de um ser‖ (UBERSFELD, 2005, p. 69) tornou-se polimorfa e, apresenta-se constantemente estilhaçada, dividida, lacerada, distribuída em vários intérpretes, além de construir significações valendo-se de partes isoladas de seu corpo que, estarão em constante diálogo com os demais elementos da encenação, sugerindo dessa forma a realidade narrada. Mas, como descrever o ator e aquele que será o seu duplo, ao qual irá emprestar ―seu corpo, seus traços, sua voz, sua energia‖ (RYNGAERT, 1995, p. 126), levando em consideração as diferentes estéticas teatrais, suas concepções e usos? Michel Bernard (apud PAVIS, 2005, p.58-59) descreve sete referencias relativa à corporalidade do ator, de grande valia para notarmos e descrevermos os diferentes usos do corpo em cena: 1. A extensão e a diversificação do campo da visibilidade corporal (nudez, mascaramento, deformação etc.), em suma, de sua iconicidade. 2. A orientação ou a disposição das faces corporais relativamente ao espaço cênico e ao publico (frente, costas, perfil, três - quartos etc.). 3. As posturas, ou seja, o modo de inserção no solo e mais amplamente o modo de gestão da gravitação corporal (verticalidade, obliquidade, horizontalidade...). 4. As atitudes, ou seja, as configurações das posições somáticas e segmentárias em relação com o ambiente (mão, antebraço, braço, tronco/cabeça,perna...). Os deslocamentos ou as modalidades da dinâmica de ocupação do espaço cênico. 5. As mímicas como expressividade visível do corpo (mímicas fisionômicas e gestuais) em seus atos úteis como supérfluos, e, por conseguinte, do conjunto dos movimentos anotados. 6. A vocalidade, ou seja, a expressividade audível do corpo e/ou dos


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substitutos e complementos (barulhos orgânicos naturais ou artificiais: como os dedos, os pés, a boca etc.) . 2.2 Figurino A história do figurino de teatro, como aponta Pavis (2007) está ligada à da moda da vestimenta, porém este se apropria e a ressignifica. O teatro sempre se valeu do figurino, o associando ao contexto de época e estéticas praticadas. Em sua evolução, o figurino vivenciou fases em que o associava ao ritual; ao virtuosismo em que os atores se vestiam com heranças ganhas das cortes que os protegiam, sem estabelecer um elo com a personagem representada; ao verossímil, ―[...] e o figurino, enquanto elemento visual estabelece um essencial elo de significação entre o personagem e o contexto espacial em que este evolui‖ (ROUBINE, 1998, p. 123). Utilizados com frequência de forma evocativa ou representativa com base em convenções facilmente identificáveis, o figurino teatral ―[...] portador de signos, como projeção de sistemas sobre um objeto-signo relativamente à ação, ao caráter, à situação à atmosfera (PAVIS; 2007 p. 169), é ao mesmo tempo significante e significado em constante diálogo com o corpo do ator‖. [...] o figurino, sempre presente no ato teatral como signo da personagem e do disfarce, contentou-se por muito tempo com o simples papel de caracterizador encarregado de vestir o ator de acordo com a verossimilhança de uma condição ou de uma situação. Hoje, na representação, o figurino conquista um lugar muito mais ambicioso; multiplica suas funções e se integra ao trabalho de conjunto em cima dos significantes cênicos. Desde que aparece em cena, a vestimenta converte-se em figurino de teatro: põe-se a serviço de efeitos de amplificação, de simplificação, de abstração e de legibilidade (PAVIS, 2007, p. 168) O figurino teatral teve que esperar as evoluções advindas do século XX para se integrar em uma perspectiva estética mais autônoma. Na contemporaneidade os figurinos assumem funções diversificadas, associados a proposições estéticas e técnicas. Pavis (2007, p. 170) aponta o paradoxo do figurino no trabalho teatral contemporâneo: [...] ele multiplica suas funções, vai além do mimetismo e da sinalização, coloca em questão as categorias tradicionais demasiado estratificadas (cenário, acessório, maquiagem, máscara, gestualidade etc.); o ―bom‖ figurino é aquele que retrabalha toda a representação a partir de sua flexibilidade significante (op. cit. 2007, p. 170).

Segundo Pavis (2005, p. 164), as grandes funções do figurino são:  A caracterização: meio social, época, estilo, preferências individuais.  A localização dramatúrgica para as circunstancias da ação.  A identificação ou o disfarce da personagem.  A localização do gestus global do espetáculo, ou seja, da relação da representação,e dos figurinos em particular, como universo social: ―Tudo o que, no figurino, confunde a clareza dessa


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relação contradiz, obscurece ou falsifica o gestus3 social do espetáculo, é ruim; tudo o que, pelo contrário, nas formas, cores, substâncias e seu embricamento, ajuda a leitura desse gestus, tudo isso é bom.‖4

O figurino em relação com o corpo do ator atuará na construção da personagem. Escolhas como material, textura, peso, corte, etc., irá reverberar no ajustamento da personagem por meio da gestualidade e da roupa. Quanto à nudez, Pavis (2005, p. 165) elucida que: ―não é o grau zero do figurino – seria antes o figurino que, por sua familiaridade e sua adequação aos nossos valores, representa o grau zero. A nudez pode acolher todas as funções: erótica, estética, estranheza inquietante‟ etc.‖ Os elementos visuais estão em constante diálogo entre si, como também com outros fatores referentes ao fazer teatral. Para uma melhor compreensão da discussão ora abordada, se faz necessário compreender, mesmo que grosso modo, a distinção entre espaço cênico e espaço dramático, de fundamental importância, uma vez que, o figurino é muitas vezes uma cenografia 5 ambulante, e estabelece uma relação dialógica com o espaço. O espaço cênico refere-se ao ―espaço real do palco onde evoluem os atores, quer eles se restrinjam ao espaço propriamente dito da área cênica, quer evoluam no meio do público.‖ (PAVIS, 2007, p. 132). Já o espaço dramático está associado ao ―qual o texto fala, espaço abstrato e que o leitor ou o espectador deve construir pela imaginação (ficcionalizando).‖ (PAVIS, 2007, p.132) Pavis (2005, p. 166-167) aponta ainda, funções significantes do figurino no continuum espaço-tempo-ação-luz:  O figurino preenche e constitui um espaço, nem que seja apenas pela maneira pela qual valoriza o corpo em seus deslocamentos.  Ele se estende mais ou menos, podendo materializar um época, mas também um ritmo e uma maneira de voar ao vento.  Ele participa da ação, sempre colado na pele do ator, ou transportado em um volume cinético, sempre vestido pelo ator, a não 3

[...] o gestus se compõe de um simples movimento de uma pessoa diante de outra, de uma forma social ou corporativamente particular de se comportar. Toda ação cênica pressupõe uma certa atitude dos protagonistas entre si e dentro do universo social: é o gestus social. O gestus fundamental da peça é o tipo de relação fundamental que rege os comportamentos sociais (servilismo, igualdade, violência, astúcia etc.). O gestus se situa entre a ação e o caráter (oposição aristotélica de todo teatro): enquanto ação, ele mostra a personagem engajada numa praxis social; enquanto caráter, representa o conjunto de traços próprios a um indivíduo. O gestus é sensível, ao mesmo tempo, no comportamento corporal do ator e em seu discurso: um texto, uma música podem, na verdade, ser gestuais se apresentam um ritmo apropriado ao sentido do que ele está falando. (PAVIS, 2007, p. 187). 4 Apud Barthes. 5 [...] a cenografia é uma escritura no espaço em três dimensões. [...]. Corresponde tanto a uma evolução autônoma da estética cênica quanto a uma transformação em profundidade da compreensão do texto e de sua representação cênica. Hoje, a cenografia concebe sua tarefa não mais como ilustração ideal e unívoca do texto dramático, mas como dispositivo próprio para esclarecer (e não mais para ilustrar) o texto e a ação humana, para figurar uma situação de enunciação (e não mais um lugar fixo), e para situar o sentido da encenação no intercâmbio entre um espaço e um texto. (PAVIS, 2007, p. 45)


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ser que se transforme em uma crisálida abandonada por ele.  Ele capta mais ou menos luz, estruturando e ritmando as mudanças de intensidade luminosa.

2.3 Luz Por séculos, o teatro se valeu da luz do sol, Camargo (2012, p.02) explicita que ―durante esse período de teatro produzido sob fonte natural, a luz não era outra coisa senão ela mesma, como pura manifestação.‖ E os recursos de luz artificial, a exemplo de velas, tochas e archotes eram utilizados na perspectiva de se dar a ver, ou seja, como iluminantes quando as apresentações prolongavam-se até a noite. Com a evolução dos recursos, o teatro foi ampliando paulatinamente o uso da luz natural e criando mecanismos para manipulá-la, a exemplo de artifícios para captar e redirecionar a luz por meio de ―escudos de madeira revestidos por lâminas de mica reflexiva, distribuídos por diversos pontos da platéia.‖ (CAMARGO, 2012, p.04); como também, o uso de vitrais como filtro de luz. No entanto, é a partir da transferência do teatro para salas fechadas no século XVI que surgem os problemas relativos à visibilidade. Ao teatro, coube recorrer a recursos que iluminassem o espaço cênico, o tornando visível; todavia, esse problema se apresentava em apresentações noturnas, fazendo com que várias velas fossem instaladas nos teatros. Nessa época, vários tipos de velas foram utilizadas, como também, o emprego de novos recursos que iam surgindo, a exemplo dos pavios enrolados, que conferiam melhor intensidade e brilho da luz, além de serem mais seguros e produzirem menos fumaça. Paralelamente as pesquisas relacionadas a fontes combustíveis experimentaram-se novos meios de instalação das fontes de luz. Nesse período, várias foram as mudanças decorrentes nas fontes de luz artificial, culminando com o surgimento da luz a gás. ―A iluminação a gás vem resolver de forma mais satisfatória a questão da visibilidade nos teatros. Longe de ser ainda a solução ideal, o gás representou um grande progresso erelação à precariedade de tochas, velas, lâmpadas de azeite e querosene.‖ (CAMARGO, 2012, p.14). No século XIX, surge à iluminação elétrica, e junto com ela, ―uma mudança historicamente importante: o obscurecimento da platéia.‖ (CAMARGO, 2012, p. 17). Inicialmente utilizada para acentuar o ilusionismo das montagens naturalistas, possibilitando mais tarde experimentações que revolucionariam o uso mimético da luz, como fez a dançarina americana Loie Fuller, que introduziu o uso de cores nas artes cênicas, redimensionando com seu uso o espaço cênico e dando papel de protagonista à iluminação. A partir de 1890, as proposições cenográficas simbolistas investiram na ruptura com o modelo de representação naturalista. Encontrando no recurso técnico da iluminação possibilidades para novas experimentações, eles desligaram-se da preocupação com a ilusão e imitação naturalistas, buscando representações simbólicas do inconsciente humano. Sob forte influência de artistas como o suíço Adolphe Appia e o inglês Gordon Craig, o simbolismo teatral na virada do século XIX para o século XX buscou conceitos inovadores e modificações estéticas a partir da iluminação. Com a plateia totalmente no escuro, a iluminação cênica adquire outro sentido e, evidentemente, mais importância sobre o espetáculo. A partir de então, surge uma separação nítida entre palco e plateia, permitindo o surgimento de uma nova percepção tanto da luz quanto


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da cena (CAMARGO, 2012, p. 18).

A luz elétrica soluciona definitivamente o problema da visibilidade em salas fechadas e, junto a sua intensidade houve o aprimoramento técnico e o surgimento de novos recursos que, dentre outras coisas, permitem selecionar, enfatizar, aproximar ou distanciar o objeto dos olhos. Dessa forma, como aponta Camargo (2012, p. 21), ―[...] a discussão tomou outro rumo: o que fazer com todos os recursos inventados ou, mais precisamente, qual seria o papel da luz em relação à cena?‖. A luz intervém no espetáculo; ela não é simplesmente decorativa, mas participa da produção de sentido do espetáculo. Suas funções Dramatúrgicas ou semiológicas são infinitas: iluminar ou comentar uma ação, isolar um ator ou um elemento da cena, criar uma atmosfera, dar ritmo à representação, fazer com que a encenação seja lida, principalmente a evolução dos argumentos e dos sentimentos etc. situada na articulação do espaço e do tempo, a luz é um dos principais enunciadores da encenação, pois comenta toda a representação e até mesmo a constitui, marcando o seu percurso. Material milagroso de inigualáveis fluidez e flexibilidade, a luz dá o tom de uma cena, modaliza a ação cênica, controla o ritmo do espetáculo, assegura a transição de diferentes momentos, coordena os outros ritmos cênicos colocando-os em relação ou isolando-os (PAVIS, 2007, p. 202).

Pavis (2005, p.180) ressalta a importância das cores utilizadas na iluminação: É a iluminação que cria a cor, deve haver então uma combinação mínima entre cenógrafo, o figurinista e o iluminador para que as escolhas cromáticas não se aniquilem. O espectador estará atento aos tons utilizados: quentes para uma sensação agradável; frios para suscitar a tristeza; médios para uma impressão neutra e calma. As colorações escolhidas suscitam emoções e sensações por obra da luz (clareza) e da cor (tom) (op. cit. 2005, p. 180).

O autor pontua ainda, as relações entre a luz e outros componentes da cena, a saber:  A cenografia – ela faz ou não penetrar a luz natural. A luz artificial escolhe entre iludir ou fazer desaparecer tal elemento do cenário. Mudando de direção, pode sugerir a progressão do dia [...]. pode igualmente desorientar o observador (PAVIS, 2005, p.181).  O figurino – as roupas recebem a luz de modo particularmente fácil: suas dobras são valorizadas, seus tons são tornados visíveis e variáveis segundo o tipo de luz e de filtro de gelatina utilizado (PAVIS, 2005, p.181) .  A maquiagem – é valorizada positivamente ou negativamente. A cor abóbora ou laranja realçará agradavelmente o tom da pele; a cor verde ou azul, pelo contrário, resultará numa pele cinza, de aspecto particularmente sinistro. A maquiagem é quase sempre uma necessidade (PAVIS, 2005, p.181).  O ator – o ator como um todo é às vezes afetado pela luz: sua energia é valorizada ou, pelo contrário, atenuada. Sua relação com o espectador é transparente, sobretudo com a luz geral, ou perturbada se ele é cegado por uma torrente de luz ou reduzido a uma voz na penumbra (PAVIS, 2005, p.181).


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Segundo Pavis (2007, p.201-202), ―O termo iluminação vem sendo substituído, cada vez mais, na prática atual, pelo termo luz, provavelmente para indicar que o trabalho da iluminação não é iluminar um espaço escuro, mas, sim, criar a partir da luz‖. 2.4 Maquiagem Utilizada no teatro ocidental inicialmente de forma ritualística, passa a ser usada a partir do século XVI como maquiagem de beleza, atingindo o exagero no século XVIII; no entanto, é a partir da introdução inicialmente da iluminação a gás e, depois, da luz elétrica que ela evolui como elucida Pavis (2007), sendo a partir de então que, o teatro recorre à maquiagem para adaptar a cor da pele a iluminação cênica. O cenário colado ao corpo do ator se torna figurino, o figurino que se inscreve em sua pele se torna maquiagem [...]. A maquiagem não é, no entanto, uma extensão do corpo como podem ser a máscara, o figurino ou o acessório. [...]. É, melhor dizendo, um filtro, uma película, uma fina membrana colada no rosto: nada está mais perto do corpo do ator, nada melhor para servi-lo ou traí-lo que esse filme tênue (PAVIS, 2005, p. 170).

Convencionou-se no teatro que, os traços expressivos da maquiagem devem ser aumentados de maneira a parecerem naturais devido à distância entre o atuante e a plateia. A perspectiva e a escala desse aumento podem assim ficarem deformadas e o observador deve então permanecer consciente dessa convenção cênica. (PAVIS, 2005, p. 171) Segundo a estética da encenação, a maquiagem terá uma tendência para servir o verossímil das situações (uso realista ou naturalista) para produzir mimeticamente os rostos das personagens, ou pelo contrário, para sublinhar seus próprios procedimentos, a se tornar um fim em si, uma pintura facial ou corporal, que não deve ser mais colocada a serviço dos outros signos, mas im concentrar os olhares sobre sua própria prática autônoma (PAVIS, 2005, p. 171-172).

Pavis (2007, p. 231-232) enumera algumas funções da maquiagem, de grande utilidade para elaboração de roteiros de AD.  Embelezar – o papel de composição obriga o maquiador a prodígios de reparos e de melhoramentos: retirar bolsas dos olhos, disfarçar queixo duplo, eliminar uma espinha...  Codificar o rosto – certas tradições teatrais, como o teatro chinês, baseiam-se num sistema puramente simbólico de correspondência entre cores e características sociais: branco para intelectuais, vermelho para os heróis leais, azul escuro para as personagens orgulhosas, prata para os deuses etc.  Teatralizar a fisionomia – figurino vivo do ator, a maquiagem faz o rosto passar do animado ao inanimado, flerta com a máscara,


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quando se torna uma máscara mais ou menos opaca e flexível que às vezes utiliza a mobilidade do rosto. [...]. Na arte do semblante, a maquiagem pode, ao mesmo tempo, acentuar a teatralidade, a maquinaria facial [...] e dar novamente impressão de vida, renaturalizar e interiorizar‖ a expressão mímica. Ela joga com a ambiguidade constitutiva de representação teatral: mescla de natural e artificial, de coisa e de signo.  Estender a maquiagem – ela não mais se limita ao rosto, o corpo inteiro pode ser pintado. [...]. A maquiagem passa a ser um cenário ambulante, estranhamente simbólico; ela não mais caracteriza de maneira psicológica e, sim, contribui para a elaboração de formas teatrais do mesmo modo que os outros objetos da representação (máscara, iluminação, figurino etc.). Ao renunciar a seus efeitos psicológicos, assume sua qualidade de sistema significante, que faz dela um elemento estético total da encenação.

2.5 Objeto Como elucida Ubersfeld (2005, p. 117), ―o espaço teatral não é vazio: ele é ocupado por uma série de elementos concretos cuja importância relativa é variável. São eles: os corpos dos atores; os elementos do cenário; os acessórios.‖ O termo objeto tende a substituir, nos escritos críticos o termo acessório ou cenário. A neutralidade, até mesmo a vacuidade da expressão, explica seu sucesso para descrever a cena contemporânea, que participa tanto do cenário figurativo, da escultura moderna ou da instalação quanto da plástica animada dos atores (PAVIS, 2007, p. 265). O termo refere-se, dessa forma a esses elementos concretos que, se apresentam por vezes de forma flexível, manipulável, mutável, podendo assumir o papel de cenário, de adereço, de personagem. [...] Uma personagem pode ser um locutor, mas pode também ser um objeto da representação, do mesmo modo que um móvel: a presença muda ou a imobilidade de um corpo humano pode ser significante como a presença de um objeto; um grupo de atores pode figurar um cenário; é possível que seja mínima a diferença entre a presença de um guarda armado e a de armas representando a força ou a violência. Por isso, fica difícil fazer coincidir as três categorias de objetos com três tipos de funcionamento autônomos: um acessório, um ator, um elemento do cenário podem ter funções intercambiáveis (UBERSFELD, 2005, p.118).

Pavis (2007, p. 265-266) elenca algumas funções do objeto:  Mimese do âmbito da ação – o objeto, a partir do momento que é identificado pelo espectador, situa imediatamente o cenário. Quando é importante para a peça caracterizar o ambiente cênico, o objeto deve apresentar alguns traços distintivos.


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 Intervenção no jogo – o objeto teatral é usado para certas operações ou manipulações. Esta função pragmática é particularmente importante quando a cena mostra homens ou mulheres em ocupações cotidianas. Quando o cenário não é figurativo, certos elementos servem de máquina de representar [...]. O objeto é então menos funcional do que no texto.  Abstração e não-figuração – quando a encenação se organiza unicamente a partir do jogo do ator, sem pressupor um local de ação específico, o objeto é muitas vezes abstrato, não é utilizado dentro de um uso social e assume um valor de objeto estético (ou poético).  Paisagem mental ou estado d‟alma – o cenário da uma imagem subjetiva do universo mental ou afetivo da peça: nele, raramente o objeto é figurativo, mas fantástico, onírico ou ―lunar‖. O fim buscado é criar familiaridade visual com o imaginário das personagens da peça. Pavis (2007, p.266) nos apresenta ainda, diferentes formas assumidas pelo objeto, que nomeia de polimorfia do objeto.  Desvio de sentido – o objeto não-mimético presta-se a todos os usos, em particular àqueles que podiam parecer os mais distantes dele [...]. Por uma sequência de convenções, o objeto se transforma num signo das coisas mais variadas.  Níveis de apreensão – O objeto não é reduzido a um único sentido ou nível de apreensão. O mesmo objeto é muitas vezes utilitário, simbólico, lúdico, conforme os momentos da representação e, sobretudo, conforme a perspectiva da apreensão estética.  Desmultiplicação dos signos – não existe objeto bruto que já não tenha sentido social e que não se integre a um sistema de valores. O objeto é consumido tanto por sua conotação quanto por sua funcionalidade primeira. Além disso, o objeto teatral é sempre signo de algo. De modo que ele se acha preso num circuito de sentidos (de equivalências) e remetido por conotações a uma grande quantidade de significações que o espectador o faz ―experimentar‖ sucessivamente.  Artificialização/materialização – por causa desse circuito de sentidos, o objeto funciona como significado, o que quer dizer que sua materialidade (seu significante) e sua identidade (seu referente) tornam-se inúteis e integram-se ao processo global da simbolização. Todo objeto posto em cena sofre esse efeito de artificialização/abstração, o que não ocorre sem cortá-lo do mundo real e intelectualizá-lo. Este é, sobretudo, o caso dos objetos simbólicos não-utilitários que designam seu referente de modo abstrato, até mesmo mítico (símbolos religiosos e idealizações da realidade).

Mas a tendência inversa – a do objeto material, intraduzível em categorias


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abstratas – está igualmente presente na encenação atual. O cenário escolhe um ou dois materiais básicos (madeira, couro, metal, tapeçaria, têxteis) conforme a atmosfera material da peça e o tom básico da representação. Estes materiais são apenas trabalhados; não remetem a significado algum, agem como matériaprima da qual é preciso extrair um sentido e sentir a sensação conforme a situação cênica. Muitas vezes os objetos se vêem elevados ao estatuto de plástica móvel, atuando para e com a cena, produzindo, graças a sua dimensão poética, teatral e lúdica, uma miríade de associações mentais no espectador. Frequentemente na fronteira de outros elementos da representação, os objetos podem assumir diferentes identidades, transformando-se assim em máquina de jogo estimulando a imaginação do espectador. Diante do exposto, fica evidente a não existência de uma categorização hermética para a diversidade de objetos ao qual a cena recorre. Podendo, como nos propõe Pavis (2005, p.177) descrever as formas, numerar os materiais, função utilitária e uso estético. Considerações finais É indiscutível pela incontestabilidade, a necessidade de políticas voltadas para a acessibilidade cultural. Na contemporaneidade, conceitos relativos a tão almeja inclusão são discutidos com vistas a uma mudança de atitude da sociedade frente à pessoa com deficiência. O estabelecimento das especificidades ganha uma conotação de respeito às diferenças individuais e o sentido da inclusão de indivíduos com deficiência nas escolas e nas atividades de trabalho e de lazer. Hoje, estar no mundo sem dispor da visão como sentido predominante implica em conviver com a incapacidade da sociedade de lidar com a diferença; com o desconhecimento sobre as características da pessoa com deficiência visual, sobre a forma da pessoa com deficiência perceber e relacionar-se com o mundo; e conviver também com os preconceitos, os estereótipos e os estigmas sociais que levam muitas pessoas a terem receio de se relacionar com a pessoa com deficiência visual, por não saberem como lidar com ele. O conceito de acessibilidade faz a triangulação com os conceitos de sociedade para todos – que remete a diversidade – e o conceito de inclusão – que assegurando a todos o direito de participar da vida em sociedade, em todas as esferas; se apresentando como o meio de condução e concretização dos outros dois. O conceito de acessibilidade abrange diversas esferas da ação social, dentre elas a acessibilidade comunicacional, na qual recai nossa ênfase devido o foco da discussão, o que postula e quais as leis a normatizam. A extensão de um projeto de acessibilidade a todas as instâncias culturais se insere na forma de políticas públicas em consonância com o conceito de inclusão


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social, somada as leis e diretrizes voltadas para as pessoas com deficiência. Outro fator importantíssimo é frisar e cobrar a responsabilidade dos espaços culturais nos processos de inclusão sócio-cultural que, deve ir além dos aspectos físicos. Como também, refletir para além do modelo médico, indo em direção a concepção da deficiência em uma perspectiva do modelo social. Acreditamos que, por se tratar de algo relativamente novo, a AD ainda se encontra em processo de construção de definições e técnicas coerentes. A AD ainda se apresenta de forma nova, porém, acreditamos que uma equipe formada por videntes e pessoas com deficiência visual, além da utilização de recursos tecnológicos e softwares, se apresenta como um caminho a se experienciar, criando novas possibilidades e gerando novas adequações em busca de algo que ainda se encontra em processo de configuração.

Referências CAMARGO, Roberto Gill. Função estética da luz. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2012. HOBI, Larissa. Interface Cena e Tecnologia: composições cênicas mediadas. 2013. 130f. Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2013. MOTTA, Lívia Maria Villela de Mello; ROMEU FILHO, Paulo (org.) Audiodescrição: transformando imagens em palavras. São Paulo: Secretaria de Estado da Pessoa com Deficiência, 2010. PAVIS, Patrice. A Encenação contemporânea: perspectivas. São Paulo: Perspectiva, 2007.

origens,

tendências,

___. A análise dos espetáculos. São Paulo: Perspectiva, 2005. ROUBINE, Jean-Jacques. A linguagem da encenação teatral, 1880 - 1980. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. RYNGAERT, Jean-Pierre. Introdução à análise do teatro. São Paulo: Martins Fontes, 1995. SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: acessibilidade no lazer, trabalho e educação. Revista Nacional de Reabilitação (Reação), São Paulo, Ano XII, mar./abr. 2003, p. 10-16. ___. Sete Dimensões da Acessibilidade. Palestra Pessoas com deficiência no mercado de trabalho e acessibilidade, Curitiba, 2012. UBERSFELD, Anne. Para ler o teatro. São Paulo: Perspectiva, 2005.


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SALA DE AULA DE EDUCAÇÃO INFANTIL INCLUSIVA, SOB A ÓTICA DE ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA DE EMÍLIA FERREIRO Naiade Maris Andrade Sousa6 Aarão Pereira de Araújo Júnior7

Introdução

Mais da metade das escolas públicas no Brasil apresentam déficits em sua infraestrutura, ou seja, elas não possuem rede de esgoto, acessibilidade, laboratórios de ciências e informática, quadra esportiva, bibliotecas, entre outros componentes (REIS E MORENO, 2014). E como reflexo possuem, geralmente, um déficit em relação à distribuição das áreas disponíveis para as salas de aula, apresentando dessa forma, espaços com capacidades de suporte limitados para uma grande quantidade de estudantes que são matriculados anualmente, e essa limitação ocasiona, muitas vezes, na fácil dispersão da atenção dos estudantes. Ademais, e consonantes com os aspectos já mencionados, as salas de aula direcionadas à Educação Infantil ou ao Ensino Fundamental I de escolas públicas, geralmente por serem espaços sem os quesitos básicos de infraestrutura para dar suporte às aulas e aos estudantes, acabam se tornando ambientes inadequados para a aprendizagem. Este fato pode se agravar com o aumento do número de matrículas anuais nas redes municipais, já que a tendência é o crescimento na quantidade de estudantes dessa faixa etária (JOÃO PESSOA, 2014). Além das questões citadas, não há interação entre o ambiente e o conteúdo acadêmico ou metodologia pedagógica adotada em sala de aula. Este conjunto de situações sinaliza uma problemática que poderá ser minimizado com o desenvolvimento de uma proposta de anteprojeto de interiores. Para a pesquisadora Emília Ferreiro (FERRARI, 2012) as crianças possuem um papel ativo no aprendizado, tornando-se o principal partícipe do processo de ensino/aprendizagem, e com isso (re)constroem o seu próprio conhecimento – daí parte a palavra construtivismo. Ferreiro apud Ferrari (2012) ainda afirma que o processo de alfabetização da criança ocorre em um ambiente social, através de práticas e interação social, além de que a criança é quem busca o seu próprio conhecimento, podendo desenvolver sua autonomia e agir de forma mais livre e espontânea durante este processo, recebendo influência do meio em que se encontra. 6

Graduada em Design de Interiores pelo Instituto Federal da Paraíba. Email: Pós-doutorando em Artes Visuais UFPB/UFPE. Doutor e Mestre em Educação pelo PPGE/UFPB. Professor do Curso de Design de Interiores do Instituto Federal da Paraíba. Email: aaraoaraujo@yahoo.com.br 7


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Seguindo as afirmativas de Ferreiro, o Designer de Interiores pode elaborar um trabalho que conjuga a ótica de alfabetização da criança de Emília Ferreiro e o projeto de interiores, inter-relacionando-os, podendo lançar a seguinte questão: ―De que maneira a ótica de alfabetização da criança descrita por Emília Ferreiro juntamente com a adequação dos mobiliários à faixa etária poderão contribuir com a melhoria do processo ensino/aprendizagem na educação infantil?‖ Este trabalho objetivou desenvolver um anteprojeto de Design de Interiores para uma sala de aula de Educação Infantil, no nível Fundamental I, na Escola Municipal de Ensino Fundamental Pe. Pedro Serrão, na cidade de João Pessoa-PB, adequando-o à ótica de alfabetização da criança segundo Emília Ferreiro. Especificamente, buscou-se identificar o processo de alfabetização descrito por Emília Ferreiro, para subsidiar na elaboração do anteprojeto; identificar os conteúdos relacionados à série escolar do ambiente a ser projetado segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs); propor os mobiliários a serem utilizados na sala de aula, em coerência com a faixa etária dos usuários e a concepção de alfabetização descrita por Emília Ferreiro; e fazer tratamento acústico de reverberação na sala de aula. A metodologia desta pesquisa se caracterizou como de caráter exploratório e descritivo, sendo realizada em três etapas: a primeira foi o levantamento bibliográfico, em que foram realizadas pesquisas direcionadas ao entendimento de como ocorre o processo de alfabetização da criança descrita por Emília Ferreiro, além de pesquisas que tivessem correlação e que fossem pertinentes ao desenvolvimento deste anteprojeto, sobre Jean Piaget, o construtivismo, os PCNs, o dimensionamento de mobiliários escolares, acessibilidade em salas de aula infantil, reverberação em interiores e a aplicação das cores em ambientes; a segunda foi o levantamento e coleta de dados do objeto de estudo, feita através de caderneta de campo e trena manual assim podendo realizar o levantamento físico e a elaboração de croquis, levantamento fotográfico utilizando câmera digital e câmera de celular, observações in loco da desenvoltura das aulas e do comportamento dos usuários, e aplicação de uma entrevista semiestruturada direcionado à professora responsável pela turma da sala de aula; a terceira e última etapa foi o desenvolvimento da proposta, em que foi realizado a definição do conceito do anteprojeto, a elaboração do programa de necessidades, assim desenvolvendo o zoneamento e fluxograma da sala de aula, para a posterior elaboração da proposta final de leiaute, tendo em seguida a construção das especificações dos materiais e mobiliários propostos, gerando o memorial descritivo e justificativo.


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1. O processo de alfabetização da criança

No processo de alfabetização da criança descrito por Emília Ferreiro, a autora expõe e defende que, nesta fase, a criança precisa tomar o papel de sujeito ativo na ação, manifestando-se, questionando, opinando e tomando a iniciativa em sua busca de desenvolvimento cognitivo e cultural, podendo (re)construir o conhecimento adquirido a partir de suas interpretações, fazendo com que, desta forma, o papel dos profissionais da Educação – educadores, psicólogos e professores – encontre-se na tarefa de saber respeitar a capacidade e o ritmo de desenvolvimento da criança em cada fase-etapa deste processo, assim como ter a ciência de que o meio em que a criança se encontra – sendo ele social, cultural e lugar físico – também influenciará no decorrer deste processo, buscando tornar a escrita e a leitura um objeto substituto de toda a carga intelectual que a criança carrega consigo, além de que a aquisição de conhecimento se dá em ambientes sociais, através de práticas e interações sociais (MELLO, 2007). Considerando as afirmações citadas sobre o processo de alfabetização da criança, e ao tomar posse destas informações e trazê-las ao espaço da sala de aula, é importante transformar o local onde seja possível a interação e prática social, quando Ferreiro afirma que a alfabetização ocorre em um ambiente social, ou seja, tornar a sala de aula um lugar onde haja interação entre os estudantes, podendo agruparem-se entre si para a realização das atividades curriculares, seja através de mesas e cadeiras que possibilitem um leiaute em grupos, seja através de puffs ou até mesmo no próprio chão, tendo a oportunidade de formarem círculos com as crianças ou quaisquer outras configurações que facilitem nos momentos de agrupamento. Ademais, é pertinente enfatizar que, sob a ótica de alfabetização de Emília Ferreiro, a criança passa a ser o sujeito ativo nessa fase, ou seja, tornar possível que a criança se sinta à vontade e livre para explorar as fontes disponíveis de conhecimento dentro da sala de aula, desta forma desenvolvendo sua autonomia durante este processo, e assim cada criança poder ir em busca do seu desenvolvimento cognitivo no seu próprio ritmo. E para que isto se torne possível no ambiente, é importante evitar colocar obstáculos na sala de aula, transformando-a em um lugar mais amplo e acessível para as crianças, estas podendo circular e ter acesso aos materiais escolares das aulas sem que haja empecilhos no caminho ao se utilizar mobiliários abertos e que sejam de fácil alcance para as crianças, além de configurar o leiaute do local de modo que possibilitem, ao mesmo tempo, o agrupamento dos estudantes e uma circulação fluida para que eles tenham acesso à todo o material escolar disponíveis para as aulas.


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A linha de pesquisa de Ferreiro converge com a linha teórica dos pressupostos epistemológicos do construtivismo, que defende justamente que, na aprendizagem intelectual do ser humano, o indivíduo toma o papel de personagem principal no seu desenvolvimento do conhecimento, em que tratase de ver este desenvolvimento como um processo de construção, em que o sujeito (re)constrói o conhecimento a partir de a partir de influências do meio cultural, social e físico juntamente com sua bagagem hereditária – aquilo que o indivíduo carrega consigo a nível genético (BECKER, 1992). Teoria esta que também é trabalhada por Jean Piaget em suas pesquisas, que buscou desvendar como ocorre o desenvolvimento cognitivo do ser humano, partindo da primeira infância até a fase adulta, e reforçando que a lógica das crianças é diferente da lógica adulta, e com isto fornecendo imensuráveis contribuições para a Psicologia e Educação, perdurando até a atualidade. Ressaltando que tanto Ferreiro quanto Piaget não desenvolvem métodos ou ―receitas feitas‖ pedagógicas aplicáveis para a educação, seus respectivos trabalhos tiveram o objetivo de desvendar e entender como ocorre o desenvolvimento cognitivo com direcionamento de focos distintos, porém complementares (PIAGET, 2012). Assim, para que uma sala de aula esteja em coerência com a epistemologia de Piaget e com o construtivismo, e convergindo com a ótica de alfabetização da criança descrito por Ferreiro, e que, desta forma, possa auxiliar no desenvolvimento cognitivo do indivíduo, especificamente das crianças, é pertinente trabalhar o ambiente de maneira que possa haver uma interação com o sujeito, fazendo com que esta interação ocorra de forma espontânea e que a criança se sinta convidada a experimentá-la de forma ativa. Esta ação pode ser trabalhada através de painéis e/ou cartazes com os conteúdos referentes às aulas, distribuídos pela sala de aula e que estejam ao alcance e de fácil acesso às mesmas; ou até mesmo através de painéis interativos, em que a criança poderá interferir diretamente nos conteúdos de tais painéis, podendo se divertir e aprender ao mesmo tempo, ressaltando que a criança possa ter um papel ativo nesta inter-relação com o meio, podendo, desta forma, desenvolver, juntamente com o conhecimento, a sua autonomia. Além disso, há a ressalva de que, como a criança passa a ter o papel de atuante principal, o espaço precisa colaborar com esta ação, e isto é possível ao se propor mobiliários que além de serem acessíveis para a faixa etária específica sejam abertos, deixando que as crianças possam ter liberdade suficiente para ir e vir neles; bem como propor mesas e assentos que possibilitem a flexibilidade no leiaute, podendo se adaptar juntamente com as aulas.


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2. Os PCNs e os parâmetros projetuais

Devido às pesquisas realizadas por Emília Ferreiro em sua obra ―A psicogênese da língua escrita‖ os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), direcionados tanto às escolas públicas quanto às escolas privadas, sofreram uma reformulação, consequentemente inserindo aspectos do construtivismo nos mesmos, buscando nortear os profissionais da área de Educação do Ensino Fundamental e Médio a criar uma relação de interdisciplinaridade nos conteúdos escolares educacionais, bem como desenvolver o relacionamento social, político, cultural, pessoal ético e cognitivo dos estudantes, objetivando, além de uniformizar o ensino no Brasil, melhorar a qualidade do mesmo (BRASIL, 1997). Ademais os trabalhos da psicolinguista também influenciaram, de maneira geral, na Educação do país, e mais especificamente na Educação Infantil (EDUCAR, 2013). Direcionado ao projeto de interiores, os PCNs informam sobre quais disciplinas são ministradas em cada série escolar, e desta forma orientando o projetista sobre o conteúdo escolar a ser estudado, influenciando nas decisões projetuais sobre a concepção da sala de aula. Igualmente influencia na elaboração do projeto de interiores ao informar que no início do desenvolvimento acadêmico da criança é pertinente que haja a interação entre os estudantes e o meio em que se encontram, trazendo a proposta de criar um ambiente em que as crianças possam interagir entre si e com a própria sala de aula, objetivando a troca e compartilhamento de informações. Paralelamente aos PCNs, porém com uma correlação, existe o Caderno Técnico I nº 3 do Programa Fundescola do MEC/1999, que orienta na correta aplicação de dimensionamentos e critérios ergonômicos dos mobiliários escolares, bem como sobre a aplicação das alturas para suportes de comunicação e mobiliários de armazenamento de materiais escolares adequadas a cada faixa etária, da mesma forma objetivando melhorar a qualidade do ensino, pois o conforto físico e psicológico afetam diretamente no rendimento da aprendizagem, tornando-se importante durante o processo de desenvolvimento cognitivo (BERGMILLER, SOUZA e BRANDÃO, 1999). Além do dimensionamento correto dos mobiliários escolares, há a aplicação da acessibilidade na sala de aula infantis, tornando o ambiente acessível a todas às crianças, sejam elas usuárias de cadeiras de rodas ou não, desta forma possibilitando a criança a se tornar mais ativa e autônoma, dando a liberdade suficiente para que usufrua tudo o que o ambiente tem a oferecer, considerando as medidas adequadas para a faixa etária (CARVALHO, 2008). Para haver ainda mais conforto para as crianças durante o processo de alfabetização, é pertinente trabalhar o conforto acústico da sala de aula,


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objetivando deixar o ambiente com o tempo ótimo de reverberação, realizando cálculos para esta finalidade, e desta forma evitando que haja a reflexão contínua dos sons no ambiente, causando os ―murmúrios‖ típicos e incômodos desses tipos de espaços, tornando o ambiente adequado para a realização das atividades didáticas a serem ministradas (CARVALHO, 2010). As cores possuem grande influência nas pessoas, no que diz respeito ao seu comportamento externo e interno. Quando usado em ambientes que estimulem o exercício tanto intelectual quanto físico, como no caso de escolas, por exemplo, precisam estar combinados de forma harmônica para que não haja desequilíbrio aos estímulos que cada cor se encarga (LACY, 1996). Trazendo a aplicação destes aspectos para um ambiente em que se trabalha com o desenvolvimento cognitivo, especialmente quando se trata de crianças, é pertinente que haja o uso tanto das cores quentes quanto das cores frias, pois estarão influenciando nos centros motor e intelectual das mesmas simultaneamente, já que as cores quentes – vermelho, amarelo e laranja – as deixarão mais agitadas, animadas e com mais vitalidade, enquanto as cores frias, azul, verde e violeta – estimularão a criatividade e a intelectualidade, provocando-as a ficarem mais reflexivas e introspectivas, havendo, desta forma, um equilíbrio para as ações dos estudantes, ajudando-as no desenvolvimento do conhecimento de forma harmônica (LACY, 1996).

3. Caracterização do objeto de estudo

Este trabalho tomou como objeto de estudo uma das salas de aula do 1º ano do Fundamental I da Escola Municipal de Ensino Fundamental Padre Pedro Serrão, localizada no bairro Cristo Redentor, na cidade de João Pessoa – PB. Esta sala de aula, no ano de 2016, é frequentada por uma turma com variação entre 15 e 18 estudantes, na faixa etária de 6 a 7 anos de idade, e 1 professora responsável pela turma. Em anos anteriores, esta mesma sala comportou turmas com números menores de estudantes, sem possuir muita variação neste quantitativo. A sala de aula em questão conta com uma área útil de 34,71m², onde comportam trinta e três carteiras escolares, uma mesa e uma cadeira destinada à professora da turma e um armário de alumínio para guardar os materiais escolares utilizados nas aulas, conforme é ilustrado na Figura 1.


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Figura 1. Layout atual da sala de aula infantil em estudo

Fonte: acervo dos autores.

A partir da Figura 2, observa-se que a sala de aula possui uma má distribuição no layout, devido à excessiva quantidade de carteiras escolares distribuídas pelo ambiente, tornando a área para circulação dos usuários com dimensões abaixo das mínimas recomendadas, segundo Pronk (2003). Ademais, o único armário existente na sala é insuficiente para o armazenamento dos materiais escolares, já que é no mesmo onde é guardado os materiais de todos os estudantes que são utilizados durante as aulas, assim como os pertences pessoais da professora. Percebe-se também que não há mobiliário onde as crianças possam depositar suas mochilas escolares, sendo optado por deixá-las ao lado das carteiras escolares, interferindo na pouca área de circulação existente.

Figura 2. Vista interna da sala de aula infantil a partir da porta de principal acesso.

Fonte: acervo dos autores.


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Figura 3. Vista interna da sala de aula infantil a partir da porta dentro da sala.

Fonte: acervo dos autores.

Figura 4. Vista interna da sala de aula infantil a partir da porta dentro da sala.

Fonte: acervo dos autores.

Conforme ilustram as Figuras 2 e 3, há má distribuição das carteiras no layout atual e pouco espaço para a circulação do ambiente, que é consequência da excessiva quantidade de carteiras escolares; também observa-se os três ventiladores distribuídos pelo local, bem como a disposição do quadro branco e a porta dentro da sala que é de acesso aos funcionários responsáveis pela limpeza. Percebe-se também que há dois pontos de luz no interior da sala, sendo estas luminárias compostas de duas lâmpadas fluorescentes tubulares brancas, que, mesmo que iluminem o ambiente


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quando é necessário utilizá-las, não são suficientes pois, ainda permanecem alguns pontos do espaço com penumbra. A partir das Figuras 2, 3 e 4 percebe-se que o revestimento do piso é em cerâmica branca, e as paredes também são revestidas com a mesma cerâmica até a altura do peitoril da janela, tendo o restante destas pintadas com tinta branca. Ademais do revestimento do piso e das paredes, a sala não possui laje ou algum tipo de forro, deixando, desta forma, as telhas e ripas à mostra e com duas medidas distintas de pé-direito, já que o telhado é inclinado. No que diz respeito ao estado de conservação destes elementos, tanto a cerâmica quanto o teto estão em boas condições, porém as paredes que estão pintadas com tinta branca apresentam manchas amarelas e de mofo, e em algumas partes a camada de tinta já está se destacando. A falta de um forro ou laje no teto, torna propícia uma maior entrada de poeira no ambiente, além de que, em dias de chuvas, às vezes, há pequenas aberturas nas telhas resultando em vazamento de água para o interior do ambiente, tendo a necessidade de adaptar a disposição das carteiras escolares devido à existência de goteiras. A Figura 4 mostra o espaço da professora, juntamente com o único armário do local, e carteiras escolares posicionadas mais próximas ao quadro branco para os estudantes que têm dificuldades para enxergar quando o conteúdo das aulas é exposto no mesmo. Além disso, também é possível observar a segunda porta de acesso à sala de aula infantil. Os mobiliários disponibilizados ao uso da professora da turma – mesa, cadeira e armário de alumínio –, estes apresentando um mal estado de conservação, estando desgastados e enferrujados.

Ademais, de todos os pontos mencionados anteriormente, a sala de aula infantil não possui espaços reservados para a exposição de trabalhos realizados pelas crianças e/ou cartazes destinados à exposição dos conteúdos ministrados durante as aulas, sendo assim não havendo uma mínima interação do meio com as crianças e as disciplinas ministradas nesta série escolar.

4. Resultado da entrevista com a professora

Através de entrevista semiestruturada realizada com a professora responsável pela turma da sala de aula infantil, foi possível considerar alguns aspectos pertinentes a serem aplicados, ou não, na elaboração da proposta final, tais como:


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- Durante as aulas de artes a professora informa que os estudantes possuem uma boa concentração, foco e entusiasmo, já que tratam-se de aulas em que há mais atividade manual, em que as crianças fazem seus trabalhos de forma mais autônoma e independente. - Os estudantes desta sala de aula, assim como os demais estudantes da escola, utilizam o banheiro comum do local, sendo acompanhadas pela professora, quando necessário. Diante disto, foi descartado a implantação de um lavabo para a utilização das crianças desta sala de aula infantil. - Devido ao excesso de carteiras escolares existentes na sala de aula, dificilmente há a possibilidade de realizar atividades em grupos, visto que quando ocorre isso o máximo é fazê-los em duplas, porém quando há a chance de acontecê-lo a professora relata que o desempenho das crianças é bem melhor. - Na sala de aula não há espaços reservados para a exposição dos trabalhos das crianças, sendo este um aspecto a ser considerado à aplicação para a proposta final, assim estarão em constante contato com o seu progresso na aprendizagem, tornando-se um aspecto incentivador nesta fase. - Nos dias que não é possível as crianças serem liberadas para a hora do recreio, as mesmas merendam e brincam em sala de aula, e após o horário reservado para isso, voltam às atividades normais da aula. - Quando é necessário manter portas e janelas da sala de aula fechadas, segundo a professora, as crianças reclamam de calor, que está escuro, pedem constantemente para abri-las novamente, e como consequência reduz a concentração e o rendimento, e devido a isto a professora da turma evita fechar as portas e as janelas. - Para armazenamento, a sala de aula possui apenas um armário para guardar os materiais escolares utilizados durante as aulas das crianças e os pertences pessoais da professora, sendo este insuficiente para a demanda da turma, além de que as mochilas escolares são postas ao lado das carteiras que estão sendo usadas, interferindo na circulação do ambiente.

4. Proposta final do anteprojeto

Como os usuários são crianças, e estas se identificam com cores vivas e lugares coloridos que transmitam características mais divertidas e vivazes, o conceito foi definido tirando proveito deste aspecto, colocando elementos na sala de aula que remetam à essa ideia e junção à proposta de leiaute em coerência com o processo de alfabetização da criança de Ferreiro. Logo, o


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conceito deste anteprojeto será a diversão. Com o conceito definido, foi realizado a proposta final para o leiaute da sala de aula mostrada na Figura 5. Propôs-se para a sala de aula um conjunto de mesas e cadeiras infantis que facilitassem na interação social das crianças, incluindo uma mesa para crianças cadeirantes, considerando que a mesma possa ter acesso livre a duas estantes próximas a si e à área de exposição de trabalhos escolares, assim tornando o ambiente acessível e trabalhando a inclusão para todas as crianças.

Figura 5. Proposta final.

Fonte: acervo dos autores.

As mesas e cadeiras são flexíveis pois, podem ser desmontadas, tornando-se individuais, possibilitando a relocação das mesmas de acordo com as atividades que venham a ser realizadas durante as aulas. Além disso, o ambiente ficou com uma boa área para a circulação dos usuários, deixando as crianças mais livres para agirem de forma ativa e autônoma, convergindo com as afirmativas de Ferreiro quando expõe que a criança é o sujeito ativo na aprendizagem, bem como foi proposto a utilização de estantes abertas destinadas ao armazenamento dos materiais escolares para que a criança possa ter a liberdade de ter acesso aos mesmos sempre que necessário, incentivando-a a ser mais autônoma e participativa. No fundo das estantes foram aplicados adesivos com as cores quentes e frias para proporcionar um ambiente mais descontraído e convergindo para o conceito de diversão definido anteriormente, além de possuir compartimentos na parte inferior para armazenar as mochilas escolares das crianças, estes aspectos podendo ser observado nas Figuras 6, 7 e 8.


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Figura 6. Proposta final para a sala de aula infantil

Fonte: acervo dos autores. Figura 7. Proposta final para a sala de aula infantil.

Fonte: acervo dos autores. Figura 8. Proposta final para a sala de aula infantil.

Fonte: acervo dos autores.


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Ao observarmos as Figuras 6 e 8, percebe-se a proposta de uma área para a exposição dos trabalhos das crianças entre as estantes feitas com varais e com a parede atrás pintada de verde com a aplicação de uma tinta de fundo magnético, tendo mais uma opção de exposição utilizando imãs. Além disso, há painéis temáticos distribuídos pela sala de aula, em que a criança pode montar por si mesma, palavras e operações simples de matemática, parecido a um quebra-cabeça, desta forma auxiliando no processo de alfabetização ao mesmo tempo em que a criança se diverte e age de forma ativa. Também foi trabalhado o local da professora, tendo uma mesa, uma cadeira e um armário de parede para guardar seus pertences pessoais, considerando o conforto e bem-estar de todos os usuários. Ademais, destes aspectos, foi proposto a mudança nas esquadrias da sala de aula, podendo ter uma maior entrada de luz e ventilação natural para o ambiente. Para o teto da sala de aula foi feito o desenho da amarelinha, trazendo mais um ponto de diversão para o ambiente. Para a proposta final, buscou-se a utilização equilibrada das cores quentes e frias, tornando o ambiente mais atrativo para as crianças, harmonizando as cores vivas para transformar a sala de aula em um local agradável de se estar, remetendo-se à natureza ao colocar forma de arbustos nos painéis temáticos e o desenho do sol por trás da lousa branca. Conforme mostram as Figuras 6, 7 e 8, há painéis temáticos distribuídos pela sala de aula, em que a criança pode montar por si mesma palavras e operações simples de matemática, parecido a um quebra-cabeça, desta forma auxiliando no processo de alfabetização ao mesmo tempo em que a criança se diverte e age de forma ativa. Também foi trabalhado o local da professora, tendo uma mesa, uma cadeira e uma armário de parede para guardar seus pertences pessoais, considerando o conforto e bem-estar de todos os usuários. Ademais destes aspectos, foi proposto a mudança nas esquadrias da sala de aula, podendo ter uma maior entrada de luz e ventilação natural para o ambiente. Para o teto da sala de aula foi feito o desenho da amarelinha, trazendo mais um ponto de diversão para o ambiente. Buscou-se a utilização equilibrada das cores quentes e frias, tornando o ambiente mais atrativo para as crianças, harmonizando as cores vivas para transformar a sala de aula em um local agradável de se estar, remetendo-se à natureza ao colocar forma de arbustos nos painéis temáticos e o desenho do sol por trás da lousa branca. A acessibilidade foi um aspecto relevante nesse trabalho, ao se inserir um espaço com mesa, destinado a uma criança portadora de cadeiras de rodas (PCR), facilitando sua locomoção com autonomia por toda a sala, já que sua localização está próxima aos principais acessos, como: a


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professora, o painel e a entrada\saída da sala de aula, como podemos ver na figura 5 no ítem 3 da legenda.

Considerações finais

Conclui-se que a elaboração de um projeto de interiores para as salas de aula correlacionado com a metodologia pedagógica a ser aplicada influencia na qualidade das atividades realizadas em uma sala de aula, enriquecendo, desta forma, a autora deste anteprojeto e futuros Designers de Interiores que venham trabalhar na área da Educação Infantil com base em pressupostos epistemológicos do construtivismo descritos por Emília Ferreiro, podendo beneficiar e enriquecer as próprias escolas e estudantes que possam obter um ambiente trabalhado desta forma. Ademais é pertinente considerar os aspectos de interação social nas práticas educacionais e o meio em que a criança se encontra, estes sendo fatores influenciadores para o desenvolvimento cognitivo da criança, possibilitando que a mesma se torne a personagem principal e sujeito ativo deste processo.

Referências

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FERRARI, Márcio. Emilia Ferreiro, a estudiosa que revolucionou a alfabetização. Nova Escola. Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/linguaportuguesa/alfabetizacao-inicial/estudiosa-revolucionou-alfabetizacao423543.shtml>. Acesso em 16 jul. 2012. JOÃO PESSOA. Censo Escolar comprova crescimento nas matrículas da Educação Infantil. Prefeitura Municipal de João Pessoa, João Pessoa, 26 fev. 2014. Disponível em: <http://www.joaopessoa.pb.gov.br/censo-escolar-comprovacrescimento-nas-matriculas-da-educacao-infantil/>. Acesso em 20 ago. 2014. LACY, Marie Louise. O poder das cores no equilíbrio dos ambientes. 4ª ed. São Paulo: Pensamento, 1996. 144 p. il. MELLO, Márcia Cristina de Oliveira. O pensamento de Emilia Ferreiro sobre alfabetização. Revista Moçambras: acolhendo a alfabetização nos países de língua portuguesa, São Paulo, ano 1, n. 2, 2007. Disponível em: <http://www.mocambras.org>. Acesso em 26 ago. 2014. PIAGET, Jean. Psicologia Construtivista e Sócio-Interacionista: Espistemologia Genética de Jean Piaget, 2012. REIS, Thiago; MORENO, Ana Carolina. Maioria das escolas públicas não tem acessibilidade nem rede de esgoto. In: Canal de notícias G1, São Paulo, 18 jul. 2014. Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2014/07/maioria-dasescolas-publicas-nao-tem-acessibilidade-nem-rede-de-esgoto.html>. Acesso em 27 ago. 2014.


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BRINQUEDOTECA PARA CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: UMA PROPOSTA DE DESIGN DE INTERIORES Samara Coeli Paiva Téjo8 Aarão Pereira de Araújo Junior9

Introdução A brinquedoteca é um espaço que pode ser encontrado em vários lugares, como shopping centers, escolas, hospitais e até mesmo em residências. Nela se encontra uma grande variedade de brinquedos, além de livros, jogos e outros objetos. O seu objetivo pode variar por local: em uma escola o objetivo é pedagógico, em um shopping ele é proporcionar diversão e lazer para as crianças, além do lado comercial, e em clínicas terapêuticas, hospitais e/ou casas de apoio auxiliam no aprendizado de crianças portadoras de deficiências físicas, mentais ou comportamentais. Tudo isso, além de proporcionar o que foi citado acima, acrescenta também cultura na mente de cada criança e a capacita para desenvolver atividades coletivas. Esses espaços são locais que têm o intuito de estimular crianças a brincarem livremente, estimulando a criatividade e a apreciação de certas atividades. Neste ambiente tem-se a possibilidade e potencialidade para ampliar trabalhos sérios e acentuados para as crianças através da brincadeira. É aconselhada para crianças de diferentes faixas de idade, independentemente de qualquer termo. É um ambiente que pode ser um recinto ou uma casa, pode ser simples ou incrementado. O importante é que ofereça às crianças qualidade, para que possam desempenhar seu direito de brincar, respeitando em cada uma delas a sua fase de desenvolvimento. Percebe-se o quão importante é uma brinquedoteca para a educação, um meio essencial para a construção da aprendizagem pelas crianças, principalmente quando está relacionado à realização de atividades lúdico-pedagógicas. A criança portadora de necessidades especiais encontra em sua difícil realidade, uma enorme falta de elementos que a faça interagir com o mundo real ou mesmo com outras crianças. A brinquedoteca poderá ajuda-la nesse processo, ao mesmo tempo em que promove o desenvolvimento do lado cognitivo, por promover atividades recreativas voltadas também ao aprendizado, como leituras, fantoches, desenhos, dentre outros, além de desenvolver o poder do raciocínio e capacidade de pensar. Porém, mesmo comprovado cientificamente a importância das atividades lúdicas para as crianças, ainda há ausência de ambientes ideais que se estimule o brincar livremente, assim, desenvolvendo suas capacidades e colaborando para seu desenvolvimento. Nesse contexto, surge a necessidade de ambientes próprios e adaptados para que a criança possa brincar 8

Graduada em Designer de Interiores – Instituto Federal da Paraíba. Email: samara.tejo@gmail.com 9 Pós-doutorando em Artes Visuais UFPB/UFPE. Doutor e Mestre em Educação pelo PPGE/UFPB. Professor do Curso de Design de Interiores do Instituto Federal da Paraíba. Email: aaraoaraujo@yahoo.com.br


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livremente, para que, além de oferecer desenvolvimento sensório-motor e cognitivo, ofereça também o desenvolvimento para sua criatividade, imaginação e autoestima. O designer de interiores, por sua vez, pode contribuir na criação do projeto com base em referências científicas, buscando criar alternativas e oferecer soluções no desenvolvimento psicomotor dos usuários, tornando o espaço acessível e ergonômico, promovendo bem estar às crianças em tratamento, de acordo com cada necessidade apresentada. A motivação pela escolha da proposta surgiu após constatar a ausência de ambientes de recreação adequados para crianças com deficiência, que venham realizar atividades lúdicas, voltadas para áreas afetivas, cognitivas e psicomotoras das crianças, proporcionando um maior e melhor desenvolvimento. A proposta para a brinquedoteca da Fundação Centro Integrado de Apoio ao Portador de Deficiência (FUNAD) será um espaço lúdico para realização de fins terapêuticos, onde a criança vai poder desenvolver o relacionamento com as pessoas e com os objetos e, dessa forma, trabalhar as atividades cognitivas, aspectos perceptivos e as atividades de vida diária. Foi visualizada na FUNAD, a falta de um ambiente adaptado, onde as crianças possam brincar e desenvolver suas potencialidades, diante de suas deficiências. Sendo assim, o designer de interiores em sua atuação, como profissional projetista, deve ser um dos portadores desta providência, através de seus projetos, proporcionando a essas pessoas uma melhor qualidade de vida, bem estar e conforto. O profissional da área, por sua vez, pode contribuir, satisfazendo as necessidades do usuário em relação ao ambiente, deixando o espaço confortável, visando auxiliar no processo do tratamento das crianças. Dessa forma, o objetivo geral deste trabalho é apresentar o anteprojeto de interiores de uma Brinquedoteca voltada para crianças com deficiência intelectual para a Fundação Centro Integrado de Apoio ao Portador de Deficiência (FUNAD), da cidade de João Pessoa/PB. Especificamente, pretendeu-se: entender as necessidades das crianças com deficiência; caracterizar as necessidades dos funcionários e das crianças com deficiência no ambiente em estudo; e, desenvolver layout específico e indicar mobiliários e brinquedos adequados. Na metodologia para realização deste trabalho, foram feitos: pesquisa bibliográfica; levantamento físico do local pesquisado; coleta de dados; como entrevistas com usuários e monitores; análise dos dados para obtenção do programa de necessidades e, o desenvolvimento da proposta projetual.

1. Brinquedoteca A brinquedoteca surgiu no século XX, mais especificamente na década de 1930, nos Estados Unidos. Funcionava como uma espécie de empréstimo


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para quem quisesse utilizar os brinquedos. Com o tempo a ideia começou a se expandir e chegou a Europa, onde se tornou parecida com o que hoje, um recinto para crianças utilizarem os brinquedos, principalmente para orientar e estimular o aprendizado, eram montadas principalmente em hospitais infantis. As crianças motivadas pelo brincar, aceitavam melhor o tratamento e logo sua alta acontecia com maior rapidez. Era agradável também aos acompanhantes das crianças que verificavam neles maior aceitabilidade e progresso ao tratamento na clínica. A primeira brinquedoteca do Brasil, criada com base nas internacionais, foi em 1973, na APAE – Associação de Pais e Excepcionais – que é uma instituição voltada para pessoas com necessidades intelectuais. Em 1986, na mesma APAE, foi iniciado o projeto ―Brinquedoteca Terapêutica‖, que atende centenas de crianças com deficiência intelectual (CUNHA, 2007).

Segundo Cunha (2007), a primeira brinquedoteca na qual se desenvolveu a proposta de emprestar brinquedos foi criada em Estocolmo, na Suécia, em 1963, por duas professoras e mães de crianças com necessidades especiais. Nomeada “Lekotek”, ou seja, ―Ludoteca‖, tinha o objetivo de orientar os pais na estimulação do desenvolvimento de seus filhos. A partir de 1967 surgiram na Inglaterra as Toy Libraries ou Bibliotecas de Brinquedos, que iniciaram com empréstimos de brinquedos, e posteriormente foram expandidas para outras finalidades como: orientação educacional e de saúde mental, estimulação precoce, estímulo à socialização e memória cultural do lúdico nos grupos sociais. A Associação Brasileira de Brinquedoteca (ABBri), afirma que esses espaços são ambientes que possuem o objetivo de estimular crianças a brincarem livremente, estimulando a criatividade e a apreciação de certas atividades. Neste ambiente se tem a probabilidade e potencialidade para ampliar trabalhos sérios e acentuados para as crianças através da brincadeira. O importante é que ofereça às crianças qualidade, para que possam desempenhar seu direito de brincar, respeitando em cada uma delas a sua fase de desenvolvimento. A ABBri também afirma que as brinquedotecas são espaços mágicos, destinados ao brincar das crianças, deixando claro que não podem ser confundidas com um conjunto de brinquedos ou depósito de crianças, pois a mesma tem como objetivo específico ações sociais, como atividades terapêuticas, educacionais, lazer, entre outros. As brinquedotecas tem a função de enriquecer as relações familiares, socializar, estimulando as atividades individuais e coletivas, estimular a atenção e concentração, permitir maior autonomia da criança, desenvolver a inteligência e a criatividade, incentivar o desenvolvimento da responsabilidade, valorizar o brinquedo como meio de desenvolvimento intelectual e social, independentemente do tipo e local onde estejam organizadas.


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2. Tipos de brinquedotecas De acordo com Kishimoto (1998), as brinquedotecas podem ser classificadas em: a. Brinquedotecas escolares: organizadas em um determinado setor de escola, onde os alunos brincam, escolhem jogos e brinquedos desejados, possuindo a função pedagógica; b. Brinquedotecas comunitárias: atendem a determinadas comunidades, funcionando em um caminhão ou ônibus que leva brinquedos a diferentes locais. Ficam estacionados por um determinado tempo, onde as crianças tem acesso a diversos brinquedos, proporcionando a criança um espaço para expressar a cultura infantil e permite a integração social. É mantido por prefeituras, associações ou associações sem fins lucrativos; c. Brinquedotecas hospitalares: instaladas em um determinado setor de hospital, onde crianças hospitalizadas tem à disposição brinquedos, que podem ser levados ou não para seus leitos, dependendo da situação clínica de cada paciente. Assim, a brinquedoteca hospitalar auxilia na recuperação das crianças e amenizam o trauma psicológico da hospitalização através de brincadeiras e atividades lúdicas; d. Brinquedotecas universitárias: organizadas em ambiente universitário para funcionar como uma biblioteca de brinquedos e materiais pedagógicos, para uso dos profissionais da educação e pesquisadores. Tem o objetivo de disponibilizar subsídios para prática pedagógica através dos brinquedos, assim desenvolvendo pesquisas que apresentem a importância de brinquedos e jogos para educação. Brinquedotecas em bibliotecas: são organizadas e mantidas por bibliotecas, sejam elas públicas ou particulares. Nas públicas, geralmente, são instituídas através de campanhas de doações de brinquedos. É um espaço utilizado para que as crianças tenham possibilidade de brincar com brinquedos artesanais, feitos os eletrônicos; e. Brinquedotecas para crianças com deficiência: organizadas em clínicas psicológicas, centros culturais, centros de apoio, brinquedotecas temporárias, entre outros. Destinada à crianças com deficiência física, visual, auditiva ou intelectual, com fins terapêuticos. Em clínicas terapêuticas, eles auxiliam no tratamento de deficiências, geralmente com brinquedos adaptados. Já em clínicas psicológicas, ajudam a coletar dados acerca do comportamento de crianças e facilitam possíveis intervenções. O espaço deve oferecer segurança e comodidade, assegurando e estimulando o brincar (KISHIMOTO, 1998).


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3. Deficiência Conforme o Decreto Federal nº 3298 (1999), deficiência é toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica de um indivíduo, que gera a incapacidade no desenvolvimento de atividade dentro do padrão considerado normal para o ser humano. E de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) a deficiência é definida como limitações significativas ao nível de atividade e de participação em um ou mais domínios de vida, resultantes de alterações funcionais e estruturais de caráter permanente, assim, resultando em dificuldades com a comunicação, mobilidade, autonomia, aprendizagem, participação social e relacionamento interpessoal. Pessoas com deficiência, são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual, sensorial, onde, em interações com diversas barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades e condições com as demais pessoas. A pessoa deficiente pode ser portadora de deficiência única ou de deficiência múltipla (associação de uma ou mais deficiências). As várias deficiências podem agrupar-se em cinco conjuntos distintos, são eles: ● Deficiência Física; ● Deficiência visual; ● Deficiência motora; ● Deficiência mental; ● Deficiência auditiva.

3.1 deficiência física Deficiência Física é a alteração completa de um ou mais segmento do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física. Suas causas são diversas e podem estar ligadas a problemas genéticos, complicações na gestação, em doenças infantis ou acidentes. A Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (1975) define deficiente físico como: uma pessoa incapaz de assegurar, por si mesma, total ou parcialmente as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades físicas. As crianças com deficiência física, em geral, têm dificuldades para escrever, em função do comprometimento da coordenação motora. O aprendizado pode se tornar um pouco lento, mas, exceto nos casos de lesão cerebral grave, a linguagem é adquirida sem grandes empecilhos. De acordo com Gugel et al (2001), são os seguintes tipos de deficiência física existentes, conforme vistos no quadro 1:


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Quadro 1 – Tipos de deficiência física

Adaptado de Gugel, 2001

3.2 deficiência intelectual É quando o funcionamento intelectual é significativamente inferior à média, se manifestando antes dos 18 anos com limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, como cuidado pessoal, saúde, segurança, habilidades acadêmicas, habilidades sociais, comunicação, assim também como lazer e trabalho. A APAE/SP afirma que essa deficiência é resultado de uma alteração no desempenho cerebral (a maioria das vezes), que podem ser provocadas por fatores genéticos (a mais comum), distúrbios em gestações, problemas no parto ou após o nascimento. Podendo haver também a possibilidade dessa alteração não apresentar uma causa conhecida ou identificada. Suas principais características são: falta de concentração, entraves na comunicação e na interação e menor capacidade para entender a lógica de funcionamento das línguas, por não compreender a representação escrita ou necessitar de um sistema de aprendizado diferente. 4. Parâmetros projetuais para uma brinquedoteca De acordo com Voitilli (2012), uma brinquedoteca não precisa ser muito grande, mas que seja um local acolhedor e apropriado para acomodar a criançada de diferentes faixas etárias. Não existe local ou dimensão mínima


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para um ambiente de lazer infantil. Um pequeno espaço dentro do quarto da criança pode ser muito bem aproveitado se tiver um layout apropriado.

Quadro 2 - Parâmetros projetuais para uma brinquedoteca

Fonte: Adaptado de VOITILLI (2012).

5. Princípios do design universal Desenho universal se resume em gerar objetos, equipamentos e estruturas do meio físico que venham a ser utilizados por todas as pessoas, tornando-os utilizáveis pelo maior número de pessoas possíveis. Com o objetivo de simplificar a vida de todos independentemente da idade, estatura, ou capacidade, sejam elas deficientes ou não, possibilitando de integrar-se totalmente numa sociedade inclusiva. De acordo com Cambiaghi (2007), o Desenho Universal não é uma tecnologia direcionada apenas aos que necessitam, e sim desenhado para todas as pessoas. Tem como princípio evitar a necessidade de ambientes e produtos especiais para pessoas com deficiências, assegurando que todos possam utilizar com segurança e autonomia os diversos espaços, objetos e equipamentos construídos. O Desenho universal obedece a sete princípios básicos, onde suas diretrizes podem ser aplicadas para avaliar projetos existentes, orientar novos


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projetos de arquitetura e design: equiparação nas necessidades de uso; flexibilidade no uso; uso simples e intuitivo; informação perceptível; tolerância ao erro; mínimo esforço físico; dimensionamento de espaços para acesso e uso de todos. 6. Acessibilidade De acordo com a Lei n° 10.098 (2000), acessibilidade significa dar às pessoas com deficiência, condições para utilizarem e alcançarem espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, transportes, edificações e sistemas de meio de comunicação, com segurança e autonomia. Acessibilidade são as condições e possibilidades de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de edificações públicas, privadas e particulares, seus espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, proporcionando a maior independência possível e dando ao cidadão deficiente ou àqueles com dificuldade de locomoção, o direito de ir e vir a todos os lugares que necessitar, seja no trabalho, estudo ou lazer, o que ajudará e levará à reinserção na sociedade. A NBR 9050 (2015) estabelece diversas medidas padrões, entre elas referente à pessoas cadeirantes, utilizando um módulo de referência, que é a projeção de 0,80 m por 1,20 m no piso, conforme a figura 1. Figura 1: Módulo de referência

Fonte: ABNT NBR 9050 (2015).

Segundo Cambiaghi (2007), ao se considerar essa área para cadeira de rodas sem deslocamento sob os mobiliários do tipo mesa, tampo de pias, etc., é necessário prever altura livre de, no mínimo, 0,73m do piso. A área de transferência constitui-se na área para que uma pessoa utilizando cadeira de rodas possa se posicionar próxima ao objeto para o qual se transferirá, onde a área de projeção deve ser de 0,80m por 1,20m, como já visto na figura 1.


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7. Ergonomia Ergonomia é o estudo do relacionamento entre o homem e o seu trabalho, equipamento e ambiente, e particularmente aplica os conhecimentos da anatomia, fisiologia e psicologia para solucionar problemas sugeridos desse relacionamento (Ergonomics Research Society apud Iida, 2005). Há diversos estudos sobre a ergonomia e, geralmente, esses estudos se baseiam em análises fisiológicas para examinar as atividades musculares envolvidas nas posturas; porém, ―essas medidas fisiológicas e anatômicas explicam apenas parcialmente o fenômeno do conforto, que é muito mais complexo, envolvendo diversas outras variáveis‖ (Iida, 2005). Ainda de acordo com Iida (2005), cerca de 20% da população brasileira apresenta algum tipo de deficiência, são elas sensoriais (visual, adutiva), motoras (locomoção) ou mentais (retardo mensal), como também podem ser temporárias (causadas por acidente). O mesmo autor enfatiza que muitos trabalhos em ergonomia têm focalizado o problema dos portadores de deficiências, com os seguintes objetivos: procurando adaptar os equipamentos (aparelhos eletrodomésticos, carros, transportes coletivos), construção civil (casas e apartamentos) e vias públicas (rampas), e, procurando desenvolver novos aparelhos, equipamentos e dispositivos que visem superar essas deficiências. 8. Antropometria infantil Antropometria é a ciência de medida do tamanho corporal. É o ramo das ciências biológicas que tem como objetivo o estudo das medidas do corpo. Existem dois tipos de medidas antropométricas: as medidas estáticas, que se referem ao corpo parado; e as medidas dinâmicas, que registram os movimentos, a fim de medir seu alcance. Escolhem-se os segmentos e posições a serem medidos de acordo com a necessidade. Por exemplo, não há necessidade de se fazer medidas em pé, se o posto de trabalho é sentado. A partir dos dados obtidos com as medições, são montados perfis antropométricos. Para o referido projeto, o dimensionamento antropométrico, que atenda às necessidades das crianças usuárias do ambiente, com faixa etária de 7 a 14 anos, com ou sem algum tipo de mobilidade física, foi baseado em medidas padrões de acordo com Dreyfuss &Associates (2008). Devido à dificuldade de se encontrar um padrão antropométrico para crianças cadeirantes, já que a NBR 9050 trata do indivíduo adulto, adaptou-se as medidas padrões de crianças com 10 anos, mulher baixa e menino de 14 anos, para os respectivos percentis de 5%, 50% e 95%. As medidas de altura estão no quadro 5. Para as outras medidas de alcance, ficou definido o percentil 50%. Através desses dados, foi dado os percentis, como mostra o quadro 3:


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Quadro 3 – Percentis antropométricos utilizados

9. Resultados 9.1 caracterização do ambiente estudado O ambiente em estudo localiza-se na Fundação Centro Integrado de Apoio ao Portador de Deficiência - FUNAD, no Conjunto Pedro Gondim, em João Pessoa/PB. A FUNAD é um Órgão do Governo do Estado da Paraíba, vinculada à Secretaria Estadual de Educação, sendo uma referência no serviço de Habilitação e Reabilitação nas quatro áreas de deficiência (visual, auditiva, física e intelectual). Atende a pessoas gratuitamente de todas as idades que possuam algum tipo de deficiência, seja ela permanente ou temporária (Intelectual, visual, auditiva, física, múltipla, acidentados do trânsito, do trabalho, pessoas com transtornos globais do desenvolvimento TEA Transtorno do Espectro Autista e pessoas com altas habilidades/superdotação). A brinquedoteca da FUNAD é instalada na Coordenadoria de Atendimento à Pessoa com Deficiência Intelectual – CODAM, que tem como objetivo minimizar as limitações e aumentar o potencial interno, assim, encontrando talentos em diferentes áreas, conseguindo incluir socialmente e profissionalmente as pessoas com deficiência intelectual. Figura 2 – Planta baixa atual da Brinquedoteca da FUNAD

Fonte: acervo dos autores


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Parte dos mobiliários que o ambiente possui, foram obtidos através de doações, portanto alguns deles não apresentam bom estado, estando uns quebrados, outros enferrujados, e até mesmo estando com dimensões desproporcionais aos seus usuários. Mesas com bancos de plástico, e mesas e cadeiras de alumínio, com pouco conforto. Área para assistir TV é pequena e desconfortável, o mobiliário é inadequado para crianças acima de 10 anos. Estantes para armazenamentos de materiais inadequados, quinas vivas existente em prateleira de brinquedos e mesa de atividades Figura 3 – Aspecto geral da Biblioteca da FUNAD.

Fonte: acervo dos autores

A brinquedoteca é voltada para crianças com deficiências intelectuais (apenas Déficit Intelectual Leve e Moderado), com faixa etária de 7 à 14 anos. Recebe cerca de 48 alunos por dia, sendo 6 à cada atendimento de 45 minutos. Seu funcionamento é de Segunda à Sexta-feira, de 07 às 17h. O serviço é prestado por duas reabilitadoras formadas em educação especial. Suas principais atividades são: jogos (dominós, memória, forma-palavras, quebra-cabeça), desenhos, pinturas, leituras de fábulas, faz de conta, fantoches, filmes e desenhos animados. 9.2 programa de necessidades Através da entrevista feita com as reabilitadoras da brinquedoteca e das análises feitas no local, foi definido o programa de necessidades para o ambiente em questão, visando uma melhor distribuição dos mobiliários e equipamentos a serem utilizados, setorizando as atividades realizadas, de acordo com a idade e necessidades dos usuários. As necessidades apresentadas foram:


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● Mobiliário adaptado aos seus usuários; ● Layout bem elaborado, possuindo espaços livres; ● Mobiliário funcional; ● Piso antiderrapante; ● Mesas baixas com cantos arredondados; ● Disposição de cores que estimulem os sentidos.

9.3 Apresentação da proposta Tendo em vista a importância da brinquedoteca para os usuários da FUNAD, esse trabalho tem como proposta de anteprojeto de interiores um ambiente acessível e ergonômico, adaptado à antropometria de seus usuários, visando proporcionar conforto e bem-estar. Foi utilizado a acessibilidade como conceito principal do anteprojeto e a utilização de duas cores especificas, escolhidas através dos seus significados psicológicos. A acessibilidade significa incluir a pessoa com deficiência na participação de atividades como o uso de produtos, serviços e informações. Assim, a proposta do anteprojeto foi totalmente pensada para acolher um deficiente de forma correta, deixando espaços necessários para acesso de um cadeirante, utilizando alturas adequadas em seu mobiliário, que possa se adequar a uma criança com estatura menor ou maior. As cores escolhidas foram laranja e verde, predominantes no ambiente tornando-o mais harmonioso e estimulando a criatividade. Figura 4 – Proposta de novo layout para a Brinquedoteca da FUNAD

Fonte: acervo dos autores


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Seguindo os parâmetros da acessibilidade e ergonomia, foram propostos espaços direcionados à cada atividade realizada. Todo mobiliário foi elaborado, adaptado às necessidades dos seus usuários e garantindo segurança, como por exemplo, eliminando todas as quinas vivas, evitando possíveis acidentes. Figuras 5 - Aspecto geral do ambiente proposto

Fonte: acervo dos autores

Figura 6 - Aspecto geral do ambiente proposto

Fonte: acervo dos autores

Foi indicado um ambiente com pouco mobiliário, utilizando apenas o necessário para que as crianças tenham espaço e liberdade para brincar. Predominou o uso de puffs, por ter maior facilidade de mudanças sempre que necessário, até mesmo esta ser realizada pelas próprias crianças. Entre esses puffs, encontra-se do tipo baú com rodízio, para armazenamento de brinquedos, proporcionando autonomia aos pequenos, estimulando que os mesmos façam suas próprias organizações de maneira fácil e rápida. Além disso, o ambiente permite o livre acesso de uma criança cadeirante ou com pouca mobilidade, respeitando os espaços para giro de uma cadeira de rodas, conforme a NBR 9050.


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Considerações finais Na brincadeira, a criança aprende a superar seus medos. Portanto é de grande importância que exista uma brinquedoteca disponível, com sua ambientação adequada, onde possa desenvolver a criatividade dos usuários que a procuram. O ato de brincar pode ser de muita utilidade para o desenvolvimento intelectual e psicológico delas, através de jogos, brinquedos e livros infantis. Tudo isso contribui não só para o desenvolvimento físico, mas para a formação como pessoa dentro de uma sociedade onde as pessoas com deficiência ainda não tem o devido tratamento. Esse fator foi de suma importância para a decisão de melhorar as condições atuais da brinquedoteca que a FUNAD disponibiliza para seus pacientes, tornando o lugar melhor para aqueles que necessitam utilizar esse espaço. Visando atender as dificuldades e as necessidades apresentadas pelas crianças, o anteprojeto procurou minimizar os problemas encontrados, enfocando em soluções projetuais adequada. Baseado no programa de necessidades e na metodologia aplicada, essa mudança passa primeira e principalmente, pela acessibilidade, que muitas vezes passa despercebida, mas que é essencial para o ambiente que será usufruído por crianças portadoras de deficiências. Prova constatadora do que foi afirmado é o fato da brinquedoteca não dispor dessa tão importante característica em seu espaço. Para incrementar a melhoria da acessibilidade, utilizou-se da ergonomia, adequando ao máximo o ambiente às necessidades das crianças que o frequenta, nesse caso crianças deficientes intelectuais. Com mobiliário adaptado à antropometria considerada e seguindo as normas de acessibilidade, o aspecto em relação à segurança também foi um ponto tratado no anteprojeto. Não menos importante, pode-se destacar a mudança estética do espaço, como a utilização de papel de parede, piso vinílico e a grande variação de cores torna a sala um espaço mais infantil, passando essa sensação tanto para adultos, quanto para as crianças tratadas na FUNAD. Acima de tudo, a brinquedoteca leva a criança portadora de deficiência a um mundo de possibilidades, de como se divertir, aprender e agregar valores culturais e éticos ao mesmo tempo, através do uso de televisão, livros, brinquedos, jogos e outros, que levam a criança a um tipo de aprendizado mais significativo. Referências ABNT - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR-9050: Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro: ABNT, 2015. BRASIL. Decreto n° 99.710, de 21 de Novembro de 1990. Promulga a Convenção sobre os Direitos da Criança. Lex: coletânea de legislação: edição federal, Brasília,


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DF, 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/19901994/D99710.htm Acesso em: 10 de Janeiro de 2016. CAMBIAGHI, Silvana. Desenho Universal: métodos e técnicas para arquitetos e urbanistas. São Paulo, 2007. CUNHA, Nylse Helena Silva. Brinquedoteca: um mergulho no brincar. São Paulo: Ground, 2007. GUGEL, Maria Aparecida. CASAGRANDE, Cássio Luís. ANDRADE, Denise Lapolla de Paula Aguiar Andrade. COLLO, Janilda Guimarães de Lima. LORENTZ, Lutiana Nacur. FONSECA, Rocardo Tadeu Marques. CÉSAR, João Batista Martins. A Inserção da pessoa Portadora De Deficiência e do Beneficiário Reabilitado no Mercado de Trabalho. Ministério Público do Trabalho, 2001. Disponível em: http://www.pgt.mpt.gov.br/publicacoes/manual_ppd.pdf Acesso em: 25 de Abril de 2016. IIDA, Itiro. Ergonomia: Projeto e Produção. São Paulo: Edgard Blucher, 2005. KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Brinquedos e materiais pedagógicos nas escolas infantis. Educação e Pesquisa, 1998. VOITILLI, Nadine. Brinquedotecas: tipos e funções. 2012. Disponível em: http://www.cliquearquitetura.com.br/artigo/brinquedotecas-tipos-e-funcoes.html Acesso em: 27 de Abril de 2016.


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ANTEPROJETO DE DESIGN DE INTERIORES DE UMA BIBLIOTECA INFANTIL ITINERANTE EM MÓDULOS DE CONTAINERS DE 20 PÉS10 Ângela Mayara de Souza Oliveira 11 Paulo Sérgio Araújo Peregrino12

Introdução

A história da biblioteca institui-se logo após surgimento da escrita na antiguidade, pois o homem desejava registrar seu desenvolvimento cultural e sua vivência. Então, para preservar estes registros, conservar e dissemina-los, teve-se como consequência a criação das bibliotecas. No Brasil, a trajetória das bibliotecas, segundo DA SILVA(2009), pode ser dividida em três fases. Inicia-se no século XVIII com a chegada das ordens religiosas dos beneditinos, franciscanos e jesuítas e possuem caráter privado para o clero. Logo após, a vinda da Família Real Portuguesa, acompanhada por um acervo de mais de 60 mil livros instaura no País a Biblioteca Nacional, destinada ao uso dos nobres. E, em 1811 na Bahia, foi inaugurada a primeira biblioteca pública do País. A biblioteca pública é uma instituição social, promovida pelo poder público, a qual dispõe livre acesso para todos os públicos e acervo diversificado de literatura, conteúdo informacional político, econômico e regional. Possui como finalidade ser fonte de informação, conhecimento e proporcionar desenvolvimento intelectual e social. Segundo descrito no MANIFESTO DA UNESCO (1994) ―A biblioteca pública, porta de entrada para o conhecimento, proporciona condições básicas para a aprendizagem permanente, autonomia de decisão e desenvolvimento cultural dos indivíduos e grupos sociais‖ Neste contexto, é possível constatar que as bibliotecas têm uma função importante na formação do ser humano, tornandose essencial para o processo educacional das crianças e adolescentes da comunidade em que estão inseridos. Sabe-se que crianças e adolescentes são o futuro da sociedade, portanto, é pertinente despertar o interesse do público infantil pela leitura, proporcionar conhecimento, ampliar os conceitos e visão de mundo, como também melhor conhecer a língua portuguesa. Então, como fator contribuinte, em 1934 foi instituída por Cecília Meireles, a primeira biblioteca infantil do Brasil: O Pavilhão Mourisco no Rio de Janeiro (Martins, 2014). É notório que estas bibliotecas especializadas em literatura infantil, necessitam ser espaços atrativos para esse público, onde um projeto adequado de design de interior pode contribuir e 10

Artigo referente ao trabalho de conclusão de curso de Tecnologia em Design de Interiores do INSTITUTO FEDERAL DA PARAÍBA(IFPB). 11 Autora. Graduanda no Curso Superior de Tecnologia em Design de Interiores do IFPB. angelamsouza_@hotmail.com. 12 Orientador. Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Paraíba (1989), mestrado em Engenharia Urbana pela Universidade Federal da Paraíba (2005) e Doutorado pelo Programa de Pós Graduação em Engenharia Civil da UFRGS (2014). Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba.


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tornar esse primeiro contato com os livros o mais agradável possível e atingir um de seus maiores objetivos que é fazer da criança um usuário constante e atuante em bibliotecas. Entretanto, o acesso a literatura adequada necessita de iniciativas mais concretas que tragam resultados mais incisivos. Segundo Bambeger (2008, p. 50), a ―oportunidade de ler‖ ou a ―disponibilidade de livros‖, representa um papel decisivo no despertar interesses pela leitura. Para isso existem projetos que propõem amenizar as lacunas nesse âmbito, como as bibliotecas comunitárias ou populares. A biblioteca popular caracteriza-se por surgir da vontade, necessidade e trabalho de uma comunidade; ela emerge do esforço de pessoas que lutam juntas, tendo como principal objetivo realizar um trabalho baseado na proposta de transformar a realidade vigente. Essas bibliotecas, normalmente, aparecem em bairros onde vivem pessoas de uma classe social menos favorecida, com experiências de lutas sociais (BADKE, 1984, p. 18). Uma destas inciativas que tem demonstrado resultado satisfatório são as bibliotecas circulantes ou itinerantes (BI) que conforme Silva e Silva, (2005) tem a função de ―disponibilizar informações estimulando e mostrando a importância da prática da leitura nas comunidades distantes e/ou que não tem bibliotecas em sua forma física, em local específico. ‖ Portanto, a mobilidade de uma biblioteca é, por si só, uma estratégia para sedução de leitores e seu espaço informal pode abranger diversidade de atividades e ludicidade no ambiente, fator primordial para bibliotecas infantis, pois seus usuários necessitam da linguagem visual, principalmente na sua fase de alfabetização. Diante do exposto, o anteprojeto que se propõe esta pesquisa trata-se de uma biblioteca infantil itinerante na qual seu espaço físico encontra-se no interior de um módulo de container reutilizado e este será transportado por um caminhão até o destino desejado. Assim, o trabalho gera a seguinte problemática: é possível desenvolver um anteprojeto de design de interiores de uma biblioteca pública itinerante destinada ao público infantil e inserida no interior de um módulo de container de 20 pés, atendendo as questões normativas vigentes?

1.1. Justificativa e relevância A biblioteca não se resume apenas a um espaço para armazenamento de livros, e sim uma forma de adquirir e absorver informação, além de exercer papel importante na formação educacional, incentivar a socialização e viabilizar a produção do conhecimento em suas diversas perspectivas. De acordo com os dados do SNBP 13 o Brasil dispõe de 6.102 bibliotecas públicas cadastradas e mais 3.000 comunitárias, entretanto, 112 dos 5.570 municípios do País ainda não dispõem de espaços públicos de leitura. Outros dados (SEMINÁRIO, 2012) confirmam que o número de livros lidos anualmente ainda é bastante reduzido, sobretudo entre classes menos favorecidas 13

http://snbp.culturadigital.br/


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economicamente, pois apresentam maior carência de infraestrutura e de serviços básicos de educação e cultura. Portanto, implantar e, principalmente, manter o funcionamento de bibliotecas em áreas periféricas apresenta maior dificuldade. Conduzir livros e atividades a determinadas áreas exigem propostas diferenciadas. O contributo do design de interiores neste aspecto, refere-se à promoção do desenvolvimento do interesse pela leitura através da melhoria nas condições espaciais do ambiente, além de propor soluções construtivas de menor custo e impacto ambiental e, neste caso, um anteprojeto de interior de uma biblioteca infantil itinerante em módulos de containers de 20 pés. ―O espaço é muito importante para a criança pequena, pois muitas, das aprendizagens que ela realizará em seus primeiros anos de vida estão ligadas aos espaços disponíveis e/ou acessíveis a ela‖. (LIMA apud HANK, 2006). Com isso, compete ao designer de interiores criar um ambiente personalizado e estimulante explorando o uso de cores, materiais e texturas. A utilização do container como elemento arquitetônico propicia a maior autonomia ao designer de interiores, pois o mesmo não necessitará se adequar ao projeto arquitetônico (montagem, facilidade na escolha do layout, realização de aberturas, instalações prediais, etc.). Entretanto, por se tratar de um ambiente itinerante, o designer de interiores deve atentar entre outras questões, para a segurança do mobiliário durante o transporte da biblioteca. Outrossim são os subsídios teóricos que a pesquisa poderá oferecer, em áreas multidisciplinares do conhecimento o qual inclui, design, mobilidade e multifuncionalidade pois, apesar da significativa bibliografia sobre iniciativas itinerantes, muitas referências estão pautadas apenas em âmbitos sociais, realizados por independentes. Além disso, o presente trabalho torna-se pertinente por tratar de um tema inédito em trabalhos de conclusão de curso de Design de Interiores do IFPB: bibliotecas infantis em containers, portanto os dados obtidos com o anteprojeto poderão gerar subsídios teóricos para outras pesquisas relacionadas. Por fim, o anteprojeto, possui relevância social, pois apresenta um projeto de interiores de uma biblioteca infantil que poderá contribuir para o aumento de iniciativas sociais itinerantes.

1.2 Objetivos gerais e específicos O objetivo geral deste trabalho é elaborar um anteprojeto de Design de Interiores para uma biblioteca infantil itinerante no interior de um container de 20 pés transportado por caminhão. Por conseguinte, tem-se como objetivos específicos:  Propor mobiliário adequado para uma biblioteca infantil móvel;  Utilizar a psicologia das cores para auxiliar no aspecto comportamental das crianças e na organização do conteúdo literário;  Propor um anteprojeto de módulos que possam adequar-se a diferentes tipos de arranjos físicos.


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2. Metodologia Para estruturar a pesquisa foram utilizadas ferramentas e técnicas para obtenção de respostas para elaborar e organizar um método de trabalho, o qual foi subdividido em quatro etapas descritas a seguir: O levantamento bibliográfico se sucedeu através de livros, dissertações, teses, artigos, Normas Técnicas da ABNT, além de pesquisa dos projetos correlatos, sobre os temas: conforto ambiental e uso da cor direcionado para ambientes educacionais infantis. Após os procedimentos realizados na etapa anterior, os dados obtidos foram analisados de acordo com sua tipologia e procedência, em seguida os arquivos foram organizados virtualmente em pastas, tabelas como também fisicamente. Fase I: Caracterização dos usuários: foi realizada uma pesquisa para aspectos como classe social e faixa etária dos frequentadores das bibliotecas infantis para assim poder caracterizar os usuários do anteprojeto; Fase II: Caracterização do objeto de estudo: análise das peculiaridades das tipologias do container e do caminhão que irá transportá-lo, em seguida foram escolhidos e caracterizados os que melhor se adequam as necessidades do anteprojeto. Por fim, após a obtenção e análise de todos os dados coletados nas etapas anteriores, teve início o objetivo final deste trabalho, a concepção do anteprojeto de interiores. Para uma melhor organização esta etapa foi dividida em fases: Fase I: Idealização do conceito realizada a partir da analogia do tema e do sistema construtivo do anteprojeto, em seguida foi estudada a melhor forma de aplicá-lo no anteprojeto; Fase II: Elaboração do programa de necessidades a partir da análise e síntese das informações básicas sobre o objeto de estudo e o usuário, aliado as atividades almejadas no ambiente; Fase III: Proposta do anteprojeto; Fase IV: Memorial descritivo e justificativo: composto por especificações técnicas e justificadas de escolha dos materiais, mobiliário, equipamentos, acessórios e processos construtivos empregados.

3. Biblioteca: breve contextualização, função social e classificação As bibliotecas são instituições muito antigas que sobrevivem há anos, adaptando-se às diversas mudanças políticas, sociais e tecnológicas. Essa sobrevivência, por si só, já é suficiente para provar que cabe à biblioteca uma função muito importante na sociedade. (CESARINO apud BERNARDINO; SUAIDEN, 2011) A evolução social permitiu a biblioteca adquirir novas funções: facilitar a disseminação cultural, difundir o conhecimento, colaborar com o contato social


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e auxiliar aos excluídos socialmente a adentrar ao mundo letrado. Além disso, a maior parte das bibliotecas acompanhou o advento tecnológico e herdou inovações em suas dependências como o uso de computadores, tablets, aparelho de dvd, e em seu acervo revistas, jornais cds e dvds. A classificação e subdivisão das bibliotecas é realizada de acordo com suas particularidades funções que elas desempenham na sociedade. Na contemporaneidade as bibliotecas são de caráter público ou privado e as mesmas podem ser: nacional, municipal, estadual, escolar, infantil, universitária, volante, comunitária, especializada ou até mesmo virtual. Neste trabalho as bibliotecas que serão abordadas são infantis e itinerantes. 3.1 Bibliotecas infantis

A biblioteca especializada é voltada a um campo específico do conhecimento. Seu acervo e seus serviços atendem às necessidades de informação e pesquisa de usuários interessados em uma ou mais áreas específicas do conhecimento (SNPB 2016). Uma ramificação desse tipo de biblioteca são as bibliotecas infantis, pois os serviços e acervos oferecidos são destinadas as crianças. Durante o processo de alfabetização, principalmente, as crianças são atraídas pelo entorno o qual estão inseridos, unidas com as atividades desenvolvidas nesses espaços são facilitadores para que os usuários criem o hábito pela leitura, absorvam informações com maior facilidade, exercitem o raciocínio e a criatividade. Além de, para os mais crescidos, contribuem no repertorio cultural e novas visões de mundo. 3.2 Bibliotecas itinerantes

A localização geográfica das bibliotecas é um fator que define a frequência de uso da mesma, independente da qualidade do acervo e dos serviços que são prestados na mesma. As bibliotecas itinerantes têm desenvolvido significativo papel social ao proporcionar as pessoas que dispõem muitas vezes de poucos recursos o contato direto com os livros. A biblioteca itinerante é uma iniciativa de caráter social, organizada por pessoas da própria comunidade, ou por profissionais de determinada área e geralmente não recebem apoio governamental. Esse tipo de biblioteca se destaca das demais, pois além da sua informalidade, alguns locais dependem dessas bibliotecas para ter acesso a qualquer tipo de informação presencial, sejam livros, revistas, jornais, gibis entre outros.


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3.3 O uso do container como solução construtiva O consumo exacerbado dos recursos naturais, sem a preocupação com a degradação e o desequilíbrio ambiental é uma preocupação antiga, que nos últimos anos tem ganhado apoio governamental e populacional, afim de minimizar os impactos nocivos ao planeta. O ramo da construção civil, atualmente, é responsável por grande parte deterioração do meio ambiente através consumo e desperdício dos recursos naturais e a geração de entulhos provenientes das obras. Como alternativa construtiva sustentável, os containers: estruturas modulares em aço idealizadas para realizar o transporte e armazenamento de mercadorias, possuem formato retangular e medidas padronizadas, as quais são fundamentais para seu transporte rodoviário, aquaviário, ferroviário ou aeroviário. No Brasil, a adaptação do uso do container como solução construtiva tem ganhado espaço no mercado e já existem empresas no país que trabalham com a elaboração, execução e entrega do projeto. 3.4 Acessibilidade O Brasil apresenta uma porcentagem significativa 23,9% de pessoas que possuem algum tipo de deficiência. Define-se deficiência como sendo a redução, limitação ou inexistência das condições de percepção das características do ambiente ou de mobilidade, em caráter temporário ou permanente. (ABNT,2015) Ambientes de caráter público devem ser acessíveis. I - Acessibilidade: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida. (BRASIL. Lei 10.098, 2000, atr.2º, § 1º) A NBR 9050-2015 oferece subsídios teóricos para contemplar a acessibilidade. Essa norma surgiu no ano de 1983, no Rio de Janeiro e passou por algumas atualizações, 1994 e 2004, e a última em 2015: acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Esta Norma regulamenta as dimensões e padrões que garantem a acessibilidade. Por isso, os ambientes acessíveis visam o conforto e a utilização autônoma e segura do ambiente a partir do Desenho Universal. O Desenho Universal visa atender à maior gama de variações possíveis das características antropométricas e sensoriais da população. Os dispositivos e equipamentos especificados de acordo com a norma, aplicados e dimensionados com cuidado e bom senso, certamente garantirão maior


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amplitude de uso a diferentes padrões antropométricos, determinando maior bem-estar, melhor qualidade de vida e inclusão social. À medida que houver efetiva acessibilidade nas cidades, mais pessoas com mobilidade reduzida serão qualificadas para assumir os postos de trabalho disponíveis no mercado, havendo efetiva inclusão social e profissional. (BESTETTI, 2014) Afim de atender o maior número de usuários no ambiente, foram utilizados parâmetos da NBR 9050-2015 que podem ser usados em escolas, bibliotecas e espaços de leitura. Por não conhecer as pessoas que utilizarão o espaço, as referências da norma destinadas para deficiência motora, será a de pessoas cadeirantes. 3.5 Mobiliário de bibliotecas O mobiliário de um ambiente quando pensando para atender, um grupo específico de usuários, acarreta maior conforto durante a execução das atividades, além de proporcionar segurança e eficácia. De acordo com COSTA (2016) a escolha do mobiliário deve ser pautada pelos seguintes critérios: qualidade (da matéria prima e do acabamento), funcionalidade (adequada ao uso), estética, flexibilidade e modularidade (que possam ser juntados ou separados), ergonomia, praticidade de manutenção e durabilidade. O IFLA (2010) apresenta padrões para mobiliários em bibliotecas:  

As estantes devem ser móveis, em vez de fixas, permitindo diferentes tamanhos de livros e tornando mais eficaz o aproveitamento do espaço disponível; Todas as estantes devem estar inclinadas, para evitar que os livros caiam quando o veículo está em marcha. Prateleiras inclinadas são mais satisfatórias que outras soluções, como rebordos na parte frontal ou grades de proteção; As estantes laterais devem ter uma inclinação de entre 10º a 15º, em relação à horizontal, mas as da parede traseira devem apresentar uma inclinação ainda mais acentuada, até 20º.

3.6 Uso da cor A cor é um fenômeno físico e a sua percepção depende especificamente da quantidade e qualidade de luz disponível no ambiente. Segundo Guimarães (2000) A cor é uma informação visual, causada por um estímulo físico, percebida pelos olhos e decodificada pelo cérebro. O estímulo físico, ou meio, carrega consigo a materialidade de uma das fontes, ou causas da cor – a corluz ou cor pigmento. O cérebro - e o órgão da visão como sua extensão – é o suporte que decodificará o estímulo físico, transformando a informação da causa em sensação, provocando, assim, o efeito da cor.


