Rede de Contos

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Projeto Piloto Os contos dos Novos Escritores do Brasil

VÁRIOS AUTORES

Contistas da Comunidade do Orkut “NEB – N ovos Escritores do B rasil”

Ricardo Gnecco Falco Organizador

1ª Edição

Câmara Brasileira de Jovens Escritores

Câmara Brasileira de Jovens Escritores Rua Marquês de Muritiba 865, sala 201 - Cep 21910-280 Rio de Janeiro - RJ Tel.: (21) 3393-2163 www.camarabrasileira.com cbje@globo.com Março de 2010

Primeira Edição

Coordenação editorial: Gláucia Helena Editor: Georges Martins Produção gráfica: Alexandre Campos Revisão: do autor Criação do logotipo da NEB: Robson Ortlibas

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio e para qualquer fim, sem a autorização prévia, por escrito, do autor. Obra protegida pela Lei de Direitos Autorais

Organizador

Rede de Contos

Projeto Piloto Os contos dos Novos Escritores do Brasil

VÁRIOS AUTORES

Contistas da Comunidade do Orkut “NEB – N ovos Escritores do B rasil”

Março de 2010

Rio de Janeiro - Brasil

PROJETO PILOTO

Os Contos dos Novos Escritores do Brasil

Para todos aqueles que acreditam...

SUMÁRIO
Introdução OS CONTOS Secretária Eletrônica Asfalto Orgânico O Caso do Relógio Na Pista Celebrei os 15 Anos 43º Graus O Último Beijo Arandir
11 17 20 30 35 40 43 48 51 57 59 61 62 65 67 69 71 ○○○○○○○○○○○○○○ ○○○○○○○○○○○○○○○ ○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○ ○○○○ ○○○○○○○○○ ○○○○○○○○○○○○○○○ ○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○ ○○○○○○○○○○○○○○○○ ○○○○○○○○○○○○○ ○○○○○○○○○○○○○○○ ○○○○○○○○ ○○○○○○○○○○○○○○○○○○○ ○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○ ○○○○○○○○○○○○○○○○○ ○○○○ ○○○○○○○○○○○○○○○○○○○○
OS AUTORES José Geraldo Gouvêa Reury Frank Pereira Bacurau Paulo Carvalho Ricardo Gnecco Falco Gustavo Henrique Magnani Ferreira Jocson de Souza Lobo Rodrigo Sena Magalhães C. André Amaral de Freitas
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INTRODUÇÃO

PROJETO PILOTO –

Os Contos dos Novos Escritores do Brasil

A comunidade Novos Escritores do Brasil existe no Orkut desde 18 de junho de 2004 e já passou por muitas fases, algumas positivas, outras nem tanto. Já teve vários donos, com vários graus de comprometimento com a literatura. Quando cheguei a ela, em meados de 2007, as coisas não andavam muito bem: apesar de ter cinco mil membros, ela vivia às moscas, com muitos tópicos de jogos ou de spam. Parecia que ninguém percebia o potencial que a comunidade possuía. Quando fui desafiado a aceitar o desafio de transformála, nem eu imaginava isso. Mas percebi que teria que contar com ajuda para que meus objetivos pudessem ser alcançados a pequeno e médio prazo. Como primeira medida, reuni uma “tropa” de moderadores que achei conveniente e que tinham objetivos semelhantes aos meus. Organizamos os tópicos e em pouquíssimo tempo já era notória a melhora. Com a organização surgiu o estímulo para que jovens escritores aparecessem, de um dia para o outro, expondo seus textos. Tudo isso foi porque a comunidade adquiriu um padrão estético diferenciado, com tópicos ricos em conteúdo e comentários, algo que só foi possibilitado pela adoção de regras claras, minuciosas mas não extensas, e baseadas em bomsenso. Regras que foram definidas de forma coletiva, em uma reunião conduzida através do MSN.

Logo alguns talentos se destacaram, revelando-se em contos, crônicas, poemas e em todos os gêneros da literatura.

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Todos vinham em busca de um sonho: partilhar não só uma comunidade que brinda apoio a quem está começando na carreira literária como também selar amizades duradouras e prazerosas como ler um bom livro ou simplesmente bater um bom papo regado a vinho da melhor qualidade. O sonho logo se transformou em realidade e começaram a amadurecer projetos em comum. As primeiras tentativas fracassaram, a “química” demorou a funcionar. Mas era evidente que era preciso fazer algo, porque sem um diferencial que a levasse além de mero lugar para debates, a comunidade tanto ganhava novos membros quanto perdia os antigos.

E foi através dessas conversas, aparentemente sem propósitos, que nasceram idéias bem sucedidas, como a da publicação de uma revista literária e cultural e de uma antologia com alguns dos melhores textos dos postados na comunidade. O difícil era fazer a seleção, tal a quantidade e qualidade dos textos postados.

Graças aos esforços de muita gente comprometida com o projeto, principalmente de José Geraldo Gouvêa que cuidou praticamente sozinho da parte editorial, enfim saiu a tão sonhada revista numero um, que ganhou o nome de “O Verbo” em uma enquete promovida na comunidade. Recebemos muitos elogios tanto pela qualidade dos textos quanto pela impressão gráfica em geral. Agora orgulhosamente podemos dizer que muitos desses exemplares circulam em mãos de leitores de praticamente todo o país. Doamos para bibliotecas, distribuímos em consultórios médicos, enviamos a escritores.

O seguinte caminho foi a viabilização de um projeto mais ousado, independente da revista: um livro, uma antologia reunindo mais autores membros da comunidade, idealizado por Ricardo Gnecco Falco , um dos mais participativos

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membros. Esse projeto também se tornou realidade, palpável. Hoje eu, Adryan Sinki, responsável pela comunidade, tenho a honra de escrever esse texto que serve como uma introdução e incentivo pra que vocês, leitores, conheçam a fundo o trabalho dos verdadeiros “Novos escritores do Brasil”. Pessoas com talentos distintos entre si, mas que buscam em conjunto através da arte, mostrar-se ao mundo da forma mais pura e poética que existe, desde que o homem criou a escrita e jogou pra fora seus sentimentos mais belos... * * *

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SECRETÁRIA ELETRÔNICA

Um dia Mariana abandonou Roberto, sem explicações e sem rituais. Apenas foi-se embora de sua vida, sem que mesmo fosse para ir viver com outro homem. Revoltado, magoado, diminuído, ele passou dias remoendo a raiva, impotente.

Por fim rendeu-se à paixão: ligou para o auxílio à lista e descobriu seu novo telefone. Sem pensar duas vezes, ligou para fazer juras de amor, na esperança da volta. Debalde, quem atendeu foi a secretária eletrônica:

– Aqui é 3666–4545. Por favor, deixe seu recado após o sinal. Mesmo ouvindo a voz metálica, suspirou e deu seu recado:

– Meu amor, preciso de você. Por que me deixou assim? Me ignora… Se foi algo que disse, algo que fiz, pelo menos me diga para que eu possa tentar me desculpar ou consertar. Não tenha receio de mim, abra seu coração. Eu preciso de você. Me responda, por favor…

Disse sem muita esperança, sabendo que estava sendo desastrado. Mas como escolher as palavras certas se o coração está quente e o sangue sobe com força pela carótida? Disse o que lhe veio à mente, na esperança de funcionar.

Não recebeu resposta, lógico. Isso o irritou razoavelmente. No dia seguinte tentou de novo, pela manhã:

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– Aqui é 3666-4545. Por favor, deixe seu recado após o sinal.

– Meu amor, eu sei que você não deve estar achando isso certo, mas eu preciso falar com você. Eu preciso entender por que você me rejeita. Por favor, me ligue.

Não esperou que respondesse: foi trabalhar. Ligou de novo na hora do almoço, ouvindo outra vez aquela saudação maquinal. Outra vez protestou juras de afeto perdido, implorando respostas, murmurando esperanças vãs. Declarando amor total.

Voltou ao trabalho e só tentou de novo à noite. Então demorou bem mais, quase meia hora de suaves palavras entrecortas pelos intervalos de rediscagem. Chegou a tocar música, mesmo sabendo que apenas a secretária eletrônica ouvia e que quando Mariana voltasse apagaria suas mensagens sem ouvir.