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As cores também são responsáveis pelos efeitos psicológicos no ambiente, elas podem influenciar a relação do indivíduo com o ambiente. Elas podem imprimir sensações e reflexos, pois cada uma tem uma vibração determinada em nossos sentidos e atuam como estimulante ou perturbador na emoção, na consciência e em nossos impulsos e desejos.

3.7 Conforto ambiental O conforto ambiental possibilita as melhores condições de permanência com a máxima sensação de bem-estar, buscando a adequação dos diversos aspectos sensoriais. Compreende-se os estudos das condições térmicas, de ventilação e luminosidade, acústicas e questões organizacionais do espaço, além da capacidade do produtiva dos usuários. As bibliotecas devem ser espaços tranquilizantes, os quais favoreçam a leitura e pesquisa, como também facilitem as atividades e a criatividade dos frequentadores. Vanz (2015) explana sobre alguns cuidados para a obtenção de conforto térmico, lumínico e acústico em bibliotecas: a) isolamento acústico ou utilização de mecanismos para redução de ruídos; b) utilização de quebra sol para proteção de aberturas e evitar a incidência de raios solares sobre o acervo e usuários; c) manutenção de temperatura e umidade estáveis, agradáveis ao usuário; d) renovação natural ou mecânica do ar; e) controle do peso, altura e qualidade dos equipamentos e mobiliário, a fim de preservar a saúde e bem-estar dos funcionários e usuários.

4. Caracterização dos usuários As bibliotecas itinerantes são destinadas, em sua maioria, para o uso de crianças e adolescentes, de todos os gêneros e de comunidades em que não há acesso a espaços públicos de leitura. A biblioteca estudada tem a pretensão de atender o público considerado infantil, ou seja, crianças de 3 aos 11 anos segundo o ECA14(2015).

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Estatuto da Criança e do Adolescente


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4.1 Caracterização do objeto de estudo

O objeto de estudo deste trabalho trata-se de uma biblioteca pública infantil itinerante inserida em módulos de containers marítimos reutilizados e que transportados por caminhões até o local desejado. A biblioteca apresentada não é uma biblioteca modelo, mas pode servir de referência para outros anteprojetos. 4.2 Caminhão A escolha do caminhão foi realizada a partir de pesquisa sobre a tipologia de caminhões. Para esse projeto, o escolhido foi o caminhão toco ou semipesado: caminhão que tem eixo simples na carroceria, ou seja, um eixo frontal e outro traseiro de rodagem simples, sua capacidade de carga é até 6 toneladas e comprimento máximo de 14 metros. Para transportar o container é necessário que o caminhão escolhido contenha um chassi 15 ou porta container com dimensão específica para containers de 20‖. 4.3 Container A biblioteca estará inserida em um container do tipo Dry Standard de 20‖ (Figura 1): Este é o container mais usado na modificação de container para unidades habitáveis, sendo destinado a cargas gerais. É totalmente fechado apenas com as portas padrões no fundo do container. Os produtos que geralmente são transportados nele são alimentos, roupas, móveis, automóveis, entre outros (DELTA CONTAINERS16). Figura 1. Container Dry Standart 20‖ dimensões.

Fonte: DELGADO, 2015. 15

Estrutura de suporte para componentes que pode ser feita de aço, alumínio, ou qualquer outro material rígido. A sua aplicação mais conhecida é em veículos, para sustentar os sistemas embarcados. 16 http://www.deltacontainers.com.br/


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4.4 Transferência dos módulos A biblioteca em estudo necessita de cuidados específicos desde o seu mobiliário, transporte, até a sua transferência do caminhão para o solo e viceversa, para que não haja nenhum dano. Desse modo, foram estudadas duas possíveis soluções exequíveis. Umas das soluções encontradas é o Sistema Hidráulico de Carga e Descarga de Containers, trata-se de uma inovação no mercado de logística, criado para atender a demanda de laboratórios móveis. Seu funcionamento ocorre com utilização de 4 cilindros operados por controle eletrônico, e possui um Controlador Lógico Programável (CLP)17 que faz o gerenciamento das ações que serão tomadas, com opções de nivelamento individual e operação em modo automático. Esse sistema pode movimentar um contêiner completo, ou até mesmo um baú de um caminhão, de maneira rápida e segura(Figura 2).

Figura 2. Sistema Hidráulico de Carga e Descarga de

Fonte: escavador.com

Outra solução seria uma adaptação simples do chassi do caminhão com a colocação de um munck18. Esse método é o mais utilizado para o transporte de containers de carga (Figura 3). Figura 3. Transferência do container

Fonte: munckcampinas.com

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Computador que executa funções específicas. Em português guindaste, é um equipamento utilizado para a elevação e a movimentação de cargas e materiais pesados. 18


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5. Resultados

Os containers são estruturas de aço extremamente fortes, porém leves, já confeccionados para um perfeito encaixe, ideal para construção de edificações. Esse tipo de arquitetura modular, quando agrupada, faz alusão aos jogos de encaixe como o tetris, devido as cores, formas que se encaixam e permitem que novas estruturas sejam formadas. Essa comparação pode ser observada na figura 4. Figura 4. Analogia do jogo tetris aos containers marítimos.

Fonte: nowgamer.com

O tetris (Fig. 5) é um jogo de quebra-cabeça, desenvolvido na década de 80 e é considerado um dos jogos mais populares da história. O nome ―tetris‖ deriva do prefixo grego ―tetra‖ (já que todos os blocos do jogo são formados por quatro segmentos). O Tetris consiste em empilhar ―tetraminós‖ que descem a tela, numa velocidade que cresce gradativamente enquanto o jogo evolui, de forma que completem linhas horizontais. Quando uma linha se forma, ela se desfaz, as camadas superiores caem, e o jogador ganha pontos. Quando a pilha de peças chega ao topo da tela, a partida se encerra. Figura 5. Jogo Tetris.

Fonte: globomidia.com.br


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Segundo pesquisa realizada pelo Dr. Richard Haier, jogar Tetris, pode levar a um crescimento na eficiência da atividade cerebral e crescimento geral nas funções cognitivas do indivíduo, como pensamento crítico, raciocínio, linguagem e processamento de informações. Portanto, o jogo tetris foi escolhido como conceito do projeto por possuir também consequências de caráter comum as funções das bibliotecas infantil.

5.1 Programa de necessidades

O programa de necessidades relaciona as atividades que serão desenvolvidas no ambiente com a relação de mobiliários, equipamentos, e instalações necessárias ao seu bom funcionamento. Para tanto, é necessário considerar as atividades almejadas e a organização do espaço físico disponível. A definição correta dos espaços da biblioteca infantil respeitando suas funções, dimensões e capacidade, é artifício eficaz de otimizar seu uso, minimizar o desgaste e reduzir o risco aos usuários do ambiente. Nesse caso, o espaço físico é um container de 20‖, que dispõe de uma área total interna de 14,16m² e cada usuário, em bibliotecas, ocupa um espaço de 2m² (Costa, 2016), portanto cada container terá capacidade de 7 usuários, confortavelmente, por vez. Devido a proposta de atender maior número de pessoas, foi utilizada uma das estruturas laterais do container para formação de um deck e, por conseguinte, sua utilização para outras atividades. Com o intuito de facilitar a distribuição das atividades, otimizar e organizar o espaço interior do container foi dividido em 3 áreas: área de leitura, área de atividades e área do acervo. A área de leitura, compreende espaços destinados para leituras individuais e em grupos, para crianças de idades diversas localizada na parte externa do container e contará com mesas e cadeiras compactas que estarão armazenadas no interior do mobiliário do container. Na área de atividades serão realizadas algumas atividades da biblioteca como assistir programações, contação de histórias e brincadeiras diversas. E por fim a área destinada ao acervo, na qual os livros serão organizados em categorias para cada público alvo com o auxílio do mobiliário padronizado. 5.2 Zoneamento e layout

A elaboração do zoneamento do container ocorreu em paralelo ao programa de necessidades, com o propósito de atender, de forma satisfatória,


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as necessidades do ambiente. Dessa forma, foi elaborada a proposta de zoneamento e logo em seguida o layout, que possibilitaram uma análise da distribuição das áreas e como cada área – leitura, atividades, acervo- deveria estar disponível no espaço. A partir da definição do Zoneamento (Fig. 6) foi desenvolvida a proposta de layout do módulo padrão do anteprojeto. As áreas foram distribuídas de maneira proporcional com o intuito de oferecer maior conforto as atividades de cada uma delas. Figura 6. Zoneamento.

Fonte: Elaborado pelo autor.

O layout ―A‖ (figura 7) proposto dispõe de espaço para 5 estantes se movimentarem, um painel para TV e uma arquibancada utilizada para assento e armazenamento de mesas e cadeiras. A proposta também se adequa as inúmeras possibilidades de layouts e, por conseguinte, várias possibilidades de arranjos físicos. A circulação do cadeirante é considerada satisfatória, pois o mesmo tem a possibilidade de uso do mesmo de todas as áreas do espaço e não interfere no trânsito do ambiente. Além disso, a indicação das aberturas dispõe de uma gama de opções para arranjo físico com outros containers. Figura 7. Proposta A de layout final.

Fonte: Elaborado pelo autor.


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Em seguida, foi gerado um segundo layout final ―B‖ (Figura 8) o qual dispõe de espaço para até 9 estantes. Este funcionaria apenas de maneira vinculada a proposta A, com o intuito de dispor de um maior acervo, de acordo com as necessidades de cada proposta. Figura 8. Proposta B de layout final.

Fonte: Elaborado pelo autor.

Diante as inúmeras possibilidades possíveis da proposta, os layouts ―A‖ e ―B‖ permitiram áreas satisfatórias para cada atividade, considerando a proximidade e o afastamento dos setores, de acordo com suas funções. 5.3 Arranjo físico A partir dos layouts apresentados anteriormente há a possibilidade da criação de arranjo físicos com mais de um container. A importância dos arranjos deve-se a necessidade de atender uma maior quantidade de pessoas na biblioteca. Nesse tópico será apresentado um arranjo com dois containers (Fig 9) O arranjo escolhido (Fig.37) apresenta uma proposta linear composta por dois containers, um tipo ―A‖ (laranja) e um tipo ―B‖ (azul) e ocupam uma aréa total de 54,35m² em um terreno. Com relação a sua capacidade, o arranjo dispõe de 13 estantes no total e comporta um em média 27 pessoas: 14 nas áreas internas e 13 nas externas.


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Figura 9. Arranjo com dois containers.

Fonte: Elaborado pelo autor.

6. Memorial Descritivo

Os memoriais descritivos e justificativos têm por objetivo a apresentação das soluções projetuais a partir da caracterização e especificação de materiais, mobiliário e acessórios utilizados. 6.1 Isolamento termoacústico

Com o intuito de conservar a maior área disponível do container e o conforto ambiental do mesmo, optou-se pelo uso do sistema massa-mola- massa (Fig. 10), composto, em sequência, pelo aço da estrutura do container e placas de gesso acartonado, no centro a lã de rocha e novamente as placas de gesso de15mm. Figura 10. Desempenho acústico de paredes de alvenaria convencional e a isolada com lã de rocha.

Fonte: tuti.arq.br


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6.2 Aberturas

As aberturas existentes no container originalmente não atendem as necessidades da proposta do anteprojeto de arranjo de bibliotecas, pois necessitam de aberturas para acontecer a conexão entre os containers. Para isso, foram indicadas novas aberturas nas paredes dos containers, com exceção da que receberá mobiliário fixo, como também foi vista a necessidade de um reforço estrutural nos módulos. De acordo com o código de obras da cidade de João Pessoa, que classifica as bibliotecas como ambiente de permanência prologada e indica-se a área mínima das aberturas deve ser 1/6 da superfície de piso. Além disso, a localização das aberturas foi pensada para proporcionar a ventilação cruzada no ambiente. Ainda assim, os containers serão padronizados com a colocação de um Split no centro do mesmo, que visou atender com eficiência, as necessidades do maior número de layouts possíveis. Para as esquadrias foram escolhidas as de alumínio, com acabamento na cor branca. A escolha do alumínio deu-se por esse material conter uma vida útil prolongada, além disso pode ser exposto a variações climáticas diversas e apresenta níveis satisfatórios de proteção termoacustico. Também foi utilizada acrílico duplo de 6mm, com sistema ―massa-mola-massa‖ e laminado de PVB que é uma película acústica que intercala as duas chapas de acrílico plano, o que auxilia a barrar o nível mais elevado de ruído. A escolha desses tipos de materiais deve-se ainda a seus outros benefícios como proteção dos raios UV (ultravioletas) e segurança, pois apresenta alta resistência fator primordial para o transporte da biblioteca. As portas são de correr de dois tipos: com quatro folhas, destas três se movimentam, e de duas folhas estas se movimentam. Todas as aberturas contam com dispositivos móveis de proteção, que se localizam no exterior, objetivando proteger todas as esquadrias. Por fim, vale salientar que por ser um espaço móvel, não foi possível levar em consideração o estudo de fachada para aberturas. Portanto, foi especificado a utilização de dispositivos móveis de proteção, como toldos, com o intuito de combater a radiação direta no espaço (Figura 11). Figura 11. Perspectiva externa da biblioteca.

Fonte: Elaborado pelo autor.


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6.3 Layout: revestimento, mobiliário e equipamentos

Para o mobiliário seguiu o conceito da modularidade, são peças padrão que se repetem de acordo com cada proposta, como também a multifuncionalidade de cada peça. As cores utilizadas nas estantes conciliam o conceito do anteprojeto e o sistema de classificação de cor para biblioteca infantil. Para manter a uniformidade dos mobiliários foi escolhido o mdf com acabamento laminado melamínico pois apresenta resistência a umidade, abrasão e impactos. A partir dos parâmetros, conforme constam no referencial, foi criado um mobiliário que atendesse as necessidades dos usuários. Para armazenar e expor os livros foi desenvolvida um modelo padrão para as estantes: prateleiras com 0,25m de profundidade e 0,90 de comprimento, altura da primeira prateleira a 0,25m e a última a 1,50 m e todas elas com angulações que variam de 15º para estantes laterais e 20º para as frontais e traseiras. A partir dessas configurações, cada prateleira tem capacidade média para 25 livros e cada estante ficaria com 6 prateleiras, obtendo no total 150 livros cada. Para o melhor aproveitamento do espaço das estantes, ainda foi especificado armários superiores e inferiores que servirão de armazenamento para objetos de cada biblioteca, como almofadas, tapetes, tablets e documentos. Por fim, foi pensando em um mobiliário que facilitasse a variedade de layout, indicação de aberturas e facilidade de arranjos. Desse modo, baseados nos arquivos deslizantes 19, conforme a Figura 44, de bibliotecas, foram fixados trilhos em perfil de aço no piso, com cantoneiras de seguranças e a base de cada estante terá rodízios para a locomoção das mesmas. Para evitar o tombamento das estantes foi indicado um guia superior simples com sistema semelhante ao utilizado em portões de garagens. (Figura 12). Figura 12. Estantes móveis através da fixação de trilhos no piso.

Fonte: Elaborado pelo autor. 19

Móvel que se movimenta sobre trilhos no piso, utilizado para armazenar documentos e materiais e possui como objetivo otimizar o espaço.


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O painel da tv é formado por 4 chapas de mdf, duas verticais e duas no plano horizontal. Do lado interno, as chapas verticais terão diferença de largura para a inserção de uma fita de led RGB, o mesmo acontece com as chapas fixadas no gesso. Essa configuração permite a sensação que o painel esteja ―flutuando‖ (Figura 13). Figura 13. Painel de mdf com variações de profundidades.

Fonte: Elaborado pelo autor.

A arquibancada é composta por 3 peças, de comprimento e largura iguais, mas de alturas diferentes e possui como função servir de assento para a crianças e armazenar as mesas e cadeiras utilizadas para as atividades na área externa de leitura. Cada módulo tem capacidade para até três crianças e sua configuração conceitual é que a partir do uso de cores, os módulos se encaixam e ―formem peças do jogo‖. Os nichos localizados em uma das laterais, conta com barra de proteção de acrílico, funcionam como expositor de uma pequena quantidade de livros (Figura 14). Figura 14. Arquibancada com nichos.

Fonte: Elaborado pelo autor.


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O painel da TV também tem a possibilidade de ser usado o lado externo, pois a mesma possui instalação para a colocação da TV e foi pintado com a mesma tinta lousa usado da parede interna. O piso escolhido para compor o ambiente foi um vinílico, para sua instalação é necessário a colocação de ―sarrafos de madeiras‖ 20 para regulagem da superfície do container, em sequência foi escolhido a chapa de compensado naval de 15mm e fixado a ela as réguas vinílicas de encaixe do tipo ―click‖ ou ―macho fêmea‖. Como fator estético esse tipo de piso remete a aparência da madeira a qual apresenta sensação de aconchego e o tom mais claro oferece amplitude e clareza ao espaço. Como característica funcional, esse material auxilia no isolamento termoacustico, pois absorve bem os impactos, resiste a manchas e proliferação de bactérias, além de possuir alta durabilidade (Figura 15). Figura 15. Área destinada a leitura e atividades

Fonte: Elaborado pelo autor.

A concepção do deck da biblioteca deu-se a partir do ―tombamento‖ de uma das paredes do container. Para isso, foi montado um sistema hidráulico formado por dois cilindros hidráulicos 21localizados nos pilares do container e no deck. Dessa forma, acionados por um controle eletrônico, o deck desceria de forma mecânica, sem a necessidade de esforço manual. Por último, no deck será posicionada uma rampa móvel 22 de aço galvanizado, pesando 25kg, inclinação de 8,33% (NBR9050, 2015), comprimento de 1,92m e altura de 0,16m suporte para até 300kg. Durante o

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Pedaço de madeira estreito e comprido. Elemento mecânico, formado por um cilindro e um pistão, que possui a capacidade de exercer uma força sobre os outros elementos em movimento linear e recebe a sua energia a partir de um fluido hidráulico(óleo). 22 www.ecopontes.com.br 21


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transporte da biblioteca, essa rampa será armazenada em uma ―caixa gradeada‖ localizada em uma das portas originais do container (Figura 16).

Figura 16. Deck reclinável.

Fonte: Elaborado pelo autor.

Conclusão

O anteprojeto de uma biblioteca pública infantil itinerante em containers marítimos reaproveitados atingiu os objetivos apresentados, pois a adaptação desses módulos permitiu níveis satisfatórios de acessibilidade, habitabilidade e conforto a partir dos parâmetros normativos vigentes e as características dos usuários. A concepção do anteprojeto deixou como contribuição uma proposta destinada às crianças originarias das classes menos favorecidas economicamente para que estas se apropriem da informação e da cultura de maneira mais fácil e atrativa. Diante do exposto, é notório que a competência do designer de interior vai além de solucionar a estética do ambiente, ele deve propor de soluções projetuais viáveis que se adequem a cada projeto, como também considerar os usuários e suas características específicas. Desta forma, é válido ressaltar que as questões levantadas e o estudo realizado proporcionam a realização de novas pesquisas, dada a proporção e relevância do tema para a sociedade, no que diz respeito a formação intelectual dos indivíduos. Por fim, espera-se que este trabalho possa contribuir para intensificar a valorização de projetos de interiores, assim como das bibliotecas itinerantes e infantis, a fim de que sejam vistas como eficaz instrumento para o acesso ao conhecimento.


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CORPOREIDADES HÍBRIDAS NA CENA/ARTE CONTEMPORÂNEA Jerônimo Vieira de Lima Silva23 Robson Xavier da Costa24

1. Um corpo híbrido na performance A existência de um corpo híbrido no contexto que aqui pretendemos apresentar parte das vivências entre performer/educador/pesquisador e artista visual/educador/pesquisador em diversos meios sejam a partir de experimentações, improvisações ou mediante processos criativos e ensaios. Durante períodos de formação artística buscávamos estabelecer contato com os mais diversos conhecimentos e linguagens. Pouco a pouco, a fusão de elementos oferecidos pelo teatro, dança, música e artes visuais permeados pelos recursos midiáticos ajudaram a formar nossa visão cultural do mundo. Na formação inicial os jogos e exercícios corporais, vocais e expressivos permeavam nossa formação. Tivemos contato com jogos de improvisação, Viola Spolin, experiências com o teatro de Moscou, Stanislawski; métodos exaustivamente experenciados com ensaios rigorosos, bem como contato com oficinas de pintura, desenho, colagens, gravura e escultura. Essas experiências serviram de base no nosso aprendizado inicial durante a graduação em Educação Artística na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). O termo ―corpo híbrido‖ (MONSALU, 2014), pode ser compreendido como um corpo concebido a partir de recursos nele armazenados e construídos por meios de ensaios, exercícios, ―treinamentos‖, leituras e por múltiplos meios de fruição de bens culturais, midiáticos e comunicacionais, os quais vão surgindo ao longo da formação do artista/educador/pesquisador. São ―armazenamentos‖, trocas e cruzamentos de informações de que se sedimentam em todos os níveis (cognitivos, físicos, afetivos e mentais) do ser humano por meio de sua corporalidade e complexidade, que são redimensionados de acordo com as possibilidades do ato criativo acionado em determinadas circunstâncias, seja como ator, performer, artista visual, educador e/ou investigador. Ressaltamos que durante nossa formação buscamos potencializar as capacidades expressivas do corpo e das produções em artes visuais, à procura de vencer quaisquer tipos de repressão. Ingressamos no mesmo período como discentes no Curso de Educação Artística da UFPB, estudamos juntos (na mesma turma), as disciplinas obrigatórias (tronco comum) para todos os estudantes, incluindo Oficina Básica (OBA) nas áreas de Artes Plásticas, Música e Artes Cênicas, História e Estética da Arte, etc. A opção pela

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Performer/educador/investigador; doutorando pelo Programa de Educação Artística da Universidade do Porto, Portugal; Docente do Departamento de Artes Teatro da Universidade Regional do Cariri, Juazeiro do Norte, Ceará, Brasil. 24 Artista Visual/Educador/Investigador e Curador independente. Doutor em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU UFRN); Mestre em História (PPGH UFPB); Licenciado em Artes Plásticas (UFPB); Docente do Departamento de Artes Visuais e Docente e Coordenador do Programa Associado de Pós Graduação em Artes Visuais UFPB/UFPE e da Pinacoteca da UFPB.


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habilitação específica nessas áreas era feita pelo estudante após o terceiro período do curso. As influências na formação acadêmica/artística de ambos os artistas/educadores/investigadores em contato com os laboratórios de Jerzy Grotowski e os parangolés e penetráveis de Hélio Oiticica, com os fundamentos do teatro ritual de Antoni Artaud e os elementos sensoriais de Lygia Clark, com o teatro dialético de Bertolt Brecht e as possibilidades da Gestalt do objeto, com os jogos desenvolvidos por Augusto Boal e os métodos propostos por Fayga Otrower, o teatro sagrado de Peter Brook e a psicologia profunda de Carl Gustav Jung, o pós-dramático apresentado por Hans-Thies Lehmann e a teoria do imaginário de Gilbert Durand, dentre outros. As informações e vivências adquiridas sempre direcionadas à realização de pequenas intervenções, performances, ou influenciavam diretamente a produção artística seja no ateliê ou na sala de aula. Vieram também outros meios que se somaram à formação do corpo híbrido nos autores (as aulas de canto lírico e o contato com variadas maneiras de fazer uso da voz; oficinas de artes visuais, os incontáveis momentos de apreciação de óperas, espetáculos de teatro, de dança, de circo; os tantos filmes vistos; as visitas às exposições, museus, centros culturais, palestras, conferências, congressos; as horas dedicadas a leituras de livros de ficção e científicos etc.), todos estes meios permearam nossa formação de performer/educador/investigador e artista visual/educador/investigador na cena, no corpo, e na produção artística. De um lado, a influência das ideias de Artaud com o sentido ritualístico e a ruptura radical às imposições de qualquer ordem de controle sobre o corpo e de outro lado às influências das transgressões de artistas como Hélio Oiticica, Lygia Clark e Leonilson, com uma visão de corpo integrado à obra. Essa formação paralela entre um performer e um artista visual da mesma geração surgida na década de 1990 na Paraíba. O hibridismo aparece no performer na sua desconstrução do corpo e a partir do conceito de ―corpo sem órgãos‖ de Deleuze, compreendendo uma nova consciência corporal e a reestruturação das relações entre níveis corporais no performer; enquanto o artista visual reestrutura sua relação com o corpo a partir da construção do seu trabalho por meio da experimentação de materiais e suportes, da instauração de oficinas com grupos de pessoas interessadas no autoconhecimento. Uma influência marcante na formação dos dois autores foram as concepções sobre o corpo de Gilles Deleuze e Felix Guatarri, sobretudo quando defendem o conceito de ―corpo sem órgãos - CsO‖. Ambos partem do princípio do dramaturgo francês Artaud, em que, se o corpo não tem órgãos, o corpo é matéria intensa, não formada e não estratificada, no qual a matéria equivale à energia; um corpo como intensidade e não como um organismo determinado pelas leis da evolução natural. O que eles chamam de CsO, seria um estrato do corpo, avesso ao corpo fragmentado, ou seja, um fenômeno composto de acúmulos, coágulos, sedimentação, a impor-lhe forma, função, ligação, organização, dadas através de organizações de dominação, de controle e que estabelece hierarquias de poder numa transcendência organizada, a fim de explorar a utilidade deste corpo, embora todo corpo seja a soma dessas partes e de diversas influências


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internas e externas, ele pode ser concebido e vivenciado como transgressão de todos esses estereótipos e se revelar como um novo corpo por meio da arte. A vida torna-se fraca, o desejo é canalizado, tudo trabalha pela produção, pela finalidade. Já vimos como o desejo para Deleuze não é falta, é produção, mas o corpo, afastado daquilo que pode, perde sua capacidade revolucionária e se torna doente, perde sua capacidade de criar o real para aceitar a vida medíocre que lhe dão. A alternativa de Deleuze está em criar para si um Corpo sem Órgãos (TRINDADE, 2013).

Quando o corpo passa a ser um organismo, ganha utilidade e é inserido na sociedade com o intuito de realizar determinadas atividades. O desejo passa a ser manipulado, os órgãos capturados e determinados por uma lógica capitalista. Isso ocasiona a sensação de fraqueza e infelicidade. Os órgãos se tornam nossos inimigos. Por isso, Artaud passa a declarar guerra aos próprios órgãos. A vida perde o sentido, o desejo é canalizado, importando a produção para determinados fins. Isso ocasiona a perda da capacidade de criar para aceitar a vida medíocre. Artaud, Deleuze e Guatarri, Hélio Oiticica e Lygia Clark, são importantes fontes de reflexão para o processo criativo e a inserção dos artistas/educadores/investigadores no seu meio, seja na performance ou nas artes visuais. Posteriormente dois outros teóricos influenciaram nossa formação, na performance o Matteo Bonfitto com o conceito do ―entre‖, que compreende o trânsito do corpo em diversos caminhos na busca da significação do espaço em lugar e Ana Mae Barbosa com o conceito de ―entre culturas‖, aplicado a curadoria de uma exposição de artistas contemporâneos que bebem nas fontes da arte popular. Em outras palavras, afirmam: Aos atores e performers cabe investigar a condição humana, os mundos e as coisas, nossos modos de percepção, ação e relação; o trabalho diário é o de explorar e dar a conhecer ―entres‖ a partir de encontros consigo, com o outro, com seres ficcionais, com motes composicionais, com programas performativos; com o espectador… com os mundos, suas histórias, forças, corpos (BONFITTO, 2013). A função das Artes na formação da imagem da identidade lhe confere um papel característico dentre os complexos aspectos da cultura. Identificação é sempre a produção de ―uma imagem de identidade e a transformação do sujeito ao assumir ou rejeitar aquela imagem reconhecida pelo outro‖ (BARBOSA, 1995).

Ao seguirmos as trilhas de Bonfitto e Barbosa, mergulhamos nos estudos da performance e das artes visuais que remetem ao que Canclini (2003) intitula de Cultura Hibrida necessária para ampliação das relações entre o sujeito e o meio, valorização do artista/investigador. Nos interessa o aspecto híbrido na corporeidade do artista da performance e na arte contemporânea, fazendo confluir o encontro e o cruzamento de elementos artísticos diversos; as


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possibilidades discursivas presentes no desenvolvimento das performances e nas inter-relações entre performer,artista visual, educador e investigador; as relações de poder implicadas no ato performático e na produção visual. 2. O hibridismo na arte O termo híbrido passou a ser aplicado à arte contemporânea a partir das produções experimentais inauguradas na década de 1960 e 1970 em todo o mundo, os limites conceituais entre áreas foram se diluindo, e os artistas passaram a utilizar diferentes meios e suportes para seus processos criativos. A arte conceitual escancarou as portas da experimentação, possibilitando aos artistas reinvenções conceituais e a inserção do corpo como objeto de arte, body art. Nesse contexto a Performance Art, passou a ser uma das linguagens que mais utilizou o conceito de hibridismo, alguns artistas fizeram intervenções cirúrgicas no próprio corpo e passaram a interagir com equipamentos eletrônicos, segundo Cohen: (...) é impossível falar-se de uma linguagem pura para a performance. Ela é híbrida, funcionando como uma espécie de fusão e ao mesmo tempo como releitura, talvez a partir da sua própria idéia da arte total, das mais diversas – e às vezes antagônicas – propostas modernas de atuação (COHEN, 2004, p.108).

3. O corpo híbrido no trânsito da cena Durante o período de formação acadêmica na graduação em Educação artística dos dois autores, um na habilitação em Artes Cênicas e outro em Artes Plásticas na UFPB, na década de 1990, tivemos os primeiros contatos com performance e Arte Contemporânea. Atualmente, aqueles conhecimentos prévios que pareciam tão acanhados, tem sido redimensionado a partir das pesquisas de mestrado e doutorado e das produções atuais, que abordam a compreensão do corpo híbrido reflexões de: Roselee Goldberg, Renato Cohen e Jorge Glusberg, além das experiências de Allan Kaprow, John Cage, Jackson Pollok, Marcel Duchamp, Joseph Beuys e Marina Abramovich, das práticas teatrais de Ariane Mnouchkine, de Bob Wilson, da ópera seca de Gerald Thomas, do teatro da vertigem, etc, passaram a nortear nosso processo de pesquisa. Na performance como linguagem absorvida como um conceito amplo aplicado as áreas de Artes Cênicas e Artes Visuais pelos dois autores, o que está em jogo, não é necessariamente o ato em si, e sim a performatividade do processo criativo, seja no palco, nas ruas, no ateliê ou na exposição, valorizando o instante presente, o momento da ação, ou seja, o que acontece no tempo ―real‖. Neste sentido, a performance não apenas por desvincular-se do caráter da representação espetacular, mas também por encontrar-se sob outro prisma cênico, assumia sua postura transgressora. Na performance


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somos responsáveis hierarquias.

pelo

que

apresentamos,

buscamos

ultrapassar

Nos dois corpos dos artistas/educadores/investigadores, o corpo híbrido por força das inúmeras atribuições e desdobramentos multiplica-se. Por vezes, apenas do material puramente corpóreo é o componente do processo criativo, seja na performance ou no ato estético da caminhada. Informações advindas da dança ou de exercícios baseados em codificações específicas, como o Katakali, ou o sistema Laban e até mesmo elementos da capoeira, do Karatê ou do Tai-chi- chuan, do teatro e da arte contemporânea foram aplicados aos campos de atuação citados dos dois autores. Em outras ocasiões, exploramos os recursos midiáticos, sons mecânicos, o canto e instrumentos musicais ao vivo, bem como a exploração acústica ou visual, na criação. Mas tudo é processo. As apresentações de performances podiam ocorrer nos corredores do campus universitário, no centro da cidade entre os transeuntes ou dentro do ônibus e as intervenções artísticas nas ruas, nos museus, nas galerias ou no ateliê. Em alguns momentos os elementos visuais predominavam. Noutros, o corpóreo era a tônica. Nem sempre o espaço de realização da performance permitia o uso de equipamentos eletrônicos, ou a utilização de retroprojetores. Por isso, criávamos cenas ou espetáculos alternativos, e intervenções que podiam moldar-se a qualquer situação. Desta maneira, o corpo na cena/arte contemporânea pode ser vivenciado, gerando, novas corporeidades e hibridismos. 4. O artista e o espectador – entre distâncias e aproximações Ao levarmos em consideração o redimensionamento entre artista e espectador, provocamos a transgressão e proporcionamos à arte performática diferentes possibilidades de execução e concepção. De acordo com as considerações de Jacques Rancière, quando se refere ao espectador, o mesmo procura redefinir o conceito no intuito de emancipa-lo. Em outras palavras, necessitamos de um teatro/arte sem espectadores, um teatro/arte em que o espectador deixe de submeter-se à ilusão ótica passiva provocada pelo drama e o liberte da ignorância, da alienação. Deste modo, surge um teatro/arte nova, no qual a ação dramática é reativada na performance. É a busca do retorno do objetivo primordial do teatro – a coletividade -, a busca de seu sentido de assembleia, de comunidade. Por este motivo, Rancière procura resgatar aquele ideal brechtiano de teatro em que, ―os agentes do povo tomam consciência da sua situação e discutem os seus interesses‖, ou um teatro como aquele pensado por Antonin Artaud em que se dá ―o ritual purificador no qual uma coletividade é posta na plena posse das energias eu lhe são próprias‖. Notemos aqui as evidentes oposições entre o coletivo e o individual. O ato da representação e o ato da performance distinguem-se em suas intencionalidades. Se por um lado, o teatro dramático compromete-se aos apelos da ilusão e do estado de passividade do espectador, por outro, a performance pretende desestabilizá-lo e redimensioná-lo, a partir do momento em que visa o ideal do princípio de coletividade e a relaçãoentreo artista e o


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espectador, considerando esse espectador agente e reflexivo. De acordo com Rancière: O palco e a performance teatrais passam assim a ser uma mediação evanescente entre o mal do espetáculo e a virtude do verdadeiro teatro. Cena e performance teatrais propõem-se ensinar aos seus espectadores os meios e deixarem de ser espectadores e de se tornarem agentes de uma prática colectiva (RANCIÈRE, P. 15, 2010).

Mesmo diante da evidente preocupação de Rancière por uma arte que resgate seu ideal de coletividade, na performance ainda predomina o trabalho individual, embora a intervenção do público ocorra cada vez mais. Para o autor, a performance não é a transmissão do saber ou do respirar do artista, pois, na lógica da emancipação existe sempre, entre o mestre ignorante e o aprendiz emancipado, uma terceira coisa, algo que é estranho para ambos, mas que os remete a uma verificação comum a partir do fenômeno artístico. Tal proposição em Rancière pode ser compreendida como a recusa de utilizar a cena para impor uma lição ou transmitir uma mensagem. A partir do momento em que a Performance/Arte Contemporânea procura ―dilatar‖ sua capacidade de liberdade expressiva, rompe com os ―convencionalismos‖ do palco, estabelecendo outras possibilidades relacionais com o espectador, apropriando-se da rua, da cidade ou da vida, enfim, a partir deste momento, ocorre, segundo Rancière, a emancipação do espectador. Ao redimensionarmos nosso olhar de artistas/educadores/investigadores e partirmos do pressuposto de que o corpo resulta de cruzamentos entre o visível e o invisível, daquilo que está em seu interior e o que está fora dele, passamos a considerá-lo não como um objeto, mas também, como sujeito, como aponta Kuniichi Uno, ―O corpo é essa dupla realidade, ao mesmo tempo sujeito e objeto, meu exterior infinito e meu interior como abismo sem fundo‖ (2014, p.41). Portanto, pressupomos não apenas a realidade aparente de um corpo, mas uma multiplicidade resultante da ―dobra de meu interior e de meu exterior, entre o mundo e eu‖. Essa presença corporal que transita entre realidade e ficção, o qual pertence às naturezas teatrais e performáticas, passa a ser o centro propulsor do ator/artista e do performer na contemporaneidade, pois é nela que as novas propostas cênicas acontecem, dispondo e expondo o corpo em sua forma cada vez mais híbrida.

Considerações finais Esta análise buscou estabelecer diálogos entre a concepção de corpo hibrido de dois artistas/educadores/investigadores, um da área de Artes Cênicas e outro da área de Artes Visuais, que fizeram formação paralela na mesma universidade (UFPB), no mesmo período (década de 1990).


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Buscamos apresentar as maiores influencias no campo teórico e prática para o desenvolvimento do processo criativo quando da multiplicidade dos sujeitos envolvidos no processo. Apresentamos algumas experiências de criação em performance e arte contemporânea, e algumas teorias, métodos, sistemas e informações que utilizamos no processo de criação. Nomes como os deStanislawski, Eugênio Barba, Artaud,Grotowski, Peter Brook, Augusto Boal, Viola Spolin, Hélio Oiticica, Lygia Clark, entre outros, e experimentações nos campos do teatro, da performance, da música, da dança, do vídeo, das artes visuais e da ópera, amarraram os laços dos fios, os quais se consubstanciaram em hibridismos corpóreos artísticos. A partir dos estudos de Renato Cohen, Jorge Glusberg, Roselee Goldberg, Canclini, entre outros, foi possível estabelecer particularidades referentes à performance e/na Arte Contemporânea. Ao considerarmos a performance no campo ampliado da Arte, a compreensão da sua ação na formação do artista/educador/investigador passou a considerar outros parâmetros de construção artística, relacionados a suas descobertas de vida, relacionando sua produção com o cotidiano. Agora não era apenas uma questão de representação, mas de presentificação do corpo hibrido do artista como sua obra. Referências BARBOSA, Ana Mae. Educação e Desenvolvimento Cultural e Artístico. Revista Educação & Realidade, nº 20. 1995. Disponível em: https://pt.scribd.com/document/98029418/ANA-MAE-Educacao-e-DesenvolvimentoCultural-e-Artistico. Acesso em: 10.06.2016, p. 9 -17. BONFITTO, Matteo.Entre o Ator e o Performer. São Paulo: Perspectiva, 2013. COHEN, Ricardo. Performance como linguagem: criação de um tempo-espaço de experimentação, São Paulo: Perspectiva, 2004. GLUSBERG, Jorge. A Arte da Performance. São Paulo: Perspectiva, 2005. MONSALU, Fabiana. O corpo híbrido do ator: do treinamento a organicidade para outras possibilidades da cena. São Paulo: Giostri, 2014. RANCIÈRE, Jacques. O Espectador Emancipado. Lisboa: Orfeu Negro, 2010. UNO,Kuniichi. A Gênese de Um Corpo Desconhecido. N-1 Edições: São Paulo: N-1 Edições, 2013. TRINDADE. Rafael. Deleuze: corpo sem órgãos. In: Razão Inadequada (blog). 2014/2014. Disponível em: https://razaoinadequada.com/2013/04/14/deleuze-corposem-orgaos/. Acesso em: 18/04/2016.


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UNIDADE 02 INVESTIGAÇÕES SOBRE ENSINO INCLUSIVO DE ARTES e MEDIAÇÃO INCLUSIVA EM MUSEUS, INSTITUIÇÕES SOCIAIS E CULTURAIS


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EXPERIÊNCIAS DO PROJETO ACESSO: CAMINHOS POSSÍVEIS PARA ACESSIBILIDADE AOS MUSEUS Márcia Bitu Moreno25

A atuação no campo de museus suscitou o interesse em estudos e pesquisas para identificar as contribuições sociais que estas instituições podem oferecer à sociedade. O resultado desse processo reflexivo levou-me aos primeiros estudos museológicos nesta linha, e à criação do Núcleo de Mediação Sociocultural26 e com ele o projeto Acesso no Museu da Cultura Cearense (MCC)27, do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura 28. A partir dos pontos de vistas dos sujeitos da pesquisa qualitativa Las voces de las personas con discapacidad visual: contribuciones hacia la accesibilidad en los museos, realizada por mim no período de 2011 a 2013, abordarei algumas questões que permeiam a acessibilidade 29 nos âmbitos cultural e museológico. De modo particular, apresentarei ainda o trabalho desenvolvido pelo projeto Acesso, ação sociocultural iniciada em 2006, em parceria com representantes de instituições locais, cuja proposta é promover ações de pesquisa, educação e comunicação que atendam às expectativas de pessoas com necessidade de acesso visual, motor, auditivo, cognitivo e sociocultural, favorecendo a participação ativa e autônoma nos museus e espaços culturais.

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Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará (1987), Especialização em Gestão Pública (Universidade Estadual do Ceará (1999) e Máster em Educación y Museos: Patrimonio, Identidad y Mediación Sociocultural, pela Universidade de Murcia (2013). Atualmente é gerente do Museu da Cultura Cearense e coordenadora do projeto Acesso - Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Tem experiência na área de museus, atuando principalmente nos seguintes temas: acessibilidade e projetos sociomuseologicos. Email: marcia@dragaodomar.org.br. 26 O Núcleo de Mediação Sociocultural nasceu com o objetivo promover a participação ativa e reflexiva dos indivíduos e grupos sociais excluídos do acesso aos museus e espaços culturais a partir das seguintes ações: projeto Acesso, projeto Museu vai à Escola (estudantes da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio), projeto Museu e Cidadania Cultural (lideranças jovens em situação de vulnerabilidade social). 27 Museu de natureza etnográfica, localizado em Fortaleza (CE), que reúne um acervo de cerca de 5.600 objetos e 16.000 imagens e documentos das manifestações da cultura do Ceará. 28 Órgão do Governo do Estado do Ceará que atua na formação e profissionalização de artistas e agentes culturais por meio dos seguintes equipamentos: dois museus, um planetário, dois cinemas, um teatro, um anfiteatro, duas galerias, uma escola de arte, dois espaços para eventos, dois auditórios. 29 Segundo o artigo 2°, item 1, da Lei 10.098, acessibilidade é: ―a possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias‖, bem como demais ―serviços e instalações abertos ao público e de uso público ou privados‖, seja na cidade ou no campo, ―por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida‖.


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1. Sobre museus e acessibilidade No campo da pesquisa, o intento é desenvolver estudos continuados por meio de distintas fontes, com destaque para pesquisas de público 30 e da escuta atenta à riqueza de contribuições que o público alvo do projeto pode trazer aos museus. No decorrer do projeto, identifiquei a necessidade de conhecer o público que não enxerga ou que tem grande dificuldade de enxergar, sobretudo ao perceber a reduzida presença destes nos museus onde atuei. Esse fato levou à realização da exposição acessível Na Ponta dos Dedos e ao projeto de pesquisa do público desta exposição, em parceria com o Observatório de Museus e Centros Culturais31. Portanto, em 2010 foram realizadas entrevistas por meio da aplicação de questionários com questões fechadas e semiabertas, em braile e letras ampliadas, para 101 pessoas do grupo social que visitou a exposição. A pesquisa serviu para apreensão de perfis socioeconômicos, culturais e educacionais; de opiniões, expectativas e motivações; de antecedentes e circunstâncias de visita a museus e centros culturais e para avaliação da exposição. Esta experiência e o contato com o grupo gerou a aproximação e suscitou o interesse no prosseguimento da investigação, o que levou à pesquisa Las voces de las personas con discapacidad visual: contribuciones hacia la accesibilidad en los museos, pela Universidade de Murcia (Espanha), a partir de relatos de vida (Berteaux, 2005, p.100), metodologia que me permitiu realizar entrevistas narrativas para extrair informações e significados pertinentes sobre as experiências nos museus de sujeitos com cegueira e entender como estes vivem, sentem e significam estas instituições, assim como os caminhos que sugerem para participar efetivamente destes espaços. Com a colaboração de instituições locais, foi possível chegar a um grupo múltiplo de cinco homens e cinco mulheres com cegueira congênita e adquirida que participaram da pesquisa Perfil-Opinião da exposição Na Ponta dos Dedos. Os participantes tinham escolaridades diferenciadas32, idades entre 18 a 72 anos, distintas origens sociais, profissionais 33 e relativa diversidade de experiências de visitas aos museus.

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Compreende-se público como uma “soma de setores que pertencem a estratos econômicos e educativos diversos, com hábitos de consumo cultural e disponibilidades diferentes para relacionar-se com bens culturais‖ (CANCLINI, 2003, p.150). 31 O programa funcionou até 2011, sob a coordenação de Luciana Sepúlveda, em articulação com a Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz, Museu da Vida, Museu de Astronomia e Ciências Afins, Departamento de Museus e Centros Culturais – DEMU, atual Instituto Brasileiro de Museus – Ibram. 32 Entre Ensino Médio e Pós-Graduação. 33 Dos sujeitos entrevistados, cinco pessoas estão inseridas no mercado de trabalho, o restante está aposentado, sem emprego, ou recebem o Benefício de Prestação Continuada do Governo Federal.


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A seguir destacarei trechos das entrevistas dos sujeitos da pesquisa sobre museus e acessibilidade, com o cuidado de usar nomes fictícios para preservar a identidade dos mesmos. Mais de um sujeito fala que na escola não teve acesso aos estudos de arte ou qualquer estímulo ou motivação para visitar museus. Tânia, em sua entrevista, fala que: […] as pessoas pensam que nós, as pessoas com deficiência, temos que ter as necessidades básicas e ponto. Elas nunca pensam que um deficiente gosta de assistir um filme, ir ao cinema, ver uma peça de teatro, visitar um museu (TÂNIA, 2010).

Esta percepção bastante perspicaz expressa uma realidade: a sociedade não leva em conta a importância da participação destes grupos sociais nas atividades culturais. Historicamente, os esforços voltam-se para a garantia de direitos básicos, sem, porém, que seja dada uma relevância significativa aos seus direitos culturais34. Nos relatos dos sujeitos sobre o que gostam de fazer no tempo livre, verifica-se a preferência por atividades realizadas em casa, como escutar música, assistir televisão (jogos de futebol, filmes), ouvir rádio, ler em braille ou na Internet. Percebe-se também a inclinação por atividades realizadas em grupo, que permitem o diálogo e a sociabilidade no cotidiano (LAHIRE, 2006), como conversar, ir a shows, cinema, bares e restaurantes. Os sujeitos citam os obstáculos que limitam a sua circulação, como a violência urbana, a ausência de transporte público satisfatório, de segurança e de políticas públicas de acessibilidade. Estes fatores dificultam profundamente a vida dessas pessoas, tornando-se um forte obstáculo ao uso e apropriação dos espaços urbanos e culturais, o que resulta na escolha por atividades realizadas dentro de casa ou em grupos. Além disso, têm que conviver com obstáculos estruturais e simbólicos tais como a histórica desigualdade de renda, educação e emprego; e as representações construídas socialmente sobre as pessoas com deficiência que geram prejuízos às identidades individuais. Museus para quem? No que se refere às experiências nos museus, Tânia reclama que ―[...] normalmente se vai [ao museu] para ver alguma coisa do outro ou de alguém que talvez nem recorde, nem conheceu, que não se identifica com aquilo‖. E Cora se sente ―[...] discriminada por ser cega no museu. Segundo ela, [...] é um tipo de cultura seletiva, elitista, talvez por isso as pessoas mais 34

Compreendido como o direito ao ―acesso e à livre participação, sem consideração de fronteiras, na vida cultural, através das atividades que escolher‖ (Meyer-Bisch; Bidaut, 2014, p.31,).


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simples não se enquadram‖. Ela tem dúvida ―[...] se algum dia o museu chegou a ser mais popular [...]. Os museus [...] são mais para a classe média, a classe alta‖. Jorge, por sua vez, analisa que quem vai aos museus ―[...] são quem tem mais conhecimento, desgraçadamente a classe A, B‖. Cora atribui sobretudo à escola e aos museus a ausência de estímulos à prática de visita. Segundo ela, os museus ―[…] não são acessíveis para a maioria da população por causa do mito que se criou em relação ao que é ser museu‖. E Clarice acrescenta: ―Não é um defeito dos museus. É um defeito da sociedade, por mais que lutemos a sociedade não está preparada para receber um cego‖. André relata que seus amigos cegos nunca lhe convidam para visitar um museu: Quando saímos para conversar sempre falamos: ‗O que há de novo? Vamos visitar um lugar diferente? O que vamos fazer no fim de semana?‘ E nunca falam: ‗Vamos visitar um museu? (CLARICE, 2010).

Com efeito, a ausência do hábito de visita a museus não é propriedade exclusiva do grupo de estudo em questão. Os estudos de Bourdieu e Darbel (2003, p. 37) revelam que a frequência de visitas aos museus aumenta consideravelmente na medida em que o nível de instrução se torna mais elevado, o que corresponde ―[...] a um modo de ser, quase exclusivo das classes cultas‖. Com isto, os autores comprovam que, apesar de a sociedade oferecer a ―[...] todos a possibilidade de obter proveito das obras expostas nos museus, ocorre que somente alguns têm a possibilidade real de concretizar‖ (BOURDIEU; DARBEL, 2003, p. 69). Isto porque alguns fatores favorecem a participação na cultura de forma diversificada e regular, tais como o ―nível de formação e de renda elevado, proximidade da oferta cultural, familiaridade precoce com o mundo da arte, modo de lazer voltado para o exterior do domicilio e a sociabilidade entre amigos‖ (LAHIRE, 2006, p.17). Além de não ter os privilégios citados acima, a situação se agrava porque os museus não levam em consideração as condições particulares dos grupos que necessitam de atendimento especializado, o que limita ainda mais sua participação. Alguns exemplos citados pelos sujeitos da pesquisa são: o aspecto físico dos museus, posto que não existe um Desenho Universal 35; a localização usualmente em edifícios antigos que apresentam obstáculos que dificultam a circulação; a falta de sinalização para orientação no interior e no entorno e, segundo Clarice e Raquel, os profissionais da cultura e dos museus não têm noção do comportamento das pessoas com deficiência. Isso lhes causa desorientação e insegurança, fatores que comprometem a motivação para visitas e regresso ao museu. 35

O artigo 2°, item X, da Lei 10.098, define Desenho Universal como ―Concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados por todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou de projeto específico, incluindo os recursos de tecnologia assistiva‖.


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Os entrevistados acentuam também a ausência de atenção às necessidades de percepção tátil. Clarice pensa que: [...] o grande defeito do museu é que não se pode tocar em nada, isso deixa uma tristeza dentro da alma do cego, porque a coisa mais frustrante para um cego é não poder tocar (CLARICE, 2010).

Para André, a primeira experiência no museu deixou um sentimento de ―tristeza‖, ―vazio‖, e ele tomou a decisão de não voltar: ―Não vou mais ao museu, não posso tocar nada, não vou ver nada, não existe prazer em visitar esse lugar‖. José fala que a sociedade se preocupa somente com os videntes, e diz: ―Então vamos expor, colocar um quadro, um texto, e a minoria que tente incluirse naquele espaço‖. As pessoas que trabalham nestas instituições, na opinião de Carlos, ―[...] pensam em tudo ao montar um espaço, que tudo fique bonito, mas não pensam em nenhuma pessoa com deficiência‖ (José, 2010). E Tânia ressalta a falta de autonomia nas exposições: A percepção é sempre através dos outros, nunca pela minha; se houvesse alguma forma que a pessoa cega pudesse dizer: ‗Ah, agora é meu momento, eu também posso explorar essa exposição (TÂNIA, 2010).

Para melhoria deste quadro, Jorge sugere que ―é importante a participação na vida cultural‖, pois é uma ―[…] forma de mostrar que a pessoa com deficiência visual também é um ser humano, tem lazer como as outras pessoas, aprendem e ensinam coisas novas‖. E recomenda que haja ―[…] pessoas com todas as deficiências, ou pelo menos uma pessoa que conviva e entenda as deficiências nas secretarias da cultura, no Ministério da Cultura‖. De acordo com Tânia, é ―importante participar como público e colaboradora, para estimular nas pessoas o desejo de visitar museus‖. Já Carlos sugere exposições atrativas e interativas. Todos destacam recursos como sinalização tátil, maquetes, textos acessíveis, Audiodescrição, uso de novas tecnologias, atendimento inclusivo para amenizar as dificuldades que existem na visita, divulgação sobre exposições na Internet e redes sociais. Assim, ainda que a maior parte não seja assídua ou não visite os museus, expressa de forma recorrente o direito de desfrutar de forma igualitária destes espaços sociais, de sentir-se identificados e respeitados em suas diferenças, potencialidades, valores e ideias, e apontam os obstáculos que encontram para a satisfação de seus direitos e inquietudes. O que significa, pois, uma aposta e uma valorização do museu enquanto instituição que pode garantir essa participação cidadã. Clarice, por exemplo, manifesta o desejo do reconhecimento quando diz: ―Ei, estou aqui, também quero ter cultura, também faço parte do mundo‖.


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Como assinala Hopenhayen (2005), as políticas da diferença devem estender-se àqueles que menos possuem, e não se referem somente aos direitos sociais, mas também à participação na vida pública. No Decreto 6.949, de 2009, que promulga a Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, o artigo 30 estabelece que devem ser tomadas medidas apropriadas para que essas pessoas tenham ―acesso a bens culturais em formatos acessíveis‖, e, também, às atividades e locais que ―ofereçam serviços ou eventos culturais, tais como teatro, museus, cinemas, bibliotecas e pontos turísticos‖, dentre outros. Um direito que é assegurado na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, nº 13.146, de 2015, notadamente no Capítulo IX, que trata do ―direito à cultura, ao esporte, ao turismo e ao lazer em igualdade de oportunidades com as demais pessoas‖. Em 2009, o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) destacou a necessidade de estabelecer a ―[...] acessibilidade universal dos diferentes públicos, na forma da legislação vigente‖ (BRASIL, 2009), por meio do Estatuto de Museus (Lei nº 11.904). Em seguida, em 2012, implantou o Plano Nacional Setorial de Museus (PNSM), e criou o eixo estruturante ―Cultura, cidade e cidadania‖ que atuará no prazo de 2 a 10 anos para consolidar a política de acessibilidade36. Entretanto, apesar das reinvindicações e de legislação que trata dos direitos destes coletivos, ainda é lento e segmentado o combate à exclusão e a atenção dada ao campo cultural. Além disso, geralmente as ações são movidas pela obrigatoriedade de cumprir a lei existente, ou acontecem de forma isolada por iniciativa de grupos ou indivíduos que buscam contribuir para acessibilidade. Por este motivo a necessidade de políticas culturais construídas em conjunto com os sujeitos envolvidos para modificar o quadro de exclusão das pessoas na produção e consumo de bens, produtos e serviços culturais oferecidos socialmente. Do ponto de vista de Calabre (2007), é importante levar em conta o reconhecimento da diversidade cultural dos distintos agentes sociais e seu envolvimento na criação de políticas de gestão cultural inclusivas, para promover o potencial cultural de todos os grupos sociais de acordo com ―[…] necessidades e desejos, buscando incentivar a participação no processo de criação cultural‖ (CALABRE, 2007, p.102). Embora o quadro apresentado seja pouco promissor, atualmente existem museus propícios a experiências que ensinam a alteridade, onde é possível circular e dialogar criticamente com ―[...] outras vozes e histórias dissonantes, até dissidentes‖ (BHABHA, 2005, p 24). Muitos deles inspiram-se nos conceitos 36

―Estimular a criação de legislação e produção de orientações sobre acessibilidade aos museus e centros culturais; garantir acesso a pessoas com deficiência, com mobilidade reduzida e em situação de vulnerabilidade social aos museus e centros culturais; capacitar todos profissionais dos museus e centros culturais para aplicar as normas e orientações da política de acessibilidade universal‖ (IBRAM, 2012).


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da nova museologia, movimento que dinamizou o setor e gerou a necessária revisão conceitual e, com ela, a criação de uma série de museus voltados para o desenvolvimento social e humano, certamente desejosos também de atender aos anseios de distintos grupos sociais de serem reconhecidos e levados em consideração. Experiências do Projeto Acesso Distintos museus incorporaram elementos que contribuem para a dinamização de experiências multissensoriais com objetos, conteúdos e itens expositivos. O projeto Acesso se insere neste contexto como um caminho para lidar com a diversidade de públicos e gerar experiências educativas e socializadoras, nas quais ninguém se sinta em desvantagem por sua condição socioeconômica, cultural ou pessoal, mas para que todos sejam respeitados em suas identidades, diferenças e singularidades de percepções. As atividades do referido projeto geraram a participação de aproximadamente 3.000 pessoas desde a implantação, em 2006. Formação do público-alvo e dos educadores de museus, oferta de exposições e mediações educativas são desenvolvidas em estreita colaboração com indivíduos e grupos, instituições socioeducativas (universidades, escolas, ONGs etc.) e demais setores do Museu da Cultura Cearense (MCC). No campo da educação, nosso maior incentivo é a crença de que as pessoas que não tiveram estímulo no meio familiar ou escolar à prática de atividades culturais tem possibilidade de vivenciar contextos culturais mais favoráveis na vida adulta (LAHIRE, 1997), uma vez que outras influências socializadoras, como ―[...] instituições, grupos, pais, membros da família, amigos, professores, agentes de instituições culturais‖ (LAHIRE, 1997, p.23) podem substituir as socializações culturais que lhe faltaram. Levamos em conta também que os indivíduos não são iguais e não chegam a museus "vazios de significados‖ (OROZCO, 2005, p. 42, tradução minha). Eles trazem consigo ―[...] modos particulares de interações e de aprendizagens" (OROZCO, 2005, p. 42, tradução minha). Desta forma, o usuário do museu é percebido como [...] um ser social ativo em permanente interação consigo mesmo, com os outros e com seu entorno, capaz de construir conhecimentos e de fazer interpretações a partir dessa interação‖ (OROZCO, 2005, p. 42, tradução da autora).

Assim, a equipe do projeto, composta por Carlos Viana (estudante de Jornalismo), Júlio César (graduado em Letras), Lara Lima (graduada em Letras), contribui para o enriquecimento das atividades de distintas formas, inclusive porque vivenciam a experiência da cegueira. O propósito é criar ações educativas que valorizem a diversidade de experiências sociais, repertórios e práticas culturais, estilos de aprendizagem e diferentes tipos de percepção e interpretação do mundo.


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Desta forma, as ações destinadas ao público-alvo acontecem por meio da formação e mediação. O Ateliê Experimental é uma atividade com o objetivo de realizar trocas de experiências entre artistas visuais37 e público alvo do projeto. Os encontros tiveram início em 2010, e possibilitaram intercâmbio de conhecimento, assim como a aprendizagem de conceitos e técnicas artísticas, tendo sido realizadas experiências para alunos da Associação dos Cegos do Estado do Ceará - ACEC, Sociedade de Assistência aos Cegos, Instituto Cearense de Educação dos Surdos, etc.; que resultaram em produção de vídeos, monotipias, desenhos, esculturas de barro, dentre outras. O programa Museus em suas Mãos realiza atividades construídas em conjunto com professores (as) e alunos (as) desde 2011. O propósito é promover atividades antes (isto é, nas escolas), durante e depois da visita às exposições do Museu da Cultura Cearense. Assim, são planejadas ações a cada nova exposição que instigam o diálogo e conhecimento por meio de mediações reflexivas em que o usuário é conduzido a observar, sentir, perceber, descrever, interpretar e tecer considerações a respeito da experiência de fruição. A ideia também é envolver os professores para que possam ser protagonista em todo processo educativo, de modo a sair do papel secundário na experiência de visita. Recentemente, em 2012, criamos o grupo Percebe que reúne cinco pessoas com cegueira que fizeram parte das pesquisas e que vêm participando de atividades a cada nova exposição do MCC (mediação, encontros com artistas, visitas a ateliês e oficinas). O objetivo é estimular o desejo e prazer de visitar museus mediante atividades educativas que instigam sentidos, memórias, criatividades, imaginação e expressão, e respeitam o perfil de cada um. Na formação de educadores e profissionais de museus e da cultura, oferecemos o curso semestral Atendimento à Diversidade, cuja proposta é possibilitar que os alunos possam penetrar na diversidade do público alvo e adotar posturas inclusivas no atendimento, mediante o conhecimento das singularidades das pessoas que tem dificuldade visual, auditiva, motora, cognitiva e de todas que necessitam de atendimento especial nos museus. O curso de Audiodescrição ministrado em 201038 possibilitou a aprendizagem da técnica, contribuindo para o enriquecimento das mediações educativas nas exposições e estimular o uso nos museus. Como exemplo, temos a atuação de Lara Lima que participou do curso, continuou os estudos nesta linha, realiza Audiodescrição para exposições do MCC e ministra oficinas da técnica para os educadores. Ela trabalha há cinco anos no projeto Acesso e o fato de ter cegueira congênita contribui para orientação do que é essencial na Audiodescrição de imagens em uma exposição. Já o curso de Libras, iniciado em 2010, é ministrado por professores surdos com o objetivo de ampliar o conhecimento sobre a cultura e identidade surda, e a comunicação entre surdos e ouvintes. Neste caso, vários 37

Eduardo Elói, Cris Soares, Marina de Botas, Mauricio Coutinho, Solon Ribeiro, Simone Barreto, Yuri Firmeza. 38 O curso foi ministrado pelo Prof. Dr. Francisco José de Lima, da Universidade Federal de Pernambuco.


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educadores que participaram do curso deram continuidade aos estudos da língua39. Também são desenvolvidas ações de socialização de pesquisas e experiências em seminários, congressos e encontros, uma contribuição para o compartilhamento de ideias e conhecimento no campo da acessibilidade. 40 Entre estes eventos o seminário Acessibilidade em Espaços Culturais, realizado em 2009 e o seminário Os Sentidos da Arte: pesquisas e práticas de acessibilidade em museu e educação, em 2010. Ambos contaram com a participação de pesquisadores e artistas do Ceará e de distintas instituições e universidades do Brasil. No campo da comunicação em museus, as propostas de acessibilidade para exposições temporárias são planejadas pela equipe do projeto Acesso e núcleos do Museu da Cultura Cearense. De modo que a acessibilidade já compõe o projeto expográfico; nos demais casos, depende da receptividade dos curadores e artistas que, embora nem sempre positiva, tem suscitado experiências enriquecedoras. Desta forma, busca-se apresentar propostas com recursos acessíveis, didáticos e adaptados ao perfil do público. A exposição temporária Na Ponta dos Dedos resultou do trabalho conjunto entre equipe do Museu da Cultura Cearense, artistas, professores e público alvo. Realizada de janeiro a março de 2010, atraiu 49.000 visitantes, com aproximadamente 100 pessoas com cegueira e visão subnormal. Em homenagem a Louis Braille, a exposição ofereceu o contato com diversos elementos em braille41. Além disso, deu-se atenção a outros recursos, tais como piso tátil, maquete tátil, sala escura com objetos táteis, busto de Louis Braille, vídeo em Libras com conteúdo da exposição, além da exposição de obras dos alunos e artistas do Ateliê Experimental (desenhos táteis, monotipias, vídeos, etc.), dentre outros. Na avaliação da exposição um percentual de 89,1% ficou satisfeito ou muito satisfeito, segundo dados da pesquisa Perfil-Opinião. Por outro lado, as apreciações de alguns visitantes no Livro de Opiniões da exposição demonstram o papel do museu como um lugar que visibiliza a situação dos indivíduos e grupos sociais que enfrentam distintas formas de exclusão: ―Consegue nos levar a outra realidade, no caso a dos cegos. Não só nos leva a conhecer, como também a nos interessar e entender melhor essa realidade‖. E ao mesmo tempo como um lugar de provocação crítica, de interrogação:

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A educadora Bárbara Cunha é um exemplo de participante do curso que se dedicou aos estudos da língua e hoje atua como intérprete de Libras nas exposições do MCC e de outros espaços. 40 Encontro Museus em Prosa; discutindo acessibilidade nos Museus, realizado pela Diretoria de Museus do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (2012); Seminário de Audiodescrição, na Universidade Federal de Pernambuco (2011); III Congresso Brasileiro de Educação Especial e IV Encontro Brasileiro de Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial (2008), São Carlos (RS). 41 Máquinas de escrever em braille, sorobans, regletes; produtos com rótulos em braille; textos e legendas em braile.


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Esta exposição me inquieta, me deixa em contato com a impotência, com certa ignorância da minha parte por sentir na ponta dos dedos os caracteres e não entendê-los: quem é deficiente mesmo?

Quanto à exposição de longa duração Vaqueiros42, em exibição desde 1999, foi necessária uma intervenção para tornar a exposição acessível. Assim, foi criado um percurso pelas seguintes temáticas: ―Vaqueiros e povoamento‖, ―Das utilidades do boi‖, ―A geografia e biologia sertaneja‖, ―As fazendas e alguns utensílios‖ e ―Fé e imaginário‖, onde o visitante tem acesso a diversos objetos que fazem referência ao cotidiano do vaqueiro 43, e também a imagens táteis, textos didáticos em letra ampliada e braille e em voz sintetizada, vídeo com conteúdo da exposição em Libras, audiodescrição e educadores capacitados para receber e orientar o público alvo. O material encontra-se distribuído em cinco móveis localizados em pontos estratégicos da exposição. As experiências vividas no projeto Acesso nos instigam a vivenciar a alteridade de distintos modos, pois permitem o convívio e troca com o público alvo que nos enriquece com sua participação e expande nosso olhar sobre o (a) outro (a), e, em particular, sobre as práticas museológicas. Na exposição do 67° Salão de Abril que aconteceu em 2016 no Museu de Arte Contemporânea (MAC) do CDMAC, por exemplo, contratamos um grupo de mediadores formado por equipe do projeto Acesso, educadores do MAC e intérprete de Libras. Além disso, incluímos Mirela e Hélio, ela surda e ele autista, com a proposta de possibilitar que vivenciassem uma experiência frutífera no museu, bem como estimular a interação com educadores e público. A experiência gerou resultados significativos. Ademais de aprender sobre autismo na convivência diária com Hélio, foi possível propiciar-lhe o primeiro contato com a arte, novos conhecimentos e relações e grande satisfação pela nova ocupação. Todos os dias, ele declarava seu contentamento e indagava: ―Como eu faço para trabalhar para sempre aqui?‖. O depoimento de uma participante do Grupo Percebe resume igualmente o quanto é gratificante desenvolver o projeto Acesso: O tempo foi passando, novas exposições acessíveis foram acontecendo e hoje sou uma viciada em museus. De tanto frequentar as exposições acessíveis do projeto Acesso, fui convidada a conviver com alguns artistas, bem como participar de oficinas, hoje posso dizer que conheço, entendo, convivo e posso até dizer o que é arte.

Por fim, é urgente a consolidação de políticas culturais e a incorporação em gestores e profissionais da cultura, de posturas e práticas que garantam a participação real e igualitária deste grupo social nos museus e demais espaços. O descaso neste setor traz prejuízos sem precedentes para construção de identidades afirmativas e democratização do campo da cultura. O projeto Acesso segue um caminho tortuoso e muitas vezes solitário, permeado de 42

A exposição Vaqueiros utiliza recursos cenográficos, ensaios fotográficos e objetos ligados ao cotidiano a partir de pesquisa realizada em 1998 sobre o universo do vaqueiro. 43 Indumentária e instrumentos de trabalho do vaqueiro, vegetação da caatinga, ex-votos, máscaras de reisado, carro de boi, etc.,


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conquistas, incertezas e conflitos, mas incansável na busca de suscitar experiências sensíveis e inclusivas. Referências BHABHA, K. H. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005. BOURDIEU, P.; DARBEL, A. A. O amor pela arte: os museus de arte na Europa e seu público. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Zouk, 2003. BERTEAUX, D. Los relatos de vida. Perspectiva sociológica. Barcelona: Bellaterra, 2005. BRASIL, Decreto-lei nº 6.949, 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Brasília, DF: Casa Civil. Subchefia de Assuntos Jurídicos, 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D6949.htm>. Acesso em: 03 out. 2011. ______, Decreto-lei nº 10.098, 19 de dezembro de 2000. Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida. Brasília, DF: Casa Civil. Subchefia de Assuntos Jurídicos, 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L10098.htm>. Acesso em: 03 out. 2011. ______. Instituto Brasileiro de Museus. Plano nacional setorial de museus 2010/2012. Brasília: Instituto Brasileiro de Museus, 2012. ______. Decreto-lei, nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009. Instituto Brasileiro de Museus. Institui o Estatuto de Museus e dá outras providências. Brasilia, DF: Casa Civil. Subchefia de Assuntos Jurídicos, 2009. Disponível em: <http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=18/10/2013&jornal=1& pagina=1&totalArquivos=200>. Acesso em: 03 out. 2011 CALABRE,l. Políticas Públicas no Brasil: balanço e perspectivas. Em Barbalho, A.Y, Rubim, A. A. (Orgs). Políticas Culturais no Brasil. Salvador, 2007. CANCLINI, N.C. Culturas híbridas: Estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2003. LAHIRE, B. A cultura dos indivíduos. Porto Alegre: Artmed Editora, 2006. _______. Sucesso escolar nos meios escolares. São Paulo: Editora Ática, 1997. MEYER-BISCH, Patrice; BIDAUT, Mylene. (Org.). Afirmar os direitos culturais: comentário à declaração de Friburgo. 1.ed. São Paulo, Editora Iluminuras, 2014 MORENO, M. R. B. Las voces de las personas con discapacidad visual: contribuiciones hacia la accesibilidad an los museos. 2013. Dissertação (Máster em Educación y Museos: Patrimonio, Identidade y Mediacíon ) – Museos Inclusivos, Diversidad y Accesibilidad, Universidade de Murcia, Espanha, 2013. OROZCO, G. Los museos interactivos como mediadores pedagógicos. Revista Electrónica Sinéctica. Instituto Tecnológico y de Estudios Superiores de Occidente. México, n. 26, p. 38-50, 2005. Disponível em: http://redalyc.uaemex.mx/src/inicio/ArtPdfRed.jsp?iCve=9981591400. Acesso em: 03 out. 2011.


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ARTE CONTEMPORÂNEA E PAISAGEM URBANA: VISUALIDADE E VISIBILIDADE Carmen Silvia Maia de Paiva44 Esse texto pretende realçar e ao mesmo tempo discutir o viés educador e a capacidade inclusiva da arte contemporânea que por vezes já se apresenta em seus modos de inserção no campo da cultura e da arte. A partir de alguns exemplos concretos, tal como Cildo Meireles e Shirley Paes Leme, a arte contemporânea elabora atravessamentos que são eles mesmos educadores, sobretudo quando levantam questões e não bandeiras. As manifestações contemporâneas de arte e museus esbarram em limites que são eles mesmos razão de fazer perguntas e de alargar fronteiras políticas. O Museu da Maré e o Muf (Pavão, Pavãozinho e Cantagalo) propõem largas discussões com o campo da museologia e com os limites da arte e da cultura. Os marcos da análise foram a discussão do conceito de técnica e paisagem, além de práticas artísticas e culturais, tendo Roger Chartier como referência, além da vivência da autora quando parte do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram-RJ). Toda a análise é costurada pela presença dos espaços heterotópicos de Michel Foucault. Apenas virtual no início do texto, mas extremamente presente no final, são eles que norteiam a dobra entre inclusão/exclusão e esses espaços diferenciados urbanos, intensificados no Muf e no Museu da Maré.

1. Arte Contemporânea e Paisagem Urbana: visualidade e visibilidade

Inicialmente, gostaria de salientar algumas nuances nas palavras ―educação‖ e ―cultura‖, pois enquanto a primeira apresenta-se como sinônimo de ―ato ou efeito de desenvolvimento de capacidades físicas, intelectuais e morais‖, ou ―adestramento‖ a segunda se liga ao cultivo. Em ambas, entretanto, percebemos que há algum tipo de relação com ―natureza‖. Ao retomarmos a etimologia das palavras, saímos de um campo de significados envolvidos por certa esquizofrenia social que insiste em não apontar com clareza a relação de fato ainda existente entre técnica – em sua qualidade de espaço ocupado - e natureza. Frequentemente compreendida como capacidade de fabricar utensílios e portanto de modelar o mundo natural, o passeio pelo conceito de técnica indica a exigência em se perceber que estamos sempre lidando com concepções historicamente construídas. Na cultura ocidental, a técnica representaria os modos plurais pelos quais os homens buscaram minimizar ou fazer recuar a influência da natureza. Modelando-a, os homens buscaram organizá-la, transformá-la e frequentemente dirigi-la para seus fins, sempre relativos. No ocidente, o movimento de transformação da natureza pelos instrumentos teria triunfado integralmente, aponta Robert Creswell45. No decurso de nossa civilização, continua o autor, a técnica mostrou-se um elemento dialético em constante interação com fenômenos econômicos, sociais e culturais. No entanto, elas passaram 44

Doutora em História Social da Cultura (PUC RJ), Professora do Departamento de Artes Visuais da UFPB. Email: casimapa@gmail.com 45

CRESWELL, Robert. Técnica. Enciclopédia Einaldi. Lisboa. Ed. Imprensa Nacional. P.333


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a ser consideradas inferiores ou mesmo desprezíveis. Todavia, as técnicas, ou ciência dos materiais, na arte e no conhecimento em geral, não foram expulsas pelo universo tecnológico, encontrando-se por vezes mesclada a esta. De fato, diferente da simples manipulação da natureza, as técnicas, o campo da educação, da cultura e da arte são extremamente elásticos e não devem ser compreendidos de modo evolucionista. A arte contemporânea, que não comporta categorias estilísticas nem apresenta modelos universais, tem sido um instrumento extremamente democrático de transformação de realidades do mesmo modo que contribuiu largamente para a transformação do termo paisagem. Concebido de modo diverso ao longo do tempo, o conceito de paisagem como tudo aquilo que uma vista alcança é reducionista. Também compreendida como cena que se desdobra perante nosso olhar (protegido), o termo paisagem vem se transformando em construção, lugar que atuamos. Sendo paisagem também ambiente, que nos afeta tanto quanto a ativamos, proponho a palavra elo entre homem e ambiente, e ainda elo entre homem-ambiente-técnica. Revolução no modo de se encarar a ligação entre técnica e representação, o campo da arte, e sobretudo da arte contemporânea, é fruto de um processamento e de uma elaboração que é também de ordem sócio-cultural. Logo, como o homem que vive em sociedade é também o homem enredado no campo simbólico, da linguagem e da representação, todas as questões da arte – da arte contemporânea inclusive - passam pelo espectro educacional. Uma vez que o campo do trabalho artístico contemporâneo não exige conhecimentos técnicos especializados ou constituição de um saber formal prévio, podendo ser percebido como alargamento democrático e campo de possibilidades apresenta, contudo, limites. Os processos representacionais ou miméticos, atravessados por questões sociais, históricas, geográficas e culturais, também tem que ter em conta a dimensão psíquica, que é simultaneamente individual e coletiva. Não reconhecer isso em nada contribuirá para a tão propalada transformação social. Em nome do ´tudo pelo social´ muitas atrocidades e apequenamentos, da arte e da vida já ocorreram.... Não se pode negar que a arte contemporânea não seja democrática. Podendo ser feita a partir de absolutamente qualquer material ou suporte, são processos cognitivos que ao envolverem questões fenomenológicas de ordem cultural, social, política, religiosa ou profana, também tem limites de inclusão, proposta de discussão desse seminário. Por vezes considerada obscura, os limites da arte contemporânea não são, contudo, rua de mão única. A arte contemporânea de fato transforma a maneira de encarar os materiais. Ela mexe com o campo da ciência (aspas) dos materiais, pois definir uma técnica como um meio de agir sobre a matéria prima deixa de ser um caminho pedagógico coerente... Se considerarmos que a ação de modelar, gravar, bordar, cozinhar, ou ainda semear um campo agrícola, são gestos técnicos, mas também campos imaginantes a matéria que era sofrida faz sofrer. E mesmo se admitirmos etapas, por exemplo, preparação e acabamento, sempre haverá algum tipo de dimensão imaginante, ainda que alguns momentos pareçam mais carregados de significado que outros. Nas vanguardas do início do século XX – caso do Dadaísmo e do Surrealismo, ou na arte dos anos 60 em diante - enquanto alguns processos técnicos apontavam para situações convergentes, outros não... Nenhuma técnica, nenhuma manifestação artística, nenhuma sala de aula ou discussão a respeito de inclusão está dissociada de


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processos socioculturais 46 e de conflito, de pontos de vista ou prioridades diferentes. Da mesma forma, nenhum historiador ou coleção museológica está desconectado de sua inserção numa determinada paisagem geográfica e temporal e suas divergências. Assim, toda reivindicação de inclusão envolve uma multiplicidade de fatores, inclusive de linguagem, sendo a sua aquisição já ela mesma um processo educacional e de inclusão. Também o campo da museologia e das coleções está inscrito na linguagem, no campo simbólico e no campo das trocas. Desde às preciosidades acumuladas, esse campo à parte da produção, sempre foi uma produção simbólica e tendeu a algum tipo de movimento museal. Diversa, a musealização da cultura não é um fenômeno recente: a maneira como guardamos, protegemos, exibimos ou compartilhamos muda muito, mas nessa cadeia transformadora e representacional, sempre precisa ocorrer algum grau de inteligibilidade ou homogeneidade. Todavia, logo reconhecemos que houve um deslocamento quanto à ênfase; antes atribuída aos objetos materiais e à interdependência entre estes e a construção social e simbólica de identidades e memórias, quando os objetos perdem a condição de depositários de valores transcendentes presos à categorias sociais, a própria ideia de museu é substituída pela de fatos ou práticas museais, indicando tudo o que não se restringe aos espaços institucionais. Impulsionada pelo campo da arte moderna e da arte contemporânea, assim como pela assimilação de outros saberes às práticas historiográficas, a nova museologia passa, paulatinamente, a incorporar práticas e espaços que tradicionalmente estariam excluídos. O trabalho historiográfico e multidisciplinar dos Annales na França, contribuíram para que os objetos deixassem o lugar de suporte material e fonte de transmissão de mensagens intencionalmente dirigidas, passando a representar o cotidiano de diversos grupos, assim como a discutir o próprio campo representacional. A emergência de novos objetos no campo da historiografia e da museologia, envolve até mesmo nossas atitudes perante a vida e perante a morte, rituais e formas de sociabilidade, constituindo novos territórios que além de anexarem outros, ficam misturados mesmo, como corpos híbridos. Com auxílio dos artistas, que, de modo multivalente, apontam muito mais para frente, discutimos fronteiras. Os movimentos na arte contemporânea vieram tornar manifesto que o valor de uma obra de arte não é, e de fato nunca o foi, passível de ser aferido objetivamente. Há um trabalho de Cildo Meireles, que só foi exposto no Musée d´Art Moderne et Contemporain de Strasburg, intitulado `Antes´(1977-2002) no qual cada degrau nos remete a uma repetição fractal e em escala de todos os elementos envolvidos: mesa, chão e escada apresentam-se numa sequência simultaneamente ascendente (estamos subindo) e descendente (temos a impressão de estarmos de onde acabamos de sair). Com esse trabalho Cildo indica que o valor da arte está no resíduo, na memória. Na arte estão extratos da memória, rastros de outros tempos, uma memória que seria também social. No filme/documentário `Cildo´ (dir. Gustavo Moura, 2010), o artista diz que quanto mais sedimentado na memória, mais forte é o trabalho de arte. Ele se refere à 46

NETO, Alfredo Veiga. Dominação violência poder e educação escolar em tempos de império. Org Alfredo Veiga Neto e Margareth Rago. Figuras de Foucault. Ed Autentica.Belo Horizonte. 2006. p.17


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memória coletiva, a um ´lejos´(ele gosta dessa palavra) que aproxima a arte de um inconsciente, se é que podemos falar assim, que seja também coletivo. Nesse caso, a duração do trabalho já não estaria em sua materialidade. Ocupado com o espaço, uma das principais preocupações do artista, chega-se ao tempo, que, imponderável, como a imaginação, é de todas as ´matérias´, a mais inclusiva. Todavia, mesmo as categorias do pensamento, diferente do pressupomos habitualmente, não são totalmente universais. Ainda nesse documentário, o artista - que percebe o quanto os objetos artísticos são frutos de um processamento, de elaborações psíquicas e sociais realça o quanto as artes plásticas oferecem como campo criativo pois cada nova ideia exige uma nova linguagem para expressá-la. Desse modo, Cildo reafirma ainda a necessidade de transformar as práticas estéticas em práticas culturais e acrescenta: ´eu acredito que todo artista deva abrir-se para a diversão, mesmo através da produção´. Neste momento de nossa reflexão, eu gostaria de falar um pouco do trabalho de Shirley Paes Leme (1955), artista goiana que ao meu ver costura bem esse estreitamento entre arte contemporânea e educação patrimonial. Aluna de Amilcar de Castro, em Minas, e também da Universidade Federal de Minas Gerais, mais tarde Paes Leme tornou-se professora da Universidade Uberlândia. Em 1975, quando ganhou uma bolsa de estudos da Fullbright, sai de Uberlândia e vai para os Estados Unidos, aonde fica entre 1984 e 1986. Escolhido um recorte de sua obra que se inscreve na década de 70, quando o Brasil viveu um momento politicamente muito tenso, em termos museológicos, numa aparente contradição: década na qual vários museus modernizaram seus espaços, ganhando reserva técnica, laboratório de conservação e restauração, bibliotecas, período no qual os espaços de exposições passaram a ter seguranças, foi um momento de intensa experimentação. Por vezes vivendo situações metaforicamente explosivas como na instalação/performance ´Fiat Lux´(Cildo Meireles, 1970), foi uma época na qual os museus passaram a se preocupar também com controle ambiental. Daí em diante, até pelo menos os anos 90, com a intensificação de exposições temporárias, também um sintoma das dificuldades dos museus em guardar, conservar e por vezes até mesmo compreender, as ações e a materialidade da arte contemporânea. O que ocorre nesse intervalo de tempo? Boa parte das experimentações artísticas nos anos 1970 estão ou acabaram se perdendo nos arquivos pessoais de artistas. Foram eles que guardaram, ou guardam ainda, a esparsa memória e os registros de performances, eventos e projetos de videoarte de um período que lutava contra as regras institucionais e sobretudo contra as regras dos editais que muitas vezes comprimiam a força e a elasticidade dos trabalhos da época. Nesse período, mesmo os museus que se abriram para o caráter experimental da arte, teve dificuldade de conseguir equipamentos para registrar essas temporárias e fragmentares ações artístico-culturais. Totalmente ambientais, os registros não filtravam os ruídos do ambiente, como faz o universo tecnológico de hoje. Não havia edição de imagem e a preocupação principal não era essa: confrontava-se o universo institucional e as modalidades de escolher e classificar, que na época se baseavam ainda em suportes. Muitos trabalhos de arte contemporânea desse período são propositalmente feitos com materiais velhos. No caso de Shirley Paes Leme, gostaria de destacar uma obra realizada pela mesma na I Bienal do Fim do Mundo, Ushaia, Argentina, em 2007. Hoje até podemos pinçar o site specific que Richard Serra preparou para a Federal Plaza em Nova York em 1981, no entanto, é importante realçar que em entrevista, a artista sublinha com


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humor que ao chegar na América para trabalhar não tinha ideia desse conceito ainda. O fato é que nessa Bienal, diferente de Serra, que trabalhou como operário industrial e traz em sua bagagem essa experiência e memória técnica, Paes Leme fez uma parede como os castores fazem. Esse muro atuava como uma barragem e homenageava os castores, que ali eram mortos pelo simples fato de não serem queridos. Usando como material galhos de árvores, isto é, resíduo, a artista realiza obra predominantemente efêmera. Transitória não é contudo a memória profunda de onde emerge a ideia. A artista afirma que sua vivência mais forte é rural e se refere a um elemento especialmente presente nessa interferência: as casas de pau a pique. A essa vivência rural, Paes Leme mistura vivências de seu tempo de trabalho na Favela do Papagaio, aonde atuou por 3 anos. Ali, desenhando a arquitetura das casas, apreendia simultaneamente o ambiente, que via como parecido com o das fazendas. Paes Leme considera que esse trabalho seu, bem como outros, trazem em seu bojo a condição de heterotipias. Conceito foucaltiano, hetero quer dizer outro e topos quer dizer lugar. Espaços específicos, as heterotipias são lugares físicos que são também fictícios. Variados, toda sociedade tem espaços heterotópicos. Segundo Michel Foucault, as heterotipias inventam espaços, não temem resistências pois se aninham em contraposicionamentos, provocando contra poderes e desestabilizando instituições47. E mais: as heterotipias, com fronteiras extremamente móveis, provocam associações nômades, não dependendo assim de propriedades materiais. Como as interferências de Shirley Paes Leme, as heterotipias, que Michel Foucault invoca contra prisões, hospitais e escolas, aqui são lembradas como modo de questionar o sentido evolucionista e domesticador presente no conceito da palavra ´educação´. O pensamento foucaultiano provoca um estranhamento no que parecia acordado entre todos e abandona conceituações fundadas na teoria de objetos autônomos. Segundo Alfredo Veiga Neto, quando Michel Foucault se coloca contra qualquer técnica de governo uns sobre os outros, o filósofo pulveriza a questão do poder. Este já não emana de um centro. Não vindo de fora, o poder para Foucault está intricado em qualquer relação social: na produção, na família, na sexualidade.... Assim é que, no pensamento de Michel Foucault, bem como no trabalho de Shirley Paes Leme, o caminho da arte, da educação e da construção do homem em sociedade, é o mesmo trajeto que não toma as instituições como centro de poder ou locus. O filósofo e a artista percebem que as noções de poder – assim como exclusão e inclusão atravessam os indivíduos. Ao deslocar as relações de poder das coisas para as relações, Foucault não discute o que é o poder mas como ele funciona. Se o poder é sempre relacional e portanto plural, os caminhos inclusivos, sejam de que ordem for, também dificilmente o são normatizáveis. Partindo de percursos que são, e se não o são deveriam ser, práticas heterogêneas e passíveis de transformações, com a arte contemporênea, o universo museológico se transforma espacialmente. O museu passa a ser a cidade. Mas qual cidade ou cidades? No caso da artista Shirley Paes Leme, podemos destacar dois elementos que vão trazer a esse texto uma discussão importante quando aos limites da arte contemporânea e suas possibilidades heterotópicas. Baseada na luz e na linha, boa parte de sua obra tem influência do livro `Architecture without architects` no qual há grande discussão e também documentação de tipos de moradias, tendas e choupanas no mundo inteiro. 47

PASSETI, Edson. Heterotopias, anarquismo e pirataria. Org Alfredo Veiga Neto e Margareth Rago. Figuras de Foucault. Ed Autentica.Belo Horizonte. 2006. p.113


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Para a artista, o espaço é sempre vivencial. No entanto, são exatamente os espaços heterotópicos48 os que têm a capacidade de justapor espaços aparentemente incompatíveis como seriam o teatro, instalação como modalidade de arte e jardim. Em sua obra, a artista discute dentro e fora, direito e avesso. Ela remete seu pensamento arquitetônico à ideia da aspiral presente em alguns trabalhos de Lygia Clark. Trabalhando sobre o mesmo desencaixe representacional que permeia o pensamento foucaultiano, isto é, sobre a disjunção entre imanência e transcendência, o que não ocorria por exemplo nas imagens renascentistas, a obra contemporânea de Paes Leme reapresenta a mesma crise da modernidade que Michel Foucaut analisa. Várias obras suas abrem, como o pensamento filosófico de Michel Foucault, para uma situação paradoxal que é ao meu ver a riqueza e a dificuldade da partilha simbólica da arte contemporânea: estratégias e práticas, que são artísticas mas que são também culturais, lutam para se legitimar. Como qualquer outra dimensão simbólica, a arte é modalidade do agir e do pensar e se encontra em situação de interdependência para com as relações que os indivíduos travam entre si, assim como com as instituições que os educa e informa. Essa complexidade de conceitos e significados, presente na arte contemporânea, como quiçá nesse próprio texto que busca apreendê-la, tem a ver com questões de ordem representacionais que foram objeto de estudo de Roger Chartier. No livro ´A história cultural – entre práticas e representações´49, Roger Chartier afirma que construímos a realidade, ou realidades, com conceitos. Diferentes grupos tecem diversas representações do real. Assim, devemos reconhecer, como Chartier, que múltiplas práticas, reconhecedoras de inúmeras identidades sociais, exibem uma maneira própria de estar no mundo, nem sempre concordantes entre si. Gostaria agora de me remeter a uma discussão de trabalho no MUF - museu de Favela (Pavão, Pavãozinho e Cantagalo), por mim acompanhada em 2010: alguns integrantes do grupo lastimavam-se da pouca participação nas atividades do Museu, e que tinham percebido que muitos dos não-participantes seriam de origem nordestina. Enquanto os que reclamavam criavam uma relação direta e de pertencimento do Museu/favela com a cidade, os moradores que não participavam das atividades estariam com foco em suas próprias famílias ou voltados para o nordeste. No entanto, uma das principais integrantes ou ´lideranças´ era nordestina e nenhum deles sabia, ficou sabendo ali, naquele momento, o que mostra o perigo das generalizações e as cisões dentro dos grupos que lutam por inclusão. Segundo Roger Chartier, cada representação da realidade, por sua vez, tem um estatuto e posição, diferente, variando ainda mais quando refletimos sobre as formas objetivas (ou objet-vidas) por meio das quais nós marcamos a existência de um grupo,classe ou da comunidade, salienta. Essa diversidade complexa é inerente à arte contemporânea, que dirige o campo estético para uma dimensão não autorreferente e dessa forma aproxima o campo da arte das práticas culturais. As percepções, mesmo as corporais, não são campos discursivos neutros. Chartier salienta que frequentemente tendem a impor uma autoridade à custa de outras ou a justificá-las. Dessa forma, na ótica de Roger Chartier, as lutas de representações têm tanta importância quanto às concepções do mundo social e acrescenta que ocupar-se desses conflitos de classificações ou de delimitações não é 48

LEME, Shirley Paes. Heterotopias Cotidianas: uma reflexão. Anais do 19 Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (Anpap). Cachoeira BA: ANPAP, 2010. p 1732. 49 CHARTIER, Roger. A história cultural – entre práticas e representações. Algés. Ed. Difel. Col. Memória e Sociedade. 2002. p.17


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portanto afastar-se do social, muito pelo contrário consiste em localizar os pontos de afrontamento tanto mais decisivos quanto menos imediatamente materiais 50. Ainda numa das reuniões, enquanto uma das integrantes disse estar pela primeira vez num museu, no caso no Museu Histórico Nacional, outra disse que já tinha ido, mas não tinha gostado pois achou ―esquisito, silencioso demais...‖ Os modos de montagem apresentam grande relevância para com a apreensão do conteúdo. Mas o contéudo, e não apenas a forma, é também um ponto de discussão... Ainda com relação ao grupo do MUF, que não tem sede, sendo um museu de percurso, perguntei um dia se, caso quisessem, não poderíamos montar uma exposição e que teriam que ir aos seus guardados e trazer algo que considerassem relevante... Muitos fizeram cara de interrogação como se não compreendessem ou não admitissem a possibilidade de terem objetos musealizáveis ou importantes. Eis uma questão representacional importante: por que suas casas e seus guardados, sob a ótica deles mesmos, não teria valor de exibição? Muitas coisas podem ser depreendidas desse vácuo: que predomina uma concepção de museu e de arte ainda do passado, que se conserva uma internalização do museu como sinônimo de algo elitista e/ou uma desvalia quanto aos seus guardados e sua própria memória.... Algo para ser desdobrado no futuro. O conceito de representação pode estar enredado no desejo de tentar dar a ver alguma coisa ausente, e neste caso dificilmente vai conseguir ultrapassar a separação entre aquilo que representa e o que é representado e, por outro lado, também pode indicar a representação como exibição de uma presença, como apresentação pública de algo ou alguém... Num caso como no outro, qualquer discurso museológico ou educativo que não se depare com o ‗auto olhar‘ ou com ‗o olhar que os outros depositam‘ em mim dificilmente vai incluir o que quer que seja. No entanto, devemos lembrar que em Michel Foucault a questão da constituição de uma subjetividade ou da relação do sujeito com as verdades não se dá através de uma auto-análise ou por meio de um processo interior ao próprio conhecimento, tampouco Foucault investiga o fundamento segundo o qual um sujeito pode conhecer as verdades sobre o mundo. Diferente, ele problematiza os processos históricos sob os quais as estruturas de subjetivação ligaram-se aos discursos que se proclamam verdades e investiga as formações subjetivas enquanto formas históricas e instâncias ético-esteticas. Voltando à obra de Shirley Paes Leme, em 2000, na cidade de Caracas, a artista trabalhou com uma comunidade chamada Pão de Açúcar. A artista, que sempre acreditou na falta de homogeneidade cultural como algo intrínseco ao universo social, ali reconheceu que a diversidade pode ser usada para transformar o diferente em desigual e reforçar lógicas econômicas de dominação. Assim, recriou uma interferência agora na arquitetura desse lugar realizando ´Luz-vaga-luz´: riscos brancos que de noite se tornavam riscos fosforescentes. Novas direções de sentido apostam numa cartografia que é corpo e cidade ao mesmo tempo. Na visão de Suely Rolnik51, inscritas em algum tipo de´cartografia corporal´, além da memória referida às sensações, há uma memória que se vincula à inscrição do corpo e seu movimento vital de resposta ao entorno. Em pontos de tensão, mobiliza-se o pensamento como potência desejante.

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CHARTIER, Roger. A história cultural – entre práticas e representações. Algés PT: Ed. Difel. Col. Memória e Sociedade. 2002. p27/28. 51 ROLNIK, Suely. Arquivo para uma obra-acontecimento. In:org. Cristina Freire. Arte Contemporânea – preservar o quê?. Publicação Seminário Internacional Arte Contemporânea: preservar o quê? São Paulo. 2014. p.102


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Também ligadas à temporalidade, as arquiteturas espaciais e luminosas de Shirley Paes Leme se referem a uma espacialidade que diz respeito a um composto heterogêneo de experiências. Arquiteturas que organizam sua própria historicidade sem colocar entre parênteses suas experiências efetivas, as trajetórias de Cildo Meireles e de Shirley Paes Leme, os percursos do Muf e as ações da(s) Maré (s) mostram que a arte contemporânea tem um estatuto extremamente incerto, sendo um acontecer e um historicizar-se que, sendo essencial, exige que abandonemos qualquer forma discursiva ultrapassada. Como quebrar pedreiras, como se infiltrar em muitos espaços, as lições da arte contemporânea podem se confundir com questões de cidadania e misturar política com questões museográficas. Desde 2006 atuante, surgido a partir de da experiência de realização de um ´video, o Museu da Maré se baseia em 12 tempos: água, casa, criança, fé, resistência, trabalho, festa medo, futuro, temas cíclicos como os 12 meses do ano. Em 2013, um grupo da Maré montou uma exposição que se chamava `Memória da Constituinte`. Misturando imaginário popular, imaginário religioso e político, essa exposição, realizada pelo Museu da República(RJ) foi sucesso de público e teve grande respaldo em termos educativos pois a montagem era completamente inovadora e inclusiva. Embora a Maré tenha uma sede, nem sempre suas ações se concentram no espaço museológico. Por outro lado, são muitos os grupos e coletivos que atuam no espaço da Maré. Misturando algumas ´expressões locais´ com ´expressões visitantes´, seu modo de trabalhar é bastante contemporâneo. O coletivo Filé de Peixe, a partir de 2011 realizou ações que se efetivaram no Museu da Maré. Habituado a trabalhar com mídias ultrapassadas e descartadas, esse grupo montou um projeto intitulado ―Travessias‖: eram videoinserções de artistas jovens, com sessões contínuas, que eram projetados no Galpão Bela e que depois seriam vendidos. Com o apoio da Escola de Cinema Darcy Ribeiro e de várias universidades e fundações, a Maré vem buscando estimular a formação de artistas assim como fomentar a participação em ações que digam respeito à cidadania e às possibilidades de criação de uma linguagem contemporânea. Seus modos de atuar mostram que a percepção dos lugares não depende apenas da forma das cidades, mas de leituras que implicam na capacidade de perceber diferenças e ultrapassar hábitos.

Referências

CHARTIER, Roger. A história cultural – entre práticas e representações. Col. Memória e Sociedade. Trad. Maria Manuela Galhardo, Algés PT: Ed. Difel. 2002. CRESWELL, Robert. Técnica. Enciclopédia Einaldi. Lisboa. Ed. Imprensa Nacional. LEME, Shirley Paes. Heterotopias Cotidianas: uma reflexão. In: Anais do 19º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (Anpap). Cachoeira - BA: ANPAP. 2010. NETO, Alfredo Veiga. Dominação violência poder e educação escolar em tempos de império. NETO, Alfredo Veiga e RAGO, Margareth (Orgs.). Figuras de Foucault. Belo Horizonte: Autentica, 2006. PASSETI, Edson. Heterotopias, anarquismo e pirataria. In: NETO, Alfredo Veiga e RAGO, Margareth (Orgs.). Figuras de Foucault. Belo Horizonte: Autentica, 2006.


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ROLNIK, Suely. Arquivo para uma obra - acontecimento. In: FREIRE, Cristina (Org.). Arte Contemporânea – preservar o quê? Publicação Seminário Internacional Arte Contemporânea: preservar o quê? São Paulo: MAC USP, 2015.


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ESTRATÉGIAS DE MEDIAÇÃO PARA INCLUSÃO EM MUSEUS DE FORTALEZA Sara Vasconcelos Cruz52

Introdução A arte se dirige a todos para ser sentida e compreendida. Por isso ela é tão democrática. Argolo, 2005 A Educação Inclusiva tem recebido, progressivamente, a atenção de pesquisadores. Talvez porque nós, enquanto sociedade ainda estamos longe de vencer alguns estigmas que impomos às pessoas com deficiência. Apesar de terem seu acesso à educação e à cultura garantida por lei 53, a prática ainda engatinha para uma solução. Leis e decretos regem sobre a educação formal dessas pessoas, mas pouco temos como acompanhar os processos educativos que se dão fora da escola nos mais diversos espaços, como os de educação não formal, caso dos museus e das ONGs, por exemplo. Se é direito da pessoa com deficiência usufruir plenamente dos espaços culturais, seria então dever desses espaços adaptar-se às necessidades dessas pessoas, buscando oferecer-lhes acesso total não só ao espaço físico, como aos seus bens culturais. Não é difícil, assim, visualizar a necessidade de debates constantes acerca do museu enquanto espaço inclusivo e, portanto, da Educação Inclusiva. No que tange especificamente ao museu, a educação de pessoas com deficiência em seus espaços vai muito além das convenções que nos levaram ao desenho universal e à adaptação dos espaços físicos. Talvez fosse preciso rever a própria maneira como o museu se apresenta e apresenta sua coleção. A distância mantida entre o público, qualquer que seja ele, e a obra visitada é traduzida em sua relação com essa e com todo o espaço. Quando tratamos de pessoas com deficiência, essa distância tende a agravar-se, visto que há um peso social sobre essas pessoas, tantas vezes vítimas de preconceitos. Como poderíamos então, tornar os museus acessíveis?

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Mestre em Artes Visuais, Licenciada em Artes Visuais. Email: nina.vascc@gmail.com. Lei nº13.146, de 6 de julho de 2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). ―Art. 8º: É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico." 53


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É preciso pensar como o campo da Mediação Cultural tem se colocado nesse processo de democratizar cada vez mais o acesso ao museu. Por vezes, os recursos físicos e adaptações parecem bastar para garantir a acessibilidade e a inclusão. Mas, para além dos recursos, talvez estudar sobre os diferentes modos de percepção, seja um bom caminho nessa busca pela inclusão em museus. Entre os anos de 2009 e 2011, estagiei no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC), em Fortaleza, mais precisamente nos dois museus do centro, o Museu da Cultura Cearense (MCC) – na época, Memorial da Cultura Cearense – e o Museu de Arte Contemporânea (MAC). Fui contratada como educadora do Projeto Acesso, projeto de acessibilidade do Dragão, pois precisavam de alguém que falasse Língua de Sinais Brasileira (Libras). Durante esse tempo, acompanhei e participei das ações do Projeto Acesso no Dragão, que buscava promover não só a acessibilidade física do CDMAC, como a inclusão de pessoas com deficiência nas mediações e no próprio corpo de funcionários dos museus do Centro. Tanto a formação oferecida pelo Projeto, como o contato com pessoas com deficiência fez com que eu despertasse minha curiosidade para a mediação para esses grupos e para os recursos que pudessem ser utilizados nessas. Quando em 2012 entrei no curso de Especialização em Educação Inclusiva na Universidade Estadual do Ceará (UECE), procurei pensar minha prática enquanto educadora de museus e discutir essas instituições como espaços da Educação Inclusiva. Para tanto, escolhi o Sobrado Dr. José Lourenço, outro espaço cultural de Fortaleza, no intuito de desenvolver um material multissensorial de apoio aos mediadores. Foi quando desenvolvi, junto aos educadores do Sobrado, a chamada ―Mala dos Sentidos‖ (CRUZ, 2013), que consistia num material lúdico cuja proposta era que a obra fosse explorada pelos demais sentidos além da visão e que a mala pudesse ser trabalhada com grupos formados por pessoas com e sem deficiência. Para falar dos dois casos citados acima, é preciso reconhecer, antes, que o museu tem o dever de educar. O caráter educativo do museu é a sua base. Assim, a mediação é uma das grandes responsáveis pela inclusão nos espaços expositivos, pensando estratégias para o atendimento de todos os grupos. Além disso, é necessário também falar sobre acessibilidade e inclusão, conceitos contidos um no outro, mas que definem processos diferentes.

1. Museu como espaço educativo e inclusivo Cultura e Educação aparecem intrinsecamente ligadas uma à outra. É por meio de processos educativos que somos ensinados sobre nossa própria cultura. Para Jean Claude Forquin, ―a educação e a cultura aparecem como faces rigorosamente recíprocas e complementares de uma mesma realidade: uma não pode ser pensada sem a outra e toda a reflexão sobre uma desemboca imediatamente na consideração da outra‖ (FORQUIN, 1991, p.14). Nesse caso, a função educativa possui um caráter amplo e pode ser cumprida por meio de canais múltiplos e heterogêneos, onde a escola é apenas um deles e o museu se coloca como agente ativo no desempenho dessa tarefa (TRILLA, 1998). O museu cumpre seu papel educativo nessa união e, segundo o Conselho Internacional de Museus (ICOM), pode ser definido como: os museus são instituições permanente, sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, abertas ao público, que adquirem, preservam, pesquisam, comunicam e expõem, para fins de estudo, educação e lazer, testemunhos


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materiais e imateriais dos povos e seus ambientes (ICOM/BR, 2009, p.28). Segundo o Código de Ética para Museus do ICOM, a definição aprovada pela 20ª Assembleia Geral, em Barcelona, Espanha, em 6 de julho de 2001, podem ser incluídas na definição de museu ainda: [...] As galerias de exposição não comerciais; [...] os centros culturais e demais entidades que facilitem a conservação e a continuação e gestão de bens patrimoniais, materiais ou imateriais; qualquer outra instituição que reúna algumas ou todas as características do museu, ou que ofereça aos museus e aos profissionais de museus os meios para realizar pesquisas nos campos da Museologia, da Educação ou da Formação (apud MOUTINHO, 2007, p427). O museu é um espaço de caráter educativo, já que tem por fim preservar e divulgar seu acervo e exposições através de ações educativas. Apesar dessa natureza educativa se encontrar numa instituição, suas ações educativas não consistem em um conhecimento sistematizado e hierarquizado como na escola. Assim, que educação é essa? Sobre o tipo de educação proposta em espaços expositivos ou museológicos, chamamos de educação não formal. Ela, todavia, não se define apenas pelo lugar onde é realizada, claro, mas principalmente pela presença de uma instituição de caráter educativo/pedagógico, mas cujo conhecimento difundido não é, como no caso da educação formal, com o intuito de prover títulos a alguém. Para situar essa discussão, é importante aprofundar o conceito de educação não formal, sobre o qual Maria da Glória Gohn exalta: ela [educação não formal] aborda processos educativos que ocorrem fora das escolas, em processos organizativos da sociedade civil, ao redor de ações coletivas do chamado terceiro setor da sociedade, abrangendo movimentos sociais, ONGs e outras entidades sem fins lucrativos que atuam na área social; ou processos educacionais frutos da articulação das escolas com a comunidade educativa, via conselhos, colegiados, etc (GOHN, 2008, p. 7). Inserida no universo educativo, a educação não formal pode ser entendida como uma atividade organizada, sistematizada e realizada dentro de uma instituição com finalidade educativa, mas fora da demarcação do sistema educacional oficial (TRILLA, 1998). Valente define a educação não formal: a educação não formal é a perspectiva que embasa as relações humanas de apropriação de saberes no interior das instituições como museus, que se dá na comunicação entre visitante e conhecimento, gerando um efeito educativo, ou seja, que corresponde de maneira geral ao desejo do educador de provocar a mudança de atitudes dos indivíduos, em relação a um conhecimento (VALENTE, 2009, p.88).


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Sendo o museu uma instituição a serviço das pessoas, que corresponde às suas necessidades de preservar algo e divulgá-lo numa intenção educativa à sociedade, como ele educa? Nas próprias práticas do museu, desde as exposições até as pesquisas, na sua produção de conhecimento acerca da sociedade e da natureza, o museu já educa. Valente chama atenção para as diferenças entre a educação de um museu e de outro apenas nos níveis de escolha e apropriação da forma de promover a educação, definidas a partir das suas finalidades: à medida que o museu cumpre suas funções elementares de conservar e mostrar um patrimônio tangível ou intangível ele está gerando efeitos educativos. Nesse sentido, independentemente de contar ou não com um programa específico de atividades pedagógicas, a instituição é em si mesma um meio educativo (VALENTE, 2009, p.88). Segundo Trilla (1998), a dimensão educativa é inerente ao museu e pode ser ampliada, potencializada e orientada, ela é função indissociável do museu, mesmo quando implícita. É, pois, responsabilidade do museu educar. O acervo e as exposições constituem patrimônio de uma sociedade e o acesso a ele é direito de todos. Preservar sem comunicar e sem educar seria como matar o acervo do museu, condenando-o ao esquecimento. Assim, o desafio do museu não é simplesmente manter o acervo, mas garantir que haja difusão desse e envolvimento dele com o entorno/comunidade, o que justificaria não só os investimentos nele como também sua própria existência. Mas quem é o público que visita o museu? E quem não o visita? A elitização da arte e dos museus são temas que apesar de amplamente discutidos, ainda preocupam muito quem lida com eles. Em seu estudo, Linda Gondim (2007), ao pesquisar a relação que os habitantes do entorno do CDMAC tinham com o espaço do Centro, pode perceber que, apesar da tentativa de que o prédio e a programação do CDMAC envolvessem a comunidade do Poço da Draga, que fica no entorno do Dragão, essa população ainda se mostrava receosa em utilizar o espaço. Isso demonstra que, apesar de ser direito básico de todos o acesso à cultura 54 a apropriação e o uso do espaço vão além dos preços ou da proximidade do museu. Algumas pessoas, principalmente as pertencentes a minorias sociais, não reconhecem no museu um espaço preparado para recebê-las. E essa é uma política que acaba por distinguir quem pode/deve ter acesso à cultura daquele que está impedido por barreiras impostas pelo próprio museu, que assim se torna espelho da classe dominante. É preciso falar em pertencimento e empoderamento, ou seja, propiciar condições para que o público se sinta bem-vindo ali e que se sinta parte daquele lugar. E quando falamos nesse acesso, não nos referimos apenas aos problemas sociais, que rondam esse uso elitizado do museu, mas também o acesso de pessoas com deficiência nesse espaço, também garantido por lei55. 54

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.‖Disponível em <http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/91972/constituicao-darepublicafedera tiva-do-brasil-1988#art-215> Último acesso em 14 de outubro de 2015. 55 Decreto 6.949, de 2009, que promulga a Convenção Internacional dobre Direitos das Pessoas com Deficiência, em seu artigo 30:determina que os estados parte devem tomar medidas apropriadas para que as pessoas com deficiência possam ter acesso a bens culturais, em formatos acessíveis. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20072010/2009/decreto/d6949.htm>. Último acesso em 17 de junho de 2015.


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Se o museu tem o dever de educar, tem então o dever de educar a todos, reconhecendo suas diferenças, trabalhando a diversidade enquanto valor, proporcionando a autonomia e buscando a equidade de oportunidades, ou seja, promovendo uma educação não excludente e, portanto, inclusiva.

2. Acessibilidade x Inclusão Para conceituar deficiência, uso como referencial Debora Diniz (2007), que argumenta que o conceito de deficiência é consequência de uma construção social e que aqueles que chamamos ―deficientes‖ surgem com o preconceito e a falta de sensibilidade da sociedade na qual está inserida, já que o fator biológico, segundo a autora, não é determinante para o fracasso de vida. É possível compreender, então, a deficiência como uma questão social antes de tudo, pois não há oportunidades para que as pessoas com deficiência desenvolvam suas potencialidades numa sociedade que enxerga apenas suas limitações. Falar de potencialidades e não de limitações quando nos referimos às pessoas com deficiência é mais um passo em direção à inclusão. Assim, é válido lembrar as palavras de Sadão Omote: a deficiência não é algo que emerge com o nascimento de alguém, ou com enfermidade que alguém contrai, mas é produzida e mantida por um grupo social, na medida que interpreta e trata como desvantagens certas diferenças apresentadas por determinadas pessoas. Assim, as deficiências devem, a nosso ver, ser encaradas também como decorrentes dos modos de funcionamento do próprio grupo social e não apenas como atributos inerentes às pessoas identificadas como deficientes (OMOTE, 1994, p. 67). A Coordenadoria da Pessoa com Deficiência, parte da Secretaria do Trabalho e do Desenvolvimento Social do Estado do Ceará, usa o termo ―acessibilidade dificultada‖ para referir-se às pessoas que tem sua acessibilidade impedida por fatores externos a ela, como uma estrutura arquitetônica que não lhe permita movimentar-se, por exemplo. É possível usar o termo para referir-se tanto às pessoas com deficiência como àquelas cuja acessibilidade foi dificultada momentaneamente, com barreiras linguísticas ou falta de bancos para repouso de gestantes e idosos, por exemplo. A acessibilidade, segundo a Constituição é definida como: condição para utilização, com segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida (DECRETO FEDERAL BRASILEIRO, nº 5.296, 2004). Todavia, falar de acessibilidade voltada para pessoas com deficiência pode reduzir o termo a uma situação muito específica, já que garantir a acessibilidade de um espaço não se resume só a esse público, mas a qualquer pessoa que possa frequentar o local, sendo dever da instituição garantir condições para esse acesso. Assim, compreendo que a acessibilidade está em medidas técnicas e sociais que visam acolher todo e qualquer usuário em potencial no espaço, também como


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proporcionar que esse possa fazer uso do local da maneira mais autônoma possível. Portanto, outra definição possível para o termo é a que se encontra nas normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT): ―[...] possibilidade e condição de alcance, percepção e entendimento para utilização com segurança e autonomia de edificações, espaço, mobiliário, equipamento urbano e elementos.‖ (ABNT NDR 9050, 2004). Se voltarmos nossa atenção especificamente para a acessibilidade nos museus brasileiros, é possível destacar que esse foi tema transversal vinculado aos nove eixos setoriais debatidos no Plano Nacional Setorial de Museus (PNSM) – parte integrante do Plano Nacional de Cultura, entre dezembro de 2009 e dezembro de 2010, válido para o período de 2010 a 2020. A acessibilidade foi então apresentada com a seguinte ementa: desenvolvimento de capacidades técnicas específicas e de recursos financeiros para que os museus realizem as adaptações necessárias em atendimento aos requisitos de acessibilidade e sustentabilidade ambiental e, ao mesmo tempo, possam promover ações de promoção de consciência crítica junto a seu público e a comunidade onde estão inseridos (CULTURA, 2010). Ainda sobre o PNSM, é destaque a diretriz focada nos museus de arte quanto à acessibilidade (e também à sustentabilidade ambiental, outro tema transversal discutido no PNSM): ―[Os museus de arte devem] Garantir a acessibilidade física, social, informacional e estética a todos os tipos de público aos museus de arte, compreendendo este fator como de importância para a sustentabilidade socioambiental‖ (CULTURA, 2010, p. 44). A acessibilidade física compreende adaptações físicas do prédio, voltadas principalmente para a locomoção do público, tais como rampas e elevadores ou adaptações expográficas. Os fatores de acessibilidade física podem, então, dificultar ou facilitar a acessibilidade do espaço expositivo, cabendo a cada museu garantir adaptações que se adequam à sua realidade. Algumas adaptações são básicas, como uma iluminação adequada, por exemplo, além de sinalizações de vidros e degraus; piso não escorregadio e corrimões nas escadas garantem ainda a segurança dentro do museu. A falta de acessibilidade causa um afastamento natural das pessoas com acessibilidade dificultada dos espaços expositivos. Mas esse fato pode ser agravado ainda por outras barreiras além das físicas. Apesar da importância de falar sobre acessibilidade física, não será esse aspecto sozinho que garantirá a acessibilidade de todo o museu. Isso porque a visita da pessoa com deficiência ao espaço inclui também o fator humano. Se todo o museu não está preparado para receber o público com deficiência, se não se importa em divulgar suas ações para tornar a visita acessível, se não demonstra ainda a preocupação com o parco número de visitantes com deficiência em seu espaço, o museu continua a afastar as pessoas. Assim, são também fatores de acessibilidade a formação dos profissionais atuantes no museu, o atendimento do público e os recursos que podem ser usados. Para pensar essa acessibilidade, é preciso conhecer o público, questionando-se sobre quem vai e, especialmente, sobre quem não vai ao museu. O afastamento de determinados públicos do museu acontece também devido a barreiras que vão além do físico. A pessoa com deficiência não se sente parte de uma sociedade como um todo, construída não por ela e nem para ela, mas pelos outros. Diante disso, é preciso afirmar ainda que sem luta, não é possível garantir a acessibilidade e tampouco a inclusão.


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A inclusão refere-se ao direito de ser visto como igual, respeitando as diferenças. Para trabalhar com inclusão, é o museu quem se adapta às diferentes necessidades de seus públicos, buscando meios adequados de recebê-los e educálos. O próprio termo ―inclusão‖ sugere uma reestruturação, um desejo de atender e respeitar a diversidade. Para garantir democratização do museu, é crucial que a instituição entenda que é seu dever garantir e oportunizar pleno acesso não só ao seu espaço físico, mas também ao seu acervo e sua ação educativa. Assim, democratizar o museu é democratizar o acesso a ele. Pensando a partir das realidades dos públicos com dificuldades de acessibilidade ao museu, afirmo: é preciso parar para reparar no outro e nas necessidades dele. A mediação acompanhou o processo de democratização dos museus; ela, de algum modo, também contribuiu e contribui para esse processo, sendo também sua responsabilidade o processo de inclusão desses públicos, abordado no tópico a seguir.

3. Mediação inclusiva em Fortaleza (CE) Quando falamos em educação em museus, é comum pensarmos em mediação, principalmente se levarmos em consideração o crescente número de pesquisas sobre o assunto. A mediação designa as atividades de educação em museus e espaços culturais. Segundo Coutinho (2009), a mediação potencializa o processo de interpretação, ampliando as possibilidades de fruição à medida que o educador instiga o público, de acordo com as estratégias estabelecidas para a ação educativa. É um diálogo estabelecido entre a obra e o público no qual o educador desempenha o papel de mediador, encontrando-se entre quem vê e o que é visto. Para esse diálogo, o educador desenvolve um papel essencial, criando ambientes propícios à construção do conhecimento e ao questionamento diante da obra de arte. As questões postas pelo educador devem confrontar o público, inquietalo, a fim de garantir o espaço para expressão de suas ideias e confirmar a capacidade e a autonomia interpretativa desse (COUTINHO, 2009). Tendo em vista que o acesso à arte e à cultura é direito de todos, questionamos: como se dá a mediação para as pessoas com deficiência nos museus? Especialmente no que se refere ao ensino da arte para pessoas com deficiência nos espaços expositivos, um importante referencial teórico é o trabalho de Amanda Tojal, tanto no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (1999), como na Pinacoteca do Estado de São Paulo (2007). Tojal expõe a responsabilidade do museu para com o público com deficiência: cabe, portanto aos museus, bem como a todas as instituições culturais, estar em sintonia com o pensamento contemporâneo de respeito e reconhecimento da diversidade cultural e social trabalhando a favor não somente da comunicação de seus objetos culturais, sob o ponto de vista multicultural, como também contribuindo para a democratização social e cultural por meio dos processos de inclusão social (TOJAL, 2007, p.29). Para adequar a mediação a todos os públicos visitantes, cabe à ação educativa do museu pensar estratégias de mediação que visem à inclusão das pessoas com deficiência em suas ações. Conhecer o público e compreender suas necessidades é


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um primeiro passo para a inclusão nos museus. Para, além disso, é preciso compreender ainda que as percepções, diante da obra exposta, são várias, diferem de pessoa para pessoa. Trabalhar com estratégias multissensoriais de mediação talvez seja um caminho. Como exemplo de instituições que se comprometeram a pensar tais estratégias, temos, em Fortaleza, o Dragão do Mar e o Sobrado Dr. José Lourenço.

3.1. Dragão do Mar: MCC O Ceará é o segundo Estado do Nordeste com o maior número de museus, são 113 no Estado e 31 só em Fortaleza, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Museus, o IBRAM (2011). Isso nos mostra o quão importante é para a educação do Estado o papel dos museus – claro, pensando a educação para além da sala de aula. Além disso, no último censo (2010)56, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, constatou que cerca de 23,9% da população brasileira tem alguma deficiência, sendo a deficiência visual a de número mais expressivo: 18,7% dos brasileiros tem alguma dificuldade de enxergar ou mesmo não enxergam nada. São números altos se comparados à média mundial – dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) afirmam que 10% da população mundial apresenta alguma deficiência e que, desses, 80% vivem em países em desenvolvimento, que é o caso do Brasil. No Ceará, o IBGE apontou 27,69% da população cearense com alguma deficiência. Pensando nessa realidade, o CDMAC lançou, sob a tutela de Márcia Bitu Moreno, gerente do então Memorial da Cultura Cearense – hoje Museu da Cultura Cearense, MCC – ações que promoviam a acessibilidade dos seus espaços. Dentre as ações, está o Projeto Acesso, atuante desde 2006, que tem por objetivo a ―inclusão de pessoas que encontram obstáculos de acesso aos museus pelas dificuldades motoras, visuais, auditivas e cognitivas‖ (MORENO, 2013, p. 79) nos espaços do Dragão. O Projeto Acesso foi responsável por grandes mudanças na acessibilidade do CDMAC e principalmente no MCC, tais como sinalizações adequadas, piso tátil nas áreas externas, recursos de apoio, vídeos em Libras e formação dos funcionários do CDMAC para atendimento de pessoas com deficiência e acessibilidade dificultada 57. O Projeto conta com o apoio de instituições especializadas no atendimento às pessoas com deficiência: Setor Braille da Biblioteca Pública Menezes Pimentel, a Associação dos Cegos do Estado do Ceará (ACEC), o Instituto dos Cegos do Ceará, a Sociedade de Assistência aos Cegos (SAC), o Instituto Cearense de Educação de Surdos (ICES), Federação de Surdos do Estado do Ceará, Laboratório de Audiodescrição e Legendagem (LEAD), Casa da Esperança, Laboratório de Inclusão – Secretaria do Trabalho e do Desenvolvimento Social do Estado do Ceará, Coordenadoria da Pessoa com Deficiência (MORENO, 2013, p. 90). Com a realização de pesquisasde estudo de público (MORENO, 2013), o Projeto pode identificar as necessidades das pessoas com acessibilidade dificultada dentro do CDMAC.Dentre as ações do Projeto, havia uma preocupação especial com a formação dos educadores, assim como de toda a equipe de funcionários do CDMAC 56

Cartilha do Censo 2010, Pessoa com Deficiência. Disponível em <http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/cartilha-censo2010-pessoas-com-deficienciareduzido.pdf> Último acesso em 17 de junho de 2015. 57 O Projeto Acesso não tinha como foco somente as pessoas com deficiência, mas o público geral, por isso o uso desse termo.


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para a recepção e atendimento das pessoas com acessibilidade dificultada em seus espaços. Os educadores, e posteriormente os demais funcionários, tiveram a oportunidade de participar de cursos de Braile, Mobilidade, Libras, Audiodescrição, dentre outros. Esse foco na ação educativa do museu é de suma importância para garantir a acessibilidade do espaço e a inclusão das pessoas com deficiência, visto que a acessibilidade, como já dito anteriormente, vai muito além de fatores físicos. Para isso, a presença de uma ação educativa atuante na luta da Inclusão é essencial. Ainda sobre o educativo no MCC, destacamos uma importante ação do Projeto Acesso que foi a contratação de educadores com deficiência para integrarem na ação educativa do MCC – o projeto contava com três educadores cegos– o que demonstra o compromisso do projeto com as pessoas com deficiência, que não podem se resumir ao público visitante, mas devem sim ter oportunidade de demonstrar suas potencialidades como trabalhadores. Posteriormente, no ano de 2010, foi contratada ainda uma educadora Surda58. Entre os anos de 2009 e 2011, acompanhei de perto as ações do Projeto Acesso e cheguei a participar dele ativamente quando fui contratada como educadora do MCC e, posteriormente do Museu de Arte Contemporânea do Ceará (MAC), também no CDMAC. O contato com pessoas com deficiência visual, auditiva, cognitiva e física fez com eu despertasse minha curiosidade para a mediação com os grupos inclusivos e recursos que pudessem ser utilizados nessas. Em 2012, ao iniciar o curso de Especialização em Educação Inclusiva na Universidade Estadual do Ceará (UECE), aproximei-me do Sobrado Dr. José Lourenço, com o intuito de propor formações para os mediadores do espaço. Foi quando iniciei a criação coletiva de materiais multissensoriais para mediação inclusiva. Em 2013, essa pesquisa culminou na monografia ―Mala dos Sentidos: mediação inclusiva no Sobrado Dr. José Lourenço‖ (CRUZ, 2013).

3.2. Sobrado Dr. José Lourenço O Sobrado Dr. José Lourenço está localizado na Rua Major Facundo, antiga Rua da Palma, nº154, no Centro, em Fortaleza. O prédio foi construído na segunda metade do século XIX e foi o primeiro prédio de três andares do Ceará 59. Construído inicialmente para servir de residência e consultório para o médico sanitarista Dr. José Lourenço de Castro e Silva (1808 a 1874), teve ainda outras funções ao longo de sua história, como a de marcenaria, repartição pública e bordel, antes de se tornar umcentro cultural. Foi tombado pela Secretaria da Cultura do Ceará 60, e reformado em 2006 pelo Governo do Estado do Ceará, com patrocínio da Empresa de

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O Surdo com ―S‖ maiúsculo caracteriza uma identidade da comunidade Surda, que usa a Libras (ou outra língua de sinais) e que veem a si como "membros de uma minoria linguística e cultural com normas, atitudes e valores distintos e uma constituição física distinta" (Lane, 2010. p. 284). 59 Disponível em: http://sobradodrjoselourenco.blogspot.com.br/, último acesso em 30 de janeiro de 2016. 60 Protegido pelo Tombo Estadual segundo a lei n° 9.109 de 30 de julho de 1968, disponível em: http://www.secult.ce.gov.br/index.php/patrim onio-cultural/patrimonio-material/benstombados/43565, último acesso em 30 de janeiro de 2016.


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Telecomunicações Oi, através da Lei Rouanet, e parceria com a Oi Futuro 61, com o auxílio dos alunos da Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho. Apesar da localização central do Sobrado próxima a outros pontos turísticos como a Catedral da Sé, a Praça dos Mártires (Passeio Público), o Mercado Central e o Centro Cultural do Banco do Nordeste (CCBNB), o acesso ao Sobrado ainda é um pouco difícil, visto que a rua em que se encontra é usada para embarque e desembarque de caminhões que carregam a mercadoria das feiras do entorno. A dificuldade de estacionamento é um dos principais empecilhos para a visitação do espaço e, talvez por isso – além da parca divulgação de sua programação –, não seja comum o Sobrado receber grupos de pessoas com deficiência, segundo relatos dos educadores (CRUZ, 2013). Ainda assim, quando, em 2012, optei por realizar minha pesquisa de monografia do curso de Especialização em Educação Inclusiva no Sobrado, uma das minhas intenções era preparar os educadores do espaço para a visitação das pessoas com deficiência. Ministrei, para os educadores do Sobrado, oficinas sobre o atendimento à pessoa com deficiência nos anos de 2012 e 2013, procurando sensibilizar os mediadores para participarem da pesquisa. Algumas das oficinas consistiam em explorar a exposição de modos ―não convencionais‖, tais como de olhos vendados, andando lentamente, procurando ouvir os sons, mudando os trajetos habituais. Tudo isso no intuito de despertar os demais sentidos além da visão. Essa formação levou à elaboração da chamada ―Mala dos Sentidos‖ (CRUZ, 2013), que consistia em uma mala de madeira com objetos relacionados às obras expostas no Sobrado e que poderiam ser manuseados pelos visitantes. O objetivo era oferecer ao público uma visita mais lúdica e ampliar a leitura das obras, prioritariamente visual, para os demais sentidos. A abordagem multissensorial foi o que nos possibilitoutrabalhar a inclusão no Sobrado. Explorar os demais sentidos frente à obra seria, então, ampliar as possibilidades de percepção. Para a composição da mala, selecionamos alguns aspectos importantes com base na proposta do Programa ―Museu e Público Especial‖, desenvolvido por Amanda Tojal no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (TOJAL, 1999, p. 25):  Materiais táteis e visuais, que podem ser reproduções das obras expostas ou de seus elementos, ou apenas fazer referência a esses;  Objetos que possam ser manipulados;  Materiais que explorem os sentidos, apresentando texturas, cores, temperaturas, sons ou odores da obra ou de elementos dessa;  Reproduções ampliadas de elementos ou partes das obras; Acrescentamos ainda objetos que tornem a visita mais lúdica e interativa, tais como lupas, lunetas, dobraduras, fantasias etc.O processo de desenvolvimento da mala orienta para a construção de estratégias de mediação para públicos diversos. No intuito de democratizar e ampliar o acesso ao material, não foram destinados materiais a faixa etária ou públicos específicos. Como exemplo do uso da mala, podemos citar uma experiência ocorrida em julho de 2013, na exposição 70x7, que fazia um panorama dos setenta anos do Salão de Abril por meio de sete artistas bastante representativos na história desse salão: Eduardo Frota, Eduardo Elói, Herbert Rolim, Francisco Zananzanan, JaredDomício, 61

Disponível em: http://www.secult.ce.gov.br/index.php/ equipamentos-culturais/sobrado-drjose-lourenco; último acesso em 30 de janeiro de 2016.


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Sérvulo Esmeraldo e Hélio Rola. Para a composição da mala, os educadores escolheram não fazer reproduções das obras expostas, mas sim trazer objetos que fizessem relação com elas. Foram disponibilizados fantoches, luvas, estetoscópio, aromáticos e outros objetos passíveis de manipulação. No dia 6 de julho de 2013, recebemos um grupo bastante diversificado, composto por crianças e adolescentes de 3 a 16 anos, de um abrigo de Fortaleza. Para a apresentação da história do Sobrado, da exposição e das regras de visitação foi feita uma apresentação com um fantoche. Em seguida, entregamos lupas para as crianças que, segundo nosso jogo, deveriam explorar todos os detalhes da exposição como ―verdadeiros detetives‖. A atividade fez com que os visitantes ficassem atentos aos detalhes técnicos e às informações das obras, proporcionando um debate muito rico e lúdico com e entre as crianças. Outra obra visitada foi Respiro, de JaredDomício. As crianças se posicionaram abaixo das caixas de som que compunham a obra e ficaram ouvindo o ruído, enquanto tentavam identifica-lo: ―que som é esse? Seria um carro? Ou um avião?‖ Perguntava o educador enquanto tirava um estetoscópio da mala. Veio então o desafio: vamos encontrar o som dentro de nós! Com a ajuda de um estetoscópio, aos poucos, as crianças se deram conta de que ouviam ali a respiração do artista. As atividades foram propostas durante a mediação ou no seu início, o que nos mostrou ser bastante positivo, pois as crianças mostraram-se mais atentas no restante da visita, conforme observaram alguns educadores. Ainda sobre essas atividades, é pertinente citar Tojal: Proceder com atividades lúdicas que possam reforçar os aspectos de atenção, memorização e comunicação verbal dos conteúdos adquiridos, além da aplicação de atividades artísticas, relacionadas tanto com as linguagens plásticas, escritas, musicais e corporais, vivenciadas em um ambiente acolhedor, é mais uma etapa que tornará esta visita mais significativa [...] (TOJAL, 1999, p.39). Com a mediação sensorial, a percepção das obras não é mais somente visual. Com elementos disponíveis ao toque, ao olfato, à manipulação e à escuta, a obra pode ser percebida pelo corpo todo, uma imagem que todos os sentidos poderiam ler. Assim, criava-se uma relação íntima do corpo com a arte, permitindo aos visitantes uma experiência multissensorial, onde o toque nos transmite uma sensação, os sons, o cheiro nos traz outra, o aspecto visual nos desperta memórias... 4. Considerações O Projeto Acesso tem alcançado cada vez mais espaços no Dragão do Mar. Com seus dez anos completos agora, em 2016, o Projeto conseguiu disponibilizar em cada exposição do MCC e do MAC recursos multissensoriais para uma mediação mais lúdica e inclusiva. Ao proporcionar a formação adequada para os educadores do Dragão – estendida aos demais setores do Dragão – o Projeto Acesso reconhece o papel crucial da mediação no processo de inclusão dentro dos espaços do centro cultural. Já a mediação proposta com a Mala dos Sentidos permitiu que tanto eu como os educadores do Sobrado nos aproximássemos do público por meio de atividades lúdicas e criando diálogos com as obras expostas.


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Além disso, é importante pontuar que uma exposição é por si só, um espaço educativo e deve respeitar a diversidade do seu público e suas diferentes maneiras e apreensão do que está exposto. A autonomia do visitante é também importante ao processo educativo do museu. É preciso proporcionar ao público condições de interagir. Por isso, ainda que sejam usados recursos multissensoriais durante a mediação, é crucial que haja abertura para as subjetividades próprias de cada momento ou de cada público. É isso que permite que os visitantes participem ativamente da mediação, chegando, inclusive, a propor novos usos para o material. Inicialmente pensadas a partir das necessidades do público com deficiência que visita esses espaços, as estratégias aqui apresentadas acabam por discutir para quem se media: se para um público específico que, por ser pensado a partir de sua diferença, acaba excluído; ou se a mediação pode abarcar a todos, de maneira inclusiva. Mas seria possível falarmos de inclusão sem especificarmos deficiências? John Dewey fala sobre os picos das montanhas: ―Os picos das montanhas não flutuam no ar sem sustentação, tampouco se apoiam na terra. Eles são a terra‖ (DEWEY, 2010, p.60). Assim como os picos, a educação inclusiva não está separada da própria Educação, ela é a Educação. Se o objetivo desta é educar a todos, se ela é um direito básico, por princípio ela não exclui. Logo, não deveria ter como especificar um tipo de educação que visa a inclusão de determinado tipo de educando, esse tipo, por si só, já deve ser a própria Educação. O mesmo deve ser pensado quanto ao museu: se tem por objetivo pesquisar, preservar e divulgar seu acervo, o museu não deve, por princípio, excluir. Quando o Sobrado e o Projeto Acesso promovem ações multissensoriais em seus espaços e mediações, acessam diversas formas de aprendizagem dos visitantes, saindo das convenções apegadas à visão e explorando todo o corpo do visitante.

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TRANSLUZ: INCLUSÃO E RECONHECIMENTO ATRAVÉS DA ARTE Rebeca Oliveira Sousa62

Para a transformação incessante da nossa sociedade são observadas inúmeras variáveis que questionam valores, impulsionam movimentos sociais, influenciam na formulação de leis e modificam estruturas anteriormente existentes. Nesse contexto, a arte se mostra constantemente como uma dessas variáveis capazes de modificar realidades, por vezes sendo utilizada como instrumento de denúncia social, por vezes dando visibilidade a grupos minoritários e por vezes atuando como mecanismo de quebra de paradigmas socioculturais, tal qual podemos verificar na literatura, com Euclides da Cunha e a crítica ao nacionalismo exacerbado, na música com Chico Buarque e a reprovação do regime militar brasileiro e no audiovisual com o filme Tropa de Elite de José Padilha e a denúncia aos sistemas policial e político envolvendo milícias. São variadas as problemáticas socioculturais abordadas como são variadas as linguagens artísticas utilizadas, e no presente trabalho vamos adentrar o movimento LGBT exposto na fotografia da exposição Transluz como um caminho para o reconhecimento e modificação de estruturas socioculturais.

1. Movimento LGBT

Segundo o psicólogo italiano Alberto Melucci (2001), a ausência de reconhecimento, em um contexto social, político e econômico, de uma determinada identidade coletiva gera um campo de conflito em que nasce o movimento social. No caso do movimento LGBT no Brasil e no mundo, podemos considerar sua longa trajetória, com períodos de maior e menor visibilidade, e seus persistentes entraves com setores mais tradicionais da sociedade, tais como as igrejas católicas e a bancada evangélica brasileira, que tem se fortificado com crescimento de igrejas evangélicas neopentecostais no país. Vale ressaltar, que a sigla aqui adotada como sendo LGBT, representando Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros, acompanha a deliberação da I Conferência Nacional LGBT que 62

Doutoranda em Estudos Culturais no Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, Portugal, e mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal da Paraíba e Universidade Federal de Pernambuco. Email: culturarebeca@gmail.com


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foi realizada em 2008, e é um desdobramento da sigla GLS que representava Gays, Lésbicas e Simpatizantes. Atualmente ainda se discute a inclusão de outras letras como todos os Ts, de um Q para representar os queers, um A para os assexuais e um I para os intersexos, porém o que permanece em conformidade em todas as vertentes dessa discussão é a inclusão social das diversas construções sexuais e de gênero combatendo os preconceitos e as desigualdades tão latentes na atualidade, principalmente contra as pessoas representadas pela letra T.

A atuação do movimento LGBT no Brasil acontece entre avanços e retrocessos, por vezes simultâneos. O veto do projeto Escola Sem Homofobia, denominado pejorativamente de ―Kit Gay‖, pela então presidenta Dilma Rousseff por pressão da bancada evangélica, impedindo a distribuição do material produzido por especialistas em escolas públicas para desenvolver atividades contra a discriminação e a homofobia, aconteceu em maio de 2015, no mesmo mês em que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo. E mesmo diante de aparentes conquistas não se pode deixar de enfatizar que travestis, transexuais e transgêneros ainda se encontram muito distantes dos direitos que estão sendo implementados, pois a nossa sociedade ainda precisa reconhecer a transexualidade como uma questão de gênero, tal qual explicita Bento: O reconhecimento da transexualidade como questão de gênero nos leva a reconhecer que há muitas possibilidades de se fazer gênero, para além de uma relação retilínea do tipo mulher-feminino, homem-masculino, e também a discutirmos os direitos sociais e políticos dos sujeitos que vivem o gênero fora do binarismo, como são as travestis, as transexuais, os transgêneros (2006, p. 16).

Dados divulgados pelo projeto Transrespect contra Transfobia Worlwide63 exibem informações de crimes contra a comunidade Trans e revelam que o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo, somando 868 mortes registradas desde o começo do projeto em 2008 até junho de 2016. Tal anúncio se torna ainda mais alarmante quando se destaca o segundo país que mais mata a população T no mundo como sendo o México, com 257 mortes no mesmo período, ou seja, menos de um terço dos homicídios no Brasil. A união desses dados com as notícias frequentes em jornais abertos de crimes bárbaros contra essa população reitera o abismo ainda existente entre travestis, transexuais e transgêneros e 63

Projeto divulgado em http://transrespect.org/en/map/trans-murder-monitoring/


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o reconhecimento dessas pessoas enquanto pertencentes da nossa sociedade. É importante enfatizar que apesar de espantosos, os números divulgados pelo projeto Transrespect contra Transfobia Worlwide ainda não correspondem à realidade, pois os dados sobre assassinatos de pessoas trans não são produzidos de forma sistemática, até pela discriminação institucionalizada onde os crimes não são tipificados pelos órgãos competentes como crimes de ódio. Para chegar aos números divulgados, o projeto recorre à inúmeras organizações não governamentais locais, bem como pesquisadores de diversas áreas de conhecimento identificando os casos de acordo com características dos crimes que comumente perpassam atos de crueldade, revelando a desumanização da comunidade trans pela nossa sociedade. A compreensão de que o ―gênero não é uma construção social imposta a uma matéria antes determinada (o sexo)‖ (Arán, 2006, p.51) ainda não foi absorvida nem por nossa cultura nem por nossas leis, dificultando a aplicação dos princípios de universalidade e equidade, aos que não fazem parte da padronização de convivência, conduta e valores morais (Chauí, 1995), tais como os LGBT.

A objetificação, primordialmente do universo trans, faz crescer a violência contra essa comunidade pela falta de empatia. Para uma mudança na estrutura da sociedade, Berenice Bento defende que ―a bicha, o sapatão, a trava, o traveco, a coisa esquisita, a mulher-macho, devem ser eliminados. Isso faz com que haja um horror, um medo profundo de ser reconhecido como aquilo‖ (2014, p.45). Ao mesmo tempo em que as discussões de gênero ganham impulso em estudos acadêmicos, surge a exposição Transluz, como um meio de humanizar os representados pela letra T, trazendo a sensibilidade da arte para o reconhecimento dessa população na sociedade.

2. Arte e transluz

A exposição fotográfica Transluz - Outras expressões Femininas aconteceu na cidade de Campina Grande, na Paraíba, no Museu de Arte Assis Chateaubriand entre os dias 11 de novembro e 18 de dezembro de 2015. No projeto, que foi submetido na Comissão Técnica de Análise de Projetos (CTAP), pleiteando recursos do Fundo de Incentivo à Cultura, a data da exposição seria de 01 Julho a 02 de agosto 2015, porém, por atraso


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no repasse das verbas pelo governo estadual, a exposição foi adiada e aconteceu mesmo sem o recebimento total do repasse. Figura 1. Salão expositivo com a exposição Transluz64

Fonte: google imagens

Na vernissage de abertura da exposição no dia 11 de novembro às 19h30 ainda aconteceu a apresentação do Ariel Coletivo Literário, declamando poemas que versam sobre o universo trans e uma performance denominada Sem Título desenvolvida pelo bailarino Liu Santos com a direção de Luciano Mariz e Sayara Montynelly com a mesma temática, agregando visibilidade ao trabalho do fotógrafo que no seu discurso de abertura leu um ―Manifesto Trans‖65. O fato da exposição ter acontecido em um espaço museal público, gerido pela Universidade Estadual da Paraíba, e ter proporcionado entrada franca, tanto para a vernissage quanto para todo período de permanência, pode ser considerado um fator de potencialização do seu alcance inclusivo social. Evidenciando ainda, o caráter artístico das fotos que partilharam o ambiente com grandes nomes da história da arte pertencentes ao acervo 64

Imagem do salão expositivo do Museu de Arte Assis Chateaubriand cedida pelo fotógrafo Wagner Pina. 65

Manifesto escrito em quatro laudas pelo próprio fotógrafo, no qual o mesmo expõe sua indignação perante a violência contra a comunidade LGBT.


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permanente do Museu Assis Chateaubriand, tais como Pedro Américo, Cândido Portinari, Anita Malfatti, Antônio Dias, Ismael Nery entre outros. Para o fotógrafo e idealizador da exposição, o projeto cumpre o papel sensível e visibilizador das identidades femininas de mulheres transexuais e travestis, uma vez que a fotografia apresenta funções simbólicas e também sociais: [...] não é surpreendente que a fotografia possa aparecer como registro do mundo [...] uma vez que o uso social dessa atividade opera, no campo de seus usos possíveis, uma relação estruturada de acordo com as categorias que organizam a visão de mundo, a imagem fotográfica pode ser considerada como a reprodução exata e objetiva da realidade (BOURDIEU, 1979, p. 121-122, tradução nossa).

O registro da feminilidade das mulheres trans se coloca como a inclusão destas na sociedade atual, expondo e exaltando sua existência, já que por vezes elas são isoladas num escondido submundo marginalizado sem acesso até mesmo aos direitos fundamentais como moradia (por serem excluídas do núcleo familiar), educação (pelo preconceito que repelem as estudantes das salas de aula) e saúde. Deste modo, a presença das mulheres trans na exposição, além das considerações artísticas, pode ser considerada como uma validação histórica das suas presenças na nossa sociedade atual. O registro visual contido na fotografia reúne um inventário de informações acerca daquele preciso fragmento de espaço/tempo retratado. Uma fonte histórica, tanto para o historiador da fotografia, como para os demais historiadores, cientistas sociais e outros estudiosos (KOSSOY, 2001, p. 69-70).

Para tanto, é preciso discorrer sobre o papel ativo do fotógrafo na seleção do que deve ser enquadrado e como deve ser registrado, tornando-o um contador de histórias reais que utiliza a ―racionalidade instrumental‖ (ROUILLÉ, 2009) proporcionada pelo aparato técnico da máquina fotográfica para produção de um roteiro de valor documental, diferente do que resultaria o registro em texto. Segundo Rossi, ―A imagem nos seduz por sua própria presença; já a palavra pressupõe uma linearidade na sua leitura. A palavra evoca algo ausente: a imagem é (já) presença, aqui e agora‖ (2003 p. 09). Retornando ao papel ativo do fotógrafo, especificamente na exposição Transluz, vale considerar que Wagner Pina, recifense radicado na cidade de Campina Grande, iniciou o projeto em 2013 de forma independente após ele mesmo sofrer preconceito por ser gay em um bar na cidade que ele atualmente reside, sendo convidado a se retirar do ambiente por um funcionário do estabelecimento. Posteriormente, enquanto organizava um ato de repúdio ao preconceito em frente ao bar, promovendo um beijaço com


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diversos membros LGBTs convocados pelas redes sociais, abalado com o preconceito sofrido, Wagner conheceu Carolina Almeida, uma transexual que havia comparecido para apoiar o ato, fazendo com que o fotógrafo se deparasse, em uma conversa informal com Carolina, com uma realidade ainda mais vulnerável que a dele. Como o fotógrafo estava em processo de criação de um novo trabalho, direcionou a proposta para o universo trans, com a finalidade de promover o reconhecimento dos representantes da letra T. Deve-se ressaltar que toda fotografia é produzida com uma determinada finalidade. Esses registros representarão, sempre, um meio de comunicação, de informação, um meio de conhecimento e conterão, sempre, um valor documental (KOSSOY, 2001, p. 48).

O próprio fato de nominar Carolina Almeida nesta proposta de estudo, como a pessoa que impulsionou o processo artístico do fotógrafo, também pode ser considerado um ato inclusivo, dando identidade, história, voz e rosto para o segmento da sociedade tantas vezes reprimido, isolado e encoberto. O silenciamento da comunidade trans faz parte da rotina e da cultura atual, como podemos exemplificar com manchetes de jornais que comumente expõem apenas a condição de gênero dos envolvidos nas notícias (infelizmente, em sua grande maioria notícias relacionada à crimes bárbaros), sem considerar o rosto, o nome e a história que carrega aquela identidade: Figura 2. Manchetes com violência contra travestis em duas mídias66

Fonte: google imagens.

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Notícia divulgada pelo Jornal de Brasília no dia 27 de julho de 2016 disponibilizada pelo link http://www.jornaldebrasilia.com.br/cidades/travesti-e-assassinado-a-tiros-emtaguatinga-sul/ e Notícia divulgada pelo portal Olhar Direto em 26 de agosto de 2016 disponibilizada pelo link http://www.olhardireto.com.br/noticias/exibir.asp?noticia=travestie-assassinada-a-tiros-por-conta-de-divida-de-r-20&id=425735.


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Documentando diversas mulheres transexuais e revelando 25 delas em fotografias em branco e preto com tamanho externo de 72x92cm (cada obra), o fotógrafo evidenciou na exposição realidades trans oriundas de vários estados brasileiros como Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Sergipe, Alagoas, Bahia, Maranhão, Pará, Rio de Janeiro e São Paulo. A produção de questionamentos acerca da identidade, visibilidade e reconhecimento das pessoas trans no período da exposição também aconteceu com a palestra de Rebecka França, sobre transexualidade em sua vivência pessoal e na política, na tarde do dia 20 de novembro no auditório do Museu de Arte Assis Chateaubriand. A palestra constava nos objetivos da proposta expositiva aprovada pelo Fundo de Incentivo à Cultura e promoveu questionamentos além dos suscitados pela própria exposição, se levarmos em consideração o conceito de inseparabilidade da forma e do conteúdo no fazer artístico: Forma e conteúdo são vistos assim na sua inseparabilidade: o conteúdo nasce como tal no próprio ato em que nasce a forma, e a forma não é mais uma expressão acabada do conteúdo. Analisando bem, nesta concepção a inseparabilidade de forma e conteúdo é afirmada do ponto de vista do conteúdo: fazer arte significa ―formar‖ conteúdos espirituais, dar uma configuração à espiritualidade, traduzir o sentimento em imagem, exprimir sentimentos (PAREYSON, 1997, p. 56-57).

Diante da visibilidade proporcionada pela exposição, no dia 02 de dezembro de 2015 a Câmara Municipal de Campina Grande aprovou com unanimidade votos de aplauso a Transluz de acordo com o que foi divulgado posteriormente no site da instituição no dia 11 de dezembro de 2015. Tanto a proposta, de autoria do vereador Anderson Maia do Partido Socialista Brasileiro - PSB, quanto a aprovação unânime pelos vereadores pode ser considerada como o início da conscientização legislativa municipal no sentido do aprimoramento das leis para diminuição dos crimes transfóbicos na cidade. Para concepção estética na utilização do nu artístico, Wagner explorou a nudez feminina já popularizada na história da arte desde o período renascentista, quando pinturas de mulheres nuas, comumente relacionadas à temáticas mitológicas, impulsionavam o mercado artístico como por exemplo o Nascimento de Vênus de Botticelli de 1485. Com a chegada da fotografia e sua propagação, não tardou para que imagens de mulheres nuas, primeiramente inspiradas nos modelos das pinturas do período anterior, invadissem as reproduções fotográficas alcançando, com o passar do tempo uma estética própria. Esse breve percurso histórico revela que a autenticidade da exposição Transluz decorre não apenas do uso da


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nudez feminina, já tão explorada no contexto artístico, mas no registro do corpo que batalhou para conquistar sua feminilidade. O corpo enquanto eixo da relação entre o interior de cada ser humano e o mundo que o circunda e enquanto fator de singularização dos homens no mundo passa a ser fotografado tal qual o interior se identifica, distanciandose das pressões sociais que determinam padrões normativos. Sobre a temática engajada, sendo utilizada para valorização e inclusão social de grupos minoritários, historicamente discriminados, e/ou grupos em situação de risco, é possível considerar que o Wagner Pina utilizou como referência fotógrafos renomados já atuantes na visibilidade de excluídos e marginalizados da sociedade, tais como Diane Arbus, Pierre Verger e Sebastião Salgado, inclusive no uso do branco e preto, agregando uma maior carga emotiva. Figura 3. Fotos da exposição com modelos trans67

Fontes: acervo dos autores

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Imagem cedida por Wagner Pina, componente da exposição Transluz, com a modelo Fernanda Benvenutty. Imagem cedida por Wagner Pina, componente da exposição Transluz, com a modelo Maria Clara.


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A arte, e neste caso a fotografia, se coloca como um fator influente nas transformações socioculturais, atuando como importantes mecanismos de quebra de paradigmas. A exposição Transluz, através do ato fotográfico, pode ter modificado não apenas as pessoas fotografadas que puderam se enxergar enquanto mulheres dotadas de beleza e passíveis de contemplação, como também os receptores dessas imagens, que puderam se sensibilizar e se conscientizar sobre minorias e sobre a importância do reconhecimento. Para justificar esse fenômeno, Flusser cita a existência de forças ocultas na fotografia que produzem efeitos nos seus receptores: ―E assim a fotografia vai modelando seus receptores. Estes reconhecem nela forças ocultas inefáveis, vivenciam concretamente o efeito de tais forças e agem ritualmente para propiciar tais forças‖ (FLUSSER, 2002, p. 58).

3. reconhecimento

Para adentrarmos na concepção de luta por reconhecimento de Honneth é preciso que se compreenda a sua teoria dentro de um percurso histórico voltado para os fundamentos dos Direitos Humanos num desdobramento da Teoria Crítica desenvolvida pela Escola de Frankfurt. O que era assimilado numa ideia dominante de justiça onde o foco era mantido numa igualdade social baseada numa redistribuição de necessidades materiais passou a vislumbrar novos conceitos tais como dignidade e respeito: Seu objetivo normativo não mais parece ser a eliminação da desigualdade, mas a anulação da degradação e do desrespeito, suas categorias centrais não são mais a „distribuição igual‟ ou a „igualdade econômica‟, mas „dignidade‟ e „respeito. (HONNETH, 2007, p. 79).

Essa redefinição nos fundamentos conceituais de igualdade pode ser compreendida como uma nova sensibilidade moral da sociedade onde os indivíduos possam ser reconhecidos na complexidade simbólica que os cercam, levando em consideração seus aspectos multiculturais. Nesse contexto, os próprios conceitos de igualdade e diferença passam a ser articulados de modo a se adequarem às novas configurações sociais, na busca de uma real igualdade de condições através da equidade. Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades. (SANTOS, 2003, p. 56).


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Na construção da sua teoria social crítica, Honneth sistematiza concepções intersubjetivas entre o indivíduo e a sociedade afirmando o destaque do reconhecimento nessas relações, tal qual o teórico exemplifica afirmando que a ―experiência de ser reconhecido pelos membros da coletividade como uma pessoa de direito significa para o sujeito individual poder adotar em relação a si mesmo uma atitude positiva‖ (HONNETH, 2003, p.123). Neste aspecto, ainda é possível considerar os caminhos em torno dos conflitos sociais e das lutas por reconhecimento que ganham outros contornos na nova teoria construída: Ela contém a ideia audaciosa e desafiadora de que o progresso ético ocorre ao longo de uma série de etapas, com padrões de reconhecimento cada vez mais exigentes, que são mediados por lutas intersubjetivas, nas quais os sujeitos tentam ganhar aceitação para reivindicações a respeito de sua própria identidade. (HONNETH, 2007, p.83).

Para analisarmos a arte como caminho para o reconhecimento na exposição Transluz, ainda é preciso diferenciar as três dimensões distintas de reconhecimento na teoria de Honneth. Apesar de interligadas, as três dimensões gerariam sentimentos diferentes nos indivíduos, quais sejam; a autoconfiança gerada pelo reconhecimento no interior da família relacionada ao afeto; a autoestima estabelecida pelo reconhecimento social decorrente do respeito solidário; e por fim, o autorrespeito construído pelo reconhecimento do indivíduo perante as leis enquanto autônomo e moralmente imputável. Neste caso, apenas nas duas últimas dimensões é que se torna possível vislumbrar um cenário de conflitos sociais e para elas que iremos tender a análise. De acordo com o percurso construído nessa pesquisa, Transluz pode ser considerada um caminho para composição da auto estima no descortinar das mulheres trans com um olhar sensível, divergindo da exposição comum das mídias onde os representados pela letra T surgem, em sua grande maioria, como vítimas de crimes hediondos. O reconhecimento social da comunidade trans no projeto se torna evidente desde a seleção da temática na construção do processo criativo, até a própria exposição, pela visibilidade dada para as mulheres transexuais e travestis diante do público que compareceu ao museu e perante a mídia que acompanhou a exposição. Ainda é possível especular que Transluz continue promovendo a autoestima para comunidade trans pela conscientização gerada em muitos dos que se sensibilizaram com a exposição artística. A continuação no semear do reconhecimento social acontece inclusive na divulgação de


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notícias relacionadas ao público LGBT na página criada pelo projeto nas redes sociais que se mantém ativa com centenas de envolvidos. Com relação ao autorrespeito que seria decorrente do reconhecimento perante a lei, apesar de notadamente nossa legislação não aplicar devidamente o conceito de equidade no que se refere aos direitos da comunidade LGBT, é possível considerar que o financiamento, proveniente do Fundo de Incentivo a Cultura do governo estadual, para realização da exposição seja um indício de sensibilização do poder público para com essa população. A exposição ter sido acolhida em um museu público, o Museu de Artes Assis Chateaubriand, administrado pela Universidade Estadual da Paraíba, segue o mesmo princípio de vestígio receptivo das mulheres transexuais nas esferas públicas. No âmbito municipal, a aprovação unânime dos votos de aplauso à exposição, na Câmara Municipal de Campina Grande, se mostra como um valoroso indicativo de transformação conceitual para o real reconhecimento trans perante as leis.

Considerações finais

De acordo com as análises deste estudo é possível formular que a arte enquanto motivadora de inclusão social e reconhecimento se fez presente na exposição Transluz. Através da divulgação das fotografias de transexuais, Wagner Pina conseguiu expor muito além dos corpos nus das mulheres fotografadas, pois com a proposta artística ele despiu valores morais enraizados na nossa sociedade, evidenciando muitos preconceitos que nela ainda se sustentam. Com relação às conquistas da comunidade LGBT, e mais especificamente dos travestis, transexuais e transgêneros, em nossa cultura e em nossa legislação, de fato, ainda há um longo caminho a se percorrer para que se alcance a equidade buscada. Entretanto, é possível admitir, tendo como foco a exposição estudada, que a arte se coloca como um profícuo meio de sensibilização e conscientização para questões pertinentes em nossa sociedade, incluindo as problemáticas envolventes do universo trans. Cabe, por fim, valorizar propostas como a do fotógrafo Wagner Pina, que legitimam a arte enquanto fecunda nas mudanças sociais e culturais, capazes de atuar como meio para a inclusão social e reconhecimento, reafirmando a existência dos diversos tentáculos da arte.


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Referências

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PATRIMÔNIO INCLUSIVO – UMA EXPERIÊNCIA DOS SENTIDOS Amanda de Andrade Viana68 Anderson Vinícius Santana do Nascimento69

INTRODUÇÃO De acordo com o Censo Demográfico, dos anos 2000 à última consulta realizada em 2010, o número de portadores de uma ou mais deficiências (os PPDs) saltou de 14, 5% - correspondente a cerca de 24,5 milhões na população brasileira para 29,3% - equivalente a mais de 45,6 milhões de brasileiros. Há dezesseis anos, a pesquisa apontava o estado da Paraíba como o que apresentava as maiores taxas de deficientes em sua população, posto assumido pelo Rio Grande do Norte no último indicativo censitário. Mas desde décadas atrás, os estados do Nordeste sempre foram destaque ocupando as piores colocações e onde ainda concentra os municípios com maiores percentuais da população com pelo menos uma das deficiências investigadas. Só na referida década que compreende os dois recenseamentos em questão, o conceito de deficiência adotado para as pesquisas sofreu modificações para adaptar-se às inovações das áreas da saúde e relações sociais das pessoas portadoras de deficiências. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, órgão responsável pela aplicação dos censos, a abordagem da temática evoluiu de um simples molde médico para algo maior e sistemático. O que antes era considerado somente como patologia ou sintoma físico gerador de uma incapacidade, agora é entendido enquanto ―incapacidade como resultado tanto da limitação das funções e estruturas do corpo quanto da influência de fatores sociais e ambientais sobre essa limitação‖. É válido ressaltar, o aumento da variedade de tipos de deficiências e incapacidades levantados, como também os elevados índices percentuais de pessoas que autodeclararam possuir alguma ou grande dificuldade de enxergar. Decorrente disto sentem dificuldades de transpor barreiras ou até mesmo declaram exclusão por falta de adaptação a espaços físicos públicos ou privados, novas tecnologias e sociabilidade. Os levantamentos feitos desde 1872 até o mais recente censo em 2010 buscaram não só identificar os tipos de deficiências, como também às relações e acessibilidade desta parcela da sociedade com a educação, cultura, lazer e o 68

Arte/Educadora com graduação em Artes Cênicas (UFPB); Especialista em Ed. Básica e Infantil; Coordenadora Pedagógica da CIA Boca de Cena e Coord. Estadual do processo de Registro do Teatro de Bonecoa Popular do NE pelo Instituo do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. 69 Graduado em RELAÇÕES PÚBLICAS (UFPB) e Técnico Administrativo do Governo do Estado da Paraíba , Brasil e Relações Púbicas da CIA Boca de Cena.


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trabalho, por exemplo. No âmbito educacional, os dados sempre apontaram altos índices de analfabetismo e baixo acesso das pessoas com deficiência à educação. Ainda na década de 90 os números eram alarmantes, quando só a partir de 2001 observaram-se variações positivas no número de alunos matriculados, sejam em escolas de ensino especial ou mesmo as de ensino regular. Paralelo à realidade e transformação social que esta parcela da população vivencia; órgãos, entidades e instituições diversas na busca por inclusão social, cidadania e igualdade democrática desses indivíduos, não pouparam esforços em promover e publicar guias e ferramentas reguladoras para entes da administração pública e privada. Uma bela iniciativa foi apresentada pela Organização das Nações Unidas – ONU, quando em 1975 aprovou e divulgou a resolução que tratava da Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes. Este pontapé formal inicial desencadeou um caminho sem volta mundo afora. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, pautada nos direitos fundamentais da dignidade da pessoa humana sob o valor de que todos são iguais perante a lei, iniciou o trabalho de proibição da discriminação, cuidados, proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência. Após isto, outras emendas, projetos e leis foram apresentados à sociedade como o de isenção de impostos, garantia de pensão, assistência social, passe livre em transportes coletivos, prioridade de atendimento, instituição da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, Dia Nacional de Luta da Pessoa Portadora de Deficiência, Conselho Nacional de Combate à Discriminação – CNCD, entre tantos outros que só veio a favorecer e agregar valor legal à conquista dos direitos dessas pessoas. Porém, as conquistas ao longo dos tempos não cessou a luta diária dos portadores de deficiências pelo direito de ir e vir, além dos direitos civis garantidos como a saúde, educação, trabalho, lazer, esporte e cultura que, infelizmente, ainda são barrados pelo desrespeito, discriminação, desconhecimento, despreparo, preconceito e acima de tudo, a falta de conscientização e baixa aplicabilidade das leis e orientações vigentes. Por exemplo, o processo educacional evolui, muda, se adapta a muitas realidades, mas poucos são os que levam em conta o que realmente essas pessoas necessitam. Não obstante a esta realidade, as últimas décadas foram marcadas pelo aumento do número projetos relacionados à preservação e manutenção dos patrimônios culturais brasileiros, sejam eles materiais ou imateriais, com isto é fácil perceber uma crescente valorização das culturas orais e das manifestações artísticas tradicionais em muitos lugares do Brasil que, junto a fatores socioeconômicos, políticos e educacionais, estão em constante movimento na sociedade pós-moderna. Mas será que esta evolução está atenta e adaptada à realidade dos portadores de deficiências? Será que elas são pensadas e programadas levando em consideração a existência das pessoas deficientes? A temática se firmou, fortaleceu através de ações de salvaguarda, mas também se encheu de subjetividade, dificultando o estabelecimento de


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parâmetros de uso experimental. Com isso cresceu o número de implicações e desdobramentos práticos do que foi pensado e estudado teoricamente, principalmente quando se pensa em associá-los aos parâmetros legais, comprovando que nem sempre o que está no papel corresponde à realidade. Nessa percepção, este estudo relata a experiência da Cia Boca de Cena no projeto de educação patrimonial inclusiva, que tem por objetivo tornar acessível ao maior número de pessoas o teatro de bonecos popular da Paraíba, um Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, analisando a relevância que a educação inclusiva possui na formação da cidadania das pessoas com deficiência, assim como suas inconstâncias e dicotomias quando comparamos o que se apresenta na teoria com a prática aplicada nas organizações. De forma a atingir a reflexão acerca dos conceitos, teorias e prática da educação patrimonial cultural, este estudo traz análises bibliográficas e exemplos práticos a fim de ampliar o entendimento sobre o tema e, quem sabe, contribuir de forma significativa para os estudos e pesquisas na área.

1. Relações entre legislação e educação para pessoas com deficiência Os avanços políticos e legislativos sobre as questões que envolvem a inclusão de pessoas com algum tipo de deficiência no ramo educacional já são debatidas há muito tempo em todo mundo, a exemplo da Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em 1990 em Jomtien (Tailândia), e a Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade, realizada em 1994 em Salamanca (Espanha) com a cooperação da UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. No Brasil, as ações mais significativas são a promulgação do Decreto nº. 6.949 da Constituição Federal de 1988, o Plano Decenal de Educação para Todos de 1993, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, o Plano Nacional de Educação de 2001, a Resolução 02/2001 do Conselho Nacional de Educação, que institui Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica e os Decretos 3.298/99 e 5.296/04 que dispõem, respectivamente, sobre a política nacional de integração e o estabelecimento de normas e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiências ou com mobilidade reduzida. Mesmo diante de muitas iniciativas e após árdua caminhada, nota-se que essa base teórica legal nacional não alcançou tanto êxito, pois houve carência de um real entendimento e respeito às necessidades dos indivíduos deficientes por parte dos idealizadores do processo de inclusão escolar ideal, sem a devida consulta, participação ou envolvimento direto daqueles que porventura usufruiriam delas. Essa prática reforça a forma excludente e impositiva com que muitas das leis são aplicadas no Brasil. Segundo a Superintendente do Instituto Brasileiro de Defesa dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência – IBDD, Teresa Costa D‘Amaral, no que


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tange os direitos das PPDs, o mundo vive uma grande probabilidade de integração da pessoa portadora de deficiência, mas no Brasil o que vigora é a pretensão de sermos uma democracia excludente por usurparmos a cidadania dessas pessoas através do desrespeito e discriminação a suas conquistas legais. Refletir sobre a questão dos direitos das pessoas portadoras de deficiência significa hoje discutir cidadania e democracia, igualdade social e respeito às diferenças. No Brasil, a reflexão sobre esse assunto não se faz sem uma série de análises sobre justiça social e direitos humanos e, por meio delas, identificamos os mais variados tipos de imposições econômicas e sociais que tornam essa população um radical exemplo de exclusão social. (D‘AMARAL, 2003, p. 18)

De forma similar, vemos na cultura que a execução dessas normas e leis vigentes não acontece, as orientações não chegam ao alcance dos produtores e fazedores das artes de uma forma igualitária, principalmente quando tratamos de questões relacionadas às culturas populares, em especial, aos detentores dos patrimônios imateriais. Sendo assim, é imprescindível que as iniciativas educacionais para valorização dos patrimônios brasileiros sejam trabalhadas com ações inovadoras e inclusivas, que suscitem reflexão, compreensão e a participação espontânea das pessoas em processos de manutenção. A conscientização sobre a importância da valorização dos bens culturais, das tradições populares e o acesso de todos à informação, reforça a possibilidade de uma transformação social libertadora. Que se configura na formação de uma sociedade de pessoas mais justas, tolerantes e que respeitam a cima de tudo as diferenças. Na herança histórica cultural do nosso País infelizmente ainda persiste o preconceito ao diferente com atributos diminutivos às pessoas negras, homossexuais ou que possuam alguma deficiência. Segundo Paulo Freire: forte tendência nossa é a que nos empurra no sentido de afirmar que o diferente de nós é inferior. Partimos de que a nossa forma de estar sendo não é apenas boa, mas é a melhor do que a dos outros, diferentes de nós. A intolerância é isso. É o gosto irresistível de se opor às diferenças. (FREIRE, 1991, p.33)

A partir desse ponto de vista é evidente salientar que hoje em dia ainda existem muitas inconstâncias e polêmicas que envolvem a relação da pessoa com deficiência aos direitos à educação e cultura, pois ainda é pequena a parcela do cumprimento legal na prática educacional e artístico-cultural aplicada no país. O que muito se vê é pouca acessibilidade e conscientização de seus fazedores a essa parcela da população.


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Deste modo, torna-se importante antes do relato de experiência, apresentar esclarecimentos sobre o que é um patrimônio, qual sua relação com a sociedade e importância de sua preservação para o futuro. 2. Patrimônio cultural do povo brasileiro No aspecto cultural, o Brasil é um país rico e diverso, não só por sua extensão, como também pela herança do período da colonização que deixou marcas transformadoras e vivas até hoje na arquitetura, folguedos, música, dança e arte. Com quase oitenta anos de existência e o intuito de identificar, registrar e salvaguardar todo esse patrimônio, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, através do Ministério da Cultura do Governo Federal, direciona e instrui diversas ações, como também elabora conceitos que auxiliam e norteiam este trabalho país afora. Segundo Natália Guerra Brayner, o patrimônio cultural de um povo é formado pelo conjunto dos saberes, fazeres, expressões, práticas e seus produtos, que remetem à história, à memória e à identidade desse povo. A preservação do patrimônio cultural significa, ou seja, cuidar da conservação de edifícios, monumentos, objetos e obras de arte (esculturas, quadros), e de cuidar também dos usos, costumes e manifestações culturais que fazem parte da vida das pessoas e que se transformam ao longo do tempo. O objetivo principal da preservação do patrimônio cultural é fortalecer a noção de pertencimento de indivíduos a uma sociedade, a um grupo, ou a um lugar, contribuindo para a ampliação do exercício da cidadania e para a melhoria da qualidade de vida. (BRAYNER, 2007, p. 12)

Com base neste conceito, a reflexão que nos recai diz respeito à importância da preservação. E por que precisamos preservar nossos ―Bens Culturais‖ para as futuras gerações? A identificação das tradições populares como um patrimônio cultural, geralmente é despertado por um olhar externo, pois para muitas pessoas a forma de fazer uma panela de barro, o jeito de tomar um café, as brincadeiras de criança e outros costumes fazem parte da vida particular de cada um, não estando relacionada a qualquer elo externo além de seus laços afetivos. Desse ponto de vista, os conceitos formados sobre o termo ―patrimônio‖ ainda estão distantes do entendimento real do senso comum. Enquanto pesquisadores e fazedores de arte e cultura, notamos em muitas comunidades que a maioria das pessoas não tem qualquer consciência do significado desse conceito e tão pouco qual é a relação do mesmo com sua vida pessoal e coletiva. Portanto, é necessário sensibilizar e educar as pessoas no sentido da ampliar seus conhecimentos sobre as questões patrimoniais, assim elas


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poderão aprender que é a partir de memórias individuais que se dá a formação da memória social coletiva - a mola mestra para construção de uma sociedade mais justa, respeitosa das diferenças e detentora dos referenciais culturais de cada lugar. Paulo Freire em sua “Oitava Carta. Identidade cultural e educação” fortalece a importância da cultura no processo de transformação social e nos mostra que a partir das referências culturais podemos diagnosticar a sociedade à qual pertencemos, com seus avanços, dificuldades e desafios, mesmo sabendo que as heranças estruturais podem ser modificadas de acordo com o tempo presente. O que não é possível, porém, neste esforço de superação de certas heranças culturais que, repetindo-se de geração a geração dão às vezes a impressão de se petrificam, é de deixar de levar em consideração a sua existência. É bem verdade que as mudanças infra-estruturais alteram às vezes rapidamente formas de ser e de pensar que há muito perduravam. Por outro lado, reconhecer a existência de heranças culturais deve implicar o respeito a elas. Respeito que não significa, de modo nenhum, a nossa adequação a elas. O nosso reconhecimento delas e o nosso respeito por elas são condições fundamentais para o esforço de mudança. Por outro lado, é preciso estarmos claros com relação a algo óbvio: essas heranças culturais têm um inegável corte de classe social. É nelas que vai se constituindo muita de nossa identidade que, por isso mesmo, está marcada pela classe social de que participamos. (FREIRE, 1991 p. 33)

Para a Cia Boca de Cena, as ações desenvolvidas no campo da educação patrimonial partem do princípio da sensibilidade e do respeito à diversidade, onde cultivamos a gentileza e o sentimento particular de cada indivíduo em relação aos seus conceitos de cultura e patrimônio. Vale ressaltar também que consta na nossa Constituição Federal, em seu Artigo 216, a ampliação do conceito sobre patrimônio cultural e isto possibilitou a inserção dos patrimônios imateriais nas políticas públicas de preservação. O referido texto declara patrimônio cultural como sendo ―os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira‖.

3. Teatro de Bonecos da Paraíba O Teatro de Bonecos Popular do Nordeste: Mamulengo, Babau, João Redondo, Cassimiro Coco, recebeu no dia 05 de Março de 2015, na 78ª reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, em Brasília, o título de Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, pelo Iphan. Porém, apenas uma minoria da população tem conhecimento disto, ficando esta informação quase restrita


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aos fazedores da arte, gestores públicos, pesquisadores e artistas envolvidos no processo. Em nosso Estado, a Cia Boca de Cena promove ações e projetos voltados para visibilidade, promoção e documentação desse patrimônio por toda região. O intuito é fazer com que o maior número de pessoas conheça o teatro de bonecos popular e sua rica diversidade. O Babau70 - como é conhecido esse tipo de teatro na Paraíba, foi em tempos passados um instrumento comunicador imensurável, pois era através das suas brincadeiras (apresentações teatrais) que as informações chegavam às comunidades e sítios rurais, estando esta tradição ligada diretamente ao cotidiano das pessoas. Mas com o advento das novas tecnologias, a televisão e atualmente a internet e suas redes sociais, as culturas populares estão fadadas ao acaso do ―exótico‖. Crianças e jovens são bombardeados diariamente por uma cultura midiática opressora que gera um distanciamento gradativo entre as novas gerações e as tradições populares. Um momento delicado e problemático em que as intervenções educativas precisam ser emergentes e galgadas no diálogo permanente do passado com o presente, possibilitando uma identificação dos mais jovens com as referências culturais de suas comunidades. O passado não existe por si mesmo. Toda nossa vida se produz no presente; é no presente que ―apostamos nossas fichas‖, vivenciamos sonhos, medos, alegrias e tristezas, Mas o presente só faz sentido porque tem um suporte em acontecimentos, impressões, sensações e entendimentos anteriores, em referências pessoais, profissionais afetivas e pragmáticas do passado que é evidenciado pela memória. (BRAGA, 2011, p. 19)

Pensamos que para um Bem ser reconhecido como patrimônio, não basta uma aprovação técnica e oficial do Estado Nacional, é necessário principalmente que seu reconhecimento venha de sua base de formação, ou seja, do lugar, da localidade, da comunidade de onde ele provém. As comunidades é que devem protagonizar seus patrimônios e em parceria com o poder público e sociedade civil de uma formal geral trabalhar junto para salvaguardá-los. 4. Educação Patrimonial Inclusiva A educação patrimonial para o imaterial é pouca desenvolvida em nosso país e isto parece ser consequência de uma herança histórica educacional voltada para conceitos patrimoniais de pedra e cal, onde o patrimônio imaterial apresenta-se como um campo difícil de abordar pela sua natureza intangível.

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Nome dado ao teatro de bonecos popular do Nordeste na Paraíba


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O Governo Federal, através de seus órgãos competentes já sinaliza algumas diretrizes de como podemos trabalhar em prol do desenvolvimento de ações nesse campo. Porém, consideramos insuficientes, principalmente quando pensamos nas questões voltadas para inclusão e acessibilidade na cultura. Quando tratamos dos direitos das pessoas com deficiência, infelizmente, os ramos da educação e cultura são os mais negligenciados, tanto pelo Estado, quanto pela sociedade civil. Por mais que algumas imposições legislativas vigorem, na prática, a infraestrutura de vias e espaços públicos e privados é precária, instituições educacionais não possuem profissionais qualificados, poucos são os transportes, cinemas, teatros, museus ou produtos e serviços ofertados (filmes, peças, espetáculos, obras de arte, atendimento...) adaptados às mais variadas formas de deficiências. Como se não bastasse o descumprimento legal e falta de consideração de muitos desses ramos, por mais que haja órgãos e arranjos de condição das políticas públicas voltadas aos deficientes, praticamente não existem agentes de fiscalização, planejamento e implantação de acessibilidade no Brasil inteiro. De acordo com o Decreto nº 5.296/2004 que regulamenta as Leis nº 10.048/2000 e a nº 10.098/2000, a acessibilidade condiz com: a condição para utilização, com segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida. Essas pessoas devem ter seu direito ao acesso assegurado, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

É inegável que nosso país desenvolveu instrumentos legais para garantir acessibilidade e inserção da pessoa com deficiência em diversos ramos da sociedade, mas ainda carece de associar ações práticas às metas de desenvolvimento do Brasil que execute obras de inclusão e prestação de serviços eficientes e efetivos na busca por diminuir as desigualdades sociais e melhoria a qualidade de vida desses cidadãos. 5. A experiência com grupo de deficientes visuais O relato de experiência descrito aqui objetivou levar noções de patrimônio imaterial para um público misto de pessoas cegas, formado por crianças, jovens, adultos e idosos atendidos pelo Instituto dos Cegos da Paraíba - Adalgisa Cunha, na cidade de João Pessoa. A fim de garantir a efetividade da ação proposta, o trabalho foi realizado nas dependências do Instituto, por já possuir em sua estrutura lugares adequados e contou com a ajuda dos professores da instituição.


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Os alunos foram direcionados para uma sala preparada antecipadamente para recebê-los, com cadeiras em organização circular, mesa com material a ser explorado no centro, tenda71 de bonecos em posição frontal e uma caixa de som na lateral. Figura 1: Atividades no museu iconográfico da Cia Boca de Cena.

Fonte: Acervo iconográfico da Cia Boca de Cena com imagens da ação

Em seguida levamos crianças e adolescentes ao centro da sala para tocarem nos materiais expostos (papier maché, cabeças de bonecos, papel picado, etc.) e explicamos oralmente do que se tratava e a serventia de cada um deles. Já com os idosos levamos ao encontro deles cada material a ser tocado. Após este primeiro contato, o diretor da Cia - Artur Leonardo promoveu uma roda de conversa, citou o nome dos personagens tradicionais que compõe a dramaturgia do babau e rapidamente os idosos reativaram suas memórias compartilhando alegremente suas experiências juvenis, identificando de imediato algumas personagens como o Benedito, o Capitão João Redondo, a Quitéria etc. Após a vivência tátil todos foram convidados a assistirem uma apresentação de um dos espetáculos da Cia, que teve sua encenação adaptada para um formato em ―áudio descrição‖, onde os atores manipuladores descreviam suas cenas e personas, facilitando a compreensão do público sobre as passagens (cenas) apresentadas. Ao fim da apresentação o público pode tocar nos bonecos que participaram da encenação, sentir suas texturas, formas de manipulação e construção. Para nossa equipe, a experiência foi instigante e desafiadora. Inicialmente não tínhamos consciência de estar fazendo as coisas da maneira correta ou mais adequada, além disto, também não sabíamos se eles entendiam o que queríamos passar. Contudo, a ação nos fez compreender melhor as pessoas cegas, suas necessidades e principalmente as dificuldades de comunicação existentes entre as pessoas que possuem visão e as que não possuem. No âmbito técnico aprendemos muito sobre a importância do ouvir e do preenchimento sonoro em uma ação dramática, pois as cenas que tinham 71

Estrutura onde os bonequeiros apresentam seus bonecos; teatro; empanadas.


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efeitos, sons, músicas e palavras proporcionaram uma melhor compreensão por parte do público. Além disso, o que eles conseguiram perceber de diferente em relação às pessoas que enxergavam foi fantástico, pequenos detalhes como entradas corridas e lentidão de falas tinham sentidos novos e bem mais fortes. Na prática, sentimos de perto as carências que os cidadãos e fazedores de cultura e artes relativas ao universo das pessoas com deficiências possuem quando se deparam com a realidade. Não fosse o apoio técnico e profissional que recebemos da equipe do instituto, seria difícil. Existe um pacto entre o Estado e a sociedade brasileira em relação a essa questão. O acordo começa com a manutenção do assunto como um problema da área de assistência social, da caridade, do paternalismo; passa pelas falsas políticas de participação e se conclui com a aceitação da deficiência como diferença e da cidadania incompleta dos diferentes. É essa cidadania diferenciada que mantém a pessoa de deficiência longe. É preciso acreditar na construção de seus direitos em nosso país, participar dessa construção. E ela só acontecerá quando houver consciência social para exigir o respeito à diferença, quando entendermos que só a fraternidade permitirá construir a utopia de uma democracia verdadeira. (D‘AMARAL, 2003, p. 24)

É necessário mais que normas reguladoras, leis, guias e orientações a prática e proximidade do dia-a-dia dos portadores de deficiências para que haja sensibilização da sociedade, como também a formação de consciências mais responsáveis por tomá-los com igualdade de direitos e humanidade. Conclusões Sabedores de que a inclusão perpassa por todas as áreas (educação, saúde, cultura, etc.) e que as discussões em torno das ações nesta área, principalmente no âmbito cultural precisam ser intensificadas e divulgadas, identificamos em nossa pesquisa que há poucas informações sobre acessibilidade na área do patrimônio cultural imaterial e, quando existem, estão relacionadas a questões de classe social, raça ou gênero, deixando à margem ações voltadas aos deficientes de uma forma geral. Para que um Bem seja realmente reconhecido como um patrimônio brasileiro é necessário que as pessoas o reconheçam como tal, e que ele faça parte de seu cotidiano. Mostramos que o teatro de bonecos popular do Nordeste se faz presente na vida das pessoas e que para se trabalhar com educação patrimonial de forma inclusiva, é necessário saber ouvir, aprender com o outro, revisitar memórias e possibilitar a construção de um processo de aprendizagem através do conhecimento coletivo. Ainda há um longo caminho a ser percorrido até que as pessoas com deficiência consigam de fato ter acesso a tudo que é lhe de direito. Os


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processos educacionais precisam ser mais abertos, adotando metodologias mais acolhedoras e participativas, onde a aprendizagem aconteça de forma mútua, com reciprocidade e troca de saberes. As ações de inclusão também precisam ser mais estimuladas e o poder público deve oferecer melhores condições estruturais, técnicas e formativas no âmbito da cultura. Isto possibilitaria uma melhor preparação dos profissionais da arte em relação à acessibilidade em seus trabalhos artísticos. Para o campo do Patrimônio Imaterial acreditamos que as dificuldades são ainda maiores, pois a própria temática ainda não é acessível às pessoas, sendo considerado um universo a ser explorado. Mas enquanto as pessoas com deficiências não forem tratadas de maneira igualitária aos demais cidadãos garantindo seus direitos básicos como o de ir e vir, saúde, educação, lazer, cultura e esportes permanecerão descriminalizados e à margem social, com pouca acessibilidade, indignos de respeito e inclusão.

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PRINCÍPIOS NORTEADORES DA MEDIAÇÃO CULTURAL COMO EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL Ana Cláudia Lopes de Assunção72 Introdução

Motivada por uma trajetória de ensino de arte que visa à ampliação da experiência estética do aluno, assim como o seu contato direto com as produções artísticas da contemporaneidade, é que tenho buscado a desconstrução e reconstrução de valores, procurando compreender as diferentes formas de representações artísticas e culturais de diversas origens.

Repensar o processo de ensino de arte e buscar alternativas para sua execução é que me levou a pensar sobre os espaços das instituições culturais como locais que extrapolam o ensino formal da sala de aula, ao tempo em que constituem instâncias diferenciadas de ensino e aprendizagem d as manifestações artísticas e culturais universais.

Nas instituições culturais, vem sendo desenvolvidas atividades educativas com a intenção de ampliar o acesso de um público diversificado às exposições de arte e oferecer espaço para o entendimento do trabalho artístico, objetivos estes referentes ao ensino de artes visuais e à mediação cultural em contextos da educação não formal. A permanente efetivação destas atividades promove a aproximação dos alunos da Educação Básica, ou dos visitantes dos espaços expositivos, com o universo da produção artística, nas suas diferentes formas de expressão e de cultura.

Ver, apreciar e interpretar a arte implica numa interação entre as escolas e os espaços expositivos da arte, numa mudança de postura do arte/educador como mediador entre educandos e os saberes da arte. A concepção deste profissional na contemporaneidade é a de que ele vá além da sala de aula e encontre meios para aproximar seus alunos do universo artístico e cultural. A prática embasada nestas ideias me levou ao interesse em aprofundar as pesquisas sobre a mediação cultural nas instituições culturais e compreender qual a concepção dos dirigentes das instituições em relação a esta prática 72

Doutora em Artes (UFMG); Mestre em Artes Visuais (PPGAV UFPB); Licenciada em Artes Plásticas. Email: anaclaudia_pb@hotmail.com.


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educativa. Vislumbrei exatamente problematizar questões ainda presentes no contexto do ensino das artes no Brasil e, mais especificamente, na Região do Cariri cearense. Esta escolha aconteceu a partir da observação dos relatos dos alunos dos cursos de Licenciatura em Artes Visuais e em Teatro da Universidade Regional do Cariri-URCA, onde leciono desde 2008, sobre suas vivências educativas em visitas a exposições de arte contemporânea, assim como sobre suas práticas profissionais na execução das atividades de mediação cultural no Centro Cultural Banco do Nordeste do Brasil – CCBNB/Cariri. Os relatos me levaram a questionar sobre estas atividades de artes visuais oferecidas pela instituição, sendo este um dos focos de estudo do curso de Licenciatura em Artes Visuais. Incentivada pelas relações entre o Centro Cultural e os cursos do Centro de Artes/URCA, conjeturei a possibilidade de investigar este tema tendo em vista que é imprescindível aproximar docentes e discentes da Universidade deste espaço, assim como ampliar estes laços com as escolas públicas da região. Uma vez que o CCBNB/Cariri oferece um espaço de apreciação e experimentos artísticos diante da arte produzida tanto na região como em outras localidades do Brasil, proporcionando à população do Cariri cearense o contato direto com o universo artístico, é que percebo a necessidade de saber como a instituição concebe, planeja e organiza estas ações. A implantação do Centro Cultural na cidade do Juazeiro do Norte é recente - sua inauguração se deu em 2006. O Centro vem passando por diferentes práticas educativas de mediação cultural, oferecendo um espaço de apreciação e experimentos artísticos diante da arte produzida tanto na região como em outras localidades do Brasil, proporcionando à população do Cariri cearense o contato direto com o universo artístico. O estudo das suas práticas educativas de mediação cultural foi importante para compreender aspectos da história do ensino de artes visuais na região e para reconhecer este local como espaço de aproximação e experimentações com o universo artístico e cultural, a partir de seu acesso por escolas da Educação Básica. Este espaço também é um novo campo de atuação e de ensino/aprendizagem para alunos do Centro de Artes da URCA, sendo propício às investigações sobre o ensino de artes visuais em contextos da educação não formal e de abordagens do processo criativo da arte contemporânea.


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1. Uma trajetória no ensino de artes visuais

Inicio este estudo analisando e refletindo minha própria experiência com a prática docente no ensino de arte, especificamente das artes visuais, tenho buscado uma associação com o suporte teórico adquirido na formação acadêmica, junto a uma prática educativa reflexiva, compreendendo que educação é um processo de aprendizagem contínuo e em constante transformação que visa à formação e ao desenvolvimento social e cultural do indivíduo. Uma prática constituída pelas relações sociais, culturais, econômicas e políticas de determinada época e lugar, ―tendo em vista, precisamente, potencializar essa atividade humana para torná-la m ais rica, mais produtiva, mais eficaz, diante das tarefas da práxis social postas num dado sistema de relações sociais‖ (LIBÂNEO, 1998, p. 74-75). Esta experiência como professora de artes foi iniciada em Pelotas/RS, em 1993, quando ingressei como docente na Educação Básica na rede de ensino municipal e teve continuidade com minha mudança para o Nordeste, onde atuei em várias escolas públicas e particulares na Paraíba, nas cidades de Santa Rita, Conde, Cabedelo e João Pessoa, no período entre 1998 e 2007. Nos anos de 2003 e 2004, vivi a experiência como professora substituta do curso de Licenciatura Plena em Educação Artística Habilitação em Artes Plásticas da Universidade Federal da Paraíba/UFPB. As disciplinas que ministrei na UFPB estavam relacionadas às práticas e experimentos artísticos, assim como os fundamentos e as práticas pedagógicas do ensino de arte. A partir de 2007, mantive o direcionamento do meu campo de atuação para o ensino superior, trabalhando como professora efetiva do Curso de Licenciatura Plena em Artes Visuais do Centro de Artes Reitora Violeta Arraes de Alencar Gervaseau, da Universidade Regional do Cariri – URCA, situada na cidade do Juazeiro do Norte, na região do Cariri cearense. Atualmente ministro as disciplinas na área de Expressões Bidimensionais: Desenho I e II, e Pintura I e II, tendo já ministrado neste curso outras disciplinas como História das Artes Visuais e Estágio Supervisionado em Ensino de Artes Visuais. Cheguei ao interior do Ceará no ano de 2007, mais especificamente no Triângulo Crajubar, formado pelas cidades Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha. Desde então, venho observando e participando das atividades de mediação cultural realizadas por jovens estudantes de artes e áreas afins no CCBNB/Cariri. Muitos deles são alunos do curso de Licenciatura em Artes Visuais e em Teatro, do qual sou professora no Centro de Artes Reitora Violeta Arraes de Alencar Gervaseau, da URCA. A cidade de Juazeiro do Norte é considerada um celeiro cultural, marcada por fortes características místicas em torno da figura de Padre Cícero, da fé e da religiosidade populares. Nesta cidade se localiza o


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CCBNB/Cariri, instituição que abre um espaço democrático de acesso à arte e à cultura regional e universal, através de ações culturais como exposições de arte contemporânea, apresentações de espetáculos de dança, teatro e concertos musicais. Estas ações permitem o acesso a culturas de diversas regiões e o seu intercâmbio. Compreende-se este espaço como um local aberto a experimentos, tanto para apreciação artística como para a atuação dos professores de arte em processo de formação pelo Centro de Artes Reitora Violeta Arraes Gervaseau. As atividades culturais que aconteciam em Juazeiro do Norte, antes das instalações do CCBNB/Cariri, eram promovidas por iniciativas da secretaria de cultura da cidade e das cidades vizinhas ou ainda pelo Serviço Social do Comércio – SESC que, embora tenha como principal função a assistência social e a promoção do lazer e do esporte oferece uma sala para exposições de arte contemporânea. Minhas primeiras aproximações com o CCBNB/Cariri deu-se em outubro de 2007, quando estive presente no vernissage da exposição Entre Telhas, de Josely Carvalho, sob curadoria de Ana Mae Barbosa e Fábio José Rodrigues da Costa. Josely Carvalho é uma artista ativista feminista que nos faz pensar sobre as questões da artista mulher e sua inserção no contexto profissional em que predominam os cânones de uma ar te patriarcal. A vinda da exposição de Josely Carvalho para a região provocou nos visitantes do CCBNB/Cariri diversificadas reflexões no tocante à produção contemporânea da arte e suas conexões com o cotidiano. Nesta exposição, especificamente, a artista propôs uma reflexão metafórica sobre o abrigo, utilizando a telha como um dos objetos de sua instalação, o que dialogava em muito com a região d o Cariri, por sua grande produção de telhas em olarias instaladas nas cidades circunvizinhas a Juazeiro do Norte. Muitos dos estudantes que frequentaram o Centro Cultural neste período trabalhavam ou tinham familiares que trabalhavam nessas olarias. Com a residência da artista na região, houve uma aproximação com estes trabalhadores e a utilização da produção de tijolos na sua instalação. Houve uma interação entre a comunidade e a artista, fazendo que os oleiros e seus familiares se sentissem parte integrante da produção de sua instalação. Essas situações foram possíveis devido à proposta educativa elaborada e executada pela curadoria. Aponto aqui, então, para a importância d e se pensar em um setor educativo para as instituições culturais, um espaço para planejar a exposição da produção artística contemporânea e sua visitação, e m que se possam discutir as dificuldades e gerenciar alternativas para a realização de cada exposição nas suas mais diferentes formas de expressão. Nesse período, quando minha permanência na região s e dava há pouco tempo, as aulas do curso de Licenciatura em Artes Visuais ainda não


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haviam iniciado. Quando iniciaram, em 2008, a região conta va com o CCBNB/Cariri e o SESC como locais que abrigavam exposições que permitiam o acesso ao universo artístico contemporâneo. Concentrei minhas observações sobre as visitas realizadas ao CCBNB/Cariri, por se tratar de um Centro Cultural, e o que vi ali foram ações de mediação cultural isoladas e descontínuas. Muito questionei sobre as ações educativas no CCBNB/Cariri, pois o que pude observar é que, não havia a promoção de práticas educativas de mediação cultural contínua, durante as visitações artísticas nos espaços expositivos. Em determinadas exposições do Centro Cultural era oferecido um acompanhamento aos professores, como os Encontros com Educadores e, em outras exposições não. Por conseguinte, não havia uma pessoa na sala de exposição para acompanhar as visitas, o que dificultava o entendimento dos conteúdos presentes nas obras de arte. Quando fazia as visitas ao Centro Cultural com os alunos da URCA, por vezes me deparava com uma exposição sem um suporte oferecido pelo Centro Cultural. Neste caso era preciso que eu fizesse a mediação. Eu deixava que eles percorressem o espaço e observassem a exposição e, à medida que sentissem necessidade, faziam perguntas. Retornávamos para sala de aula e continuávamos as discussões sobre os conteúdos que estavam expostos. Quando não havia muita informação sobre o artista e sua obra no centro Cultural, realizávamos uma pesquisa em conjunto par a sabermos mais sobre o artista e sua exposição. Essas visitações proporcionavam aos alunos a apreciação, a aproximação com o universo da arte contemporânea e uma ampliação no seu repertório estético. Compreende-se que a intenção da instituição é promover a formação de um público frequentador dos seus programas educativos que, nas artes visuais, são os Encontros com Educadores e a presença de um mediador na sala de exposição. Porém, estas ações educativas não atinge m todas as exposições em cartaz na instituição. Durante a organização e o planejamento das exposições, algumas delas não são contempladas com as práticas educativas de mediação cultural. Falase de uma democratização do acesso à arte e à cultura, mas como isto pode acontecer se a instituição que deveria promover este acesso discrimina o tipo de exposição que deve ou não ser mediada? Esta é uma questão para se refletir e buscar um direcionamento que venha trazer resultados produtivos nesse processo. Devido a esse encaminhamento dado pelo Centro, percebe-se que há uma interrupção na sistemática do processo educativo da mediação cultural, que busca a formação de um público apreciador e frequentador das salas de exposições, quando é importante haver um planejamento


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sistematizado destas atividades, por ser este um espaço educativo do ensino de arte na contemporaneidade. Os espaços culturais também são espaços educativos quando seus ambientes são organizados em função da proposta da exposição, seguindo um planejamento baseado no contexto dessas produções com o intuito de provocar uma maior interação entre o público e o objeto artístico apresentado. Aí, compreende-se o mediador não só como aquele profissional ou educador que acompanha a visitação nas salas de exposições, mas um agente inserido em todo um complexo de ações que são movidas para a concepção e apresentação das obras. Entende-se a mediação cultural como um trabalho educativo intencional sistemático, com planejamento, conteúdos e objetivo s a seguir. Sendo suas atividades executadas fora do âmbito da escola, ela proporciona uma ampliação do ensino escolar. Esta ação educativa extrapola as normativas do sistema escolar e, como seu planejamento é flexível, pode considerar de modo mais amplo as diferenças entre os aprendizes e seus processos de aprendizagem. O que se observa no CCBNB/Cariri é que estas atividades não são planejadas e organizadas de forma sistemática e contínua, principalmente porque ainda não há um setor educativo com profissionais devidamente qualificados para pensar nestas ações. No histórico do ensino de arte na região do Cariri cearense, é constatado que os professores que ministram a disciplina Arte nas escolas públicas não possuem formação específica na área. São professores de outras especialidades que completam sua carga horária na escola com a disciplina. Esta realidade está descrita em pesquisas realizadas pelo Grupo de Pesquisa Ensino de Arte em Contextos Contemporâneos – GPEACC/URCA/CNPQ, onde se afirma que ―o ensino de artes tem sido ministrado por professores das mais diferentes área s do conhecimento‖ (COSTA e SILVA, 2010). A partir disto é que reforço sobre a necessidade da mediação cultural nos espaços expositivos da região, para que o professor comece a se familiarizar com o universo da arte e possa despertar também no aluno o interesse por esta aproximação. Com os cursos de Licenciatura em Artes Visuais e em Teatro da URCA, que foram criados em 2008, temos instituída a primeira formação de professores de artes na região. O curso de Artes Visuais formou sua primeira turma em 2012. Estes são os primeiros arte/educadores graduados na região. Com isto, espera-se que o panorama do ensino de arte da região amplie seus horizontes, assim como fortaleça as parcerias entre as escolas e os espaços expositivos da arte contemporânea presentes no Cariri cearense. Outra atividade que presenciei no Centro Cultural foi o Encontro com Educadores direcionado para a exposição Vestidas de Branco, de Nelson


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Leirner, em julho de 2009. Ao chegar à sala da palestra, todos receberam um livreto com a indicação: Material do Professor, organizado por Artelane Martins (2009). Este material foi oferecido aos professores para desenvolverem atividades com seus alunos em sala de aula, acompanhadas de reproduções das obras de Nelson Leirner. O livreto contém um texto com informações muito simplificadas e desconexas sobre o ensino de arte em espaços não formais, junto a informações sobre arte contemporânea, sobre o artista e a exposição. Ao final do livreto, vêm listadas algumas atividades como a de ―pesquisar sobre as obras do artista que estão em outras exposições‖ ou ―registrar as impressões do aluno diante das imagens apresentadas‖ (Imagem 1 e 2). Se a intenção dessas atividades era a de servir de apoio para análise e leitura das obras em exposição, isto não seria possível devido à baixa qualidade das reproduções e ao seu tamanho, uma vez que eram figuras pequenas, difíceis de serem visualizadas numa sala de aula com um grupo de estudantes. As ações do Centro oferecem um material aos educadores sim, mas com que qualidade? Quem elabora esse material?

Imagem 1 e 2 – Material do professor. Juazeiro do Norte, 2010.

Fonte: acervo da autora

O profissional que mediava este encontro relatou durante sua fala que ainda não havia visitado a exposição, pois acabara de chegar de Fortaleza e não tivera tempo para isto, o que causou estranhamento aos ouvintes. Como pode alguém fazer uma explanação sobre algo que ainda nã o viu? Sua apresentação se resumiu às questões mais teóricas em torno da educação não formal e da arte contemporânea, seguindo o roteiro apresentado no material que foi entregue. Porém, diante da proposta da exposição de Nelson Leirner, sua explanação ficou a desejar. Nesse mesmo período, tive participação em um novo programa proposto pelo CCBNB/Cariri, o Programa Arte em Família, que acontecia aos domingos e se destinava à realização de atividades de mediação com as crianças e seus familiares que visitavam o Centro Cultural.


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Foi um trabalho difícil diante do que a instituição oferecia para o desenvolvimento das atividades e as expectativas do público. Não tinha um espaço definido para realização das experimentações artísticas, assim como o Centro não dispunha de um orçamento para compra de materiais para a realização dessas atividades. Diante de um público infantil, realizar tais atividades era quase uma exigência. A diversidade expressiva da arte contemporânea também nos pede vivenciar uma diversidade de usos de materiais e técnicas, que têm como intenção proporcionar ao visitante, seja ele criança, adolescente ou adulto, experimentar o processo de criação vivido pelo artista, conhecendo os materiais e técnicas que foram utilizados e explorar suas possibilidades expressivas. Algumas vivências foram realizadas dentro da sala d e exposição. Após a visita e a apreciação das obras, era distribuído o material para o desenvolvimento das experimentações no centro da sala da exposição. Quando a concepção da exposição definia fixar as obras na parede, isso era possível. Como exemplo, as exposições de gravuras Minha Vida na Xilogravura, dos gravadores de Juazeiro do Norte e Entre a Xilo e o Múltiplo, do Clube de Colecionadores da Gravura do Museu de Arte Moderna de São Paulo – MAM/SP, sob curadoria de Cauê Alves. Nestas exposições pude realizar uma atividade muito produtiva com as crianças e seus familiares. Experimentei com o grupo a técnica de gravura por monotipia, na intenção de que as crianças pudessem compreender como acontece a reprodução das imagens e sua inversão. Houve uma interação entre os visitantes, familiares e crianças. Esta iniciativa do CCBNB/Cariri trouxe a abertura de um espaço de integração e visitação muito positiva (Imagem 3).

Imagem 3: Atividade de gravura por monotipia. Foto: Ana Cláudia Assunção, 2010.

Fonte: acervo da autora.


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Já na exposição de Nelson Leirner, em que o salão estava tomando por objetos artísticos, foi preciso adaptar as atividades em outro ambiente do prédio, o que comprometeu o seu desenvolvimento. O artista apresentava em sua obra muitos elementos atrativos ao universo infantil, como carrinhos, brinquedinhos, bichinhos de plástico, personagens de histórias e filmes infantis. Era quase impossível mantê-las na sala sem que quisessem pegar os elementos e brincar. Neste caso, ficamos sem um espaço adequado para a realização das atividades. Compreendo a totalidade dessas ações da mediação cultural como um fenômeno que vem se estruturando no interior do estado do Ceará e que deve ser pesquisado e questionado, da mesma forma como se tem feito nos grandes centros urbanos. Tal compreensão, na minha trajetória docente, representa uma busca de alternativas para um fazer pedagógico que extrapole o espaço formal do ensino. Assim, considero relevante este estudo no sentido de poder trazer contribuições significativas para a expansão destas ações, reconhecendo a contribuição que o CCBNB/Cariri vem trazendo para a região, tanto como um espaço de circulação dos diversos campos artísticos, como servindo de objeto de estudo e reflexão sobre as possibilidades de se pensar nos espaços do ensino da arte no Cariri cearense.