Assim foi pelos dias seguintes, várias vezes. Nunca recebia resposta, mas continuava ligando, pela manhã, à tarde e à noite. Duas semanas durou essa rotina de lamúrias telefônicas. Durou até os créditos da sua conta telefônica prépaga com limitador de custos chegarem ao fim. Ainda voltou a ligar mais umas vezes, usando o telefone móvel, mas não foi a mesma coisa. Detestava. Aparelho sem privacidade, desconfortável seu calor na orelha. Desistiu logo da primeira vez, nem chegou a dizer muita coisa.

Chegou um novo mês e novos créditos gerados pelo pagamento em dia da conta. Voltou a ligar, mas com menor

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frequência: somente à noite, quando a solidão batia mais forte. Por fim ligava apenas semanalmente e foi até que desistiu.

Ficou três semanas sem ligar. Lambia em paz suas feridas e já se sentia até pronto para embarcar em outro relacionamento. Ocasionalmente até sentia um ímpeto de pegar o telefone e ligar outra vez, mas tomara a firme decisão de não fazê-lo nunca mais: “Sofrerei, mas não mais vou me ajoelhar diante de Mariana”.

Então chegou o sexto sábado desde o início de sua solidão. Estava em casa assistindo uma comédia, mamando leite condensado da lata, enrolado em um cobertor por causa do frio do inverno paulista, quando tocou o telefone, algo que não acontecia há vários dias. Atendeu devagar, já se perguntando quem poderia ser.

Do outro lado uma voz metálica familiar, porém com alguma coisa que parecia ter mudado, pronunciava entre chiados e estática:

– Aqui é 3666-4545. Por favor , deixe seu recado após o sinal. * * *

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ASFALTO ORGÂNICO

Newton estava cansado, dormira mal na noite anterior e, naquele dia, sua jornada de trabalho ultrapassara doze horas. Por isso, não admitia que ninguém na faixa da esquerda ficasse à sua frente. Temendo o farol alto e a possibilidade de que a imensa picape adotasse uma proximidade imprudente, os motoristas eram rápidos em cederem passagem ao bólido que se aproximava da traseira de seus veículos. Pelo menos, até que surgiu um carro que se mostrou indiferente à abordagem de intimidação. Embora a carroceria do retardatário beirasse a desintegração pelo esforço de manter-se a cento e dez por hora, seu condutor insistia em negar a Newton seu legítimo direito de ir e vir.

A inesperada ousadia do poizé criou um impasse. Cansado demais para brigar, o piloto da picape decidiu abrir uma exceção ao desgraçado, ultrapassando-o pela direita. A dificuldade era que outras três tartarugas estavam perfiladas lado a lado com o carro que lhe impedia a passagem. Ciente de que sua única opção era a pista mais lenta, o apressado fez um movimento brusco cruzando quatro das seis faixas, a fim de deixar para trás a procissão de quelônios.

Segundos depois de alcançar seu propósito, Newton preparava-se para retornar às faixas mais rápidas quando ouviu um impacto contra o carro; atropelara alguma coisa. Rogou aos céus para que não fosse um daqueles mendigos de beira de estrada; não queria ter de passar a noite numa delegacia qualquer.

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Receoso quanto aos problemas decorrentes de uma eventual omissão de socorro, parou o veículo e voltou em marcha à ré pelo acostamento. Depois de retornar cerca de trezentos metros com o coração acelerado, visualizou sua vítima: um animal. A espécie, contudo, era impossível de ser determinada já que seu corpo foi dividido em pequenas partes indistintas de carne, pêlos e sangue.

Excluída a possibilidade de aborrecimentos futuros, acelerou e decidiu ir em busca do tempo perdido. O dano imputado à criatura não lhe incomodou; ele nunca fora chegado a animais; jamais tivera um. Na realidade, quando fazia um inventário do que pensava sobre aqueles seres, percebia ter certa repulsa por eles; provavelmente isso era uma herança de sua mãe. Dentre as poucas reminiscências que tinha de antes da morte dela, visualizava-se deitado num quarto de paredes brancas enquanto recebia admoestações severas para que ficasse longe dos bichos, definidos por ela como “perigosos”. No momento em que folheava os registros mentais de sua tenra infância, reparou que um dos carros a lhe dar passagem trazia o adesivo: “mantenha distância, eu paro para animais”. Aquilo lhe provocou uma gargalhada.

Ao chegar em seu apartamento, Newton ligou para a noiva e contou o episódio do atropelamento da forma mais pungente que pôde. Assim, teve uma justificativa para cancelar o jantar que deveria acontecer mais tarde; desde que Sueli passou a pressioná-lo de forma insuportável para que se casassem; o desejo de proximidade de Newton oscilava – hoje ele estava em baixa. A estratégia funcionou e a moça foi obrigada a conformar-se com a dispensa, porém, não perdeu a oportunidade de discursar em favor de sua campanha.

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Lembrou ao noivo que se já estivessem casados ela poderia consolá-lo nesses momentos difíceis. Arrematou o lembrete dizendo que logo ele passaria pelo quadragésimo aniversário e que já era hora de oficializar sua condição de homem sério; por fim despediu-se desejando boa noite.

A inconsciência trouxe uma estranha fórmula de concretizar os votos de Sueli. Em seus sonhos, Newton dirigia a picape e sua mãe o acompanhava no banco do passageiro. Apesar dela não emitir qualquer som, de alguma forma, ele sentia-a orgulhosa pelo fato de seu querido filho estar dirigindo por aquela estrada pavimentada com restos de animais. À medida que o veículo avançava, Newton percebia os espasmos involuntários de vísceras e os movimentos dos olhos de cabeças decepadas. Nada poderia deixar o motorista mais satisfeito que finalmente concretizar o pueril e até então postergado, desejo de agradar à mãe. Quanto amanheceu, acordou revigorado e sabia o que deveria fazer em sua memória: cobrir cada centímetro de asfalto com os corpos daquelas criaturas perigosas.

Continuava pensando na falecida progenitora quando chegou em sua empresa. Lá, o mais novo funcionário que também era seu irmão, já estava trabalhando. Uma vez que nunca conheceram o pai, ele e Pedro, o mais velho dos dois, foram enviados para lares diferentes logo após a morte da mãe. Essas recordações vieram com uma pitada de ciúmes, pois o irmão provavelmente tinha lembranças muito mais nítidas do convívio em família, afinal, deveria ter cerca de dez anos quando foram separados. Lembrou-se ainda que, décadas depois, o reencontrou. Inicialmente, esforçou-se para que ambos se tornassem mais íntimos; chegou até a apresentá-lo à

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Sueli. Infelizmente, logo sua empolgação pelo companheiro que tanto desejara na infância, tornou-se decepção. Newton descobriu que apesar do irmão ser um competente contador, este não tinha nada em seu nome, enquanto ele se tornara um bem sucedido empresário. Incomodado pelo fato de que alguém com o mesmo sangue que o seu, pudesse encarnar tão gritante exemplo de fracasso, contratou-o para cuidar dos números da firma. Obviamente, seu trabalho seria todo vigiado, pois aquele podia ser seu irmão, mas continuava sendo um estranho. Depois de cumprimentar Pedro, dirigiu-se à sala que lhe cabia, a da presidência. Sua disposição, entretanto, mostrou-se inútil para atividades profissionais. Uma agitação incomum impedia que se concentrasse em suas obrigações. Com dificuldade, manteve o controle até o fim do expediente e o relaxamento só veio na hora em que acessou a rodovia na volta para casa: desejava mais que tudo voltar a vitimar algum animal e reviver o intenso prazer com o qual despertara naquela manhã. Porém, sua viagem de retorno ao lar decorreu sem incidentes.

Em seu apartamento, Sueli o aguardava; a surpresa momentânea pela invasão deu lugar à lembrança de que fora ele a dar uma cópia da chave à noiva. Ao invés de se ofender, ele ficou grato, pois esperava que o sexo fizesse com que esquecesse a frustração que o assolava. Entretanto, nem a habilidade da noiva de fazer amor, que Newton considerava primorosa, o acalmou.

Algum tempo depois, enquanto ela dormia, foi para a sala esperar pelo sono assistindo televisão. Ao Identificar o celular de Sueli na mesinha de centro, resolveu dar uma

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expiada; não que fosse ciumento, mas achava que essas inspeções sigilosas eram saudáveis e preventivas. No histórico de chamadas, ele viu um número excessivo de trocas de ligações entre a noiva e o irmão. O estranhamento da constatação provocou incômodo; o que ambos teriam tanto para falar entre si? Mas em seguida achou-se tolo; estava certo que ela o amava acima de tudo, afinal, já o demonstrara isso muitas vezes. Encontrou alivio na idéia de que provavelmente os dois estavam planejando uma festa surpresa para seu aniversário que se aproximava.