2. Compreendendo a educação não-formal

O processo educativo acontece continuamente durante o percurso da vida de um indivíduo, em todos os ambientes por onde passar. O tempo todo e por todos os lugares estamos sendo educados. Claro que isto pode acontecer de forma intencional ou não, de forma institucionaliza da ou não. Quando me refiro à intencionalidade, estou falando de planejamento organizado, estruturado por conteúdos e objetivos que seguem princípios e padrões sociais e culturais, em instituições que atuam como instâncias educativas. A educação provida pelas instituições educativas po de ter caráter formal ou não formal. O local em que se constitui a educação formal é a escola, para a qual o Estado normatiza regras orientadoras do planejamento do ensino, como as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN. Por outro lado, a educação não formal se desenvolve em espaços que não seguem estas normas, como as Organizações Não-Governamentais – ONGs, museus e centros culturais, igrejas, sindicatos, etc. São locais que possuem características próprias, porém suas atividades são planejadas a partir de uma intencionalidade, ―implicando certamente relações pedagógicas, mas não formalizadas‖ (LIBÂNEO, 1998, p. 81).


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As instituições de caráter não formal não têm por intenção substituir as escolas, mas oferecer uma ação educativa que aja paralelamente à educação formal, que venha atender as necessidades específicas de determinados grupos sociais, indo além do que é oferecido nos sistemas escolares. Isto ocorre, por exemplo, nas ONGs, conforme explicita Carvalho (2008, p.130131): na educação formal, os conhecimentos transmitidos são sistematizados e organizados em uma determinada sequência, muitas vezes distantes da realidade dos alunos; nas ONGs, os conteúdos são adaptados às demandas específicas de cada grupo. A transmissão do conhecimento acontece de ma neira não obrigatória e não há mecanismo de reprovação no caso da não aprendizagem. O compromisso principal do ensino nas ONGs é com as questões consideradas importantes par a determinados grupos. Tanto a educação formal como a não formal são guiadas por uma intenção em seus planejamentos, com conteúdos que devem ser cumpridos, diferindo no que se refere aos espaços, ao tempo de atuação e, como visto, também à caracterização do alunado e da avaliação, o que implica objetivos também diferenciados. O ensino formal requer uma regularidade na sua prática educativa que acontece de forma sequencial, seguindo um currículo determinado pelas diretrizes nacionais e locais com sistemas de avaliação que tentam mensurar o nível da aprendizagem do aluno. Na educação não formal estes espaços e o tempo do processo de ensino são múltiplos e flexíveis e não têm por critério uma sequência, nem seguem um sistema educacional com referenciais nacionais; o desenvolvimento do aprendizado é específico em cada grupo de educandos; seus conteúdos são adaptados de acordo com as necessidades e o contexto dos grupos trabalhados. Segundo Libâneo (1998), as práticas não formais podem ocorrer também nas escolas, consideradas como atividades extraescolares, aplicadas para complementar um conhecimento trabalhado em sala de aula. Da mesma forma, no ensino não formal podem ocorrer práticas formais, estruturadas de acordo com a educação formal, porém aplicadas em outro espaço que não a escola. O processo de ensino abrange diversos meios, tanto naturais como sociais. O indivíduo, em seu processo de formação da personalidade, é influenciado por valores, costumes, ideias, enfim por toda uma cultura que o circunda. Esta cultura é transmitida inicialmente pela família à qual o indivíduo pertence, quando não há uma intencionalidade nas práticas educativas e acontece informalmente, num espaço não institucionalizado. Tal processo é


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conhecido como educação informal. Ela acontece de forma contínua no decorrer da vida do indivíduo, sem uma intencionalidade e em espaços não institucionalizados. Neste percurso, entra-se em contato com outros espaços do meio ambiente, onde se estabelecem relações, na procura por uma adaptação. A inserção do indivíduo no meio implica um aprendizado de convivência junto aos grupos sociais, um modo de ser e estar no mundo, de trocas de valores e culturas que ampliam o desenvolvimento de sua personalidade. Compreende-se que o processo educativo deve ser global, incluindo todas as formas de experiência do indivíduo. ―Nesse caso, cumpre destacar, no âmbito específico da educação escolar, a necessidade de investigação dosefeitos dos elementos informais da educação nos processos cognitivos‖ e, com isto, compreender ―como tais elementos impregnam a própria natureza dos conteúdos e métodos de ensino‖ (LIBÂNEO, 1998, p. 8 5). Como visto, existem três modalidades de ensino: for mal, não formal e informal. Apesar de terem denominação que as separam, muitas vezes caminham juntas no contexto social da globalização e de ininterruptas mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais. Tal contexto se configura em função de um rápido avanço das novas tecnologias, em que os valores decorrem do capitalismo estruturador de uma sociedade de consumo. Nesta, a educação teria uma função de mediar entre a experiência de vida de cada ser humano e a sociedade na qual ele se insere, provocando a reflexão crítica sobre o que o meio lhe impõe. Sendo assim, as modalidades de educação têm possibilidades de integração e articulação entre elas, como podemos constatar em Libâneo (1998, p. 88):

a educação formal e não-formal são sempre perpassadas pela educação informal; dado o caráter intencional daquelas, cabe-lhe contemplar nas ações educativas, objetivos, conteúdos e métodos que considerem, criticamente, as múltiplas influências configuradoras provindas no meio ambiente natural e sociocultural. Por sua vez, educação formal e não formal interpenetram-se constantemente, uma vez que as modalidades de educação não formal não podem prescindir da educação formal (escolar ou não, oficiais ou não), e as de educação formal não podem separar-se da não-formal, uma vez que os educandos não são apenas ―alunos‖, mas participantes das várias esferas da vida social, no trabalho, no sindicato, na política, na cultura etc. Trata-se, pois, sempre, de uma


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interpenetração entre o escolar e o extraescolar (LIBÂNEO, 1998, p. 88). Considerando o processo de ensino como uma interpenetração entre o escolar e o extraescolar e também as influências que o indivíduo sofre do meio ambiente natural e sociocultural, é que se reflete sobre o ensino de arte e suas práticas educativas nestas diversas modalidades de ensino. Uma vez que se entende que ensinar e aprender arte significam estar próximo da produção artística, compreende-se também que os espaços expositivos são locais de acesso ao conhecimento e de contato direto com a arte e com a cultura produzida em épocas e regiões diferentes. Sendo assim, ―observa-se uma ampliação no conceito de Educação‖ (GOHN, 1999, p. 7). O ensino extrapola ―os muros da escola‖, dando destaque ao ensino não formal; surgem novos espaços de ensino pela necessidade de atender a grupos sociais específicos e, com isto, também surgem novas possibilidades de inclusão do ensino de arte. O objeto de estudo desta pesquisa se insere na modalidade de ensino de arte não formal, pois trata de um processo de práticas educativas que acontecem no universo dos espaços expositivos da arte, considerados locais que devem servir à sociedade e dispor de estrutura educativa para tal. Os espaços de exposição são como laboratórios de conhecimento de arte, ―tão importantes para a aprendizagem da Arte como o s laboratórios de Química o são para a aprendizagem da Química‖, como explicita Ana Mae Barbosa (2010, p.1), no seu artigo ―Museus como laboratórios‖. Nos museus e nos espaços dotados de serviços de mediação, o aluno visitante vivencia experiências estéticas no contato com as obras, através de uma leitura propiciada por sua observação direta, o que pode resultar numa atividade de experimentação prática com materiais e técnicas artísticas, orientada e estimulada pelo mediador. Diante deste experimento de ensino não formal, fica a critério do professor intermediar a vivência artística e as atividades desenvolvidas em sala de aula. Com esta interação com o objeto artístico, o aluno poderá compreender melhor os processos de criação percorridos pelo artista, assim como discernir aspectos que influenciam a sua própria identidade cultural, o que contribui positivamente para o seu desenvolvimento cultural. Isto também se dá por meio do conhecimento de arte ―que inclui a potencialização da recepção crítica e a produção‖ (BARBOSA, 2005, p. 98), proporcionando ao aluno condições para um desenvolvimento crítico diante da apreciação artística e de sua própria produção.


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3. Qual o lugar da mediação cultural na educação não formal?

Como venho refletindo, busco compreender o ensino de arte e suas complexas relações com a arte, a cultura, os museus e centros culturais, espaços em que se pode encontrar a matéria prima para a sua prática. Partindo do entendimento de que o papel da arte/educação é mediar entre a arte e o público (BARBOSA, 2009, p. 13), sabendo-se que a obra artística, um dos objetos do conhecimento em arte/educação, encontra-se nos locais de exposição, cabe aos professores e aos responsáveis por estes espaços criar condições para aproximá-la do público, seja este formado por alunos de escolas ou por visitantes em geral. Do professor, já não se deseja apenas que fique preso à sala de aula, acomodando-se a sistemas engessados que não dialoga m com o contexto sociocultural dos alunos, principalmente em se tratando do ensino de arte que, no seu desenvolvimento, abre espaço para a expressão pessoal e para a identificação cultural, ultrapassando os limites do sistema escolar. Ana Mae Barbosa (2009b, p. 13) comenta como a educação vem construindo suas concepções sobre a forma de educar do professor: O conceito de educação como mediação vem sendo construído ao longo dos séculos. Sócrates falava de educação como parturição das idéias. Podemos, por aproximação, dizer que o professor assistia, mediava o parto. Rousseau, John Dewey, Vygotsky e muitos outros atribuíam à natureza, ao sujeito ou ao grupo social o encargo da aprendizagem, funcionando o professor como organizador, estimulador, questionador, aglutinador. O professor mediador é tudo isso (BARBOSA, 2009b, p. 13). Nem sempre é o que vemos acontecer na sala de aula. Não são todos os educadores que estão preparados para refletir sobre seu papel social e político diante dos novos paradigmas de reconstrução de valores, tanto da educação como da produção artística. Quando os pesquisadores do ensino de arte nos falam sobre mediar entre arte e público, quais as questões que nos levam a refletir? Precisamos nos situar diante das diversas formas de representações artísticas e culturais e seus possíveis diálogos, n uma desconstrução de valores ―para reconstruir, selecionar, reelaborar, partir do conhecido e modificá-lo de acordo com o contexto e a necessidade‖ (BARBOSA, 2005, p.100). Desta forma, um dos princípios norteadores do ensinar e aprender arte é desconstruir valores hegemônicos para compreendermos diferentes formas de cultura e dialogar nas diferenças com novos valores e novas formas de representações.


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O conceito de mediação no ensino de arte na contemporaneidade amplia-se para espaços fora da escola, ganhando um novo campo de atuação para profissionais educadores, sendo que a formação específica para estes profissionais ainda é incipiente e muitos deles vêm construindo sua formação no percurso do próprio trabalho. No campo da arte, estes profissionais podem atuar tanto nas instituições culturais, como no caso do mediador cultural, ou em organizações sociais, numa perspectiva de reconstrução social, como um mediador social, segundo colocam Barbosa e Coutinho (2009). A mediação social atua em organizações sociais com o uma promotora de habilidades criativas para incentivar maior percepção do meio e desenvolver a capacidade crítica diante do contexto no qual se insere, podendo levar os educandos a repensarem questões conflitantes e buscar alternativas para transformá-las. E em museus e centros culturais a mediação cultural tem com o intuito proporcionar aos visitantes melhor apreensão dos conteúdos expressos nas produções artísticas em exposição. O que não elimina a possibilidade de também evidenciar aquelas questões conflitantes acima referidas. Como se pode observar, a educação não formal tem um vasto campo de trabalho para os arte/educadores, embora ainda não haja formação específica de profissionais para a área. Os mediadores sociais e culturais têm buscado se aperfeiçoar, aliando suas práticas em serviço a cursos oferecidos por algumas instituições culturais.

Referências

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WAYFINDING E MEDIAÇÃO CULTURAL NA ESTAÇÃO CABO BRANCO E ESTAÇÃO DAS ARTES EM JOÃO PESSOA – PB: PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES73

Robson Xavier da Costa74 Viviane dos Santos Coutinho75 Aracy Guimarães dos Santos76

PALAVRAS INICIAIS... Se tal é a função da cultura e se o amor pela arte é exatamente a marca da eleição que, à semelhança de uma barreira invisível e intransponível, estabelece a separação entre aqueles que são tocados pela graça e aqueles que não a receberam, compreende-se que, através dos mais insignificantes detalhes de sua morfologia e de sua organização, os museus denunciem sua verdadeira função, que consiste em fortalecer o sentimento, em uns, da filiação, e, nos outros, da exclusão (BOURDIEU, 2003).

Os Museus de Arte Contemporânea (MACs) e os Centros Culturais são instituições que causam impacto significativo como marcos patrimoniais e culturais para a formação de público da cultura em todo o mundo, tornando-se referências urbanas nas cidades onde estão localizados. Apesar da maior concentração de MACs no Brasil ocorrer no Eixo Sudeste e Sul do país, a Região Nordeste dispõe de exemplares importantes e atuantes desse tipo de instituição, tais como: o Centro Cultural Dragão do Mar em Fortaleza, Ceará; o Núcleo de Arte Contemporânea (NAC), a Estação Cabo Branco e Estação das Artes em João Pessoa, Paraíba; o Núcleo de Arte Contemporânea (NAC) em Natal, Rio Grande do Norte; o Instituto de Arte Contemporânea (IAC) e o Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (MAMAM) no Recife, e o MAC em Olinda, em Pernambuco, entre outros.

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Artigo aprovado para publicação nos Cadernos de Educação Patrimonial, João Pessoa, PB: IPHAEP, 2017. 74 Doutor em Arquitetura e Urbanismo. Mestre em História. Licenciado em Artes Plásticas. Coordenador do Programa Associado de Pós Graduação em Artes Visuais (PPGAV UFPB/UFPE) e Líder do Grupo de Pesquisa em Arte, Museus e Inclusão (GPAMI/UFPB/CNPq). 75 Discente do Curso de Artes Visuais Licenciatura – UFPB. Bolsista PROBEX 2015 e membro do Grupo de Pesquisa em Arte, Museus e Inclusão (GPAMI/UFPB/CNPq). . 76 Arquiteta da SUPLAN – pesquisadora voluntária do projeto e membro do Grupo de Pesquisa em Arte, Museus e Inclusão (GPAMI/UFPB/CNPq). .


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A produção de arte contemporânea no Nordeste do Brasil está conectada com a produção internacional, importantes artistas contemporâneos brasileiros são nordestinos, a exemplo de Antônio Dias, Marepe e José Rufino, entre outros e significativos curadores também fizeram carreira no Nordeste como Cristiana Tejo e Moacir dos Anjos, um dos curadores da Bienal de São Paulo. Apesar da expressiva produção em arte contemporânea no Nordeste brasileiro e da existência de MACs e centros culturais, são insignificantes as pesquisas relativas a interação público/visitante com as obras de arte e a arquitetura dessas instituições, tornando essa área um campo propício para investigação. Nesta investigação desenvolvemos um estudo sobre o wayfinding na Estação Cabo Branco e Estação das Artes, em João Pessoa, tendo como público-alvo os grupos de escolas públicas das redes Municipal e Estadual de Ensino, assim como os educadores da Estação que atendem a esses grupos, considerando os diferentes contextos socioculturais e a experiência diferenciada da visitação a esses espaços nos países citados, com o apoio do Programa de Bolsas de Extensão - PROBEX/UFPB 2015. O Wayfinding é um termo formulado pelos canadenses Paul Arthur e Romedi Passini em 1984, e da publicação do livro ―Wayfinding and Architecture‖; em 1992, os dois autores publicaram ―Wayfinding, people, signs and architecture‖, trabalhando com a relação do público/visitante com o espaço construído. O wayfinding refere-se ao planejamento espacial e a comunicação. O planejamento espacial é uma relação dinâmica entre o espectador e o desenvolvimento ordenado, de um determinado lugar, articulado a tomadas de decisões dispostas pelas informações visuais. A comunicação refere-se à percepção visual do entorno, fluxos, referências e marcos referenciais identificados no espaço. A comunicação se estabelece a partir de critérios de visibilidade, legibilidade, estética, mobilidade e acessibilidade. As informações estão relacionadas a definição, direção e identificação dos caminhos durante a visita. Considerando que no Nordeste brasileiro o hábito de visitação a museus ainda é incipiente, a pesquisa sobre públicos em museus e centros culturais nessa região deve ser estimulada, favorecendo a identificação das variáveis que podem fomentar a ampliação e fidelização do público nessas instituições. Aplicar esta pesquisa na ECB e EA permitiu voltarmos nossa atenção para o estudo da Educação Patrimonial dessa instituição cultural, valorizando o discurso do público, do educador e percebendo como cada visitante pensa e traça o trajeto durante a visita ao espaço expositivo, desse modo, foi possível identificar como o visitante constrói seu mapa mental do espaço visitado. Esta pesquisa teve como objetivo investigar a legibilidade (wayfinding) na ECB e EA a partir da avaliação do público/visitante e dos educadores da instituição. Além de:


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1. Investigar como o percurso da visita à ECB e EA é definido pelos educadores (mediadores) da instituição. 2. Identificar as diferenças entre a percepção do espaço construído (wayfinding) na ECB e EA a partir da percepção do público/visitante e dos educadores. 1. MIRANDO A ESTAÇÃO...

A Estação Cabo Branco, Ciência, Cultura e Artes e a Estação das Artes são equipamentos culturais vinculados a Secretaria de Educação do Município de João Pessoa, Paraíba, Brasil, localizados no Bairro do Altiplano Cabo Branco. A ECB foi projetada pelo Arquiteto Oscar Niemeyer e inaugurada no dia 03 de outubro de 2008, o complexo possui 8.510m² de área construída, compreendendo um conjunto de cinco edifícios, com uma torre espelhada em formato octogonal e um espelho d‘água e conta também com um anexo chamado de Estação das Artes, projeto do Arquiteto Amaro Muniz, inaugurado em 29 de julho de 2012, contando com três pavimentos. Escolhemos a ECB e a EA para o desenvolvimento de uma investigação de estudos de públicos, por considerar que esta é a instituição cultural da cidade de João Pessoa – PB que recebe o maior fluxo de visitantes (entre turistas e residentes) da cidade. Esta investigação constituiu uma pesquisa qualitativa, por buscar a interpretação dos fenômenos observados e a atribuição de significados, na qual ―o pesquisador é elemento chave e a fonte principal de dados é o ambiente natural‖ (SIENA, 2007, p. 61). Segundo Serra (2006, p.82) a pesquisa qualitativa na modalidade de estudo de caso, objetiva aprofundar o conhecimento sobre um caso exemplar, que pode ser considerado modelo ou referencial, mesmo que não seja generalizável. A ECB e a EA em João Pessoa, Paraíba, Brasil, podem ser consideradas Instituições Culturais de referência, recebendo anualmente um dos maiores fluxos de públicos da cidade. O estudo de caso pretende conhecer em profundidade o objeto de estudo, de modo que o acumulo de pesquisas sobre o tema favorece sua compreensão, embora o pesquisador dedique-se aos objetos selecionados. Segundo Yin (2005) o estudo de caso é um tipo de pesquisa empírica que analisa fenômenos contemporâneos em seu contexto real, em situações onde as fronteiras entre os elementos estudados não estão muito claras, necessitando do uso de múltiplas fontes de evidência para esclarecê-las. O pesquisador pode estudar múltiplos casos ou casos exemplares. Ele é aplicado quando não é possível controlar os fenômenos estudados e os estes são atuais, devendo ser estudados em seus contextos reais. Para concretização desta pesquisa, foram necessárias quatro etapas: 1) Contato com a ECB e EA e seus educadores; 2) Revisão bibliográfica pertinente ao tema; 3) Pesquisa de campo, com observação participante; 4) Elaboração e entrega


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do relatório final. A primeira etapa é o contato com a ECB e EA e os educadores dessas instituições para participação na pesquisa. O público participante foi composto pelos estudantes de Ensino Fundamental e Ensino Médio das escolas públicas que agendarem visitas durante os meses de trabalho de campo. A revisão bibliográfica consistiu em constantes leituras interdisciplinares que discutem as áreas de wayfinding (DA COSTA, 2014), ensino de artes visuais (BARBOSA, 2008 e 2010), mediação cultural (BARBOSA e COUTINHO, 2009); educação patrimonial (SOARES e KLAMT, 2008) e estudos de públicos (MARTINS et al, 2013; LÓPEZ, 2009). Para elaboração dos instrumentos de coleta de dados junto ao público/visitante e aos educadores, utilizamos como critérios para coleta de informações, os seguintes itens: dados demográficos (endereço, faixa etária, sexo, idade do depoente), os dados de participação (contatos anteriores com a instituição, quando ocorreu, e a mediação da qual participou), os fatores emocionais (sentimentos, identificação com lugares e obras), os fatores ambientais (motivação da visita, facilidade na mobilidade, identificação dos trajetos nos museus, atividades de lazer, atitude frente à arte contemporânea e a natureza). A bolsista e a profissional voluntária acompanharam as visitas em conjunto com o mediador institucional, foram feitas anotações, fotografias e cadernos de campo que permitiram identificar estudar o wayfinding da relação público/visitante com o espaço da ECB e EA. A partir das anotações durante as visitas guiadas e análise da proposta educativa desenvolvida pela ECB e EA, foi possível identificar os percursos projetados pelos mediadores ao longo do percurso das exposições abertas ao público durante a pesquisa. Por meio da observação participante foi possível identificar diferenças entre os principais trajetos definidos pelos mediadores durante as visitas guiadas e os trajetos realizados pelo público autônomo, com sequências e roteiros diversificados. Realizamos observação participante durante todo o período do trabalho de campo. Acompanhamos grupos escolares e observamos o trabalho dos educadores, tanto na preparação quanto durante a visita. Inicialmente pretendíamos aplicar um questionário simplificado com o público/visitante no final da visita, que seria posteriormente tabulado e analisado e compor o computo desta investigação, infelizmente, devido à greve da UFPB, não foi possível a aplicação deste instrumento de pesquisa. Esta pesquisa compreendeu a implantação de um processo de investigação ação/extensão junto ao Laboratório de Artes Visuais Aplicadas e Integrativas (LAVAIs) e ao Grupo de Pesquisa em Arte, Museus e Inclusão (GPAMI/UFPB/CNPq) do Departamento de Artes Visuais da UFPB, abordando novos campos de atuação para o discente dos cursos de bacharelado e licenciatura em Artes Visuais da UFPB, o estudo de públicos em museus e a educação patrimonial, bem como, o início de um levantamento dos públicos das instituições culturais da grande João Pessoa, Paraíba, objetivando criar o hábito da pesquisa qualitativa, auxiliando os discentes na


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elaboração dos projetos de conclusão de curso (TCCs), bem como nos estudos relacionados a inserção das artes visuais nos contextos institucionais do Estado.

2. ANALISANDO A INVESTIGAÇÃO...

O público participante foi composto pelos estudantes de Ensino Fundamental e Ensino Médio das escolas públicas que agendarem visitas durante os meses de trabalho de campo em 2015 e por visitantes autônomos que visitaram a instituição durante o período da pesquisa. Como não foi possível a aplicação de questionários com o público visitante, resolvemos fazer algumas entrevistas informais com o público e aos educadores, utilizamos como critérios a coleta de informações os seguintes itens: dados demográficos (endereço, faixa etária, sexo, idade do depoente), os dados de participação (contatos anteriores com a instituição, se houver, e a mediação da qual participou), os fatores emocionais (sentimentos, identificação com lugares e obras), os fatores ambientais (motivação da visita, facilidade na mobilidade, identificação dos trajetos nos museus, atividades de lazer, atitude frente à arte contemporânea e a natureza). Realizamos observação participante durante todo o período do trabalho de campo, acompanhando grupos escolares e observando o trabalho dos educadores, tanto na preparação, quanto durante a visita. Também, acompanhamos visitas de públicos autônomos, que procuraram a instituição voluntariamente visitando sozinhos ou em pequenos grupos. No trabalho de campo, foram realizadas as seguintes etapas: 1. Observação participante das mediações; 2. entrevistas informais com educadores e alguns visitantes; 3. elaboração de cadernos de campo, para coleta de dados, 4. análise e 5. elaboração de relatório final. Avaliamos um total de 300 visitantes e 20 mediadores (monitores) durante os meses pesquisados, com a seguinte mostra: 230 mulheres (entre 16 e 65 anos); 70 homens (entre 16 e 68 anos), totalizando 300 visitantes observados.


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Gráfico Visitantes ECB e EA 2015 23% Mulheres Homens 77%

60% do público investigado declarou que tinha formação até o Ensino Médio completo; 10% declarou que tem formação em curso superior incompleto, em áreas como: história, artes visuais, filosofia, psicologia e direito (a maioria em curso). 30% declarou que tem o ensino superior completo: 12% na área de humanas, 8% na área de exatas e 10% na área de saúde, a amostra surpreendeu pela diversidade de públicos. A maioria do público/visitante participante da pesquisa é turista ou reside em João Pessoa.

Formação Acadêmica do Público da ECB e EA 2015 Residência do Público da ECB e EA 2015 160

150

100

50 30 10 Ensino Médio Completo

Ensino Superior Incompleto

Ensino Superior Completo

João Pessoa

Interior do Outros Estados Estado


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O projeto foi iniciado em maio de 2015, com o contato da equipe com a coordenação da ECB e EA. Com acesso aos agendamentos do Setor Educativo e fazendo a analise do público em geral, identificamos muitos turistas e estudantes visitando a Instituição. Os moradores da cidade costumam fazer a visita com mais frequência nos finais de semana. Mas, também é notável que o público que frequenta a Estação sem agendamento não está interessado em ter apenas acesso à arte, seu maior interesse volta-se para os eventos e para o ponto turístico que a instituição tornou-se ao longo do tempo. Como exemplo de relato das observações, citamos os dois parágrafos seguintes: 1. Nossa primeira visita guiada foi a Exposição com uma escola de Pernambuco; com alunos dos 6º ao 9ᵒ ano. Quem mediou a exposição foi uma estagiária do curso de biblioteconomia da UFPB. Os estudantes tiveram primeiramente uma oficina de flauta, paralela à exposição fotográfica. Esta exposição aconteceu no corredor e o salão expositivo estava em processo de montagem. 2. Em outro momento, houve uma visita mais prolongada, passando pelos Caminhos do Conhecimento, Planetário e Exposições. A monitoria foi por conta do professor que levou os estudantes à visita. Os estudantes são do curso de Pedagogia da UFPB de Mamanguape. Foi uma visita demorada, mas bem explicativa. O educador da Estação, que é do setor educativo, é do curso de música da UFPB e também acompanhou a exposição, mas não interferiu na monitoria do professor. Seguimos para o Planetário aonde assistimos ao filme Filhos do Sol e depois seguimos para a visita as exposições. Visitamos a exposição do corredor e depois seguimos para o salão expositivo, onde a exposição de xilogravura tinha sido inaugurada há pouco tempo. Tivemos a monitoria de uma estagiária de comunicação da UFPB. 3. Também tivemos visitas que não deram certo, pois acontece às vezes do público agendado não comparecer. Também acompanhamos rapidamente uma visita a Biblioteca, com o Hospital do Câncer. O arte/educador responsável por este setor trabalha com oficina de teatro. Acompanhamos e observamos várias visitas na ECB e EA em 2015, os dados coletados geraram uma amostra significativa do público/visitante da instituição cultural, observamos grupos de estudantes, turistas e visitantes autônomos, em diferentes dias da semana, horários e estações do ano, possibilitando o conhecimento necessário para o desenvolvimento da análise apresentada neste artigo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa proporcionou a integração entre discentes da graduação em artes visuais (licenciatura) e profissionais, uma arquiteta voluntária da SUPLAN -


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Governo do Estado da PB, no desenvolvimento de ações de pesquisa em uma instituição cultural da cidade. Ao longo do ano de 2015, foi necessário desconsiderar a proposta inicial de aplicação de questionários com o público e os monitores, devido ao período de greve da UFPB, entre maio e agosto. Desta maneira, o principal método de coleta de dados utilizado foi a observação participante (OP). A técnica de OP foi aplicada durante o acompanhamento das visitas. A bolsista e a voluntária escolhiam três pessoas por dia de visita e acompanhavam todo o trajeto das mesmas na ECB e na EA, traçando o caminho e marcando as paradas realizadas pelos visitantes em uma planta baixa da instituição e anotavam os comentários dos visitantes. A localização física da ECB e EA foi uma das dificuldades para a realização da pesquisa de campo. Durante o período da pesquisa foi construído um desvio no acesso a instituição, o que tornou o trajeto de ônibus mais longo e o trabalho no turno da noite inviável, devido à insegurança no retorno ao centro da cidade, dificultando a ida dos estagiários e voluntários para o campo da pesquisa. O objetivo geral desta pesquisa foi investigar a legibilidade (wayfinding) na ECB e EA a partir da avaliação do público/visitante e dos educadores da instituição. A partir da análise dos dados coletados durante as visitas guiadas e na observação participante, que o complexo cultural da ECB e EA apresenta boa legibilidade, sendo considerado acessível. Em ambos os lados do conjunto arquitetônico, existem rampas de acesso para cadeirantes e os elevadores da ECB funcionam perfeitamente. Embora não existam muitas indicações visuais no conjunto, a navegabilidade foi realizada de maneira espontânea pelo público observado, que não apresentou grandes dificuldades em encontrar o caminho para a torre de exposições e o auditório da ECB ou para encontrar a entrada e saída do outro lado do complexo na EA. Cabe ressaltar que os investigadores acompanharam apenas visitantes que fizeram o trajeto a pé, a partir da entrada da ECB e seguiram visita para o outro lado do complexo para a EA. Um dos objetivos específicos foi investigar como o percurso da visita à ECB e EA é definido pelos educadores (mediadores) da instituição. Nesse caso, a equipe da pesquisa acompanhou o planejamento de visitas guiadas pela equipe do educativo, composta em sua maioria por estudantes universitários de diversas áreas de formação. Nas reuniões de planejamento, a equipe do educativo, definiu coletivamente os trajetos possíveis para as exposições em curso, analisando os conteúdos das mesmas e qual o melhor processo de mediação. Após agendarem visitas de escolas públicas, privadas e de universidades, as propostas foram postas em prática e a equipe desta pesquisa acompanhou alguns percursos, observando a mediação e os trajetos propostos. Foi possível inferir que a equipe de mediadores, segue a orientação da curadoria das exposições e promove visitas guiadas a partir dos conteúdos expostos, definindo uma hierarquia de visitação nos espaços da instituição cultural. A maioria das visitas começa na torre de exposições da ECB, no 1º, depois 2º e por fim o 3º


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andar (torre mirante). Após descer da torre o público é encaminhado para a entrada do prédio onde fica o auditório, para visitar o painel do artista Flávio Tavares, ―O reinado do sol‖, instalado no hall. A obra instalada em 2008 é uma alegoria sobre a história da Paraíba, criada especialmente para compor o acervo da instituição. Após essa etapa da visita o público seguiu, sem apoio da mediação, para o outro lado do complexo onde está localizado o anexo EA, outra parte da equipe aguardava na entrada e fazia a mediação, apresentando a exposição que ficava no corredor do mezanino, depois desciam a rampa para o interior da grande sala de exposições. No percurso entre a ECB e a EA, cerca de 50% do público observado termina a visita, dirigindo-se ao estacionamento e saindo de carro, alguns vão de um lado a outro do complexo de carro, estacionando no anexo. Poucos grupos fazem a travessia a pé. O que pode ser um indício de descontinuidade entre os dois equipamentos culturais. Uma passarela suspensa coberta, ligando os dois equipamentos, poderia ser uma solução viável para evitar a descontinuidade da visita. O último objetivo da pesquisa foi identificar as diferenças entre a percepção do espaço construído (wayfinding) na ECB e EA a partir da percepção do público/visitante e dos educadores. A partir do acompanhamento das visitas e da observação participante, foi possível identificar que embora os mediadores tenham definido a priori percursos específicos para as visitas, nem sempre o público/visitante segue a risca este percurso. Alguns visitantes costumam seguir o grupo e ficar apenas o tempo definido pelo mediador diante das obras expostas, enquanto outros procuram se distanciar, ficando a margem, demorando mais tempo na apreciação dos trabalhos expostos, bem como, seguindo trajetos alternativos ao previsto pelos mediadores. O que implica na autonomia do público para definir seu próprio percurso durante a visita. Como resultado da pesquisa foi possível apontar dados e parâmetros iniciais para avaliação dos públicos da ECB e EA em João Pessoa. Este foi um dos primeiros estudos de públicos desenvolvidos em uma Instituição cultural no Estado da Paraíba, apontando possibilidades para o desenvolvimento de novos estudos em outras instituições culturais do Estado. Um resumo expandido foi apresentado no III Encontro Unificado de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFPB, em dezembro de 2015. Consideramos que este pesquisa abriu possibilidades da continuidade para novas investigações com estudos de públicos na ECB e EA e em outras instituições culturais do Estado da Paraíba.

REFERÊNCIAS

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INCLUSÃO: UMA RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA Olga Scartezini de Rezende77 Norberto Stori78

Introdução O Projeto Deslocamentos considera impossível imaginar uma cidadania real sem o componente territorial e tem como eixo a mediação de sujeitos em espaços urbanos, sua devida apropriação do território e o acesso aos bens materiais e imateriais de sua sociedade. Considera que a cidade é um espaço privilegiado para a ação interdisciplinar, pois é em seu território que se dá a dinâmica social, paralelamente, aborda a intersetorialidade entre Cultura e Saúde como uma estratégia de planejamento e execução de políticas públicas integradas com vistas a garantir a seus cidadãos um efetivo acesso aos seus direitos sociais. Considerando que as instituições apresentadas estão situadas, no mesmo território e com responsabilidade social diante de um público especial e vulnerável em saúde mental, estabeleceu-se enquanto estratégia o planejamento de uma ação integrada entre elas em formato de rede. Enquanto meio de intervenção a rede constitui em um forte indicador de saúde e de inclusão – como potencial campo de mediação e promoção de saúde e sua intrínseca relação com a qualidade de vida e a equiparação de oportunidades de acesso aos bens materiais e culturais, a autonomia de sujeitos e grupos, a integralidade das ações, entre outros. Segundo Junqueira (2000), a noção de rede no campo social altera profundamente as ideias sobre organização social. A rede é em um determinado tempo um campo estruturado de vínculos entre indivíduos, grupos e organizações, de diferentes naturezas e que estão em constante processo de interação e transformação. Em contraponto com o poder hierárquico, o modelo de rede privilegia a troca e cooperação entre parceiros, horizontaliza o relacionamento entre os mesmos e considera as suas contribuições singulares e significativas. Torna-se assim, um potente dispositivo coletivo ao alcance dos atores sociais para o enfrentamento de seus limites e suas superações. Uma vez que o projeto é direcionado a sujeitos em sofrimento mental ou em situações de crise, a proposta visa antes de tudo acolhe-los como sujeitos portadores de uma linguagem simbólica que articula conteúdos e expressões que não reproduzem o modo hegemônico de comunicação e que nos faz reconhecer a revelação de que o mundo onírico e imaginário é real e que outras linguagens discursivas estão presentes na cultura humana. Neste 77

Graduada em Serviço Social (PUC SP) e em Arquitetura e Urbanismo (FBA SP). Mestranda na Universidade Presbiteriana Mackenzie - Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura. Email: olgasrezende@gmail.com. 78 Doutorado em Comunicação e Artes pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brasil (1996) professor titular (PPI) da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brasil - Programa de PósGraduação em Educação, Arte e História da Cultura. Email: nstori@uol.com.br.


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sentido, acredita-se que essa experiência de estar no espaço do museu que abriga a cultura e a arte como campo aberto de experimentação tem muito a contribuir e a dialogar com esses indivíduos. Historicamente, a partir da segunda metade da década de 1980, no Brasil, importantes avanços foram registrados no campo de saúde mental, principalmente através da mudança estabelecida pela reforma psiquiátrica, que substituiu o modelo asilar e manicomial por outros serviços alternativos à internação e tratamento psiquiátricos convencionais. O novo modelo previu uma rede de serviços articulados em níveis de complexidade, que respeita o indivíduo como ser integral, no sentido psicossocial, e que considera as questões territoriais, como: moradia, trabalho, família, opções de lazer, entre outras, implicadas em seu sofrimento mental. Novos dispositivos foram implantados e articulados em Redes de Atenção Psicossocial, como: a existência de leitos psiquiátricos em hospitais gerais, hospitais dia e Centros de Atenção Psicossociais (CAPS) para o tratamento intensivo do paciente em crise, equipes de saúde mental em Unidades Básicas de Saúde e Estratégia da Saúde da Família, destinadas ao tratamento de pacientes fora da crise, Centros de Convivência e Cooperativa (CECCOS), Residências Terapêuticas e Unidades de Acolhimento. Em 1987, criou-se a primeira experiência de CAPS - Centro de Atenção Psicossocial, que se caracteriza por ser uma estrutura intermediária entre o hospital e a comunidade, ou seja, uma ―estrutura de continência multiprofissional que busque estimular múltiplos aspectos necessários ao exercício da vida em sociedade respeitando-se a singularidade dos sujeitos‖ (AMARANTE, 2001, p.29). Por sua vez, os CECCOS, cumprem o importante papel de ser um local de produção de saúde e de mediação sociocultural. Os CECCOS são dispositivos de inclusão dentro desta reforma psiquiátrica e tem em sua lógica o trabalho intersetorial. Seus projetos são pautados pela articulação de várias secretarias e parcerias da sociedade civil com o objetivo de promover ações de saúde e de qualidade de vida. O corpo técnico é composto por uma equipe de saúde que não tem como foco tratar os sintomas psicopatológicos das formas clínicas convencionais, uma vez que realiza uma clínica ampliada, comum novo setting, que extrapola o protocolo do atendimento clínico e se estende para o campo do seu território e da cidade com seus múltiplos cenários. Segundo Isabel Cristina Lopes (2015), os CECCOS além de produzirem encontros são provocadores de encontros, pois em sua essência buscam despertar desejos, criações e produções e, dispõem em sua programação de um elenco de atividades compostas de várias linguagens. A oferta é aberta e os frequentadores elegem as atividades que mais apreciam e se inserem em um corpo coletivo heterogêneo, em que as relações são mediadas por equipe técnica em saúde mental com a participação de colaboradores que dominam técnicas artesanais, atividades artísticas, culturais corporais e outras que emergem da própria composição de singularidades presentes tanto dos técnicos, parceiros e colaboradores. Como o próprio nome diz, esse dispositivo público tem duas vertentes principais a convivência e o cooperativismo. A parceria entre serviços de saúde e os museus tem raízes fortes. O Programa de Acessibilidade Socioeducativa e Cultural Viva Arte! Coordenado pela educadora Andrea Amaral Biella – MAC USP, desde 2007 oferta uma


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programação aos frequentadores e técnicos que contribui com a ampliação do repertório artístico para a produção criativa. O projeto desde o início foi constituído por grande diversidade de indivíduos; uma heterogeneidade que garantiu a maior quantidade de trocas e aprendizados. Do espaço íntimo do ateliê, as atividades se estenderam aos gramados do parque, através de desenhos de observação da natureza e da arquitetura, até os circuitos pela cidade como às ruas do centro, o Mercado Municipal, a torre do Edifício Altino Arantes, o Viaduto Santa Ifigênia, entre outros. Essa experiência disparou infinitas outras buscas, como a aproximação com o Museu Afro Brasil, que desde 2013 se constitui um forte parceiro através de seu Programa Singular Plural, que dentre seus projetos contempla várias frentes de ação inclusiva, como: o Projeto Acesso ao MAB (Museu Afro Brasil), que realiza visitas à instituições que estão localizadas às margens da cidade, garantindo um retorno de visita agendada deste público em seu acervo; o Projeto A Mão Afro Brasileira, idealizado por Emanoel Araújo, que realiza um intercâmbio entre educativos de museus que reflete sobre a presença da temática Afro Brasileira nos respectivos acervos e, outros projetos de parceria com a Rede de Atenção Psicossocial, como: o Projeto da África ao Samba e o presente Projeto Deslocamentos. O Museu Lasar Segall a partir da implantação das áreas criativas e educativa entende-se por acolher pessoas e seus modos diversos de ser, criar e se relacionar com o trabalho de arte. Ao longo dos anos a Área de Ação Educativa recebe assessorias para atualização de seus conteúdos nas áreas de acessibilidade em geral e desenvolve projetos e pesquisas próprias. Atualmente concebeu uma exposição e um livro tátil que serve a todos, e que têm nos idosos, crianças, pessoas com deficiência intelectual, cadeirantes e cegos uma necessidade mais específica. E com o CECCO a Área de Ação Educativa vem realizando há mais de três anos, visitas não só no próprio museu, mas em outros lugares da cidade. A integração com os museus sempre foi muito feliz, destaca-se o acolhimento e uma afetividade vivenciada profundamente humanista. Infelizmente, há uma grave crise econômica presente no país em que os investimentos em Saúde e a Cultura são fortemente atingidos. O Projeto Deslocamentos foi idealizado como enfrentamento a essa situação de crise, em que qualquer ação passa a ser quantificada e a cumprir rigorosas argumentações de justificativas, uma vez que os recursos financeiros são cortados, afetando a oferta de recursos humanos e materiais. Deste modo, desenhou-se uma ação integrada em formato de rede que envolve os três museus – Afro Brasil, Lasar Segall e MAC USP e os dispositivos de saúde mental: CAPS e CECCOS da região sudeste da cidade de São Paulo. A rede construída é, portanto, um dispositivo político que otimiza os recursos, fortalece as conexões e sentidos e realiza de certo modo uma utopia em um cenário nada favorável. Toda essa sinergia só assegura a potência no campo de trabalho intersetorial e os benefícios em seguir nesta direção. Há de fato uma transfiguração do cotidiano, as relações se tornam afetivas, com grande interação entre sujeitos e é justamente sobre a potência dessa prática viva e seminal que essa experiência se referenda, principalmente, pelo agenciamento coletivo e colaborativo em seu programa que se desenha de forma totalmente inversa às estruturas hierarquizadas de poder.


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Considera-se que essa experiência intersetorial entre Cultura e Saúde e de responsabilidade compartilhada contribui e instrumentaliza estratégias de planejamento territorial integrado às Políticas Públicas Inclusivas, além de propiciar o resgate de identidades por meio da expressão de subjetividades, ampliação de laços sociais, trânsito e apropriação da polis, que em muito contribui e transcende aos diagnósticos dos quais esses indivíduos são portadores, bem como estabelece conexões entre diferentes áreas de saber e os múltiplos desdobramentos que a prática interdisciplinar constrói para alinhar e ao mesmo tempo estender temas de natureza complexa, como por exemplo, os diálogos entre o mundo simbólico, a subjetividade, a cultura e os campos de experimentação artística. Sobre a Potência da Mediação Sociocultural Segundo Mae e Coutinho (2009, p. 13), ―a arte tem enorme importância na mediação entre seres humanos e o mundo‖, sendo o museu o lugar experimental desta mediação cultural. A mediação sociocultural tem como maior desafio despertar a sensibilidade estética do público em relação com a obra através de indagações e problematizações que suscitem curiosidades, em vez de depositar informações já pré-estabelecidas. Nesta perceptiva, consideram-se de suma importância as vivências internas de cada sujeito e seu conhecimento prévio, uma vez que todos esses elementos são acionados no encontro com a arte. O diálogo entre mediador e público é constante e sempre abre novas janelas com diversos panoramas. A incerteza faz parte desejada do processo, uma vez que o debate pode caminhar para a imprevisibilidade diante de uma situação particular. O que não significa falta de pesquisa anterior, pelo contrário, vários estudos e pesquisas são sistematizados, que envolvem a obra, o artista, as relações históricas sociais presentes, etc. Observa-se que quando uma mediação cultural é realmente pautada no diálogo o fenômeno de comunicação é considerado interagente, ou seja, efetiva-se entre vários interlocutores. Sob esse ponto de vista, presume-se que quando se constrói um texto, um discurso, ou enuncia um pensamento também se leva em conta a íntima relação existente com o pensamento de outrem, deste modo internalizado naquele que enuncia a palavra. A linguista Elisabeth Brait apresenta as ideias do pensador russo Mikhail Bakhtin, no vídeo (https://www.youtube.com/watch?v=D3Cu0e_cTz0) acerca do dialogismo e comenta que por mais que se imagine que a linguagem seja mimética, isto é, que represente um reflexo da realidade, ela sempre está ligada a um tempo, a um espaço e uma posição diante do mundo e, argumenta: ―essa linguagem é alguém, é um sujeito, que vai utilizá-la num determinado momento histórico, num espaço ou numa situação, levando em conta seus interlocutores‖ e acrescenta que até mesmo quando alguém é o próprio interlocutor, como por exemplo, em um solilóquio, está em jogo a condição única do sujeito, pois a linguagem é dele, se relaciona com sua própria reflexão, neste sentido, ele não repete ninguém. O diálogo é, portanto, um campo inquietante. As relações de sentido vão se configurando no encontro das falas constitutivas do eu e do outro. É de fato um campo de alteridade, em que valores e crenças são enunciados. No que se


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refere ao museu, muitos outros também estão presentes, vários sujeitos estão em relação ao ato da experiência de mediação, como: o artista, a instituição cultural, a curadoria, entre outros tantos. O educador no museu também tem um papel no desenvolvimento de um ensino aprendizagem com as artes, pois ele é o facilitador que compartilha o pensamento artístico e imaginativo presente as obras. Segundo Maristela Sanches Rodrigues (2014), não basta apenas aproximar o público da arte, fazse necessário um estreitamento, uma aproximação mais profunda com ela, para que esta possa ser decifrada, reconhecida, sendo de suma importância o desenvolvimento da compreensão orientada por um discurso pedagógico e poético das obras. Maristela resgata o pensamento de John Dewey, que refere: No reconhecimento existe o começo de um ato de percepção. Mas este começo não é autorizado a servir ao desenvolvimento de uma percepção plena da coisa reconhecida(...) O simples

reconhecimento pode paralisar a percepção naquilo que já se compreendeu, sem problematizações, sem aprofundamentos, aprisionando a percepção. A compreensão pode encaminharse para interpretações e significações mais profundas, complexas e pertinentes, gerando maior proximidade e, quem sabe, encorajando para outros encontros com a arte. (RODRIGUES, 2014, p. 204).

Além de fornecer, portanto, uma instrumentalização aos sujeitos à compreensão da arte, acrescenta-se aqui a contribuição do pensamento de Jacques Rancière, que destaca a concepção do espectador emancipado aquele que a partir de seu próprio referencial cria diálogos com a arte (RODRIGUES, 2014). Para Rancière, não há diferença entre leigo e especialista no campo da arte, pois cada inteligência é carregada de signos, sendo capaz de traduzir e realizar associações, comparações, reflexões, etc. ―É neste sentido que lidar com o espectador emancipado não é despejar informações, mas oferecer espaços para agir, observar, comparar, interpretar‖ (MARTINS, 2014, p. 225). Observa-se, entretanto, a importância de colocar o aprendiz em contato com a sua própria obra através de aproximações criativas. A percepção deve respirar abrir porosidade e dar espaço para a expressão fluir. A percepção é um ato de saída da energia para receber, e não de retenção da energia. Para nos impregnarmos de uma matéria, primeiro temos que mergulhar nela. Quando somos apenas passivos diante de uma cena, ela nos domina e, por falta de atividade de resposta, não percebemos aquilo que nos pressiona. Temos que reunir energia e colocá-la em um tom receptivo para absorver. (DEWEY, apud, MARTINS, 2014, p. 218).

Dentro de uma concepção crítica o espectador é valorizado, o foco está em seu olhar e produção, revela-se assim o papel social do museu em propiciar ao visitante a fruição de sua própria percepção e correlacioná-la a inesperadas camadas de sentidos que surgem no encontro com a alteridade ao ofertar ao espectador uma experiência em que se é possível conjecturar


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diversas ressignificações e formas de vir a ser inimagináveis aprioristicamente e livres de condicionamentos anteriores. Relato da experiência O planejamento do projeto estabeleceu uma programação, que segue um cronograma semanal - o público se desloca todas as quintas-feiras de museu a museu, sendo a primeira quinta do mês no Museu Lasar Segall, a segunda no Museu Afro Brasil, a terceira no Museu de Arte Contemporânea e na última quinta do mês, fecha-se o ciclo no Cecco Ibirapuera em uma reflexão que se apropria desta vivência de aprendizagem perceptiva, criativa e imaginativa. A vivência em si procura ativar uma agenda rica de acesso inaugural para muitos desses sujeitos e os faz refletir sobre o instituído em suas vidas e, concomitantemente, os estimulam às novas percepções existenciais. A vivência inclui visitas mediadas e atividades de ateliê ao fim da jornada. O processo é grupal em que as subjetividades se relacionam dentro de um contexto aberto e fluído. O diálogo é constante sendo ora instigado pelos educadores, ora totalmente espontâneo, desta forma, os sujeitos tornamse mais livres para manifestarem suas subjetividades em contato familiar e de proximidade com os outros, que naturalmente configura um campo de intimidade e confiança. Como se estivessem entre amigos, compartilham dessa experiência viva em que a metamorfose do eu se faz em relação com o outro. Como foi exposto anteriormente, a mediação cultural enquanto ação dialógica revela e provoca sensibilidades e experiências estéticas entre sujeitos em um campo de proposições abertas a infinitas interpretações, uma vez que interpretar é construir sentidos. Sob esse prisma, portanto, o presente artigo elege como matéria central para o relato desta experiência interdisciplinar entre três museus a ênfase na apropriação sensível do público visitante, cuja análise foi organizada a partir dos processos criativos provocados em seus ateliês e seus desdobramentos de experiência estética para além dos encontros realizados nos museus. Como a apresentação traz à tona uma vivência real em que as subjetividades e percepções são o tom da conversa, a linguagem que se segue será naturalmente em um tom informal, uma vez que não cabe aqui um discurso predicativo, pois o que se comunica é de natureza existencial. Deste modo intimista passamos a narrar e apresentar alguns resultados das vivências, a seguir: No dia 07 de abril de 2016, estávamos reunidos no Museu Lasar Segall e após nossas apresentações, percorremos o museu por inteiro até chegarmos na sala de exposição. Estávamos lá reunidos à espera da interlocução, da condução da visita e surpreendentemente a educadora nos deixou simplesmente à vontade no espaço. Os minutos se seguiam, atentos estávamos e esperávamos ouvir explicações. Todavia, a liberdade ali estava posta. Alguns optaram pela obra Navio Emigrante, de Lasar Segall. (Figura 1).


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Figura 1. Participantes frente à Obra Navio de Emigrantes, 1939/41, óleo com areia sobre tela de Lasar Segall /Coleção Museu Lasar Segall

Aos poucos, a educadora Mariana Herling (Figura 2) nos aproximou da obra e se deslocou para um balcão vitrine onde estavam expostos os cadernos de artista de Lasar Segall, a fala nos levou a compreender as relações entre esboços e obra do artista.

Figura 2. A Educadora apresenta detalhe da obra Navio de Emigrantes, 1939/41, óleo com areia sobre tela de Lasar Segall Coleção Museu Lasar Segall

A experiência se desdobrou para o ateliê. Fomos convidados pela educadora Luciana Nobre a construir o nosso caderno de artista. Papéis, gravuras e outros materiais estavam lá dispostos sobre a mesa, cada um com seu parceiro ao lado passou a interagir com a matéria, com a criatividade e suas proposições. (Figura 3).


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Figura 3. Atividade no ateliê educativo.

O caderno de artista era nosso e deveria nos acompanhar na jornada de museu a museu, neste nosso deslocamento às quintas-feiras de manhã, também era para ser agregado com outras intervenções, que a imaginação assim demandasse. L. apresentou em outro encontro seus registros de caderno (Figura 4) sobre a obra Navio de Emigrantes de Lasar Segall e comentou: Isso aqui na verdade é que a gente falou muito da questão da imigração, que o Lasar Segall retratou muito essa questão, aí eu coloquei um pouco assim: tanto os que ficam quanto os que vão. Então, na verdade eu dividi a tela dele e coloquei essa aqui que ficou e esses que foram.

Figura 4. Detalhe em caderno em que L. secciona a figura, colagem sobre o papel.

A Figura 5 ilustra texto que F. registrou em seu caderno, destacando sua crítica ao enquadramento psiquiátrico em que é submetida. Considerada como um caso refratário F. foi submetida durante anos a eletrochoques. Atualmente, após longa batalha, segue apenas com medicação e se envolve em uma ampla gama de atividades como o Projeto Deslocamentos. A seguir, o seu texto: A mente A mente é a alma da gente, sem cabeça não vivemos, pois sem cabeça não se vive. É claro que temos nossos pensamentos diferentes, com nossos defeitos e qualidades, às


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vezes não conseguimos uma estrutura de inteligência, que todos nós temos. E, o pensamento é diferente de todos os seres, nós queremos ser os melhores para conseguir ser considerados intelectualmente. Mas, todos têm condições, só morto que não pode, porque a mente é espiritual e a vida é corporal. A diferença que nós temos de pessoas austeras e sem compreensão, que querem dirigir a nossa vida, porque não respeitam a nossa mente. Porque acham que o limite de pessoa é a continuação também de nosso bem-estar (...). Mas, ainda que as pessoas não são aceitas pelos médicos e principalmente porque o orgulho é interesseiro. E, interesses deles e entre eles, não sabem que nem tudo parece o que é, e quem sabe da gente somos nós mesmos.

Figura 5. Detalhe de texto em

caderno.

Em outro encontro no Museu Afro Brasil, o educador Jefferson dos Santos Ferreira nos aproximou das obras dos irmãos artistas Arthur Timótheo (1882-1922) e João Timótheo (1878-1932). Apesar da origem humilde, ambos os irmãos artistas estudaram na Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro, fundada em 1826. Ao apontar essa questão, o educador seguiu o debate a partir da figura do artista, sua criatividade, materialidade plástica, representatividade e temáticas das obras. Arthur Timótheo (1882-1922), em 1907, tornou-se o primeiro negro que recebeu o prêmio máximo de viagem ao exterior com a obra Antes da Aleluia. Detivemo-nos um pouco mais sobre o autorretrato de Arthur Timóteo (Figura 6).


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Figura 6. Arthur Timótheo (1882-1922). Autorretrato. Óleo sobre tela. Museu Afro Brasil

Discutiu-se sobre o branqueamento de figuras negras, o olhar melancólico, as transformações no modo de representar, com a introdução de um fundo esfumaçado e alterações da pincelada – herança impressionista francesa deste período em que o artista esteve na Europa. No final da vida, ambos os irmãos tiveram dificuldades de entrar no mercado da arte. A mediação problematizou o fato de um artista negro não conseguir ter mais circulação e suas consequências - ambos morreram no Hospício D. Pedro II. Aproximamos reflexivamente, sobre a obra de Lima Barreto (18811922). Contundente na denúncia do racismo e outras polêmicas com o emprego do realismo crítico em sua literatura que se utiliza de tom sarcástico para denunciar as falcatruas da elite. Destacaram-se entre suas obras, os seguintes os livros: Diário do Hospício, Cemitérios dos Vivos, Clara dos Anjos e Triste Fim de Policarpo Quaresma. Lima Barreto tentou ingressar por três vezes a Academia Brasileira de Letras sem sucesso. Posteriormente, teve problemas com o alcoolismo e foi três vezes internado, não constituiu família e morreu no Hospital dos Alienados. Em seu livro Diário do Hospício (2010, pp. 11,12) suas palavras relatam: De mim tenho a certeza que não sou louco, mas devido ao álcool, misturado com toda a espécie de apreensões que as dificuldades da vida material há seis anos me assoberbam, de quando em quando dou sinais de loucura: delírio.

F., diante desta problematização, desenhou em seu caderno (Figura 7) um jardim para aqueles como Lima Barreto, Arthur e João Timótheo, acabaram os seus últimos dias no hospício.


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Figura 7. Desenho em caderno, lápis de cor.

E, comentou: ―eu fiz esse lugar aqui falando: estiveram, morreram no manicômio. Espiritualmente, eles estão numa casa daqui‖. Já, C. registra em seu caderno: Lima Barreto, filho de negra com português, Arthur Timótheo grande pintor de origem negra conseguiu ser reconhecido. Porém, quanto foi grande a sua luta para sobreviver através da arte (...) o que se vê lá no Segall, para ser franco no caso, ele casou com uma mulher rica da família Klabin (...) já o Arthur Timótheo não, além de negro. Então, se hoje a gente percebe uma discriminação, acho até uma coisa panaca, mas existe, imagina na época de ele ser reconhecido e ir para a Europa. Hoje chega alguém e fala: eu vou para a França, eu vou para Las Vegas, agora imagina um negro que foi para a Europa, imagina o que devia de ter gente secando o coitado.

E, segue com um depoimento pessoal: Eu fui muito trancado assim dentro do boteco, era a minha vida - foi noventa por cento trabalho, trabalhando né, e dez por cento expandido bem em álcool, cachaça. Não tive muito, nunca entrei num museu, tem gente que vem lá da minha terra, lá de Rondônia para conhecer o Museu Ipiranga, tirar uma foto, eu vim aqui faz cinquenta e dois anos que cheguei em São Paulo e eu nunca entrei num museu e quando inaugurar (Museu Paulista) eu quero ser um que vai lá para a inauguração.

P. também comenta: Sabe eu fico ansioso de chegar o dia de se reunir aqui com o grupo (...) .é sempre legal, quarta-feira é legal, eu vou dormir cedo para acordar cedo, para estar disposto, não faço arte, vou direto para a cama, muito legal.(...) .aqui é meu bairro nunca fui ao MAC nem no tempo quando era o maldito DETRAN, sei lá, o suporte que vocês dão é muito importante, sabe é muito rico (...) porque se eu fosse sozinho eu ia parar na frente do quadro, não para a gente entender, a gente não entende, a gente interpreta. Conforme o suporte que é dado você vai vendo de outra forma de uma forma amadora para profissional. Outro ponto de vista.


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P. apresenta em seu desenho (Figura 8) suas interpretações da temática racial e comenta: ―aqui eu fiz no museu Afro, uma pessoa grotesca, um homem e uma mulher ao mesmo tempo, e negro, os negros sofriam porque eram escravos, então eu fiz com essa intenção mesmo: era grotesco‖.

Figura 8. Desenho em papel, lápis de cor.

A conversa segue e, ao meio dela, J. trouxe à tona comentários sui generis, como essa frase sobre a loucura presente na vida de artistas negros: ―A Lucidez demasiada alucina quando você tem um coração coerente‖ Em outra quinta, no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, a temática seguiu com a questão da invisibilidade. Ao grupo foi apresentada a obra Caçamba (Figura 9) de David Batchelor (1955). O artista tem como foco em sua obra as coisas desapercebidas da cidade. A obra Caçamba incorpora luz neon, o autor assim procura por em destaque aquilo o que é comum, rotineiro, o que nos faz refletir sobre o automatismo.

Figura 9. David Batchelor. Caçamba. Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo


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Ao final do encontro fomos até o topo do prédio para desenhar e capturar a invisibilidade na cidade. Em encontro no Cecco Ibirapuera, A. apresentou seu desenho (Figura 10) e comentário: ―esse daqui foi o dia do invisível lá, que a gente não repara muito bem, do alto dá para a gente ver que tem a poluição, assim do Ibirapuera, e a gente não imagina que ainda está aqui também, está aqui no meio‖.

Figura 10. Desenho sobre papel, lápis de cor.

O tema da invisibilidade avançou para as problematizações do cotidiano. J. e C. realizam tratamento ambulatorial em um Centro de Atenção Psicossocial, mas que também acabou virando uma garagem de carros inservíveis da prefeitura. Diante de uma assembleia para tratar do tema - uma vez que há um desprezo total das autoridades públicas em relação a remoção deste ferro velho presente, J. sugeriu uma intervenção em moldes artísticos e contemporâneos. A assembleia acolheu a proposta e atualmente com a colaboração de uma bióloga paisagista plantas estão sendo transplantadas para as carcaças como se vê na imagem (Figura 11), a seguir:

Figura 11. Bio-intervenção em carcaça – fotografia.

A imagem é muito ilustrativa, revela a seminação presente nos processos educativos críticos e suas práxis, que problematizam a realidade ao mesmo tempo que instrumentalizam seus sujeitos a unificar suas mãos em gestos que germinam novas formas de ser e estar no mundo e, consequentemente, a ressignificação da própria existência.


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Considera-se que o fato de o projeto propor uma sequência articulada entre os museus faz toda a diferença. Durante o ano, movimenta-se em um percurso, no tempo, no espaço e entre sujeitos. Portanto, não se trata de encontros isolados agendados à priori, mas de um programa em que as temáticas dos acervos se dialogam com experiências íntimas destes sujeitos, estimulando-os a despertar suas reminiscências internas na vivência sensível que se instala e que se constrói. O museu passa a fazer parte da vida dessas pessoas e perde aquele ar frio e distante de uma instituição repleta de artefatos em suas paredes e esvaziada do humano. O museu, deste modo, cumpre sua função social ao enunciar uma educação afetiva que especialmente para esse público é muito terapêutico. Conclusão A experiência destaca dois aspectos de extrema importância, o primeiro deles, refere-se a questão organizacional, pois, embora todas as instituições envolvidas têm o papel de prestar serviços em prol do atendimento às demandas e necessidades de uma população e sociedade, elas mesmo enquanto organismos também são abaladas quando não são investidas suficientemente para o seu pleno funcionamento. Diante de um contexto de crise que drena toda a energia vital necessária para impulsionar os serviços e que produz incômodos viscerais, observa-se a incrível capacidade imanente enquanto potência de enfrentamento ao quadro a criação de estratégias de colaboração e cuidado para que, pelo menos, o sentido do trabalho não se perca. A autonomia crítica dos atores sociais é, portanto, um ingrediente essencial para se ter em mãos as responsabilidades sociais e suas devidas necessidades de mudança e condução de rumo. Portanto, por mais conflituosa que uma situação possa se apresentar há um campo seminal, germinativo, que reinventa a própria vida. O segundo aspecto, também em profunda relação com o anterior, é que não se faz educação, ou mediação cultural, sem afeto. Não somos seres passivos e sim, nos afetamos uns com os outros e como lembra bem Miriam Celeste Martins (2014), o principal objetivo da mediação cultural é: (...) possibilitar encontros com a arte e a cultura, aproximações à poética da obra e do artista, provocar experiências estéticas que superem a anestesia. Para isso, é preciso olhar o outro e seus desejos. O que pode ser provocador e facilitador para um, pode ser intimidador e opressor para outro. Logo, mediar é estar entre muitos e entre desejos das instituições culturais, dos educadores no museu, dos artistas, dos curadores, dos visitantes – sejam crianças, adolescentes, adultos, pessoas com necessidades especiais, professores, instituições escolares, famílias (…). Não há receitas de uma boa mediação cultural, pois a arte é um bloco de sensações, isto é, um composto de perceptos e afetos. (MARTINS, 2014, pp. 226227).

Referências


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AMARANTE, Paulo Duarte de Carvalho e TORRE, Eduardo Henrique Guimarães. A constituição de novas práticas no campo da Atenção Psicossocial: análise de dois projetos pioneiros na Reforma Psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: Saúde em Debate, 2001. BARBOSA, Ana Mae e COUTINHO, Rejane Galvão. (Orgs.). Arte/Educação como Mediação Cultural e Social. São Paulo: Unesp, 2009. BARRETO, Lima. Diário do Hospício e o Cemitério dos Vivos. São Paulo: Cosac Naify, 2010. BRIAT, Elisabeth. Linguagens e diálogos. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=D3Cu0e_cTz0. Acesso em 24/09/2016. FOUCAULT, Michel. A História da Loucura na Idade Clássica. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1989. JUNQUEIRA, Luciano A. Prates. Intersetorialidade, transetorialidade e redes sociais na saúde. Rio de Janeiro: Revista de Administração Pública, Nov/Dez 2000. LOPES, Cristina. Os Centros de Convivência e a Intersetorialidade. In: CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA DE SÃO PAULO. Centros de Convivência e Cooperativa. (Cadernos Temáticos CRP SP). São Paulo: CRPSP, 2015. MARTINS, Miriam Celeste. (Org.). Pensar juntos mediação: (entre) laçando experiências e conceitos. São Paulo: Terracota, 2014. PELBART, Peter Pál. Poder sobre a vida, potência da vida. Rio de Janeiro: Revista Lugar Comum, nº 17, 2001. RODRIGUES, Maristela Sanches. Como nos aproximamos e compreendemos a arte, In: MARTINS, Miriam Celeste. (Org.). Pensar juntos mediação: (entre)laçando experiências e conceitos. São Paulo: Terracota, 2014.


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INTERAÇÕES VISUAIS: VÍDEO GAME COMO UMA POSSIBILIDADE PARA ESTUDO E APRECIAÇÃO DE ELEMENTOS ARTÍSTICOS E ESTÉTICOS DAS ARTES. Maximiano Fernandes da Costa79 Introdução Antes de começarmos a discutir se vídeo games podem ser uma ferramenta para o estudo e apreciação de elementos estéticos pertinentes às artes, ou das possíveis indagações relacionadas a essa questão, ou ainda, das possibilidades que esse meio eletrônico possa vir a gerar e fomentar em uma nova visão do público, seja de jogadores ou não, sobre as artes e o que poderia ser aprendido ou apreciado de valores artísticos e estéticos, enquanto as pessoas jogam, sugerimos considerar antes de tudo a fazermos uma observação sobre os vídeo games e, que não se deixasse apenas restringir-se ao limiar de jogar-se uma partida de modo despretensioso, pois se faz necessária para a nossa análise, perceber que os vídeo games não deveriam ser vistos como apenas um mero entretenimento lúdico e de conteúdo paupérrimo para esta abordagem, haja vista que, muitas técnicas, assim como manifestações estéticas, artísticas e culturais são utilizadas e estão presentes em seu desenvolvimento. Seguem abaixo algumas imagens retiradas de jogos que foram apresentados em um artigo pelo site da revista Superinteressante no ano de 2015 em que cita jogos que apresentam algum tipo de valor artístico, ou poderiam ser classificados como arte: Figura 01: Jogo Okami – 2006

Fonte: Revista Super Interessante – Maio 2015.

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Licenciado em Artes Plásticas (UFPB) - Professor de Artes Visuais do Ensino Fundamental I e II. E-Mail: maximianofcosta@gmail.com


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Figura 02: Jogo Xenoblade Chronicles - 2010

Fonte: Revista Super Interessante – Maio 2015. Figura 03: Jogo Tomb Raider - 2013

Fonte: Revista Superinteressante – Maio 2015. Figura 04: Jogo Ori and the Blind Forest - 2015

Fonte: Revista Superinteressante – Maio 2015. Após estas imagens gostaríamos primeiramente de comentar os games como uma fonte quase inesgotável do resultante de processos criativos, reunidos e combinados de maneira intrínseca e correlacionada, apresentando e representando padrões estéticos de diferentes linguagens artísticas, culturais e sociais, tais como:


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pintura, escultura, arquitetura, literatura, música, dança, teatro, performance, cinema, arte sequencial, ilustração etc. Todas essas, ocorrendo quase que simultaneamente ou cadenciadamente durante sua execução. Por esta razão é que percebemos neste meio eletrônico um grande volume de características interessantes que poderiam ser utilizadas como um viés, para não só facilitar ou auxiliar o ensino de elementos estéticos e culturais, dentro das mais variadas linguagens artísticas que os compõe, como até mesmo desenvolver alguma apreciação, de tal maneira a cativar, motivar, inspirar e incentivar novos públicos a terem um maior interesse, curiosidade e contato com as artes. 1. Arte e games Com o desenvolvimento cada vez maior das tecnologias digitais, dos meios aos quais elas se encontram inseridas (smartphones, tablets, notebooks, desktops, consoles de mesa, consoles portáteis, óculos de realidade aumentada etc.) e também da acessibilidade desses meios por um público cada vez maior e mais jovem é que nos voltamos para a questão principal que este artigo se propõe a comentar: Os vídeo games poderiam ser uma fonte de ferramentas para estudo e apreciação de elementos artísticos e estéticos da arte? Dependendo do tipo de classificação ou estilo do jogo (luta, aventura, música, dança, corrida, tiro, quebra cabeças etc.), tais manifestações apresentam uma linha de relações e correlações diretamente estilizadas, mediante os conceitos da estética e da arte que ao longo da história humana vem se desenvolvendo desde a Pré-história até os tempos atuais (perspectiva, claro escuro, luz e sombra, enquadramento, harmonia, ritmo, sonoridade, cenografia, narrativa, monocromia, policromia etc.). É possível que agora enquanto este artigo é lido já devemos ter visto ou ouvido falar sobre pessoas das mais variadas idades e classes sociais que em algum momento puderam ter algum contato ou conheceram alguém que experimentou ou ainda experimenta algum jogo eletrônico. O fato dessa possibilidade, sobretudo ao que permeia um grande público heterogêneo de pessoas em diversas áreas do mundo é que nos dá um suporte para afirmar que os jogos de vídeo game têm sido no mínimo ao longo de sua existência grandes disseminadores de elementos massificantes e multiculturais. Sua produção inicialmente esteve polarizada pelos Estados Unidos e Japão, mas atualmente este cenário vem se diversificando cada vez mais devido principalmente, as novas metodologias de arregimentação de pessoas para a arrecadação de recursos e a criação, produção e desenvolvimento dos jogos a partir de campanhas na internet em sites especializados em parcerias, como também as redes sociais. Acreditamos que se os vídeos games fossem conduzidos como uma ferramenta de apoio ao ensino de artes com o intuito de trabalhar-se características da estética, cultura ou ensino de história das artes, por exemplo, em meios como as salas de aula, poderíamos obter um maior benefício na aprendizagem destes assuntos, pois, se considerarmos que muitos destes jogos trabalham com narrativas que se apropriam de tais características para poderem funcionar, que muitos deles são jogados por um grande público que é composto por pessoas de várias faixas etárias, muitas delas ainda em idade escolar, frequentando a sala de aula, seria possível se aproveitar do conhecimento prévio que essas pessoas já trazem em relação aos jogos, para estimulá-las a quererem adquirir novos conhecimentos de arte e cultura, sem que para


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isso perdêssemos a diversão que os jogos podem nos trazer e ao mesmo tempo, sem fazer com que a diversão dos jogos nos limitasse a não perceber ou apreciar tais valores. O modo ideal de como conduziríamos uma metodologia para apropriar-se dos jogos e torná-los um elemento que agregue valores as aulas de artes ainda é uma questão um tanto complexa para ser respondida neste momento, porque teríamos que considerar uma série de circunstâncias que particularizariam muito a forma de como esse estudo poderia ser feito. Entre tais circunstâncias podemos citar o público, proposta de ensino, métodos correlacionados, conhecimentos prévios e outros. Apesar dessas observações e considerações há diversas questões implícitas em tudo isso. Entre algumas delas podemos citar: Vídeo game é arte? Vídeo game é uma manifestação cultural? A arte é apenas um artificio meramente tecnicista utilizado na composição dos jogos? Ainda não há uma resposta definitiva sobre tais questões, dependendo de quem tente respondê-la pode gerar uma grande polêmica. É importante sabermos que a arte, como um todo, durante seu processo de desenvolvimento, amadurecimento e porque não dizer evolução ou revolução, tem se aberto a manifestações e a novas linguagens artísticas que fazem uso de recursos técnicos e eletrônicos, como o caso das fotografias digitais, histórias em quadrinhos (banda desenhada), pinturas digitais em 2D e 3D, músicas eletrônicas, performances cênicas e coreografias que combinam interatividades entre movimento, luz e sons. Devido a isso alguns jogos, que apresentam tais elementos, vem sendo ultimamente considerados por alguns grandes centros de divulgação e exposição de movimentos artísticos como arte. Por exemplo, em 2013 quando o MOMA, Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, fez uma exposição permanente de games, que inicialmente contou com 14 jogos eletrônicos, selecionados a partir de uma escolha entre 40 jogos de vários tipos sugeridos em uma lista feita por acadêmicos, historiadores, críticos e especialistas em design digital onde entre outros critérios para a seleção, o de maior peso foi o design interativo. Figura 05: Exposição permanente sobre os vídeo games do MOMA no Setor de Design e Aplicações – 2013

Fonte: Google Imagens


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Segundo afirmação em seu blog, Paola Antonelli, curadora do Departamento de Arquitetura e Design do MOMA disse que vídeo games são uma forma de arte contemporânea e design. Dentre os jogos considerados como arte pelo MOMA podemos citar o jogo de aventura e exploração interativa em 3D, Minecraft, muito popular entre os jovens, especialmente as crianças, presente em diversos dispositivos eletrônicos como tablets, notebooks, desktops e smartphones, onde os jogadores tem as opções de explorar os recursos de gerenciação de ambientes e criar seus próprios cenários ou sobreviver aos adversários que a programação do jogo oferece. Assemelhasse a uma espécie de LEGO (tradicional jogo de montar que usa peças com encaixes para formar figuras e objetos). Figura 06: Imagem do jogo Minecraft – 2016

Fonte: Google Imagens. Mas apesar de já terem centros de divulgação cultural a nível internacional, como o MOMA de Nova York, que considera os vídeo games como arte, curiosamente existem pessoas de alguma influência social que apresentam uma opinião contrária e rebatem essas considerações feitas por estudiosos da arte e do design. Neste mesmo ano de 2013, a então Ministra da Cultura, Marta Suplicy, em um discurso afirmou que não considera games como cultura e gerou uma série avassaladora de protestos nas redes sociais contra seu ponto de vista. Boa parte desses protestos se deu por causa de que os vídeo games nesta época estavam sendo revistos se poderiam entrar na lista de produtos do programa Vale-Cultura, onde os mesmos teriam um abatimento expressivo em seus valores, possibilitando um maior acesso de jogadores a produtos originais, haja vista que devido aos preços altos dos jogos no mercado brasileiro, gerase uma série de problemas, entre eles, o de maior gravidade, a pirataria. No ano seguinte, 2014, a crítica de arte da revista britânica The Spectator, Sarah Kent – que não é especialista em vídeo games, mas tem uma boa base em arte contemporânea - durante um debate com Alex Evans, desenvolvedor de jogos, disse em uma acalorada entrevista à rádio BBC de Londres, que game não é arte. Após ser indagada pelo locutor da rádio se os vídeo games apresentam alguma força e integridade e se isso não teria alguma valia? A sua resposta condicionou os jogos a algo bobo. Segundo ela ―Um amontoado de barulhos e pancadarias sem sentido, criados para fazer com que você vicie tanto quanto se viciasse em alguma droga ilícita. Tudo isso sem nenhuma intensão reflexiva‖ (...). Realmente existem muitos fatores que fazem com que vídeo games não sejam bem aceitos como obras de arte, entre esses fatores poderíamos citar o propósito ao qual os jogos são produzidos, uma vez que as empresas em sua maior parte visam ao lucro e muitas vezes recorrem a grandes estratégias de marketing, como por exemplo, produzir-se jogos relacionados a grandes franquias de filmes, muitas vezes


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explorando apenas a ação e deixando de lado outros aspectos que favoreceriam uma maior apreciação do ponto de vista artístico, filosófico, social ou cultural que as chamadas ―obras de arte‖ podem apresentar. Mas devemos também lembrar, que assim como o cinema, por exemplo, que apresenta filmes considerados de péssima qualidade no que cerne a apreciação artística, também encontramos nos vídeo games, jogos que não acrescentam algo que possa ser considerado como uma experiência positivista neste referido cerne. Preferimos neste momento não nos ater a definir padrões de jogos de vídeo games que viriam a ser considerados positivos ou não em termos de benefícios a apreciação artística, uma vez que, esses padrões poderiam gerar uma discursão que teria uma indagação semelhante ao clássico debate sobre o que seria considerado arte ou não. Mediante a isso em uma abordagem sobre o tema: Vídeo game pode ser arte? A repórter Samantha Murphy escreveu um artigo para a revista New Scientist, que apresentava uma coletiva de algumas respostas feitas por jogadores ao artigo escrito pelo crítico do jornal norte americano Chicago Sun-Times, Roger Ebert, no qual ele após ter sido rebatido por inúmeras críticas, por não concordar com vídeo games sendo vistos como arte, reescreveu outro artigo reconsiderando algumas posições apresentadas por leitores insatisfeitos com sua abordagem, haja vista que ele admitiu não gostar de vídeo games. Muitos dos leitores insatisfeitos são pessoas que apresentam um alto grau de escolaridade, como acadêmicos, designers e historiadores. Dentre as respostas que foram relatadas no artigo gostaríamos de apresentar: [...] Podemos querer dizer várias coisas com esta pergunta. Primeiro, os videogames podem ser vendidos por negociantes de arte, aparecer em galerias e museus e serem aceitos como parte do mundo artístico? Eles já estão: é só olhar para as criações de Cory Archangel, Mark Essen e Eddo Stern. Segundo, os games podem tocar em questões complexas com sensibilidade com diferentes perspectivas? Eles já fazem isso: veja o trabalho de Terry Cavanaugh, Jason Rohrer, Molleindustria e Tale of Ties, e games comerciais como Bully (Também chamado de Canis, Canem Edit) e Indigo Prophecy (Fahrenheit). Por fim, os jogos podem oferecer uma experiência estética que é particular à arte? De fato, eles já fazem isso: veja Rez, de Tetsuya Mizuguchi, um jogo dedicado a Kandinsky e o qual eu descobri e joguei pela primeira vez no Museu da Imagem em Movimento em Queens, Nova York. É uma boa fase para aqueles interessados nesta questão verem que os trabalhos já estão por aqui (MONTFORT apud MURPHY, s/d). [...] Não há nenhum aspecto da vida humana que não possa ser chamado de arte. Arte acontece quando nós atingimos o maior suporte de nossos valores, quando vamos além de preocupações comerciais, ou sobre status e frieza, e atingimos em algum nível de significado que pode transcender os problemas que nós sabemos articular. Sim, ela [arte] pode acontecer em videogames, embora eu não ache que acontece com frequência. Mas com qual frequência livros e filmes atingem o nível de arte? Não é sempre, se formos honestos (LANIER apud MURPHY, s/d).


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[...] Olhe além dos valores culturais presos aos videogames e à arte e você verá que existem muitas semelhanças entre eles: ambos envolvem a busca por prazer, nenhum é claramente utilitário, e são centralizadores de uma subcultura profundamente engajada. Mas há diferenças? Games requerem engajamento direto e o que podemos chamar de coautoria entre designer e jogador. Tudo isso coloca a questão: por que nós estamos tão preocupados em dar aos games o status de arte. Estamos simplesmente tentando legitimá-los? Ser chamado de arte muda as características do videogame? Só quando respondermos estas perguntas podemos progredir nesta discussão (SHARP apud MURPHY, s/d). Supomos que seja necessário ainda, algum amadurecimento quanto a essa questão, mas acreditamos que com iniciativas como a do MOMA e demais especialistas, chegaremos a uma combinação de ideias que façam do uso de jogos eletrônicos, para o ensino de artes, se tornar algo cada vez mais plausível.

Considerações Finais É possível notar que ao longo dos anos de desenvolvimento desta mídia, cujas origens relatadas no documentário: ―Vídeo Games - O Filme (2014) de Jeremy Snead‖, e que teriam ocorrido por volta do ano de 1962 no M.I.T. quando um grupo de estudantes liderados por Steve Russell decidiu criar um jogo eletrônico chamado Space War apenas para testar as capacidades de um computador da época conhecido como ―PDP 1‖ só vem avançando e mudando. Hoje encontramos novas formas mais interativas de jogar vídeo game, cada vez mais avançadas, chamativas, atraentes e compartilhadas, jogos explorando mais e mais aspectos criativos por assim dizer. Enaltecidas, em eventos como torneios que geram grandes audiências sendo transmitidos ao vivo por canais de TV, internet e que são compartilhados milhares de vezes em plataformas como o youtube, nos fazem pensar sobre o porquê não utilizar essa popularidade e massificação dos jogos de vídeo game como um meio para facilitar o ensino de artes dentro da sala de aula? Acreditamos que as possibilidades ainda são muitas a serem exploradas nesse meio, avanços como realidade aumentada gerando jogos cada vez mais incríveis e com níveis de detalhamento cada vez maiores, nos fornecem mais um víeis a ser explorado nas aulas de arte, a fim de torná-las cada vez mais interessantes e atrativas, despertando ainda mais o surgimento de novos talentos nos mais variados segmentos das artes. Ficamos na expectativa que sejam investigadas, desenvolvidas e apresentadas novas metodologias que façam uso dos vídeo games não apenas como um objeto de estudo para as artes, mas também, fazer deles uma ponte entre essa geração de pessoas que crescem cada vez mais conectadas aos meios virtuais de interação, compartilhando suas vivências nestes meios e ligando-as a um ensino de arte do qual faça uso de suas experiências nestas mídias afim de expandir as poéticas e cenas artísticas do nosso dia a dia.


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Referências MURPHY. Samantha. Galileu: s/d. Disponível em: http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI173328-17779,00VIDEOGAME+PODE+SER+ARTE. html>. Acesso em: 24 de outubro 2016.

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FORMAÇÃO CONTINUADA EM ARTES VISUAIS: RELAÇÕES COM A PESQUISA – UM OLHAR PARA ALÉM DAS DIFERENÇAS Cândida Alayde de Carvalho Bittencourt80 Roberta Puccetti81

Introdução Existem ainda muitas lacunas que envolvem a educação, a arte e a inclusão, no que diz respeito à ação e à formação dos professores. Assim, há necessidade de se contribuir para a formação docente nessa área. O objetivo do texto, aqui proposto, é enfatizar a importância da pesquisa na formação continuada e na prática docente do ensino de Arte, para que se possa repensar e indicar caminhos para uma educação inclusiva, que mostre como lidar com a diversidade cultural e étnica, de modo a propiciar aos docentes e aos alunos a 'experienciação' da linguagem visual e do processo de criação. Essas ações tiveram como resultado: a publicação de produção artística de pessoas com deficiência intelectual, desenvolvida por professoras da rede de ensino que participaram do projeto de pesquisa de pós-doutoramento; e a elaboração de um projeto de pesquisa na Universidade Estadual de Londrina, intitulado ―Formação Docente Continuada: da formação à ação – uma experiência em rede‖, que visa à produção de materiais didático-pedagógicos, elaborados à luz de estudos e pesquisa dos docentes envolvidos no projeto, a fim de contribuir para a melhoria da ação docente e da formação continuada. A proposta é destacar a importância da pesquisa na formação continuada do docente. Uma formação docente centrada na investigação leva à reflexão, e a análise da ação visa à transformação da prática pedagógica. 1. Formação docente: uma formação continuada/ permanente A formação é uma construção permanente que deriva da reflexão sobre a ação, embasada em uma filosofia que teoriza o pensamento sobre a educação. A educação, por sua vez, é um campo dinâmico, dialético e de muitas e evidentes contradições, pois faz parte da cultura. Os professores, muitas vezes, são contaminados e, assim, precisam buscar lucidez para que possam definir a construção do futuro da educação, que deve ser iniciado por sua própria formação. 80 81

Universidade Estadual de Londrina – Email: candida.carvalho@uel.br Universidade Estadual de Londrina – Email: robertapuccetti@yahoo.com.br


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Em um contexto em que a responsabilidade e o respeito devem ser as principais características do profissional, a atenção à constante necessidade de mudanças nas rotinas de trabalho é elemento central do processo de formação continuada. Nesse sentido, Nóvoa faz a seguinte reflexão: Eis-nos de novo face à pessoa e ao profissional, ao ser e ao ensinar. Aqui estamos. Nós e a profissão. E as opções que cada um de nós tem de fazer como professor, as quais cruzam a nossa maneira de ser com a nossa maneira de ensinar e desvendam a nossa maneira de ensinar a nossa maneira de ser. É impossível separar o eu profissional do eu pessoal (NÓVOA, 1995, p.15-17).

A formação continuada, além de propiciar a internalização de novos saberes, possibilita uma troca de experiências entre os docentes, em uma construção coletiva do conhecimento, que resulta de inúmeras visões/identidades, o que se traduz em enriquecimento no âmbito da educação escolar, espaço este também repleto de contradições. Assim, no âmbito da Formação Continuada, é importante ressaltar que a história de cada docente é relevante no processo, individual e coletivo, de formação, pois esta se reflete em sua atuação, nos diferentes momentos de sua trajetória profissional. Para Hernández, ―a construção da identidade profissional docente não é algo estático, mas vai se definindo num processo de mudança, mediante uma aprendizagem incerta que se desenvolve ao longo de vários anos‖ (2005, p.30). Alguns aspectos da formação docente e a compreensão destes, principalmente, em relação à teoria e à metodologia, têm despertado a necessidade de se repensar, de forma crítica, esse momento histórico em que se estabelecem relações conflituosas entre formação e ação pedagógica. Nesse sentido, é preciso considerar a formação do professor como um processo contínuo, que não se encerra com a conclusão de uma licenciatura consistente. Falar de educação continuada/permanente implica em considerar os ensinamentos de Nóvoa (1992), pois, equivocadamente, muitos pensam que a formação docente se constitui por acúmulos de cursos, papéis, métodos ou títulos, mas, ao contrário, resulta de muita reflexão, autocrítica, reorganização do conhecimento e renovação do fazer docente. Por essa perspectiva, a Educação implica em busca do diferente (novo), da transformação e da transposição de algo já existente. Sob esse enfoque, Educação e Arte se fundem, pois ―a educação é alteração, ou ela não é absolutamente nada‖ (ARDOINO apud BARBOSA, 2004, p. 17). Cabe lembrar que, pelo ensino de Arte, é possível contribuir para a compreensão do ser no mundo. Assim, para compreender o ser docente é preciso refletir sobre a contemporaneidade e incorporá-la às práticas e às discussões para uma efetiva transformação da ação docente. Refletir sobre a formação continuada/permanente de professores significa, também, pensar a possibilidade de reformulação de conceitos, de


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mudança de paradigmas e, consequentemente, de transformação da ação docente. Um dos objetivos da formação continuada/permanente é colocar o professor em contato com as discussões atuais e com as teorias educacionais mais recentes, visando à produzir: melhoria nas ações pedagógicas da escola; reflexões sobre a práxis; e troca de experiências entre os docentes, pois o conhecimento se organiza no cotidiano, mas, sem diálogo, a reflexão fica prejudicada. 2. A pesquisa na formação docente Quando se aborda a relevância da pesquisa na formação docente, destaca-se as relações entre o professor pesquisador, o professor reflexivo e a pesquisa-ação no âmbito da formação docente. Diversos pesquisadores enfatizaram a importância da pesquisa na formação, entre eles, Freire (1996), que apontou que educar e pesquisar são ações inerentes à formação e à prática do docente, assim, é necessário que o docente se perceba e se assuma como educador e pesquisador. No entendimento de Freire, ser pesquisador não é qualidade ou forma de ser ou atuar que se acrescenta à de ensinar; antes, é o exercício de ir da ―curiosidade ingênua‖ à ―curiosidade epistêmica‖ (FREIRE, 1996, p.32). Para Freire, é da natureza da prática docente indagar, buscar, pesquisar, pois [...] não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses quefazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer e comunicar ou anunciar a novidade (FREIRE, 1996, p.32).

Segundo Freire (1996, p. 52) ser educador é ―saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção [...]‖. Nesse sentido, percebe-se a importância do professor pesquisador e mediador, pois este, ao transformar, também se transforma, ao propiciar a construção de conhecimento sistematizado pelo educando, promovendo plenamente condições para que o mesmo possa analisar, argumentar e defender suas ideias. O questionamento, conforme Freire (1996), supõe a capacidade de questionar e exige que se estimule a pergunta, a reflexão crítica sobre a própria pergunta e o que se pretende com essa ou aquela pergunta, em lugar da passividade em face das explicações discursivas do professor. O docente, dessa forma, segundo Freire (1996), deve saber que, sem a curiosidade que move, que inquieta, que me insere na busca, não ―aprendo


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nem ensino‖. Para Freire (1996, p. 23), ―Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.‖ Essa concepção de educação, proposta pelo autor, apresenta o processo de pesquisar como recurso didático-pedagógico essencial à ação de ensinar e aprender. Ensinar, nesse aspecto, pressupõe um professor, segundo Freire (1996), consciente de seu papel como promotor da curiosidade epistemológica. São características da educação proposta por Freire: respeitar o educando; posicionar-se em uma relação de troca; colocar-se em estado de pesquisa; valorizar a construção coletiva da pesquisa; e requerer um posicionamento político e uma reflexão crítica sobre o processo de construção da docência. Nesse entendimento, o formador do docente, segundo Freire (1981), precisa criar condições para que formando se reconheça como responsável pela própria ação, com base em uma reflexão sobre a própria práxis, de modo a transformá-la. Nessa lógica, a pesquisa, como prática educativa, visa à emancipação do sujeito. Dessa forma, entende-se a pesquisa como um componente significativo da formação continuada de professores em todos os níveis educacionais. A pesquisa revela, também, que as trocas de experiências e as discussões são as principais contribuições. A relevância desses encontros está no fato de os professores poderem refletir, em grupo, sobre seus acertos e erros, pois as trocas de experiências possibilitam compartilhar o pensado, o esperado e o vivido, visando à transformação da prática docente. Nesse contexto, o professor pode realizar o que Perrenoud (1993) chama de releitura da experiência. Esta ação, ainda que, em grande parte das vezes, conduza a uma confirmação da prática, pode ser fator de mudança, de reorganização de esquemas e de ideias e de incentivo a novas leituras, pesquisas e desafios. Nessa perspectiva, o professor se torna um pesquisador, um investigador de seu próprio trabalho. Para Schönn (1995), é fundamental pensar em uma formação de professores que os torne mais capazes de refletir na e sobre sua prática. A esse respeito, Schönn (1995, p. 83) assinala que, ―após a aula o professor pode pensar no que aconteceu, no que observou, no significado que lhe deu e na eventual adoção de outros sentidos.‖ Assim, desenvolver habilidades de pesquisa sobre a própria prática e de confrontação desta com as produções teóricas, redimensionando tanto a prática, em si, quanto a teoria, em um movimento dialógico e contínuo, em que se dá a prática profissional, parece ser a tônica para uma formação profissional consciente. Contudo, sob a ótica deleuziana, busca-se explorar conexões, relações e saberes e observar se, por intermédio das ações, definidas como aportes instrumentais de investigação, novos conhecimentos sobre Arte e inclusão podem ser produzidos nos sujeitos. Pode-se dizer que essa perspectiva teórica contemporânea tem influenciado, grandemente, as pesquisas e as práticas no campo da Educação, particularmente, no que diz respeito ao ensino da Arte.


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3. Pesquisa-ação: As conexões entre teoria e prática A pesquisa-ação caracteriza-se como pesquisa social com base empírica, cujo objetivo é a identificação de caminhos que possam propiciar mudanças e soluções e, assim, gerar transformações. Essa é uma importante ferramenta metodológica, pois é capaz de aliar teoria e prática, por meio de uma ação, rumo à transformação de uma determinada realidade. Além disso, esse tipo de investigação possibilita aprendizagem ao pesquisador e aos participantes do estudo, graças ao processo criativo e consciente que o sustenta. O estudo, em si, visa à produção de conhecimentos novos para a área da educação, de modo a formar sujeitos pesquisadores, críticos e reflexivos. A pesquisa em ação propõe um movimento circular e espiral de compartilhamento e de participação coletiva, que envolve tempo e espaço para que o pesquisador possa se apropriar de significações que indiquem perspectiva de mudanças e transformações. Segundo Maria Amélia Franco: [...]as possibilidades da pesquisa-ação como instrumento pedagógico e científico, buscando indicativos de respostas às questões: a pesquisa-ação deve ser essencialmente uma pesquisa intencionada à transformação participativa, em que sujeitos e pesquisadores interagem na produção de novos conhecimentos? Deve assumir o caráter formativoemancipatório? [...] é uma pesquisa eminentemente pedagógica, dentro da perspectiva de ser o exercício pedagógico, configurado como uma ação que cientificiza a prática educativa, a partir de princípios éticos que visualizam a contínua formação e emancipação de todos os sujeitos da prática (FRANCO, 2005, p.483-502).

Para Maria Amélia, a pesquisa-ação só se realiza na relação entre pesquisa e proposta de intervenção coletiva: a intervenção como objeto de pesquisa e a ação como evento fundamental para a mesma. Para a autora: [...] pesquisa e ação podem estar reunidas num mesmo processo, reafirmando a questão da pesquisa com ação, que vai aos poucos sendo também ação com pesquisa. No desenvolver da pesquisa-ação, há a ênfase na flexibilidade, nos ajustes progressivos aos acontecimentos, fortalecendo a questão da pesquisa com ação. [...] Quando se pretende investigar a dimensão da ação na pesquisa-ação, tem-se também por finalidade refletir seu sentido, suas configurações, bem como seu ―entranhamento‖ no processo investigativo. Nessa direção, tem-se a preocupação de identificar as ações necessárias à construção/compreensão do objeto de estudo em questão, bem como as ações fundamentais para transformar tais


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compreensões em produção de conhecimento. Portanto, o grande interesse é permitir conhecer as ações necessárias à compreensão dos processos que estruturam a pedagogia da mudança da práxis na situação em investigação (FRANCO, 2005, p.483-502).

4. Um olhar para além das diferenças O conceito de diferença é tratado com base na perspectiva históricocultural, pois se entende que o desenvolvimento humano se realiza mediante a efetiva transformação social. Ao não saber lidar com a diferença como possibilidade de existência, a sociedade exclui e tem dificuldades para aceitar a diversidade, institucionalizando, assim, a discriminação. As diversidades cultural e étnica são, especificamente, importantes para os brasileiros, que vivenciam, cotidianamente, contatos com as diferentes matrizes culturais da formação social brasileira. A convivência com a pluralidade cultural, com a diferença, com o 'outro' enriquece o processo de formação e facilita o desenvolvimento de práticas educativas que abarquem os temas diferença e diversidade, em sala de aula, como uma questão fundamental. Trata-se de uma oportunidade para se pensar a educação multicultural no sentido mais efetivo da palavra. Historicamente, o termo 'multiculturalidade‘ não apresenta um sentido único. Muitos autores afirmam que esse termo é bastante recente, embora o fenômeno, como tal, não o seja (WALKLING, 1990; BANKS, 1992; EKSTRAND, 1994). Esse termo tem sido usado como sinônimo de ―pluralidade ou diversidade cultural‖, para indicar as múltiplas culturas presentes nas sociedades contemporâneas. O termo mais usado, tanto na área da educação como na da arte-educação, é 'multicultural', entretanto, alguns autores usam o vocábulo 'interculturalismo', que exprime uma inter-relação entre culturas (GALINO e ESCRIBANO, 1990; BARBOSA, 1997, 1998; RICHTER, 2003). Optou-se, neste projeto, por usar a expressão 'educação multicultural', pois busca-se a preservação da cultura e da harmonia por meio do cruzamento cultural das fronteiras culturais (MUKHOPADHYAY e MOSES, 1994). Busca-se, assim, desenvolver um estudo que possibilite uma reflexão sobre o modo como foram e como vêm sendo praticadas, na escola, uma série de questões relativas à exclusão. Assumir essa abordagem teórica implica em considerar que há especificidades e potencialidades individuais qualitativas que tornam as pessoas diferentes umas das outras e, por outro lado, modos e momentos os mais diversos para aprender, e, neste caso, a diferença está nos processos de desenvolvimento. Nesse aspecto, pode-se entender que a diferença faz parte do contexto humano e, assim, não pode ser tomado como um obstáculo intransponível para as mais variadas formas de socialização.


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Nesse contexto, há que se considerar os esforços necessários/exigidos para a efetiva aceitação da multiculturalidade e para a real inclusão no mundo da cultura: possibilidades inclusivas (teóricas e práticas) que permitam novas vias para seu desenvolvimento, a partir das diferenças. No âmbito da formação docente, desse modo, é fundamental salientar o processo de aprendizagem no ensino de Arte e a importância da produção artística na construção do conhecimento. Nesse aspecto, pode-se entender que a diferença faz parte do contexto humano e, assim, não pode ser tomada como um obstáculo intransponível para as mais variadas formas de socialização. Acredita-se que a arte pode possibilitar a criação de uma nova sensibilidade e de um novo olhar para as questões interculturais, de modo a produzir uma conscientização no sentido de que a exclusão e o preconceito foram desenvolvidos histórica, social e culturalmente, e que esses conceitos podem, assim, ser reconstruídos de outra forma. 5. Os Saberes: um processo de vir a ser No âmbito das perspectivas teóricas contemporâneas, que têm influenciado as pesquisas e as práticas no campo da Educação, particularmente, no que diz respeito às metodologias de Ensino da Arte, o estudo embasa-se nas ideias de Deleuze e Guattari, que destacam requisitos como flexibilidade, heterogeneidade e conexão, ao defenderem que o pensamento se faz diante de desafios, pois não começa de um ponto determinado, mas de qualquer parte/lugar, seja qual for. Sob essa perspectiva teórica, o professor e o aluno estão em um processo de vir a ser, em movimento, em criação, envolvidos em transformações. Nesse sentido, cabe à educação a responsabilidade pela dissolução, criação e transformação da realidade e pela compreensão das múltiplas realidades em que a escola está circunscrita. A metodologia Pós-Moderna, portanto, está envolta nesse contexto que impõe, de modo irrenunciável, a necessidade de ressignificação da educação e do espaço escolar. Não por acaso, os teóricos contemporâneos, como Aguirre (2009) e Deleuze e Guattari (1995), apresentam, em comum, a ideia de conhecimento calcada em uma dimensão aberta, flexível, em movimento e, principalmente, focada nas diferenças. 7. Novas perspectivas e desdobramentos A publicação ―Imagem x Criação x Transformação: metáforas de uma produção‖ apresenta resultados de um trabalho de pesquisa desenvolvido na Universidade Estadual de Londrina – UEL e na Escola de Educação Básica, modalidade de Educação Especial, Londrina, Pr – ILECE CAFEZAL, com o intuito de mostrar, divulgar, refletir e analisar a produção visual de alunos com


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deficiências intelectuais, em seu processo de criação e construção de conhecimento. Esse trabalho partiu da continuidade da pesquisa de pós-doutorado, intitulada ―Ensino de Arte na Educação Básica: contribuições possíveis de uma metodologia para a inclusão escolar‖, quando duas docentes, já envolvidas nesse tema embrenharam-se em estudos de aspectos que dizem respeito, especificamente, ao processo de criação de pessoas com deficiência intelectual. As imagens apresentadas na publicação são produto de atividades desenvolvidas com, aproximadamente, 90 alunos com deficiência intelectual do ILECE, cuja faixa etária variava entre 10 e 50 anos. Essas imagens reproduzem um trabalho centrado tanto na linguagem visual – desenho e pintura com diferentes formas –, quanto em movimentos artísticos e seus artistas. O desafio foi investigar como se dá o processo criativo – sua produção e criação visual. Esse trabalho resultou de um processo de ensino e aprendizagem desenvolvido por docentes de arte da EJA (Educação de Jovens e Adultos). O processo de aprendizagem permite o progresso sistemático do aluno, no domínio do conhecimento, e cria condições para que o mesmo desenvolva capacidades e aprenda os conteúdos necessários para construir instrumentos de compreensão da realidade e participação em relações socais e culturais A pesquisa vem descortinar as possibilidades dos alunos com deficiência Intelectual nos aspectos que envolvem: a produção da imagem e seus significados; o processo de criação; e a leitura visual em uma produção de metáforas. A principal finalidade do estudo foi abordar o papel do ensino de arte, em um contexto inclusivo, para o desenvolvimento da produção artística, tendo, como Norte, o processo de criação. Essa publicação objetivou, também, propiciar, aos docentes, reflexões, discussões, conexões e ações pedagógicas que envolvam um ensino de arte inovador, que valorize o fazer, o exprimir e o conhecer, e que possibilitem desenvolver, cognitivamente, um processo de criação baseado nas concepções deleuzianas. O livro é composto por lâminas, em cujo centro estão as imagens produzidas pelos alunos do ILECE, e, ao lado esquerdo, os textos elaborados pelos alunos- docentes, que partem da análise e da leitura das imagens. Ao lado direito, estão as reflexões e a análise das docentes que desenvolveram toda a produção artístico-visual. Os textos foram produzidos de forma coletiva e poética. O objetivo desse livro é contribuir para um repensar, para uma mudança de olhar sobre a Arte e sobre sua importância na constituição do ser, principalmente, na educação inclusiva. Espera-se que desencadeie rupturas, mudanças no fazer docente, e que conduza a uma nova ação, a uma nova prática, rumo a uma efetiva transformação.


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Outro desdobramento foi a elaboração do projeto de pesquisa ―Formação docente continuada: da formação à ação – uma experiência em rede‖, que partiu da pesquisa ―Formação do professor de arte: uma construção permanente‖, realizada com professores da rede estadual de ensino público de Londrina, de 2011 a 2014, cujos resultados revelaram o panorama do ensino de arte e a formação do docente, apontando para a necessidade de se repensar o curso de Artes Visuais e o papel da Universidade Estadual de Londrina para a melhoria da qualidade do ensino de arte na educação básica. Na perspectiva científica, há ainda muitas lacunas a serem preenchidas sobre a educação e suas diversidades, especialmente, quando se trata da formação do professor, de sua prática docente e do espaço que a Arte deve assumir em sua formação integral. Nessa formação, há também a necessidade de se enfatizar a importância de olhar para o conceito multicultural enraizado nas diferenças. A própria situação do estado no Paraná apresenta essa necessidade em relação às questões da multiculturalidade e da inclusão, o que justifica esse trabalho investigativo, que possibilita uma reflexão sobre a prática docente e sinaliza novos caminhos para esta ação. A proposta é contribuir para a formação continuada e para a melhoria da qualidade da ação docente na área das Artes Visuais, principalmente, nos aspectos que envolvem a inclusão e a


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multiculturalidade. Para tanto, a ênfase é publicação de artigos científicos que apresentem os resultados em eventos científicos da área. Os desenvolvimento e os resultados da pesquisa propiciarão a elaboração de um material didático para o ensino de Arte, em um contexto multicultural e inclusivo, que subsidiará o trabalho pedagógico docente. Espera-se, também, que esse trabalho investigativo, apoiado na concepção rizomática, resulte na realização da ―II Mostra da Produção Docente em Artes Visuais‖, que objetiva a troca de experiências entre os docentes, a fim de subsidiar reflexões, ações e a análise dos resultados. A ideia é a continuidade do Grupo de Pesquisas em Arte e Educação, cuja pesquisa está cadastrada no CNPq. Tais resultados mencionados parecem imprescindíveis, sob os aspectos sociais e educacionais, para qualidade do ensino da arte, considerando-se a importância do desenvolvimento de um olhar diferente, multicultural e inclusivo. A pesquisa será concluída em 2018. Considerações finais A formação continuada tem um potencial educativo significativo, pois contribui para a formação de profissionais mais críticos, que entendam as contradições presentes no próprio processo formativo. Há, ainda, muitas lacunas a serem preenchidas em relação à educação e suas diversidades, especialmente, no que diz respeito à formação do professor, à práxis pedagógica e ao espaço que a arte ocupa na formação educacional. Parte-se da concepção dialética de formação, que enfatiza a importância de um professor pesquisador, reflexivo, crítico, capaz de articular a pesquisa em sua ação e vice versa, aberto a mudanças e transformações, visando a um trabalho que tenha como norte a inclusão e a multiculturalidade. A expectativa é a de que os professores reconheçam e destaquem mudanças em sua ação pedagógica e que a investigação seja um elemento articulado pela arte, abarcando a linguagem, o processo de criação, o processo de produção dos alunos e a atuação docente. A intenção é construir, com os professores, a relação de sua prática transformada, sob a perspectiva de um trabalho em rede, com as teorias que propiciam um olhar inclusivo e multicultural. Os desdobramentos, como a publicação do livro "ImagemXCriaçãoXTransformação: metáforas de uma produção" e do projeto de pesquisa ―Formação Docente Continuada: da formação a ação – uma experiência em rede‖, em andamento, possibilitarão a demonstração dos resultados de experiências que evidenciam a importância das relações entre pesquisa, professor pesquisador/reflexivo e o repensar da teoria e da prática para a efetivação de uma ação transformadora. O Projeto de pesquisa e o Desenvolvimento de Materiais pedagógicos pelos docentes envolvidos são outros exemplos dessa articulação, citada


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acima, que envolve o ensino, a pesquisa e a extensão em nível superior, em uma oportunidade de se contribuir para a ação docente em arte visuais, em todas as instâncias educativas. Os resultados mencionados parecem imprescindíveis para a melhoria da qualidade do ensino de arte, considerando-se a importância do desenvolvimento de um olhar diferente para o multicultural e o inclusivo.

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EDUCAÇÃO ESPECIAL: UM RELATO DE EXPERIENCIA SOBRE A EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM SALA DE AULA Maria Gorete Xavier da Costa82

Introdução Este artigo tem o objetivo de demonstrar a importância do ensino sobre a Educação Inclusiva, para alunos do Curso de Pedagogia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), especificamente na disciplina Educação Especial, enfatizando minha experiência pessoal. Para isso, utilizei a metodologia qualitativa bibliográfica e descritiva, devido ao levantamento bibliográfico realizado junto ao tema estudado. Essa forma de investigar, além de ser indispensável para a pesquisa básica, nos permite articular conceitos e sistematizar a produção de uma determinada área de conhecimento. Ela visa criar novas questões num processo de incorporação e superação daquilo que já se encontra produzido (CRUZ NETO, 2001, p. 53-54).

A Educação Inclusiva é um direito de todos os alunos, sem distinção de credo, raça ou cor. O Ministério de Educação (MEC) destaca: O movimento mundial pela educação inclusiva é uma ação política, cultural, social e pedagógica, desencadeada em defesa do direito de todos os alunos de estarem juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de discriminação (BRASIL, 2016, s/p).

A Política Nacional de Educação Especial, na Perspectiva da Educação Inclusiva, torna efetivo o direito de todo cidadão à educação, preconizado pela Constituição Federal de 1988. É uma lei que orienta os Estados, o Distrito Federal e os Municípios para a inclusão de alunos que possuem Necessidades Especiais Educacionais (NEE). São necessidades relacionadas aos alunos que apresentam elevada capacidade ou dificuldades de aprendizagem. Esses alunos não são, necessariamente, portadores de deficiências, mas são aqueles que passam a ser especiais quando exigem respostas específicas adequadas (MENEZES, 2016b, s/p).

Essa lei criou realçou o papel da Educação Inclusiva nas universidades. A relevância desse ensino nas instituições de nível superior reforça a inclusão em relação desses grupos socialmente excluídos.

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Estudante do Curso de Pedagogia da Universidade Federal da Paraíba – Email: goretelugo@hotmail.com.


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O curso de Pedagogia da UFPB está voltado para formação do professor(a) do Ensino Fundamental, buscando o aprofundamento nas áreas da Educação Infantil e da Educação de Jovens e Adultos. Na grade curricular desse curso, se encontra a disciplina Educação Especial ministrada no quarto período, com a ementa que abrange os assuntos ligados à Educação Inclusiva como: surdez, autismo, dificuldades cognitivas, hiperatividade, dislexia, entre outras. Desse modo, o discente entra em contato com as particularidades e as especificidades que compõe e orienta o futuro pedagogo para educar discentes com Necessidades Educativas Especiais NEE. Como estudante do curso de Pedagogia da UFPB e, especificamente, dessa disciplina Educação Especial, busco, neste texto, refletir sobre meu aprendizado em sala de aula, que influenciou minha vida como futura pedagoga. 1. Meu caminho para a educação inclusiva Minhas memórias escolares começam desde muito cedo. Nasci na cidade de Patos (PB), no ano de 1956; sendo eu a primeira filha de sete irmãos, tive como pai um alfaiate e como mãe uma professora primária. Ainda criança, minha família se mudou para outro bairro da cidade; nesse novo bairro, Santo Antônio, que ficava afastado do centro da cidade, fui matriculada na Escola Estadual Coriolano de Medeiros, isso ocorreu no ano de 1962. Desse modo, fui estudar no ―A‖. Este ano escolar corresponde, na atualidade, a alfabetização. Eu sabia que minha mãe tinha terminado o Curso Normal, e que meu pai gostava muito de ler. Mesmo sem ter formação escolar, meu pai havia estudado apenas até o quarto ano primário; apesar disso era um homem instruído que sabia falar bem, lia muitos livros e revistas, portanto, exigia muito dos filhos para que estudassem. De fato, não faltavam livros nem material escolar em minha casa. Assim, com uma infância saudável e tranquila, passei cinco anos na Escola Estadual Coriolano de Medeiros que oferecia estudos até o Curso de Admissão, atualmente chamada de Escola Estadual de Ensino Fundamental Coriolano de Medeiros. Eu estudava pela manhã e à tarde tinha aulas de trabalhos manuais, onde podíamos aprender a fazer crochê, tricô, bordado e outras técnicas de artesanatos. Nossa rua tinha poucos moradores, por ser um bairro novo, mas para nossa felicidade, tinha muitas crianças; nossas brincadeiras entre tantas outras, consistia em brincar de escola, para ensinar aos mais novos, isso acontecia depois do jantar, onde ficávamos na calçada, pois naquela época, nem todas as casas tinham televisão, somente as pessoas mais abastardas as possuíam, porque era um eletrodoméstico caro. Quando chegou o ano de 1968, fiz a prova de Admissão e passei para outra escola chamada Escola Estadual Monsenhor Manuel Vieira, atualmente chamada de Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Monsenhor Manuel Vieira, situada no centro da cidade. Apesar da distância, essa escola significou muito para minha formação escolar e também para minha


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adolescência. Cursando o ginasial, que durou mais quatro anos, tive uma adolescência tranquila, pois aí fiz diversos amigos que ainda hoje permanecem na minha vida. Depois do ginasial, comecei a cursar o científico, hoje chamado Ensino Médio, que funcionava na mesma escola, foram mais três anos da minha vida. Assim terminei a Escola Básica, no ano de 1975. Durante o ano de 1973, eu, uma adolescente influenciada pela minha mãe, fui ser professora do Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL). O MOBRAL foi um programa criado em 1970 pelo Governo Federal com objetivo de erradicar o analfabetismo do Brasil em dez anos, que propunha a alfabetização funcional de jovens e adultos. Esse programa visava fomentar melhores condições de vida para os alfabetizados, visando conduzir a pessoa humana a adquirir técnicas de leitura, escrita e cálculo, como meio de integrá-la a sua comunidade. O MOBRAL foi extinto em 1985 e substituído pelo Projeto Educar (MENEZES, 2016a). Assim, passei um ano nessa difícil tarefa, pois tínhamos de ir de casa em casa (literalmente) procurar alunos que quisessem aprender a ler; também tínhamos de encontrar um lugar para ministrar as aulas, além de procurar motivar os alunos para que eles não desistissem de estudar. Minhas aulas foram ministradas na sala de estar da pequena casa da minha avó paterna. Conseguir que eles se alfabetizassem, esse era nosso objetivo. Mediante isso, com muitas dificuldades, alcancei a tarefa de alfabetizar dez alunos adultos. No ano de 1975 uma vaga para ensinar português em um curso chamado Dinâmico, surgiu na Escola Municipal Aristides Hamet, também na cidade de Patos-PB. Essa escola se destacava porque preparava alunos para fazer a prova para o Exame do Supletivo, oferecendo aulas no período da noite. Assim, fui ser professora de lá. Essa escola ficava localizada no bairro em que eu morava, Santo Antonio, entretanto, como eu era menor de idade tive de aceitar que os honorários viessem em nome de minha mãe. Durante o último ano do ensino científico, atualmente Ensino Médio, namorei meu professor de desenho, da escola onde eu estudava a Escola Estadual Monsenhor Manuel Vieira. Isso chocou toda a comunidade escolar, pois até meus pais foram chamados e comunicados desse namoro. Eles se preocuparam comigo principalmente no que se referia a meus estudos. Eles só se acalmaram porque eu passei em um concurso público para o Banco do Brasil. Então chegaram à conclusão de que, mesmo namorando, eu conseguia estudar e aprender. Foi neste mesmo ano que prestei vestibular, na Universidade Federal da Paraíba, para estudar em João Pessoa – PB, entretanto, meu pai me orientou a não estudar na capital e sim assumir o emprego do Banco do Brasil, que era na cidade de Sousa (PB). Foi durante esses anos que minha mãe fez vestibular e se formou em Geografia em uma faculdade particular, ela já era professora pelo Estado, e, desse modo, com muito esforço e trabalho, ela concluiu sua graduação. Passei trinta anos trabalhando no Banco do Brasil e, no ano de 2005, me aposentei. Após isso, passei a fazer parte de um Grupo de Pesquisa em Arteterapia e Educação em Artes Visuais (GPAEAV), credenciado ao CNPq. O


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GPAEAV é um grupo de pesquisa da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) ligado ao Departamento de Artes Visuais, atualmente seu o nome do Grupo de Pesquisa mudou para: Grupo de Pesquisa em Arte, Museus e Inclusão (GPAMI). Desse modo, tomei gosto pelos estudos novamente e resolvi ingressar no mundo acadêmico. Fiz vestibular no ano de 2011. Optei por estudar Pedagogia, sabendo que essa escolha surgiu mediante os acontecimentos do meu passado e da forte influência que minha mãe exerceu na minha educação. Além do que, eu já tinha uma pequena experiência na área de ensino. Apesar de ficar um pouco temerosa, pelo fato de que fazia muito tempo que eu não estudava, tive medo de não ser aprovada no vestibular, eu criei coragem e fiz. Para isso, estudei pelos fascículos que vinham no jornal diário Correio da Paraíba, do qual sou assinante, isso me ajudou muito e atualmente estou cursando o penúltimo período do curso. 2. Sobre a Educação Inclusiva O reconhecimento da Educação Inclusiva vinculado ao Paradigma da Inclusão, como diretriz educacional prioritária vem sendo realizado a partir dos anos 1990 no Brasil (GLAT, BLANCO, 2007). Para Paulo Freire, a Educação deve se preocupar com o diferencial existente na sociedade, com a forma como essa Educação é imposta, ou depositada: ―a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o depositante‖ (FREIRE, 2002, p. 58). Esse autor se refere às condições em que o sistema educacional é oferecido, excluindo pessoas e criando obstáculos para as pessoas com deficiências e síndromes, colocando barreiras que o próprio sistema não pode ou não quer transpor. O sistema educacional não pode ignorar pessoas que necessitam de aprendizados especificados em sala de aula. As tendências recentes do sistema de ensino devem envolver também os professores, buscando investir na especialização desses educadores. É a partir do paradigma da inclusão que a escola ou as universidades precisa ter: [...] como referência a função social da escola e a partir dela se estabeleça, para os alunos com deficiência, um plano de desenvolvimento escolar busque o máximo de desenvolvimento de cada aluno, dentro da meta geral colocada (FERREIRA; FERREIRA, 2007, p. 39-40).

A inclusão social pode reverter e diminuir a evasão escolar, podendo ser consideradas ações escolares em busca da diminuição das diferenças como inclusão social nas escolas e universidades. Segundo Mantoan (2003) a igualdade nas escolas deve ser uma referência, retirando rótulos de alunos considerados deficientes. A importância do ensinar pode ser encontrada nas palavras de Freire (2002) quando enfatiza que ensinar exige o reconhecimento de que o ser


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humano é um ser inacabado, em transformação, por isso não pode ser colocado em um sistema de ensino estático. Além disso, a escola precisa abrir horizontes para redimensionar o ensino e reformular ações inclusivas. Para Schram e Carvalho: A escola precisa redimensionar o seu pensar, reformulando suas ações pela compreensão do que a comunidade escolar (entendida aqui os alunos, pais, professores, equipe pedagógica, direção, funcionários) espera dela enquanto função social (2016, s/p).

O ensino não pode ser ―castrado‖, ou seja, direcionado apenas para um público alvo especifico, ele tem que ser aberto, abrangente, mutável, procurando se adequar as mudanças ocorridas na sociedade e na cultura local, criando possibilidades de incluir o novo, o atual, gerando dignidade e opções para o Ensino Inclusivo. Em relação a esse novo paradigma educacional, Vygotsky (1991) aponta novas alternativas para a Educação Inclusiva, partindo do princípio de que os seres humanos estão em permanente transformação. Esse autor demonstra a crença em transformações na superação dos limites e dos aprendizados, associado ao desenvolvimento humano, afirmando: O aprendizado é mais do que a aquisição de capacidade para pensar; é a aquisição de muitas capacidades especializadas para pensar sobre várias coisas. O aprendizado não altera nossa capacidade global de focalizar a atenção; ao invés disso, no entanto, desenvolve várias capacidades de focalizar a atenção sobre várias coisas. De acordo com esse ponto de vista, um treino especial afeta o desenvolvimento global somente quando seus elementos, seus materiais e seus processos são similares nos vários campos específicos; o hábito nos governa (VYGOTSKY, 1991, p. 55-56).

Discentes com Deficiências podem apresentar dificuldades para: [...] resolver problemas, compreender ideias abstratas (como as metáforas, a noção de tempo e os valores monetários), estabelecer relações sociais, compreender e obedecer a regras, e realizar atividades cotidianas - como, por exemplo, as ações de autocuidado (AMPUDIA, 2016, s/p).

Essas noções são básicas para a Educação Formal, as escolas precisam adaptar um atendimento especializado para atender a esse público, não permitindo que isso se torne um impasse no aprendizado escolar. Para tornar-se inclusiva, a escola precisa formar seus professores e uma equipe de gestão multidisciplinar, suas metodologias e estratégias de ensino devem estar a serviço da diminuição de barreiras de aprendizagem que cercam esses discentes.


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3. Educação Especial em sala de aula A formação do futuro professor de Pedagogia perpassa pelos conhecimentos sobre o desenvolvimento de crianças, adolescentes, jovens e adultos, incluindo aqueles que podem ser pessoas com deficiências ou superdotados. Entretanto, mesmo não sendo função do curso de Pedagogia formar especialistas em Educação Inclusiva, se faz necessário destacar que: [...] esses cursos ofereçam aos futuros professores os conhecimentos básicos sobre esses diferentes códigos de linguagem – ou, ao menos, uma discussão sobre a existência e importância de cada um deles –, a fim de prepará-los, mesmo que minimamente, para a atuação com alunos que apresentem diferentes tipos de NEE (DEIMLING, 2013, s/p).

O Curso de graduação em Pedagogia, do Centro de Educação da UFPB, no Campus I, tem na sua grade curricular a disciplina Educação Especial, que amplia a discussão em sala de aula sobre os discentes com Deficiências. Nessa disciplina, o futuro Pedagogo entra em contato com uma disciplina ministrada por uma professora com Deficiência Auditiva, que trabalha com LIBRAS a língua Brasileira de sinais, assegurando que o futuro profissional em Pedagogia tenha tido contato direto com um profissional da área. Nessa disciplina os discentes também realizam, como atividade prática, visitação em sala de aula em escolas de Educação Infantil. Nessas escolas são encontrados alunos com deficiências ou síndromes. O contato direto com esses discentes em sala de aula, ajuda o desenvolvimento da aprendizagem dos futuros pedagogos, devido ao fato de poder experienciar in loco os ensinamentos teóricos, apreendidos na disciplina Educação Especial. Em outras palavras, a Educação Especial não deve ser concebida como um sistema educacional especializado à parte, mas sim como um conjunto de metodologias, recursos e conhecimentos (materiais, pedagógicos e humanos) que a escola comum deverá dispor para atender à diversidade de seu alunado (GLAT, BLANCO, 2007, p. 17).

Desse modo, a disciplina Educação Especial, como parte da estrutura curricular do curso de Pedagogia da UFPB, torna-se essencial, porque prepara o futuro pedagogo para a diversidade do alunado, evitando a discriminação, que coloca esses discentes em desvantagens uns com os outros.

Considerações Finais A Educação Inclusiva demonstra que existe a necessidade da formação e especialização de professores voltados para a inclusão de discentes com


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deficiências, síndromes ou superdotação, que necessitam de mais atenção e ajuda do que outros. O conteúdo da disciplina de ―Educação Especial‖ no Curso de Pedagogia da UFPB está voltado para tentar preencher as necessidades dos estudantes em relação ao conhecimento da área. Realçando que, essa disciplina, ao dá ênfase a Educação Inclusiva, enfatiza a relevância dos educadores estarem preparados para oferecer conhecimentos específicos e diferenciados para essas pessoas com deficiências. Enquanto aluna do curso de Pedagogia da UFPB considero a experiência em relação às pessoas com deficiências, síndromes e/ou superdotados como parte fundamental do meu aprendizado profissional favorecendo a inserção no mercado profissional. Considero que minha experiência como professora de alfabetização e educação de jovens e adultos, possibilitou conhecimentos que me incentivaram a fazer a escolha do curso superior em Pedagogia. Isso me motiva a ter uma vida melhor, mais produtiva e realizada, tomando consciência da diversidade que existe entre as pessoas. O Curso de Pedagogia me proporciona momentos de conhecimento e novos aprendizados, além de ampliar meu leque de amizades, abre minha mente para um novo olhar com relação à vida e às pessoas. Referências AMPUDIA, Ricardo. O que é deficiência intelectual? Disponível em: http://novaescola.org.br/conteudo/271/o-que-e-deficiencia-intelectual. Acesso em: 21 out. 2016. BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Disponível http://peei.mec.gov.br/arquivos/politica_nacional_educacao_especial.pdf. Acesso em: 20 out. 2016.

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TRILHAS POTIGUARES: A EDUCAÇÃO ESTÉTICA NO SERTÃO DO RIO GRANDE DO NORTE Jailson Valentim dos Santos83

Introdução Para o dicionário Houaiss, uma trilha é um caminho rudimentar, estreito e tortuosa, entre vegetações. Podemos entender também como sendo um caminho aberto no meio de obstáculos, uma vereda a seguir, conforme exemplo deixado por outrem. Por trilhas passavam os retirantes sertanejos quando precisavam migrar de um território a outro no SERtão 84 potiguar. Nos deslocamentos docentes descobrimos o SERidó. Esta é uma região situada em terras interestaduais semiáridas e envolve trinta e nove municípios, dos quais dezessete pertencem ao estado do Rio Grande do Norte e catorze ao estado da Paraíba. Este artigo é uma parte do nosso texto de dissertação apresentado ao curso de Mestrado em Artes Visuais (UFPB/UFPE) em 2016, intitulada Sertão de Luz, Pedra e Resistência: Caminhando por Territórios Docentes em Artes Visuais no Seridó RN. Essa pesquisa caminhou pelos saberes do ensino de arte nessa região, com foco na formação de professores de três municípios: Parelhas, Currais Novos e Caicó, e foi orientada pela Prof.ª Drª.Maria Betânia e Silva. Caicó é a maior cidade da região, com aproximadamente 63.000 habitantes e fica a 272,3 km de Natal. As outras ficam a 245 km e 189 km, respectivamente. Em sua essência, o estudo busca compreender a formação dos professores que ministram a disciplina de arte, bem como suas concepções e práticas em arte, realizadas no ensino formal da rede pública do Seridó-RN. No fluxo dessas trilhas contextualizamos esse território sertanejo e aproximamos ainda mais essas cidades por meio de uma pesquisa sobre o ensino de arte e os saberes docentes. Apresentaremos aqui, um pouco da história do ensino de arte do Rio Grande do Norte e da região do Seridó, discorrendo também sobre as tendências do ensino contemporâneo de artes visuais no Brasil. A contribuição do campo teórico abarca autores da área de Arte e da Educação. Destacando aqui apenas dois nomes, os mais expressivos para este trabalho. Por caminhos largos nos chegam os escritos de Ana Mae Barbosa (2008), fruto de suas reflexões e pesquisas reunidas em publicações individuais e coletivas, que contribuem com o entendimento do ensino de arte em um contexto mais amplo, no Brasil. Nas trilhas potiguares, o professor Vicente Vitoriano Marques Carvalho (2003) explora o território local e aponta para saberes que levam ao Movimento Escolinha de Arte, por meio do artista natalense Niwton Navarro.

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Arte-Educador pela UFPel. Mestre em Artes Visuais pelo Programa Associado de PósGraduação em Artes Visuais UFPB/UFPE, na linha de pesquisa Ensino de Artes Visuais no Brasil; Ex-Bolsista CAPES. E-mail: valentim8@yahoo.com.br 84 SERtão e SERidó são termos criado por nós para remeter as localidades sertanejas, cujos habitantes, retirantes ou não, sentem-se parte do território e trabalham em prol da mesma com satisfação, entrega e resistência.


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No cruzamento de rotas e no transcorrer desses caminhos seguiremos construindo uma cartografia (PASSOS; KASTRUP & ESCÓSSIA, 2009) dos processos de criação da realidade docente. No andamento vamos discutindo o ensino de arte no Brasil até alcançarmos a realidade do Seridó potiguar. Acreditamos que o professor contemporâneo de arte assume, cada vez mais, o compromisso com a investigação, a experimentação e a proposição artística, ao mesmo tempo em que provoca deslocamentos de sentidos e chama os educandos a participação ativa em aula. 1. Trilhas da formação e do ensino de arte na contemporaneidade Os territórios da Arte, da Formação e do Ensino de Arte vêm perdendo seus contornos tradicionais bem demarcados, propiciando um inevitável borramento das fronteiras que separavam esses campos do conhecimento. Acompanhamos um movimento na Arte que vem acontecendo com mais intensidade desde o final do século XIX, que consiste numa abertura dos espaços de criação e produção artística. Seu marco foi quando os artistas deixaram para trás uma concepção estreita de que só se criava no confinamento dos ateliês, passando a entender que era possível produzir arte em qualquer lugar, inclusive no cotidiano da cidade/campo. Assim como ocorreu na Arte, a Formação e o Ensino de Arte também vêm buscando se acomodar no meio das transformações profundas dos dias atuais, que passa a sociedade brasileira e mundial. As novas perspectivas nesses campos, na contemporaneidade, perpassam por metodologias de ensino mais elásticas e comprometidas com a pesquisa, a experimentação e a proposição em arte. O fazer expressivo é pouco para o professor propor ao estudante. Fazer expressivo está relacionado às vivências com materiais diversos, mas esses não envolvem necessariamente uma reflexão prévia ou posterior à atividade. As proposições de ensino contemporâneo exigem experiências com os fazeres da arte, os artísticos. Entendemos por fazeres artísticos atividades que evocam uma reflexão crítica e processual sobre essa prática. Esses são sistemáticos e perseguem a descoberta de uma poética pessoal, se aproximando da experiência estética. Para o estudioso João-Francisco Duarte Junior, experienciar a arte é ter uma contato profundo com a beleza, de modo que suspendemos o cotidiano. ―A experiência da beleza é, então, uma experiência na qual a nossa maneira ‗racional‘ de perceber o mundo perde o seu privilégio. E o perde em favor de uma percepção que fala diretamente aos sentidos‖ (DUARTE JUNIOR, 1991, p. 59). Os processos contemporâneos do campo do ensino de arte envolvem metodologias experimentais e abertas de trabalho. Percebemos algumas vertentes que buscam teorias críticas, como a abordagem triangular (BARBOSA, 2009), a multiculturalidade (MASON, 2001), a interculturalidade (RICHTER, 2005), a interterritorialidade (BARBOSA, 2008), a cultura visual (HERNÁNDEZ, 2000), a a/r/tografia (IRWIN, 2008), a cartografia (DELEUZE, 1995), entre outras, que perseguem processos de ensino e aprendizagem em arte cada vez mais próximo da realidade dos estudantes.


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John Dewey na obra Arte como experiência (DEWEY, 2010) defende que a experiência é uma negociação que cada um pode fazer, conscientemente, com o mundo. Para o filósofo norte-americano a experiência é uma característica irredutível da vida, no entanto, não existe experiência mais intensa do que a Arte. Neste mesmo sentido, o estudioso espanhol Jorge Larrosa Bondía (2002) salienta que a experiência é o que nos passa, o que nos toca e o que nos acontece. Nos atravessamentos que acontecem no cotidiano, cada vez mais acelerado e dinâmico, vamos sendo tocados pelos fazeres e saberes sensíveis. Vivenciando essas experiências, tanto na formação, quanto no seu fazer pedagógico, o professor contemporâneo passa a assumir outras funções em seu ofício. Isso porque a área de Ensino vem se reinventando no cotidiano escolar, considerando as práticas educativas, criativas e inventivas, que muito provocam os participantes dessas ações no que tange ao despertar dos sentidos, para pensar sobre novas formas de se praticar a docência, especialmente a docência em Artes Visuais. No campo da formação de professores, muitos estudiosos (IAVELBERG, 2003; LOPONTE, 2012; RODRIGUES, 2011; DUARTE-JUNIOR, 2001; PICOSQUE & MARTINS, 2002; para citar apenas alguns) também vêm discutindo novos modos de formação, afirmando que não é mais possível formar nossos educandos para a disciplina, o controle e a submissão. Não é mais aceitável a aplicação da pedagogia da resposta pronta nas escolas, assim como é inconcebível o ensino de arte preso aos limites da carteira escolar, ao espaço da sala de aula, puramente, especialmente nos cursos de formação de professores, na graduação e na formação continuada. O arte/educador comprometido, em suas experiências cotidianas no espaço escolar, busca propiciar que seus educandos vivenciem os códigos da arte e com isso ampliem suas capacidades de interpretar o mundo da cultura, ao qual estamos submetidos. Nossas costuras em sala de aula seguem no sentido de ampliar a consciência estética dos educandos. No entendimento de Duarte Junior (1991, p. 73) consciência estética significa a compreensão de ―uma atitude harmoniosa e equilibrada perante o mundo, em que os sentidos, a imaginação e a razão se integram‖. Esse autor ainda chama a atenção para o processo de criação, afirmando que esse é mais importante do que o produto final na Arte/Educação. Ao trazermos Louis Porcher (1982) para o diálogo, queremos evidenciar sua defesa a favor do ensino de arte nas escolas, e, portanto, na graduação, pois mesmo depois de tanto debatermos sobre a temática, ainda se faz necessário trazer essa discussão à tona. Porcher elenca três pontos interessantes: 1. A educação artística propõe-se a criar nos indivíduos [...] uma consciência exigente e ativa em relação ao [...] panorama e à qualidade de vida cotidiana desses indivíduos. 2. A educação artística propõe-se a criar nos indivíduos [...] um desenvolvimento global da personalidade, através de formas as mais diversificadas e complementares possíveis de atividades expressivas, criativas e sensibilizadoras. 3. A educação artística pressupõe [...] a utilização de métodos pedagógicos específicos, progressivos e controlados, os únicos capazes de produzirem a alfabetização


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estética [...] sem a qual toda expressão permanece impotente e toda criação é ilusória (PORCHER, 1982, p. 25).

Vivemos uma situação em que as atividades humanas se hibridizam, especialmente no caso da produção docente e artística. Foi o artista multimídia, professor, curador e crítico de arte Ricardo Roclaw Basbaum (São Paulo-SP, 1961 - vive e trabalha no Rio de Janeiro-RJ) quem inventou o neologismo ‗artistaetc‘. Refletindo sobre sua condição na contemporaneidade, Basbaum abre a discussão para as categorias de atuação do artista que se envolve com outras funções além do seu papel habitual: produzir arte. Assim, a expressão criada visa a dar conta das várias atividades que ele assume, como a de artista/professor/pesquisador. No campo da educação estética, este seria aquele sujeito capaz de transformar sua aula em poéticas pedagógicas, sensíveis, em que os alunos seriam ―sujeitos de um processo de transformação‖ a partir da experiência vivenciada. Sobre o ‗artista-etc‘, Basbaum afirma que este, em sua prática, deve fazer relação entre arte e vida, ―abrindo caminho para a rica e curiosa mistura entre singularidade e acaso, diferenças culturais e sociais, e o pensamento‖ (BASBAUM, 2005, p. 2). A concepção de artista/professor/pesquisador (IRWIN, 2008) parece ser o novo paradigma no que se refere à formação do professor de arte na contemporaneidade. O projeto educativo é encarado, por alguns, como processo criativo a ser desenvolvido e impacta na criação em sala de aula. A sala pode ser fértil e inventiva, enquanto o ensino, básico ou universitário, é atravessado pela arte, ou o inverso. As práticas docentes podem e estão sendo, cada vez mais, pensadas como experiências significativas que atendem ao sentido poético. São práticas didático-pedagógicas que envolvem a criação, a experimentação e a proposição, se aproximando do campo artístico. As ponderações sobre a docência, que trabalha dentro de uma perspectiva pedagógico-poética, buscam nas proposições de Hélio Oiticica e Lygia Clark elaborar um conceito de professor-propositor inspirado na ideia de artistapropositor. Para reconvocar os ‗estados de invenção‘, Gisa Picosque e Mirian Celeste Martins, baseadas nas provocações desses artistas, propõem aos professores que eles inventem e persigam suas próprias trilhas, construindo e alargando os territórios da arte e da cultura por meio da proposição criativa (PICOSQUE & MARTINS, 2002, p. 349). Os fazeres pedagógicos em arte, nos cursos de formação de professores e no ensino básico, parecem propiciar experiências outras aos professores na contemporaneidade. Sendo assim, adentramos na educação sensível no Rio Grande do Norte. 2. Trilhas da educação estética no Rio Grande do Norte Quando pensamos em Arte/Educação no Rio Grande do Norte, logo vem a mente o trabalho do pesquisador, artista e professor Vicente Vitoriano Marques Carvalho (UFRN). Por meio de sua tese de doutorado (CARVALHO, 2003), o Prof. Vitoriano deu expressão à trajetória e atuação do também artista e professor Newton Navarro Bilro (Natal-RN, 1928 – 1992), fundador da Escolinha de Arte de


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Natal. Assim, a cidade de Natal fez parte do Movimento das Escolinhas de Arte – MEA, criado pelo pernambucano Augusto Rodrigues, em 1948, no Rio de Janeiro. O MEA é importante para a história do ensino de arte no Brasil porque atuou nas bases do projeto de inclusão obrigatória das atividades artísticas, decorrente da Lei nº 5692/71, no que corresponde atualmente ao ensino Fundamental e Médio. O Prof. Vitoriano evidencia em sua tese a inserção do Rio Grande do Norte no MEA, com a implantação da Escolinha de Arte Cândido Portinari, na cidade de Natal, criada por Newton Navarro e mantida pelo Governo do Estado. Esse foi um ponto importante para a história do ensino de arte porque até aquela data as escolas do Estado aderiam às orientações do Governo, de ensinar desenho geométrico e trabalhos manuais nas aulas. Além da Escolinha de Arte Cândido Portinari, é possível observar no Projeto de Criação do Curso de Artes Visuais da UFRN (UFRN, 2005, p. 3) em sua justificativa, que em ateliês de alguns artistas, como o da pintora Marieta Lima, em Mossoró, e Irmã Miriam, em Natal, ocorria de fato o ensino artístico. Na Escolinha de Arte Cândido Portinari a inserção da imagem na sala de aula acontecia por meio da projeção de slides. O Prof. Vitoriano (CARVALHO, 2008, p. 271) apurou que lá, na Escolinhas, as crianças ampliavam seu repertório imagético nas aulas de arte vendo obras de artistas modernistas. Com essas imagens elas podiam aprender sobre os elementos da linguagem visual e outros conteúdos formais das composições, ao mesmo tempo em que tinham a possibilidade de aproximar suas próprias produções expressivas das reproduções das obras dos artistas. Cada imagem um motivo, e muitas possibilidades de acessá-las. O espanto e o encantamento que certamente uma projeção de slides, naquela época, provocava nas crianças, deveria motivá-las a produção de muitos trabalhos criativos. Com isso, a ação pedagógica dos diretores da Escolinha, Salete e Newton Navarro, era ―uma revolução‖, acreditava Ana Mae (2009, p. 9). Outra contribuição importante dos estudos do Prof. Vicente Vitoriano (CARVALHO, 2004) sobre questões que interessam ao campo da Arte do Rio Grande do Norte, diz respeito à experiência do mestre Paulo Freire em Angicos/RN. O professor potiguar analisou algumas imagens que foram utilizadas como recurso pedagógico na conhecida missão ―40 horas em Angicos‖. Isso aconteceu em 1963 e na ocasião foi aplicado o projeto pedagógico de alfabetização de adultos, elaborado pelo educador pernambucano. Sobre essa experiência, o Prof. Vitoriano relata ainda o clima de encantamento que a imagem iluminada e projetada na parede provocava nas pessoas do lugar. O Prof. Vitoriano tem dedicado boa parte dos seus esforços profissionais à investigação da história da arte, bem como ao resgate da memória do ensino de arte no Estado, com diversos textos, artigos e capítulos de livros publicados. Mesmo com todo o empenho do Professor, que realiza atualmente um trabalho meio que “solitário”, para usar uma expressão do mesmo, retirada de nossas trocas de correspondências, via e-mail, percebemos, ao fazer levantamento bibliográfico, que de modo geral ainda valorizamos pouco em sala de aula, enquanto professor/pesquisadores, a arte assinada pelos artistas local em sala de aula. O Prof. Vicente Vitoriano ao escrever um ensaio sobre a sua ―Formação artística autodidática – um ensaio autobiográfico‖, onde tivemos acesso ao


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manuscrito do autor, nos enviado por ele, percebemos que sua formação no campo sensível aconteceu inicialmente de modo autodidata, o que evidencia um ponto importante para pensarmos sobre como acontece a relação do ensino e da aprendizagem dos artistas no Rio Grande do Norte. Sabemos que o autodidatismo não é necessariamente um problema, mas ele pode se tornar à medida que entendemos a arte ainda como um dom, uma iluminação, um privilégio de poucos. Se a entendemos dessa forma, reforçamos o descrédito dado ao ensino e a aprendizagem de arte, além de não investirmos de forma satisfatória na educação da sensibilidade e na expressão pessoal dos alunos, nas escolas. Mas isso não é uma singularidade somente do estado do Rio Grande do Norte. Parece-nos que esse entendimento atinge a formação de muitos artistas e professores pelo Brasil, pois ainda alertamos em nossas publicações, para o direito que todo professor tem de ser um bom professor (IAVELBERG, 2003, p. 53). Rosa Iavelberg salienta que o direito de ser bom professor implica em ser apoiado pela sua formação e valorizado como profissional, para que possa acompanhar a evolução dos processos educativos do alunado. A UFRN, campus Natal, é a única instituição que forma professor de Artes Visuais no Estado do Rio Grande do Norte. O curso de Artes é presencial, com duração de aproximadamente quatro anos e busca formar profissionais habilitados para a produção, a pesquisa, a crítica e o ensino das artes visuais. Dois anos depois de ser instituída a Reforma Educacional de 1971, foram criados os primeiros cursos de Educação Artística. Dois anos mais tarde da implantação desses cursos pelo governo federal, em 1975, foi fundado o curso de licenciatura em Educação Artística da UFRN. Os cursos eram estruturados, na época, para atender a licenciatura curta, com duração de dois anos, e posteriormente, a licenciatura plena, com duração de quatro anos. Eles objetivavam a preparação de professores para lecionar na rede pública e privada de ensino. Sobre a Reforma de 1971, período de ditadura militar no Brasil, a Prof.ª Ana Mae Barbosa salienta que os conteúdos da disciplina de Educação Artística foram determinados pela LDB nº 5.692/71, que também ―estabeleceu um novo conceito de ensino de arte: a prática da polivalência. Segundo essa reforma, as artes plásticas, a música e as artes cênicas (teatro e dança) deveriam ser ensinadas conjuntamente por um mesmo professor da 1ª à 8ª séries do 1º grau‖ (BARBOSA, 2003, s/p). A noção de polivalência surgida no ensino de arte perdurou por muitos anos e reverberou nas práticas dos professores de arte, nas escolas de todo o país. Com as novas resoluções do Ministério da Educação, baseada na nova LDB, de 1996, no seu parágrafo 2, que torna obrigatório o ensino de arte no currículo escolar, nos diversos níveis da educação básica, foi criado em 2005, o curso de Licenciatura em Artes Visuais da UFRN. Além do parágrafo 2, o artigo 9, item IV, embasou a justificativa da criação do Curso (UFRN, 2005). De acordo com esse item, a União fica incumbida de ―estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica


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comum‖. Em consonância com o sitio do curso disponibilizado na rede mundial de computadores, o Curso de Artes Visuais da UFRN é estruturado para o desenvolvimento da percepção, da reflexão e do potencial criativo, dentro da especificidade do pensamento visual. O Curso ainda preza pela formação do profissional atento à promoção do conhecimento em Artes Visuais, que articule o fazer artístico, a apreciação das obras de arte e a contextualização histórica e social das mesmas, considerando o pensamento pedagógico contemporâneo em artes. Percebemos que o curso de Licenciatura em Artes Visuais da UFRN deixa brechas que atinge o discente do curso, quando entramos em contato com algumas reflexões dos próprios discentes, como é o caso do artigo Ensino de Artes Visuais e Educação Inclusiva (OLIVEIRA NETO, 2013). O autor desse texto explicita alguns problemas que existem com relação à matriz curricular do curso. Ele traz uma discussão a respeito do ensino de Arte e sua relação com a Educação Inclusiva no contexto da formação inicial de professores, frisando que as percepções apresentadas no texto partem do itinerário percorrido por ele ao longo da sua formação, em diálogo com seus pares. Oliveira Neto (2013, p. 11) constata em suas análises, que o curso apresenta lacunas no que diz respeito a algumas disciplinas e conteúdos, como é o caso da Inclusão. Em suas palavras, a valorização de conteúdos dessa natureza ―parte de uma iniciativa pessoal dos graduandos, a partir das prioridades elegidas no decorrer do curso‖. Diante dessa problemática, observamos que o departamento de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, mesmo depois de quase quatro décadas de atuação no campo da Arte, não conseguiu ampliar suas vagas para o ingresso de novos discentes em Artes Visuais, nos campi do interior do estado, como os de Caicó e Currais Novos. Não constar o curso de Artes entre as opções oferecidas por essa instituição de ensino superior, aos jovens do Seridó, que saem do ensino médio, é privá-los do direito de ter uma sólida formação em Arte, seja em âmbito da formação inicial ou continuada. Longe de pretendermos desqualificar todo o trabalho já realizado por esse departamento, especialmente ao que tange a formação de professores. Ao apresentarmos essa problemática, constatamos que as ofertas vinculadas ao curso de licenciatura em Artes, não são o bastante para suprir as demandas existentes nas escolas de ensino básico, do nosso Estado. Aja visto que o mesmo departamento também não conta com um programa de pós-graduação, o que dificulta a formação permanente dos profissionais de ensino dessa área de conhecimento, tão importante para o debate e a atualização e novas construções do saber. Esse fato pode ter contribuído para que encontrássemos algumas dissertações e teses que englobam o nosso campo de estudo, em outros programas da instituição. Serve de exemplo, a tese, já citada, do Prof. Vicente Vitoriano Marques Carvalho, defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação/UFRN. Depois de avançarmos pelo solo potiguar, tentando contextualizar o ensino do sensível e a formação docente em Artes no Rio Grande do Norte, aportamos no sertão seridoense. Seguimos caminhando com os nossos próprios pés por essas terras, sentindo os cheiros, as texturas, os ritmos, os sons, as cores e os costumes, dentro e fora da sala de aula. No fluxo do sertão vamos percebendo como se compõe o ensino e a formação de professores. Atento a organização


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docente nesse território, vamos circulando por suas artérias e experienciando com nossos pares a sala de aula, a escola, a comunidade. Nessa região longínqua, de ventos uivantes, encontramos nos professores a força do sol, que alumia e que faz queimar cada palmo de chão, por onde passa um docente, indo de encontro a seus alunos. 3. Trilhas da educação estética do Seridó Como já foi apontado anteriormente, reiteramos que não existe cursos de formação em Artes Visuais na região do Seridó-RN. As pessoas que almejam ingressar em um curso de Licenciatura/Bacharelado em Artes Visuais, Artes Cênicas, Dança ou Música, necessariamente devem se deslocar até uma cidade, em outra região, que ofereça o curso, para poder conseguir uma dessas titulações. Esse pode ser um indício da pouca procura pela profissão na região. Já que o Estado não forma em cursos de Artes na região seridoense, podemos pensar que seus conteúdos não são trabalhados com profundidade em algumas escolas e consequentemente, não despertam o alunado para o aprofundamento dos estudos formais nesse campo do saber. Além do mais, sabemos de modo empírico, que o curso de Artes Visuais é um curso relativamente caro para cursar, exigindo gastos com a aquisição de materiais expressivos, bem como com deslocamentos, despesas pessoais e outras. Esse pode ser um ponto relevante na hora de considerar a escolha por esse curso, por aqueles que têm a oportunidade de sair da região para estudar. Mesmo sem haver curso de formação específica em Artes no Seridó, acreditamos que existam professores que desenvolvem bons trabalhos nas escolas, pois a titulação não é garantia de qualidade das aulas, como assegura Loponte (2012). No contexto de ensino não formal, observamos algumas iniciativas bem sucedidas, como a Banda de Música de Parelhas, que criou a Banda de Música Mirim, contando com a colaboração dos músicos, com formação autodidata, para atuar como educadores musicais. Assim, é possível que não apenas as ONGs, como ressalta Ana Mae 85, sejam mais eficientes no trabalho com arte do que algumas escolas, mas também outras instâncias do ensino, como o que acontece em grupos outros que não conta com uma rigorosa sistematização. Em nosso levantamento bibliográfico realizado nos bancos de teses e dissertações da UFRN e da UERN durante o primeiro semestre de 2014, não encontramos nenhum trabalho específico que tratasse sobre essa temática na região do Seridó potiguar. No entanto, uma dissertação nos chamou a atenção: ―A Escola Rural e o Desafio da Docência em Salas Multisseriadas: o caso do Seridó norteriograndense‖ (MEDEIROS, 2010). Essa trata de uma pesquisa feita nas escolas públicas de três municípios, Caicó, Jardim do Seridó e Ouro Branco, em que a pesquisadora Prof.ª Maria Diva de Medeiros, em certa medida, faz uma cartografia do ensino multisseriado do Seridó, com foco nos professores. 85

Com as palavras da autora, podemos nos inteirar de que ―No Brasil, todas as ONGs, que têm obtido sucesso na ação com os excluídos, esquecidos ou desprivilegiados da sociedade, estão trabalhado com arte e até vêm ensinando às escolas formais a lição da Arte como caminho para recuperar o que há de humano no ser humano‖ (BARBOSA, 2005, p. 291).


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Percebemos que as nossas inquietações, no que tange a área de Arte, muito se aproximam das questões levantadas pela Prof.ª Maria Diva, que investiga a área da Educação. Encontramos uma dissertação no banco de dissertações da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte – UERN, que trata de formação de professor na região Oeste do Estado, em Mossoró-RN. A pesquisa da Prof.ª Núzia Roberta Lima (LIMA, 2013), tem cunho autobiográfico e nos interessa porque evidencia a formação e a prática de uma professora, com formação em Pedagogia, mas que leciona Arte, assemelhando a várias professoras do Seridó, que tem a mesma formação inicial. A Prof.ª Núzia Lima trabalha com formação em arte no curso de Pedagogia nessa instituição. Ela investiga em sua dissertação de mestrado a contribuição das práticas pedagógicas no processo de autoformação, visando identificar as disposições e o habitus que fizeram parte da sua trajetória e preparação para atuar no Ensino de Arte. A pesquisadora destaca como categorias de análise, a formação continuada, as práticas pedagógicas e a profissionalização. Sobre o ensino de arte em cidades do interior do Brasil, enfatizamos que o Programa Associado de Pós-Graduação em Artes Visuais UFPB/UFPE, tem contribuído significativamente com pesquisas na área de Arte, beneficiando tanto a linha de teoria e crítica, quanto à área de ensino e formação de professores de Arte. Esse Programa tem se configurado como um espaço de formação continuada para artistas, teórico/críticos de Arte e Arte/Educadores pensar sobre seus campos de atuação. A partir desse Programa, percebemos mudanças no rumo das pesquisas sobre o ensino de Arte no Brasil, com um movimento agora no sentido do interior do continente, como é o nosso caso, mas também de vários outros colegas que nos antecederam. Desse Programa, tivemos oportunidade de conhecer o trabalho de pesquisa da Prof.ª Líbna Naftali Lucena Ferreira que trabalha com ―Imagens da arte: a cidade de Sumé/PB e o ensino das artes visuais‖ (FERREIRA, 2013). A autora investiga o uso da imagem no processo de ensino e aprendizagem em arte, procurando entender quais são as imagens utilizadas, abordadas e exploradas em sala de aula. A busca se aprofunda quando a autora tenta entender como é, e se foi, utilizada a produção artística do município de Sumé pelos professores de arte das escolas públicas. Os dados mostram que as imagens dessa produção não são consideradas naquele contexto escolar. Na dissertação do Prof. Fábio Santana da Silva, ―Práticas Avaliativas em Arte (Moreno/PE)‖, 2014, esse pesquisador busca saber como se dar a avaliação da aprendizagem no ensino de Arte do seu município. Silva ressalta que os professores que participaram do seu processo de investigação não possuem formação na área de Arte. Mesmo assim, as observações do autor, a partir dos dados coletados, seguem no sentido dos discursos que consideram o repertório trazido pelos alunos para a sala de aula. Mas, na conclusão do seu texto, Silva evidencia que a nota atribuída aos trabalhos ainda ―concretiza de maneira terminal a comunicação do processo avaliativo na qual a participação, a aplicação de prova e teste e a verificação das aprendizagens são os itens cruciais utilizados pelos professores na realização das suas práticas avaliativas‖ (SILVA, p. 184).


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Os exemplos mostram que é necessária uma melhor formação em arte, para que a educação estética que chega ao ensino formal no interior do Nordeste/Brasil ganhe um direcionamento no sentido de considerar as discussões contemporâneas sobre o ensino e a aprendizagem nesse campo do saber. No processo que é construído pelo professor na práxis cotidiana, em confronto direto com a realidade e a produção de subjetividade, o Arte/Educador pode se reinventar, enquanto sujeito de suas ações, na interlocução com seus pares. A nossa experiência mostra que os cursos de formação inicial e continuada oferecem espaço para as discussões, as trocas e os compartilhamentos de ideias e saberes docente, estético, ético, político, relacional.

Considerações finais As práticas docentes podem e estão sendo, cada vez mais, pensadas como experiências significativas que atendem ao sentido poético. São práticas didático-pedagógicas que envolvem a criação, a experimentação e a proposição, se aproximando do campo artístico. O professor contemporâneo deve ser comprometido com a investigação e faz curadoria dos conteúdos, dos materiais e das técnicas a serem utilizadas em suas aulas, que podem acontecer dentro ou fora da sala. Estas são mais experimentais e propositivas, provocam deslocamentos e exigem a participação ativa dos estudantes. Além do mais, o professor no seu fazer pedagógico inventa seu percurso docente. Destacamos a necessidade de implantação de um curso de artes visuais, pelo menos em um dos campi da UFRN da região do Seridó, Caicó ou Currais Novos, para atender as demandas dessa área do conhecimento. As práticas no campo da Arte, com foco no ensino formal, normalmente não ganham visibilidade satisfatória no Seridó potiguar, no sentido de serem realizadas, refletidas e publicadas, fazendo chegar à comunidade em geral, o que dificulta uma tessitura feita a partir do cruzamento de novos saberes estético/docentes. Nessa trilha docente, caminhamos com professores, artistas e pesquisadores por territórios da arte e do seu ensino, buscando estabelecer uma interlocução com as teorias da Arte e da Educação. O esforço foi no sentido de elucidar a realidade do ensino da Arte no Rio Grande do Norte e no Seridó, a partir de alguns alinhavos que buscam melhores respostas do que se apresenta hoje, o quadro de formação docente e de ensino de Arte no contexto estudado.

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LIVROS DIDÁTICOS DE ARTES VISUAIS: PONDERAÇÕES SOBRE A METODOLOGIZAÇÃO DO ENSINO DE ARTE Charles Farias Siqueira86 Jaílson Valentim dos Santos87

Introdução O livro didático é um produto cultural (MIRANDA & LUCA, 2004) que pode auxiliar o professor88 na seleção e organização de conteúdos para as situações didáticas da prática docente, bem como facilitar na elaboração de projetos didáticos que são realizados nos espaços formais e são formais de ensino. Nessa perspectiva, os estudos da pesquisadora Gisele Costa Ferreira da Silva (2009) deixam claro que: [...] o livro didático é descrito como recurso didático, um artefato cultural, objeto de troca e orientação de práticas docentes que exercem atração e ocupa espaço no cotidiano da escola, seja nas mãos de alunos ou como companheiro no planejamento de professores como tal, o LP (livro didático) ‗opera‘ no contexto educativo como prática social estabelecida nas instituições escolares (SILVA, 2009, p. 7-8).

Esses artefatos culturais que são produzidos e destinados ao campo das Artes Visuais somente recentemente viraram objeto de estudos nessa Área do conhecimento. No entanto, há muito tempo são utilizados pelos professores em suas práticas pedagógicas, em todo o território nacional. O texto Arte-Educação no Brasil: realidade hoje e expectativas futuras, assinado por Ana Mae Barbosa, foi um relato encomendado pela UNESCO a INSEA (Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura e Sociedade Internacional de Educação Através da Arte, respectivamente) em 1989. A autora abordou a questão do livro didático no Brasil, no período da ditadura militar no país. Ela evidenciou algumas pesquisas da época, realizadas especialmente no Estado de São Paulo, em que mostra que mais de 80% dos professores pesquisados utilizavam apenas o livro didático como fonte para fundamentar o ensino de Arte. A estudiosa ainda salienta o fato de no Brasil, os livros didáticos utilizados pelos arte/educadores apenas apresentavam uma nova roupagem na aparência gráfica, sendo os mesmo 86

Arte/Educador e Mestre em Artes Visuais pelo Programa Associado de Pós-Graduação em Artes Visuais UFPB/UFPE, na linha de pesquisa Ensino de Artes Visuais no Brasil; ex-bolsista da CAPES e Pesquisador do Grupo de Pesquisa do Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos (GPEACC) da Universidade Regional do Cariri (URCA). E-mail: cfariassiqueira@gmail.com 87 Arte/Educador e Mestre em Artes Visuais pelo Programa Associado de Pós-Graduação em Artes Visuais UFPB/UFPE, na linha de pesquisa Ensino de Artes Visuais no Brasil; ex-bolsista da CAPES. E-mail: valentim8@yahoo.com.br 88 Visando uma leitura mais fluida deste texto e sem nenhuma intenção de excluir o gênero feminino, optamos por usar tratamento no gênero masculino, de acordo com as normas gramaticais da língua portuguesa, vigentes no Brasil. Deste modo, quando o leitor deste texto encontrar esse tratamento, deve considerar ambos os gêneros, masculino/feminino.


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livros usados por professores que ministravam aula de desenho geométrico. Isto por volta dos anos de 1940 e 1950, porém, com o detalhe de que não havia nenhuma preocupação com o desenvolvimento da autoliberação, salienta a autora, pois era esse o que objetivava os professores de Arte de uma pesquisa do período (BARBOSA, 1989, p. 171). A mesma também chamou a atenção para a má qualidade das imagens que eram veiculadas nas escolas por meio desses artefatos culturais. No entanto, era raro o aluno ter acesso ao livro devido ao seu alto custo, ficando mais a cargo do professor adquirir um exemplar e repassar as atividades à turma a partir do seu volume. Em resposta ao tratamento dado pelos governos ditatoriais ao ensino no Brasil, os arte/educadores começaram um movimento entorno do Ensino de Arte, criticando e se mobilizando politicamente por meio da criação de associações, bem como desenvolvendo pesquisas que visavam encontrar soluções para tão grave crise do ensino no país. Avançando no tempo, nos transportamos ao ano de 2015. Este foi um ano marcado pela chegada dos Livros Didáticos: Arte, na escola. Oficialmente, o Governo Federal distribuiu pela primeira vez aos alunos do Ensino Médio e professores das escolas públicas do Brasil Livros Didáticos que contemplam os componentes curriculares desse campo do conhecimento. Esses livros foram distribuídos por meio do Plano Nacional do Livro Didático - PNLD89, com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE. Conforme podemos ler no Guia de livros didáticos: PNLD 2015: Arte (2014, p. 7), ―isso é muito importante, uma vez que saber Arte é direito do aluno. Também é importante porque o reconhecimento da Arte como Programa de Estado gera conhecimento específico que pode ser ensinado, aprendido e avaliado‖. Cabe ao professor de Arte compreender os conteúdos dos livros que poderão nortear os planejamentos de suas aulas, para dar sentido às suas experiências enquanto docente, bem como aos alunos que o acompanham. Conforme encontramos em Tourinho e Costa (2008), todo livro tem a sua criação a partir de contextos, pois a sua divulgação está vinculado por quatro variantes: pelo ensino escolar; pelas tecnologias; pelo aperfeiçoamento das gráficas; e pelos padrões gerais de comunicação. Estes atendem a determinados contextos culturais, sociais e educacionais. As estudiosas salientam que o livro didático em Arte é um artefato cultural pouco pesquisado pela academia, pois não encontramos uma pesquisa consistente que apresente dados que evidencie se esse produto apoia ou reduz o trabalho pedagógico dos professores que ensinam Arte no Brasil. Não se pode fechar os olhos também para o mercado, pois é sabido que editoras de livro atravessam o poder do lucro. Será que os conteúdos dos livros didáticos são uma boa ferramenta de trabalho para o professor de Arte em sala de aula? Eles são capazes de 89

De acordo com o portal do FNDE, disponível na rede mundial de computadores, ―o PNLD 2014 é direcionado à aquisição e à distribuição integral de livros aos alunos dos anos finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano), complementação do PNLD 2013 para estudantes dos anos iniciais do Fundamental (1º ao 5º ano) e para os alunos do Ensino Médio‖.


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favorecer uma aprendizagem significativa aos estudantes? Questionamos ainda se esses produtos não apenas reproduzem saberes de modo mecânico e sem sentido, tanto para o professor que o utiliza, quanto para o estudante que precisa apreender um conteúdo. Essas questões permite-nos dialogar com Zabala (1999) que tratou de compreender como se dá a aprendizagem dos conteúdos escolares. Conteúdos aqui são compreendidos não como um conjunto de técnicas que visam atender a confecção de um objeto, mas a partir do que nos apresenta os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, que elencam uma série de conteúdos, estes vinculados a valores, normas e atitudes, no que tange a história e ao patrimônio cultural. A partir do exposto, depreendemos uma reflexão sobre conteúdos e metodologias discutidas em dois livros que selecionamos para esse estudo, a saber: Didática do Ensino de Arte – A língua do mundo: poetizar, fruir e conhecer arte e Arte & Caminhos: metodologia: Ensino Fundamental - 1° ao 5° ano. Nosso olhar está focalizado para as questões das artes visuais, sem adentrarmos nos conteúdos das outras subáreas que compõe o campo da Arte. O primeiro livro é uma produção coletiva de 1998, na qual a pesquisadoras Mirian Celeste Martins compartilha a autoria com Gisa Picosque e M. Terezinha Telles Guerra. A segunda obra é de 2011 e tem como autora a pedagoga Cintia Maria Honorio.

1. Andarilhando pela Arte & Caminhos Iniciaremos nossas análises pela obra Arte & Caminhos. A palavra Arte encontrada no título dessa obra nos sugere experiência, expressão, conhecimento, subjetividade. Mas essa pode nos indicar também astúcia, criatividade e até traquinagem. Já caminhos nos remete a direção, rumo, trilha que se destina ao trânsito de pedestre. Por caminho entendemos que seja um deslocamento de um lugar para outro. Nesse contexto, por se tratar de um livro de metodologia para o Ensino da Arte, podemos pensar em passos, em modos de fazer, em possiblidades criativas que podem auxiliar no processo de ensino e aprendizagem. O livro é destinado aos professores de Arte que atuam no Ensino Fundamental ou a outros profissionais que trabalham com Arte. Seus aspectos físicos compreendem 224 páginas em papel coche, encadernação estilo brochura e com dimensão que correspondem a 23x19cm, enquanto que pesa 0,610 Kg. Analisamos sua 1ª Edição, cujo ano de lançamento foi em 2011 e a capa foi assinada pela Modus Processanti Ltda. Seu sumário é dividido em uma introdução e cinco capítulos, assim distribuídos: Introdução: O trabalho de Arte na escola. Capítulo 1 - A Arte tem história; capítulo 2 - Diferentes Linguagens e Produções; capítulo 3 - Linguagem Artística: Artes Visuais, Música, Teatro e Dança; capítulo 4 – Projetos; e capítulo 5 - Sugestões de material para pesquisa. Sua estrutura é composta com fundamentação teórica, encaminhamento metodológico, História da Arte, breves biografias de alguns artistas e propostas de atividades que podem ser desenvolvidas em sala de aula. A autora acredita que essa estrutura pode possibilitar ao professor um entendimento alargado de diferentes aspectos da Arte, enquanto campo do


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conhecimento. O objetivo da autora é colaborar também com o trabalho docente por meio da reflexão e da análise. Quando tratamos de atualidade compreendem-se os processos culturais, sociais e educacionais vividos nesta contemporaneidade. Essa publicação não cita a legislação vigente, que corresponde a lei n°11.645 de 10 de março de 2008. Que afirma: Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de Ensino Médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. § 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. § 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileira (NR) (BRASIL, 2008).

Denota-se que esse livro não poderá abranger a quantidade de Leis, Resoluções e Pareceres de cada região, estado ou município deste país, pois é preciso que o professor de Arte contraponha as necessidades socioculturais de seus estudantes, com as novas peculiaridades de cada contexto educacional, permitindo que se adote ou não esse livro nos seus planejamentos didáticos. Mesmo sem citar a Lei, a obra pontua, ainda que timidamente, alguns aspectos importantes para o trabalho em sala de aula, que estariam em consonância com esta, que seria a Arte indígena e a arte africana. Quanto a biografias apresentadas, percebemos uma forte tendência aos preceitos ideológicos eurocentristas. Mesmo as obras brasileiras que são apresentadas nessa sessão, são aquelas que se aproximam dessa ideologia, que envolvem fortemente as questões de mercado. Talvez a exceção fosse o Mestre Vitalino, muito embora seu nome hoje esteja atrelado à exploração comercial de pequenas esculturas de barro. Por ter um caráter conteudístico, cada temática apresenta no decorrer, várias atividades para o professor de Arte que exige uma reflexão. Essas são identificadas com a expressão Para refletir. O primeiro e segundo capítulos seguem uma sequência cronológica da História da Arte que tem como ponto inicial a Vênus de Willendorf (pré-história), seguindo à Pop-art (modernismo). Encontramos ainda diversas propostas de leitura de imagens que podem ser instrumentos para o professor utilizar nas situações didáticas nas aulas de Arte. O quadro abaixo elucida alguns referenciais da autora, quanto às possibilidades de leitura de um mesmo objeto:


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Fig. 1. Quadro sugerido pela autora, para instrumentalizar o professor quanto a leitura da imagem DIFERENTES POSSIBILIDADES DE LEITURA DE UM MESMO OBJETO Enfoca os elementos da linguagem Leitura da imagem gestáltica ou visual (linha, plano, relevo, textura, estruturalista volume, cor, luz, dimensão, escala, proporção...). Estuda a forma como foi composta a imagem. Enfoca os signos, símbolos e sinais Leitura da imagem semiótica presentes na imagem. Analisa e aborda sistemas de símbolos e signos construídos como um texto visual. Leitura da imagem iconográfica Estuda o conteúdo temático, o significado da imagem. Considera a expressividade, o que há Leitura da imagem estética de ―eterno‖ e de ―transitório‖, de circunstancial, de uma época no objeto analisado. Fonte: HONORIO, 2011, p. 92 e 93.

O terceiro capítulo aponta dezoitos sugestões de fazeres expressivos para as Artes Visuais, seis propostas para aulas de música, três propostas para aulas de teatro e duas para aulas de dança. Identifica-se com a expressão Fazer é legal! Fazer é legal! Fazer é legal! Esse item sugere que o professor de Artes Visuais explore o conhecimento de conteúdos específicos da área, como cor, linha, plano, volume e textura. Na música esses tangenciam a duração, a intensidade, a altura e o timbre. Quanto ao teatro, chama-se a atenção para o texto, a personagem, a caracterização, a sonoplastia, a cenografia e a iluminação. Por fim, os conteúdos da dança seguem a força, o espaço, o tempo e a fluência. As imagens de obras são por vezes ilustrativas, sem que sejam propostas atividades exploratórias sobre essas. As temáticas abordadas tangenciam as subáreas da Arte. Percebemos a ênfase dada às Artes Visuais, em detrimento de conteúdos das outras linguagens artísticas, como as Artes audiovisuais, a música, a dança e o teatro. As apresentações das abordagens artísticas estão presas a uma linearidade histórica, pouco explorando a análise e a crítica dos processos criativos. Toda a obra é permeada por textos e imagens, com algumas reflexões e sugestões de consultas em bibliografias especializadas e sítios disponíveis na rede mundial de computadores, que visam um aprofundamento dos conteúdos, bem como a ampliação do repertório cultural do professor. Uma lista de filmes também foi elaborada como sugestão, para auxiliar o trabalho. O livro faz pouca referência ao contexto contemporâneo da Arte e da vida dos alunos, ficando mais atrelado aos saberes da Arte outorgada e a história oficial, sem que se veja uma crítica direta a essa. As reflexões que aparecem não atendem a complexidade do Ensino de Arte na contemporaneidade.


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Para um profissional licenciado em Artes Visuais, denota-se que o mesmo não se limite apenas nos fazeres expressivos que o livro recomenda. É preciso articular procedimentos didáticos a partir das práticas socioculturais dos estudantes, como salientam Fusari e Ferraz: ―[...] são esses procedimentos que vão mostrar se os passos dados no método centralizam a atividade artística num espontaneísmo, na técnica pela técnica, no autoritarismo do professor ou na apreensão e reelaboração da cultura artística vivida pela humanidade‖ (1993, p. 70-71).

2. Seguindo as trilhas d’A Língua do Mundo O livro Didática do Ensino de Arte: A língua do mundo: poetizar, fruir e conhecer Arte teve sua 1ª edição em 1998 e foi reeditado em 2009. Sua capa foi assinada por Roberto Soeiro e a obra conta com duzentas páginas. A publicação faz parte de uma coleção denominada Conteúdo e Metodologia lançada pela Editora FTD S.A., com matriz em São Paulo. Na sua apresentação encontramos indicação do editor que esclarece: ―a coleção Conteúdo e Metodologia se destina a alunos de Magistério e Licenciatura – os futuros professores do Ensino Fundamental e Médio‖ (MARTINS, et al, 1998, p. 3). A obra contempla conteúdos e metodologias destinadas ao Ensino da Arte e sua estrutura visa favorecer a apreensão de saberes pertencentes ao universo da Arte, enquanto Área do conhecimento. A disposição das temáticas visa facilitar o trabalho do professor de Arte, a quem essa se destina. Textos e imagens são utilizados como recursos didáticos, ampliando as possibilidades do fazer docente com textos complementares que trazem reflexões sobre a Arte e sugestões de material bibliográfico. O livro é dividido em quatro partes, sequenciando os conteúdos de modo que privilegia uma linha crescente de raciocínio, iniciando com a história oficial da Arte no Brasil, deixando claro, já nas suas primeiras páginas, que vai ser abordado o ensino e a Arte institucionalizada. A obra contempla o Ensino de Arte e sua estrutura visa favorecer que os conteúdos e metodologias abordadas facilitem o trabalho do professor de Arte. No primeiro capítulo as autoras referenciam a Missão Artística Francesa que chegou ao Brasil em 1816, trazida por Dom João VI, dando início a Academia Imperial de Belas-Artes, no Rio de Janeiro (esta fundada em 1826), seguindo por questões inerentes ao campo, como o entendimento dos signos e das linguagens artísticas. No segundo capítulo – Produção e leitura em Arte, a abordagem segue por meio das leituras das obras, como possibilidade de alargar o repertório simbólico e o entendimento das imagens poéticas. No terceiro capítulo – Aprendiz da Arte mostra etapas do desenvolvimento expressivo, nas quais as autoras tomam por base várias teorias, denominando de movimentos, como uma ―ciranda da metamorfose expressiva‖.


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No capítulo seguinte, IV - Metodologia de ensino e aprendizagem em arte se propõe uma aprendizagem significativa, bem como um Ensino de Arte baseado na experiência, no que é vivenciado com o próprio corpo. Nessa parte, observamos situações de ensino e aprendizagem nas várias linguagens: Artes Visuais, dança, música e teatro. O conhecimento sobre a História da Arte não entra de modo linear na obra, mas como um complemento das questões que são inerentes à própria Arte. À medida que vão surgindo os questionamentos sobre conteúdos ou assuntos conceituais no que concerne ao Ensino da Arte, as autoras vão tentando exemplificar com obras ou com movimentos estéticos. Textos complementares e sugestões de bibliografia especializada são encontrados ao final dos tópicos, que elas entendem que precisam de aprofundamento. A apreensão desses saberes pode ir modelando o pensamento do leitor, professor de Arte, para uma compreensão mais apurada sobre a aprendizagem artística. Observamos que a estrutura da obra tenta favorecer um ensino de qualidade, dentro de uma ótica que aproxima os conteúdos da Área as teorias especializadas e aos modos de praticar a docência em Arte na contemporaneidade. No entanto, ainda percebemos resquícios de uma concepção burguesa e elitista, quando mostra imagens que fazem parte de um cardápio eurocentrista, canônico e por vezes distante da realidade do professor/aluno, quando não atreladas às ideologias de mercado. São imagens que, na sua maioria, precisam ser divulgadas para atrair público para museus, bem como para divulgar e valorizar coleções particulares. A obra trás uma fundamentação teórica que tenta dialogar com a prática, procurando aproximar os saberes didático-pedagógicos das proposições expressivas. Podemos entender que sua concepção foi no sentido de facilitar o trabalho do professor em sala de aula, pois vai além das atividades, colocando leituras complementares e sugestões outras de bibliografias e textos de apoio ao professor. Desse modo, pode facilitar o entendimento e o exercício docente do professor, na proporção que estimula a reflexão sobre as atividades planejadas e realizadas. O livro tenta construir um modelo do pensamento artístico do professor, à medida que expões temas relacionados ao Ensino da Arte e propõe leituras complementares ou aponta obras para serem lidas que são como chaves para a apreensão de determinados assuntos do campo. As autoras inserem estudos interessantes sobre a aprendizagem das crianças em Arte, o que deixa a obra atrativa. Elas reportam as teorias do autor César Coll para pensar em processos de ensinar e aprender Arte. Com isso são evidenciadas várias categorias desse fazer docente que abarcam o aprendizado de fatos, conceitos, procedimentos, valores, atitudes e normas. Dessa maneira, podem expandir os modos de fazer docente do professor, atingindo os alunos nas escolas, tanto no sentido da cognição, dos afetos e da sensibilidade, quanto no que se referem ao exercício da criatividade e as suas relações sociais. As imagens das obras de Arte presentes no livro, na sua maioria, são de artistas modernistas. Encontramos obras de outros movimentos estéticos que


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vão do século XVI ao XIX. São raras as imagens recentes da Arte. As que reportam a Arte Contemporânea são inseridas no texto quase que de modo acidental. Algumas que mostram adaptações para o teatro, como é o casa da peça O Burguês ridículo (Rio de Janeiro – 1996) (p. 71) e outras do campo das Artes Visuais, mais especificamente da videoarte. Neste caso, tratamos de um fotograma do trabalho do artista Otávio Donasci – Videocriatura (1982 e reapresentado em 1997), sendo a única que trata dessa linguagem (p. 139). Uma imagem da obra de Regina Silveira In Absentia (M.D.) – 1983 é exibida no início do capítulo II – Produção e leitura em Arte, sendo a obra mais conhecida da Arte Contemporânea produzida no Brasil. Saindo do eixo Rio – São Paulo, encontramos uma única imagem e trata-se de uma obra do pintor e desenhista pernambucano Wellington Virgolino (Recife, 1929 – 1988), cujo título é Meninos Brincando de Ceia Larga – 1974. O livro exibe uma boa quantidade de imagens de trabalhos de crianças e procura, em certa medida, refletir sobre essas, enquanto chama a atenção para situações de ensino. Mesmo privilegiando o Ensino da Arte hegemônica, com foco nas Artes Visuais, percebemos uma abertura de espaço para outras linguagens como o teatro, a música e a dança, abordando, ainda que timidamente, a cultura visual. É possível encontrar várias tirinhas que sugerem um olhar ao entorno, ao cotidiano do professor/aluno. Também detectamos claramente várias imagens de situações de aprendizagem, seja em sala de aula ou em espaços culturais. O protagonismo dos alunos ganha destaque no capítulo III - Aprendiz da Arte e IV – Metodologia de ensino e aprendizagem em Arte, quando aparecem imagens em que o aluno se encontra em situação performática, de atividade, de experimentação. Nessa parte da obra também encontramos encaminhamentos metodológicos, quando as autoras refletem sobre as buscas de uma aprendizagem significativa. Também são apresentadas algumas situações de aprendizagem, ligadas à investigação, a leitura e ao fazer. O livro aborda os conteúdos e as metodologias pela perspectiva processual de poetizar, fruir e conhecer Arte. Sendo assim, ele trás sugestões de trabalho que podem ser desenvolvidos em sala de aula, adotando o projeto educativo. A ideia central é que o aluno seja capaz de ressignificar o mundo, com seus valores simbólicos, por meio da Arte.

Considerações finais Consideramos ambos os livros como adequados ao Ensino Fundamental, muito embora trabalhem pouco, questões do campo da Arte e da Cultura Visual que são fundamentais, na nossa visão, para a aproximação do alunado de modo mais estreito com o contexto contemporâneo, envolvendo as visualidades cotidianas. Tais questões contemplariam outras expressões da Cultura Visual, na Região do Cariri Cearense poderiam ser: as visualidades do mercado popular (feiras); as artes das Meizieiras na Chapada do Araripe (região do Cariri cearense); o couro do Expedito Seleiro em Nova Olinda-Ceará; os fazeres


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expressivos e/ou artísticos dos pacientes dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); a dança do coco das Mulheres da Batateira na cidade do Crato; a musicalidade dos coros dos penitentes de Barbalha-Ceará; as gravuras rupestres do Sítio Arqueológico do Cariri na cidade de Nova Olinda, entre outras que ainda poderão surgir. Com as novas dinâmicas sociais da hipermodernidade, fica no mínimo complicado encarar a Arte apenas como a produção canônica, legitimada por teorias e instituições culturais, muitas vezes baseadas em aspectos mercadológicos. Questões interdisciplinares são pouco exploradas nos livros, muito embora estes apresentem várias possibilidades do fazer docente e formas do uso de recursos didáticos dos conteúdos da Arte. Os livros chamam a atenção de professores e alunos para questões que tangenciam a reflexão. Ambos apresentam sugestões de bibliografia especializada, que podem servir como apoio ao trabalho do professor em sala de aula. A ideia de trabalhar com projetos está contida nas duas obras, sendo evidenciados alguns modelos e possibilidades. As atividades estão presentes, mas também refletem sobre outros aspectos da Arte.

Referencias BARBOSA, Ana Mae. Arte-Educação no Brasil: realidade hoje e expectativas futuras. Estudos Avançados, vol. 3 nº 7 São Paulo, 1989. Disponível em < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010340141989000300010&script=sci_arttext > Acesso em: 09/10/2014. BRASIL. GUIA DE LIVROS DIDÁTICOS: PNLD 2015/Arte: Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2014. BRASIL. Lei 11.645 de 10 de março de 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática ―História e Cultura AfroBrasileira e Indígena. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm >. Acesso em: 05/10/2014. Diário Oficial da União, Brasília, 10 de março de 2008. FERRAZ, Maria Heloísa C.de T. e FUSARI, Maria F. de Rezende e. Metodologia do Ensino de Arte. São Paulo: Cortez, 1993. HONORIO, Cintia Maria. Arte & Caminhos Metodologia: Ensino Fundamental - 1° ao 5° Ano. Curitiba: SEFE – Sistema Educacional Família e Escola, 2011. MARTINS, Mirian Celeste Ferreira Dias (et. all). Didática do ensino de arte: a língua do mundo: poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998. MIRANDA, Sonia Regina and LUCA, Tania Regina de. O livro didático de história hoje: um panorama a partir do PNLD. Rev. Bras. Hist. [online]. 2004, vol.24, n.48, pp. 123-144. ISSN 1806-9347. Disponível em < http://www.scielo.br/pdf/rbh/v24n48/a06v24n48.pdf >. Acesso em: 04/10/2014. TOURINHO, Irene; COSTA, Gisele. Como e porque investigar o livro didático para o ensino de artes visuais. Vol. 6, nº 1 e 2, 2008. Disponível em: < http://www.revistas.ufg.br/index.php/VISUAL/article/view/18084/10784 >.


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Acesso em: 04/10/2014. SILVA, Gisele Costa Ferreira da. Livro didático para o ensino de arte: diálogos, práticas e (des)caminhos. Goiânia: UFG, 2009. ZABALA, Antoni. Enfoque Globalizador e Pensamento Complexo: uma proposta para o currículo escolar. Porto Alegre: Artmed, 1999.


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ARTES VISUAIS PARA CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIAS VISUAIS NO INSTITUTO DOS CEGOS DA PARAÍBA ADALGISA CUNHA90 Robson Xavier da Costa91 Maria das Graças Leite de Souza92

Introdução

Esta pesquisa teve início em 2015, como continuidade do ―Projeto Artes Visuais & Inclusão: ensino de artes visuais em Instituições de Educação Inclusiva em João Pessoa/PB‖, iniciado em 2014. Em 2015, inserimos aulas de artes visuais no currículo da formação inicial de crianças com Deficiências Visuais, crianças das séries iniciais do Ensino Fundamental e que também são estudantes do Instituto dos Cegos da Paraíba Adalgisa Cunha (ICPAC), com idades entre 6 e 10 anos, com limitações em relação a visão, origens socioeconômicas diversificadas e pouquíssima ou nenhuma experiência com artes visuais. O tema em questão ―ensino de artes visuais para os estudantes do ICPAC‖ é recente, já que a instituição tem privilegiado ao longo da sua existência a educação musical e corporal, em detrimento das ações de ensino voltadas para as artes visuais, por uma compreensão do senso comum, que pessoas com Deficiências Visuais desenvolvem mais as habilidades relacionadas aos sentidos da audição, mobilidade e táteis, e não teriam, necessariamente, que lidar com recursos visuais. A preocupação com a educação inclusiva de pessoas com deficiências visuais tem relação com os marcos legais da política educacional internacional, tais como: a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien, Tailândia (1990), definindo a política para educação inclusiva, bem como a Conferência Mundial sobre Necessidades Especiais, Espanha (1994),

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Artigo publicado originalmente na Revista Educação, Artes e Inclusão. Volume 12. Nº 01, Florianópolis: UDESC, 2016. p. 45 – 57. 91 Doutor em Arquitetura e Urbanismo; Mestre em História; Licenciado em Artes Plásticas; Arteterapeuta. Coordenador do Programa Associado de Pós Graduação em Artes Visuais (PPGAV UFPB/UFPE) e Líder do Grupo de Pesquisa em Arte, Museus e Inclusão (GPAMI/UFPB/CNPq). 92 Mestre em Artes Visuais (PPGAV UFPB); Licenciada em Artes Plásticas; Arteterapeuta e membro do Grupo de Pesquisa em Arte, Museus e Inclusão (GPAMI/UFPB/CNPq).


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onde foi redigida a Declaração de Salamanca, marco para a implantação a nível global do conceito de educação inclusiva. A partir de 1996, com a implantação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9.394/96), que afirma: ―(...) todas as crianças devem ser acolhidas pela escola, independente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais‖, a Educação Inclusiva no Brasil deve ser compreendida como um conceito amplo, relacionando-se a todas as pessoas que podem ser consideradas a margem da estrutura social dominante, portanto, refere-se a questões relativas as pessoas com deficiências, bem como, a todas as maneiras de exclusão relacionadas as relações sociais, econômicas e culturais. A compreensão ampla do conceito de inclusão ultrapassa as questões de acessibilidade, as barreiras arquitetônicas, os limites físicos e suas relações, ampliando-se para todas as maneiras de incluir os seres humanos, já que o processo de inclusão pode e deve se dar em todos os espaços educacionais, sejam formais, informais ou não formais. Embora o ICPAC seja uma instituição de educação especial, onde as crianças e jovens com Deficiências Visuais passam uma parte do dia, após o horário escolar, como complementação do processo educacional da escola formal, sua formação permanece ainda restrita a algumas atividades, devido as atuais condições financeiras do Instituto e as políticas públicas educacionais voltadas para áreas específicas do conhecimento. As artes visuais podem estimular as crianças e jovens com Deficiências Visuais, proporcionando o desenvolvimento sensorial, tátil, sonoro e sinestésico, favorecendo o desenvolvimento da percepção espacial, a relação pessoa ambiente, o discernimento de formas e cores, estimulando a visão residual (quando é o caso), estimulando o pensamento divergente e a criatividade. Algumas questões permanecem como base para esta pesquisa, como ensinar artes visuais para pessoas com deficiências visuais (DV)? Como adaptar materiais e suportes que possam facilitar a aquisição de conhecimentos sobre artes visuais para pessoas com DV? Quais os limites pedagógicos para o desenvolvimento do EAV para DV? Este artigo apresenta uma discussão teórica e não pretende esclarecer totalmente essas questões, apenas problematizar a função do ensino das artes visuais para crianças com deficiências visuais no ICPAC.


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1. Educação de Pessoas com Deficiências Visuais na Paraíba: Ações Do Instituto dos Cegos da Paraíba Adalgisa Cunha

A primeira escola do mundo destinada a pessoas com deficiências visuais foi inaugurada no ano de 1854, na França, o Instituto Real dos Jovens Cegos de Paris. Segundo Franco (2005), em 1829, foi instalado na América do Norte, o primeiro Instituto para cegos nos Estados Unidos. No Brasil, temos como referência pioneira o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, foi criado em 12 de setembro de 1854, pelo Decreto Imperial Nº. 11.428, atualmente intitulado Instituto Benjamin Constant 93, segundo o discurso do seu primeiro diretor o Dr. Sigaud, o Instituto tem por finalidade:

Educar meninos cegos e prepara-los segundo sua capacidade individual, para exercício de uma arte, de um ofício, de uma profissão liberal. É, pois, uma casa de educação, e não, um asilo, e muito menos um hospício; uma tríplice especialidade: música, trabalhos, ciência, eis o que constitui sua organização especial (HOLANDA e CAMINHA, 2008, p. 7).

O Instituto Benjamin Constant até 1926 foi a única instituição especializada para deficientes visuais no país, atualmente ainda é uma instituição de referência. Profissionais de todo o país vão até o Rio de Janeiro para fazer formação especializada, posteriormente foi inaugurado em Belo Horizonte o Instituto São Rafael, seguido da abertura de instituto dos cegos em vários estados da federação: A educação de deficientes visuais na Paraíba, não tem sido diferente do que tem acontecido em outros estados, enfrenta desafios desde o início de sua história, quando em 1944, em João Pessoa, no contexto da Educação Especial local, nasceu da iniciativa da Srª. Adalgisa Duarte Cunha o Instituto dos Cegos da Paraíba (hoje Instituto dos Cegos da Paraíba Adalgisa Cunha - ICPAC), 93

O Decreto nº 09, baixado pelo Governo Provisório da recém-proclamada República, suprimia do nome do Instituto a palavra ―Imperial‖. O Decreto nº 193, de 30 de Janeiro de 1890, denominava-o Instituto Nacional dos Cegos. Finalmente, o Art. 2º do Decreto nº 1.320, de 24 de Janeiro de 1891, deu-lhe o nome de Instituto Benjamin Constant, pelo qual ainda hoje é conhecido, numa justa homenagem ao mais longo e profícuo administrador (IBC, 2007).


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entidade pioneira no Nordeste no atendimento de pessoas com deficiências visuais. De acordo com os registros: No ensino especializado no Estado da Paraíba teve início aos 16 de março de 1944, com a criação do Instituto dos Cegos Adalgisa Cunha (NEDESP UFPB, 1997).

O Instituto dos Cegos da Paraíba é uma entidade filantrópica de direito privado, sem fins lucrativos, beneficente, autônoma e de caráter educacional, passou a ter personalidade jurídica em 08 de Junho de 1944. Para iniciar os trabalhos do Instituto dos Cegos, a senhora Adalgisa Cunha dispôs de um espaço cedido no Lar da Providência, lar de longa permanência e acolhimento para pessoas idosas, enquanto era construído o prédio que até hoje é sede própria desse Instituto, na Avenida Santa Catarina, nº 396 – Bairro dos Estados, na cidade de João Pessoa. Ninguém sabe ao certo que motivos levaram esta senhora a criar o Instituto dos Cegos. O que podemos afirmar, sem medo, é que, numa época em que a educação de pessoas cegas ainda era um desafio no Brasil, e estas eram, na sua grande maioria, vistas como estorvo para suas famílias, uma senhora da sociedade acreditou que nelas havia um potencial adormecido e resolveu mostrar aos descrentes que, incentivadas, as pessoas cegas seriam capazes de superar suas próprias limitações (APACE- Boletim Informativo, 2003).

Outro desafio foi a preparação de pessoas capazes para atender às necessidades das crianças com deficiências visuais, uma preocupação eminente da fundadora do Instituto dos Cegos, que trazia do Instituto Benjamin Constant – Rio de Janeiro – pessoas capacitadas para habilitar a sua equipe de trabalho. Para isso, tratou de aprender a empregar o método Braille (sistema de leitura tátil para as pessoas cegas), com o objetivo de disseminá-lo para outras pessoas. Ainda hoje, o Instituto dos Cegos da Paraíba, se mantém fiel à educação de crianças, jovens e adultos com deficiências visuais e de baixa visão, cerca de 50 alunos na faixa etária entre quatro a dezoito anos estão atualmente matriculados na instituição, em regimes de internato, semi-internato e externato. No Instituto, as crianças e adolescentes recebem atendimento nas mais variadas modalidades: educação musical, informática, atividades de educação física e prática desportiva, além das quatro séries do ensino fundamental e também tem total acompanhamento daqueles estudantes que já ultrapassaram a primeira fase do Ensino Fundamental e estão incluídas na rede regular de ensino.


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2. PROJETO ENSINO DE ARTES VISUAIS EM INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO INCLUSIVAS EM JOÃO PESSOA – PB: O CASO DO INSTITUTO DOS CEGOS DA PARAÍBA.

O Projeto Artes Visuais & Inclusão: Ensino de Artes Visuais em Instituições de Educação Inclusiva em João Pessoa, Paraíba, Brasil, consiste em uma ação de pesquisa e extensão, de caráter permanente, que objetiva a inserção de aulas semanais de artes visuais para crianças e jovens com deficiências e idosos nas instituições locais. No ICPAC no ano de 2015, a equipe foi dividida em dois grupos, cada um deles, atuou em um turno diferente, ficando a cargo da discente Maria das Graças Leite de Souza, a responsabilidade pelo atendimento para as crianças com DV em fase inicial, matriculados no ICPAC no turno da manhã. O ICPAC atende crianças e jovens de baixa renda de todo o Estado da Paraíba, num total de 100 estudantes matriculados em diferentes faixas etárias e escolaridades, dos quais 20 são residentes permanentes 94, além de dispor de uma biblioteca em braile. O trabalho realizado no ICPAC pelo Projeto de Pesquisa objetivou promover o desenvolvimento integral dos sujeitos na Instituição, possibilitando o aumento da autoestima, a socialização, o desbloqueio do potencial criativo e a inserção ativa do indivíduo na comunidade. O projeto inseriu aulas semanais de artes visuais para crianças, jovens e adultos, sendo um instrumento importante na reabilitação dos usuários, principalmente aos que chegam à entidade, criando um elo para o entrosamento entre os grupos. O projeto tende, também, a incentivar a criatividade e libertar a imaginação, estimulando o tato e a recuperação dos sentidos. No trabalho desenvolvido, as pessoas podem acessar conteúdos psíquicos inconscientes ou conscientes que estão vinculados às suas ações e relações familiares durante a vida, além de procurar fomentar reflexões diante das dificuldades existenciais, ressaltando os potenciais e habilidades, buscando minimizar as diferenças e a exclusão social.

3. O Método de Pesquisa Qualitativa Nesta investigação utilizamos a pesquisa qualitativa que pode ser compreendida como uma atividade permanente de aprendizagem sobre determinado aspecto da realidade, onde o pesquisador não só promove 94

Dado disponibilizado pela Diretoria do ICPAC em 2015.


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conhecimento, mas, também aprende, ensina e transforma o que sabe, favorecendo a troca de ideias e experiências e reconstruindo o saber sobre o objeto estudado. Trata-se de colocar em confronto a realidade do campo de estudo com as relações estabelecidas entre os indícios visuais, procurando entende-las e analisa-las criticamente, já que conhecer é confrontar, questionar, contradizer, verificar, analisar algo dado. Para a pesquisa qualitativa um fenômeno pode ser melhor compreendido se for estudado a partir do contexto em que está inserido. O pesquisador vai a campo em busca do conhecimento das relações e as maneiras que as variáveis da pesquisa interagem em determinadas situações ou espaços. Assim, os dados podem ser analisados a partir das relações estabelecidas. As principais fontes de dados para a Pesquisa Qualitativa com estudo de caso são as entrevistas e as técnicas de observação, cujos relatórios podem ser acompanhados de imagens (fotos, colagens, desenhos, recortes), exemplos e descrições fornecidas pelos entrevistados, tendo como função auxiliar a compreensão do objeto de estudo. Nada impede o uso de dados estatísticos e quantitativos como complementos para a compreensão do fenômeno. Esse campo de pesquisa relaciona-se com a complexidade e com os fatos da realidade, possibilitando abertura para o surgimento de novos elementos ao longo do desenvolvimento do trabalho, exigindo do pesquisador atenção para trabalhar com a multiplicidade de situações que ocorrem em um mesmo contexto. No caso das artes visuais o estudo de caso enquanto método qualitativo se aplica aos trabalhos que se debruçam, por exemplo, sobre um(a) determinado(a) artista, obra, um conjunto de produções visuais, uma instituição, uma experiência artística, ou mesmo projetos específicos, bem como se refere as relações entre os projetos culturais e seus usuários. A modalidade de estudo de casos, segundo Serra (2006, p.82) talvez seja o método mais comum nas pesquisas qualitativas no campo das ciências humanas, já que busca esgotar o conhecimento sobre um caso específico, que pode ser considerado modelo ou referencial, mesmo que não seja generalizável. Os estudos de caso pretendem conhecer em profundidade o objeto. Nessa direção, o acúmulo de investigações sobre determinado tema, abordado sob diferentes perspectivas, favorece sua compreensão de maneira ampla, embora o pesquisador dedique-se a especificidade de cada caso selecionado.


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Tal abordagem metodológica é considerada adequada para pesquisas que visam compreender, explorar ou descrever um fato ou acontecimento complexo com relação ao qual o pesquisador depara-se com diversos fatores importantes que precisam ser investigados, porém não permite um rígido controle artificial. Entre estas situações de pesquisa encontram-se aquelas que são definidas como centrais, o entendimento do ―como‖ e do ―porquê‖ determinado fenômeno ocorre. Elementos de conexão entre os fatores e a dinâmica dessas situações de investigação podem ser percebidos em diversos níveis. Um estudo de caso é um aprofundamento vertical em um fenômeno ou produto exemplar, considerado excepcional e merecedor de uma investigação específica, pois poderá vir a favorecer a compreensão global de um tema, ou propiciar importantes indícios para futuras investigações. Em um estudo de caso, o pesquisador pode utilizar a pesquisa documental, que também é parte integrante da pesquisa qualitativa, já que as fontes documentais foram ampliadas no decorrer do tempo e permitem o acesso às informações que seriam inacessíveis por outro caminho. As fontes documentais consistem em conjuntos de registros escritos (jornais, revistas, diários, livros de receita, livros de anotação das obras, memorandos, relatórios, etc.), registros estatísticos (dados concretos mensuráveis); registros visuais (sinais, gráficos, fotografias, vídeos, filmes e imagens em geral); registros sonoros (músicas, gravações, depoimentos, entrevistas, etc.), permitindo considerar como fonte de pesquisa diversas tipologias de documentos. O pesquisador das imagens pode utilizar como fontes complementares, documentos escritos (textos, catálogos, reportagens, catálogos das exposições, relatórios dos museus, etc.) presentes nos acervos dos setores de biblioteconomia, informação e comunicação dos espaços pesquisados. O estudo de caso é um tipo de pesquisa empírica que analisa fenômenos contemporâneos em seu contexto real, em situações onde as fronteiras entre os elementos estudados não estão muito claras, necessitando do uso de múltiplas fontes de evidência para esclarecê-las. O pesquisador pode estudar múltiplos casos ou casos exemplares (YIN, 2005).

Ele é aplicado quando não é possível controlar os fenômenos estudados e estes são atuais, devendo ser estudados em seus contextos reais. A escolha do caso acontece, normalmente, a partir das questões que intrigam o pesquisador, embora possam ocorrer espontaneamente, algumas decisões guiam as escolhas do pesquisador, qual(is) é(são) o(s) objeto(s) de estudo(s)? Esse objeto representa uma unidade típica ou diferenciada? Vai se


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estudar um único caso ou será um estudo comparativo? Deve-se decidir quem entrevistar, como e onde aplicar questionários, como e onde observar, quais os documentos serão analisados, após definir essas variáveis inicia-se a etapa mais difícil, garantir o acesso do pesquisador ao local e as pessoas que farão parte da pesquisa. O pesquisador deve ser direto com os responsáveis e os entrevistados, fazendo-os entender seu papel e objetivos na pesquisa. Em um ambiente público ou semi-público como uma instituição cultural a pesquisa de campo pode ser desenvolvida nas áreas abertas como o parque/jardim ou fechadas como as galerias, as bibliotecas e/ou acervos, é necessário fôlego e determinação do pesquisador para fomentar a ―potencialidade disruptiva‖ do conhecimento (DEMO, 2008), ele deve estabelecer parâmetros teóricos, ou seja, um dado é sempre um produto teórico, já que a realidade precisa ser interpretada, revista, reconstruída, a partir de parâmetros determinados, de olhar específico do pesquisador (DEMO, 2008, p. 25). É necessário tentar estabelecer uma ligação estreita com o universo pesquisado e seu público, por meio das seguintes estratégias: vivenciar, observar, catalogar, interpelar e conviver com aqueles que fazem no cotidiano da instituição cultural um local vivo e intenso. Este tipo de pesquisa pode permitir a experiência do pesquisador, estabelecendo um novo olhar para as relações desenvolvidas em contextos específicos, observando com distanciamento, com um olhar estrangeiro. O pesquisador deve olhar atentamente para o entorno, conhecê-lo intimamente, lendo os acontecimentos a partir de referências externas, aprendendo e apreendendo as relações entre as atividades desenvolvidas e as questões de pesquisa. Ao utilizar o método de estudo de caso em nosso processo de pesquisa, objetivamos manter o diálogo entre os sujeitos entrevistados, permitindo discussões e comparações de dados, na busca da construção metodológica, diante de objetos de conhecimento complexos e multidisciplinares, visando aproximar o sujeito do objeto de pesquisa. O contato direto dos objetos estudados com os sujeitos da pesquisa, certamente, favorece o fato de descobrirmos aspectos da realidade impossíveis de serem detectados em outro tipo de situação. O estudo de caso e a pesquisa de campo possibilitam não só o conhecimento da realidade como a familiaridade com os acontecimentos estudados, mesmo que seja em pequena escala. As grandes argumentações do estudo de caso que se relacionam com a prática da pesquisa, dizem respeito à diversidade e a prática multidisciplinar,


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com foco no processo participativo do público e sua relação com as artes visuais; estudando a produção artística como elemento vivo, em permanente transformação e integrado ao meio. A ação da pesquisa de campo não é só o levantamento de dados empíricos sobre determinada realidade, pode ser considerada uma forma de intervenção. ―A prática é forma de conhecimento, porque por meio dela testamos conhecimento vigente e produzimos novo, bem como dialogamos dinamicamente com a realidade e conosco mesmos (...)‖ (DEMO, 2008, p. 83). Nesta pesquisa o estudo de caso compreende o ICPAC e a turma de crianças do Ensino Fundamental matriculadas nas aulas de artes visuais, iniciada em 2015, derivada do projeto de pesquisa iniciado em 2014 ―artes visuais & inclusão: ensino de artes visuais em Instituições de Educação Inclusiva em João Pessoa/PB‖, pelo Grupo de Pesquisa em Arte, Museus e Inclusão (GPAMI), da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), contando com a participação de discentes do Curso de Artes Visuais. Este projeto foi aprovado pelo Programa de Apoio à Licenciatura – PROLICEN da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em abril de 2014, entre os meses de maio de junho foram feitos os primeiros contatos do GPAMI/UFPB/CNPq com as instituições beneficiárias, objetivando tomar contato com o contexto institucional, definir as turmas e horários, e o planejamento das primeiras ações pedagógicas. Inicialmente a equipe do Projeto resolveu trabalhar com a temática ―identidade‖, todos os trabalhos em ambas as instituições devem abordar o tema proposto, para que possam posteriormente sejam avaliados. As atividades e ações de pesquisa desenvolvidas pela equipe do projeto são avaliadas a cada ano. O projeto tem contribuído para a melhoria da qualidade das aulas de artes visuais desenvolvidas nas referidas Instituições e ampliando o campo de estágio para os estudantes de artes visuais da UFPB. Consideramos a prática do estudo de caso e da pesquisa participante como maneiras de conhecer melhor o objeto da pesquisa e possibilitar o estudo in loco dos estudantes de artes visuais (graduação e pós graduação) da UFPB, em contato com um campo propício de pesquisa, o ensino de artes visuais para DV, aliando teoria e prática em um trabalho consistente e socialmente engajado.