Nos dias que se seguiram, Newton saiu mais cedo do trabalho. Sua rotina resumia-se a encher o tanque da picape e rodar a noite inteira por rodovias e ruas da cidade, sempre faminto por animais incautos. Em duas ocasiões foi premiado com gatos; criaturas que passou a considerar estúpidas por cruzarem a frente de seu carro assim que enxergavam os faróis.

Outra feita, o alvo fora um cachorro; mas dessa vez tivera que trapacear. Diferente dos felinos, essa espécie costumava permanecer no acostamento e Newton só conseguiu seu troféu avançando por essa parte da estrada; o que quase lhe custou um acidente. Ah, os cães; quase chegava a considerá-los adversários dignos.

Numa oportunidade, chegou a rumar para o litoral; sabia que na descida da serra existiam várias placas advertindo sobre a possibilidade de veados e outros seres cruzarem a via. Mas nenhum animal silvestre parecia querer respeitar a sinalização.

Em sua sede, começou a definir estratégias para aperfeiçoar seus métodos. Pesquisando os registros de

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acidentes em estradas e rodovias, deparou-se com um dado interessante: todos os dias, um número razoável de acidentes entre veículos motorizados e cavalos era reportado pela cidade. Contudo, a elevada massa corporal dos eqüinos, tornava os acidentes bastante danosos para condutores de carros e motos. Por mais que desejasse colher uma daquelas bestas, o mais prudente era manter-se longe delas. Pensou no privilégio dos maquinistas indianos que vez ou outra podiam gozar as venturas de nocautear elefantes.

Não demorou para que Newton concluísse que o custobenefício de caçar animais para atropelá-los não compensava o tempo despendido na operação. Isso o enfurecia e tal condição tornava-se mais intensa ao constatar que ele na maioria das vezes, não era o responsável pelas massas orgânicas aderidas às vias pelas quais trafegava.

As aventuras noturnas de Newton começaram a refletir em seu relacionamento. Os prazeres do sexo não conseguiam sobrepujar o desejo represado de pavimentar ruas com sangue; então, pela primeira vez, ele não conseguiu fazer amor com sua noiva. Depois disso, a situação repetiu-se em muitas ocasiões nos dias seguintes. Paradoxalmente, por causa desses incidentes, Sueli passou a pressioná-lo ainda mais em relação ao casamento. Segundo ela, desde o dia que lhe contara do atropelamento, ele estava se tornando uma pessoa diferente e voltou a dizer que isso não aconteceria se estivessem juntos.

Pedro também não aceitou bem o crescente desleixo do irmão para com os negócios. Ele lembrou a Newton que era só um empregado e não era capaz de cuidar da empresa sem ajuda. Talvez por acreditar que a condição de irmão lhe

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desse esse direito, insistiu na advertência e ambos acabaram tendo uma briga séria quando Newton lembrou que se não fosse por ele, o irmão seria para sempre um nada. Ofendido, o empregado afastou-se com os olhos marejados.

Dias depois, quando a incompreensão em relação aos fracassos sexuais do noivo já tinha levado Sueli a dizer que procuraria um substituto, caso as coisas não mudassem, Newton ouviu-a falando ao telefone por detrás da porta do banheiro. Não entendeu toda a conversa, mas o que captou foi suficiente para saber de um encontro na noite seguinte num Shopping próximo a casa dela.

Após passar o dia temendo que a noiva já estivesse pondo em prática suas recentes ameaças, Newton parou pouco antes das vinte horas em frente ao prédio dela. Passados alguns minutos, Sueli saiu em direção ao shopping e ele ordenou ao taxista que a seguisse. Dentro do estabelecimento, acompanhoua de uma distância razoável até que, na altura de uma loja com cães expostos na vitrine, ela se encontrou com Pedro.

No começo, o gestual de ambos sugeria calma, então, Pedro foi ficando mais e mais exaltado até que sua linguagem corporal indicava claramente que ele estava prestes a agredir Sueli. Quando Newton se preparava para intervir, sua noiva, às lágrimas, abraçou Pedro; eles permaneceram assim por mais tempo do que Newton considerou apropriado. Ficou enlouquecido por constatar que o desgraçado do irmão, andava saindo direto da empresa para transar com sua futura cunhada. Que senhor presente tinha recebido na véspera de seu aniversário. Sua vontade foi de acabar com tudo ali mesmo, mas deu meia volta em direção à saída.

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Rumou para seu apartamento a fim de apanhar a chave da picape. Ao abrir a porta do local, percebeu uma enorme caixa no meio da sala; tratava-se de um embrulho com direito a laço e tudo. Curiosamente, havia diversos furos em sua parte superior e o cartão afixado na lateral deixava claro quem o presenteara. Ao abrir a tampa, viu horrorizado um filhote de cachorro entregue ao sono. A mistura de ódio pela traição com o desprezo por aquela criatura impulsionou-o a jogar a miniatura peluda pela janela, mas antes de tocá-la um malestar apossou-se de seu corpo. Fez o que veio fazer e foi até a garagem; depois descartaria o presente.

Aquela seria mais uma noite rodando por estradas; dessa vez, porém, não tinha propósito definido. Sueli e Pedro fizeram com que ele se esquecesse do motivo que o levara a conhecer tão bem aqueles caminhos. Enquanto dirigia, seu celular revezava-se entre ligações, de ambos, os quais de agora em diante eram falecidos para Newton.

Longe dali, no shopping, seu irmão e noiva não entendiam porque ele não estava atendendo o celular.

– Não adianta – disse Pedro – vamos atrás dele.

– Meu Deus, Pedro! Como eu ia saber?

– Esquece. Enquanto eu dirijo, você continua ligando.

No mesmo instante, Newton resolveu desligar o persistente telefone. Feito isso, jogou-o de lado sem olhar, mas o aparelho ricocheteou no banco do passageiro chamando sua atenção. O breve momento de distração foi suficiente para que a picape atropelasse um novo animal. Mas dessa vez, talvez pelo estado emocional em que se encontrava, a conhecida

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explosão de neurotransmissores não estimulou os centros de prazer de seu cérebro.

Contrariando tudo o que fizera antes, parou o veículo e refez a pé o caminho até o local do acidente. Então, pela primeira vez, encarou uma de suas vítimas: um vira-lata. Não obstante suas vísceras estivessem espalhadas ao redor, a vida relutava em abandoná-lo e essa teimosia era marcada por golfadas de sangue liberadas a cada abrir e fechar de sua boca.

De repente, Newton entendeu que matar tinha menos colorido quando se permitia alguns instantes para apreciar a obra. Num ímpeto, usou as mãos para empurrar, da melhor forma que pôde, as vísceras do animal para seu local de origem. Em seguida apanhou o cachorro e correu em direção a seu carro; estava decidido a salvá-lo.

Durante o trajeto até o veículo, seu arrependimento começou a somatizar-se em manchas vermelhas nas partes dos braços em contato com o cão; ao entrar na picape, a pele de todo seu corpo já coçava e ardia. Antes que pudesse passá-lo para o banco do carona, notou que os olhos do bicho estavam perdendo o brilho no mesmo ritmo em que o coitado se tornava um objeto inanimado. Num ato involuntário de empatia, a respiração de homem e animal tornou-se uníssona; cada vez mais rápida e curta.

Enquanto dirigiam-se ao apartamento de Newton, o celular deste atendeu à chamada da noiva. – Alô, amor. Onde você está? Já chegou em... A voz do outro lado não era a do dono do aparelho e se identificou como sargento Gomes da polícia rodoviária.

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Ao chegarem no local indicado pelo policial encontraram a perícia examinando a picape de Newton. Dentro dela, o proprietário jazia morto com evidentes sinais de asfixia e segurava um cachorro ensangüentado.