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4. Resultados

Durante as ações do Projeto de Pesquisa no ICPAC a equipe foi dividida em dois grupos, cada um deles, atuou em um turno diferente, este artigo analisou a prática que ficou a cargo da mestranda do PPGAV UFPB/UFPE, com o atendimento de crianças com Deficiências Visuais em fase inicial de escolarização, matriculados no ICPAC. O trabalho realizado na instituição beneficiada pelo Projeto de Pesquisa objetivou promover o desenvolvimento integral dos sujeitos em Instituições de Educação Inclusiva, possibilitando o aumento da autoestima, a socialização, o desbloqueio do potencial criativo e a inserção ativa do indivíduo na comunidade. O projeto inseriu aulas semanais de artes visuais para crianças, jovens e adultos, sendo um instrumento importante na reabilitação dos usuários, principalmente aos que chegam à entidade, criando um elo para o entrosamento entre os usuários. Imagem 01 – Estudante do ICPAC com D.V. trabalhando com pintura em formas geométricas

Imagem 02 – Composição visual com formas geométricas realizado por estudante com D.V. no ICPAC

Foto: Graça Leite, 2015

Foto: Graça Leite, 2015

O projeto buscou incentivar o pensamento divergente, o domínio da forma e o desenvolvimento do potencial criativo na Criança com Deficiência Visual, estimulando a multisensorialidade. No trabalho desenvolvido, as crianças trabalharam com estruturas básicas para a compreensão da percepção espacial vinculadas às suas ações e relações familiares durante o cotidiano, além de refletir sobre as dificuldades na execução das atividades,


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procuramos ressaltar os potenciais e habilidades, buscando minimizar as diferenças e a exclusão social.

Considerações Finais A partir das ações em educação não formal, o projeto tem favorecido a inserção dos estudantes da graduação em artes visuais (licenciatura) da UFPB e de profissionais voluntários, no campo ampliado dos saberes em/sobre o Ensino das Artes Visuais, favorecendo a consolidação do conhecimento sobre artes e o contato efetivo dos graduandos com o campo de trabalho. Os resultados obtidos durante o projeto foram benéficos para os estudantes com DV e essa melhoria foi também refletida na pesquisa. O contato com os materiais libertou a imaginação dos que não podem enxergar de maneira convencional, mas enxergam com outros sentidos. Todos expressos por meio das atividades artísticas. Também identificamos o perfil dos usuários durante o processo criativo. Ressaltamos que todos os participantes têm suas histórias de vida e que muitas vezes não tem oportunidades de expô-las, de realizar alguns sonhos e de encontrar novos valores, devido às limitações proporcionadas pela Deficiência Visual, que possa dar significado e renovação ao seu estilo de vida. Surpreende-nos conhecer e ver crianças com Deficiências Visuais cheias de vitalidade e determinação que são excluídas da sociedade por que simplesmente não conseguem ver, como a maioria da população. Acreditamos que fomos relativamente bem-sucedidos nesta primeira etapa do projeto. Foi um trajeto marcado por sorrisos, símbolos e recordações. O projeto criou possibilidades tanto para as crianças do ICPAC, desenvolvendo seu autoconhecimento. As atividades planejadas trouxeram em seus conteúdos, suportes que estimularam no grupo de participantes a coordenação motora, o autoconhecimento, a atenção, a noção de espaço e o mais importante, favoreceram o diálogo e a confiança dos grupos durante as atividades desenvolvidas. O projeto estabeleceu um vínculo com os participantes e consideramos que as atividades desenvolvidas foram frutíferas, atingindo os objetivos propostos. Nesta pesquisa, em curso, utilizamos a ―observação participante‖, entre outras técnicas acompanhando de perto os objetos estudados, identificando o cotidiano no setting da pesquisa.


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A observação participante pode ser compreendida como um método possível e complementar ao método central que é o estudo de caso. Todo conhecimento fechado, torna-se oficial, passa à pregação particular, impedindo o movimento de sua própria renovação, que é o questionamento aberto, sob o critério da discutibilidade. Qualquer dado já é produto teórico, se admitirmos que a realidade não se dê, pura e simplesmente, mas precisa ser interpretada, reconstruída. Não existe evidência empírica, que, aliás, seria a própria morte da pesquisa, como acreditava Marx, quando dizia que, se o fenômeno coincidisse com a essência da realidade, não seria necessária a ciência (DEMO, 2008, p. 25).

Em nossas investigações, utilizamos ―multimétodos‖ de pesquisa, objetivando manter o diálogo entre o método de estudo de casos e outros métodos das ciências humanas, permitindo relacionarmos objetos de conhecimento multidisciplinares como é o caso das artes visuais. ―(...) certamente, no contato com a realidade reconstruída descobrem-se coisas que a teoria sequer havia suspeitado. (DEMO, 2008, p. 39)‖. Como um projeto de pesquisa permanente esta investigação apresenta diversas frentes de investigação, neste artigo apresentamos uma das suas vertentes, que foi o caso do Ensino de Artes Visuais com crianças em fase inicial do Ensino Fundamental com DV no ICPAC, na mesma instituição temos outra equipe de pesquisa atuando desde 2014 com adolescentes.

Referências

APACE - Boletim Informativo da Associação Paraibana de Cegos – Apace. Ano VI, Nº 19, Janeiro/Maio/2001, João Pessoa/PB: Impresso no Instituto dos Cegos da Paraíba Adalgisa Cunha. Disponível em: intervox.nce.ufrj.br/~joana/textos/entrel05.htm. Acesso em: 11/08/15. DEMO, Pedro. Pesquisa participante: saber pensar e intervir juntos. 2ª Ed. Brasília: Liber Livro Editora, 2008. HOLANDA, Maria de Fátima Duarte de; CAMINHA, Iraquitan de Oliveira. Memorias da Educação Especial: Da Integração a Inclusão. 1ª ed. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2008. IBC - Instituto Benjamin Constant. Uma História Centenária. Disponível em: www.ibc.gov.br/media/common/Downloads_Historia_IBC.doc. Acesso em: 11/08/15.


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NEDESP UFPB - Universidade Federal da Paraíba. Manual do Núcleo de Educação Especial do Centro de Educação. João Pessoa/PB: Editora Universitária, 1997. SERRA, Geraldo G. Pesquisa em arquitetura e urbanismo: guia prático para o trabalho de pesquisadores em pós-graduação. São Paulo: Edusp – Mandarim, 2006. Parcialmente disponível em: www.google.books.com. Acesso em: janeiro 2013. YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005.


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REPENSANDO ANTIGOS CONCEITOS, EXPERIMENTANDO NOVOS INSTRUMENTOS E PRÁTICAS Emanuel Guedes Soares da Costa95

Introdução

Muito se tem discutido e escrito acerca da utilização das Tecnologias Digitais de informação e Comunicação (TDIC) nas salas de aula, suas beneficies e problemas. Comumente, docentes reclamam que o uso dos smartphones desvia a atenção dos estudantes. Decretos e normativas são baixados para regular a utilização no ambiente escolar, grupos são chamados à discussão. No caminhar do séc. XXI, deparamo-nos com a dualidade dos novos desafios e instrumentos, coexistindo com os legados educacionais a serem repensados. Enfrentamos a mão dupla do ―novo‖ e do ―velho‖, ou seja, disputar a atenção de estudantes detentores de atraentes dispositivos tecnológicos e, mesmo assim, atraí-los a questionar antigos preceitos acerca de como pensamos e vemos as coisas. Um exemplo de ideias a muito arraigadas podem ser constatadas na Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Uma das práticas mais comuns no Ensino de Arte é o desenho. Este fazer é de grande importância ao desenvolvimento motor, expressivo e imaginativo da criança. Todavia, a aplicação do desenho como único recurso ou sua utilização a partir da cópia de modelos estereotipados, fixa uma série de comportamentos e modos de interiorizar o que nos rodeia. A técnica mecânica de representação sem reflexão, muito utilizada no séc. XIX e parte do séc. XX, ainda é aplicada em muitas escolas. Da mesma forma, é muito comum encontrar estudantes da Educação de Jovens, Adultos e Idosos ou do Ensino Médio ao serem solicitados a desenharem uma casa, uma árvore ou uma flor, o fazerem seguindo o padrão que ainda desenvolviam nos anos iniciais da formação escolar. Deparamo-nos como o dilema da escola e do Ensino de Arte, que tende articular novos instrumentos e formar indivíduos críticos e libertos. Também, 95

Graduado em Educação Artística – Artes Plásticas (UFPB); Especialista em Artes Visuais (SENAC PB); Docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB). Email: emanuelkouros@gmail.com.


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propiciar uma formação mais ampla, criadora e cidadã, articulando o ontem e o hoje para um amanhã melhor. Visando desvincular as aulas de ―Arte‖ a correlação estrita do ―Desenho‖ (ou ao fazer manual), como também, ampliar o conhecimento acerca de modalidades expressivas em Artes Visuais foi desenvolvido o projeto ―VisualizAÇÃO‖.Outrossim, objetivou-se desconstruir a ideia de que ―só produz Arte quem sabe desenhar‖, partindo da reflexão acerca das visualidades e vivenciando a prática com o suporte das TDIC‘s. O projeto foi desenvolvido na Escola Arruda Câmara, da Rede Estadual de Pernambuco, localizada no município de Itambé. As atividades foram vivenciadas por alunos dos 1º anos do Ensino Médio, dos turnos matutino e vespertino, entre Maio e Junho de 2014.

1. Arte na educação afeta a invenção A educação é uma peça fundamental na inserção do indivíduo na sociedade, na discussão de ideias, na formação cidadã. Enfatizando esse pressuposto Barbosa coloca que: ―A arte na educação afeta a invenção, inovação e difusão de novas ideias e tecnologias, encorajando um meio ambiente institucional inovado e inovador‖ (BARBOSA, 2002, p.2). As abordagens educacionais contemporâneas são vias possíveis na construção do ser crítico, pois, formulam propostas para uma formação verdadeiramente pensada, fomentando não apenas meros produtores/consumidores, mas, indivíduos conscientes do mundo e das imagens que o circundam. Para desenvolvimento da proposta nos norteamos pela abordagem da Cultura Visual, que foca na análise da diversidade imagética e sua influência no cotidiano objetivando formar sujeitos vacinados e questionadores a profusão de imagens veiculadas através da mídia. Como também, possibilitando selecionar e lançar mão dessa diversidade para se expressar ou construir suas mensagens visuais. Os direcionamentos da cultura visual permitem ponderar acerca do porquê compreendemos ou aceitamos determinadas verdades. Nascimento pontua alguns princípios dessa abordagem:

1 - O foco não é a biografia ou o sujeito como; 2 - Não hierarquiza a produção visual; 3 – Não recorre ao passado para


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fazer exibicionismos; 4 - Não separa teoria e prática; 5 - Não é essencialista e formalista; 6 - Não é evolutiva e linear; 7 Não é condizente com qualquer procedimento educacional; 8 - Não contradiz outros referenciais do ensino de Arte ‗pós-moderno‘ (NASCIMENTO, 2006).

Ainda sobre a Cultura Visual, Hernández afirma que: ―obter as possibilidades de um ‗alfabetismo visual crítico‘ permite o diálogo de compreensão entre a variedade textual contemporânea‖ (HERNÁNDEZ, 2007, p.24). Corroborando com Hernández, Mirzoeff, aponta que estudar a Cultura Visual é ―uma tática com a qual estudar a genealogia, a definição e função do cotidiano pós-moderno do ponto de vista dos consumidores, ao invés dos produtores‖ (MIRZOEFF, 1999, p.3). Ponto de reflexão, a relação da aula de Artes enquanto aula meramente de desenho, ainda é um conceito que perdura em muitas escolas brasileiras. Este pensamento muito se deve a herança que recebemos no decorrer da história do Ensino da Arte, no Brasil, desde o século XIX e que foram vigentes até a década de 1970 (BARBOSA, 2005). A limitação de pensar o Ensino de Arte, apenas como a prática de desenho constrói uma série de vícios e estereótipos vinculados à área, diminuído a importância e o conhecimento das linguagens artísticas e suas várias aplicações na sociedade. A constância da vinculação Arte/Desenho na sala de aula reforça ideias como: a do artista romantizado (como um ser isolado da sociedade, um iluminado), a de que existem pessoas que sabem desenhar e outras não (criando um abismo ou supervalorização dentro do ambiente escolar), a ojeriza de alguns pelo componente curricular, o conhecimento de outras vias de expressão artísticas, o caráter meramente praticista da disciplina, a aplicação de outras tecnologias (NASCIMENTO, 2005). Visando desconstruir muitos dos pressupostos supracitados, optamos por utilizar um dos problemas como forma de solução: as TDIC‘s. Barbosa valida o uso das tecnologias como suporte:

Com a atenção que a educação vem dando às novas tecnologias na sala de aula, torna-se necessário não só aprender a ensiná-las, inserindo-as na produção cultural dos alunos, mas também para a recepção, o entendimento e a construção de valores das artes tecnologizadas, formando um público consciente (BARBOSA, 2008, p. 111).


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Contudo, é importante frisar que, o uso dos novos recursos não pretende desmerecer técnicas anteriormente utilizadas, mas, oportunizar a experimentação de outras modalidades ou técnicas e análise de imagens e repertório cultural.

2. O processo em sala de aula Após todo processo de fundamentação teórica e pesquisa, fora desenvolvido o material para análise em sala de aula (seleção de imagens para montagem de slides, escolha de programas e recursos e textos para apreciação). Para desenvolver as atividades de experimentação artística, optamos pela utilização de softwares que não necessitassem de embasamento técnico mais sólido, que fossem de fácil utilização e baixo ou nenhum custo financeiro. Selecionamos o Power Point96, uma vez que já estava instalado nas máquinas no laboratório de Informática da escola e o Photoscape97, por ser gratuito acessível e de fácil utilização. No início do II bimestre letivo, iniciamos a aplicação do projeto. O objetivo da primeira aula era refletir acerca das noções de artista visual, Arte e o fazer. Muitos discentes rejeitavam desenvolver atividades plásticas, pois, consideravam que ―não sabiam desenhar‖ e que ―Artes era coisa para pessoas com dom‖ e ―que não conseguiriam‖. No primeiro encontro, promovemos uma conversa. Questionamos aos estudantes o que era necessário para ser um artista visual. Quase em unanimidade foi apontado que deveria saber desenhar. Perguntamos se as modalidades artísticas eram compostas apenas por modalidades como desenho ou pintura. Muitos apontaram que não, citaram outras modalidades clássicas, tais como: escultura e apenas alguns mencionaram a gravura. Outros estudantes enfatizaram que em todas as visualidades havia a necessidade da habilidade em desenho. Observamos que para a maioria da turma, a ligação do artista e da Arte com o desenho era algo inquestionável. Insistimos indagando se um artista poderia sê-lo, sem saber desenhar. Um discente respondeu que até podia, 96

Software geralmente utilizado para compor e apresentar informações, podendo fazer de imagens, textos e vídeos. Propriedade da Microsoft faz parte do pacote de programas do Microsoft Office. 97 Programa de edição, manipulação de imagens e conversão de imagens. Disponível em: http://www.baixaki.com.br/download/photoscape.htm, acesso em 21/06/2016.


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mas, não seria um artista completo. Partindo desta afirmativa, retomamos, ―O que seria um artista completo? Seria apenas a pessoa que copia uma imagem?‖. Após algum silêncio. Um estudante colocou: ―O cara que faz de tudo, pinta, desenha, esculpe é um artista completo‖. Outro apontou que: ―o que copia também é, mas, o que cria é mais ainda‖. Aproveitando a deixa da criação, inquirimos que: ―Se a pessoa que formula uma imagem, também pode ser um artista?‖. Muitos confirmaram, mas, acrescentaram que teria de saber fazer. Tendo em vista, a concepção mental de imagens, inserimos outra linguagem: a poesia. Para tal, apresentamos e contextualizamos acerca de Augusto dos Anjos e lemos o poema ―O morcego‖ (ANJOS, 1995, p.5). Solicitamos antes, que ouvissem com atenção e imaginassem a cena: como seria esse morcego, o ambiente, a personagem. Após a leitura, solicitamos que descrevessem o que haviam imaginado. Houve uma série de descrições: homem de terno com um pau, quarto escuro, um morcego que crescia, ou tomava forma humana, relógios batendo à meia-noite com morcegos saindo dele, o Batman no esconderijo etc. Expomos que para saber fazer, antes de tudo é necessário pensar, como em toda a atividade humana. A experiência artística perpassa pelo pensamento, sensibilidade, percepção, reflexão. No momento em que ouviram, perceberam e conceberam imagens mentais a partir do soneto, estavam significando e vivenciando Arte. Pouco valeria ter conhecimento de uma técnica, sem a criação, a inventividade ou a tentativa de exprimir abstrações. Concluímos aquelas provocações didáticas, considerando que para a experimentação artística já haviam dado o primeiro passo na concepção de uma imagem/mensagem. Mencionamos ainda que, Michelangelo, Leonardo da Vinci e outros artistas da Renascença utilizavam os recursos e meios que possuíam naquela época para expressar-se: o desenho, a pintura e a escultura. Por fim, deixamos outras inquietações: ―E se estivessem vivos hoje? Quais recursos utilizariam? Quais recursos existem hoje para nos expressarmos? Eles utilizariam?‖. O propósito da segunda aula era ampliar as vias de expressão artística, também, provocar considerações acerca de apropriação de imagens, releitura e uso de tecnologias e hierarquização de Arte.


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A segunda aula foi retomada com a pergunta: ―Onde vocês veem coisas novas, ficam inteirados?‖. Em geral, responderam que pela internet, computador, redes sociais, whatsapp, etc. Retomamos a inquietação da última aula. ―Será que Leonardo da Vinci usaria esses meios para divulgar ou até produzir a Arte dele nos dias de hoje?‖ Um estudante respondeu que certamente. Perguntamos se com todas as inovações tecnológicas existem novas formas de produzir e expressar Arte sem o uso do desenho. Alguns responderam que sim, citaram a fotografia, as artes digitais. Todavia, alegaram que era um tipo de Arte produzida por uma máquina. Indagamos se apenas o instrumento faria algo com intenção, se comporia um trabalho sozinho. Negaram a autonomia da máquina, contudo, alguns permaneciam valorando as manualidades técnicas ante a mensagem ou expressividade da imagem. Conscientes da hierarquização por parte dos estudantes, da supervalorização da Arte renascentista e barroca (observada desde o primeiro bimestre). Apresentamos com uso de projetor de slides o trabalho de um coletivo artístico o DDiArte98 [C. f. infra fig. 1]. A cada imagem analisada, sondávamos se havia semelhança com outros períodos da História da Arte. Muitos apontavam e até citavam obras. Figura 1: Baco, Diarte

Fonte: obviousmag.org, 2011.

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A dupla de artistas naturais da Ilha da Madeira, Diamantino Jesus e José Diogo que articulam fotografias e manipulação de imagens com forte inspiração na pintura e no design.


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Inquirimos se consideravam que aqueles trabalhos possuíam valor artístico, se havia uso da técnica de desenho. Responderam que era trabalho de arte e negaram o uso de desenho. Prosseguimos provocando: ―Havia conhecimento técnico? Quais? O grupo de artistas pensou? O que mais chamava atenção à técnica ou a mensagem?‖. Ao primeiro questionamento concordaram acerca do saber técnico, desvinculado do desenho. Prosseguiram identificando a utilização da fotografia e recursos digitais de manipulação. Argumentaram que houve inspiração a partir de outras obras e que técnica e intenção foram importantes. Alguns ficaram incomodados com o uso da nudez, pois, defenderam que na pintura não há um impacto tão forte (o que gerou outra reflexão e discussão extraclasse acerca da exploração do corpo pela mídia). Ainda, conversamos da não existência de um consenso de que obra ou período é melhor ou pior, cada coisa é importante à medida que nos fala algo ou nos é significante. Expomos ainda acerca do conceito de releitura e apropriações de imagens. Neste momento, muitos estudantes acessavam os smartphones procurando fotografias manipuladas do grupo apresentado e suas possíveis inspirações. Muitos mostravam o que encontravam na rede (fato que ocorreu nos corredores ao longo da semana). Ao fim daquele encontro propusemos desafios, com base na prática do DDiArte, no conceito de releitura e apropriação de imagens, e da não necessidade do desenho para produzir no campo das visualidades. Indicamos que na próxima aula trabalharíamos com os celulares com câmeras em parcerias. Quem não dispusesse do equipamento, traríamos uma câmera fotográfica digital. Como direcionamento para casa, solicitamos que concebessem imagens, consigo ou os colegas, nelas deveria haver outros elementos ou efeitos. Poderiam trazer artefatos, figurinos e maquiagem. As fotografias seriam feitas na próxima aula. O terceiro encontro foi bastante produtivo. Realizamos na sala de aula, como uma oficina. A finalidade era a produção de imagens baseadas nos direcionamentos sugeridos na aula anterior. As fotografias foram desenvolvidas na sala de aula. Levamos tecidos brancos e pretos para compor cenário ou fundo e penduramos na sala. Organizamos os estudantes de acordo com as propostas que trouxeram. Não havia uma divisão rígida, duplas, trios, quartetos, quintetos, foram permitidos em acordo com o intento de cada grupo. Trouxeram instrumentos musicais, chapéus, espadas, roupas, etc. Contudo, devido ao tempo curto, alguns não conseguiram desenvolver as fotografias. Marcamos um horário extra, no laboratório de Informática da escola, para os que não conseguiram fazer naquele momento sob nossa supervisão.


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Antes de finalizarmos, enfatizamos a necessidade para na próxima aula, de trazer as fotos nos celulares e smartphones (juntamente com os cabos), uma vez que as imagens seriam manipuladas. A quarta aula foi realizada no laboratório de informática da escola. Focamos na manipulação das fotografias, possibilitando vivenciar o processo de composição, como base no que cada grupo havia pensado. Os discentes poderiam interferir nas fotografias, fazendo uso de ferramentas dispostas em dois programas bastante acessíveis: o Photoscape e o Power Point. Também, indicamos que poderiam inserir imagens ou efeitos coletados em banco de imagens gratuitas, todavia, desde que estivessem em formato PNG 99, com fundo transparente. Antes de executarem o trabalho nos computadores, apresentamos algumas noções de composição baseados no livro ―A sintaxe da linguagem Visual‖ (DONDIS, 1997). Os conceitos foram apresentados através de imagens projetadas em slides. Após a explanação, auxiliamos os educandos a descarregarem as imagens nos computadores da escola. Também, orientamos a busca de imagens no formato adequado e a como fazer as inserções e modificações. Demonstramos que efeitos ambos os programas poderiam aplicar nas fotografias: como clarear/escurecer, alterar cor, inserir filtros, salvar as imagens etc. Uns possuíam mais dificuldade, outros não. O tempo daquela aula acabou e nem todos conseguiram concluir. Marcamos novamente para estender a atividade em horário oposto, no laboratório de informática. Os que não haviam concluído compareceram conforme agendado. Estavam estimulados com os resultados até então alcançados e queriam fazer o melhor. Não faziam por fazer, mas, porque estavam realmente interessados no efeito final. Ao longo da semana, os grupos que finalizaram a atividade foram entregando via Bluetooth, e-mail ou com uso de cabos para o computador do docente. De posse das fotografias concluídas foram montados slides com as produções para serem expostas e analisadas. O quinto encontro pautou-se pela apresentação e análise dos trabalhos. A dinâmica da aula foi direcionada com: visualização, comentário dos apreciadores e argumentação dos produtores. Cada grupo explicou o processo, a concepção, por quais princípios compositivos se nortearam. Após as defesas e comentários, questionamos se 99

Portable Network Graphics é um formato de dados utilizado para imagens que possibilita a inserção em fotografias, uma vez que o fundo das figuras fica transparente.


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houve a necessidade do uso do desenho, se aquela experimentação necessitava de saberes técnicos, se existe arte fora do fazer eminentemente manual, como avaliaram o processo. Em geral, responderam que observaram que antes pensavam que só ―fazia Arte‖ apenas quem desenhava, o que os deixava muitos chateados. Com a reflexão das imagens durante as aulas e a experimentação, compreenderam que também poderiam ―fazer Arte‖, construir mensagens com algo que estava no dia a dia deles, ou seja, as TDIC‘s. Expuseram que com a prática ou conhecimento técnico aprofundado, as possibilidades que aqueles programas ofereciam poderiam construir algo bastante interessante. Compreenderam que há possibilidades expressivas acordadas com as tecnologias da nossa época e por fim, avaliaram como positivas as atividades e saberes vivenciados. Ao final daquele projeto, propusemos desenvolver uma mostra com os trabalhos compostos. A exposição dos trabalhos se deu da Mostra Cultural Escolar, realizada em dezembro daquele ano.

Resultados O Photoscape é um software de fácil manuseio para manipular e tratar fotografias, todavia, possui limitações se comparado a versões mais robustas como o Photoshop e Lightroom. Foi adotado dado à gratuidade, pouca complexidade e recursos oferecidos atrelados à proposta. Contudo, a quebra de parâmetro se deu no uso do Power Point. Comumente utilizado apenas para elaboração de slides para apreciação, teve sua finalidade repensada para a produção artística. O uso de ambos os softwares gerou imagens, ora apenas fazendo uso de um, ora operando os dois. Selecionamos algumas imagens produzidas para amostragem e análise. O grupo que compôs a imagem ―Débora‖ [c.f. infra figura 2], possuía uma predileção por música. Para exprimir isto, utilizaram os dois programas adotados para alcançar a resultado desejado. A fotografia para manipulação foi obtida com câmera de aparelho celular, clareada e granulada através Photoscape. Primeiramente, configurou-se um arquivo de Power Point na orientação retrato. Em seguida, obteve-se uma figura de partitura musical no site domínio publico100, colando-a como base. Posteriormente, acrescentou-se a imagem de asas em formato PNG (fundo transparente) sobre a partitura. Por fim, adicionou a fotografia da modelo, movendo-a até se encaixar sobre as 100

Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.jsp


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asas. Com o uso do recurso ―Definir cor transparente‖ do Power Point, apagou o fundo da fotografia clicando na parte branca, possibilitando visualizar as notas musicais e as asas. Figura 2: Débora.

Foto: Emanuel Guedes, Interversão Débora Leandra, 2014.

O modo de estruturação do trabalho intitulado ―Anjo‖ [c.f. infra figura 3] seguiu o mesmo processo do exemplo anterior [c.f. ultra figura 2]. Tratamento da fotografia no Photoscape, colagem de asas sobre em imagem Power Point, alocação dos modelos sobre as asas, definir a cor branca do fundo como transparente para obtenção do resultado almejado. Figura 3: Anjo.

Foto: Joanderson Lins e Débora 2014.


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As produções ―Amor é fogo‖, ―A música que entornas no chão‖ e ―Magia‖ [c.f. infra figura 4,5 e 6] empregaram apenas o Photoscape. Coletaram as imagens em formato PNG (fundo transparente) em bancos online de imagens gratuitas. Trataram as fotografias: clareando ou escurecendo, cortando, enaltecendo os contrates, descolorindo. Após esta etapa, acrescentaram as figuras com uso da ferramenta ―introduzir figuras‖. Nesse processo, o programa permite alterar o tamanho, cor e direção das ilustrações escolhidas (notas musicais, borboletas, fachos de luz). Figura 4: Amor é Fogo.

Foto: Diego Sousa e Débora Leandra, 2014. Figura 5: A música que entornas no chão.

Foto: Rafael Santos, 2014.


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Figura 6: Magia.

Foto: Liana Antero e Rubia Marinho, 2014.

É importante salientar que uso do recurso ―Definir cor transparente‖, contido no Power Point, alcança efeitos de sobreposição de imagens satisfatórios, desde que o fundo da fotografia esteja chapado, ou seja, uniforme, numa só cor. É importante ressaltar que o uso de arquivos de ilustração no formato PNG, em com fundo transparente, permite menor interferência na configuração do produto final.

Considerações finais

Contemporaneamente, pensar o fazer artístico apenas como atividade para poucos (iluminados) e atrelá-lo apenas a habilidade manual é supervalorizar uns e limitar outros. O escopo deste projeto focou em rever esses conceitos, não hierarquizando práticas, mas, reconhecendo seu valor,


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todavia, apresentando outros caminhos, permitindo e estimulando a expressão artística através das tecnologias disponíveis. Os smartphones, aparelhos celulares e tablets, que outrora incomodavam na sala de aula, foram instrumentos de múltiplas finalidades: fotografar, pesquisar ilustrações, enviar arquivos, manipular. No início do ano letivo, a relação acerca das atividades visuais estava extremamente vinculada à manufatura, ao gênio. Durante o projeto, com o convite a reflexão, as análises visuais, percebeu-se a possibilidade de criar com uso de outras imagens e outras formas. Desvinculou-se o paralelo desenho/aula de Arte e alargou as vias para uma experimentação mais acessível. Além do estímulo ao ato criativo. O projeto fomentou ponderar o como e o porquê pensamos as visualidades e temas correlatos. Também, foram lançadas bases técnicas para utilização daqueles programas, libertando quem antes entendia ser impossível a habilidade de expressar-se através das modalidades visuais. Os desdobramentos do projeto podem ser constatados no interesse em manusear ferramentas de manipulação mais complexas por alguns estudantes, pesquisa de outros artistas como Vangelis Kyris e Anthony Gayton. O emprego do Power Point como instrumento de prática artística, fomentou rever e inovar a partir do que já se possui, dar outros fins, encontrar a solução dentro do próprio problema. Pensando, revendo, desconstruindo, reconstruindo, libertando e formando indivíduos e fazeres na educação.

Referências ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias - 40ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte: anos 1980 e novos tempos. 5ª ed. rev. São Paulo: Perspectiva, 2002. ___________. Arte educação no Brasil. 5ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2005. ___________. Arte educação contemporânea: consonâncias internacionais. São Paulo: Ed. Cortez, 2008. DONDIS, Donis A. Sintaxe da linguagem visual. São Paulo: Martins Fontes, 1997. HERNÁNDEZ, Fernando. Catadores da Cultura Visual: transformando fragmentos em nova narrativa educacional. Porto Alegre: Mediação, 2007. MIRZOEFF, Nicholas. An introduction to visual culture. London: Routledge, 1999.


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NASCIMENTO, Erinaldo Alves. Mudanças nos nomes da arte na educação: qual infância? que ensino? quem é o bom sujeito docente? São Paulo, 2005, Tese (Doutorado em Artes), Universidade de São Paulo - USP. ________________. A Cultura Visual no Ensino de Arte Contemporâneo: singularidades no trabalho com as imagens. Boletim Arte na Escola, nº42, julho de 2006. Disponível em: http://artenaescola.org.br/sala-deleitura/artigos/artigo.php?id=69354&. Acesso em: Julho de 2016.


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INCLUSÃO E DEFICIÊNCIA NA PERCEPÇÃO DAS PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL DO CREI101 PROFª. ANTONIETA ARANHA DE MACEDO EM JOÃO PESSOA/PARAÍBA Robson Xavier da Costa102 Maria da Penha Lima103 Introdução

A Educação Infantil passa por um intenso processo de revisão de práticas pedagógicas objetivando a implantação do paradigma da inclusão. A finalidade geral desta pesquisa é analisar as concepções sobre deficiência e inclusão compartilhadas por professores de Educação Infantil. Os objetivos específicos desta pesquisa são: a) Identificar as barreiras que impedem uma prática pedagógica inclusiva no contexto da Educação Infantil; b) Identificar os fatores e práticas que promovem uma verdadeira inclusão escolar das crianças com deficiências no Centro de Referência em Educação Infantil (CREI) Prof.ª Antonieta Aranha de Macedo, em João Pessoa – PB. A inclusão na Educação Infantil apresenta um histórico das conquistas humanitárias objetivando ampliar a eliminação das barreiras ambientais, comunicacionais e atitudinais que impedem a plena e efetiva participação das pessoas na sociedade resultando equidade de oportunidades. Sassakis (1998) explicita o paradigma da inclusão: (...) Esse paradigma é o da inclusão social - as escolas (tanto comuns como especiais) precisam ser reestruturadas para acolherem todo espectro da diversidade humana representado pelo alunado em potencial, ou seja, pessoas com deficiências físicas, mentais, sensoriais ou múltiplas e com qualquer grau de severidade dessas deficiências, pessoas sem deficiências e pessoas com outras características atípicas, etc. É o sistema educacional adaptando-se às necessidades de seus alunos (escolas inclusivas), mais do que os alunos adaptando-se ao sistema educacional (escolas integradas) (SASSAKI, 1998, p. 09).

Em 1988, com a promulgação da Constituição Federal foram oficializados no Brasil um dos princípios inclusivos: as pessoas com deficiências deveriam ser educados preferencialmente na rede regular de ensino (Art. 208). A Constituição Federal de 1988, conhecida como constituição cidadã, foi o instrumento jurídico brasileiro precursor na luta pela inclusão educacional. A Constituição de 1988 estabelece no Art. 206, inciso I: ―igualdade de condições de acesso e permanência na escola‖ como um dos princípios básicos para o ensino e garante como dever do Estado, a oferta do

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Centro de Referência para Educação Infantil Professor/Pesquisador e Coordenador do Programa Associado de Pós Graduação em Artes Visuais (UFPB/UFPE) e Professor/Pesquisador do Departamento de Artes Visuais da UFPB. Doutor em Arquitetura e Urbanismo (UFRN), Mestre em História (UFPB); Graduado em Artes Plásticas (UFPB). Email: robsonxavierufpb@gmail.com. 103 Graduada em Pedagogia pela UFPB Virtual. Servidora do CREI Prof.ª Antonieta Aranha de Macedo, no município de João Pessoa – PB. Email: peenhalima@gmail.com. 102


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atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino. Neste artigo observamos e analisamos as práticas de inclusão e os depoimentos de três professoras da Educação Infantil do CREI Prof.ª Antonieta Aranha de Macedo, em João Pessoa, Paraíba, Brasil. A pesquisa foi desenvolvida no primeiro semestre de 2017.

1. A Inclusão nas Declarações e Documentos Oficiais A Conferência Mundial sobre Educação para Todos foi realizada de 5 a 9 de março de 1990, organizada pela UNESCO, reuniu cerca de 1.500 participantes, com a presença de delegados de 150 países, incluindo especialistas em educação e autoridades internacionais. Além de contar com representantes de organismos intergovernamentais e não governamentais que examinaram em 48 mesas-redondas e em sessão plenária aspectos sobre a educação. Os textos dos documentos foram revisados e aprovados na sessão plenária de encerramento da Conferência em 9 de março de 1990. Esses documentos compõem a Declaração Mundial sobre Educação para Todos e o Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem, publicados pela UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância – em maio de 1991. Neste trabalho porem, enfatizaremos a Declaração Mundial sobre Educação para Todos. A Conferência Mundial de Educação sobre Necessidades Educacionais Especiais ocorreu nos dias de 7 a 10 de junho de 1994 na Espanha, com representantes de 92 países e também de 5 organizações internacionais. Foi proclamada na Conferência Mundial de Educação Especial sobre Necessidades Educacionais Especiais a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), que versa sobre os Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais que culminaram no documento das Nações Unidas "regras padrões sobre equalização de oportunidades para pessoas com deficiências", o qual demanda que os estados assegurem que a educação de pessoas com deficiências seja parte integrante do sistema educacional. Este documento reafirmou a obrigação de proporcionar uma educação pra todos e reconheceu a necessidade de fornecer uma educação para as pessoas com deficiências na rede regular de ensino. O texto da Declaração de Salamanca afirma: - Toda criança tem direito fundamental à educação, e deve ser dada a oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem; - Toda criança possui características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que são únicas; - Sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacionais deveriam ser implementados no sentido de se levar em conta a vasta diversidade de tais características e necessidades; - Aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regular, que deveria acomodá-los dentro de


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uma Pedagogia centrada na criança, capaz de satisfazer a tais necessidades; - Escolas regulares que possuam orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para todos; além disso, tais escolas provêm uma educação efetiva à maioria das crianças e aprimora a eficiência e, em última instância, o custo da eficácia de todo o sistema educacional (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994).

A Conferência de Dakar em 28 de abril de 2000, a Cúpula Mundial de Educação, compromete a alcançar os objetivos e as metas de Educação Para Todos para cada cidadão e cada sociedade. Esse compromisso global firmado por 164 governos reunidos na Cúpula Mundial de Educação, a partir do documento ―Educação para Todos: compromisso de Dakar‖ (2001), para oferecer a todas as crianças, jovens e adultos uma educação que satisfaça suas necessidades básicas de aprendizagem, no melhor e mais pleno sentido do termo, e que inclua aprender a aprender, a fazer, a conviver e a ser. O Marco de Ação de Dakar foi um dos compromissos assumidos pelos países e membros da UNESCO (2001), que representou uma oportunidade ímpar para repensar a política educacional com vistas aos novos horizontes sociais que se desenham para o século XXI. Os governos têm a obrigação de assegurar que os objetivos e as metas de Educação Para Todos sejam alcançados e mantidos. Essa responsabilidade será atingida de maneira eficaz por meio de amplas parcerias no âmbito de cada país, apoiada pela cooperação com agências e instituições regionais e internacionais. Anos depois o governo brasileiro sancionou a Lei 10.436 de 24 de abril de 2002, que em seu Art. 4º afirma: o sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério e incluir em seu nível médio e nível superior, o ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, conforme legislação vigente. O Decreto nº 5.626/05, que regulamenta a Lei nº 10.436/2002, que trata do acesso à escola dos estudantes com deficiências auditivas, dispõe sobre a inclusão de Libras como disciplina curricular, a formação e a certificação de professor, instrutor e tradutor/intérprete de Libras, o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua para estudantes com deficiências auditivas e a organização da educação bilíngue no ensino regular. No Art. 25 a partir da publicação do Decreto nº 5.626/2005, o Sistema Único de Saúde - SUS e as empresas que detêm concessão ou permissão de serviços públicos de assistência à saúde, devem atuar na perspectiva da inclusão plena das pessoas com deficiências auditivas em todas as esferas da vida social, devem garantir prioritariamente aos estudantes matriculados nas redes de ensino da educação básica, a atenção integral à sua saúde, nos diversos níveis de complexidade e especialidades médicas, efetivando: I- ações de prevenção e desenvolvimento de programas de saúde auditiva;


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II- tratamento clínico e atendimento especializado, respeitando as especificidades de cada caso; III- realização de diagnóstico, atendimento precoce e do encaminhamento para a área de educação; IV- seleção, adaptação e fornecimento de prótese auditiva ou aparelho de amplificação sonora, quando indicado; V- acompanhamento médico e fonoaudiólogo e terapia fonoaudiologia; VI- atendimento em reabilitação por equipe multiprofissional; VII- atendimento fonoaudiólogo às crianças, adolescentes e jovens matriculados na educação básica, por meio de ações integradas com a área da educação, de acordo com as necessidades terapêuticas do aluno; VIII- orientações à família sobre as implicações da surdez e sobre a importância para a criança com perda auditiva ter, desde seu nascimento, acesso às Libras e à Língua Portuguesa (BRASIL, 2005 - SUS – DECRETO 5.626/2005).

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiências, aprovada pela ONU em 2006 e ratificada com força de Emenda Constitucional por meio do Decreto Legislativo n°186/2008 e do Decreto Executivo n°6949/2009, estabeleceu que os Estados-Partes devem assegurar um sistema de educação inclusiva em todos os níveis de ensino, em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social compatível com a meta da plena participação e inclusão, adotando medidas para garantir que: a) As pessoas não sejam excluídas do sistema educacional geral e que as crianças não sejam excluídas do ensino fundamental gratuito e compulsório, sob alegação de deficiência; b) As pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino fundamental inclusivo, de qualidade e gratuito, em igualdade de condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem (Art.24) (BRASIL, 2008).

Em 2005, com a implantação dos Núcleos de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação – NAAH/S em todos os estados e no Distrito Federal são organizados centros de referência na área das altas habilidades/superdotação para o atendimento educacional especializado, para a orientação às famílias e a formação continuada dos professores, constituindo a organização da política de educação inclusiva de maneira a garantir, esse atendimento aos estudantes com superdotação passou a ser garantido na rede pública de ensino. Também em 2005, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, os Ministérios da Educação e da Justiça, juntamente com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO lançaram o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, que objetiva, dentre as suas ações, contemplar, no currículo da educação básica, temáticas relativas às pessoas com deficiência e desenvolver ações afirmativas que possibilitem acesso e permanência na educação superior.


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Na Perspectiva da Educação Inclusiva pela legislação - PNEEPEI/2007 é um documento fundamental para compreendermos o Atendimento Educacional Especializado – AEE, definindo que: A partir desta Resolução, a diversidade educacional destaca a necessidade para que haja um posicionamento das escolas que se acham regulamentadas pelas políticas públicas e pelo encaminhamento governamental de maneira eficaz. Neste contexto, a referida resolução representa um destes encaminhamentos, que torna oficial o desenvolvimento efetivo do processo de escolaridade de todos os alunos no ensino comum (BRASIL, 2007).

O Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, no uso de suas atribuições legais, de conformidade com o disposto na alínea ―c‖ do artigo 9º da Lei nº 4.024/1961 especifica: Art. 1º Para a implementação do Decreto nº 6.571/2008, os sistemas de ensino devem matricular os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas classes comuns do ensino regular e no Atendimento Educacional Especializado (AEE), ofertado em salas de recursos multifuncionais ou em centros de Atendimento Educacional Especializado da rede pública ou de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos. Art. 2º O AEE tem como função complementar ou suplementar a formação do aluno por meio da disponibilização de serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que eliminem as barreiras para sua plena participação na sociedade e desenvolvimento de sua aprendizagem. Parágrafo único. Para fins destas Diretrizes, consideram-se recursos de acessibilidade na educação àqueles que asseguram condições de acesso ao currículo dos alunos com deficiência ou mobilidade reduzida, promovendo a utilização dos materiais didáticos e pedagógicos, dos espaços, dos mobiliários e equipamentos, dos sistemas de comunicação e informação, dos transportes e dos demais serviços. Art. 3º A Educação Especial se realiza em todos os níveis, etapas e modalidades de ensino, tendo o AEE como parte integrante do processo educacional. Art. 4º Para fins destas Diretrizes considera-se público-alvo do AEE: I – Alunos com deficiência: aqueles que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual, mental ou sensorial. II – Alunos com transtornos globais do desenvolvimento: aqueles que apresentam um quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento nas relações sociais, na comunicação ou estereotipias motoras. Incluem-se nessa definição alunos com autismo clássico, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infância (psicoses) e transtornos invasivos sem outra especificação.


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III – Alunos com altas habilidades/superdotação: aqueles que apresentam um potencial elevado e grande envolvimento com as áreas do conhecimento humano, isoladas ou combinadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes e criatividade (BRASIL, 1961).

O Atendimento Educacional Especializado (AEE) é um serviço que visa oferecer ao estudante, os instrumentos necessários à sua aprendizagem em sala de aula. Dentre suas funções podemos citar: a identificação de seu público, o planejamento e execução de estratégias pedagógicas e dispositivos de acessibilidade com vistas a eliminar as barreiras na aprendizagem de tais estudantes. É importante destacar, que a oferta desse serviço não substitui a escolarização do educando, pois escolarizar é papel exclusivo da escola. Tal atendimento favorece a aprendizagem e desenvolvimento do estudante no contexto de sala de aula e nas demais áreas da sua vida. Esses princípios corroboram com o caráter dessas propostas, que estabelecem o compromisso dos países para assegurar um sistema de educação inclusiva em todos os níveis de ensino e adotar medidas para que as pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional. Essas políticas oferecem uma visão do processo de reorientação das suas estruturas de ensino para o acesso e sucesso de todos os estudantes, consolidando princípios inclusivos. No Brasil muitos sistemas de ensino já desenvolvem sólidas experiências educacionais; outros estabelecem metas para promover a inclusão de todos os estudantes, e as novas Políticas subsidiam a elaboração de normativas. No âmbito do Ministério da Educação (MEC), a fim de dar consequência à Política de Inclusão, busca consolidar um conjunto de ações de apoio a implementação da educação inclusiva, destacando-se a proposta de financiamento para ampliação da oferta do atendimento educacional especializado para complementar o ensino regular. Na medida em que estas ações forem sendo implementadas, será constituída uma política pública para promover a efetivação do direito de acesso e a qualidade da educação. No dia 21 de março de 2017 "Dia Internacional da Síndrome de Down". Os Dados do Censo Escolar divulgados neste dia 21 de março de 2017 indicam crescimento expressivo do percentual de inclusão de 93% de estudantes com deficiências matriculados na educação básica regular. Esta data 21 de março remete à luta para a inclusão das pessoas com as deficiências nas escolas, no mercado de trabalho e nas relações sociais. As estatísticas indicam que no ano de 2014, 698.768 estudantes com deficiências e/ou síndromes estavam matriculados em classes comuns no Brasil e mostra o avanço, desde 1998, quando cerca de 200 mil pessoas estavam matriculadas na educação básica, sendo apenas 13% em classes comuns. Em 2014, foram quase 900 mil matrículas e 79% delas em turmas comuns. Segundo a divulgação do portal da educação, no site, http://www.brasil.gov.br/educacao, a diretora de Políticas de Educação Especial da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação, Martinha Clarete dos Santos, afirmou: ―Se considerarmos somente as escolas públicas, o percentual de inclusão sobe


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para 93% em classes comuns‖, Os números reafirmam a importância da inclusão social. A inclusão é uma inovação que implica um esforço de modernização e de reestruturação das condições atuais da maioria de nossas escolas (especialmente as de nível básico), ao assumirem que as dificuldades de alguns alunos não são apenas deles, mas resultam, em grande parte, do modo como o ensino é ministrado e de como a aprendizagem é concebida e avaliada (MANTOAN, 2003, p. 32).

Tendo essas concepções tem como finalidade produzir contribuições teóricas para o campo da inclusão na educação. Para que a inclusão se efetive de fato, os professores(as) precisam conhecer os aspectos necessários para promovê-la e reconstruir suas práticas pedagógicas, a fim de abranger a todos em sua singularidade. Devemos compreender que é na Educação Infantil que se inicia todo desenvolvimento emocional, intelectual, físico e social das crianças. Faz-se necessário propostas de trabalho, em parceria com a família e a própria instituição escolar para que o trabalho seja participativo e construtivo proporcionando à construção do conhecimento pelas crianças e sua inclusão. As crianças precisam ser percebidas nos ―Centro de Referência em Educação Infantil – CREI e ESCOLAS‖ como sujeitos com direitos garantidos pela Constituição Federal, e por participarem de experiências coletivas no espaço escolar. A maior dificuldade encontrada na formação dos docentes é o domínio sobre os fundamentos teóricos para o trabalho com crianças com deficiências, a partir das concepções e definições de Educação Inclusiva. O processo de formação do docente deve ser um processo contínuo que perpassa sua prática com as crianças. Nesta pesquisa buscamos identificar como a Educação tem sido proporcionada para as crianças no CREI Prof.ª Antonieta Aranha de Macedo em João Pessoa/PB e como a instituição trabalha as propostas pedagógicas na perspectiva da inclusão. A compreensão dos processos coletivos pelos quais algumas crianças conseguem estabelecer um lugar ou até mesmo incluir-se na escola é de grande relevância para esta pesquisa. Este trabalho visou estabelecer reflexões acerca da importância da inclusão no contexto da Educação Infantil. Para apresentarmos esse tema fezse imprescindível, entender o conceito de Educação Inclusiva. Conforme nos orienta Sassaki (1999). A inclusão social, portanto, é um processo que contribui para a construção de um novo tipo de sociedade através de transformações, pequenas e grandes, nos ambientes físicos, espaços internos e externos, equipamentos, aparelhos, utensílios mobiliário e meios de transportes e na mentalidade de todas as pessoas, portanto também do próprio portador de necessidades especiais (SASSAKI, 1998, p.42).

O Atendimento Educacional Especializado (AEE) deve estar disponível em todos os níveis de ensino escolar (básico e fundamental. Esse atendimento


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tornaria o ambiente escolar mais adequado para garantir o relacionamento do estudante com seus pares e para a estimulação de todo o tipo de interação que possa beneficiar seu desenvolvimento cognitivo, motor, afetivo das crianças com deficiências. Outro fator relevante é que o CREI, que se destina a crianças desde 0 a 5 anos, deve dispor de profissionais orientados para lidar com bebês com deficiências e/ou problemas de desenvolvimento de todos os níveis e tipos. O confronto entre a legislação educacional e a realidade vivenciada nas redes de ensino, é que não basta necessariamente ter a vaga para criança com deficiências, o maior problema é como o individuo é incluído ou excluído do processo educativo. Na atual conjuntura educacional, vem se observando que as diferentes alternativas e concepções pedagógicas pelos pedagogos e psicólogos, que a inclusão de pessoas com deficiências em salas de aulas necessita de uma formação completa de qualquer criança na condição do cidadão. Para inserir o paradigma da inclusão se faz necessário a transformação da escola tradicional para reformulação do seu discurso, das suas práticas e do seu currículo. Tornando relevante o papel social na construção de uma escola verdadeiramente inclusiva. No CREI Prof.ª Antonieta Aranha de Macedo, na cidade de João Pessoa, Paraíba, Brasil, observamos como as crianças com deficiências são tratadas pelas professoras, como são aceitos nas brincadeiras pelos colegas e nos grupos durante os momentos da ação pedagógica e como os profissionais de educação têm reagido frente ao desafio de atender e educá-las. Observamos que alguns(mas) educadores(as) se veem um tanto atrapalhados(as) em interagir com crianças com deficiências por não entender os diagnósticos, no CREI existem crianças não diagnosticadas que apresentam traços de autismo e também outras com dificuldades na coordenação motora e fala. O Centro de Referencia de Educação Infantil foi criado em 2008 e autorizado a funcionar pela resolução CEE n° 136/95 de 02/03/1995, está localizado na Rua Irmão Antônio Reginaldo, s/n, Bessa, da cidade de João Pessoa - PB. Visa atender à demanda da comunidade carente e mais três comunidades adjacentes com funcionamento de tempo integral. Ao acompanhar os planejamentos pedagógicos dessa instituição CREI Prof.ª Antonieta Aranha de Macedo, identificamos que essas crianças com deficiências não são contempladas, como se suas especificidades não existissem. As aulas parecem ser elaboradas apenas para as crianças ―normais‖. É neste momento que perguntamos: isto é inclusão? É desta maneira que a inclusão acontece? Como os professores devem agir para que estas crianças sejam realmente incluídas? O que eles pensam a respeito e como executam sua prática pedagógica para incluir as crianças e pessoas com deficiências? Como as crianças com deficiências se sentem na creche? Qual é o papel do gestor, das cuidadoras e supervisor escolar? O que está sendo feito para a inclusão acontecer? As construções das unidades educativas são estruturadas arquitetonicamente para dar acessibilidade às crianças e pessoas com deficiências? Perante esses questionamentos, definimos o seguinte problema de pesquisa: quais as práticas pedagógicas dos professores que efetivamente


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contribuem para inclusão escolar de crianças com deficiências no contexto da educação infantil do CREI Prof.ª Antonieta Aranha de Macedo em João Pessoa – PB? Pode-se compreender, portanto, que todos os integrantes da escola, inclusive professores e pesquisadores que observam, atuam, interferem na dinâmica escolar são seres políticos que manifestam por meio do que dizem e fazem quando expressam ideologias, valores, compromissos, entendimentos por meio de atitudes, comportamentos e condutas no espaço formativo. Defender a Inclusão na Educação Infantil é pensar em cidadania, ou seja, é afirmar que ela deve ser de todos e todas independentes da condição física, social, cultural, étnica, de gênero, de crença, política ou econômica. Para que esse novo paradigma da inclusão torne-se realidade na Educação Infantil é essencial à superação da noção de homogeneidade dos grupos, estimulando os educadores a buscar novas estratégias pedagógicas, considerando que toda a criança têm eficiências cabe ao(a) educador(a) trabalhar para a ampliação das suas eficiências. 1.1 Caracterização da Pesquisa Esta pesquisa se caracteriza pela abordagem qualitativa com pesquisa de campo e observação participante. Neste trabalho, houve uma observação dos fatos como ocorrem in loco, e algumas questões foram elencadas no instrumento de pesquisa com questionário. A referida pesquisa com abordagem qualitativa auxiliou na descrição do comportamento das variáveis, destacando as informações mais relevantes e predominantes, de tal modo que promoveu entendimento a partir de uma análise mais complexa. Além disso, a abordagem qualitativa nos permitiu moldar o objeto de estudo, como também adequar estratégias para uma educação inclusiva demonstrando o conhecimento e as práticas dos professores no CREI pesquisado. Utilizamos como instrumento de pesquisa um questionário semi estruturado, contendo questões objetivas e subjetivas. Esse questionário foi dividido em dois momentos: o primeiro destacava o perfil do sujeito pesquisado e o segundo, abordava o tema em estudo para obter informações que ajudaram a detectar qual a abordagem pedagógica que está sendo adotada no CREI estudado em relação a educação inclusiva Participaram da pesquisa a diretora, a supervisora pedagógica, as professoras e as cuidadoras das atividades com as crianças. Considerando o universo pesquisado, optamos por uma amostragem, facilitando a coleta de dados e, por consequência facilitando as observações, interpretações e analises das práticas pedagógicas na escola. 1.2 Perfil sociodemografico O estudo foi realizado com seis funcionarias do CREI, com faixa etária entre 32 e 61 anos, o que dá uma média de idade de 47 anos. Em relação à formação profissional todas as professoras possuem formação em pedagogia com especialização em Educação Infantil a diretora tem especialização em gestão à


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supervisora Pedagógica tem especialização em psicopedagogia, as cuidadoras em Ensino Médio completo. Quadro 1- Perfil das participantes da pesquisa

Nome Margarida Violeta Tulipa

Ano de Idade Formação 27 33 57

2011 2009 2008

Experiência Experiência Tem na na creche Especialização? Educação atual Sim Sim Sim

12 anos 17 anos 33 anos

Sim Sim Não

Fonte: acervo da autora.

2. Coleta e Análise dos Dados A coleta de dados foi realizada a partir da aplicação do questionário. O questionário foi elaborado a partir do roteiro pensado na rotina da instituição e das horas disponibilizados por todos os participantes, fazendo-se as devidas adaptações. As perguntas de caracterização dos participantes e algumas questões de conteúdo foram subdivididas em outras perguntas, específicas. Levando-se em conta tais particularidades do instrumento e a partir de uma aplicação exploratória, as devidas alterações foram feitas. De acordo com Marconi e Lakatos (2010). Estudos exploratório-descritivos combinados são estudos exploratórios que têm por objetivo descrever completamente determinado fenômeno [...]. Podem ser encontradas tanto descrições quantitativas e/ou qualitativas quanta acumulação de informações detalhadas, como as obtidas por intermédio da observação participante. [...] Que consiste na participação real do pesquisador na comunidade ou grupo. Ele se incorpora ao grupo, confunde-se com ele. Fica tão próximo quanto um membro do grupo que está estudando e participa das atividades normais deste (MARCONI e LAKATOS, 2010, p. 171 e 177).

A pesquisa participante nos permite utilizar dois tipos de técnicas: a observação e o questionário. Na escolha do questionário consideramos por uma que a pesquisa manteria seu caráter qualitativo, uma vez que a singularidade das respostas e dos sujeitos ainda seria o foco principal. O questionário com questões abertas proporcionou aos participantes responder livremente as questões. De acordo com Marconi e Lakatos (2010). ―o questionário deve ser limitado em extensão e em finalidade. Se for muito longo, causa fadiga e desinteresse; se curto demais, corre o risco de não oferecer suficientes informações‖ (MARCONI e LAKATOS, 2010, p.186).


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2.1 Concepção dos Conceitos de Deficiência e Inclusão das Depoentes

A concepção sobre Deficiência das professoras constitui contribuições para a reflexão sobre a transformação conceitual a prática do sistema educacional. As Concepções sobre deficiência das depoentes remetem a uma imagem depreciadora e equivocada que se cristalizou em torno da sua imagem ao longo da historia. As depoentes definem deficiência como: privação, limitação, impedimento. Margarida104 afirmou que deficiência é como uma privação ou uma forma diferente do individuo desenvolver e relacionar-se com o mundo a sua volta, é algo indefinido que nos faz ser e agir ―diferente‖ dos padrões impostos pela sociedade. Ainda que de maneira sutil. Violeta, respondeu baseada no modelo social da deficiência que para ela deficiência é ausência ou disfunção da estrutura física, intelectual, sensorial ou motora da forma permanente no ser humano, em virtude da qual ele enfrentará diversas barreiras ao longo da vida [...] em sociedade. Tulipa conceituou deficiência como uma dependência do outro que só serve para aprendermos. As falas das participantes incluíram a lesão ou impedimento de caráter físico, intelectual ou sensorial que caracteriza a deficiência e também as barreiras vivenciadas pelas pessoas que possuem tais condições. São barreiras decorrentes de uma estrutura social incapaz de atender e respeitar as diferenças. Diniz (2007) define deficiência como um conjunto de ideias que distingue anomalias, mas que também expõe um sistema social que brutaliza o deficiente. Os estudos sobre deficiência trouxeram à tona uma gama de ideias e pensamentos que escravizam o corpo com deficiência (DINIZ, 2007, p. 5). Como apresentado, as depoentes declaram diferentes conceitos sobre a concepção de deficiência, baseadas em modelo social. Isso pode significar que há uma necessidade de adequação de concepções, ou seja, é necessário mais informações para aquelas professoras que ainda acreditam que ser deficiente é ser limitado, é estar impedido definitivamente de ir e vir, entre outros mitos e estereótipos frequentemente compartilhados. Ao perguntar as participantes as concepções sobre inclusão. Margarida, respondeu que incluir é respeitar o ser humano na sua totalidade, com ou sem deficiência, é proporcionar a todos uma participação plena e ativa na vida e na sociedade, considerando a limitação de cada um. A mesma escreveu que uma educação inclusiva vai além de colocar a criança ou adolescente em uma sala de aula, criticando ações simplistas focadas apenas em trazer as pessoas com deficiências para o ensino regular, sem lhes dar as condições necessárias de aprendizagem. Para finalizar as depoentes acrescentam que: educação inclusiva significa ampliar a participação de todos os estudantes, educando-os no mesmo contexto escolar sem distinção e apoiando-os em suas especificidades. Violeta também respondeu que inclusão é proporcionar a todas as pessoas, independentemente de suas singularidades, o direito de aprender, de socializar, de se desenvolver, oferecendo condições que garantam sua 104

Os nomes próprios das depoentes foram substituídos por nomes de flores.


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participação de modo consciente e responsável na sociedade da qual fazem parte. Ao escrever sobre a educação inclusiva, destacou a importância de assegurar ao ser humano uma educação que respeite seu processo de construção, o tempo, o ritmo e as especificidades de cada um. Na mesma direção Tulipa afirmou que Educação Inclusiva é tratar a pessoa com deficiências com respeito as suas limitações e procurar se capacitar. Nos depoimentos das duas professoras citadas o conhecimento se aproxima da literatura contemporânea sobre inclusão demonstrando a compreensão sobre a concepção de inclusão. As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica afirmam que a construção de uma sociedade democrática pode ser fruto da inclusão educacional e entende-se como inclusão a certeza de que todos tenham acesso à vida em sociedade e ações de acolhimento às diferenças e igualdade de oportunidades e desenvolvimento com qualidade em todos os aspectos, sem distinções (BRASIL, 2001, p.28). Com relação ao conceito de deficiência que Tulipa descreveu, é evidente que a professora precisa aprofundar sua compreensão sobre a pessoa com deficiência. Ou seja, de formação continuada para melhorar a qualidade do trabalho pedagógico, principalmente com as crianças com deficiências incluídas nas classes regulares. O despreparo da professora, muitas vezes acompanhado de falta de motivação relacionada aos mais diversos fatores, pode contribuir para os processos de exclusão. As observações e conversas informais foram importantes para perceber que o caminho para a inclusão perpassou as políticas públicas e a superação de preconceitos existentes. Evidenciam que as professoras devem buscar estratégias de aprendizagem que garantam o desenvolvimento de todas as crianças, independente de suas condições físicas, mentais, sociais, emocionais, econômicas, etc. Destacamos ainda a necessidade do tema ―deficiência‖ e ―inclusão‖ ser explorado cada vez mais nas formações continuadas dos professores. O profissional de educação deve estreitar laços cada vez mais fortes com o tema da inclusão, para que este possa ter clareza na sua ação para trabalhar com as crianças ―com e sem deficiências‖, garantindo que todos sejam acolhidos e respeitados na sua singularidade. O profissional da Educação Infantil precisa se basear em ações pedagogicamente inovadoras, como o tema da inclusão, para responder às diferenças individuais existentes em cada criança em sua turma que este possa ter clareza na sua ação, garantindo que todos sejam acolhidos e respeitados na sua singularidade. Percebemos que as definições das professoras tem relações com conceitos estabelecidos pelas as diretrizes nacionais (BRASIL, 2001), pelas principais referências do campo da educação inclusiva de pessoas com deficiência e pela Lei Brasileira da Inclusão (BRASIL, 2015). Na realidade observada evidenciamos a prática pedagógica e de acompanhamento das ações dos professores e auxiliares de sala utilizadas nas turmas do CREI que serviram de base para pesquisa, destacamos pontos negativos observados, a falta de investimento em material de apoio e permanente, a descentralização de recursos públicos, a capacitação para a equipe pedagógica, a falta de um professor de educação especial para auxiliar


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o professor regente em sala com crianças com deficiências matriculadas, como também a superlotação das salas do CREI. É relevante ressaltarmos que a inclusão das crianças com deficiências na Educação Infantil é um direito referendado em lei, o CREI deveria proporcionar em sua práxis cotidiana um trabalho colaborativo para que as práticas inclusivas acontecessem. Considerações Finais Durante a coleta dos dados identificamos que ainda prevaleceram no CREI a máxima ―Cuidar e não Educar‖. Garcia (1999), ―afirma que estudantes com deficiências, muitas vezes tem um acesso de caráter restrito aos conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade‖ (1999, p.306). O que se evidenciou nesta pesquisa foi que as crianças com deficiências embora estivessem matriculadas e frequentando as atividades do CREI, não estavam incluídas no contexto escolar e que falta flexibilidade no currículo da instituição. O planejamento das atividades realizado pelas professoras é excludente, embora no cotidiano as mesmas desenvolvam atividades e confeccionem materiais que respeitam as diferenças e promovem a inclusão. Identificamos a falta de formação dos profissionais que lidam indiretamente com as crianças, ocasionando práticas de exclusão. Por outro lado, observamos que existe vontade das participantes, Margarida e Violeta, para desenvolver um trabalho inclusivo na instituição, mas não tem autonomia, nem capacitação para isso. As ações pedagógicas são desafios diários no CREI, pois exigem estratégias diferenciadas, como também aplicação de atividades para todas as crianças matriculadas. O trabalho das professoras na Educação Infantil no CREI pesquisado ainda é tradicional, embora, as participantes entrevistadas afirmam que: sonham com as mudanças nos currículos das escolas, mudanças essas que começariam nas práticas pedagógicas que favorecessem a inclusão para todas as crianças de forma que as situações de ensino sejam conduzidas para que elas possam ter oportunidades de uma educação com uma socialização sem a descriminação. Esta pesquisa nos proporcionou novos conhecimentos sobre o processo da Inclusão na Educação Infantil no Sistema Municipal de João Pessoa, Paraíba, Brasil, passamos a entender que muito do que se tem ouvido ou falado acerca da inclusão de crianças com deficiências na instituição não se concretiza, devido às falhas do sistema e as barreiras enfrentadas pelos professores que não têm autonomia ou formação adequada. Constatamos que há diferenças significativas na compreensão das professoras pesquisadas em relação ao conceito de deficiência e de Inclusão. Essas diferenças impactam diretamente suas práticas pedagógicas em relação à Educação Inclusiva. Com base nas observações e informações recolhidas nos questionários concluímos que o desempenho das professoras do CREI Prof.ª Antonieta Aranha de Macedo sobre a inclusão das crianças com deficiências depende do interesse pessoal e da formação profissional, falta na instituição um trabalho coletivo com a equipe pedagógica para a implantação efetiva da Educação Inclusiva no CREI.


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Referências BRASIL. Ministério da Educação. Lei n° 10.172 de 9 de janeiro de 2001, que aprova o Plano Nacional de Educação e da outras providências. Decreto de Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras e dá outras providências. Brasília, 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10436.htm>. Acessado em 24 de abril. _____. Dados do Censo Escolar Indicam Aumento de Matriculas de Alunos com Deficiências. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/educacao/2015/censo-escolarindicam-aumento>. Acesso em: 17 de abril de 2017. _____. DECRETO Nº 6.949, DE 25 DE AGOSTO DE 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Disponível em: ww.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm. Acesso em 8 de junho de 2017. _____. DECRETO Nº 5.626, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm. Acesso em: 17/07/2017. _____. DECRETO LEGISLATIVO Nº 186, de 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Congresso/DLG/DLG-186-2008.htm. Acesso em: 17.07.2017. _____. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. 2007. Disponível em: http://peei.mec.gov.br/arquivos/politica_nacional_educacao_especial.pdf. Acesso em: 17.07.2017. _____. LEI Nº 4.024, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1961. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4024.htm. Acesso em: 17.07.2017. DINIZ, Débora. O que é deficiência? São Paulo: Brasiliense, 2007. GARCIA, Carlos Marcelo. Formação de professores: para uma mudança educativa. Porto: Porto Editora, 1999. MARCONI, Marina de Andrade e LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica./ 7. Ed. – São Paulo: Atlas, 2010. MANTOAN, Maria Teresa Eglér. INCLUSÃO ESCOLAR: o que é? Por quê? Como fazer? / São Paulo: Moderna, 2003. Disponível em:<file:///C:/Users/Nagem/Desktop/INCLUS%ESCOLAR.pdf>. Acessado em: 24 de abril de 2017. SASSAKI, Romeu Kasumi. Entrevista especial à Revista Integração. Revista Integração. MEC:Brasília,v.8, n. 20, p.09-17, 1998. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/deffisica.pdf.> . Acesso em: 17 de abril 2017. _________, Romeu Kasumi. Inclusão: Construindo Um a Sociedade Para Todos. 3ª edição. Rio de Janeiro: WVA, 1999, 174p. UNESCO. Declaração de Salamanca. Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais. 1994. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf> Acesso em: 27 de maio 2017. UNESCO. Educação para todos: o documento de Dakar. 2001. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001275/127509porb.pdf. Acesso em: 17.07.2017.


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PROJETOS DE CULTURA VISUAL EM ESPAÇOS NÃO FORMAIS DE APRENDIZAGEM Maria Emilia Sardelich105 Joana Gaviraghi Brustolin106

Introdução O convívio com as diferenças e as aprendizagens com o outro tem sido fomentado nas políticas públicas do Brasil, no século XXI, para a inserção de pessoas e grupos excluídos na sociedade, a exemplo da Lei 10.639/2003 – que inclui no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira, da Lei 11.645/2008, que amplia a temática História e Cultura Afro-Brasileira também para a Indígena, e da Lei 13.146/2015, que institui o estatuto da pessoa com deficiência, entre outras. Discutir sobre inclusão implica pensar em formas de democratizar os diferentes espaços para aqueles que ainda não tem acesso direto a eles. Gohn (2009) observa que, em geral, o senso comum e a mídia não veem os espaços não formais de aprendizagem como educativos por estes não estarem vinculados a processos escolarizáveis, por se desenvolverem, usualmente, extramuros escolares, nas organizações sociais, nos movimentos, nos programas de formação sobre direitos humanos, cidadania, práticas identitárias, lutas contra desigualdades e exclusões sociais. Neste trabalho utilizamos a denominação espaços não formais de aprendizagem entendendo-os como aqueles que se localizam em territórios que acompanham as trajetórias de vida de grupos e indivíduos, locais que, apesar de se situarem fora das escolas, neles também ocorrem processos interativos intencionais (GOHN, 2006). Dentre as múltiplas aprendizagens que podem ocorrer nos espaços não formais, Gohn (2011) aponta duas que nos interessam especialmente: a aprendizagem cultural e a linguística. A aprendizagem cultural está ligada aos elementos que podem construir a identidade do grupo, suas diferenças, suas diversidades como também as adversidades culturais que têm de enfrentar. A aprendizagem linguística refere-se à construção de uma possível linguagem comum que possibilite ler o mundo, decodificar temas e problemas, perceber e buscar compreender os interesses do grupo em meio a um turbilhão de propostas que se defrontam, pois essa linguagem pode criar uma gramática própria, com códigos e símbolos que os identifiquem. Especialmente no campo das Artes os espaços não formais de aprendizagem atraem pessoas de todas as faixas etárias e podem ser um local privilegiado para o desenvolvimento da educação não-formal, devido a formação de saberes para a vida em coletivos, que envolve aprendizagens tanto de ordem subjetiva, relativa ao plano 105

Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia, Brasil (2001), Professora Adjunta da Universidade Federal da Paraíba, Brasil, Líder do Grupo de Pesquisa em Ensino de Arte - GPEAV/ UFPB. Email: emilisar@hotmail.com. 106 Graduada em Artes Visuais pela Universidade Federal de Santa Maria, Brasil (2015). Membro do Grupo de Pesquisa em Ensino de Arte - GPEAV/ UFPB. Email: joanagaviraghi@gmail.com.


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emocional e cognitivo das pessoas, como aprendizagem de habilidades corporais, técnicas, manuais, que capacitam para o desenvolvimento de atividades de criação. Gohn (2009) destaca que essas práticas ainda constituem uma área carente de pesquisa científica, pois, com raras exceções, o que predomina é o levantamento sistemático de dados para subsidiar projetos e relatórios, feitos usualmente por Organizações Não Governamentais (ONGs), visando ter acesso aos fundos públicos que as políticas de parcerias entre governo e sociedade civil propiciam. É por essa carência de estudos do ponto de vista crítico e reflexivo sobre os espaços não formais de aprendizagem que este trabalho procura identificar Projetos de Cultura Visual que se desenvolvam nesses espaços, apresentando suas características, seus modos de aproximação as comunidades e pessoas com as quais trabalham, bem como seus modos de intervenção. Compreendemos a Cultura Visual como um campo híbrido, polimorfo e a-disciplinar (HERNÁNDEZ, 2006), que assinala uma problemática de estudo e não um ―objeto teórico‖ de contornos definidos e limitantes (MITCHELL, 2009), que move o pesquisador a explorar as fronteiras culturais, pois as representações visuais fazem parte do conjunto de práticas de discurso (MITCHELL, 2000). As noções de visão -o processo fisiológico em que a luz impressiona os olhos- e visualidade -o olhar socializado- são fundamentais para o campo de estudo da Cultura Visual, pois pensar sobre essas práticas implica questionar os modos pelos quais vemos o mundo e a nós mesmos e, também, como somos capazes, autorizados e ou levados a ver a nós no mundo (JAY, 2003). É o conceito de visualidade, como modos de ver, que vai articular a Cultura Visual como campo de estudo próprio. A Cultura Visual se diferencia da História da Arte por compreender que a visão não é um dado natural e, também, questionar a universalidade da experiência visual. Por isso, a Cultura Visual admite a especificidade cultural dos modos de ver em tempos e espaços que devem ser contextualizados. A tradição disciplinar da História da Arte Ocidental tem privilegiado o que se vê, o objeto, e o produtor do objeto visto, por meio de uma visão disciplinadora. Hernández (2011) destaca que a tradição ocidental sobre a arte e as imagens privilegiou o objeto e o produtor do objeto como um criador individual. Nesse entendimento a visão se dirige para o que é visto e tratado como uma espécie de enigma a ser decifrado com o auxílio da disciplina História da Arte. Nessa tradição tanto a escola como o museu são lugares que disciplinam a visão para ver aquilo que alguns especialistas decidem sobre o que deve ser visto. Essa visão disciplinada e disciplinadora não se pergunta sobre o efeito que aquilo que é visto tem em quem vê. Em relação ao efeito, Hernandez (2011) destaca que, para além do efeito emocional ou evocativo, podemos indagar sobre o efeito posicional e subjetivador. Consideramos que o diferencial da Cultura Visual, em relação a outras propostas para o trabalho com as imagens, sejam da arte ou não, é o de focalizar a interpretação daquele que vê e não o objeto que é visto, nem o produtor desse objeto. A Cultura Visual privilegia a interpretação daquele que vê, os significados que aquele que vê constrói na medida em que se relaciona com os artefatos visuais, fala e é escutado, sobre a relação que ele estabelece entre aquilo que vê e seu próprio contexto. Mais do que pensar em quais


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imagens ou objetos devem ser estudados ou questionados, a Cultura Visual explora os discursos sobre os quais essas representações, que se plasmam em imagens ou objetos, constroem narrativas, modos de dizer o que é e como é o mundo que habitamos, além de tentar fixar determinadas visões sobre nós nesse mundo. Do mesmo modo que a imagem é produzida, se multiplica e circula apressadamente pelas diversas redes biotecnológicas, a produção acadêmica sobre o campo da Cultura Visual experimenta essa mesma avidez. No Brasil, em 2005, a Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (ANPAP), dedicou seu Encontro ao tema da Cultura Visual e Desafios da Pesquisa em Arte. A Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) editou a Coleção Educação da Cultura Visual, entre os anos de 2009 e 2015, com a organização de Irene Tourinho e Raimundo Martins, que reúne grande parte da bibliografia em língua portuguesa desse campo de estudo. A problematização sobre a experiência visual também vem ganhando espaço em dissertações de mestrado e teses de doutorado. Em levantamento realizado no Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), em dezembro de 2015, foram localizados 139 trabalhos defendidos entre os anos de 2011 e 2012. A quantidade dessa produção em inúmeras áreas do conhecimento tem gerado alguns questionamentos entre os pesquisadores do Grupo de Pesquisa em Ensino de Artes Visuais (GPEAV), da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), tais como: De que modo vem sendo construído o campo de estudo da Cultura Visual no Brasil? Quais as contribuições e pertinência destas publicações para o Ensino de Arte e da Educação no Brasil? Quais as contribuições desses estudos para o cotidiano de educadores formais e não formais? Em função desses questionamentos, o GPEAV vem elaborando um estado do conhecimento sobre a Cultura Visual no Brasil entre os anos de 2005 - 2015. Dayrell; Carrano (2009) afirmam que se convencionou denominar de ―estado do conhecimento‖ ou ―estado da arte‖ esse esforço sistemático do qual nenhum campo do saber pode prescindir de inventariar, de fazer um balanço sobre o conhecimento produzido em determinado período de tempo e área de abrangência. A investigação sobre o estado do conhecimento da Cultura Visual no Brasil propõe-se a contribuir com a consolidação do campo de estudo, divulgando a sua produção acadêmica como também indicando suas bases de sustentação, as temáticas investigadas, o processo histórico dessa produção e a distribuição geográfica de seus polos de produção. Apesar das diferentes denominações que os pesquisadores atribuem a esse tipo de investigação – estado do conhecimento ou estado da arte– o foco de interesse dessas pesquisas recai na busca pela compreensão do conhecimento produzido e acumulado em um determinado tempo e espaço por meio do seu inventário, sistematização e avaliação. Propõe-se ―identificar temáticas e abordagens dominantes e emergentes, bem como lacunas e campos inexplorados abertos a pesquisas futuras‖ (HADDAD, 2002, p. 9). Inserida na abordagem qualitativa, de natureza exploratória e bibliográfica, a pesquisa descreve as informações sobre os trabalhos acadêmicos produzidos no campo de investigação. Spósito (2009) adverte que a confiabilidade de um levantamento que pretende caracterizar-se como estado do conhecimento depende tanto do recorte do universo a ser investigado quanto das fontes


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disponíveis para consulta. Por essa razão, o GPEAV articula, neste momento, levantamentos da produção acadêmica em três fontes de consulta: Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); Anais dos Encontros da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (ANPAP) e a Coleção Educação da Cultura Visual, editada pela UFSM. O recorte que se apresenta nesta comunicação refere-se à coleta, organização e classificação das comunicações apresentadas e publicadas nos Anais da ANPAP entre os anos de 2005-2015 que focalizam Projetos de Cultura Visual desenvolvidos em espaços não formais de aprendizagem. Para tanto organizamos esta comunicação em três partes. A primeira expõe o processo de levantamento bibliográfico realizado nos Anais da ANPAP; a segunda apresenta as características sobre os Projetos de Cultura Visual desenvolvidos nos espaços não formais de aprendizagem. A terceira parte tece as considerações alcançadas com este estudo até o momento. A coleta da produção acadêmica Bardin (1979) observa que, em geral, os pesquisadores têm uma certa dificuldade e alguns até uma certa repugnância em descrever sua hesitante alquimia e se contentam com uma exposição rigorosa dos resultados finais evitando explicitar as hesitações dos ―cozinhados‖ que os precederam, o que dificulta o trabalho dos pesquisadores iniciantes. Destacamos que este processo de investigação, bem como a sua comunicação, têm um caráter didático, pois se vincula à formação de pesquisadores iniciantes em um Grupo de Pesquisa em Ensino de Arte aberto ao público em geral, não restrito a comunidade acadêmica da UFPB. Por isso mesmo procuramos descrever o processo de elaboração com suas dificuldades, os possíveis erros que nos levaram a corrigir o rumo previamente estabelecido. A coleta de dados que apresentamos neste tópico restringiu-se aos Anais dos Encontros da ANPAP entre os anos de 2005-2015. Justificamos nossa escolha por esses documentos em função da ANPAP ser a associação que congrega pesquisadores, centros e instituições de pesquisa para promover, desenvolver e divulgar pesquisas no campo das artes plásticas e visuais. Os encontros anuais da ANPAP são dos mais significativos da área de Arte. Os descritores utilizados para a coleta de dados são os mesmos para todas as fontes de consulta: cultura visual, que é a denominação do campo de estudo e visualidade, o conceito que consideramos diferenciar esse campo dos demais. A coleta dos trabalhos se fez a partir dos descritores expressos no título, resumo ou palavras-chave. Apesar dos Encontros da ANPAP se organizarem por Comitês e contarem com um específico de Educação em Artes Visuais (CEAV), o levantamento realizado coletou trabalhos em todos os comitês, em virtude do campo de estudo da Cultura Visual poder fundamentar pesquisas nas várias áreas dos demais Comitês. Durante a coleta de dados encontramos algumas dificuldades relacionadas à precariedade da base de dados. Em incontáveis ocasiões o website da ANPAP esteve em manutenção como também os links que enlaçavam a produção encontravam-se inativos. Vários trabalhos foram localizados em websites pessoais dos autores e outras bases de dados, porém só foi possível chegar


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aos outros domínios graças aos dados precisos de autores e títulos indicados nos sumários dos Anais. Outra dificuldade refere-se aos resumos, pois nem todos apresentam os elementos recomendados para compô-lo. Estamos cientes que alguns trabalhos que inserem-se no campo da Cultura Visual e foram apresentados nos Encontros desses anos podem não ter entrado em nossa seleção, pois constatamos que alguns autores, que historicamente se vinculam a esse campo de estudo no Brasil, em algumas comunicações apresentadas não fizeram referência ao mesmo, nem ao conceito de visualidade, no título, resumo ou palavras-chave dos trabalhos apresentados. Constatamos que há uma profusão de palavras-chave no campo de estudo e a escolha dessas pode afetar a representação e recuperação de informação pelos pesquisadores. Ao longo da coleta percebemos que as palavras-chave devem indicar os principais conceitos de um assunto ou campo de estudo e são úteis para a indexação, busca e categorização da produção acadêmica. Também identificamos algumas inconsistências em relação às informações dos autores e suas vinculações institucionais, que foram dissipadas consultando a Plataforma Lattes. Apesar dessas dificuldades, estas não invalidaram a coleta e sistematização dos dados que nos fornecem pistas a respeito da produção acadêmica brasileira sobre Cultura Visual em projetos de pesquisa ou trabalho no âmbito educativo, seja em espaços formais ou não formais de aprendizagem. Finalizada a coleta de dados, localizou-se cento e vinte e três trabalhos que apresentavam os descritores cultura visual e ou visualidade no título, resumo ou palavras-chave dentre um total de dois mil quinhentos e oitenta e três comunicações registradas nos Anais no período de 2005 a 2015. Por estarmos vinculadas a um grupo de pesquisa em Ensino de Arte, nosso interesse volta-se para os espaços que a Cultura Visual vem ocupando na Educação formal e não formal. Por essa razão iniciamos um processo de refinamento de dados na seleção dos 123 trabalhos localizados para identificarmos aqueles que relatassem experiências de projetos de pesquisa ou de trabalho desenvolvidos no âmbito educativo. Desse modo definimos novos descritores que consideramos como característicos da área educacional: educação, escola, aluno, docente, professor, comunidade, aprendizagem. Iniciamos uma depuração dos dados buscando identificar esses descritores da área educacional no título, resumo ou palavras-chave nos 123 trabalhos previamente selecionados. Por meio desse procedimento localizamos nesse cruzamento de descritores 61 trabalhos no âmbito da Educação.


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Quadro1 – Comunicações apresentadas, trabalhos no campo da Cultura Visual e no âmbito Educação

ENCONTRO ANO

TOTAL TRABALHOS APRESENTADOS

TRABALHOS CAMPO CULTURA VISUAL

TRABALHOS CULTURA VISUAL NA EDUCAÇÃO

14° ANPAP 2005

136

02

--

15° ANPAP 2006

135

09

03

16° ANPAP 2007

164

11

05

17° ANPAP 2008

201

11

05

18° ANPAP 2009

308

13

07

19° ANPAP 2010

227

08

07

20° ANPAP 2011

332

16

06

21° ANPAP 2012

177

11

06

22° ANPAP 2013

326

17

08

23° ANPAP 2014

286

09

02

24° ANPAP 2015

291

16

12

TOTAL

2.583

123

61

100%

≈ 4,8%

≈ 2,4

Fonte: Anais da ANPAP 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015. O procedimento posterior ao refinamento da coleta foi o da leitura dos 61 trabalhos localizados a fim de identificar quais, efetivamente, vinculavam-se a experiências desenvolvidas em espaços não formais de aprendizagem. Localizamos, apenas, 4 trabalhos dedicados aos espaços não formais sendo estes de autoria de Dias; Martins (2008); Lampert et al (2010), Souza (2014) e Martins; Xavier; Gatti (2015). Projetos em espaços não formais de aprendizagem Dias; Martins (2008) investigaram os significados da Festa de São Tiago do Mazagão Velho, a partir do artefato visual máscara. A cidade de Mazagão situa-se a beira do rio Mutuacá, braço do rio Amazonas, na zona rural do estado do Amapá, que celebra a festa de São Tiago, anualmente nos dias 24 e 25 de julho. Trata-se de um festejo ligado à religiosidade católica mesclada às influências africanas e indígenas. Essa celebração foi iniciada no século XVIII, aproximadamente no ano de 1777. A festividade revive e reconstrói as batalhas entre mouros e cristãos travadas nas Cruzadas medievais. Segundo a narrativa dos moradores de Mazagão, São Tiago seria um soldado misterioso e anônimo que apareceria nas batalhas travadas no continente africano, lutando ao lado dos cristãos. De acordo com a tradição local, os mouros eram liderados pelo Rei Caldeira e desejavam conquistar Mazagão. Como os cristãos levavam vantagem nas batalhas a estratégia do Rei Caldeira foi pedir o fim da guerra e presentear os vencedores com comida envenenada e celebrar um baile de máscaras. Os cristãos desconfiados


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jogaram parte da comuda presenteada aos animais dos mouros e outra parte distribuíram aos próprios mouros durante o baile e o rei mouro morre como resultado de sua fatídica estratégia. Dias, Martins (2008) consideram que essa celebração está atravessada por um complexo espectro de formação cultural com reconstruções contínuas e valores conflitantes que se cruzam e se combinam, transcendendo tempo e espaço. Por meio da história oral, registrando relatos dos produtores de máscaras Dias; Martins (2008) evidenciam que o modelo dessas máscaras não está preso a um padrão, estilo ou tempo determinado, mas que essa fabricação recebe incorporações de todas as ordens como referências vistas em revistas e televisão. O estudo revela que as práticas de trocas culturais, mesmo em comunidades que podem ser consideradas geograficamente mais isoladas, estão fortemente influenciadas pelas imagens, em especial, das mídias digitais. O estudo das máscaras e da Festa de São Tiago de Mazagão, rica em visualidades gestuais, imagéticas e representações simbólicas, buscou incorporar ligações múltiplas entre dados e interpretações sobre a máscara e suas relações identitárias para os sujeitos e seus espaços e, principalmente, os modos de aprendizagem construídos. O ingresso dos participantes da festa ao Baile de Máscaras possui critérios específicos como: ser do gênero masculino, ser adulto, identificar-se como da comunidade e estar mascarado. O Baile é um momento importante da festa, marcada por múltiplas simbioses representadas pela diversidade de significados lúdicos, mágicos, estéticos e morais que caracterizam uma espécie de ―rito de passagem‖. Os autores destacam que o Baile também é um momento em que os participantes se submetem a um crivo tácito, ou seja, aqueles que não atendem os critérios de participação são hostilizados e considerados indesejáveis. Esse crivo silencioso manifesta relações sociais de poder. O estudo utilizou a máscara para compreendê-la em seu uso simbólico e entender como os próprios atores interpretam e problematizam suas práticas e valores diante de sentidos multiculturais, de infiltrações de significados da era globalizante. Como exemplo desta infiltração os autores citam a presença de máscaras industrializadas e referências de outros contextos culturais, como por exemplo as máscaras do homem-aranha, dos personagens do filme Star Wars, entre outros ícones da cultura midiática global. O estudo qualitativo, de tipo etnográfico analisou imagens das máscaras, realizou entrevistas com produtores, usuários de máscaras participantes da festa, como também de uma mulher da comunidade que não pode participar da festa dados os critérios de gênero adotados pela comunidade. Os autores consideram que as interpretações da mulher excluída da festa funciona como um contraponto às interpretações masculinas. As conclusões do estudo apontam que a festa, e suas máscaras, constroem uma forma de compreender aspectos das relações identitárias dos participantes e as aprendizagens dessas identidades. Dias; Martins (2008) procuraram dar visibilidade aos processos de aprendizagem vividos entre os grupos artísticos de representações dramáticas, sejam cortejos de dança, teatro e música nos quais as diversas gerações misturam-se e aprendem de modo colaborativo. Nesse tipo de manifestações não há uma idade mental definida para se aprender, o que existe é um repertório de gestos, sons, visualidades compartilhadas. No momento dessas representações acontece um misto de ensaios e improvisações. O roteiro


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dramático serve como um guia para o espetáculo, sem a preocupação de seguir-se a risca sua sequência, depende-se da imaginação dos participantes dessa ação artística. Um erro não é um desvio a ser corrigido e pode ser transformado em motivo de uma nova improvisação. Lampert et al (2010) consideram incoerente uma educação em artes visuais que não olhe para a comunidade e para a arte de forma a percebê-las como interstícios sociais e relacionais, que podem oferecer alternativas para entender o próprio entorno. Desse modo, como professora em uma Universidade pública brasileira, considera que o espaço dos estágios curriculares nos cursos de Licenciatura podem construir ações, ou práticas de ensino, que visem desdobramentos pelos artistas/professores/pesquisadores em outros espaços de aprendizagem que não só os formais. Argumenta que, para isso, faz-se necessário compreender não somente a produção, recepção e os processos de mediação que estão amalgamados ao ensino das artes, mas também suas formas de significação. Nesse sentido, os projetos de extensão da Universidade podem ser espaços privilegiados para esse tipo de ação. Lampert et al (2010) relatam uma pesquisa ação realizada no projeto de extensão Imagens do Mar, que objetivou a interação entre Universidade do Estado de Santa Catarina e a comunidade pesqueira nas praias da Armação e Pântano do Sul, em Florianópolis, Santa Catarina. Os autores consideram que a comunidade pesqueira da Ilha de Florianópolis é uma rica fonte de conhecimento, entendendo não somente sua função de sociabilidade para evidenciar o desenrolar do percurso histórico da Ilha, mas como o conhecimento de vivências que são essenciais para serem documentadas, registradas e entendidas como conhecimento no contexto universitário. Por meio da inserção da linguagem videográfica, estabeleceram-se vínculos entre estudantes e as comunidades pesqueiras para um trabalho relacional, cooperativo e poético. Entre as ações poéticas desenvolveram-se: entrevistas com pescadores, líderes comunitários e familiares de pescadores; mapeamento/registro visual do sul da ilha de Florianópolis; investigação sobre registros/documentos/acervos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de Santa Catarina; registro videográfico da atividade da pesca; registro videográfico da paisagem e contexto dos pescadores; realização de ações poéticas que envolveram produção artística desenvolvida pelos participantes da pesquisa (vídeoarte); mostra com os vídeos e documentários sobre a atividade pesqueira em Florianópolis. Essa experiência salienta o entrecruzamento dos espaços formais e não formais de aprendizagem, que movimenta pensar outros sujeitos educacionais, de uma forma em que a aprendizagem acontece nas trocas desse encontros, no entrecruzamento desses espaços. Souza (2014) apresenta uma experiência implementada em um projeto de extensão da Universidade Federal do Paraná, que desenvolveu-se por um período de dois anos, com 25 crianças e adolescentes, com idades entre 10 e14 anos, filhos de trabalhadores que sobrevivem da coleta e reciclagem do lixo, na periferia da cidade de Paranaguá, estado do Paraná. O projeto fundamentou-se nas proposições do filósofo francês Jacques Rancière (1940) que compreende a estética como partilha do sensível e de que toda arte é política, pois a política da arte está em tecer relações e não oferecer explicações de mundo. Nesse sentido, não só o artista, mas também o


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educador pode articular ações e estimular maneiras de fazer que podem intervir nas relações com as maneiras de ser. Souza (2014) buscou refletir sobre o espaço que as imagens ocupam em nosso cotidiano e sobre como nos posicionamos em relação a essas imagens. Desse modo, procurou relacionar as imagens que os participantes do projeto produziram com as possíveis transformações que a circulação dessas imagens pode deflagrar. A produção de imagens realizou-se por meio da linguagem fotográfica. O projeto teve início com a produção de imagens que revelassem o microcosmos de cada participante, suas casas, destacando aquilo que está esquecido nos armários, no canto do quarto ou no fundo do quintal. Por meio desse fazer a intenção era de deflagrar um processo de aprendizagem pelo próprio fazer, antes do dizer ou mostrar, a fim de se apropriarem dos elementos da linguagem visual e a consciência da intencionalidade na produção das imagens. Um segundo momento desse projeto envolveu uma pesquisa iconográfica no Instituto Histórico e Geográfico da cidade de Paranaguá entre os anos de 1897 e 1960. Por meio de uma série de imagens circunscritas a esse período histórico foi possível perceber as transformações arquitetônicas e espaciais, como também costumes locais nas celebrações de festas religiosas. Ao longo das reflexões originadas a partir das imagens pesquisadas, os participantes indicaram que não percebiam, não reconheciam os espaços da cidade, nem os espaços por eles habitados, sinalizando a invisibilidade da cidade para eles. Foi possível constatar que a noção de patrimônio, bem como os signos do passado não são comuns a todos os indivíduos, nem aos grupos ou classes sociais. Nesse sentido, o processo educativo que promova a experiência com esses signos podem romper as barreiras da inacessibilidade que sustenta a exclusão estética. O ato de fotografar, como também o ato de relacionar as imagens vistas com a realidade vivida pelos participantes provocou o olhar sobre as realidades individuais e da cidade como também promoveu uma ação criativa, de autoria artística, no sentido de autodeterminação, que nutre a busca por sentidos individuais e coletivos para as coisas do mundo, como também a possibilidade de posicionar-se e expressar-se diante delas. Para Souza (2014) aprender só assume significado pela ―criação de um mundo que, antes de ser real, é pessoal‖ (SOUZA, 2014, p. 2286). A finalização do projeto realizou uma exposição das imagens produzidas pelos participantes junto com as utilizadas para estudar a cidade, o que deu visibilidade as várias vozes e posicionamentos que compuseram a mostra. Nesse projeto as visualidades criaram uma aproximação com os participantes, seus modos de pensar a realidade e os problemas que afetam essa realidade. Na experiência relatada por Martins; Xavier; Gatti (2015) o espaço não formal situou-se na Vila Telebrasília, no Distrito Federal. A Vila Telebrasília originou-se de um acampamento para alojar os trabalhadores que construíram Brasília na década de 1950. Apesar de alojar trabalhadores durante e depois da construção do Plano Piloto da cidade, essa vila não foi reconhecida como bairro, nem recebeu infraestrutura urbana. Na década de 1990 foram várias tentativas de realocar os moradores em outras áreas que negaram-se a abandoná-la, reunindo-se em torno da Praça da Resistência, local escolhido para suas concentrações sempre que as forças armadas chegavam para sua expulsão. Apesar de atualmente fazer parte do Plano Piloto e da administração


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do Distrito Federal, trata-se de uma área de alta vulnerabilidade social, pois o poder público ignora as necessidades de Educação, Saúde e Habitação da população da vila. Durante três meses, uma equipe formada por professores e estudantes da Licenciatura em Pedagogia da Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal, participou regularmente de momentos com a comunidade, visando a alfabetização de jovens, adultos e idosos da comunidade. Ao longo do projeto dois professores se revezavam nas tarefas de acolhida e conversas com os participantes. A estratégia utilizada para o processo de alfabetização fez uso das visualidades cotidianas. A proposta consistiu na construção da expressão do cotidiano e do esboço pessoal dos participantes que, por meio das imagens produzidas por eles, utilizando diferentes materiais, articularam conceitos e conteúdos para a compreensão de suas realidades. Conforme relatado por Martins; Xavier; Gatti (2015) a primeira conversa decorria no discurso da experiência dos alunos e dos seus cotidianos, visando elevar a autoestima e compreensão de que sabiam ler, não de modo silábico, mas possuíam uma leitura do mundo. Esse procedimento consistia em uma conversa para um processo de resgate da cultura e a identificação formal, das palavras geradoras a serem trabalhadas nas visualidades, fazendo assim uma busca do que os estudantes sabiam e do conhecimento precedente que traziam consigo. Apesar de fazer uso das visualidades, o projeto fundamentouse nos princípios do educador Paulo Freire (1921-1997) indicados em seu livro Pedagogia da autonomia. A experiência relatada reforça a proposta de que toda e qualquer relação com artefatos visuais, seres e situações produzem aprendizados. Ao trabalharem com imagens cotidianas os participantes puderam potencializar o movimento para pensar a alfabetização e perceberamse como leitores do mundo, facilitando assim a aprendizagem da leitura silábica. Considerações transitórias A partir do exposto, podemos concluir que a produção acadêmica em Cultura Visual vem crescendo anualmente e a discussão na área de Educação atrai grande parte dos pesquisadores do campo. Apesar da atração que pesquisadores do campo da Cultura Visual possuem pelo âmbito educativo, ainda é pequeno o número daqueles que olham para os espaços não formais de aprendizagem, pois no período de 2005-2015 apenas quatro trabalhos, dentre sessenta e um, focalizaram os espaços não formais de aprendizagem nos Encontros Anuais da ANPAP. Os projetos descritos por Dias; Martins (2008); Lampert et al (2010), Souza (2014) e Martins; Xavier; Gatti (2015) olharam para comunidades que estão à margem, cultural ou economicamente, como são as comunidades de pescadores e bairros periféricos de diferentes municípios brasileiros. Os quatro projetos buscaram refletir sobre o lugar que as visualidades ocupam em nosso cotidiano, como essas visualidades compõem o microcosmo de cada participante, como também trataram de pensar como esses participantes se posicionam em relação às mesmas. As experiências relatadas nesses projetos fomentam as aprendizagens culturais, pois se propõem a discutir as identidades dos diversos grupos sociais, como também as aprendizagens linguísticas, que possibilitam


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perceber e compreender os interesses do grupo instigando seus participantes a um posicionamento nessa realidade. Consideramos que a Cultura Visual abarca muito mais que um campo de estudo e os projetos analisados neste artigo revelam uma atitude intelectual que busca nas visualidades do contexto, no qual estão inseridos os participantes desses projetos, aquelas que possam deflagrar a reflexibilidade de todos os participantes, independente de seus papéis de participantes da comunidade, pesquisadores e ou educadores em espaços não formais, voltando-se para si mesmos na tentativa de compreenderem seus contextos, como também seus posicionamentos nesses contextos. Essa atitude intelectual explicita o poder das imagens, das visualidades, compreendendo que toda e qualquer imagem, inclusive as eleitas para a mediação educativa, também são produzidas a partir de uma visão que, consequentemente, coloca todos os participantes em uma determinada posição. Desse modo, o que importa não é a imagem, pois nenhuma imagem aliena ou empodera por si mesma, apesar da intencionalidade do produtor da mesma, mas é a ação das pessoas, o que elas fazem com e a partir das imagens para suas próprias vidas. Como educadoras pesquisadoras que nos inserimos em espaços formais e não formais de aprendizagem continuamos a considerar onde queremos chegar, o que pretendemos realizar, com quem nos comunicamos, como desenvolvemos essa comunicação e, em que medida, as visualidades que temos a nossa disposição para a mediação educativa estão sintonizadas com o processo de inclusão social, fazendo ver as mais diversas formas de opressão e subjetivação. Consideramos que o recorte do conhecimento apresentado neste artigo pode contribuir para ampliar as possibilidades de uma formação de educadores em espaços formais e não formais, que discuta nossas representações, por meio de uma relação que ressalte as visualidades em contexto, mas, sobretudo valorize as formas de interpretação daqueles que veem e pensam com as imagens. REFERÊNCIAS BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1979. DAYRELL, Juarez; CARRANO, Paulo. Prefácio. In: SPOSITO, Marilia Pontes (coord.). O estado da arte sobre juventude na pós-graduação brasileira: Educação, Ciências Sociais e Serviço Social (1999-2006). Belo Horizonte, MG : Argvmentvm, 2009. p. 7-9. DIAS, Ronne F. Carvalho; MARTINS, Raimundo. Mediações construtivas com as máscaras de Mazagão: interações possíveis entre educação e cultura visual. In: ANAIS ANPAP 2008. ENCONTRO DA ANPAP, 17, 2008, Florianópolis, SC. Anais...Florianópolis: ANPAP/ UDESC, 2008. p.1414-1424. Disponível em: http://anpap.org.br/anais/2008/artigos/128.pdf Acesso em 23/09/2016. GOHN, Maria Gloria. Movimentos sociais na contemporaneidade. Revista Brasileira de Educação v. 16 n. 47 mai.-ago. 2011. GOHN, Maria Gloria. Educação não-formal, educador (a) social e projetos sociais de inclusão social. Revista Meta: Avaliação, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 28-43, jan./abr. 2009.