Às lágrimas, Pedro contou aos policiais que não conseguia entender o porquê de seu irmão ter se arriscado daquela forma, pois a mãe de ambos sempre advertira Newton para manter-se longe de animais. Tinha sido exatamente por esse motivo que ele tentou evitar o contato dele com o filhote dado inadvertidamente por sua noiva. Depois de aventar várias hipóteses, Pedro ficou com a de que fora uma inaudita compaixão por animais, a responsável pelo irmão desafiar sua fortíssima alergia a pêlos e morrer em conseqüência de choque anafilático. * * *

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O CASO DO RELÓGIO

Dizem que assim se passou lá no sul de Minas. Osório era um sujeito sem viço, passava as tardes caçando mosca com os olhos, às vezes tinha uma grande idéia, mas logo era vencida pelo desafio da locomoção.

Tanto fez nada fazer, que acabou ganhando a alcunha de preguiçoso, coisa que até incomodava Osório, mas acabou deixando por assim, já que o protesto requeria muita energia.

Um dia, no entanto, uma velha conhecida de Osório, que tinha ido até a capital em busca de estudo, voltou lá pras bandas da terra sem futuro, que era a morada do capiau.

E mesmo sem querer se mexer, o Osório começou com tamanho movimento ao ver a Verinha, que teria se cansado menos se arasse um alqueire de terra. Foi uma espécie de agitação que começou de dentro pra fora, como se um bicho tivesse preso dentro do peito e quisesse abrir uma saída à força. Tanto tremelique fazia com que tudo se movesse; nenhum controle, as pernas balançavam, mas não tinham firmeza, os lábios se mexiam, mas não se entendia as palavras.

A coisa foi tão evidente que todo mundo entendeu, menos o Osório. Foi tão divertida que todo mundo achou graça, menos o pai da Verinha, que não queria saber de vagabundo interessado em sua filha, ainda mais agora que ela era moça educada na cidade.

Mais tarde, naquele dia, é que Osório entendeu o que se passara; Verinha não era mais a menina de canelas finas de sua meninice. Verinha virou mulher. E, a essa hora, já tinha passado da hora de Osório virar homem, seus amigos todos

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já tinham conhecido as maravilhas de um belo par de coxas, Osório só pensava que isso dava muito trabalho, mas as coxas da Verinha, ah! Compensavam o trabalho.

Nos dias seguintes, Osório se mexeu, foi ganhando coragem, foi até o centro da pequena cidade ver a moça trabalhar. O pai da Verinha era dono da venda, fato que ocasionou uma boa vontade nunca antes demonstrada pela criatura. Era só alguém precisar de alguma coisa que o Osório logo se prontificava a ir até o estabelecimento.

Quem não estava satisfeito em nada com essa história era o pai da bem-querida, tanto que era só o Osório pisar na venda, que logo vinha o homem pedir para que ela fizesse alguma coisa lá dentro no estoque. Mas, o que realmente provocou o Osório, e fez este caso se tornar interessante, foi a própria Verinha que um dia, num acesso de sinceridade e grosseria, falou bem pro Osório tomar tento, que ela não queria saber de matuto preguiçoso.

É claro que o bichinho ficou arrasado, mas isso pouco durou, pois que o Osório teve uma luz. Ele haveria de, por força própria, conseguir um relógio para a torre da igreja, e fez questão de anunciar para toda a cidade, que ouviu tudo num misto de desconfiança e admiração. Igreja boa, que se preste, tem que ter relógio na torre. Por fim acabou ganhando o apoio geral; Osório iria encontrar quem vendesse, a forma de trazer, e o modelo mais bonito; só precisaria do apoio financeiro dos concidadãos para poder comprar o dispositivo. Disso o povo não gostou muito, mas acabou que aos poucos as pessoas começaram a contribuir para a tal campanha, mesmo o pai da Verinha, cuja venda ficava de frente pra igreja e seria grande beneficiado do medidor de tempo. Só quem não se empolgou com a história foi a própria Verinha, que não via muita coisa no dispositivo, ademais relógio ela já

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tinha no pulso. Ô coisa de gente atrasada se entusiasmar com um relógio!

Osório, que a princípio esmoreceu, por conta da amada, resolveu continuar o projeto. Gostou do novo tratamento que todos lhe davam, e se Verinha não se impressionou com o espírito empreendedor de Osório, o mesmo não se pode dizer das outras moças da cidade.

Acontece, porém, que o tempo foi passando, e nada de relógio, as pessoas contribuindo, o Osório sempre falando que ainda não deu o dinheiro, depois de dois anos ninguém acreditava mais, e a pressão popular veio com tudo, sem perder tempo, o Osório anunciou que tinha comprado o relógio e no fim de semana ele seria inaugurado, que ele não precisaria de ajuda, pois ele sozinho iria fazer a instalação.

Nova onda de admiração, e a desconfiança que havia se instalado pelo atraso do dito cujo, tinha se tornado o mais belo entusiasmo. Houve muitos que disseram que nunca duvidaram de Osório, mesmo quando este era tido como só um vagabundo.

Chegado o grande dia, a torre da igreja estava coberta com um pano branco, discurso do prefeito, música da banda, festa de todos. O Osório só dizia que ele não tinha feito mais que a obrigação.

Hora de desfraldar o relógio, ansiedade geral, retira-se o pano. O que diabos é aquilo na torre da igreja?

As pessoas espremiam os olhos pra tentar enxergar aquele pontinho no meio da torre. Aquele era o relógio?

Pois que era, o Osório tinha comprado um daqueles despertadores de dar corda. “Vocês ainda nem viram a barulheira que ele faz quando toca a sineta”. Barulheira quem fez foi o povo; foi um tal de pega pra lá, pega pra cá que o

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Osório teve que sair em desabalada carreira, com o povo todo atrás. De repente, ele vê na frente alguém acenando; era a Verinha, que o estava chamando para se esconder da fúria do povo.

“Mas você deu mesmo uma lição nesses caipiras”, disse a Verinha rindo pra um Osório abobado.

”Eu não sei de nada disso não”, respondeu meio sem entender o que a Verinha insinuava.

“Ah, é? Então o que você fez com o dinheiro, que recebeu do povo esse tempo todo?”

“Você promete guardar segredo? Eu te comprei um presente”, então o Osório mostrou um anel de ouro com uma pedra de diamante encravada, disse que era dela por nada, mas que ele adoraria se ela o aceitasse como sendo de noivado.

Verinha, sabendo que de outra forma nunca teria um anel daqueles, aceitou o pedido. O difícil foi fugir da cidade por uns tempos até que a multidão se acalmasse. * * *

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NA PISTA Um conto carnavalesco...

Por trás da persiana ela olhava para fora do quarto. A luz do Sol fazia com que enxergasse tudo envolto em uma espécie de névoa. Uma aura luminosa que lhe ofuscava os olhos tanto ou mais do que a desprevenida mente.

Era Carlos quem vinha em direção à porta. Ajeitava a camisa florida por dentro do elástico da bermuda que lhe deixava os machucados dos joelhos à mostra. Quando entrou, ela reparou nas casquinhas que agora cobriam os ferimentos do rapaz, dando um tom ameno ao que poderia ter sido muito pior…

Lembrou-se do namorado rodopiando no meio da pista, com as costas tangendo o solo em um efeito idêntico ao de um pião. Tinha sido muito engraçado… Só mesmo ele para arriscar passos de hip-hop, toscos, em pleno baile de carnaval, ao som de uma antiga marchinha que se negara a perder-se no passado, da mesma forma que aquela leda lembrança…

Ela ainda se culpava pelo acidente, mesmo tendo sido um descuido de Carlos o que acabara ocasionando a queda dos dois. Se bem que fora ela quem pedira para o namorado mudar de faixa… Ele, como sempre o fazia, apenas quis brincar com sua amada, trocando de lado na pista, embora sabendo que ela havia se referido à faixa da música que escutava no discman, e não a da estrada, na volta do baile.

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de Contos

Sem volta…

Ela estava na garupa e, mesmo sem capacete, não sentira a batida com a cabeça no asfalto, parecendo não ter sofrido sequer um arranhão. Contudo, ao ver agora o estado em que a moto ficara – colocada sobre a caçamba de uma picape da polícia rodoviária, estacionada ali do lado de fora do quarto %, ela percebia a sorte que também Carlos, exibindo apenas algumas pequenas escoriações, tivera.

A moto estava totalmente destruída…

Aqueles machucados eram como um lembrete; notas de rodapé em uma página… Neste caso, notas de joelho. Nos joelhos dele. Como que a lembrá-los do que poderia ter sido tudo aquilo. Um texto auto-explicativo…

Mas era Carlos quem gostava de procurar a explicação de tudo nos fatos. Costumava dizer que toda e qualquer pergunta já detinha, invariavelmente, a resposta dentro dela mesma. Afirmava para quem quisesse ouvir, sempre em alto e bom som, que todo fato provinha da conseqüência de um ato, que por sua vez era oriundo de um pensamento, que era, basicamente, produto de um desejo. E tudo estaria à mostra, disponível…

Embora não evidente.

Assim ia Carlos discorrendo sobre o que quer que fosse que, à primeira vista, se demonstrasse enigmaticamente obscuro. Gostava de solucionar problemas, descobrir coisas, mudar os paradigmas… Contudo, ela sabia que, na verdade,

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Rede de Contos

Carlos tinha mesmo era uma “alma de caçador”. Ele era um ávido ¯ e incansável! ¯ caçador de respostas.

Talvez fosse isso a passar pela cabeça dele agora. Carlos estava quieto demais; quase que tenso… Quem sabe até um pouco fora da realidade, tentando explicar o inexplicável, exprimir o inexprimível, encontrar o detalhe faltante… Enquanto ela perdia-se em pensamentos não tão distantes, como a quilometragem existente entre aquele quarto de hotel de quinta e os cacos de vidro que ficaram sobre o asfalto quente da pista. Quente e acolhedor…

E novamente o brilho invade seu semblante, como um farol a delatar uma longínqua e até então despercebida embarcação. Ofuscando agora até as lembranças através da luz que aqueles pequeninos cacos espalhados no revolto mar de sua confusa mente refletiam.

Purpurinas do baile de carnaval… Batuques ferindo gravemente o couro dos tambores, joelhos… Serpentinas vibrantes… Cor de sangue. Agora tudo misturado e exposto; espalhado por aquela estrada. Migalhas de vidro na pista… Brilho esmigalhado. Os reflexos…

O Silêncio.

Somente então repara: não havia som naquele quarto. Nem mesmo barulho vindo do lado de fora. Só o silêncio… O momento a silenciar o que o vento, sem ciência do fato, sentenciava. As árvores balançando lá fora num vai-e-vem confuso e melancólico…

Prova 01 CBJE

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Rede de Contos

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Tudo melancolicamente mudo.

Carlos puxa do bolso de sua bermuda o que sobrara do aparelho que, com a outra parte ainda a repousar no pescoço dela, completar-se-ia. Esmigalhara-se por fora… Mas, os fones que pendiam das pontas do metálico arco e tocavam a jugular da namorada, agora aumentando gradativamente a pressão naquela área, não detinham sequer um arranhão. Estavam intactos, assim como ela.

Intacta…

Intacta e aflita. Ela fita as mãos de Carlos que, após livrar-se dos restos do aparelho, segurava agora, entre cortes, arranhões e manchas de sangue, apenas o CD com os enredos das escolas de samba deste ano, comprado já na saída do baile, após muita insistência por parte dela. Ele não queria comprar. Ele não devia…

Fato. Carlos chora. Copiosamente. Deixa-se cair por sobre os restos do discman que são então prensados entre a colcha encardida daquela cama de hotel de beira de estrada e o machucado corpo que sobre a mesma tombara, derrotado. Corpo… E alma.

Carlos estava estranho…

Não trocara uma só palavra com ela desde que ali chegara. Como se nem a tivesse visto. Como se ela não existisse; como se ele não estivesse ali. Agia friamente. Talvez a culpasse

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pelo acidente; talvez culpasse a si mesmo… Mas não houvera nenhuma acusação; nenhum carinho… Nada.

Tinham as suas diferenças. Ela gostava de samba; ele de música eletrônica. Ela falava em aprender a tocar violão; ele queria comprar uma mesa de som. Um gostava de correr no calçadão; a outra se esforçava em caminhar dia sim, dois não. Ele adorava a chuva; ela desafiava o sol. Mocidade porque estava bonita na televisão; Mangueira de berço e coração… Leite quente versus leite frio; um no Engov a outra no Doril…

Ela não era de beber. Na verdade, não gostava mesmo era de cerveja. Mas, naquele baile, haviam realmente caprichado… Parecia até que os organizadores tinham feito uma pesquisa pré-carnaval, como se tivesse sido possível descobrir, já no ato da compra dos ingressos, a preferência etílica de cada comprador. Tipo um elo mental mesmo, que fosse direto ao ponto do cérebro capaz de revelar, instantaneamente, a preferência por esta ou aquela bebida.

Sim… Havia uma mesa enorme e absurdamente apinhada de copos transbordantes no baile, repletos de uma verdadeira e irresistível tentação. Uma mesa que era constantemente renovada… Que ressurgia, à cada olhadela, impávida e convidativa. Um à um, os copos vazios colocados sobre ela eram, todos, substituídos por outros, cheios. E, por mais que tentassem, eles não conseguiam dar conta... O nome da tentação?

Cuba Libre.

Uma marchinha antiga pra lá, um samba-enredo famoso pra cá, e lá iam eles para a pecaminosa mesa. Carlos, é verdade, nem era assim tão vidrado na perfeita mistura de rum, coca-

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cola e limão, mas fizera questão de acompanhar, durante toda aquela noite, a namorada em sua rara expedição alcoólica.

Já ela… Era fã mesmo. Profunda conhecedora e admiradora. Gostava tanto que até a história desse drinque ela fazia questão de difundir, lembrando a todos que a invenção do mesmo era atribuída aos soldados norte-americanos que ajudaram nas guerras da independência cubana ¯ daí o nome ¯ e que, muito provavelmente, inspiraram-se no calor dos campos de batalha para a criação da explosiva bebida.

Porém, o calor que ela sentia agora não se devia mais ao efeito da bebida ingerida em demasia naquele baile. Nem da animação das marchinhas ou do rebolar frenético das mulheres no meio da pista lotada…

Tampouco vinha de fora daquele quarto de hotel de beira de estrada. Nem da claridade que agora ultrapassava as persianas e tomava conta de tudo à sua volta, misturando-se ao crescente batuque dos tamborins que voltava a ouvir através dos fones desplugados e que, cada vez mais, pressionavam seu pescoço…

Ela sentia o calor da estrada. Do asfalto quente e acolhedor. Das serpentinas vibrantes cor de sangue se abrindo naquela pista. Do repique metálico e do chamativo brilho dos pequeninos cacos de vidro, espalhados pela imensidão daquele cruzamento, que lhe invadiam a alma ao refletirem seus próprios olhos…

De dilatadas pupilas.

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* * *

CELEBREI OS 15 ANOS por

E mais um show se deu. Agora busco o alvorecer da madrugada, sentado em um banco bem talhado ao lado de fora do imenso buffet de minha princesa. Novamente havia subido ao palco, e declarado as palavras de um homem que ama escrever. Lindas composições. Entoadas pelo hino do meu coração vacilante.

Todos aplaudiram. Como sempre. Selei aquela legítima apresentação com um suave beijo em minha amada.

Ela completa 15 anos hoje. Um dia marcado por um sonho, possivelmente fútil, mas mesmo assim um sonho de aproveitar esse dia como se jamais fosse cessar. Muitos parabenizaram, disseram que me sobra coragem para ler tão belo texto na frente de tantas pessoas. Não sei se coragem é o certo, talvez apenas falta de nervosismo. Outros disseram que fui perfeito, a esses não dei tanto crédito, perfeição é algo que não me cabe. Pois se me coubesse, não estaria aqui nos recantos de um banco de madeira nobre. Ou estaria?

Deixei o sentimento de solidão tomar conta. Raramente faço isso. Hoje queria que assim fosse. Na verdade não estava só, conversava em uma língua inteligível com meu amigo que só eu vejo. Que só eu sinto. Que só eu ouço. Ao menos nesse momento, é claro.

Desempenhei meu papel. Fiz bonito. Duas amigas de Lara, meu amor, vieram de longe e gritaram a mim, isso enquanto ainda estava dentro do ambiente, “Quero um namorado igual você Gu”. Não sei se realmente querem, ou se apenas estão embriagadas pelo belo momento que proporcionei.

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Prova 01 CBJE

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Creio que na verdade esse querer delas passe bem rápido, até porque após os goles de Vodka que sei que tomariam, passariam a me julgar não tão atraente assim. Porque não bebo. Não faço parte da corja de fracos. Embriago-me dentro das palavras, dos licores de belos adjetivos. Do álcool de um soneto bem escrito. Ou no whisky de devaneios como esse.