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UNIDADE 03 INVESTIGAÇÕES SOBRE ARTETERAPIA, TERAPIA OCUPACIONAL, PRÁTICAS ARTÍSTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES INCLUSIVAS.


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A SINALÉTICA NA CULTURA VISUAL NO SISTEMA BRASILEIRO ORGANIZACIONAL DE SAÚDE: UMA ABORDAGEM EXPLORATÓRIA Aracy Guimarães dos Santos107

Introdução

A educação é um dos meios para estimular a consciência cultural de um indivíduo por meio do reconhecimento e apreciação da cultura local. Na Classificação de Risco (CR), as sinaléticas são utilizadas como ferramentas propulsoras e multiplicadoras na eficácia da sistematização dos serviços de saúde no Pronto Atendimento Hospitalar (PAH), validando os preceitos do Sistema Único de Saúde (SUS), na Política Nacional de Humanização (PNH), e regimentos normativos pertinentes a estabelecimentos de saúde. A comunicação visual, por meio das Artes Visuais na contemporaneidade, configura-se como um dos caracteres da funcionalidade em ambiente hospitalar, cujo sistema de signos, símbolos e significados, desempenha uma função relevante de orientação aos usuários no sentido de direcionar os usuários quanto aos setores e aos serviços que a instituição oferece. Nesse sentido, esta pesquisa visa investigar os Elementos Visuais (EV) na instituição hospitalar contemporânea no Pronto Atendimento Hospitalar (PAH) na Classificação de Risco (CR). A CR é um programa estabelecido pela PNH e pelo Ministério da Saúde (MS) para apoiar os princípios do SUS, nos direitos dos cidadãos ao acesso à saúde de forma universal e equânime garantindo a integralidade, universalidade, e humanização. Optamos por fazer a revisão de literatura e um estudo de caso do Hospital de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena (HETSHL), com abordagem exploratória, para compreensão dos dispositivos mecanicistas da comunicação visual por meio das visualidades e da sistematização organizacional dos programas de saúde, para implementação de novos conhecimentos tecnológicos e científicos na área da sinaléticas direcionada ao PAH, na CR como também para apreender a função das sinaléticas como cultura visual em um ambiente hospitalar. 107

Aluna Especial do Programa Associado de Pós Graduação em Artes Visuais UFPB/UFPE. Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Paraíba (1987). Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Arquitetura e Urbanismo, atuando principalmente nos seguintes temas: arquitetura e urbanismo, arquitetura hospitalar, acessibilidade, ambiente construído e arteterapia. E-mail: bhadra2. aracy@gmail.com


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Para conceber a origem e as ramificações da CR fizemos um breve recorte na história do Edifício Hospitalar e respectivos programas de atuação entre o final do século XVII até a contemporaneidade, associando a arte como mecanismo de educação funcional em um ambiente hospitalar.

1. A arte como linguagem A arte/educação, hoje, integra as artes visuais, a cultura visual, a comunicação visual e a educação. Por meio das artes temos a representação simbólica dos traços espirituais, materiais, intelectuais e emocionais que caracterizam a sociedade ou determinado grupo social, seu modo de vida, seu sistema de valores, suas tradições e crenças. A arte como linguagem representacional dos sentidos, transmite significados que não podem ser transmitidos através de nenhum outro tipo de linguagem tais como as linguagens discursivas e cientificas. No entanto podemos registrar que o conhecimento das artes esta atribuída a experimentação, decodificação e informação (BARBOSA, 1998). As culturas visuais estão atreladas ao ensino da arte assim como as sinaléticas estão atribuídas ao repertório de uma informação imediata e direcionadas, provocando impactos enquanto atitudes e ações imediatas. Indo de encontro à origem da palavra ‗imagem‘, cuja raiz vem de ‗imo, imor, imitor‘, representa ou retrata uma coisa com semelhanças evidentes. Se entendermos que a imagem enquanto signo que denota sem refletir as características visuais do objeto podemos assim dizer que a imagem, reflete as peculiaridades essenciais do objeto. Portanto a imagem enquanto cópia científica é uma representação simbólica do mundo da percepção, tornada tão precisa quanto possível, porém permanecendo inevitavelmente aproximada.

2. Percepção visual do espaço hospitalar na ótica do panoptismo

Figura 1. A gênese e as prisões. Modelo arquitetural de Bentham

Fonte:http://obviousmag.org/archives/2007/06/panoptico_a_gen.html


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No fim do século XVII, surge o sistema organizacional do Panóptico que era um sistema prisional europeu, caracterizado, como sistema compacto e disciplinar, onde os indivíduos eram identificados, localizados e classificados entre os vivos, doentes e mortos, no século XVIII, surge o Panóptico de Bentham108 (FOUCAULT, 2013, p.-190). Caracterizado como a primeira manifestação de um sistema racionalista. Emerge o conceito do Hospital Terapêutico, com o reconhecimento das doenças e suas patologias. Este processo é iniciado com pensamentos organizacionais espaciais e funcionais, correlacionados com as atividades hospitalares. Segundo Foucault (2013, p.200), após o incêndio ocorrido em 1772 do Hôtel-Dieu em Paris, caracterizado como hospital de grande porte, é substituído por estabelecimentos de menor porte, passando a facilitar a operacionalidade dos serviços e ao mesmo tempo, prestar melhor assistência aos necessitados, recolher os doentes do bairro, assim como de reunir informações e tomar conta dos fenômenos endêmicos ou epidêmicos. ―(...) a semiologia médica já era práxis desde a antiguidade, considerados pelos antigos como sintomas médicos‖ (JOLY, 2007.p, 32). Como nos lembra Toledo (2006, p.18) a partir do século XIX, tanto a arquitetura hospitalar quanto a prisional é caracterizada pelo formato de layouts no mecanismo racionalista transpondo para os espaços os detalhados programas funcionais produzidos no final do século anterior. ―Até então a medicina não constituía uma prática hospitalar‖ (TOLEDO, 2006, p.18). Podemos assimilar que entre o século XVIII e o século XIX, foi marcado por importantes acontecimentos sociais e disciplinares, o qual as cidades se transformaram e começou a se pensar a discutir a questão da saúde. Uma série de endemias, epidemias, assolavam esta época por falta de saneamento básico e infraestrutura nas cidades, e isso levou a sociedade a pensar e a se reorganizar enquanto instituições, leis, regimentos, normas, associações, etc., em busca de uma cidade mais limpa, higienizada, ou seja, urbanizada e humanizada.

108

O Panóptico de Bentham é a figura arquitetural dessa composição. O princípio é conhecido: na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre: esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra, que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar. Pelo efeito da contraluz pode-se perceber da torre, recortando-se exatamente sobre a claridade, as pequenas silhuetas cativas nas celas da periferia (FOUCAULT, 2013, p.190).


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3. Pronto atendimento hospitalar e classificação de risco e seus aspectos visuais

No Pronto Atendimento (PA) a programação de arquitetura para o espaço físico, de acordo com a RDC Nº 50109, corresponde a organização físico – funcional, para prestação de atendimento imediato de assistência à saúde à atendimento a pacientes externos em situações de sofrimento, sem risco de vida (urgência) ou com risco de vida (emergência). Nesses espaços a CR atua na agilidade dos serviços estabilizando os sinais vitais do paciente livrando-os do risco de vida (ANVISA, 2004, p.37-38). ―A visão é o único elemento necessário à compreensão visual‖ (DONDIS, 1991, p.04). ―Por intermédio das visuais, é que nos comunicamos com o mundo e as pessoas desde a antiguidade‖. ―Existe um vasto universo de símbolos que identificam ações ou organizações, estados de espírito, direções – símbolos que vão desde os mais pródigos em detalhes representacionais até os complementares abstratos‖ (DONDIS, p.11). As sinaléticas são formas de imagens gráficas ou signos, que são utilizados para informar uma mensagem de orientação ou advertência, e que geralmente são utilizadas, para indicar caminhos, direções e ações a serem tomadas pelo usuário. Nesse entendimento, as sinaléticas, tem um diálogo direto com à acessibilidade em várias esferas, seja na comunicação das proximidades dos serviços(atendimentos), visibilidade (espaços), e conforto (bem estar). Portanto no PA os elementos visuais, viabilizam à acessibilidade aos serviços de saúde, com resoluções funcionais e espaciais por meio das sinaléticas, facilitando o atendimento imediato e evitando causas de mortes. Segundo Arnheim na configuração da cor, a forma é um meio de identificador, melhor do que a cor, não somente porque oferece muito mais tipos de diferença qualitativa, mas também porque as suas características distintivas são mais resistentes as variações do ambiente (ARNHEIM,2006, p.324). Quanto ao atendimento imediato nos serviços de saúde, de acordo com o nível de gravidade das doenças é empregado o Protocolo de Manchester, visto na figura 2.―Ele é composto com algoritmos com cinco níveis de urgências determinados por cores e tempo para atendimento‖ (ANZILEIRO,2001).

109

RDC Nº 50 (Resolução de Diretoria Colegiada Nº 50), normas para projetos físicos de estabelecimentos assistenciais de saúde (ANVISA, 2004).


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Figura 2. Sistema de Manchester

Fonte: Adaptado de Gilboy et.al,2005.

Destacamos a importância da identificação dos serviços e espaços físicos de atendimento de maneira rápida e eficaz. São utilizados os dispositivos das cores em forma de braceletes no paciente e faixas adesivas no piso, favorecendo o atendimento imediato seguindo os preceitos do SUS. Na RDC Nº 50, encontramos regimentos internos e outros adendos como Resoluções, Portarias, ABNT 110, NBR111, Manuais, e Cartilhas, que em conjunto corroboram o melhor funcionamento dos Estabelecimentos Assistenciais de saúde, (EAS), (ANVISA, 2004). Quanto a acessibilidade, destacamos à ABNT NBR 9050 112 que trata de normatizações para acessibilidades de forma específica e detalhada, porém genérica para as classificações de estabelecimentos, seja de saúde ou não, é nesse regimento que iremos encontrar as normas para uso das sinaléticas, porém de forma generalizada (NBR-ACESSIBILIDADE,2004, p.02). Na CR no PA, quanto nas normas, RDC Nº 50 e a NBR 9050, as visualidades, favorecem à acessibilidade do usuário, dialogando entre si, porém não existem entre elas nenhum adendo normativo de referencialidade especifica na CR, diante ao agravo da doença correlacionado ao atendimento imediato aos usuários com ou sem redução de mobilidade. A utilização das sinaléticas no PA, por meio das referências visuais, maximiza a operacionalidade dos serviços assim como também vem a diminuir o tempo de espera e risco de morte.

110

ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), órgão designado pelo COMMETRO como responsável pela normatização técnica no país (ABNT, 2004). 111 ABNT NBR (Norma Brasileira), (ABNT, 2004). 112 ABNT NBR 9050 (Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos), (ABNT, 2004).


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4. Estudo de um caso: hospital de emergência e trauma Senador Humberto Lucena

O estudo de caso trata-se HETSHL. Localizado nas margens da Br 230 no Km 17, na cidade de João Pessoa, no estado da Paraíba, caracterizado como o primeiro Hospital de referência em alta complexidade com perfil em Trauma de caráter Estadual, administrado pelo Governo do Estado. Os estudos iniciais de arquitetura, foram realizados pela Arquiteta Jussara Dantas no final da década de oitenta, para perfil de Hospital de Pronto Socorro, o qual não foi executado. Posteriormente na metade da década de noventa em 1995, dando sequência aos estudos, a Arquiteta Aracy Guimarães dos Santos, funcionária da Superintendência de Obras do Plano de Desenvolvimento da Paraíba(SUPLAN), reformulou o projeto para o perfil de Emergência e Trauma. A obra foi iniciada no governo de Tarcísio Burity em 14 de setembro de 1990, realizada pela SUPLAN, através da Engenharia e Arquitetura Ltda (ENARQ), sendo finalizado no governo de José Maranhão no ano de 2000 e inaugurado em 06 de agosto de 2001. Figura 3. Fachada Principal – HETSHL

Figura 4. Planta Baixa - PA com CR

Fonte: http://expressopb.com/tag/

Fonte: Autora

Constituído pela Lei Estadual nº. 6.746, de 09 de junho de 1999.O HETSH(Fig.3) além de ser referência em traumatologia segundo o Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde, ele tem outras referencialidade, fazendo com que esta edificação hospitalar seja de grande importância para o Estado da Paraíba. O Hospital possui área de 12.016,00 m² de construção, com 150 leitos hospitalares, atendimento de Emergência e Trauma(Fig.4), Clínica especializada em Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Neurologia,


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clinica Ortopédica e Traumatológica, Internação hospitalar, Centro cirúrgico, UTQ, UTI, Centro de diagnóstico, Central de transplante, Grupo de regate(SAMU) e equipamentos de apoio. Os estudos foram iniciados com o perfil de Pronto de Socorro no início da década de 1980 e a Portaria Nº 400 vigente para normatização dos EAS, com parâmetros mínimos a serem observados, segundo Barcellos ―não tinha força de norma e, sim o simples objetivo de orientar os projetistas‖ (apud TOLEDO,2006, p.113). Ao ano de 1988, com a criação da nova Constituição Brasileira com a participação popular, é substituída a Portaria Nº 400 pela Portaria Nº 1.884/GM, com os princípios do SUS, em 1990 sendo promulgada e entrando em vigor em 1994.A parti deste momento as reformulações do Hospital começaram a serem regidos por esta portaria, passando o Hospital para o perfil de Emergência e Trauma, sendo finalizada e entregue a obra no ano de 2000 e inaugurada no ano de 2001. Posteriormente com a criação do PNH em 2003, para reforçar os preceitos do SUS, é criada política de humanização e seus critérios para a CR no PA, tendo como normatização para os EAS a RDC Nº 50, entrando em vigor em 2002, e todos os critérios perante aos cuidados normativos ao EAS, são baseados nesse novo regimento. Como percebemos o HETSHL, obteve algumas reformulações e adaptações, reajustando-se aos programas de saúde no decorrer do tempo. Tecendo diálogo sobre os mecanismos sistemáticos da política de saúde, é perceptível que os EAS, são passível de modificações na estrutura física, para acompanhar as novas ações da política de saúde e avanços tecnológicos, atrelados aos convênios e financiamentos para aquisições de equipamentos hospitalares, com isso as estruturas dos EAS existentes são readaptadas para a nova realidade. A este estabelecimento já foi readaptado aos programas de saúde por três vezes.

5. Ambiência e as visualidades no pronto atendimento do hetshl

O setor do PA é a área mais conflituosa do hospital, por ter maior fluxo de usuários, seja pacientes ou equipe de saúde, onde os serviços prestados tem caráter de imediatismo aos atendimentos com risco de morte e agravos de doenças. De acordo com o último censo do Instituto de Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de acidentados e agravos de doenças continuam em escala crescente no Estado e País. ―A utilidade designa o design e a fabricação de objetos, materiais e demonstrações que respondam a necessidades básicas‖ (DONDIS,1991, p.05).


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O Protocolo de Manchester se faz presente nesse setor pela equipe de saúde especializada, do HETSHL, como também as sinaléticas. Na concepção do HETSHL foi elaborado e executado o Manual de sinalização (Figuras 5 e 6) por designers gráficos para facilitar o acesso aos serviços através das visualidades, desde o conceito, logomarca, aplicativos e sinalizações (Internas e Externa).

Figura 5. Manual de sinalização

Fonte: Manual do HETSHL

Figura 6. Sinalização externa-direcional

Fonte: Manual do HETSHL

Para elaborar a Logomarca, foi estudado o Conceito de identidade visual como marca Institucional de acordo com os preceitos do PNH. As sinalizações tanto as externas quanto as internas foram utilizados elementos das visualidades, como pictogramas, universais, sinalizações direcionais, permanentes, emergência e educativas, atribuídas a cor e as formas geométricas. Apesar das sinaléticas estarem presentes no HETSHL não foram elaborados, estudos direcionado a CR no PA, de forma específica, por não se ter referencialidade, como norteadores para arquitetos e design, que atuem em projetos de PA com CR.

Considerações finais

Constatamos que no ambiente hospitalar a realidade da educação pode acontecer de forma intensa e significativa, por meio das sinaléticas, identificando os espaços, sinalizando e direcionando o transeunte a navegarem nos ambientes, decodificando os elementos visuais seja na cor, linhas e formas. Indo de encontro a importância das sinaléticas enquanto sistema


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brasileiro organizacional na CR no PA, assimilamos que as visuais, nas sinaléticas enquanto dispositivos, atribuídos a cor, forma, textura e função são mecanismos que corroboram conjuntamente com os preceitos do SUS e PNH, garantindo os direitos dos cidadãos ao acesso à saúde de forma universal, equânime e humanizado diante da demanda existente a casos de acidentes e agravos a saúde na população do país. Correlacionando a acessibilidade dos serviços de saúde com a revisão de literatura, verificamos que no PA, os elementos visuais se fazem presentes, corroborando com outros agentes propulsores, como o Protocolo de Manchester no atendimento dos serviços de saúde. Para tanto os resultados alcançados das análises nas legislações em EAS, para as sinaléticas na CR no PA, assimilamos que não existe referencialidade especifica como norteadoras aos profissionais da área. Em um cenário deste tipo os estudos apontam a necessidade da obtenção de novos saberes, por meio destes dispositivos para melhor contribuir com a operacionalidade dos atendimentos de saúde a que destina este setor, além de cooperar com as referencialidade nos programas e regulamentações pertinentes EAS e demais instituições.

Referências

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294

______________. Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar. Brasília: Secretaria de Assistência à Saúde. Ministério da Saúde, 2001. Disponível em < http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pnhah01.pdf Acesso em julho.2014. _______________. Política Nacional de Humanização. HumanizaSUS: Ambiência / Ministério da Saúde, Secretaria Executiva, Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. –Brasília: Ed. Ministério da Saúde, 2004. Disponível em http://www.saude.sp.gov.br/resources/humanizacao/biblioteca/pnh/ambiencia.pdf Acesso em julho.2014. Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. _______________. Coletânea de Normas para o Controle Social no Sistema Único de Saúde/Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Saúde. – 2. ed. – Brasília : Editora do Ministério da Saúde, 2006. _______________. Política Nacional de Humanização. Ambiência/Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. – 2. ed. – Brasília: Ed. Ministério da Saúde, 2008. DONDIS, D. A. Sintaxe da Linguagem visual. SP: Martins Fontes,1991. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Projeção da população brasileira. Censo, 2000. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/ Acesso em julho. 2014. JOLY, Martine. Introdução à Análise da Imagem. Trad. José Eduardo Rodil. 1ªed. RJ: Edições 70,2007. FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. tradução de Salma Tannus Muchail.8ª ed. SP: Martins Fontes,1999. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete.41.ed.Petrópolis, RJ: Vozes,2013. TOLEDO, Luiz Carlos. Feitos para curar: arquitetura hospitalar e processo projetual no Brasil. RJ: ABDEH, 2006.


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VIVA OS LOUCOS QUE INVENTARAM O AMOR: PONDERAÇÕES SOBRE ATIVIDADES EXPRESSIVAS REALIZADAS NO CAPS I – PARELHAS/RN Jailson Valentim dos Santos113 Geângela de Oliveira Trindade114

Ama-me como eu sou, passei, passou. Sepulta os teus amores vamos fugir, buscar, numa corrida louca o instante que passou, em busca do que foi, voar, enfim, voaaaarrr!!! Ah! Ah! Ah! Ah!... Viva! viva os loucos!!! Viva! Viva os loucos que inventaram o amor! Viva! Viva! Viva!

Introdução O título deste texto, assim como sua epígrafe, remete a composição musical Balada para um louco – viva os loucos que inventaram o amor. A peça é um tango assinado pelo músico argentino Astor Piazzolla e pelo poeta uruguaio Horácio Ferrer, em 1969. No Brasil, a música fez sucesso na voz do cantor Moacyr Franco. Trazemos esse excerto porque foi com essa letra que os usuários do Centro de Atenção Psicossocial/CAPS I – Parelhas/RN, foram recebidos para uma atividade no Espaço Nordeste115 desse município. O ator e assessor deste equipamento cultural Josivan Alves116, recepcionou os presentes com uma leitura dramática dessa obra, emocionando a todos.

113

Arte-Educador. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais pela UFPB/UFPE, na linha de pesquisa Ensino de Artes Visuais no Brasil. Bolsista da CAPES. E-mail: valentim8@yahoo.com.br 114

Educadora social do Centro de Atenção Psicossocial – CAPS I, Parelhas/RN. Acadêmica do curso de Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú/UVA. E-mail: geangela.social@hotmail.com 115

O Espaço Nordeste de Parelhas é uma célula do Instituto Nordeste Cidadania - INEC e atua em duas frentes de trabalho: empresarial e sociocultural. O Espaço tem por objetivo criar um canal de oferta de produtos e serviços socioculturais e de negócios bancários para a comunidade, visando a redução dos índices de excluídos socioculturais e a ampliação da cobertura bancária na Região Nordeste. 116

Josivan Alves Pereira (Parelhas/RN, 1985 - ) é integrante do Grupo de Teatro Baú das Artes. Vive e Trabalha em Parelhas.


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Abordamos aqui algumas atividades expressivas que são oferecidas aos usuários do Centro de Atenção Psicossocial – CAPS I - Parelhas/RN, por nós observadas ao longo dos meses de maio, junho, julho e agosto de 2013, ocasião em que desenvolvemos atividades artísticas nesta instituição. Evidenciamos um feliz encontro entre a Arte, a Educação e a Saúde, dentro de uma interface que ganha força na interlocução do trabalho intersetorial, em um trabalho que visa diluir as fronteiras disciplinares do conhecimento. No CAPS de Parelhas, as atividades terapêuticas que encontram sua matriz na área de Artes permeiam as artes visuais e as dramáticas. Fazem parte das artes visuais os trabalhos com artes plásticas, arte em tecido e o artesanato. Geângela Trindade é a responsável pela produção nessa subárea do conhecimento. Quando trabalhamos juntos, pudemos perceber que sua atuação é marcada pela autonomia e comprometimento. Curiosa e atenta, Geângela busca sempre novidades para serem inseridas nos seus projetos de trabalho. Estes são desenvolvidos na coletividade e suas palavras reforçam a ideia de que, as atividades expressivas podem contribuir com o relacionamento interpessoal, a (re)organização psíquica e o desenvolvimento de suas potencialidades criativas. Quanto às atividades do teatro, a psicóloga Salma Meira de Souza trabalha expressão corporal e um pouco de música e dança, tendo em vista que os atores do Grupo Iluminarte produzem espetáculos e se apresentam em público, favorecendo a interação e a sociabilidade dos participantes. São realizadas várias atividades expressivas na instituição e ressaltamos a seguir o trabalho de quatro projetos que lidam com a arte e a cultura, a saber: Café com Poesia, Refazendo Arte em Sonho, Oficina da Palavra e o Grupo de Teatro Iluminarte. Esses são ferramentas de cuidado qualificado, reordenamento psíquico, bem estar e mais qualidade de vida. Cada projeto tem sua coordenadora, mas recebem a colaboração dos demais membros da equipe multidisciplinar do Centro. O Café com Poesia é coordenado atualmente por Geângela Trindade. Esta é uma atividade mensal que é realizada na casa de um dos usuários da instituição de atenção psicossocial. Tudo é acordado com a família do usuário que deseja receber um grupo de colegas do familiar, em casa. Pensando na alegria e no prazer da boa mesa, a equipe da cozinha do CAPS prepara uma refeição especial (café, leite, sucos, bolos, tortas etc.) e leva para servir na casa do anfitrião. Outros sabores fazem parte do cardápio: as atrações culturais. Recital de poemas, literatura de cordel, bem como contação de causos da tradição oral e outras estórias são organizadas na coletividade para deleite do grupo. Usuários que conhecem alguma música e que desejam cantar podem inserir sua apresentação na programação. A ideia primeira é a expansão das relações, o fortalecimento dos vínculos afetivos e o transito pela cidade.


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A assistente social da instituição Liliane Azevedo chama a atenção para importantes valores que estão imbuídos nessa atividade, aparentemente descontraída e despretensiosa. Para ela, o projeto difunde conhecimento, diversão, cultura, valores e mostra que o lugar das pessoas em sofrimento psíquico é no seio de suas famílias e comunidade, onde estão edificados seus laços e pertencimento. O café com poesia que foi realizado na casa da família de uma das usuárias, em uma manhã de julho de 2013, foi marcado pela interação entre os usuários, vizinhança da anfitriã e equipe CAPS, num clima de descontração e partilha sensível da arte e seus sabores: gustativos, auditivos, corporais e visuais. Um enorme círculo de pessoas se formou na frente da residência da usuária, chamando a atenção dos moradores, da pacata rua do bairro parelhense. Com os deslocamentos, animadas conversas eram tecidas entre os participantes e observamos que elas aconteciam de modo diferente das tramadas na instituição, pois pareciam mais leves e descontraídas. O corpo não foi esquecido e alguns até arriscaram uns passinhos de dança, envolvidos pelo coral espontâneo de vozes que expressavam alegria. Esse foi um momento marcante que pudemos presenciar em grupo (Figura 1). O Café com Poesia do mês de agosto de 2013 foi realizado na manhã do dia trinta do corrente mês, no Espaço Nordeste. O intuito dessa transferência, da casa de um usuário para um equipamento cultural, deu-se devido à exposição Cores da Inclusão117, em cartaz no Espaço, bem como a abertura da mostra Maria de Fátima Oliveira. Essa mostra, por nós organizada, ficou um mês aberta ao público. O Café marcou o encerramento do nosso Projeto Ateliê de Arte: expressão e identidade118. Em virtude disso, recebemos homenagens da usuária Vitória, que falou em nome do grupo sobre a nossa estada dentro do Centro de Atenção Psicossocial.

117

A exposição Cores da Inclusão – Arte em Mosaico (ago/set de 2013) selou uma parceria estabelecida entre o CAPS e o Espaço Nordeste de Parelhas. Na ocasião foram exibidos trabalhos dos usuários dessa instituição de saúde, propiciando o deleite estético, a decodificação simbólica, a contextualização e a experimentação expressiva aos escolares e demais moradores da cidade e região. 118

O Projeto Ateliê de Arte: expressão e identidade foi um espaço criado para o cuidado qualificado dos usuários, que oportunizou a esses a (re)construção da própria imagem de si, por meio da elaboração de um autorretrato.


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Figura 1: cantigas de roda da cultura popular.

Foto: acervo pessoal

Neste Café, contamos com a presença da artística popular Zeza 119. Ela, moradora da Vila dos Pescadores, Boqueirão/Parelhas-RN, atua no campo das artes cênicas, da música e das artes visuais. Sua participação envolveu um número musical que homenageava o Município, cantado uma música de sua autoria em um tom de aboio, estilo que lembra as audições das vaquejadas da região. A artista ainda trouxe mensagens, de seus livros, mimeografados, para discutir com os usuários questões que tangenciam o mundo contemporâneo, marcado pelo consumo e quebra de vínculos. Já o ator Josivan Alves fez leituras dramáticas de alguns poemas, como o que salientamos no início desse texto. Como recurso didático Josivan trabalhou ainda com a ludicidade fílmica, exibindo dois curtas de animação, que corroboravam a cultura nordestina por meio do cordel. A imagem em movimento e a propagação dos efeitos sonoros, dessas obras, ampliaram o seu poder de alcance e trouxeram para os usuários do CAPS essa linguagem, atestando o trabalho multidisciplinar que foi realizado. Exposição, produção teatral, dança, música, poesia, literatura de cordel, filme, entre outras expressões, são todos poderosos instrumentos de conhecimento, pois são vias deflagradoras de discussões sobre arte, educação, saúde e vida cotidiana, que por outros meios nem sempre se consegue atingir. Percebemos a importância que vários usuários davam as lembrancinhas que eram confeccionadas por eles mesmos na instituição, para serem distribuídas após as atividades. A maioria deles guardava e alguns até reservavam uma parte da estante de casa somente para expor esses

119

Josefa Dantas Nascimento, Zeza (Parelhas/RN, 1957 -) Vive e Trabalha em Parelhas-RN.


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pequenos objetos. Na ocasião foi distribuída a cada participante uma xícara artesanal, com uma mensagem que refletia sobre valores humanos. O projeto Refazendo Arte em Sonho é mais um serviço realizado no CAPS, que visa envolver os usuários em atividades terapêuticas, deixando-os em contato com materiais e técnicas que podem transformar sonhos em realidade, devido a suas características expressivas e de cuidado. Esse é um espaço destinado à experimentação e a realização de propostas com potência de transformação e ressocialização dos envolvidos, pois propicia a circulação de parte dessa produção, gerando deslocamentos dos usuários pela comunidade. Em última instância, esse projeto prever que o artesanato e a arte em tecido sejam expostos em locais de grande circulação de pessoas, como feiras e eventos outros (Figuras 2 e 3). Apesar dos trabalhos que já são desenvolvidos no campo artístico, ainda assim acreditamos que a Arte mereça ganhar mais amplitude dentro dessa instituição. Constatamos o quanto as atividades podem ser interessantes para os usuários, contribuindo não só enquanto terapia, mas enquanto procedimentos artísticos capazes de aumentar seus repertórios e vivências pessoais. Essas atividades envolvem recursos materiais e técnicos que atendem ao sentido poético, em um processo de reconhecimento da arte como deflagradora de experiências de vida, uma vez que visa estimular o usuário a acessar espaços de consciência, de sentido e de sonho dentro de si mesmo. As ações artísticas fortalecem usuários e familiares, fazendo a mediação entre esses e a equipe multidisciplinar que a atende, promovendo um espaço qualificado à inventividade e ao alargamento de “iniciativas articuladas com os recursos do território, nos campos do trabalho/economia solidária, habitação, educação, cultura, direitos humanos‖. Deste modo, é possível garantir ―o exercício de cidadania, visando à produção de novas possibilidades de vida‖ (BRASIL, 2013, p. 9).

1. O verbo e o corpo

Comunicamo-nos de várias formas, mas a mais usual é a que usamos a palavra falada. Por meio dela podemos dialogar, palestrar, trocar ideias. JoãoFrancisco Duarte Junior pontua que é preciso treino para conseguir estabelecer uma boa conversa. Esta envolve a enunciação e a escuta, por isso é raridade no nosso contexto social. As pessoas que estão situadas no que o estudioso denomina de modernidade tardia, referindo-se a contemporaneidade, acham uma perda de tempo parar para bater um papo ou jogar conversa fora com os amigos ou vizinhos, pois essas economizam seus discursos para empregarem em situações ―de negócio‖ ou para as interlocuções que são estabelecidas


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institucionalmente, sempre focalizando lucros, vantagens, ou seja, usam a fala estritamente com fins utilitários, salienta o autor de O Sentido dos Sentidos (2006). Mas a importância do ato de conversar sempre foi reconhecida antes de nossos dias, nos quais ele vem sofrendo um significativo decréscimo. A conversa, além de ajudar a manter viva a sabedoria popular, consiste também num fator de identidade e de integração cultural. Por ela são trocados não apenas informações e dados, mas, sobretudo, afetos e sentimentos, esses elementos básicos para a manutenção ou a transformação de uma dada realidade (DUARTE JUNIOR, 2006, p. 86).

Figura 2: trabalho coletivo com arte em tecido. Figura 3: exposição de artesanato durante evento.

Fotos: acervo pessoal

Parecem ser esses os pressupostos da Oficina da Palavra. A Oficina da Palavra é um projeto semanal que é coordenado pela psicóloga Salma Meira de Souza. Ela abre espaço à reflexão coletiva sobre algum tema previamente selecionado, dando vez e voz a cada um dos participantes. São usadas música, teatro, textos, filmes ou outro recurso oportuno que possa funcionar como um disparador para a discussão e a conversa. Essas oficinas sugerem, por meio da palavra, que cada enunciador possa repensar a vida cotidiana, com suas realidades complexas, dentro de um contexto de tratamento psicossocial. Por meio do diálogo sobre família, sexualidade, loucura, esfacelamento do eu, entre outros relevantes assuntos, é possível que seus participantes percebam novas formas de ver e sentir a realidade circundante e o ser humano. Tivemos oportunidade de participar de várias dessas oficinas. Destacamos aqui uma delas, que fez parte de um cronograma elaborado com atividades extras ligadas a exposição Cores da Inclusão. Esse trabalho foi


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realizado no Espaço Nordeste, em agosto de 2013, com um grupo de escolares da Escola Municipal Maria Terceira. Na ocasião, os usuários do CAPS puderam ouvir os estudantes e relatar suas experiências de vida, a esses. Alguns usuários apresentaram esquetes120 criados a partir da peça O Grito de Liberdade, que contribuíram para nortear o debate em torno do tema preconceito (Figura 4). Figura 4: usuários apresentando esquete aos escolares.

Fotos: acervo pessoal

O Iluminarte, por sua vez, ‗superou‘ o trabalho terapêutico para se transformar em um respeitado grupo de teatro de Parelhas. Também coordenado pela psicóloga Salma Meira, ele é um dos dois grupos de teatro da cidade, em atuação no momento121. As atividades do grupo são abertas aos familiares e propicia, principalmente aos sujeitos que sofrem de transtorno mental e usuários de álcool e outras drogas, desenvolver suas potencialidades artístico/expressivas, tangenciando temas como violência, preconceito, drogas, relações familiares e sociais, valores humanos e outros. O Iluminarte tem três trabalhos produzidos, nomeadamente as peças: Tempo de Amar; O Grito de Liberdade; e Luz da Vida. Esta foi o único trabalho contemplado do Rio Grande do Norte, com o I Prêmio Cultural Loucos pela Diversidade – Edição Austregésilo Carrano, 2009, na categoria Grupos autônomos 122. O certame 120

Esquete é um termo que vem do inglês, sketch. Esse é utilizado normalmente pelos profissionais do teatro para se referir a peças ou cenas dramáticas de curta duração. 121 O outro grupo é o Baú Nordestino de Artes. Esse grupo de teatro de rua que atua em Parelhas desde 2008, conta com mais de dez trabalhos produzidos. O Baú trabalha dentro de uma perspectiva cidadã e inclusiva, buscando alargar o contato e o acesso do público com as artes cênicas. Coordenado pelos atores Jeane Azevedo e Josivan Alves, sua proposta de trabalho enfatiza a cultura nordestina, a educação e os valores humanos. 122

O prêmio foi uma iniciativa do Ministério da Cultura, através da Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural, em parceria com o Ministério da Saúde, e representado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), por meio do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental (LAPS) e a Caixa Econômica Federal (CEF).


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nacional tinha por objetivo agraciar cinquenta e cinco iniciativas, divididas em quatro categorias – instituições públicas, instituições privadas sem fins lucrativos, grupos autônomos e individual – que buscassem promover e garantir o protagonismo, a inclusão, a autonomia e o direito à cidadania de indivíduos em sofrimento psíquico, por meio das produções artísticas culturais (Figura 5). O Iluminarte recebe convites para apresentações em vários eventos sociais e culturais de Parelhas e região, além de escolas e espaços outros, ligados a prefeitura municipal da cidade. No período em que permanecemos no CAPS, pudemos acompanhar os ensaios e prestigiar várias apresentações do grupo, sempre muito aplaudidas pelo público. Conhecendo de perto o trabalho de Salma Meira como psicóloga do CAPS e vendo sua relação com as artes, especialmente as dramáticas, dentro dessa instituição de atenção psicossocial em que atua, é possível afirmar que esta profissional, se desdobra em suas atividades ligadas a área da Saúde para garantir pulsando nos palcos da cidade a arte que ilumina, que „anima‟ a vida. Com talento, dedicação e sensibilidade, a psicóloga Salma Meira, mesmo sem formação em Artes, presta um relevante serviço também a esta área do conhecimento no município de Parelhas, além de trabalhar para a desconstrução de preconceitos, que são instaurados na sociedade, estendendo ao campo da inclusão social. Observamos que as atividades do grupo, que foram realizadas durante o período de nossa estada na instituição, contribuíam para modificar a prática cotidiana, bem como para enriquecer as experiências de vida dos usuários, devido seu valor psicossocial, expressivo e pedagógico. As prestezas coletivas sempre tinham desdobramento em diálogos e em discussões grupais. Essas atividades são espaços propícios à enunciação daqueles que, por vezes, não tem vez nem voz na sociedade. São fendas encontradas para valorizar a fala dos participantes, que ganha ritmo e possibilita compor um novo enredo de vida, mais melodioso e alegre.


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Figura 5: De caras pintadas e pés no chão, o Iluminarte encena Tempo de Amar, na abertura da exposição Cores da Inclusão.

Fotos: acervo pessoal

O verbo pronunciado em monólogo é normalmente duro. Em diálogo pode ser transformado em uma bela sinfonia que alcança a coletividade. Embrenhado nessa fenda, o enunciador pode acessar as sombras mais profundas do ser, por vezes marcada pelo transtorno, confusão ou delírio. Um bom diálogo é capaz de colorir o negrume que esconde a candura da alma. Esse espaço de trabalho do CAPS é lugar de exercício e cuidado da palavra e do silêncio, por meio dos quais é possível desdobrá-los em trocas afetivas que tecem novos fazeres e conversas. Esses projetos propiciam que as ideias de cada um sejam afinadas com a do outro, gerando notas que entoam cidadania, inclusão social, direitos e valores humanos.

3. Arte em mosaico

Os ateliês de mosaicos aconteceram em 2013 dentro do Projeto Mosaicos Culturais. Este projeto oportunizou aos usuários do CAPS o contato com a técnica de mosaico artístico, bem como fazer um resgate social e histórico da cidade de Parelhas. O projeto contou com recursos do BNDES, Banco do Nordeste e do Governo Federal e foi coordenado por Ciléia Dantas, tendo Geângela Trindade como facilitadora. Esse aconteceu no CAPS ao longo dos meses de maio, junho e julho, contando com a colaboração voluntária de José Bosco e Jailson Valentim. O voluntariado em ações dessa natureza é importante uma vez que o mosaico exige apuramento técnico, por meio do manuseio de instrumentos cortantes, que podem oferecer risco aos usuários. Tendo em vista que os participantes da atividade criativa sofrem de transtorno


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mental ou são usuários de álcool e outras drogas, devemos ter cuidados especiais com esses, frente às ferramentas utilizadas. O Projeto teve a participação direta de aproximadamente vinte usuários e foi uma importante ferramenta nos seus tratamentos, atestando o seu valor terapêutico, num movimento gerado entorno da montagem de uma peça. Trabalhar com mosaico no CAPS favoreceu a geração de estados de sociabilidade, propiciou encontros, convivência social e discussões sobre técnicas e leitura de imagens, bem como atuou no resgate das raízes históricas e culturais do povo sertanejo. Ao todo foram produzidos trinta e seis quadros, de tamanhos variados, que retratavam um pouco do cotidiano do município, da sua história, do seu povo (Figura 6). Figura 6: mosaico com uma parelha de cavalos

Foto: acervo pessoal

O contato com o fazer expressivo favorece a criatividade e o desenvolvimento de habilidades, que pode ajudar na coordenação motora e no resgate da autoestima positiva. O projeto teve grande repercussão na comunidade e suas obras foram expostas durante o III Fórum de Saúde Mental 123, e também integraram a mostra Cores da Inclusão, no Espaço Nordeste. A técnica ainda foi expandida aos familiares dos usuários e membros da comunidade, a pedido da coordenação desse equipamento cultural, para atender demanda social. Foi criado e ministrado um minicurso de mosaico por Geângela Trindade, com oficinas de formação que se afinava com o conceito de sustentabilidade e 123

O III Fórum de Saúde Mental de Parelhas foi uma promoção do CAPS, dentro do Projeto CAPS I Parelhas/RN: cidadania além dos muros, financiado pelo Ministério da Saúde. O Fórum contou com o apoio da Prefeitura Municipal, por meio da sua Secretaria de Saúde e teve como tema Drogas, Saúde Mental e Rede Socioassistencial: limites, possibilidades e desafios. O evento aconteceu no dia cinco de junho de 2013, na Associação Atlética Banco do Brasil/AABB, contando com representantes de vários municípios da região do Seridó-RN e do estado da Paraíba.


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geração de renda, dentro da programação social e cidadã do Espaço, perfazendo um total de vinte horas-aula. Os encontros aconteceram sempre no período da tarde, na semana de doze a dezesseis de agosto de 2013. Seguindo uma metodologia de trabalho marcada pelas trocas de saberes e descontração, o minicurso configurou-se como um espaço dedicado a coaprendizagem técnico-profissionalizante e a experimentação em mosaico. Deste modo, tentou contribuir com a preparação dos seus participantes para a autonomia, o exercício profissional e as práticas cidadãs responsáveis, comprometidas com a sociedade.

4. (in)acabamentos

Neste texto, procuramos discorrer sobre algumas práticas expressivas que são oferecidas aos usuários do Centro de Atenção Psicossocial – CAPS I – Parelhas/RN. Propiciar a expressividade por meio de proposições que abrangem diversas modalidades artísticas contribui para cultivar o potencial criativo desses usuários. As ações evidenciadas são realizadas concomitantemente aos cuidados terapêuticos, somando-se a esses. A atuação social dentro de uma perspectiva de criação de redes aproxima diferentes agentes sociais e gera diálogos entorno da solidariedade, da inclusão social, do afeto, da família, do cuidado qualificado, da corresponsabilidade entre a família, o poder público e a sociedade. O trabalho intersetorial e a atenção a saúde mental é previsto pela Reforma Psiquiátrica, visando garantir que a pessoa com transtorno mental participe ativamente da vida social, sendo abrigada no seio familiar. É sabido da importância das atividades criativas no tratamento de várias patologias. O trabalho com arte não dispensa ou substitui o tratamento medicamentoso, mas demonstra ter vocação para o cuidado qualificado, por isso é tão importante na recuperação de pessoas que sofrem com transtorno mental ou que são usuárias de álcool e outras drogas. Quando encarado com seriedade e respeito, os benefícios do trabalho com arte podem se expandir para além da estética para promover à sociabilidade, o exercício pleno da cidadania, a saúde, a vida. Tudo isso porque a pessoa que se dispõe a participar de práticas expressivas pode descobrir e acessar informações relevantes sobre ela mesma. As práticas expressivas ainda despertam para o pensamento, o (re)equilíbrio das emoções, os bons sentimentos, assim como depuramento do gosto, dos gestos e dos saberes que podem aumentar a consciência de si mesmo e contribuir, inclusive, com melhoras no quadro patológico. A expansão das relações e o fortalecimento dos vínculos afetivos foram benefícios constatados em nossas observações.


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Referências

BRASIL. Ministério da Saúde. CAPS. Brasília: Ministério da Saúde, 2009. Disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=29797&janela=1 Acesso em 08/05/2013. DUARTE JÚNIOR, João-Francisco. O Sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. Curitiba, PR: Criar Edições LTDA, 2006.


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POÉTICAS DA DIFERENÇA: OFICINA DE DANÇA PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS Luna Dias Ferreira124

Introdução

O grupo de pesquisa ―Poéticas da Diferença‖ foi iniciado em 2004 como iniciativa de pesquisa de mestrado (obtendo continuidade em doutorado e estágio pós-doutoral), realizadas pela professora Fátima Daltro Correia, na Universidade Federal da Bahia. Abarcam propostas de ações investigativas artístico-educativas inseridas nas políticas de atenção às pessoas com deficiência oferecendo, acerca de 30 jovens e seus acompanhantes, frequentadores de instituições de reabilitação na cidade de Salvador, oficinas de dança contemporânea. As pesquisas referenciam-se na compreensão de corpo como estados/resultados transitórios das suas relações com o meio, apoiando-se na teoria do corpomidia125 que é um conceito de corpo correlacionado com o ambiente de modo tal que reconfigura permanentemente sua história pessoal, social, psíquica, biológica, genética e educacional. ―Logo, um modo de existir do corpo que cria interconexões com outras relações, implementando e sendo responsável por transformações incessantes.” (CORREIA, 2007, p.16). Assim toma a ―deficiência‖ não como estado definitivo e determinado, mas com potencial efetivo de outras formas de relação com o mundo. Todas as pessoas do mundo têm limitações físicas. Todas as pessoas do mundo buscam cuidados médicos em diferentes momentos da vida. Todo dançarino tem limitações físicas. Depois dessas três afirmações generalizadas, pergunto: Por que tratar a dança na/para/com pessoa com deficiência como um viés de reabilitação? E como não tratar desse modo?

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Licenciada em Dança pela Universidade Federal da Bahia (2010) e especialista em Estudos Contemporâneos de Dança (2011) pela mesma instituição. Destacou-se como monitora do projeto ―Poéticas da Diferença‖ (2009). Atualmente cursa disciplinas, como aluna especial do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais pela Universidade Federal da Paraíba. Email: lunadiasf@gmail.com. 125

Conceito defendido pelas pesquisadoras Helena Katz e Christine Grainer. Um pensamento de corpo em permanente troca de informação com o ambiente. Dotado de uma natureza cognitiva que se constrói junto, co-evolutivamente à história da sua vida, em acordos com o ambiente ao seu redor.


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O objetivo geral do grupo de pesquisa ―Poéticas da Diferença‖ propõe olhar a dança com um viés artístico educativo, sem focalizar apenas em resultados reabilitacionais e socioterápicos, mas procurar uma educação em arte, especificamente a dança, com vista para o desenvolvimento de sujeitos autônomos e com sentido de pertencimento social. Procura refletir como o corpo vivencia o mundo naquele instante, como ele o incorpora e como ele se identifica com as coisas da sua natureza e da natureza exterior. ―[...]o dançarino com deficiência utiliza seu corpo com expressividade, explorando poeticamente e comunicando-se de acordo com suas capacidades corporais[...]” (CORREIA, 2007, p. 19). A coordenação e os monitores do projeto buscam estimular ações que aproximem os elementos básicos da dança (espaço, tempo, movimento, vivências rítmicas, jogos coreográficos, repertório de memória individual e coletiva), além de recursos para que possam desenvolver o olhar estético e crítico sobre o fazer/pensar dança na contemporaneidade.

DINIZ (2007) nos explica que a deficiência é uma desvantagem provocada pela organização social, que pouco ou nada considera aqueles que possuem lesões e os exclui das principais atividades da vida social. A lesão é definida, pela Union of the Phisycally Impaired Against Segregation (Upias 1976), como ausência parcial ou total de um membro ou o mecanismo corporal defeituoso, ou seja, o reconhecimento do corpo com lesão existe, mas o enfoque da desvantagem deste corpo é denunciado pela estrutura social, fazendo aparecer a definição de deficiência. “O que existe são contextos sociais pouco sensíveis à compreensão da diversidade corporal como diferentes estilos de vida.‖ (DINIZ, 2007, p.8). Ela esclarece que a lesão é uma das formas corporais de estar no mundo, “Há quem considere que um corpo cego é algo trágico, mas há também quem considere que essa é uma entre várias possibilidades para a existência humana” (DINIZ, 2007, p.8). Afinal, ―o corpo onde está a lesão é mais do que um fenômeno fisiológico, é uma pessoa socializada‖. (MOTTA, 2008, p.36). Porém, aceitar o conceito de que o corpo tem sua maneira de ser e estar no mundo, tenha a forma que for, é algo absolutamente revolucionário, pois rompe e põe em discussão a velha concepção de deficiência como uma variação do normal da espécie humana ―O rótulo da (d)eficiência lhe retira a subjetividade, a vontade, a autonomia de ser/pensar/agir no mundo.” (MOTTA, 2008, p.25). Desde então, ser deficiente é experimentar um corpo fora da norma. É necessário produzir outras imagens para esse corpo, imagens das suas qualidades.


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A deficiência, levando em conta o embasamento teórico dos estudos de Diniz é ocasionada não pela apresentação corporal em si, mas na relação de como esse corpo se apresenta e como as estruturas de acesso estão desenvolvidas de forma a segregar e promover a deficiência das ações das pessoas lesionadas. “A experiência da desigualdade pela cegueira só se manifesta em uma sociedade pouco sensível à diversidade de estilos de vida” (DINIZ, 2007, p.9). O corpo com deficiência se apresenta como um estranho, no ambiente em que vive, por ser um corpo com contornos diferentes do que é propagado como ideal. Tudo parece ignorar as suas necessidades, tratando-se de estruturas físicas e arquitetônicas da cidade, reforçando o distanciamento das semelhanças com as coisas que lá dispõem, bem como os processos educativos assistencialistas locais que reforçam a deficiência de maneira a enfatizar a segregação. De modo que a produção de conhecimento desenvolvida nesses ambientes educativos, não atinjam outras pessoas ou o contexto social que esteja fora desse sistema assistencialista. Por essa utopia sobre a homogeneidade, é necessário entender a existência da pluralidade corporal. Corpos diferentes que dividem o mesmo espaço, que se comunicam, se expressam e que interagem, sendo que, para que isso aconteça, é preciso que haja acessibilidade das trocas de informações entre eles. A sociedade precisa estar consciente de que uma verdade absoluta não existe. Todos vivem meio à diversidade corporal, as pessoas são diferentes não apenas pelo seu contingente genético, mas também por todos os aspectos relacionados ao seu modo de viver, ao seu dia-a-dia. Trata-se, portanto, mais de um conjunto de epistemologias do que uma única epistemologia.

1. Sobre os modos de condução das oficinas de dança

Tratando de aulas de dança como área de conhecimento, é visível que, evoluções das respostas corporais quanto à proposta apresentada nas aulas de dança, vão ocorrendo durante o processo das aulas, como em qualquer corpo que se submete a alguma atividade. Já na/para/com pessoa com deficiência, essa evolução, tem um caráter de ―melhora‖. O que é essa melhora? Provavelmente, num contexto de reabilitação, seria a aproximação de um comportamento que seja adequado e aceito no contexto social, relacionado num contexto de funcionalidade da mecânica corporal. Parte-se da hipótese de que as iniciativas envolvendo a prática de dança, nessas instituições de reabilitação, baseiam-se numa epistemologia cartesiana sobre corpo e dança, onde corpo é visto como portador de


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limitações instransponíveis, e dança como um veículo/instrumento de ação pedagógica que pode ser utilizado apenas para recreação e ou reabilitação, tendo como referência o corpo dito ―normal‖. Organizar e difundir um determinado conhecimento sobre o corpo deficiente e as possibilidades de movimentos existentes em potencial, impulsiona a quebrar as barreiras do ensino da dança que são fundamentados em normas rígidas, tanto no que se relaciona no ensino propriamente dito, quanto as exigências dos ―corpos ideais‖ para suas representações. (CORREIA, 2005, p. 53).

Tento aqui, incentivar o cuidado de tratar a dança, na/para/com pessoa com deficiência, de maneira artística e não com um viés de reabilitação ou fisioterapêutico. Proporcionar, na aula de dança, a pesquisa de movimentos em improvisação e ativar a percepção de cada um e de como os movimentos podem ser realizados pelos corpos. Perceber como aquele corpo dança, cria e explora soluções de permanência no mundo. Numa visão pedagógica para o ensino de dança, o interessante é estimular a participação efetiva dos alunos, não apenas mostrar-lhes movimentos para serem reproduzidos ou copiados, mas atiçar a curiosidade como um meio de ampliar sua percepção através das vivências e experimentações. As percepções e a pesquisa de movimentos, além de contribuir para a expressão da singularidade e competência desses sujeitos. Proporciona o desenvolvimento da autonomia dos alunos a partir do maior entendimento da sua organização corporal. Ativar a percepção de como o corpo se organiza ao realizar as ações das atividades e realizar essa percepção durante a execução dos movimentos, de maneira simultânea. Nesse sentido e a partir das ideias desenvolvidas por Laban (apud MOMMENSOHN e PETRELLA, 2006), a dança é a exploração e vivenciação do espaço/tempo (ambiente/contexto) gerando condições de possibilidades. Laban identifica que a criação artística é um processo de exploração entre a estabilidade e instabilidade, ou seja, um emaranhado de situações previsíveis e não previsíveis que se cruzam e se interconectam de diversas maneiras. É possível identificar, neste processo, um componente determinista e um componente do imprevisível, ou seja, o foco e o acaso, que atuam simultaneamente. As aulas de dança do grupo de pesquisa ―Poéticas da Diferença‖ buscam remanejar as posições do professor e do aluno, uma vez que se definem pela produção em grupo, desestabilizando a posição do professor como única forma de saber, promovendo inteligência social e criatividade coletiva, na qual o professor é mais um do grupo, em papel de facilitador,


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orientador do trabalho (FREIRE, 1996). ―Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto um do outro‖ (FREIRE, 1996, p.25). Dar chances para o praticante discordar, propor alternativas, levantar questões, criar o clima onde haja o desejo de arriscar, valorizar suas descobertas corporais, são procedimentos que podem levar ao êxito no domínio da dinâmica de seus movimentos (CORREIA, 2005, p.49).

Um corpo capaz de experimentar sua configuração de modo criativo e potencializador no estabelecimento de outras relações com o mundo. O trabalho desenvolvido nas oficinas do projeto acontece a partir da incitação de idéias que buscam contradizer e controlar a expansão dos pensamentos hegemônicos presente no cotidiano dos alunos dançarinos. A questão é saber como se articular para produzir um ambiente adequado às estratégias que produzam autonomia. As aulas de dança que acontecem no projeto acabam por desenvolver uma autonomia dos alunos perante a proposta apresentada, por ter a característica de elaborar uma aula acerca da pesquisa de movimentos. Envolve o desenvolvimento de habilidades motoras perceptuais implicadas em atentar o corpo para constantes organizações e reorganizações sobre o que está por vir. Os movimentos executados pelos estudantes acontecem por meio de estímulos propostos pelos monitores, não apenas pela apresentação e reprodução dos mesmos. ―Copiar o movimento alheio como processo de aprendizagem motora é um dos recursos utilizados na prática da dança, mas a continuidade dessa repetição congela o corpo e inviabiliza a capacidade de novas ideias‖ (CORREIA, 2007, p.64). É um processo de encadeamento de aprendizagens, no qual cada nova aprendizagem vai favorecendo aprendizagens similares e mais complexas. Experimentando ―modos que o corpo articula para construir conhecimentos implicados no aprendizado motor, solidificando conhecimentos sobre os seus próprios movimentos e sobre as suas estruturas corporais‖ (CORREIA, 2007, p.83). O dançarino, ao se apropriar do seu corpo entendendo-o como uma coleção de informações, torna-se menos vulnerável aos discursos de poder e mais engajado politicamente. Aumenta sua predisposição em romper com os discursos hegemônicos que o cercam. Estimular o treinamento corporal centrado na percepção das sensações individuais, na intuição, nos valores, fará com que, gradativamente, surja uma modificação, tanto nos indivíduos


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que são submetidos à essa experiência, como nos sistemas sociais, políticos, nas instituições, pois elas refletem a maneira como se organiza o corpo, como se vê o mundo ao seu redor (CORREIA, 2005, p.30).

As questões referentes à teoria do Corpomídia apresentam um entendimento de corpo que ao dançar elabora as informações que vem do ambiente num diálogo contínuo apontando para um entendimento de corpo como uma construção que se faz num diálogo ininterrupto entre corpo e ambiente a partir do compartilhamento de informações. Apresentando redes de diálogos, a dança se resulta das combinações possíveis a seu corpo, acontece a partir de acordos e ajustes entre um corpo (uma coleção de informações específicas) e as informações trazidas pela dança que esse corpo se propõe a dançar. ―Configurações construídas como pensamentos poéticos girando em torno das possibilidades e do aproveitamento das propriedades do corpo dançarino, sejam elas quais forem.‖ (CORREIA, 2007, p.55). Ao fazer o indivíduo pensar no que ele se propõe em realizar, estimulando seu raciocínio, intuitivamente, ele estará canalizando os meios para que o movimento expressivo possa atingir os seus propósitos. No projeto de pesquisa ―Poéticas da Diferença‖, as pesquisas abraçam estudos investigativos em dança, transita em territórios contemporâneos sobre processos colaborativos em improvisação com múltiplos corpos abrindo espaço para novas experimentações e refletindo sobre modos diferentes de construir dança, sua contextualização na contemporaneidade entendendo o corpo como corpomídia. Através de aulas de dança que priorizam a investigação de movimentos e a criação em dança de forma individual e coletiva, o projeto ―Poéticas da Diferença‖ estimula a participação autoral dos alunos na construção de cenas/performances apresentadas no ambiente acadêmico da UFBA e outros espaços, como escola do ensino regular e instituições que trabalham com pessoas com deficiência. A partir dessa aproximação dos contextos de escolas de ensino regular com o grupo de dança do ―Poéticas da Diferença‖, os coordenadores do projeto buscam, numa perspectiva processual, a eliminação das linhas abissais. Promovendo um contato direto das produções artísticas desenvolvidas durante as aulas de dança para o público que não necessariamente esteja no mesmo contexto de deficiência. Essa visibilidade das produções artísticas, realizadas nas chamadas ―Cirandas Artísticas‖, coloca os alunos numa posição de intérpretes-criadores com visão crítica sobre o que estão dançando e como estão dançando (figura 1). Após as mostras das ―Cirandas Artísticas‖ os alunos têm a autonomia de dialogar com o público sobre o processo de criação que acontecem durante as


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aulas e também provocam o interesse, naquelas pessoas que estão assistindo, em participar das ações artísticas. Figura 1. Ciranda Artística – UFBA.

Foto: Diane Portella. 2009

Propõe interagir diretamente os corpos ―de um lado da linha‖ com os corpos ―do outro lado da linha‖ que antes se encontravam num contexto invisível. Esta atitude de aproximar, através da dança, os contextos que se encontravam nas possibilidades restritas das linhas abissais.

Considerações finais

A educação do movimento através da dança quando fundamentada em princípios onde o corpo é considerado como um organismo em construção, dando ênfase à conexão e nas diversas inter-relações do comportamento do movimento, se mostra sensível para modificar a qualidade do movimento para pessoas com deficiência física. A arte, no caso a dança, é uma manifestação de complexidade e de evolução, é importante não encará-la meramente como uma expressão artística no sentido trivializado que essa expressão costuma receber, voltadas não só para experiência lúdica e sensório-motora, mas a investigação artística e criativa de singularidades e da relação com o meio, possibilitando a construção de conhecimento pelo viés crítico da arte.


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Referencias

CORREIA, Fátima Daltro de Castro. O Sentido poético da Dança Espontânea entre corpos diferentes. Salvador: F.D.C. Correia, 2005. ______________________________. Corpo Sitiado... A Comunicação Invisível Dança, Rodas e Poéticas. São Paulo: Doutorado em Comunicação e Semiótica, 2007. DINIZ, Débora. O que é deficiência. São Paulo: Ed. Brasiliense, 2007. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo. Paz e Terra, 1996. MOMMENSOHN, Maria. PETRELLA, Pedro e organizadores. Reflexões sobre Laban, o mestre do movimento. São Paulo: Ed. Summus, 2006. MOTTA, Eleonora Campos. Análise das racionalidades presentes em atividades formais de dança para pessoas com (d)eficiência: um estudo de casos múltiplos em Salvador-BA. Salvador: Eleonora Campos da Motta Santos, 2008. UEXKÜLL, Thure Von. A Teoria da Umwelt de Jacob Von Uexküll. Revista Galáxia, nº 7, 2004.


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A ARTE DA ACEITAÇÃO DA MORTE: UM ESTUDO DE CASO Rosangela Xavier da Costa126

Introdução O presente trabalho tem o objetivo de demonstrar a importância da aceitação da morte, como um fenômeno inevitável e impactante que faz parte da vida. O interesse pelo tema estudado nasceu a partir da minha experiência de ser uma cuidadora-voluntária na Criança com Câncer ou Núcleo de Apoio a Criança com Câncer do Estado Paraíba (NACC-PB), há onze anos. Portanto, este estudo de caso, metodologicamente falando, é um recorte da minha dissertação, realizada no Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões (PPGCR) na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), concluída no ano de 2010; teve como sujeito de pesquisa uma cuidadora-familiar de uma criança com câncer, no universo da Casa da Criança com Câncer. A Casa da Criança com Câncer ou o NACC-PB, é uma instituição filantrópica que realiza um trabalho humanitário e social, localizada na cidade de João Pessoa – PB, tem o objetivo de cuidar de crianças/adolescentes portadoras de todo tipo de câncer residentes nas cidades do interior do estado. Atende, também, alguns casos vindos dos estados vizinhos, como o Rio Grande do Norte e Pernambuco. Durante a permanência na casa, essas crianças ou adolescentes recebem o apoio para o tratamento oncológico completo (geralmente realizado no Hospital Napoleão Laureano); além de: hospedagem com cinco refeições, pernoite, acompanhamento médico, atendimento odontológico e psicológico. Participam também de atividades recreativas e de eventos nas datas comemorativas como: Dia da Criança, São João, Natal e Ano Novo, entre outros (SALES; OLIVEIRA, 2007). Cada um desses pacientes, fica hospedado na instituição juntamente com um (a) cuidador-familiar, na maioria das vezes, a mãe, que se responsabiliza pelo acompanhamento e pelo cuidado durante o tratamento oncológico. É nesse período que as crianças/adolescentes necessitam de cuidados redobrados. Segundo Cruz e colaboradores (1984, p. 32), ―no período da doença, os familiares desempenham papel preponderante, e suas reações influenciam a atitude e o comportamento da criança‖. 126

Graduada em Administração pela UFPB; com especialização em: Qualidade e Produtividade (UFPB) e Gestão de Unidades de Informação (UFPB); Mestre em Ciências das Religiões (UFPB). Ex-coordenadora do Grupo de Pesquisa em Arteterapia e Educação em Artes Visuais da UFPB (GPAEAV/UFPB/CNPq). Vice coordenadora do Curso de Especialização em Arteterapia e Saúde Mental da UFPB (CEASM, 2013), pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Arteterapia em Saúde Mental da UFPB/CNPq e Facilitadora da Terapia Constelação Familiar. Email: rosangelaxis@gmail.com


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Para a construção deste trabalho, o estudo de caso, foi a metodologia qualitativa escolhida, acompanhado da entrevista semiestruturada e do caderno de campo como instrumentos de pesquisa. A metodologia qualitativa, propiciou, para este trabalho, uma tentativa de compreensão detalhada dos significados e das características situacionais apresentadas pela entrevistada (RICHARDSON, 1999). Os dados coletados foram gravados, registrados no caderno de campo e analisados pelo método da Análise do Discurso (FOUCAULT, 2009). O caderno de campo, como instrumento e suporte de anotações, criou a possibilidade de planejamento para a execução da pesquisa, a partir dos registros e das reflexões percebidas durante a interlocução com o sujeito pesquisado, pois: ―nele estão informações essenciais que expressaram as ações, os problemas, as dificuldades, as impressões, as expectativas, as emoções e as opiniões relevantes que encontrou-se no percurso do estudo‖ (COSTA, SALES, 2011, p. 89). 1. Compreendendo os estágios da morte Seguindo os estudos de Kübler-Ross (1998b), psiquiatra suíça, que pesquisou as concepções sobre a morte e o morrer em pacientes terminais em iminência de morte, o doente passa por cinco estágios fundamentais, como um desafio para a compreensão da finitude humana, que são os estágios da morte, a saber: a negação, a raiva, a barganha, a depressão e a aceitação. Esses estágios, na maioria das vezas, surgem no paciente, nesta sequência. Para a autora, ―havia muito o que aprender sobre a vida escutando os pacientes terminais‖ (KÜBLER-ROSS, 1998a, p.145). Além disso, não apenas os doentes que recebem ou que passam por uma doença terminal, como o câncer e a aids, são propensos a passar pelos estágios da morte, como intitula ela, os parentes e as pessoas mais próximas, tendem também a passar por eles. O primeiro estágio, o da negação, vem acompanhado do isolamento. É a fase em que o paciente tende a não aceitar a própria doença. Com o recebimento da notícia chocante, que, na maioria das vezes, vem de um profissional da área de saúde, o indivíduo se coloca diante de uma realidade que lhe faz tomar consciência da vulnerabilidade da vida. A crença de que o erro médico existe, mediante o diagnóstico, persegue o indivíduo como uma sombra de esperança. É uma negação temporária, que irá atuar como uma defesa e que, em seguida, é aceita pelas constatações comprobatórias documentais (KÜBLER-ROSS, 1998b). A dificuldade temporária, deste estágio, permanece provocando certo isolamento no indivíduo, com tendência a ser aceita na próxima fase dos estágios. No segundo estágio – o da raiva – o paciente passa a se perguntar: ―Por que isso aconteceu comigo?‖ Essa reação vem acompanhada de muitas emoções negativas. Durante esse estágio, um dos mais difíceis de atravessar, todos os questionamentos da vida se apresentam e, raras vezes, a raiva se volta contra a própria família, contra os profissionais da saúde e, até mesmo, contra Deus. Segundo Kübler-Ross (1998b, p. 56), ―deve-se isso ao fato de


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essa raiva se propagar em todas as direções e projetar-se no ambiente muitas vezes sem razão plausível‖, exigindo dos cuidadores paciência e compreensão. Segundo a autora, o fato do paciente externar a raiva, também faz parte do processo de aceitação da doença. O terceiro estágio – o da barganha – é mais curto; é quando o paciente vai tentar ―negociar‖ com Deus, ou em algo ou alguém superior, procurando afastar a ideia da morte próxima. Promessas são feitas, incluindo negociações que lhe darão maior sustentação psicológica para os dias que virão. O futuro incerto do indivíduo parece impedir que ele cumpra compromissos assumidos perante as pessoas e a vida. Então, ele tenta se apegar, ao máximo, nessa fase, à parte espiritual. A espiritualidade torna-se latente, pois será uma ―âncora‖ que dará suporte nos momentos mais difíceis do tratamento oncológico. Segundo Kübler-Ross (1998b, p. 89), ―as maiores barganhas são feitas com Deus, são mantidas geralmente em segredo, [...]‖. Psicologicamente, as barganhas produzirão efeito sobre o paciente, muitas vezes, aumentando a fé e a esperança. No quarto estágio – o da depressão – os sentimentos tristes e depressivos afloram, porque o paciente não pode mais negar a doença e é forçado a submeter-se a ela (KÜBLER-ROSS, 1998b). Outros aspectos são também envolvidos nessa fase, em que fortes mudanças estão ocorrendo: o setor financeiro, o familiar e a parte estética são diretamente afetados, pois, o tratamento está sendo aplicado; é o estágio em que a maioria dos pacientes perde os cabelos e alguns aspectos físicos são modificados, dificultando ainda mais esse período. É uma espécie de vivência inconsciente do luto pela própria vida, estágio de interiorização do problema. O quinto e último estágio – o da aceitação – é aquele em que o paciente já está bem debilitado, devido ao tratamento e aos efeitos da própria doença, é quando ele aceita que é mortal, que a morte está presente na vida dele. O estágio da aceitação é um processo muito lento, daí surge a compreensão de que não existe muita coisa a se fazer, portanto, em alguns casos, resta aceitar a situação sem revoltas. Kübler-Ross (1998b, p. 121) assevera que ―[...] não está na natureza humana aceitar a morte sem deixar uma porta aberta para uma esperança qualquer‖. É nesse estágio em que o indivíduo inicia uma fase de revisão da própria existência. Acontecimentos, fatos importantes e datas comemorativas, que fazem parte da vida psíquica e emocional, são rememorados, recapitulados e repensados; trazendo um pouco de alívio, esperança e fé. Durante esse estágio, a pessoa necessita de muitos cuidados. Dessa forma, Elizabeth Kübler-Ross contribuiu, com suas pesquisas, por meio de uma abordagem interdisciplinar, sobre as atitudes perante o entendimento do fenômeno da morte com pacientes em estado terminal. Ela criou oportunidades para pacientes, ao dar-lhes voz e escuta aos sentimentos delicados e sutis que emergiam no final da vida, ajudando-os a encarar a morte com dignidade e, algumas vezes, com calma. Os estágios pelos quais os pacientes em iminência de morte passam, podem coincidir com os mesmos do cuidador-familiar, ao receber o diagnóstico de uma doença grave como o câncer no ente familiar. Até o final do tratamento ou da morte desse ente familiar, o cuidador-familiar tende a passar pelos


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mesmo cinco estágios, mas, nem sempre, segue a mesma ordem proposta por Kübler-Ross, porque se encontram em níveis de necessidades diferentes. Sentimentos como culpa, impotência, raiva, tristeza, angústia e perda assolam os membros da família, por isso os cuidadores-familiares também precisam de apoio e de cuidados, pois ―[...] precisam de alguém que lhes dê suporte, que lhes ofereça proteção e apoio, facilitando seu desempenho, compartilhando de algum modo sua tarefa‖ (CAMPOS, 2005, p. 42). 2. A arte da aceitação A aceitação, o último estágio da morte, segundo Elizabeth Kübler-Ross, é o momento da existência, tanto para os pacientes com câncer, como para os seus familiares, que causa muitos questionamentos. Entretanto, atitudes de posicionamentos e escolhas, nesse período difícil da vida, determinam o nível de crescimento e transformação pessoal de cada um. Encarar a vida, tal como ela se apresenta, ou seja, aceitá-la, é assumir a realidade e a responsabilidade da própria existência. Aceitar nossa realidade tal qual representa um ato benéfico em nossa vida. Aceitação traz paz e lucidez mental, o que nos permite visualizar o ponto principal da partida e realizar satisfatoriamente nossa transformação interior (SANTOS NETO, p. 133, 2008).

É deixar passar o primeiro impacto da emoção contrária ao ocorrido. É visualizar com clareza as possibilidades de aprendizado, avaliando com respeito e adequação as dificuldades e as formas de enfrentá-las, dentro dos recursos e das condições possíveis. É seguir adiante em um processo harmonioso de evolução, buscando a paz e o equilíbrio. Ao encarar os fatos difíceis da vida, ou seja, aceitá-los, o indivíduo aprende a manter a atenção no momento presente, desenvolvendo assim o próprio aprendizado. Quando isso não acontece, pode ocorrer mecanismos de defesa contra a realidade, afastando o momento presente, forma de negação. Esses fenômenos psicológicos, são inconscientes, pois, como funções do ego, fazem parte das estruturas que protegem a psique do indivíduo. Protegem no sentido de afastar do consciente, qualquer conteúdo psíquico causador de intenso desprazer ou angustia. Contudo, para Jung (2008) o indivíduo deve procurar, cada vez mais, se autoconhecer, descobrir o mundo fascinante do inconsciente; pois é o caminho da função transcendente, ―[...] tal caminho só é possível e fecundo se os indivíduos assumirem na realidade as tarefas específicas e concretas que se propõe‖. (JUNG, p. 110, 2008). Ou seja, é a aceitação da realidade.


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Assim, aceitar a vida como ela se apresenta, é uma arte. A arte da aceitação está diretamente ligada ao modo como os indivíduos encaram a própria existência, aceitando o que lhes é imposto pelo destino, sem revoltas, sem ódios e sem traumas, mesmo que venha permeado de tristeza; apenas aceitando, como algo que faz parte da vida, como a morte.

3. O estudo de caso Nosso sujeito de pesquisa é uma mãe, que recebeu a nomenclatura fictícia da flor Açucena, para proteger eticamente sua identidade. Tinha, na época, trinta e seis anos. Sua filha, com sete anos, estava passando por um processo de câncer, com um tratamento que já durava três anos. Elas residiam no interior da Paraíba. Como respondia bem ao tratamento, Açucena já demonstrava confiança nos procedimentos de saúde adotados pelos médicos, e, sua alegria era visível. Muitas vezes, chegava sorridente com a filha, apenas para visitar a Casa da Criança com Câncer, sempre se fazendo presente nas festinhas instituição, prestigiando e compartilhando alegria e esperança com as outras cuidadoras-familiares que estavam passando pelo processo de tratamento. Cheia de otimismo, pois a filha já estava quase com o tratamento completo, fazendo apenas as revisões anuais, ela vivia com equilíbrio e confiança. Açucena, ao ser entrevistada, demonstrou que, ao saber da doença da filha, com o impacto da notícia, passou literalmente por todos os cinco estágios da morte, segundo a autora Elizabeth Kübler Ross, conforme demostra o quadro abaixo: Quadro 1. Classificando Açucena nos cinco estágios de Elizabeth Kübler-Ross

Será Senti Minha que eu tristezas Não Fiz 36 fé é mereço e ► acred ► ► promess ► ► maior esse sentime ito as que a castigo nto de doença ? culpa AÇUCEN NEGAÇÃO A

RAIVA

BARGAN ACEITAÇÃO HA DEPRESSÃ O

Fonte: Dados da pesquisa

Com sentimentos de culpas e tristezas, demonstrados no estágio da depressão, Açucena, relatou em seu discurso que, antes o trabalho fazia parte de uma das prioridades da vida dela. A doença da filha, mudou seu ritmo de


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vida, antes, era voltada para preocupações com outros afazeres e com o trabalho, dando pouca atenção e cuidados para a filha. Segundo ela: ―Me aproximei mais dela [a filha], antes era muito afastada, trabalhava muito‖. Foi preciso que essa mãe deixasse o trabalho, temporariamente, para cuidar da saúde da filha. A fé e a esperança foram os sustentáculos para chegar ao estágio da aceitação, e continuar a luta pela vida da filha. Desse modo, essa cuidadora-familiar, ao passar por tantas emoções com muita coragem, chegou até o estágio da aceitação. Meses depois dessa entrevista, encontrei com Açucena na Casa da Criança com Câncer e perguntei pela sua filha. E ela respondeu surpresa: ―Você não sabia? Ela morreu. Está com papai do céu. Virou um anjinho‖. Realmente eu não sabia. O câncer havia voltado com força total e a filha, apesar de aparentar estar bem, não resistiu e foi a óbito com muita rapidez. Enquanto a surpresa estava estampada no meu rosto, Açucena, falou com tranquilidade: ―Mas não se preocupe, ela está bem. A morte faz parte da vida‖. Assim, ela aceitou com tranquilidade, mesmo revestida de tristezas, a morte da filha. Anotações do meu caderno de campo. Essa forma de aceitação demonstra que, a arte da aceitação está associada à maneira como os indivíduos encaram os momentos mais difíceis da existência. Segundo Santos Neto (2008), a atitude da aceitação é aprender a respeitar os mecanismos da vida tal qual eles são, é encarar as circunstancias da vida com as experiências necessárias para o amadurecimento e o desenvolvimento espiritual. A arte da aceitação está relacionada ao prazer de estar vivo. É uma atitude mental de atrair soluções para os problemas, redirecionando esforços que gerem mudanças ou transformações; criando novos objetivos em busca de soluções para os conflitos existenciais. Considerações finais Vale destacar o apoio que a Casa da Criança com Câncer (NACC-PB) oferece, nos seus doze anos, às crianças/adolescentes acometidas de câncer, residentes no interior da Paraíba e em outros estados. Esse trabalho de humanização social, deve-se ao empenho e a dedicação que o criador e mentor da instituição, Dr. Gilson Espínola Guedes, realiza. Pode-se considerar que, a vida tem que ser vivida da maneira que ela se apresenta para cada pessoa. Entretanto, em momentos de angustias e questionamentos para se chegar ao estágio da aceitação, se faz necessário muita coragem e apoio, tanto dos familiares, quanto das instituições. Como inferência, pode-se acrescentar que, o medo da morte está intrínseco no ser humano, permeado de mitos e tabus. Mas, ainda existem pessoas, por poucas que sejam, que podem viver em harmonia e paz, aceitando a vida como ela é, com valores mais humanos, como uma arte, apesar das suas perdas mais preciosas.


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Referências CAMPOS, Eugenio Paes. Quem cuida do cuidador: uma proposta para os profissionais da saúde. 2 ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2005. COSTA, Rosangela Xavier da; SALES, Ana Maria Coutinho de. Morte e espiritualidade: registro de um caderno de campo. In: SILVA, Anaxsuell Fernando da; LOPES JÚNIOR, Orivaldo Pimentel; LUIZ, Ronaldo Robson (Orgs.). Mythos-logos: uma epistemologia dos estudos da religião. Curitiba, PR: CRV: 2011. CRUZ, Magda et al. Criança e doença fatal: assistência psicorreligiosa. São Paulo: Saveir, 1984. SANTOS NETO, Francisco do Espirito. Renovando Atitudes. 23 ed. Catanduva, São Paulo: Boa Nova, 2008. FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970.Trad. Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Edições Loyola, 2009. JUNG, Carl Gustav. O Eu e o inconsciente. 21. ed. Trad. Dora Ferreira da Silva. Petrópolis, RL: Vozes, 2008. KÜBLER-ROSS, Elizabeth. A roda da vida: memórias do viver e do morrer. 5. ed. Trad. Maria Luiza N. Silveira. Rio de Janeiro: GMT, 1998a. ______. Sobre a morte e o morrer: o que os doentes terminais têm para ensinar a médicos, enfermeiras, religiosos e aos seus próprios parentes. Trad. Paulo Menezes. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998b. RICHARDSON, Roberto Jerry. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999. SALES, Ana Maria Coutinho de; OLIVEIRA, Lúcia de Fátima (orgs.). Casa da Criança - 10 anos de mãos dadas pela vida. João Pessoa: Editora Universitária-UFPB, 2007.


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A INFLUÊNCIA DA ARTE NO IMAGINÁRIO DA PESSOA IDOSA: UM ESTUDO EM UMA INSTITUIÇÃO DE LONGA PERMANÊNCIA Robson Xavier da Costa127 Jacqueline Alves Carolino128 Rosangela Xavier da Costa129 Shirley Moreira Tanure130 Alecsonia Pereira de Araújo131

Introdução O envelhecimento é uma etapa natural na vida das pessoas, entretanto, esse é um período em que elas necessitam de atenção e cuidados. Segundo Zimerman (2000), não se pode mais ignorar a necessidade de darmos atenção à velhice no âmbito institucional, político, econômico e da saúde. As pessoas idosas têm necessidades próprias, características e peculiaridades que devem ser respeitadas e atendidas. A aceitação da velhice como parte do ciclo da vida, é um modo de entender toda a trajetória do processo de envelhecimento. Valorizar a si mesmo e entender que, em cada fase da vida o ser humano adquire formas de encarar as diversificadas situações do cotidiano, é um desafio para o ser humano. A pessoa idosa é portadora de conhecimentos e experiências adquiridas em sua trajetória de vida. Infelizmente no Brasil, ainda temos uma cultura que tende a considerar os idosos como seres decadentes e ultrapassados; uma pessoa que não aprende mais e que já não contribui com a sociedade. São excluídos do convívio social, retirados do contexto familiar e acabam na condição de internos em uma instituição. Para Oliveira et al (2006) os idosos que passam a viver instituições asilares tornam-se membros de uma nova comunidade, vivenciando uma brusca ruptura de seus vínculos relacionais e afetivos, e passam a conviver cotidianamente com pessoas desconhecidas e consequentemente, a adaptarse e submeter-se as normas e regulamentos da instituição. Essa população necessita de atendimento diferenciado e específico, garantido pelo estatuto do idoso (regulamentado pelo decreto nº 5.130 de 07 de julho de 2004). A LEI Nº 10.741 de 01/10/2003, é um instrumento jurídico para cobrar os direitos do idoso, garantindo que ele tenha uma vida digna como 127

Doutor em Arquitetura e Urbanismo; Mestre em História; Especialista em Eduçação Especial; Licenciado em Artes Plásticas. Email: robsonxavierufpb@gmail.com. 128 Mestre Em Serviço Social; Licenciada em Artes Plásticas. Email: jackcaroline@gmail.com. 129 Mestre em Ciências das Religiões; Bacharel em Administração. Email: rosangelaxis@gmail.com. 130 Licenciada em Artes Visuais e Bacharel em Fisioterapia. Email: shirleytnure@gmail.com. 131 Meste em Serviço Social; Bacharel em Serviço Social. Email: alecsonia@hotmail.com.


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qualquer outro indivíduo, de modo a reforçar aquilo que se apresenta na Política Nacional do Idoso (BRASIL, 2009). De fato, precisamos de uma sociedade que pense mais no coletivo e que seja menos individualista, que esteja disposta a contribuir de forma mais humana com essa população que hoje é bem visível e significativa na nossa grade populacional. Este estudo é parte integrante de atividade do projeto Artes Visuais & Inclusão: ensino de artes visuais em instituições de educação inclusiva em João Pessoa/PB. As atividades estão sendo desenvolvidas pelo Grupo de Pesquisa em Arteterapia e Educação em Artes Visuais (GPAEAV/UFPB/CNPq) e pela equipe do Laboratório de Artes Visuais Aplicadas e Integrativas (LAVAIs), da Universidade Federal da Paraíba, desde 2014. Este projeto acontece com um grupo de pessoas idosas na instituição de longa permanência Vila Vicentina Júlia Freire 132, localizada no bairro da Torre, na cidade de João Pessoa – PB, com a realização de encontros quinzenais, com duração de três horas. O objetivo deste artigo é demostrar como a arte pode influenciar no imaginário da pessoa idosa favorecendo a expressão dos sentimentos, emoções e conflitos. Podendo ser considerada como um recurso para melhorar a qualidade de vida desse nicho populacional. Em termos metodológicos, este trabalho se caracteriza como uma pesquisa-ação (BARBIER, 2004). Esse tipo de pesquisa trata de um processo que segue um ciclo que pode ser resumido em ação, reflexão e investigação sobre uma determinada prática (COSTA, 2010). Os dados estão sendo coletados através de oficinas (atividades de expressão artística) e anotações no diário de campo, no qual o pesquisador descreve os acontecimentos do decorrer da pratica e, por meio destas descrições, pode criar outros tipos de recursos para a intervenção. A população da pesquisa corresponde em média 08 pessoas idosas com idade entre 60 e 86 anos, moradores da instituição. 1. Fundamentação teórica O Brasil vivencia um processo acelerado de envelhecimento da sua população, no entanto, desconhece que 26,3 milhões de pessoas são idosas representando 13% da população total. Estima-se que esse percentual seja maior em 2060 chegando a um índice de 34% (IBGE, 2014). Para Beauvoir (1990), desde a antiguidade a expectativa de vida a partir do nascimento não parou de crescer. Salientado que, esse aumento do índice de vida se deve, principalmente, ao adiamento da mortalidade em função dos avanços da medicina e dos meios de comunicação. 132

A Vila Vicentina Júlia Freire é uma entidade filantrópica sem fins lucrativos que foi criada em 1944. Reconhecida como utilidade pública através de leis municipal e estadual. Essa instituição abriga cerca de sessenta idosos, com idades entre sessenta e cento e cinco anos.


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Esse índice crescente de pessoas idosas repercutiu e repercute nas esferas da estrutura social, econômica, política e cultural da sociedade. Os idosos, assim como os demais indivíduos (crianças, jovens e adultos), possuem demandas específicas para obtenção de adequadas condições de vida. Apesar de a pessoa idosa ser portadora de conhecimentos e experiências adquirida pela sua trajetória de vida, podendo ainda ser útil para a sociedade e para as novas gerações, são excluídas do convívio social, afastadas da família e acabam internas em uma instituição. Os valores familiares e culturais de hoje são diferente de antigamente. As pessoas que hoje são idosas nasceram numa época onde os indivíduos com mais idade (velhos) exerciam um papel fundamental no ceio familiar. Eram idosos totalmente inclusos na vida afetiva e social. O processo de inclusão pressupõe uma reestruturação que deverá adequar-se às diferentes necessidades dos idosos. Inclusão é uma ação que visa promover o desenvolvimento e valorizar o indivíduo (CAROLINO, 2009). Sendo assim, deve-se sensibilizar e conscientizar a sociedade de maneira que comecem a olhar os idosos de outra forma, menos ―excludente‖, mais justa, equitativa e humanitária. Lembrando que todo ser humano tem direito de ir e vir na sociedade. A inclusão tem adquirido relevância nos dias atuais principalmente com as atividades artísticas, pois, segundo Pereira (2006) a arte pode e deve ser um importante veículo para a construção da sociedade inclusiva, por meio dela percebe-se um grande avanço no desenvolvimento da autonomia e autoestima do individuo. Segundo Fischer (1979), a arte é o meio indispensável para a união do indivíduo com o todo. Induzir esse processo de desenvolvimento do idoso através das oficinas de atividades artísticas é oferecer ao indivíduo novos caminhos e novos aprendizados para a vida. Para Ostrower (1978), nas atividades artísticas, quando criamos procuramos atingir uma realidade mais profunda do conhecimento das coisas, ganhando um sistema de estruturação interior maior, permitindo um novo aprendizado. O ensino de Artes para pessoas (idosas), nessa faixa etária, é uma das ferramentas que possibilita o cuidado e a atenção necessária, para amenizar e mesmo anular possíveis sentimentos de estagnação ou conformismo da idade. Fornecer essa possibilidade é saber que, utilizar-se da arte e da admirável imaginação, o indivíduo consegue desenvolver sua personalidade e transpor certas possibilidades latentes para o real. O imaginário, através da sua ação simbólica, dinamiza a consciência e induz à ação. Sobre a ótica do Imaginário, Gilbert Durand (2002) explica que o imaginário revela-se muito especialmente como um lugar de ―entre saberes‖; como um lugar de um Museu ou de um espelho, que designa o conjunto de todas as imagens possíveis produzidas pelo indivíduo. Assim, o Imaginário permeia o mundo da arte com símbolos e imagens, tornando visível o invisível.


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2. Aplicabilidade da atividade e resultados O estudo obedeceu as seguintes etapas de trabalho e procedimentos: 1. Visita quinzenalmente nas terças-feiras com o objetivo de fazer atividade de arte visual com pessoas idosas, para o entender o processo de desenvolvimento e benefícios acarretados pela atividade; 2. No primeiro encontro foi feita uma roda de conversa, com a finalidade de conhecer cada um deles (idosos) e criar um clima de confiança, para que as relações e as atividades conseguissem alcançar os objetivos propostos; 3. Observamos o grupo em todas as atividades (oficinas) no decorrer do tempo, fizemos fotografias e anotações das falas dos idosos, no caderno de campo, para uma análise posterior. Aos poucos, todos foram se familiarizando com a atividade proposta, permitindo que o trabalho fosse sempre espontâneo e prazeroso; Os dados coletados foram analisados de forma qualitativa. Esse tipo de ação permite fazer uma analise teórica dos fenômenos sociais baseados no cotidiano das pessoas e em uma aproximação crítica das categorias e das experiências diárias (RICHARDSON, 1999). Foram trabalhados os conteúdos a partir da proposição de atividades objetivas com temas: ―Quem sou eu?‖, ―Quem és?‖, ―Quem somos e como estamos?‖, ―Onde estou?‖, ―Como estou?‖, ―Retrato e autorretrato‖, ―O conto de Fadas‖, ―Um lugar perfeito para morar‖. Durante as oficinas, foram disponibilizados diversos materiais, como tintas, cola, papel, tecido, cartão, massa de modelar, pinceis, lápis de cor, e carvão, entre outros. Desse modo, criando um ambiente favorável para que as pessoas idosas participantes ficassem à vontade. Entretanto, em cada oficina, foi focado um dos temas e disponibilizado os materiais específicos e apropriados. Neste artigo, serão elencadas algumas atividades/vivencias que consideramos para esse enfoque, mais significativos. Observamos, no decorrer das atividades, que a arte pode levar ao resgate dos sonhos, ao desabafo e a superação de alguns impedimentos interiores, além de ações criativas. Na vivencia intitulada ―Quem somos e como estamos?‖, analisando o elemento de criação (composição visual) de cada participante, verificamos que esse tipo de atividade reforçou a individualidade de cada um, fomentado pelo o universo do imaginário. Os participantes retrataram com a massa de modelar, figuras de familiares, associados aos relatos das histórias de vida e da chegada à instituição; afloraram sentimentos de solidão com sintomas de depressão, devido ao processo de institucionalização e o desprezo e a rejeição dos familiares.


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É importante frisar algumas falas e imagens dos trabalhos das participantes, como a de CS 133, de 75 anos: eu fiz um avião... (Imagem 1) foi quem me trouxe pra cá. Vim com minha filha passear e acabei aqui, foi à última vez que andei de avião. Também fiz um carneirinho e um homem em seu burrinho, tem muito no sertão.

Imagem1: o avião

Fonte: Shirley Tanure – Acervo do projeto, 2014.

Quanto ao elemento feito por Dona HS de 84 anos, ela diz: ―fiz essa tartaruga‖ (Imagem2). Perguntamos o que significava pra ela a tartaruga. Ela respondeu: essa tartaruga sou eu, depois que vim pra cá... ando devagar que nem tartaruga, aqui não tem pressa pra nada, tudo é a mesma coisa todo dia... é assim que vivo. Fiz uma lagartixa também, aqui tem muita. Imagem 2: a tartaruga

Fonte: Shirley Tanure – Acervo do projeto, 2014 133

Para garantir a proteção e o anonimato dos participantes, identificamos os idosos com as iniciais de nome e a idade.


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Observamos que a atividade da massa de modelar, que poderia levar ao resgate dos sonhos, superando alguns impedimentos interiores, levou os participantes a agir, criar e a desabafar. Como vivemos numa sociedade excludente, e o segmento idoso não é bem visto, trata-o com rejeição por não ser mais um indivíduo ativo/produtivo acaba excluindo seres que possuem sentimentos, força de vontade e dias para serem vividos plenamente. Muitas vezes, apenas precisam de atenção e uma oportunidade para serem escutados. Ressaltamos também, na vivencia do tema ―Quem sou eu?‖, trabalhando o autorretrato por meio dos materiais: espelhos, papel oficio, lápis de cor e lápis grafite, que os idosos vivenciaram experiências no universo imaginário e sensitivo. Pois, tiveram a possibilidade de criar imagens simbólicas, onde o processo verbal poderia surgir ou não. Essa vivência proporcionou, em alguns casos, o acesso ao inconsciente, como recurso que pôde promover o autoconhecimento. Nesse contexto, solicitamos que eles se olhassem no espelho com calma (Imagem 3), sorrindo para si mesmo; se observando, sem pressa, a fim de que ficassem descontraídos. Em seguida, foi pedido que representassem, em forma de desenhos, coloridos ou não, o que estavam vendo no espelho ou o que sentiam quando olhavam para a própria imagem com tanta atenção. Observamos que os idosos captaram atenciosamente a mensagem da atividade a ser desenvolvida, sem apresentar nenhuma dificuldade. Imagem 3: Vivencia com o espelho

Fonte: Shirley Tanure – Acervo do projeto, 2014

Então, as imagens e os relatos foram lentamente surgindo. CS (75 anos) começou desenhando uma mulher alta e elegante. Ela falou: ―Essa sou eu, a primeira da Vila Vicentina‖ (Imagem 4). Enquanto desenhava, ela rememorava um pouco da própria história de vida, lembrando: ―Quando me vejo no desenho penso em mim quando era nova. Eu era uma moça bonita. Hoje já estou velha e feia. Não se pode ficar mais bonita, não é?”.


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Imagem 4: ―Quem Sou eu?‖

Fonte: Shirley Tanure – Arquivo do Projeto, 2014

Apesar das lembranças da juventude e da beleza que surgiram, essa idosa demonstrou aceitar a idade e as modificações estéticas que advinham dela, ao lembrar a história de sua vida. Perceber a idade em si mesmo, pode ser uma forma positiva de autoconhecimento, porque um dos maiores desafios do idoso é a aceitação da própria idade para envelhecer bem e em paz. Percorrer esse caminho de autoconhecimento, por meio da arte, é incentivar a criatividade, a fim de apreender um espaço da mente no idoso que, devido à idade, acumula uma vasta experiência de vida. Nesse espaço, permeado de informações, a pessoa idosa pode acessar conteúdos psíquicos, inconscientes ou conscientes, que estão vinculados às suas ações e relações familiares durante a vida. São as energias psíquicas denominadas por Jung (1964). Merece destaque também esta vivencia que teve como tema ―Contando um conto‖. Atividade que utilizamos os seguintes materiais: lápis de cores e papel. Além de contarmos histórias. A ideia da vivencia foi que cada participante criasse um desenho que estivesse relacionado à sua história de vida. Após a criação do desenho foi solicitado que eles falassem da história relacionada ao desenho. Contar um conto é agregar pessoas, um ato de entrega coletiva, um fluir imaginativo; é o encontro consigo, com os outros e com a realidade, além de ser uma narrativa que auxilia o desenvolvimento do imaginário. Entrar no mundo mágico, fantasioso e encantado da Contação de Histórias acaba despertando a imaginação. As histórias ou ―estórias‖ podem ser consideradas um grande aliado para um educador, pois ao contar um conto cria-se a possibilidade de estimular e desenvolver o imaginário, além de cultivar a memória e a socialização. No decorrer da atividade as histórias foram surgindo: A idosa HS de 84 anos afirmou:


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tenho muitas lembranças da infância, muita saudade... quando pequena meu pai ia pescar e eu ia junto, era muito bom. A gente perdia a hora, sempre levava peixe... era pequeno, mais era um peixe (Imagem 5).

Imagem 5: Lembranças de um peixe

Fonte: Jack Carolino – Acervo do projeto, 2015.

A idosa AL de 79 anos conta a sua trajetória de vida até chegar na instituição, em uma das falas ela diz: sempre fui uma pessoa muito cheia de vida, convivi com meu marido 40 anos sem ter nada, éramos como irmão. Gosto de desenhar casas (Imagem 6), árvores, flores tudo o que me lembra a minha infância.

Imagem 6: Desenhando a casa onde morou

Fonte: Jack Carolino – Acervo do projeto, 2015.

Perguntamos como ela chegou ali, na Vila Vicentina. Ela respondeu:


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queria me libertar, gosto demais da minha família, dos meus filhos, mas, não aguentava mais viver do jeito que eu estava. Tava vivendo com uma pessoa que não gostava mais. Me libertei! Estou livre aqui.

É através de ouvir e observar, que o pesquisador vai organizando os pensamentos, construindo opções de perceber os conflitos internos do outro, quando inserido no mundo dos sujeitos de uma pesquisa. Na maioria das vezes os contos partem de um problema vinculado à realidade. As narrativas devem servir para aflorar o imaginário, restaurar elementos da afetividade, da emoção, do sentir e o do querer. É por meio dos dois mundos, do real e da fantasia, que o ser humano cresce e vive seus dias. Utilizando-se de papel canson e carvão, essa vivencia de arte coletiva, foi intitulada ―Um lugar perfeito para morar‖. Podemos considerar que, os idosos fizeram uma conexão direta com o fator ambiente. Tiveram a oportunidade de imaginar como seria o lugar certo para cada um morar. Ao desenharem, todos juntos, na mesma grande folha de papel canson, eles conseguiram delimitar seus espaços físicos no papel. Além de respeitarem o espaço um do outro, sem misturar ou desmanchar o desenho de cada um. Entre os desenhos surgidos, destacou-se o fator emocional, a saudade e as boas lembranças de uma vida antiga e ativa. As imagens simbólicas surgiram nos desenhos, construindo a história de pessoas que carregam consigo valores de uma época vivida e compartilhada. Para a idosa CS (75 anos), o desenho, apesar de ser coletivo, representava a sua viagem só de vinda até a Vila Vicentina, e assim ela fala: ―foi a minha última viagem e a primeira de avião (Imagem 7), me deixaram aqui e não vieram mais... é muito bom desenhar porque eu fico lembrando das coisas.‖ Imagem 7: A viagem no avião

Fonte: Rosangela Xavier. Acervo do projeto, 2015


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A idosa lembra-se dos parentes do Rio de Janeiro e relata que sente muita saudade deles. No processo de criação, a cidade ideal para ela, tem um avião uma bicicleta e uma pracinha para as pessoas conversarem. Então, cada relato ou imagem resgatada do passado daquelas pessoas idosas, demonstrava ter um significado especial. Cada história contada trazia a fala da origem e da identidade de cada um ou cada uma, dos seus anseios e das suas esperanças. Entre relatos de suas vidas os participantes tiveram a oportunidade de vivenciar atividades com arte, onde coletivamente puderam partilhar de suas experiências. Considerações finais Os resultados preliminares deste estudo foram obtidos por meio da análise qualitativa da pesquisa-ação. Trabalhamos os conteúdos a partir da proposição de atividades artísticas objetivas com os temas ―Quem sou eu?‖, ―Quem és?‖, ―Quem somos e como estamos?‖, ―Onde estou?‖, ―Como estou?‖, ―Quem somos e Como estamos?‖, ―Retrato e autorretrato‖, ―O conto de Fadas‖ e ―Um lugar perfeito para morar‖. Disponibilizando materiais do tipo: tintas, cola, papel, tecido, cartão, massa de modelar, pinceis, lápis de cor, carvão, entre outros, buscamos criar um ambiente favorável para o desenvolvimento das atividades de artes. Neste artigo estão elencadas algumas atividades/vivencias que consideramos mais importantes para o objetivo do estudo. A partir da confiança alcançada, no decorrer das vivencias foi possível notar a dinamicidade do trabalho e ver o quanto é importante o fato de a pessoa idosa estar vinculada a uma ação que a leve a sonhar, pensar, refletir, imaginar e, acima de tudo, criar seus símbolos para trabalhar seu imaginário. Assim, com base na observação e ação participante, podemos inferir que, as vivencias com artes exercem efeitos positivos no que se refere ao desenvolvimento da criatividade, na utilização do imaginário, das habilidades correlatas com o conceito de bem estar, principalmente no que diz respeito à atenção, satisfação consigo mesmo, relacionamento interpessoal, visão do outro e uma vontade muito grande de aprender coisas novas. Desse modo, a arte é uma das maneiras de expressar o imaginário por meio dos símbolos. E no terreno da estética, a arte é uma aptidão para entrar em ressonância ou sincronia com o mundo que nos cerca, por meio de suas imagens, formas, cores, sons e movimentos, captando silenciosamente sua expressividade latente (OSTROWER, 1987). As atividades com artes é uma forma de privilegiar, aquilo que jamais poderá ser esquecida, que é a memória. Histórias vivas/latentes e sua preservação reivindica a construção da identidade social. Podemos considerar ainda que, a experiência desenvolvida com esses idosos na instituição Vila Vicentina Julia Freire na cidade de João Pessoa - PB,


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constitui-se num processo de aprendizado, tanto para os ministrantes quanto para os participantes, porque demonstrou a superação das dificuldades da pessoa idosa asilada, que sente a falta dos seus familiares, mas mesmo assim continuam a viver em busca de um bem-estar físico e mental. Alguns pontos merecem destaques. O primeiro é que tivemos êxito na realização das tarefas inicialmente propostas, cumprindo o prazo estabelecido para a execução das mesmas. O segundo ponto, é a quantidade considerável de novos conhecimentos adquiridos pelos idosos participantes das vivências. Enfim, ressaltamos que a experiência nessa instituição, na qual propomos atividades com artes, foi abrilhantar os dias, promover encontros criativos, sobretudo, lembrarmos, que tudo ainda é possível a despeito das limitações que é associada ao indivíduo idoso. REFERÊNCIAS BARBIER, René. A pesquisa-ação. Trad. Lucie Didio. Brasília: Liber Livro, 2004. BEAUVOIR, S. A velhice. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1990. BRASIL. Estatuto do Idoso: Lei nº 10.741 de 1/10/2003. Brasília/DF: 2009. COSTA, L. S. O. Análise da elaboração conceitual nos processos de ensino aprendizagem em aulas de química para jovens e adultos: Por uma formação integrada. Goiânia: NUPEC/UFG, 2010 (Dissertação de Mestrado). CAROLINO, J. A. Atividades Artísticas ao Alcance do Idoso como Estratégia de Inclusão Social. In: 19 EPENN - ENCONTRO DE PESQUISA EDUCACIONAL DO NORTE NORDESTE. Educação, direitos humanos e inclusão social. João Pessoa PB, 2009. v. 1. DURAN, Gilbert. As estruturas Antropológicas do Imaginário. Trad. Hélder Godinho. Lisboa: Presença, 2002. FISCHER, E. A Necessidade da Arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. JUNG, C.G. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro. Tradução de Maria Lúcia Pinho, 5ª Edição; Nova Fronteira, 1964. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sinopse do Censo Demográfico 2014. ISBN - 978-85-240-4187-7 (meio impresso) arquivo PDF. Rio de Janeiro, 2014. OLIVEIRA, C. R. M.; SOUZA, C. S.; FREITAS, T. M.; RIBEIRO, C. Idosos e família: Asilo ou casa. Portal Psicologia, p. 1-13, 2006. OSTROWER, F. Criatividade e processos de criação. 9ª ed. Petrópolis: Vozes, 1978. PEREIRA, D. F. S. A arte e o seu papel na inclusão social. Belo Horizonte: E PUC Minas, 2006. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/pedagogiacao/article/viewFile/4855/5034 . Acesso em: 20 out. 2015. RICHARDSON, R. J. Pesquisa Social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1999. ZIMERMAN, G. I. Velhice: aspectos biopsicossociais. Porto Alegre: Artmed, 2000.