O meu vício é melhor que o delas. Mas elas pensam que o delas é melhor que o meu. Hipócritas.

E agora, sento a sombra do luar, bebendo das palavras e sentindo do vento que balança a folha de papel. Minhas letras saem tortas e malfeitas, não que seja uma ocasião rara, pois sempre são assim.

Lara está em festa hoje. Eu sou de todo ciumento. Mas prometi a mim e a meu amigo que recusaria quaisquer reclamações que pousassem em minha mente e porventura saltassem pelos meus lábios.

Hoje não seria assim. Eu deixaria de olhar de maus olhos para o que seria feito. Para mim é uma dureza, porque sou um insano apaixonado. No entanto, sei que para ela também o é.

Pois, quando sai do salão, vislumbrei seu olhar em direção ao meu. Um sorriso da mais bela princesa de todos os tempos. E sei que agora ela, com seus olhos, me procura. Sem palavras, porque alguém pode contrariá-la e dizer que hoje eu não importo.

Por isso ela me procura sem palavras, e sei até com que feição faz isso; uma um tanto sorrindo de lado, torto, para que os outros não percebam. As pupilas bem dilatadas, a testa vincada e a mente impaciente. Uma expressão que só eu consigo enxergar.

Que assim seja porque a simplicidade torna tudo tão mais belo.

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Uma mulher veio para fora, fumar um cigarro. E não sei por que, ou como, ela decidiu me contar um pedaço de sua vida. Talvez até dê em um futuro conto, ou uma sub trama para um romance. Quem sabe, um inteiro. Acho improvável, mas... Perguntou-me quanto tempo fazia que estávamos juntos, eu e meu amor, é claro. Disse que faria dois anos, ela sorriu. Perguntou se brigávamos demais, disse que não. Raramente o fazíamos. E ela, novamente sorriu. “Que bom. Hoje em dia é difícil encontrar casais assim. As coisas tende ser construídas em bases sólidas, e quando é de um jeito no namoro, tende a seguir uma linha ao casamento.” Até que eram coisas coerentes.

Contou que ela e seu marido haviam se separado apenas uma vez quando eram namorados. Por ciúmes do pobre coitado, é claro. Porém, quatro dias depois, em um baile ele correu até ela, entre choros e pediu desculpas. Então se casaram.

Contei um pouco de mim e de Lara, coisas simples. Mesmo em um momento de solidão, não me torno tolo e abro meus comentários aos alheios. Então, após ouvir alguns pequenos detalhes ela disse “Quando é por Deus, vai até o fim.”

Gostei dessa última frase; meu amigo, que ela não enxergava, também gostou. Mesmo que ela não soubesse que ele estivesse lá, havia acabado de falar nele. Ela se despediu, subiu as escadas e entrou.

Decidi que estava na hora de fazer o mesmo. Guardei meu papel e minha caneta. Entrei no belo salão e fitei os olhos do meu doce amor, sorrindo para mim, aliviada com minha chegada. * * *

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Johnny voltava do colégio em silêncio. O sol irradiava um calor intenso e gotas de suor rolavam pelo rosto do rapaz. Seus pensamentos de dividiam em duas coisas: O sol e Amanda.

Havia algo errado com o sol nesses três últimos dias e ninguém sabia o que era. A única coisa que sabiam é que a cada dia ficava mais quente. O dia anterior tinha sido quente, mas no dia seguinte ele perderia seu pódio com certeza. Podia até ver nos jornais do dia seguinte o título em letras garrafais:

ESTUDOS REVELAM NOVO DIA MAIS QUENTE DO ANO.

A data seria vinte e três de março, o dia quente que estava vivendo no momento.

E Amanda. Uma garota linda da turma dos nerds por quem estava apaixonado e descobrira que ela também sentia o mesmo. No bolso de trás de sua calça havia um pedaço de papel com o telefone dela. Por que diabos tinham que ser diferentes? Por que o capitão do time de futebol do colégio não poderia namorar uma nerd ? Mas por que se importava com isso? Era a pergunta que se fazia. A única coisa que importava naquele colégio era a reputação de cada um. A dele era uma das mais invejadas, mas poderia perder toda ela por causa de Amanda? O que escolheria?

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As gotas de suor agora formavam enormes poças sob seus olhos. Com um dos dedos se livrou delas e continuou andando. Em um dos muitos quintais, um casal de crianças brincava com uma mangueira molhando um ao outro.

Chegou em casa e foi direto à geladeira. Abriu uma garrafa de refrigerante e encheu um grande copo para si. Tomou tudo em um único gole. Mesmo com o calor que estava, sentiu-se melhor. Como de costume, não havia ninguém em casa. Seria mais uma das tardes solitárias que Johnny enfrentava todo dia. E foi esse pensamento que o fez subir as escadas correndo em direção ao quarto e sentar-se em sua cama ao lado do telefone.

Retirou o telefone do gancho e o levou à orelha. Olhava o pedaço de papel e o teclado do telefone. Apertou os primeiros números e o dedo indicador travou no ar. Quando finalmente o dedo se moveu, a linha caiu. Retornou a digitar alguns números, mas o dedo travou novamente. As mãos começaram a tremer fazendo com que ele desistisse e colocasse o telefone de volta no gancho. Deitou-se na cama e ficou fitando o pequeno pedaço rasgado de uma folha de caderno e a caligrafia escrita em tinta rosa. Como que hipnotizado, adormeceu. E sonhou.

Em seu sonho, as ruas tinham um tom alaranjado. Fechou as mãos em concha e as levou aos olhos. Mesmo com o enorme calor, sentiu um arrepio gelado descer a espinha ao contemplar o sol. O sol era agora uma enorme bola laranja. Algo incandescente se desprendia como tentáculos e se desfazia no ar. A bola de fogo parecia crescer cada vez mais no céu e o suor escorria de seu rosto até cair pela ponta do queixo.

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Começou a subir uma rua. Algo lhe dizia que restava pouco tempo. Os gramados na frente de todas as casas tinham uma cor amarelada e pareciam terrivelmente secos. Tão secos que se quebrariam com um único toque ou assopro que recebessem. As folhas de todas as árvores exibiam a mesma coloração. Era como se toda a cor verde fosse diluída em sépia.

Alguns passos à sua frente viu a manchete de um tablóide: O APOCALIPSE CHEGOU . A data era vinte e cinco de março. Largou o jornal e continuou subindo a rua. Na sua cabeça um som de correntes sendo balançadas o guiava rua acima. Passou por um grupo de pessoas. Homens trajando paletós e mulheres em vestidos cantavam e balançavam bíblias no ar.

O som das correntes ficava mais próximo a cada passo. Passou por um homem sentado à beira da calçada. Seus olhos pareciam cansados e não conseguia manter-se ereto. Johnny sentiu um forte odor de álcool quando o homem falou.

– É o fim... Não adianta cantar ou se arrepender agora... Em breve todos virarão cinzas. Falta pouco agora... Muito pouco...

Chegou a um parque e o som das correntes cessou. O som deveria ser de um balanço onde havia uma garota sentada. Caminhou em direção a ela e a reconheceu. Seus cabelos negros caídos sobre os ombros. Através dos óculos, os olhos verdes e lacrimejantes dela fitavam o tronco de uma árvore próxima. Ele seguiu o olhar e viu um coração desenhado na madeira. Dentro dele, algum casal havia escrito as suas iniciais.

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Por um segundo, imaginou se Amanda não via no coração as iniciais “J+A”. Voltou-se para ela e viu, horrorizado, que a pele do rosto dela começava a borbulhar.

Os longos cabelos começaram a encurtar e tomar um tom castanho até entrarem em combustão e se inflamarem. A pele do rosto borbulhava loucamente e se desprendia em fagulhas caindo ao chão. Suas mãos foram envoltas em chamas que derreteram suas unhas. A árvore fez um estalo alto jogando no ar várias lascas de madeira em chamas. A copa já era uma tocha feita de folhas que crepitavam.

Amanda soltou um grito estridente, que aos poucos começou a parecer um gargarejo. O interior de sua garganta também estava derretendo. Os lábios dela caíram ao chão como plástico derretido. O corpo pendeu para frente e foi abraçado pelas chamas que subiam do gramado infernal.

O pequeno balanço começou a entortar sob as barras de aço e caiu ao chão. A árvore agora não passava de um pequeno toco. Do chão, levantavam-se cinzas que tomaram conta do ar.

Johnny olhou para o céu e viu aquela bola incandescente fervendo. Ouvia o chiado do asfalto queimando. Abriu a mão e viu um pedaço de papel com letra rosa começar a queimar.

Acordou assustado em sua cama em uma poça de suor. Olhou para a janela e o sol ainda brilhava forte no céu. O relógio anunciava 17h30. Passou as mãos no rosto tentando se livrar do suor que escorria e sentiu algo em sua mão esquerda. Era o pedaço de papel escrito com tinta rosa. Tinha

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as pontas chamuscadas, mas ainda era possível ler os números escritos.

Deu um salto da cama em direção ao telefone, pegou o aparelho e digitou o número. Aquilo que acabara de vivenciar não era um mero sonho. Não quando o sol ainda brilhava fortemente às 17h32. No dia anterior, nesse mesmo horário, ele já desaparecia no horizonte. Do outro lado da linha uma voz feminina atendeu. Uma voz conhecida.

– Amanda? Sim; é Johnny... Estou bem, só liguei para... – Respirou fundo e terminou a frase de uma vez – Para saber se você não quer passar o dia de amanhã junto comigo? * * *

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O ÚLTIMO BEIJO

Oamor pode morrer? E como roubar o último suspiro?

A felicidade é como o vento: algumas vezes é brisa que afaga; noutras tormenta que mata.

Fui feliz um dia. E o vento acariciava meu rosto como as mãos macias de toda mulher. Se existe amor, aquilo que eu sentia era a sua mais pura síntese.

Tudo estava planejado. A rota traçada, as malas prontas. Tomaríamos vinho no Sul, dançaríamos tango em Buenos Aires e esquiaríamos em Bariloche. Já sonhava com suas gargalhadas de menina travessa, de suas poses para fotografias com seus intermináveis biquinhos.

Aquela tensão pré-viagem me consumia. Queria que tudo fosse perfeito. Escolhi a dedo os cenários e o roteiro. Seria o filme das nossas vidas. A cena final já estava escrita: um monólogo. Acalentados pelo crepitar da lareira, acompanhados por um bom vinho eu faria o pedido: – Aceita passar o resto de sua vida ao meu lado?

E ela já enrubescida e tomada pelos encantos de Baco que descortinava sua habitual timidez, responderia sim com um beijo.

O sol nem mesmo havia acordado e já estávamos nos despedindo. Ouvíamos nossa música favorita e os sorrisos pareciam fundidos em um só, como nos álbuns de casamento. Uma moldura de árvores que cresciam em linha reta, quase arranhando o firmamento enfeitava o nosso caminho. Eu a observava no banco do carona. A boca e os olhos semicerrados esboçavam um sorriso, mostrando a tênue linha que separa a realidade dos sonhos. Meu Deus, como era linda!

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Não tínhamos ido muito longe, uma cortina de névoa subia pelo asfalto ofuscando a visão. Um caminhão estava parado no acostamento. Alguma pane, ou algum gigante poderoso e cruel o colocara ali, naquele ponto cego da rodovia. Quando vi aquele monstro de aço, busquei o pedal do freio, senti que não conseguiria parar, então desviei bruscamente para a esquerda.

Nem mil anos apagará de minha memória o barulho daquela madrugada. Os pneus cantando uma música fúnebre, os vidros estourando e rasgando a minha carne... Não sentia dor, só medo e pavor. O grito doloroso que ouvi no final matou o que restara de mim.

Quando acordei o mundo estava de cabeça pra baixo e pessoas por todos os lados. Alguma coisa quente e viscosa escorria por entre meus olhos, fundindo-se às lágrimas inconscientes que desciam pela minha face pálida e horrorizada. Mas de algum modo encontrei meu amor naquela manhã. Arrastei-me por alguns metros sem me importar com o aço retorcido que dilacerava meu corpo. Nada importava. Ela estava deitada sobre o tapete verde de relva encharcada de sangue. Ergui sua cabeça e seus olhos encontram os meus. Seu rosto emitia uma sensação indescritível de paz e com um sorriso no canto dos lábios disse: – Abrace-me querido, apenas por um instante... Minhas mãos trêmulas e titubeantes ganharam forças que não consigo explicar. Envolvi-a em meus braços num abraço apertado, tentando em vão doar minha vida. Beijei-a como deve ser um beijo de amor: intenso e pausado. Os olhos fechados, respiração lenta. Podia sentir sua vida esvaindo... Nosso último beijo.

O amor morreu e eu roubei seu último suspiro.

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*

ARANDIR

Vi de tudo quando trabalhei na editoria de polícia do jornal. De coisas inusitadas, como a prisão de um grupo de anões acusados de promover uma suruba com menores num apartamento, até coisas hediondas, como uma mãe que obrigou suas quatro filhas a se prostituir para sustentá-la. Mas de tudo o que vi nos anos de jornalista policial, nada se compara à vida e obra de Arandir, o traficante. A começar pelo nome, uma homenagem do pai àquele personagem do Beijo no Asfalto, de Nelson Rodrigues. Nunca lembro se Arandir era o sogro ou o genro. Na minha cabeça ficou eternizada a cena em que Tarcísio Meira beija na boca um Ney Latorraca à morte no meio da rua. Uma das cenas de maior impacto do cinema nacional, talvez só superada pela morte da cadela Baleia no Pagador de Promessas. Conheci Arandir por dever de ofício. As vendas nas bocas de fumo do morro onde Arandir se estabelecera andavam fracas – sim, o negócio do tráfico tem seus altos e baixos – e, por isso, ele resolvera inovar: criou o toxico rewards. Nada mais era do que um sistema de fidelização, mais tarde copiado pelas operadoras de telefonia e companhias aéreas. A iniciativa pioneira de Arandir consistia em conceder descontos progressivos aos clientes contumazes. Para ter direito ao desconto, bastava guardar as embalagens de pó ou erva e entregar quando fosse buscar mercadoria nova. Assim que a notícia chegou ao jornal, o meu editor sádico designou-me para entrevistar o traficante marketeiro. Naquela época, meados dos anos 70, a imagem dos traficantes

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tinha certa aura romântica, estilo Robin Wood. Mesmo assim, fui ao banheiro umas três vezes antes de sair para a entrevista. Não foi difícil falar com Arandir. Ao contrário dos seus colegas de profissão, ele não cultivava qualquer apelido intimidador. Era Arandir e pronto. Até pensei em perguntar se ele sabia a origem do nome, mas preferi não arriscar.

Às 10 da noite, estava eu diante de uma porta de ferro pintada de vermelho e preto, cores do time de coração do traficante. Anunciei-me e entrei tentando não aparentar nervosismo.

“Tá nervoso?”, foi a primeira coisa que ele perguntou quando me viu.

“Moela, traz um negócio de qualidade aí pro jornalista beber”, emendou. Recusei a bebida, mas o traficante colocou sobre a mesa uma enorme pistola niquelada. Entendi a mensagem. Quando estava na metade da garrafa de Black Label – sim, Arandir só bebia 12 anos – percebi que a entrevista estava mais fluida e as idéias apareciam com mais vivacidade. Garrafa vazia, já estava discutindo futebol, política, mulheres, impotência sexual e outros assuntos de mesa de bar com o traficante. Cabe ressaltar que nunca havia ingerido uma gota de álcool antes.

No dia seguinte, não me lembrava de nada o que havia conversado com Arandir. Ele proibira o uso de gravador e, por causa do whisky, não conseguira fazer meus apontamentos. Resolvi escrever assim mesmo com base em reminiscências. Redigi a matéria com todo cuidado que o assunto merecia, afinal de contas não podia fazer apologia ao uso de entorpecentes tampouco revelar a minha fonte. Escolhi como foco o outro lado do tráfico, como os traficantes se relacionavam com a comunidade. Quando o jornal foi para as bancas, a matéria causou grande furor. O editor passou a

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manhã recebendo ligações de delegados querendo saber quem era o tal traficante marketeiro, o Robin Wood da favela. Até o prefeito ligou para o dono do jornal reclamando da matéria e exigindo que a identidade fosse revelada.