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ARTES VISUAIS & INCLUSÃO NO INSTITUTO DOS CEGOS DA PARAÍBA Robson Xavier da Costa134 Miriam Carla Marques Machado135 Rayssa Claudino de Melo 136 Viviane dos Santos Coutinho137

1. A arte e inclusão

O trabalho com pessoas com deficiências visuais provém de um caminhar histórico em torno das políticas públicas de amparo à educação especial. Esta educação engloba atividades normais do currículo pedagógico, dentre elas o estudo das artes visuais, que possuem um aparato lúdico, proporcionando maior interação entre os estudantes, em trabalhos de grupo e individualmente, trabalhando a percepção sensorial e criativa. Assim, o ensino de arte na educação especial tem sido uma ferramenta de resultados positivos, segundo Ferreira (2010) a arte pode ―desenvolver a linguagem verbal, e a coordenação motora; explorar aptidões em oficinas de arte aliadas a pedagogia‖ (FERREIRA, 2010, p. 60), passando noções de atividades práticas do cotidiano e também adquirindo autonomia. As diferentes linguagens da arte podem ser de grande importância no desenvolvimento da criança, favorecendo a integração e inclusão das pessoas com deficiências na sociedade, minimizando a exclusão sociocultural.

A arte pode proporcionar oportunidade de desenvolvimento emocional, encorajamento e confiança, e também, o sentimento de valor, favorecendo o crescimento global dos portadores de necessidades especiais. Portanto, a arte é um

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Docente do Curso de Graduação e Pós Graduação em Artes Visuais (Licenciatura, Bacharelado e Mestrado) e Coordenador do Programa Associado de Pós Graduação em Artes Visuais UFPB/UFPE, da Pinacoteca/UFPB e do Laboratório de Artes Visuais Aplicadas e Integrativas – LAVAIs/CCTA/UFPB; Coordenador/Orientador. Email: robsonxavierufpb@gmail.com. 135 Discente do Curso de Artes Visuais (Licenciatura). Bolsista do Projeto Artes Visuais & Inclusão - PROLICEN. Email: magamir@gmail.com. 136 Discente do Curso de Artes Visuais (Licenciatura). Ex Bolsista e estudante voluntária do Projeto Artes Visuais & Inclusão - PROLICEN. Email: rayssacm@hotmail.com 137 Discente do Curso de Artes Visuais (Licenciatura/UFPB); Estudante voluntária do Projeto Artes Visuais & Inclusão - PROLICEN. Email: coutinhosviviane@gmail.com.


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conteúdo especial que deve estar sempre presente na educação de todo ser humano (FERREIRA, 2010, p. 61).

O trabalho realizado no Instituto dos Cegos da Paraíba Adalgisa Cunha por meio do ―Projeto Artes Visuais & Inclusão: ensino de artes visuais em instituições de educação inclusiva em João Pessoa/PB‖ tem o objetivo de desenvolver e intensificar a autoestima, a socialização, a coordenação motora, o desbloqueio do potencial criativo e a inserção ativa do indivíduo com deficiência visual na comunidade por meio das atividades artísticas. As atividades de artes visuais são realizadas semanalmente para crianças, jovens e adultos, sendo um instrumento importante na reabilitação dos usuários. O projeto tende, também, a incentivar a criatividade e libertar a imaginação, desenvolvendo o tato e a recuperação do sentido. No trabalho desenvolvido, as pessoas podem acessar conteúdos psíquicos inconscientes ou conscientes que estão vinculados às suas ações e relações familiares durante a vida, além de procurar fomentar reflexões diante das dificuldades existenciais, ressaltando os potenciais e habilidades, minimizando as diferenças e a exclusão social.

2. Metodologia

O Projeto se insere no âmbito da pesquisa na área de educação inclusiva com deficientes visuais com a proposta de desenvolver a criatividade levando novos materiais para estimular o sentido tátil através das diferenças na percepção. No início da prática a proposta foi incentivar a produção artística abordando a História da Arte na contemporaneidade, porém houve resistência dos participantes. Esta dificuldade pode estar relacionada com a reversão da atenção, pois foge da referência visual de cada um. Então, utilizamos outra abordagem, deixando-os à vontade, para criarem a partir da leitura de mundo deles, sempre utilizando a argila como suporte, e conforme a orientação das professoras sobre as formas geométricas. A partir da memória tátil logo surgiram objetos utilitários e frutas em cerâmica. A criança cega, em função de não poder alcançar as semelhanças e diferenças dos objetos do ambiente através de imagens visuais, deverá compreender o mundo que a cerca pela indicação verbal das suas características, ou pela percepção tátil (MORAIS, 2010, s/p).


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Com base nessa observação, percebemos que o potencial cognitivo depende da conciliação da atenção funcional com a atenção suplementar; uma é responsável pelo direcionamento e o outro pelas sensações ampliando as percepções. Por ser um público diferenciado, ou seja, destituído do sentido da visão, inicialmente foi questionado o modo de trabalho. (...) considerando que o professor, como vidente, dispõe de pouca experiência sobre o perceber sem a visão. Assim, para poder programar sua ação educacional, ele necessita, nesta situação específica, interrogar-se e descobrir se tem oferecido condições para o que o portador de deficiência visual tem a dizer-lhe de seus próprios caminhos para perceber e conhecer (MASINI, 1993).

Diante desta realidade, desenvolvemos o trabalho sobre as memórias dos alunos, a partir da aplicação da pesquisa qualitativa com estudo de caso. A função das bolsistas e voluntárias foi estimular o manuseio do material e orientar sobre o aperfeiçoamento das técnicas.

3. Resultados e discussões

Em 2015 continuamos o Projeto iniciado em 2014, trabalhando semanalmente às sextas-feiras, com as crianças, no horário das 08h00 às 09h30. Nos meses de janeiro e início de fevereiro de 2015, a pedido da coordenadora do Instituto, Valéria Santos, realizamos oficina de bijuteria em argila, onde contemplamos em torno de 11 a 14 usuários interessados em participar, apesar de alguns preferirem trabalhar com temas livres. Após esta experiência, o trabalho foi retomado nos meses de maio e junho deste ano. Nos meses seguintes houve uma pausa nas atividades, tendo em vista o recesso do Instituto, e posteriormente a ausência de alunos para continuação das atividades. Foram detectadas algumas dificuldades, a princípio foi com reação de estranhamento do público que o projeto visava atender, bem como, o atraso do transporte ou sua falta, para levar os alunos ao Instituto, pois muitos deles moram no interior.


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Figura 01 - Oficina de bijuterias – 08.02.2015

Figura 02 – Oficina de bijuterias – 08.02.2015

Foto: Julie Vieira, 2015.

Foto: Julie Vieira, 2015.

Outra dificuldade apresentada foi o modo de trabalhar com os alunos, pois eles se mostraram resistentes quanto à expressão dos sentimentos que podiam concretizar na argila, tentamos resgatar memórias e explorar o imaginário. Assim, na condução dos trabalhos, nossa abordagem voltou-se para o incentivo das crianças a criarem algo a partir da sua realidade e seus interesses. O resultado foi imediato, surgiram instrumentos musicais (baterias) e uma boneca; alguns tiveram dificuldade com relação à coordenação motora e noção de espaço para executar a forma de qualquer objeto, mantendo-se apenas no movimento circular e produzindo bolinhas. Desta maneira, verificamos a heterogeneidade do grupo com estudantes com deficiências visuais e outras deficiências, como autismo e hiperatividade. A estudante M.E. é muito concentrada no que faz, tem raciocínio lógico muito rápido, ótima coordenação motora e noção de espaço. Figura 04 - No dia da oficina, o aluno A quis trabalhar as formas que ele lembrou de seu cotidiano, 2015.

Foto: Julie Vieira, 2015.


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Considerações finais

O Instituto dos Cegos da Paraíba Adalgisa Cunha, parceiro deste projeto, forneceu o espaço e todo material necessário para o desenvolvimento das atividades, além de dar liberdade pedagógica para o desenvolvimento do trabalho. Os estudantes que frequentavam as aulas, nem sempre mantinham a assiduidade semanal necessária para o caminhar sistemático do aprendizado. Ademais, alguns estudantes possuíam múltiplas deficiências. Procuramos seguir o ritmo dos próprios estudantes, o trabalho se desenvolveu lentamente, mas percebemos progressos nas crianças que possuíam bloqueios maiores. Este trabalho, para demonstrar melhores resultados, deve ser contínuo, pois é notável a melhoria daqueles que se interessam pela modelagem em argila, essa atividade ajuda no desenvolvimento da coordenação motora fina e da criatividade. O Projeto vem ganhando espaço no Instituto e certa autonomia, havendo boa relação entre todos os que estão envolvidos. Nossa experiência, embora tenha sido breve, foi produtiva. Tentamos quebrar as barreiras que nos separava dos usuários e abrir mais espaço para conversa. Os estudantes ainda estão sendo conquistados e os planejamentos reorganizados para se adequarem as necessidades dos usuários e da instituição, seguindo as diretrizes do projeto de pesquisa. Referências FERREIRA, Aurora. Arte, Escola e Inclusão: A Arte como meio de desenvolvimento dos Portadores de Necessidades Visuais. Petrópolis: VOZES, 2010. MASINI, Ensie F. Sazano. A Educação do Portador de Deficiência Visual – as perspectivas do vidente e do não vidente. Em Aberto. Brasília, Ano 13, n. 60, out./dez. 1993. Disponível em: < http://www.rbep.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/888/795>. Acesso em: 30 out. 2015. MORAIS, Diele Fernanda Pedrozo de. Artes Visuais para Deficientes Visuais: O Papel do Professor no Ensino do Desenho para Cegos. Revista Brasileira de Tradução Visual, Recife, Ano 1, Vol. 2, mar./jun. 2010. Disponível em: < http://rbtv.associadosdainclusao.com.br/index.php/principal/article/view/32/31>. Acesso em: 30 out. 2015.


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AULAS DE ARTES VISUAIS NA FUNDAÇÃO CENTRO INTEGRADO DE APOIO AO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA – FUNAD: RELATO DE OBSERVAÇÃO Robson Xavier da Costa138 Patrícia de Oliveira Silva139 Viviane dos Santos Coutinho140

Introdução

Este artigo é fruto da primeira etapa de aplicação do ―Projeto Artes Visuais & Inclusão: Ensino de Artes Visuais em Instituições de Educação Inclusiva em João Pessoa/PB‖ do ano de 2015, desenvolvido na Fundação Centro Integrado de Apoio à Pessoa com Deficiência (FUNAD), que foi iniciado ano passado, em 2014, em duas instituições: o Instituto dos Cegos da Paraíba Adalgisa Cunha (ICPAC) e a Instituição de Longa Permanência para Idosos Vila Vicentina Júlia Freire (VVJF). A FUNAD acolheu o Projeto em 2015, as aulas vêm sendo desenvolvidas semanalmente, com o apoio dos arte educadores da Fundação em parceria com a bolsista e os voluntários. Este artigo apresenta a etapa da observação participante. A Fundação Centro Integrado de Apoio ao Portador de Deficiência – FUNAD é um Órgão do Governo do Estado da Paraíba, vinculada à Secretaria Estadual de Educação referência no Serviço de Habilitação e Reabilitação nas quatro áreas da deficiência – CER IV (física, intelectual, visual e auditiva), sendo referência no Estado da Paraíba, onde as pessoas com deficiências são atendidas por uma equipe multidisciplinar ofertada pela instituição. Na Fundação são atendidas pessoas de todas as idades com deficiências temporárias ou permanentes: intelectual, visual, auditiva, física, múltipla, acidentados do trânsito, do trabalho, pessoas com transtornos globais do desenvolvimento TEA - Transtorno do Espectro Autista e pessoas com altas habilidades/superdotação.

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Docente do Curso de Graduação e Pós Graduação em Artes Visuais (Licenciatura, Bacharelado e Mestrado) e Coordenador do Programa Associado de Pós Graduação em Artes Visuais UFPB/UFPE, da Pinacoteca/UFPB e do Laboratório de Artes Visuais Aplicadas e Integrativas – LAVAIs/CCTA/UFPB; Coordenador/Orientador. Email: robsonxavierufpb@gmail.com. 139 Discente do Curso de Artes Visuais (Licenciatura/UFPB). Bolsista Prolicen 2015 do Projeto Artes Visuais & Inclusão. Email: moomchildjp@hotmail.com. 140 Discente do Curso de Artes Visuais (Licenciatura/UFPB); Estudante voluntária do Projeto Artes Visuais & Inclusão - PROLICEN. Email: coutinhosviviane@gmail.com.


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O objetivo do projeto é trabalhar a memorização, a identidade e a socialização dos usuários, desenvolvendo a capacidade criativa de cada individuo por meio do ensino de artes visuais.

1. Arte e educação inclusiva

A inclusão proporciona o direito de socialização com os demais, a diferença se mostra em qualquer grupo seja especial ou não, e apesar de tudo ela deve ser aceita e respeitada.

A inclusão promove a consciencialização e a sensibilização dos membros de uma determinada comunidade, porque permite uma maior visibilidade das crianças com necessidades educativas especiais. Assim, a sociedade percepciona essas crianças como parte de um todo, aceitando-as, progressivamente, como tal (CORREIA, 2005, p.55).

A educação inclusiva é um processo de inclusão através da educação que envolve os estudantes que apresentam necessidades educacionais especiais, porém estar na escola não é necessariamente está incluso, pois as diferenças de cada individuo são especificas, de acordo cada necessidade.

Artigo 58 - Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais. (...) Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais: I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades (BRASIL, 1999).

Quando se trata de educação inclusiva, vale salientar que haverá formas diferentes de lhe dá com cada individuo, pois cada especialidade irar requerer um tratamento especifico, seja ele físico, sensorial, intelectual, emocional, social ou qualquer combinação destas problemáticas, deficiência ou dificuldade de aprendizagem, a educação deve ser adaptada a cada condição. Refere-se a todas as situações em que, (…) devido a peculiaridades individuais, relacionadas com problemas de


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natureza física, intelectual ou emocional ou dificuldades de aprendizagem, o processo ensino aprendizagem se encontra de tal forma alterado que, exige adaptação das condições comumente oferecidas pelos sistemas educativos (SERRA, 2002, P. 29).

A arte é uma grande aliada para o desenvolvimento de uma educação inclusiva, permitindo ao individuo com necessidades especiais, trabalhar as suas potencialidades de aprendizagem como a criação, imaginação, observação, atenção, percepção, raciocínio, sensibilidade, promovendo a interação social do individuo respeitando as diferenças.

A arte, por ser extremamente subjetiva, exerce um papel importante dentro da educação especial, atuando onde a verbalização fracassa. A expressão artística se manifesta e traduz para a realidade objetiva os processos subjetivos. Não é mais possível admitir no ambiente escolar indiferença, desigualdade e egoísmo que possam gerar atitudes posteriores de preconceitos e discriminações. Nós, educadores inquietos e com vontade de mudar esse ambiente ―exclusivo‖, mesmo que com dificuldades, buscaremos todos os recursos disponíveis, permitindo que os alunos recebam uma acolhida educação com tratamento digno e ético de excelente qualidade. Não basta apenas aceitar o deficiente simplesmente por que a lei determina, é preciso reconhecer seu potencial, dar oportunidades de crescimento e principalmente de desenvolvimento social e cognitivo (BEDIN e BINOTTO, 2012, s/p).

Sendo assim, a educação inclusiva e o ensino de arte devem promover a aprendizagem artística e educacional, trabalhar as dificuldades e limitações de cada individuo. A arte apresenta possibilidades significativas para a inclusão estimulando o desenvolvimento cognitivo e social, reconhecendo seus potenciais os mostrando suas capacidades criativas.

2. Metodologia

Durante o segundo semestre de 2015 realizamos o processo de observação das aulas de artes visuais desenvolvidas no núcleo de artes da FUNAD, acompanhando o trabalho de três educadores(as) que trabalham com


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artes visuais, duas mulheres e um homem, intitulados primeiro, segundo e terceiro arte/educadores. A primeira aula que observamos em agosto de 2015, com o primeira arte/educadora dos três que estamos acompanhando, o primeiro horário foi trabalhado com o número de 2 usuários. Ela explicou que a falta de outros usuários é recorrente, pois muitos moram no interior do estado e dependem de transportes públicos. Os usuários variam de 10 a 40 anos de idade. A primeira arte/educadora está trabalhando de acordo com o tema elaborado pela instituição que é ―Cultura Popular Nordestina‖, para a feira de arte e cultura que será realizada em dezembro de 2015, por meio de releituras e reproduções produzidas pelos usuários, a partir das ilustrações dos livros: Baile do Menino Deus, Bandeira de São João, O Baile do Menino Deus e Tem Cavalo no Chilique. Constatamos que a falta de materiais artísticos é evidente, ouvimos reclamações dos(as) três educadores que estamos acompanhando, muito dos materiais utilizados são adquiridos pelos próprios educadores(as), durante as aulas utilizam quase sempre lápis de cor, giz de cera e papel (figuras 01 e 02). Figura 01 – Reprodução de ilustração de livro produzida por estudante da FUNAD

Figura 02 - Reprodução de ilustração de livro produzida por estudante da FUNAD

Foto: Viviane Coutinho, 2015.

Foto: Viviane Coutinho, 2015.

Cada estudante responde a um processo de aprendizado individual, pois são trabalhadas várias deficiências ao mesmo tempo, alguns dos usuários trabalham mais na reabilitação da coordenação. Todos os(as) arte/educadores estimularam o aprendizado e a memorização dos usuários, de acordo com o aprimoramento técnico eles vão trocando os lápis de cor nas suas atividades de pintura.


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A primeira aula do 2º arte educador, acompanhada em setembro de 2015, o primeiro horário foi trabalhado com o número de 4 usuários e o segundo horário com 5 usuários, 2 deles em atividades e os outros 3 em uma espécie de recreação no espaço que tem brinquedos na sala. Ele trabalhou desenho e pintura utilizando papelão, papel carbono, lápis HB, borracha, lápis de cor (figuras 03 e 04). A primeira aula acompanhada da terceira arte/educadora no primeiro horário contou com 3 estudantes, a atividade feita foi uma pintura em papel com o desenho já impresso, o que foi observada em todas as atividades propostas por essa arte/educadora, ou atividades de colorir com desenhos impressos (figuras 05 e 06).

Figura 05 – atividade de pintura sobre desenhos impressos

Figura 06 – atividade de pintura sobre desenhos impressos

Foto: Viviane Coutinho, 2015.

Foto: Viviane Coutinho, 2015.

Cada educador(a) trabalha adequando as atividades a realidade da instituição, observamos falta de materiais artísticos, esse foi um dos problemas citados pelos três educadores, também foi possível observar a constante ausência de alguns estudantes, devido a dependência dos transportes públicos disponibilizados pelas prefeituras dos municípios do interior do Estado, afetando a participação nas aulas.

Uma aprendizagem de arte só é significativa quando o objeto de conhecimento é a própria arte. É por meio dela que o aprendiz será provocado a saber manejar e conhecer a gramática especifica de cada linguagem que adquire corporeidade por meio de diferentes matérias, recursos, procedimentos e instrumentos que lhe são peculiares, levando em consideração não só a arte presente nas instituições culturais, nas salas de espetáculos e de concerto, mas também a arte pública, as manifestações populares, o nosso patrimônio


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cultural vivo (MARTINS; PISCOQUE e GUERRA, 2009, p. 120121).

Os estudantes participam de outras atividades em setores diversos da instituição em outros departamentos, a instituição abrange varias áreas, geralmente as aulas de arte tem duração de 45 minutos, um tempo que consideramos insuficiente para o desenvolvimento das atividades de artes visuais. Observamos que alguns estudantes não estão tem experiências nem habilidades desenvolvidas para o trabalho com artes visuais, em uma das aulas um estudante quase adormeceu fazendo a atividade devido ao medicamento, nesse contexto, cada caso, deve ser trabalhado de acordo com as necessidades, habilidades e limitações dos estudantes. É importante a estimulação da criatividade e o desenvolvimento de imaginação em relação às artes visuais, evitando aulas repetitivas. Atividades com pintura devem ser relacionadas à história da arte.

Considerações finais

O aprendizado de cada individuo com deficiência ou não, é individual, cada um tem seu tempo, a educação inclusiva propõe uma reorganização de fatores que a diferencia da educação tradicional e a inclusão luta para defender e criar práticas para lidar com essas diferenças. No contexto inclusivo a arte proporciona ao educador a possibilidade de trabalhar comas habilidades, minimizando as limitações. Ao trabalhar a arte na prática o(a) educador(a) deve fazer uma conexão com a teoria, proporcionando ao aluno conhecimento e compreensão do que esta fazendo. A observação participante realizada no Núcleo de Artes da FUNAD no segundo semestre de 2015, foi fundamental para a realização da próxima etapa do projeto, que será a aplicação de atividades de artes visuais com um grupo de estudantes com limitações intelectuais da FUNAD. Por meio da observação podemos identificar quais os problemas e práticas eficientes no ensino de artes visuais para pessoas com deficiências, estudando e buscando uma alternativa que atenda melhor a condição de exercer a atividade do ensino inclusivo na prática, para desenvolver as potencialidades, despertar as habilidades dos estudantes por meio da arte, possibilitando aos mesmos experimentar, conhecer, criar, sentir e fazer. A arte não é apenas uma atividade de entretenimento, é uma área de conhecimento que tem objetivos, conceitos e podem ser útil para a efetiva inclusão sociocultural.


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Referências

BEDIN. Thaís, BINOTTO. Rosângela Ferigolo. Educação e Arte: estimulação cognitiva em deficiência intelectual. Disponível em: http://linguaportuguesa.uol.com.br/linguaportuguesa/gramaticaortografia/36/artigo2647 30- 5.asp. Acesso em: 18/11/2012. CORREIA, L. M.. Inclusão e necessidades educativas especiais: Um guia para educadores e professores. Porto: Porto editora, 2005. LEI Nº 9.394. Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Editora do Brasil, Brasília, 1996. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB017_2001.pdf MARTINS, Mirian Celeste; PICOSQUE, Gisa; GUERRA, Terezinha Teles. Didática do Ensino de Arte: Teoria e prática do ensino de arte: a língua do mundo. Volume único: livro do professor. 1 ed. São Paulo: FTD, 2009. SERRA, H. Educação especial: Integração das crianças e adaptação das estruturas de educação: estudo de um caso. Braga, Portugal: 2002.


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ESPAÇO DE CRIAÇÃO: UMA EXPERIÊNCIA COM MULHERES/MÃES DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS Roberta Puccetti141 Giovanna Clivati142

Introdução A arte é um modo de organização da experiência humana. Diz-se que é um conhecimento intuitivo, pois toda intuição ―tem caráter de descoberta, seja de um objeto, de uma ideia ou de um sentimento‖ (ARANHA & MARTINS, 1993, p. 345). Há modos diferentes de entendimento do mundo: há o conhecimento do senso comum, o conhecimento filosófico, o conhecimento científico e há, também, o conhecimento proporcionado pela arte. Pretende-se, com este relato de experiência, ampliar, por intermédio da arte, as formas de produção e apropriação do conhecimento, e reintroduzir a subjetividade como o lugar fundamental da realização e constituição da singularidade e do processo artístico como uma de suas expressões. A produção artística constitui um processo no qual atua o ―poder seletivo e interpretativo‖ dos sentidos, ou seja, ―formas que não podem ser reduzidas a um discurso verbal explicativo, pois elas precisam ser sentidas, e não explicadas‖ (ARANHA & MARTINS, 1993, p. 346). Os resultados da produção artística constituem símbolos, ―não são entidades abstratas, não são entes da razão‖. São ―objetos sensíveis, concretos, individuais, que representam analogicamente, ou seja, por semelhança de forma, à experiência vital intuída‖ pelo sujeito (ARANHA& MARTINS, p. 346). No processo de produção, o sujeito, consciente de suas vivências, atribui-lhes significados que são expressos em seu trabalho de arte. Esses significados são também percebidos no âmbito da experiência sensível que alimenta o indivíduo por meio dos sentidos, das sensações. É neste contexto que o estudo, aqui apresentado, elegeu a produção artística para desenvolver experiências sensíveis com mulheres/mães de pessoas com deficiências. O projeto Espaço de Criação não tem cunho terapêutico, mas as experiências vividas nesse ambiente evidenciaram a importância da arte para ativar o sujeito diante a vida, por meio da disponibilização de espaços de troca de experiências e do enfrentamento de desafios enquanto processos naturais do existir. As relações e conexões entre arte e vida contribuem, sem dúvida nenhuma, para o bem estar e as transformações diárias dessas mulheres. A ampliação da visão da arte, na Arteterapia, passa por: formas de produção do conhecimento; experiências no âmbito do sensível; experiências 141 142

Universidade Estadual de Londrina – Email: robertapuccetti@yahoo.com.br Universidade Estadual de Londrina – Email: giclivati@hotmail.com


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de criação e expressão artística; e exploração do próprio potencial, para que essas mulheres possam (re)conciliar-se com seus conflitos emocionais e se enxergar no mundo, o que facilita a auto percepção e o desenvolvimento de potencialidades verbais e não-verbais. Nessa perspectiva, o trabalho se justifica, pois as concepções tradicionais em Arteterapia não contemplam a compreensão da arte nesse contexto, ao limitarem sua atuação, no processo terapêutico, como apenas um meio, uma técnica, um instrumento para o tratamento do paciente. Enfim, o objetivo, aqui, é relatar: um recorte dessa experiência, a fim de refletir sobre o importante papel da arte na Arteterapia, rumo a uma mudança de paradigma; a contribuição do projeto de extensão e suas relações com o ensino e a pesquisa na formação do graduando de licenciatura em Artes Visuais; a contribuição para o desenvolvimento físico, emocional e cognitivo das mulheres/mães de pessoas com deficiência e, consequentemente, para o desenvolvimento de seus filhos, de forma indireta. 1. Uma maneira de olhar a Arteterapia A Arteterapia é, reconhecidamente, uma área nova que, cada vez mais, tem despertado interesse e, por abarcar as mais diversas éreas do conhecimento, tem buscado construir sua identidade, de modo a consolidar-se no âmbito do conhecimento científico. Para Arcuri: Arteterapia é um novo campo do conhecimento, um campo de interfaces, interdisciplinar por natureza. Ao se constituir como um novo campo de saber, a Arteterapia se depara com a interlocução entre várias áreas do conhecimento: antropologia, arte, psicologia, neurologia, psiquiatria, filosofia, sociologia, etc., enfim, fazendo várias interlocuções, sem que seja possível que não seja assim (ARCURI, 2006, p. 19).

Essa afirmação revela uma postura epistemológica contemporânea, afinada com uma proposta não reducionista, distante de monovisões. Pelo contrário, trata-se de uma postura comprometida com um olhar multidimensional, não simplificador. Nessa perspectiva, pode-se afirmar que a Arteterapia, enquanto campo de conhecimento se abre para uma leitura plural do mundo e do homem, que ―supõe a quebra das fronteiras disciplinares‖ (BORBA, 1998, p.11). Do ponto de vista da construção do conhecimento, essa leitura plural questiona a racionalidade que prescreve o distanciamento entre sujeito e objeto. Há espaço para: [...] motivações mais profundas do pesquisador (inconscientes?), de seus desejos, de suas projeções pessoais, de suas identificações, de sua trajetória pessoal, etc. Podemos dizer que a relação sujeito versus objeto propicia tanto o desvelamento do objeto como o desvelamento do sujeito (MARTINS, 1998, p. 29).


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Enfim, ―a relação sujeito versus objeto, enquanto um ‗encontro intersubjetivo‘ apresenta algumas características ‗terapêuticas‘‖, a partir da análise de vários campos disciplinares, que possibilitam a construção de um conhecimento novo, sempre inacabado, tecido em forma de rede de saberes, onde um não se reduz ao outro (MARTINS, 1998, p. 29). É nessa relação implicada com essa atitude epistemológica, que exige linguagens e escutas múltiplas (científica, clínica, filosófica, sensível, poética), de não redução de um ao outro, que se reivindica uma função não reduzida para a função da arte no processo terapêutico.

2. A arte e o Processo de Criação Artística A arte é uma forma de produção social, dotada de compreensibilidade e autonomia, que expressa a pessoalidade e a espiritualidade de seu criador. A arte é também construção de linguagem, modo singular de reflexão humana, interação entre o racional e o sensível. O elemento racional existente no processo de produção artística afirma seu valor cognitivo. Assim, Arte é conhecimento, pois no fazer artístico estão presentes processos mentais de raciocínio, memória, imaginação, abstração, comparação, generalização, dedução, indução e esquematização, conforme assinala Castanho (1982). O processo criativo, enquanto materialização do fazer, é constituído de pura intencionalidade. Portanto, insere-se num processo mais amplo que revela o universo de cada ser, ou seja, seu olhar, sua visão de mundo, em um contexto de interação social. Assim, traduz-se como um registro geral de acontecimentos que envolvem a interioridade e a contemplação, o que desencadeia a atribuição de significados que carregam consigo as potencialidades cognitivas. Na produção artística, revela-se o esforço para a explicitação de uma ideia, de um pensamento e uma visão. Desse modo, é a representação simbólica da realidade, do mundo interior e exterior. Sob esse olhar, a arte constitui um sistema de representações construtor de símbolos, que envolve processos psicológicos e intelectuais, que propiciam o desvelar da cultura e o acesso a ela e um modo de saber e de construir conhecimento. São esses fundamentos que permitem reivindicar à arte uma importância na construção e desenvolvimento do ser enquanto humano. O processo de produção artística é, em si, um processo de conhecimento, pois compreende uma série de ações/operações conectadas ao sujeito, que entende, relaciona, ordena, classifica, transforma e cria. O sujeito participa ativamente desse processo, pois percebe a realidade e sua capacidade de transformar, inovar. A criação, portanto, implica em aprendizagem, e a arte, como assinala Meira (2003, p.122), tem o desafio de transformar e ―a pretensão de capturar a vida onde ela se esconde ou se camufla para o olhar, mesmo nas coisas banais e simples.‖ Assim, as propostas de se trabalhar e ensinar arte, inseridas em uma filosofia da criação, demandam relacionar arte e vida, onde o conhecer, o fazer, o expressar, o comunicar e o interagir instauram práticas inventivas a partir das vivências de cada um. Enfim,


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compreendem o sujeito como ser cultural, histórico e social, dotado de percepções estéticas. Sob a perspectiva de linguagem que implica em leitura, a produção artística compreende várias categorias de expressão, e a construção de qualquer uma delas necessita do conhecimento dos elementos que a compõem. O conhecimento da linguagem visual, por exemplo, assume fundamental importância quando se reconhece que, hoje, a sociedade vive na ―civilização da imagem‖, conforme assinala Durand (apud Meira, 2003, p. 40). Ao produzir artisticamente, ao ler e compor, o sujeito articula e estrutura o sentir e o pensar. Nesse processo, acontecem: a organização e a ordenação do pensamento; a significação (representação); a construção de imagem; e a expressão da história pessoal e social do sujeito. Esse processo está além da intuição, pois, ao revelar ―um sentido das coisas‖, faz com que ―um particular fale de modo novo e inesperado, ensine uma nova maneira de olhar e ver a realidade.‖ "Olhares que são reveladores, sobretudo, porque são construtivos, como o olho do pintor, cujo ver já é um pintar e para quem contemplar se prolonga no fazer‖ (PAREYSON, 1984, p.31). Há, ainda, que se considerar que o ato de produção artística enfatiza a presença do processo de criação na vida do sujeito. No âmbito da Arte, o processo de produção artística desvela para sujeito, por intermédio da experiência artística em si, que o processo de criação está, indelevelmente, associado à existência, conforme assinala Winnicott: Para ser criativa, uma pessoa tem que existir, e ter um sentimento de existência, não na forma de uma percepção consciente, mas como uma posição básica a partir da qual operar. Em conseqüência, a criatividade é o fazer que, gerado do ser, indica que aquele que é está vivo. Pode ser que o impulso esteja em repouso; mas, quando a palavra ―fazer‖ pode ser usada com propriedade, já existe criatividade (WINNICOTT, s/d, p.31,destaque do autor).

A produção artística propicia observação, percepção e conexões, desde a escolha do material, de cores, das formas e outros elementos, o que propicia o contato do sujeito consigo mesmo e o desvelamento de relações, associações. Neste contexto, Arcuri afirma que: Trabalhando a criatividade, dando forma, cor, expressão aos sentimentos inominados, conexões são feitas e novos significados podem ser atribuídos a velhas situações vividas que não puderam ter livre canal de expressão no momento em que ocorreram. A arte devolve a liberdade à alma aprisionada pelo vazio, pelo medo, ou ainda pelos sentimentos não nomeados (ARCURI, 2004) e leva à concretização dos anseios das necessidades interiores do ser humano (ARCURI, 2004, p. 20-21).


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A arte permite que se compreenda o caráter da ação do sujeito, pois, ―em vez de reprodução, quando se vê bem, encontra-se criação‖ (BARBOSA, 1998, p.85). Ao criar, o sujeito desenvolve contatos, cria relações, interpreta sentimentos, faz escolhas, enfrenta recomeços e imprime significação, assim, cada ato, cada atitude do processo faz sentido. Nesse contexto, enfatiza-se o sentido e o papel da arte e do processo de criação no desenvolvimento do ser humano como um todo.

3. Experimentando O projeto Espaço de Criação foi criado para que se pudesse trabalhar com as mães de pessoas com deficiência atendidas no projeto Natação para Todos, assim, partiu da necessidade de se olhar para essa mulher e criar um espaço para a mesma enquanto seus filhos são atendidos no referido projeto. Participam do projeto uma professora orientadora do departamento de artes visuais da Universidade (autora deste artigo) e duas estagiárias, uma bolsista e outra voluntaria (outra autora do artigo), ambas graduandas do curso de Artes Visuais. As atividades são elaboradas semanalmente, em conjunto, após reflexão, discussão e avaliação das ações realizadas. É importante ressaltar que todo processo de estudo, pesquisa, elaboração, execução e avaliação está baseado nas concepções Deleuzianas. Para Deleuze e Guittari (1995), o sujeito se constrói pelo atravessamento de diversas instâncias, desenvolvidas histórica e culturalmente pelo próprio indivíduo. Deleuze e Guattari(1995) imprimem materialidade histórica ao conceito de sujeito, pois creditam sua formação ao atravessamento de instâncias socialmente construídas. Essa concepção reconfigura a caracterização do individual, que não está mais no interior do sujeito, mas fora dele, por ser produzido no âmbito das construções sociais. A subjetividade apresenta-se, pois, como ―essencialmente social, e assumida e vivida por indivíduos em suas existências particulares‖ (GUATTARI; ROLNIK, 1986). O modo como cada um apreende as subjetividades produzidas socialmente é que constitui a singularidade do sujeito. É, pois, no singular, no modo peculiar que cada um tem de se apropriar das instâncias socialmente produzidas, que cada ser é diferente. É a diferença que caracteriza o homem e não sua identidade. Os autores apresentam em comum a ideia de conhecimento calcada em uma dimensão aberta, flexível, em movimento e, principalmente, nas diferenças. O trabalho segue um planejamento com dinâmica sempre direcionada para o tema a ser abordado e para os eixos estabelecidos pelo objetivo. Assim, são propostas atividades artísticas no campo das artes visuais, como pinturas, colagens, modelagens, desenhos, instalações, performances e outros, utilizados para que cada participante possa expressar percepções e sentimentos por meio de um processo de criação e subjetivação da experiência.


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Este artigo apresenta um recorte desse projeto, de modo a enfatizar a importância da relação entre ensino, pesquisa e extensão, na universidade, e suas implicações no processo de formação integral da aluna de licenciatura em artes. O recorte passa pelas experiências vividas pela graduanda do último ano do curso de artes visuais, no cumprimento do estágio supervisionado, na modalidade informal. Assim, compreende um relato, desenvolvido pela aluna, e suas articulações, sobre o processo de concretização das atividades. Esse grupo de mulheres/mães participa do projeto há quase um ano, portanto, já há uma experiência construída, que passa por propostas como: sensibilização, conhecimento, o sentir, o reconhecimento, a identidade, o feminino, a liberdade de expressão, que são destacadas no decorrer do desenvolvimento dos relatos. Os encontros acontecem semanalmente, no CEFE (Centro de Educação Física e Esporte), com um grupo de, aproximadamente, 7 a 8 mulheres. Nesses encontros, são propostas diversas atividades que exploram o potencial da arte como expressão, com o objetivo de proporcionar a essas mulheres um espaço de troca experimentação e conhecimento, visando ao seu bem estar, à sua valorização enquanto humano e às suas relações com o mundo. 4. Das cores à expressão Figura 1: Produções artísticas realizadas pelas participantes do projeto, 2016.

Fonte: acervo das autoras.

No começo, foi desenvolvida a experimentação pela experimentação, visando à sensibilização. Curiosa foi a identificação e a apresentação que cada mulher fez de si mesma, ou seja, por intermédio dos filhos: mãe de uma pessoa com deficiência. Desse modo, parecia que não tinham identidade própria.


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Com o decorrer das atividades, a arte mostrou-se como conhecimento, expressão, trocas, experimentação, assim, incorporou outro sentido. 5. Do Eu ao Coletivo Figura 2: Produções artísticas realizadas pelas participantes do projeto, 2016.

Fonte: acervo das autoras

Com o objetivo de trabalhar o resgate da identidade, do feminino, da mulher, as atividades foram propostas com base nestas questões. Foram desenvolvidas experiências com as diversas modalidades artísticas, passando pela história da arte e pela apresentação de artistas, o que possibilitou inúmeras reflexões. A cada momento, verificava-se o envolvimento dessas mulheres, trocas e reflexões sobre seu ser. As falas evidenciam esse momento: Como é bom ter um espaço dedicado a nós[...] não temos tempo para nós. Esse espaço parece um divã. Nunca fiz isso, não sabia que era capaz. Aqui, a gente não se preocupa, é para nós. Aqui, agente pode e não necessariamente temos que chegar ao fim. (Falas das mulheres/mães)

6. O Espaço de Criação: um recorte da Experiência Como nós nos tratamos? Para que se responda a esta pergunta é necessário, antes de tudo, dar atenção ao ―nós”. Um pronome pessoal que indica o plural. O que interessa, nesse relato de experiências, é justamente essa condição do que existe em grande quantidade: gente. O que essa escrita pretende é dar visibilidade para o encontro que se revela enquanto prática artística propositora de novos modos de vida. A experiência que dá corpo ao trabalho é realizada na Universidade Estadual de Londrina, no Espaço de Criação, já citado no início deste artigo.


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Esse espaço foi construído a seis mãos e, com o tempo, a oficina foi tomando corpo e o coletivo de trabalho, que atua no projeto, se afinando cada dia mais, ou seja, envolvendo-se na dinâmica que os encontros impõem. Após alguns meses de trabalho, estabelecemos um vínculo afetivo com essas mulheres e compreendemos esses primeiros momentos como fundamentais para a constituição do que é, hoje em dia, o Espaço de Criação: um espaço onde a arte contemporânea e seus processos dão forma a práticas artísticas que reafirmam a importância da experiência com arte para a vida, ou seja, um espaço que dá visibilidade para o encontro, enquanto potente instância para uma comunicação afetiva, que reintroduz a subjetividade como lugar fundamental para o florescimento da alteridade. Ao se propor a experiência, não há controle do devir. Ficamos expostos, ―com tudo o que isso tem de vulnerabilidade e de risco‖, e, desse modo, nos tornamos o sujeito da experiência de Jorge Larrosa (2002), ou seja, ―um território de passagem, algo como uma superfície sensível‖, assim, nos deixamos ser tocados e o que acontece nos afeta. Nesse sentido, o encontro é necessário para que algo nos toque, e o Espaço de Criação é um ambiente onde o encontro é inevitável para que a fruição da Arte aconteça. O Espaço de Criação não é um ambiente para o ensino da disciplina de Arte formal, é um espaço de troca, no qual processos subjetivos são desencadeados por proposições artísticas. Desse modo, o projeto se dá no interstício entre pesquisa, ensino e extensão, onde papéis se mesclam, reconstruindo o relacionamento entre a artista-professora e o mundo que a cerca. Figura 3: Exposição: Dinâmica realizada no projeto, 2016.

Fonte: acervo das autoras

Essa experiência iniciou-se com uma atividade denominada exposição sem nome, cujo objetivo era compreender a fruição do trabalho de arte, em uma exposição, e articular o sentir com o pensar para a construção de um significado verbal e/ou texto curatorial.


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Esse dia foi emocionante, pois expusemos todos os trabalhos de arte realizados até o momento. Realizamos a expografia e a curadoria da exposição, dispondo todo o acervo no chão da sala onde nos encontramos semanalmente. O planejamento da oficina deu-se quando problematizamos o fato de uma exposição precisar de um nome e também de um texto curatorial. Desse modo, o trabalho foi construído a partir da visitação a essa mostra sem nome. Realizada a fruição com a exposição, lançamos a proposta de, juntas, desenvolvermos um texto curatorial que sintetizasse tudo o que foi vivenciado até o momento. Para a construção do texto, disponibilizamos 10 palavras que foram os disparadores para a construção de uma frase individual. Construímos e desconstruímos as frases, e o texto que segue é resultado desse processo coletivo que amarra todas as percepções individuais da exposição. E o título foi dado: Expressão do sentimento e um desabafo no divã. E a frase: ―O amor traz transformação para a vida e a família necessita de mudanças na realidade. Deus dá o caminho para cada ser criar e escolher a presença do movimento da existência‖. A partir disso, pudemos observar: O que implica ser divã? Não tenho certeza sobre as implicações que isto tem, no entanto, percebo que o divã se conecta, diretamente, com o fator: expressão. Divã, aqui, apresenta-se sentido de possibilidade expressiva da arte enquanto linguagem. A exposição recebe o nome Expressão do sentimento e um desabafo no divã, o que nos faz pensar como é bom ser ouvido quando o assunto é o que se sente. No mundo atual, onde as relações são modeladas por meio de configurações de lucro e poder e o contexto social restringe as possibilidades de relações humanas, realocamos os sentimentos no diálogo entre arte e vida. Demos oportunidade para que as mulheres expressassem o que sentem e comunicassem o que, às vezes, não dá para falar. Somos as propositoras, mas também a escuta empática que: [...] dá lugar ao Outro e descentraliza o ego-self. Dar voz a cada pessoa é o que constrói a comunidade e faz a arte socialmente responsável. A interação torna-se o meio de expressão, uma maneira empática de ver, por meio dos olhos do Outro (GABLIK, 2005, p.623-627).

Nosso trabalho é centrado nas relações, pois percebemos, durante essa oficina, o papel social da arte. Estamos desenvolvendo uma Estética Conectiva, expressão criada por Susi Gablik (2005), que propõe uma abertura para o outro, para fazer arte com o outro, de modo a reavivarmos nossa relação com o mundo. Esta presença relacional, este respeito ao outro, está presente em toda a concepção dos trabalhos, cujo resultado evidencia a capacidade da arte contemporânea para atingir os que estão fora do sistema das artes. A sociedade tem compreensão da arte, pois esta não é um processo restrito à academia, e o projeto Espaço de Criação confirma isso, ao estabelecer processos artísticos com mulheres sem conhecimento teórico nem técnico. Assim, é possível perceber a plena capacidade de compreensão, ação


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e articulação do pensamento dessas mulheres que resumem, em duas frases, seu entendimento do que é arte: ―O amor traz transformação para a vida e a família necessita de mudanças na realidade. Deus dá o caminho para cada ser criar e escolher a presença do movimento da existência‖. A experiência de vivenciar a arte é reveladora, e realizar o trabalho com essas mulheres é devolver a poesia para o fazer artístico, reafirmando o campo do subjetivo. O coletivo é de essencial importância para essas mulheres. O Espaço de Criação só existe por que essas mulheres convergem em um ponto comum: a condição dos filhos, assim, a inclusão merece ser discutida. Existe sobre essa mulher uma responsabilidade perante a especialidade do filho com deficiência e, conforme constatamos ao longo das trocas, as necessidades exclusivas do filho são, em sua grande maioria, asseguradas por essa mulher que se dedica integralmente para a vida do outro. O caráter relacional da oficina liga-se, diretamente, com a rotina dessas mulheres, assim, é uma troca que pretende incluir aquela que luta pela inclusão do outro, seu filho. Outra atividade que gostaríamos de compartilhar foi a que abordou a artista Rosana Paulino, que tem sua produção ligada a questões sociais, étnicas e de gênero. Desse modo, refletimos sobre seus trabalhos cujo foco principal é a posição do negro e, principalmente, da mulher negra, na sociedade brasileira. Em alguns de seus trabalhos, Rosana utiliza o bordado como prática artística de potência inestimável. A proposta foi trazer para o campo da arte pequenas atividades cotidianas, desprovidas de valor perante o senso comum, mas que têm grande potência enquanto linguagem da arte. A ideia foi bordarmos umas às outras, e, apesar do estranhamento, todas participaram, bordando o corpo da outra com lã. Figura 4: Atividade bordando o corpo, 2016.

Fonte: acervo das autoras

A experiência mostra-se inacabável e ela, realmente, é. A todo o momento vivenciam-se acontecimentos que exigem reações, cuja experiência extrapola as palavras, a matéria e o que é exato, no entanto, percebe-se que a experiência só não consegue extrapolar a vida, pois ela já é a própria vida. Experimentar é ser no mundo, viver sensível ao mundo externo. Nesse sentido, conforme Larossa: a palavra experiência tem o ex de exterior, de estrangeiro, de exílio, de estranho e também o ex de existência. A experiência


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é a passagem da existência, a passagem de um ser que não tem essência ou razão ou fundamento, mas que simplesmente ―ex-iste‖ de uma forma sempre singular, finita, imanente, contingente (LAROSSA, 2002).

A potência da experiência está justamente na impermanência do acontecimento presente que desloca o indivíduo para o lugar do não saber. Ser o sujeito da experiência de Larossa é estar aberto para a passagem do agora: [...] o sujeito da experiência se define não por sua atividade, mas por sua passividade, por sua receptividade, por sua disponibilidade, por sua abertura. Trata-se, porém, de uma passividade anterior à oposição entre ativo e passivo, de uma passividade feita de paixão, de padecimento, de paciência, de atenção, como uma receptividade primeira, como uma disponibilidade fundamental, como uma abertura essencial (LAROSSA, 2002).

A proposta intitulada Bordando a própria imagem demonstra a importância desse espaço, quando imprimimos, em pedaços de tecido, uma fotografia de cada uma delas. Iríamos, assim, como Rosana Paulino, interferir na imagem, utilizando a agulha como instrumento e a linha do bordado como traço do desenho. Uma regra fundamental para a prática se desenrolar foi libertar-se da própria imagem, assim, cada mulher deveria interferir na imagem de outra do grupo. As linhas eram de lã, em cores diversas, e um bastidor também foi disponibilizado para que elas realizassem o bordado. Cada uma do seu jeito, cada uma no seu tempo. Trabalharam em um bordado que desenhou sobre a imagem de outra mulher, no entanto, nem todas conseguiram se desvencilhar da própria imagem, o que não foi problema. Segue a transcrição das falas das participantes que relataram a experiência: Figura 5: Produções artísticas realizadas pelas participantes do projeto, 2016.

Fonte: acervo das autoras Eu fiz um círculo ao redor, pois é assim que eu vejo: a sociedade vê a gente, mãe de criança especial, como se a


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gente se resumisse naquilo. Mãe de criança especial e nada mais. A gente não tem direito de ser feliz. É muita cobrança. Eu quero que a pessoa me olhe como eu sou, não como a mãe do Davi. Mas sim a Silvia, mulher. Eu sou a mãe do Davi e acham que eu tenho uma obrigação de levar ele em todas as terapias, que eu não tenho direito de chorar, não tenho o direito de ficar triste. A sociedade te cobra por não cumprir esse papel de mãe ( Si, 2016). Me surpreendi quando vi a foto, a minha foto. Tem horas, assim, que eu nunca tinha olhado a expressão dos meus olhos, do meu sorriso. E assim, eu tentei colocar essa foto numa moldura, mas infelizmente tem muita gente que através da nossa beleza, do que a gente expressa, eu acho que incomoda um pouco essas pessoas. Hoje, quando eu estava descendo, hoje, as escadas, aqui da sala, uma pessoa me disse: como você está bonita! E pela primeira vez, uma pessoa que não me conhece, observou a minha beleza, a minha alegria. Pois aqui dentro tem um ser humano que pouca gente conhece. Algumas pessoas querem deixar nossa imagem turva, não deixam a gente brilhar. E por isso eu fiz meu trabalho assim, não deixou minha foto bem visível, deixou ela um pouco turva, torta. A sociedade é muito cruel com a gente. É como a Silvia falou: rotularam a gente enquanto mãe de criança especial, e a gente não tem outra opção. Mas quem é que é essa mãe? ( Lu, 2016).

Figura 6: Produções artísticas realizadas pelas participantes do projeto, 2016.

Fonte: acervo das autoras Não peguei minha imagem, pois eu estaria vendo meus defeitos, o que eu poderia melhorar e centrada só no lado negativo. E aqui, nesta imagem da Cleu, eu conheço essa mulher, ela é super querida. E eu quis dar asas à imaginação, me libertei. Por isso eu quis fazer essas asas do lado da figura dela, pois, às vezes, a gente fica muito estagnado. Você esquece de ir no cinema, esquece de sair, mais a gente precisa se cuidar mais. E cuidar da nossa criatividade também. E aqui,


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ao redor da cabeça dela, eu fiz como se ela fosse uma iluminada sabe? (El, 2016).

A atividade Objeto para espiralizar o corpo trouxe a essas mulheres a produção artística de Lygia Clark, baseada em uma espécie de objeto relacional inspirado nos últimos objetos que Lygia produziu para seu projeto Estruturação do Self, que se desenrolou de 1976-88. As vivências propostas para esse coletivo de mulheres vêm caminhando para o encontro com o corpo: organismo vivo que existe que sente e que cria. Com isso em mente, a estagiária constrói seu objeto relacional, objeto para espiralizar o corpo: uma espiral de cor verde, feita de feltro, costurada em um círculo vermelho, também de feltro, formando uma espécie de tapete que se põe no chão. Dessa junção, surge uma mandala. Dessa mandala de feltro, saem algumas linhas de lã, que são dispostas ao redor dela. Um desenho orgânico surge no chão: no centro, um círculo de feltro, e, ao redor, caminhos de lã. Para além desse ―tapete‖ também há uma tessitura: uma rede formada a partir de fragmentos de lã que se unem por laços e nós. Essa rede completa o objeto relacional. Figura 7: Mandala: Dinâmica realizada pelas participantes do projeto, 2016.

Fonte: acervo das autoras

O objeto para espiralizar o corpo foi disposto no chão e a tessitura, enredada nos pés das mulheres. Propusemos que cada uma escolhesse um caminho a seguir e, a partir da comunicação do corpo, se movimentassem até suas respectivas escolhas; ligadas pelos pés. A ação corporal é, deveras, importante. O exercício gerou estranhamento, pois, de início, houve uma tentativa de interpretar o que foi proposto. A oficina, enquanto propositora de processos de arte contemporânea, precisa da vivência do momento-ato de Lygia Clark, não de interpretações, pois:


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Só o instante do ato é vivo. Nele o vir a ser está inscrito. O instante do ato é única realidade viva em nós mesmos. Tomar consciência é já o passado. A percepção bruta o ato é o futuro se fazendo. O presente e o futuro estão implicados no presente-agora do ato. (CLARK, 1965).

Lidamos com uma situação inesperada que nos faz pensar: é necessário ter confiança e ter o coração na ação. Lidar com a subjetividade, com a emoção e a razão, com o pensamento articulado à ação é tarefa difícil. Nessa atividade, a pergunta foi: O que vocês sentiram? (...) a vida é um entrelaçado de tantas coisas, né? Eu me senti assim: entrelaçada. Procurei entrar nessa diversão. Porque tem muita gente que não leva assim, como uma diversão. Leva como amargo. Na mesma hora que a teia te continha, ela te libertava. Você sabe que muita gente acha que a arte é uma coisa besta, sem significado nenhum. Mas isso é um olhar tão grosseiro. Tem gente que não vê detalhes. Eu me encantei, por exemplo, com esse emaranhado de fios formando essa teia, com esse tapete de feltro verde e vermelho. Eu não sei, mas essas coisas me chamaram a atenção. Porque assim, a vida é uma arte, depende do jeito que você olha (LU, 2016). Eu achei que como já tinha passado muita coisa na vida, escolhi então um caminho grande. Agora, esse é meu caminho. Já levei para minha história. Mas percebi que, ao escolher meu caminho, eu arrastei um monte de gente comigo e outras eu deixei pra trás (MA, 2016).

Não compreendemos sem viver. É preciso sentir, experimentar a realidade presente, do agora, para que se conheça algo. Esse é o valor da experiência, Da experiência refletida: o que ela pode trazer de novo e transformador. A arte propicia um mergulho dentro de nós mesmos. Considerações finais A produção artística pressupõe o sentimento como via de conexão entre o sujeito e o mundo, conforme assinalam Aranha & Martins (1993). É, portanto, o sentimento que ―esclarece o que motiva a emoção, na medida em que são essas tensões percebidas que causam agitação psicológica. A emoção é uma resposta, é uma maneira de lidarmos com o sentimento.‖ Pode-se, ainda, com apoio em Martins & Aranha (1993, p.347) afirmar que o conhecimento obtido pela experiência da criação artística ―é sentimento porque é irrefletido e supõe certa disponibilidade para acolher o afetivo, disponibilidade para a empatia, ou seja, sentir como se estivéssemos no lugar do outro‖. A arte, então, é conhecimento no âmbito do sensível. Arte é linguagem e a linguagem, para Merleau–Ponty, é uma essência emocional que tem a função de articular a experiência e o sentido. Desse modo, pode-se reafirmar que a


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importância da arte, na experiência da Arteterapia, situa-se no contexto do diálogo entre ciência e arte. Entende-se a Arteterapia como o envolvimento e a utilização da arte como forma de expressão, consciente e inconsciente, do sujeito, de modo a instigar que a subjetividade se manifeste, tornando inteligíveis os conteúdos trabalhados. Assim, à Arteterapia interessa todo e qualquer ato ou processo criativo. O processo criativo deriva de o próprio viver, e sentimentos, emoções, desejos e conteúdos internos podem ser revelados, com muita intensidade, por meio da produção artística. A arte, assim, é uma forma de expressão importante, por meio da qual podemos entender os outros e sermos entendidos por eles. Ao assumir a arte como campo de saber, não como mero instrumento mediador, mas como forma de expressão do sujeito, pode-se viver a experiência singular da sensibilidade. As vivências estão presentes em todas as práticas desenvolvidas em arte, desde que se compreenda e se perceba as relações entre o visível e o sensível, expressas no ato e na forma de conceber o processo de criação e nos significados que emergem da relação com a matéria, com as escolhas, dúvidas e erros que se instauram a partir desse fazer, como ensina Merleau-Ponty (1991) ao se referir à criação como manifestação ontológica e fenomenológica. A questão que se coloca é que a arte representa mais que um meio ou suporte, pois é agente do inconsciente e catalisadora do processo criativo, assim, tem grande relevância no desenvolvimento terapêutico. Outro aspecto que a experiência, aqui relatada, evidencia é a efetivação da relação entre ensino, pesquisa e extensão, pois a aluna do curso participa do projeto de extensão, articula pesquisa e ensino, trazendo para sua formação um diferencial que dá consistência ao seu trabalho de conclusão de curso. Relacionar: pesquisa, ensino e extensão é, de fato, uma tarefa difícil. No entanto, sabemos que a teoria não está separada da prática e especialmente no campo da Arte, a experiência se faz necessária. Vivenciar uma graduação em Arte Visual, fazendo do curso um laboratório ético, estético, social e político, me fez experimentar a docência e reconsiderar o papel do artista. Percebi que os processos vivenciados enquanto estudante ou docente tem pontos em comum e a mais notável das convergências é a impermanência que o viver da experiência nos impõe (CLI, 2016 – Aluna estagiaria do projeto).

Acredita-se que, com o trabalho, aqui apresentado, as pessoas com deficiência envolvidas estarão sendo beneficiadas, indiretamente, pelas mães participantes. Este projeto é um trabalho em construção, um espaço de reflexão, aberto, repleto de ousadias e desafios, do qual fazem parte mulheres/mães, docentes extensionistas e pesquisadores e os graduandos do curso de Artes Visuais.


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Todo o processo desenvolvido no projeto converte-se em experiências e estas, em relacionamento, ou seja, em vida. Os sentidos levam à memória e à liberdade de deixar acontecer de forma natural, sem planejar. Conseguimos proporcionar vivências únicas e particulares, individuais, que se entrelaçaram em movimento para a vida. Referências

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda & MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1993. ARCURI, Irene Gaeta. Arteterapia: um novo campo do conhecimento. São Paulo: Vetor Editora, 2006: BARBOSA, Joaquim G. A Formação em Profundidade do Educador Pesquisador. In: BARBOSA, Joaquim. Reflexões em torno da abordagem multirreferencial. São Carlos: EdUFScar, 1998 CASTANHO, Maria Eugênia L. M. Arte-Educação e Intelectualidade da Arte. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Educação. PUC – Campinas, SP: 1982. CLARK, Lygia. A propósito do instante. 1965. Disponível em: <http://www.lygiaclark.org.br/arquivo_detPT.asp?idarquivo=19>. Acesso em: 25 de Setembro de 2016. DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs - capitalismo e esquizofrenia, v. 1. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995. (Coleção TRANS). GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes, 1986. GABLIK, Suzi. Estética Conectiva: A Arte depois do Individualismo. In: O Desfazer da Suzi Gablik Modernista. In: GUINSBURG, J. BARBOSA, Ana M. (Orgs). O Pós Modernismo. São Paulo: Perspectiva. p. 623-627, 2005. MARTINS, João Batista. Multirreferencialidade e Educação. In: BARBOSA, Joaquim (Org.). Reflexões em torno da abordagem multirreferencial. São Carlos: EdUFScar, 1998. MEIRA, Marly. Filosofia da Criação: reflexões sobre o sentido do sensível. Porto Alegre: Mediação, 2003. MERLEAU-PONTY, Maurice. Signos. São Paulo: Martins Fontes, 1991. WINNICOTT. D. W. Tudo Começa em Casa. São Paulo: Martins Fontes, s/d.


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ARTIVIDADES DE ARTES COM IDOSOS: QUALIDADE DE VIDA E SOCIABILIDADE Ana Maria Reis Garcia Marcondes143 Miriam Carla Marques Machado144 Introdução A arte permanece como um dos raros domínios no qual o indivíduo pode teoricamente oferecer sua plena dimensão, quaisquer que seja a época, a história ou a geografia. Michel Onfray.

A perspectiva de aumento de vida vem se tornando uma realidade mundial. A previsão é que em 2020 haja mais de um bilhão de pessoas com mais de 60 anos em todo o mundo. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil possui uma proporção de 78,6 homens idosos para cada 100 mulheres idosas (idade ≥ 60 anos).T Para a grande maioria da população, a velhice é uma etapa da vida cercada por impedimentos e constrangimentos, das mais diversas ordens. Estar envelhecendo implica enfrentar transformações no corpo e na vida social. As mudanças na vida social são bem mais difíceis de serem compreendidas do que os limites que o corpo começa a impor à medida que a idade avança. Em muitos casos, junto ao tempo livre que decorre de situações decorrentes da aposentadoria, aparecem também sentimentos negativos que podem se transformar em problemas como a depressão e a solidão. Quando isso acontece, a arte, além de socializar, permite ao homem liberar sentimentos e emoções. Ela mantém as experimentações criativas e expressivas e funciona como fator ativador de núcleos de vitalidade e de comunicação. Cursos relacionados à pintura trazem muitos benefícios para a pessoa idosa, que, no aspecto emocional, diminui a tendência ao isolamento e a depressão, além de proporcionar uma melhora nos relacionamentos interpessoais pela possibilidade de conhecer pessoas novas e desenvolver uma ampla rede de amigos. Segundo Fortuna (2000), a arte sempre expressou situações vividas pelo ser humano, desde a pré-história até os dias atuais, independentemente do grau de desenvolvimento cultural das sociedades. Cada atividade, cada material, cada cor, forma, movimento e som, têm uma possibilidade de atuação no sujeito (ELIEZER, 1992, p. 21-23. Assim, um rolo de barbante pode permitir a percepção e integração de noções de espacialidade. As cores, quando bem utilizadas, podem permitir a expressão afetiva e emocional. A modelagem permite estimulação tátil, o 143

Estudante do Curso anamgarcia@gmail.com. 144 Estudante do Curso Miriamcmm5.0@gmail.com.

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Licenciatura

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Artes

Visuais

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Email:

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trabalho muscular, a estrutura postural, assim como a capacidade de expressão e de planejamento. A técnica do desenho artístico pode ter o papel de desenvolver a esfera cognitiva, além da capacidade de abstração. Os fios (lãs, barbantes e linhas) utilizados no bordado, tricô, crochê e tecelagem permitem o fortalecimento e a reeducação do pensamento. A imagem sonora pode permitir o contato com o seu ―eu‖ mais profundo, que, seguindo as melodias e ritmos, equilibram e harmonizam o sujeito. A dança, além de sua excelência na projeção das imagens internas, permite a exploração e o uso do corpo no espaço. A utilização da arte no processo terapêutico permite identificar nas imagens, música e escrita, representações de suas expressões, seus sentimentos, pensamentos e sensações naquele momento da vida (FORTUNA, 2000). Segundo Fabiette (2004), a arte como recurso terapêutico é uma atividade na qual se usam técnicas expressivas, ou seja, a expressão artística. Neste sentido, a arteterapia não requer uma preocupação estética, o objetivo é somente possibilitar e facilitar a comunicação. Não é necessário ―fazer bonito‖, porque o que importa na arteterapia é o significado do que se faz. A terapia por meio da arte não necessariamente se fixa nos limites clássicos da psicoterapia por meio da linguagem artística, uma vez que na Fonoaudiologia, Fisioterapia, Enfermagem, Psicopedagogia e Terapia Ocupacional as atividades expressivas também são utilizadas(FABIETTE, 2004). Muitos idosos sentem-se desolados e fragilizados ao se defrontarem com seu próprio envelhecimento, com os preconceitos da idade, a aposentadoria e o declínio gradual das aptidões físicas. As doenças muitas vezes podem ocasionar uma redução no desempenho físico, na habilidade motora, na capacidade de concentração, reação e coordenação, gerando o processo de desvalorização da autoimagem, apatia, insegurança, perda da motivação, isolamento social, solidão e baixa autoestima. Este quadro tende a ser alterado se forem desenvolvidas, com os idosos, atividades de expressões artísticas, que visam à melhoria das capacidades motoras que apoiam a realização de sua vida cotidiana, enfatizando o bem-estar e a autoimagem. Na busca pela confirmação desses benefícios promovidos pela arte, este trabalho teve como objetivo investigar de que maneira a prática dos trabalhos manuais pode influenciar a autoimagem da pessoa idosa. Figura 01 – idosos e atividades artísticas

Fonte: http://www.amaobranca.org.br/lazer.asp


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2. Inclusão social de idosos Inclusão social é uma temática ampla e complexa. Relaciona-se à questão da proteção social e do lugar social ocupado pela população em nosso país. Vivemos em uma sociedade onde os direitos sociais são identificados como favores, como tutela, como um benefício e não prerrogativa para o estabelecimento de uma vida social digna e de qualidade. Os direitos das pessoas idosas mesmo tendo sido estabelecidos em lei, a direção dada pelos responsáveis pela garantia dos direitos nem sempre é direcionada para sua efetivação. O caminho da inclusão social corre paralelo à discussão do direito e da proteção social. Por proteção social entende-se o conjunto de ações que visam prevenir riscos, reduzir impactos que podem causar malefícios à vida das pessoas e, consequentemente, à vida em sociedade. A exclusão social ocorre quando um determinado grupo, ou parcela da sociedade é de alguma forma excluída dos seus direitos, ou ainda, tem seu acesso negado por ausência de informação, por estar fora do mercado de trabalho, entre outras coisas. A inclusão, portanto, significa fazer parte, se sentir pertencente, ser compreendido em sua condição da vida e humanidade. É se sentir pertencente como pessoa humana, singular e ao mesmo tempo coletiva. Inclusão e proteção social estão intrinsecamente relacionadas aos direitos sociais. Os direitos estabelecidos no Estatuto do Idoso que indicam e fortalecem a inclusão social do idoso são: 1º direito à vida: viver com dignidade, com acesso aos bens e serviços socialmente produzidos; 2º direito à informação: ter conhecimento, trocar ideias, perguntar, questionar, compreender (...); 3º direito à vida familiar: à convivência social e comunitária: receber apoio e apoiar a família, preservar laços e vínculos familiares, trocar experiência de vida; receber suporte social, psicológico e emocional; 4º direito ao respeito: às diferenças, às limitações, ao modo de entender o mundo, ao modo de viver neste mundo; 5º direito à preservação da autonomia: ter preservada a capacidade de realizar algumas tarefas sozinhas ou com auxílio; ter preservada a privacidade; ter preservada a capacidade de realizar as atividades de vida diária e de vida prática; 6º direito de acessar serviços que garantam condições de vida: acesso aos serviços de saúde, educação, moradia, lazer, entre outros; 7º direito de participar, opinar e decidir sobre sua própria vida: conhecer e participar dos conselhos, de atividades recreativas e de convivência (BRASIL, 2008).


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Imagem 02 – Estatuto do Idoso

Fonte: http://oficinadamemoria.usuarios.rdc.pucrio.br/index.php?pagina=estatuto

Imagem 03 - Namoro na Terceira Idade

Fonte: http://www.obarecados.com/c/recados-para/idosos

3. Por que envelhecemos? Você talvez já tenha perguntado por que as coisas materiais no uso diário se desgastam e param de funcionar; assim como todas as criaturas vivas se desgastam e morrem. Qual a diferença entre funcionar e o morrer? Segundo Steven Austad, professor de Zoologia, ―Os organismos vivos são diferentes das máquinas porque eles têm a capacidade de se renovar. ‖ O corpo tem a capacidade de se regenerar porque o tecido vivo está em constante autodestruição e auto reconstrução até certo momento da vida. Segundo a literatura científica, o corpo humano produz cerca de 25 milhões de células a cada segundo e, se isso não ocorresse, a pessoa envelheceria logo ao nascer. Quantos anos viveremos? Não sabemos... Na Bíblia a longevidade é comparada a uma árvore produtiva que a cada dia se firma diante do tempo e abriga em seus galhos a beleza da natureza na reprodução da folhagem, da floração e dos seus frutos e com eles compartilha sua finidade constantemente. Assim como a árvore, a pessoa idosa pode compartilhar com as novas gerações as experiências vividas. Uma das maiores preocupações do ser humano é com a certeza que um dia ―deixará de viver‖, e o processo do envelhecimento dispara com mais intensidade essa certeza, que, em muitos casos, têm se tornado um pesadelo, que é alimentado por sentimentos de derrota, desalento e destruição, mas o ritmo implacável do tempo impõe várias limitações que devem ser superadas.


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Figura 04 - Depressão na Terceira Idade

Fonte: http://docplayer.com.br/8427233-Competencias-para-o-cuidado-do-idoso-na-atencao-basicadr-leandro-minozzo.html

4. O brasil já é considerado um país idoso Para a Organização Mundial de Saúde (OMS-ONU), uma pessoa é considerada idosa a partir de 60 anos de idade. E pelos índices da OMS esse envelhecimento tem acontecido com uma velocidade meteórica. Por esta razão, temos que nos preocupar com a Inclusão dos Idosos na sociedade. E como podemos fazer isto? Garantindo aos Idosos os seus direitos, a preocupação com sua dignidade, cidadania e qualidade de vida através de múltiplas atividades. Aposentadoria não é sinônimo de inatividade ou improdutividade.  A sociedade capitalista é caolha e só enxerga a produção através da lente econômica; • O maior desafio social na globalização é a Inclusão da pessoa idosa no mercado de trabalho. No Brasil, esse processo fica cada vez mais longe; • É preciso rever essa atitude de poda, que elimina pessoas capazes e inteligentes só porque estão em processo de envelhecimento; • Enquanto a sociedade tratar o envelhecimento com discriminação, o mito da improdutividade continuará fazendo vítimas sociais; • Por isso é preciso que haja uma mobilização da família, da sociedade e do Estado a fim de que se promovam ações eficazes para garantir a pessoa idosa maior dignidade, qualidade de vida e respeito;


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• No Brasil, 4,5% dos postos de trabalho são ocupados por pessoas idosas; 44% da população brasileira com mais de 60 anos é responsável por mais da metade da renda da família. 27% dos idosos brasileiros são responsáveis por toda renda familiar; 62,4% dos idosos são responsáveis pelos domicílios brasileiros. E 67% de mulheres idosas moram sozinhas. Não há motivos para se sentirem improdutivos. • Figura 05 - Brasil é um País Idoso

Fonte: http://guardioesdevidas.com/ranking-de-melhores-paises-para-idosos-coloca-brasil-em-56posicao/

5. O que podemos fazer? Incentivar a Criação de espaços para o desenvolvimento de atividades manuais, artesanais com programas que promovam orientação segura nas áreas de saúde, esporte, lazer e cidadania. Segundo Arcuri (2004),―a arte pode ser uma força capaz de levar o homem além do vazio. É uma linguagem capaz de estabelecer uma conexão com a alma e é a única capaz de compreendê-la‖. A arte desenvolve a liberdade a alma aprisionada pelo vazio e pelo medo, levando à construção dos anseios e da necessidade interior do ser humano. Assim, a Arteterapia pode atuar a serviço das leis da necessidade interior, pois o corpo precisa de trabalho, de fortalecimento muscular e a alma necessita ser fortalecida. Fortuna destaca que a arte é necessária ao homem como uma forma de equilíbrio e de integração a seu ambiente: ―A arte é o meio indispensável para a união do indivíduo com o todo, refletindo a infinita capacidade humana para associação, para a circulação de experiências e ideias‖. Para Ostrower (1990), a criatividade compreende aspectos expressivos de um desenvolvimento interior na pessoa, refletindo no processo de crescimento e maturação, cujos níveis integrativos são considerados


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indispensáveis para a realização das potencialidades criativas, pois os processos de maturação se vinculam a espontaneidade no criar. Philippini (2000) relata que o trabalho criativo interno amplia possibilidades, sendo importante todo o movimento, som, sensações, sentimentos e, os pensamentos neste momento se tornam responsáveis por despertar o ato criador de cada um, e dessa maneira, proporciona um viver de forma mais criativa. Figura 06 - Potencialidades Criativas

Fonte: http://togeriatra.blogspot.com.br/2015/03/arteterapia-para-adultos-idosos-da.html

6. Atividades para o desenvolvimento da cognição. O idoso criativo tem ideias próprias, aceita com mais facilidade os limites do corpo, tem mais cuidado consigo, encontra novas possibilidades e opções agradáveis para desfrutar a vida. Ele dá mais valor aos instantes, presta mais atenção nos detalhes da vida, é dono dos seus desejos e luta por eles, constrói relações positivas que lhe dão prazer, tendo assim maior bem-estar e melhor qualidade de vida. Todas as medidas das funções cognitivas, decréscimos, são encontradas após os 70 anos. Perdas anteriores verificam-se em tarefas não exercitadas ou com um excesso de velocidade. Isso se reflete na maior parte dos testes de memória, ainda que adultos mais velhos sejam tão bons quanto adultos mais jovens, em tarefas mnemônicas em curto prazo e em algumas espécies de problemas mnemônicos familiares. A solução de problemas mostra um padrão similar, ainda que, mesmo em se tratando de material familiar, adultos mais velhos pareçam menos capazes de encontrar soluções variadas (BEE, 1997).


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Figura 07 - Relacionamentos Positivos

Fonte: http://3.bp.blogspot.com/obrVOisxk_w/VJhbf72Ax2I/AAAAAAAAAMM/EAnxfKQKl70/s1600/IPA_Alzheimer.jpg

O treinamento da memória pode beneficiar os idosos. Mesmo na fase final da vida adulta, os adultos possuem capacidade de reserva, a capacidade de melhorar a performance em qualquer tarefa cognitiva, mediante treinamento, embora adultos mais jovens possuam mais capacidade de resiliência. Algumas grupos humanos tradicionais sugerem que os adultos mais velhos são mais sábios, porém as pesquisas estão apenas iniciando sobre essa questão (BEE, 1997) ¹º. Fatores físicos e psicológicos, bem como as condições de stress, podem influenciar o desempenho nos testes de inteligência. As pesquisas transversais que mostram declínios podem refletir diferenças de geração mais do que de envelhecimento. Os estudos sequenciais mostram que o funcionamento cognitivo na terceira idade é altamente variável. Poucas pessoas sofrem declínio em todas ou na maioria das áreas, e muitas se aperfeiçoam em algumas áreas. A inteligência fluída e, em menor grau, a inteligência cristalizada explicam mais da metade da variação na capacidade de realizar tarefas da vida diária. Os idosos mostram considerável plasticidade (modificabilidade) no desempenho cognitivo e podem ser beneficiados com treinamento. a mecânica da inteligência muitas vezes declina, mas a pragmática da inteligência (pensamento prático, conhecimento e habilidades especializadas e sabedoria) pode continuar a crescer. A inteligência fluída e, em menor grau, a inteligência cristalizada explicam mais da metade da variação na capacidade de realizar tarefas da vida diária. (PAPALAIA & OLDS, 2006).


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Figura 08 - Mecânica da Inteligência

Fonte: http://www.jornaldanova.com.br/m/noticia.asp?news_id=71039

7. Lazer, dança são atividades de contato físico, calor humano. As brincadeiras são sempre muito saudáveis. Envelhecer com qualidade é buscar a jovialidade. Jovialidade é ter um espírito alegre, é ter bom humor e isto independe da idade. A pessoa idosa não precisa se parecer jovem, o que precisa é se valorizar para ser respeitado pela família, pela sociedade. Por aquilo que é por suas qualidades e dons específicos inerentes à própria idade. Figuras 09 e 10 - Brincadeiras saudáveis entre os idosos

Fonte: http://proatidoso.blogspot.com.br/2013/06/estudo-biblico.html

O bem-estar do idoso depende de um ambiente humano, social e dos serviços ambientais cada vez mais saudáveis e que facilitem a integração de cada um no grupo e na sociedade. Assim, afirma Hissa (2008) que o cuidado com o ambiente depende da construção coletiva e de um conjunto apropriado de valores. À medida que as pessoas envelhecem, cresce cada vez mais o número de idosos em uma sociedade. Precisamos estar conscientes deste processo, pois pode ser o diferencial de vida com qualidade para qualquer indivíduo que envelhece. A sociedade contemporânea precisa trabalhar para criar estratégias e meios a fim de


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que as pessoas idosas sejam estimuladas a buscar atividades que lhes proporcionem prazer e uma vida tranquila com qualidade. Figura 11 - Exercícios para o corpo

Figura 12 - Amar, sorrir e brincar é saudável

Fonte:http://saude.consultaclick.com.br/9498/bem-estar/idoso-exercicios-fisicos-ajudam-a-diminuir-aschances-de-queda. Fonte: http://architetandoverde.blogspot.com.br/2011/08/arquitetura-instrumento-de-inclusao.html

Figura 13 - Amar, sorrir e brincar é saudável

Figura 14 - Amar, sorrir e brincar é saudável

Fonte: http://educadoresinclusao.blogspot.com.br/p/as-possiveis-mudancas-e-beneficios-da_18.html. Fonte: http://www.minhavida.com.br/bem-estar/materias/11018-depois-dos-30-faca-bom-uso-damaturidade-e-viva-melhor.

8. Produzindo frutos no envelhecimento. Olha estas velhas árvores, mais belas do que as árvores novas, mais antigas: tanto mais belas, quanto mais antigas, vencedoras da idade e das procelas. O homem, a fera e o inseto, à sombra delas, vivem livres da fome e de fadigas; e em seus galhos, abrigam-se as cantigas e os amores das aves tagarelas. Não choremos amiga a mocidade! Envelheçamos rindo! Envelheçamos como as árvores fortes envelhecem! Na glória da alegria e da bondade, agasalhando os pássaros nos ramos, dando sombra e consolo aos que padecem! Olavo Bilac


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Imagem 15 – Companheirismo

Fonte: http://www.uai.com.br/app/noticia/saude/2014/08/17/noticiassaude,191815/idosos-edescobrem-o-amor-na-terceira-idade-com-vida-sexual-ativa.shtml

Considerações finais Percebemos por meio dos relatos que ouvimos de idosos em um Encontro da Terceira Idade em João Pessoa – PB, que os idosos melhoram a habilidade mental, a socialização e diminuíram o uso de remédios com as atividades Artísticas, uma vez que as oficinas criativas promoveram o encontro das pessoas com elas mesmas, ou seja, tornaram-se mais equilibradas emocionalmente porque a arte tem o poder de alcançar emoções profundas, dando oportunidade para as pessoas mudarem a maneira como sentem em relação a si mesmas e ao mundo. Evidenciou-se que os trabalhos manuais fortaleceram a autoimagem dos idosos, através da concretização dos trabalhos, assim como a socialização, minimizando eventuais impactos decorrentes do envelhecimento e, até mesmo, permitindo surgir habilidades artísticas e o seu aprimoramento. Imagens 16 e 17 – A alegria de criar

Fonte:http://misturaurbana.com/2 015/05/projeto-de-graffiti-paraterceira-idade-lata-65-volta-comoficinas/

Fonte: http://togeriatra.blogspot.com.br/2015/03/arteterapiapara-adultos-idosos-da.html


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“QUEM SOU EU?”: A ARTE COMO TERAPIA PROMOVENDO O AUTOCONHECIMENTO DA PESSOA IDOSA Jacqueline Alves Carolino145 Rosangela Xavier da Costa146 147 Shirley Moreira Tanure INTRODUÇÃO

Tornar-se idoso é uma etapa normal no desenvolvimento humano. Para muitas pessoas, esse processo é considerado um declínio que envolve um somatório de fatores cercado de problemas, limitações, ausência de trabalho, desprestígio social, solidão e preconceito/exclusão. Ser idoso é uma experiência muitas vezes traumática, por que pode danificar a autoestima de quem não está preparado para envelhecer. Na realidade, a autoestima exerce uma influência muito grande sobre a personalidade de cada indivíduo (confiança e respeito), na percepção de si mesmo (valores, desejos, emoções), refletindo-se nas relações sociais. A velhice assinala Beauvoir (1970), é uma fase da existência diferente da juventude e da maturidade, dotada de um equilíbrio próprio, que pode proporcionar ao indivíduo uma ampla gama de possibilidades; não necessariamente significando o fim da existência humana. Esse aspecto da vida é uma fase irreversível desse processo, pois todos vamos passar por ele, a não ser que a morte se antecipe. Entretanto, o idoso é, por excelência, uma pessoa dotada de conhecimentos e experiências adquiridas ao longo da existência (CAROLINO; COSTA, 2010). Diante dessas possibilidades, a pessoa idosa necessita de incentivos e 145

Arte-educadora, Mestre em Serviço Social (UFPB). Graduada em: Educação Artística - Artes Plásticas (UFPB). Licenciada em Estudos Sociais (UEPB). Capacitação em GERONTOLOGIA (NIETE/UFPB). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Arte, Museus e Inclusão (GPAMI/UFPB). Email: jackecarolino@gmail.com 146

Administradora (UFPB). Mestre em Ciências das Religiões (PPGCR/UFPB). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Arte, Museus e Inclusão (GPAMI/UFPB). Facilitadora da Terapia Constelação Familiar. Email: rosangelaxis@gmail.com 147

Fisioterapeuta pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais; Licenciada em Artes Visuais (UFPB). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Arte, Museus e Inclusão (GPAMI/UFPB). Email: shirleytanure@gmail.com


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mecanismos que estimulem essa fase da vida permeada de desafios. Nesse sentido, surge a Arte como possibilidade de recurso para promover o autoconhecimento. Essa busca do conhecimento de si mesmo para o propósito da vida é uma aceitação de um processo real e verdadeiro, que pode levar alívio aos sofrimentos do indivíduo, deixando-o livre para prosseguir no curso da evolução com mais liberdade e alegria (KLIMA, 2010). O autoconhecimento passa a ser então, uma ferramenta de transformação, que possibilita a compreensão da real existência e do sentido da vida. No idoso, o envelhecimento também está ligado ao lado psicológico do ser humano; devido a ser, ―um processo universal marcado por mudanças biopsicossociais específicas da passagem do tempo‖ (BRASIL, 2006, p. 5). Portanto, envelhecer biologicamente talvez não seja o que mais afeta o ser humano nessa etapa da existência, mas provavelmente o lado psicológico, que afeta diretamente o convívio social. Esse é um período, para a maioria dos idosos, permeado de dificuldades e desafios, pois está cercado de problemas de saúde e de adaptações sociais. Segundo VIEIRA (1996), o envelhecimento psicológico no idoso, caracteriza-se pela percepção da redução dos seus limites físicos, com a diminuição de rapidez; a diminuição da memória mecânica, associada a uma maior vulnerabilidade das funções mentais ligadas ao envelhecimento cerebral; bem como, a diminuição de habilidades para desenvolver trabalhos que exijam precisão e paciência. Desse modo, a pessoa idosa enfrenta o preconceito de ser velho, pois suas funções estão limitadas, variando consideravelmente de pessoa para pessoa. Assim, o idoso necessita de estímulos e cuidados durante a vida, que podem ser proporcionados com a utilização da Arte. Nas atividades artísticas utilizam-se diversos materiais para a expressividade dos autores, entre eles; tintas, pincéis, argila, telas, paredes, tecidos e objetos; e tem como produtos esculturas, colagens, imagens, obras de arte, performances, danças, vídeos, sons, etc., podendo ser desenvolvida em diversas outras atividades. Ela também é encontrada nas exposições e museus; expressas em forma de instalações, pinturas, afrescos, entre outros. Assim, a Arte cria a possibilidade para que o ser humano possa conhecer a si mesmo, utilizando-se da imaginação e da expressividade. Nesse sentido, a Arte pode ser considerada um instrumento educativo e catalizador do processo criativo. Para Moore (1996) a Arte tem o poder mágico e especial de evocar e transmitir um espirito particular para aqueles que entram em contato com ela.


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Diante de uma sociedade ocidental contemporânea, agitada e pressionada pela questão do tempo e de outras prioridades, a disposição para cuidar da pessoa idosa tornou-se uma dificuldade. O que acarreta, muitas vezes, o impedimento da permanecia desse indivíduo junto à família. Pois, pela lei, é um direito da pessoa idosa viver preferencialmente no seu meio familiar. Por isso, muitas pessoas optam por colocar seus familiares idosos em asilos ou em casas de repouso. O presente estudo registra parte do projeto de pesquisa intitulado: Artes Visuais & Inclusão. É um projeto realizado pelo Grupo de Pesquisa em Arte, Museus e Inclusão (GPAMI) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), ligado ao Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), vinculado ao Programa de Licenciatura (PROLICEN), iniciado no ano de 2014, que tem o objetivo de divulgar as pesquisas do Ensino de Artes Visuais. O GPAMI é um grupo de pesquisa ligado ao Departamento de Artes Visuais (DAV) do Centro de Comunicação Turismo e Artes (CCTA) da UFPB. Foi criado no ano de 2005, pelo Professor Robson Xavier da Costa e credenciado pelo CNPQ em 2009. Atualmente ele está composto por pesquisadores e alunos da UFPB, liderado pelos professores Dr. Robson Xavier da Costa e a Drª Maria Helena Mousinho Magalhães. Este artigo tem como objetivo demonstrar a relevância da Arte no processo do autoconhecimento da pessoa idosa, por meio das atividades expressivas; descrevendo, especificamente, a oficina de Arte ―Quem sou eu?‖, realizada por três integrantes do GPAMI da UFPB. É um trabalho que está sendo desenvolvido na instituição de longa permanência Vila Vicentina Júlia Freire, localizada na cidade de João pessoa – PB. Em termos metodológicos é um estudo de caso qualitativo. Para Yin (2005, p. 163), ―Os estudos de caso podem transmitir informações baseadas na pesquisa sobre um determinado fenômeno a uma gama de pessoas que não possuem conhecimentos sobre eles‖, ou seja, é uma investigação empírica com um método que abrange planejamento, técnicas de coleta de dados e análise dos mesmos. Nesta investigação, desenvolveu-se uma oficina de arte onde optou-se por trabalhar com o tema ―Quem sou eu?‖, no processo de resgate do autoconhecimento para pessoas idosas. Essa oficina foi realizada por 3 membros do GPAMI/UFPB, com duração de 3 horas, contando com a presença de seis idosos acolhidos na Vila Vicentina Júlia Freire. Para preservar a identidade dos participantes, tomou-se o devido cuidado de identificá-los com nome de flores.


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1. A ARTE COMO TERAPIA

A Arte, em suas múltiplas manifestações, individual ou coletivamente, pode ser um documentário psíquico, profundo e abrangente de um aspecto humano, que cria e recria possibilidades de comunicação, transformação e aglutinação nas coletividades (PHILIPPINI, 2014). Para entender melhor a relação da Arte com a terapia, autores como Nise da Silveira, psiquiatra brasileira, apoiada na psicologia analítica de Carl Gustav Jung, demonstrou que, no início do século XX, até as pessoas com doenças mentais não necessariamente poderiam ser considerados incapazes (SILVA, 2011). O método dela era utilizar a Arte como terapia ocupacional, utilizando atividades expressivas associadas as expressões das pessoas com doenças mentais internados em hospitais psiquiátricos no Rio de Janeiro. A terapia dela era baseada na crença de que cada pessoa tem um potencial de vida e precisa expressá-lo. Assim, ela recriou, por meio da Arte, formas de utilizar a ocupação em atividades como meio terapêutico com acesso ao inconsciente das pessoas com doenças mentais. Não obstante, tanto a Arte como a terapia, para Ciornai (2004), pode ser considerada como uma capacidade humana de perceber, figurar e reconfigurar as relações, consigo, com os outros e com o mundo; retirando da experiência cotidiana novas relações com elementos como o velho e o novo; o conhecido e o sonhado, o temido e o vislumbrado; permitindo novas integrações, possibilidades e crescimento pessoal. Por isso, a Arte pode proporcionar terapeuticamente momentos de autoconhecimento no indivíduo que está envelhecendo, facilitando assim, o processo da aceitação da vida. O idoso tem energia, disposição e habilidades para continuar a viver; buscando incentivos e lazer para desenvolver uma velhice mais saudável. Quando os idosos utilizam o seu tempo com atividades criativas, como as de Arte, por exemplo, criam uma possibilidade de adaptar-se melhor ao envelhecimento, por se sentirem mais felizes e satisfeitos (LAROUSE DA TERCEIRA IDADE, 2003). Por isso, quando as horas se passam, sem que nenhuma atividade possa ser realizada, criam espaços vazios e sem sentidos na vida, permitindo a chegada de doenças inoportunas que circundam a existência do idoso. A Arte nesse contexto, pode ser um incentivador e um estimulador para a integração e a promoção do autoconhecimento de idosos que estão vivendo em instituições asilares ou em casas de repousos.


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2. A OFICINA DE ARTE “QUEM SOU EU?” A Vila Vicentina Júlia Freire, está localizada no bairro da Torre, na cidade de João Pessoa – PB. É uma entidade filantrópica, sem fins lucrativos, que foi criada em 1944. Reconhecida como utilidade pública através de leis municipal e estadual, a instituição abriga cerca de 60 idosos, com idades entre 60 e 105 anos, oferecendo refeições diárias, abrigo e cuidados. As dependências dela são bem aparelhadas e confortáveis, com alguns quartos coletivos. Mas, existem também os quartos individuais, onde ficam os idosos que tem mais condições financeiras. O quadro de funcionários está composto por enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, médicos, entre outros profissionais de saúde (dados fornecidos pela instituição). Recebem também, alunos das universidades que estão engajados em projetos científicos, como retrata o caso deste trabalho. Alguns idosos da Vila Vicentina Júlia Freire, nem sempre recebem visitas dos familiares e amigos. Ficam, muitas vezes, isolados e esquecidos, principalmente pelos familiares. Pela necessidade básica de cuidados, essas pessoas estão propensas a contrair doenças como a depressão, ocasionadas, muitas vezes, pela saudade e pelo vazio existencial, ao se sentirem sozinhos e abandonados. A oficina de Arte ―Quem sou eu?‖, constou de uma atividade que utilizou materiais de arte; onde os participantes vivenciaram experiências no universo imaginário e sensitivo; com a possibilidade de criar imagens simbólicas, onde o processo verbal poderia surgir ou não. Para a realização dessa oficina, foram utilizados os seguintes materiais: espelhos individuais (imagem 1), papel oficio, lápis de cor e lápis grafite. Inicialmente, foram levantadas algumas questões sobre a identidade dos participantes e, em seguida, explicado como seria a atividade. Os idosos, em número de seis, se reuniram em torno de uma mesa em um espaço amplo da instituição, onde puderam participar da oficina de arte. Imagem 1 – Em plena atividade

Foto: Shirley Tanure


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Solicitou-se que os participantes se olhassem no espelho com calma, sorrindo para si mesmo; observando, sem pressa, a fim de que ficassem descontraídos. Em seguida, foi pedido que representassem, em forma de desenhos, coloridos ou não, o que estavam vendo no espelho ou o que sentiam quando olhavam para a própria imagem com tanta atenção. Observou-se que os idosos captaram atenciosamente a mensagem da atividade a ser desenvolvida, sem apresentar nenhuma dificuldade. Com a continuação, Rosa Vermelha (72 anos), começou a rir. Era um riso franco e descontraído, que ela logo explicou: ―estava rindo de mim mesmo‖. Percorrer esse caminho de autoconhecimento, por meio da Arte, é incentivar a criatividade, a fim de apreender um espaço da mente no idoso que, devido à idade, acumula uma vasta experiência de vida. Nesse espaço, permeado de informações, a pessoa idosa pode acessar conteúdos psíquicos inconscientes ou conscientes que estão vinculados às suas ações e relações familiares durante a vida. São as energias psíquicas denominadas por Jung (2008). Um dos idosos (Lírio de 78 anos), não quis nem se olhar no espelho, pois começou a se achar feio e velho. Não se identificando com a atividade, resolveu sair da sala. Então, as imagens e os relatos foram lentamente surgindo. Orquídea (76 anos) começou desenhando uma mulher alta e elegante. Ela falou: ―Essa sou eu, a primeira da Vila Vicentina‖. Enquanto desenhava, ela rememorava um pouco da própria história de vida. Lembrando: ―Quando me vejo no desenho (Imagem 2) penso em mim quando era nova. Eu era uma moça bonita. Hoje já estou velha e feia‖. E as lembranças continuaram a emergir: ―Não se pode ficar mais bonita, não é?‖. Apesar das lembranças da juventude e da beleza, que surgiram, essa idosa demonstrou aceitar a idade e as modificações estéticas que advinham dela ao lembrar a história de sua vida. Perceber a idade em si mesmo, pode ser uma forma positiva de autoconhecimento, porque um dos maiores desafios do idoso é a aceitação da própria idade para envelhecer em paz.


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Imagem 2: Moça bonita

Foto: Shirley Tanure

Rosa Vermelha (79 anos) desenhou e pintou cuidadosamente ela mesma com um vestido de festa junina: ―meu vestido de quadrilha‖ (Imagem 3). Era uma representação de uma época feliz na vida dela. As festas juninas eram suas preferidas, pois segundo ela, estava sempre presente com o marido e as filhas; além de se divertir dançando muito. É uma idosa que está na Vila Vicentina há bastante tempo, mas se sentia feliz, porque sempre recebia visita dos seus familiares. Interagia bem com os outros moradores da instituição, pois conhecia todos pelo nome e pela característica de cada um. Complementando a atividade, ela desenhou-se dentro do vestido, colocando cores no desenho, afirmando que tinha ficando bonita dentro dele. Gostou muito de participar da atividade. Imagem 3: Meu vestido de quadrilha

Foto: Shirley Tanure

Entretanto, Violeta (78 anos), demonstrou dificuldades para desenhar, mas o objetivo maior dela era ganhar o espelho. Por isso, ficou na atividade até o final,


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fazendo rabiscos apenas para ganhar um espelho de presente, ―eu quero e eu preciso do espelho para ficar para mim‖, afirmava ela. Ela é uma idosa que tem problemas mentais e dificuldades de relacionamento. Concluiu a atividade fazendo seus desenhos em forma de rabiscos, agarrou o espelho e se retirou levando-o consigo. Enfim, saiu feliz da oficina e comentando que foi muito bom.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi um trajeto marcado por sorrisos, símbolos e recordações. A arte, utilizada como processo terapêutico, criou possibilidades para os idosos da Vila Vicentina Júlia Freire desenvolver uma forma de autoconhecimento, como benefício para a compreensão da vida. A oficina de Arte ―Quem sou eu?‖ proporcionou momentos de reflexão nos participantes, estimulando a imaginação, por meio da significação da proposta da oficina ao partilharem suas histórias de vida e seus desenhos. Constatou-se, nas falas e nas imagens projetadas no papel que, desenhar a si mesmo, visualizando-se no espelho, foi um processo de autoconhecimento, por permitir observar a importância e a aceitação do envelhecer. Isso pode ter criado uma possibilidade de aceitação na condição de vida desses idosos. Considera-se que, a atividade da oficina de Arte ―Quem sou eu?‖ demonstrou ser adequada para o indivíduo que está envelhecendo a cada dia. Pois ocupa um lugar de destaque nesse projeto, ao ter surtido um efeito positivo de terapia e reflexões, nos processos expressivos que a Arte proporciona. Assim, podemos afirmar, inicialmente, por que o projeto tem continuidade, que, promover o autoconhecimento por meio da Arte como terapia para pessoas idosas, significa fomentar reflexões diante das dificuldades existenciais de cada um, causando resultados positivos.

REFERÊNCIAS

BEAUVOIR, Simone de. A Velhice: As Relações com o Mundo. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1970. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégias. Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa: Manual de preenchimento. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2006.


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CIORNAI, Selma. Arteterapia Gestáltica. In: ______ (Org.). Percursos em Arteterapia: Arteterapia Gestáltica, arte em psicoterapia e supervisão em Arteterapia. São Paulo: Summus Editorial, 2004. CAROLINO, Jacqueline Alves; COSTA, Robson Xavier da. Formas de Convivência da população idosa com a Arte/Educação como mecanismo de produção e inclusão: um estudo exploratório no município de João pessoa/PB. In: COSTA, Robson Xavier da (Org.). Arteterapia & Educação Inclusiva: diálogo multidisciplinar. Rio de Janeiro: Wak, 2010. JUNG, Carl Gustav. A energia psíquica. Trad. Matheus Ramalho Rocha. 10 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. KLIMA, Leandro. Quem sou eu? um guia prático para o autoconhecimento e autotransformação. São Paulo: Baraúna, 2010. LAROUSE da terceira idade. Atividades de Lazer. Trad. Flávio Quintiliano. São Paulo: Larouse do Brasil, 2003. MOORE, T. A emoção de viver a cada dia: a magia do encantamento. Trad. Raquel Zam. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996. SILVA, José Otávio Motta Pompeu e. A Arte na terapia ocupacional de Nise da Silveira. Tese apresentada no Programa de Pós-Graduação do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas, 2011. Disponível em: file:///C:/Users/Rosangela/Downloads/PompeueSilvaJoseOtavioMotta_D.pdf. Acesso em: 4 nov 2014. VIEIRA, Eliane Brandão. Manual de Gerontologia: Um guia teórico-prático para profissionais, cuidadores e familiares. Rio de Janeiro: Revinter, 1996. YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Trad. Daniel Grassi. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005.


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