Ocupados em identificar o tal traficante, ninguém percebera que o texto fora redigido com um grosseiro erro de composição. Lá pelas tantas, durante a conversa sobre amenidades, Arandir assegurou que os “produtos” que vendia aumentavam a potência sexual por causa do efeito vasodilatador, isso muito antes de se ouvir falar em Viagra. Acho, até, que a indústria farmacêutica pode ter se aconselhado com Arandir para começar a produzir o azulzinho.

Na hora de compor o texto – isso bem antes da era dos computadores – o operador cometeu ato falho e digitou que os alucinógenos aumentavam a IMpotência sexual. Ninguém se deu conta do erro, mas os consumidores de Arandir perceberam. Em pouco tempo, a cocaína e a maconha de Arandir ganharam a fama de broxantes. Daí até a falência foi questão de dias.

Ninguém nunca mais ouvira falar em Arandir até que, mais ou menos seis meses depois, um motorista da redação apareceu com a notícia de que o ex-traficante havia aberto um restaurante no mesmo morro onde antes explorava o negócio do “entretenimento alucinógeno”, como ele costumava definir a sua atividade comercial. Meu faro jornalístico enxergou a possibilidade de transformar a história de Arandir em um case. “A redenção de um ex-traficante”, imaginei o título da matéria de primeira página.

Peguei o endereço e fui até o restaurante. Se eu não tive medo de ser reconhecido? É óbvio que tive. Enterrei um boné na cabeça e confiei que a barba recém cultivada ajudaria no disfarce. O restaurante, na verdade, era uma casa adaptada.

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Sequer tinha nome de tão simples. “Especialisado em massa” anunciava a faixa colocada na entrada. “Se a comida for como a ortografia, vou precisar de um Sonrisal”, pensei na hora.

Sentei-me na mesa mais distante do balcão e pedi o cardápio. Enquanto esperava, passei os olhos pelo ambiente. Num canto, uma vitrola tocava Martinho da Vila e Ivone Lara. Na parede, um enorme pôster do Flamengo campeão carioca daquele ano e uma imagem de São Jorge eram a única decoração. Meu coração disparou quando o próprio Arandir veio trazer o cardápio. Estranhei que só havia três opções de prato e uma sobremesa: ‘ispagueti’ de carne, ‘ispagueti’ de frango e ‘ispagueti’ de camarão, este último bem mais caro. Delícia tropical era a sobremesa.

“Seja bem-vindo!”, disse Arandir com indisfarçável entusiasmo.

“Olha, a gente aqui está implantando um novo conceito de alimentação popular. Batizei de fast food”, explicou ele sem aparentar ter me reconhecido.

Bem mais aliviado, resolvi pedir o tal ‘ispagueti’ de camarão. Antes, perguntei o porquê do preço elevado, ao que Arandir explicou com singeleza:

“Ué, tudo que é de camarão é mais caro.”

Após 15 minutos de espera, chegou o pedido. Quando vi, quase caí duro. No prato, um miojo gororobento de camarão polvilhado com um cheiro verde. Comi contrariando as entranhas no cumprimento do dever. Antes de sair, perguntei o que era a tal delícia tropical.

“Queijo minas e goiabada”, explicou-me.

Silvério, o motorista, contou que o restaurante de massas de Arandir fechara as portas com poucas semanas. Porém, o conceito de fast food fora copiado por uma então

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insipiente cadeia de sanduíches norte-americana e se transformado em sucesso mundial.

Passaram-se cinco anos até ter notícias de Arandir novamente. O mesmo Silvério disse que o ex-traficante e exrestauranteur havia se mudado para Brasília com o intuito de trabalhar com marketing político. “Quem conseguiu vender droga, vende qualquer coisa”, garantiu Arandir antes de embarcar rumo ao Planalto. Assim que fiquei sabendo do fato, liguei para uns colegas jornalistas da Capital. Por incrível que pareça, eles confirmaram a notícia. Arandir dizia ter inventado uma nova forma de fazer política com alto retorno social e financeiro. Dizem que o sistema bolado por ele fez tanto sucesso que foi copiado por todos os partidos. Escrito a doze mãos: duas minhas, duas do Johnnie e duas do Jack...

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Os Autores

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JOSÉ GERALDO GOUVÊA

Secretária Eletrônica (pág.17 )

José Geraldo Gouvêa, 37 anos, bancário, casado, licenciado em História e pós-graduado em administração. Publiquei alguns contos e poemas esparsamente ao longo dos anos 90 na revista da ANE (Associação Nacional de Escritores), na revista “Literatura” e em vários periódicos independentes. Editei em 1997/98 minha própria revista literária, “Trem Azul”, que teve quatro números. Desde 2003 “milito na Internet”.

Co-proprietário da N.E.B. desde 2008, publiquei contos pelas antologias da Editora Multifoco e em breve lançarei um romance, “Praia do Sossego”, pela mesma. Também sou o idealizador e coordenador-geral da revista “O Verbo”, publicada por meio da comunidade. Eu me achei fazendo literatura ainda na adolescência. Surgiu naturalmente, eu não “quis” ser escritor, eu sempre escrevi e um dia percebi que isso tinha virado “literatura”.

Minha poesia é praticamente um diário de meus sentimentos. Jamais deixei que ninguém lesse meus “alfarrábios” exatamente porque ali estou nu. Minha ficção é, com raras exceções, baseada em minhas experiências de vida ou nas experiências de pessoas que conheci diretamente. Apenas o estilo é inspirado pelos autores que li. Gosto de H. P. Lovecraft, José Cândido de Carvalho, Manuel Bandeira, Eça de Queirós, Fiódor Dostoiévski, Lygia Fagundes Telles, Millôr Fernandes, Ignácio de Loyola Brandão, Julio Cortázar, Jorge Luis Borges, Fernando Pessoa(s), Friedrich Nietzsche.

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Eu entrei na N.E.B. para mostrar um conto meu chamado “Cogumelos”, que narra um episódio real que se passou com um amigo meu chamado J.L. Assim que meu conto apareceu lá o Sinki (proprietário atual da N.E.B.) e a Ilka Canavarro (uma das mediadoras) imediatamente me abordaram como se eu fosse uma aparição. Em poucas semanas o Sinki me havia feito co-proprietário. Foi tudo muito rápido e me surpreendeu muito, porque eu nunca achei que minha literatura tivesse valor real. Depois do fiasco da “Trem Azul” eu guardava as minhas coisas para uso estritamente pessoal. Meu site na internet era basicamente não-literário, ele tinha mais informações sobre Linux, Monografias, humor nerd e Filosofia do que sobre minha obra. Depois dessa acolhida entusiasmada eu comecei a reavaliar meus escritos antigos e descobri, para meu espanto, que a gaveta lhes tinha feito muito bem. Ao encarar com distanciamento as coisas que tinha escrito, especialmente depois de tanto tempo lendo coisas não-relacionadas à literatura, eu percebi que conseguia enxergar melhor suas qualidades e defeitos – e isto me fez ganhar CONFIANÇA, que era o que me faltava.

A N.E.B. mudou totalmente minha vida porque me fez voltar a ter ambições literárias. Lá eu encontrei o Frodo, meu editor e fiz amigos, como a Ilka, o Sinki, o Coslei e o Jocs. Para quem está começando, aconselho paciência. As coisas não têm que acontecer rápido.

Contatos: jggouvea@gmail.com http://mundosefundos.co.nr http://maldicaoeletronica.blogspot.com

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REURY FRANK P. BACURAU

Asfalto Orgânico (pág.20)

Reury Frank Pereira Bacurau, casado, 39 anos, formado em Educação Física, Mestre e Doutor em Ciências pelo Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo; Professor Assistente do Curso de Ciências da Atividade Física da USP (EACH-USP).

Publiquei contos nas antologias Sinistro (Multifoco), Pacto de Monstros (Multifoco), Solarium 2 (Multifoco), Metamorfose (All Print), Poe 200 anos (All Print). Sou autor dos livros infantis: “João Re Clamão” e “As aventuras de Olavac”.

Sempre li muito, mas o desejo de escrever surgiu depois que uma oportunidade profissional me levou a produzir dois livros infantis sobre educação nutricional.

Tudo o que escrevo é uma tentativa de descobrir o que eu realmente penso sobre diversos assuntos; por meio de histórias, acabo descobrindo novos ângulos de questões que acreditava velhas.

Se encontrar a comunidade “Novos Escritores do Brasil” foi um feliz acaso, o poder que ela exerceu sobre mim não poderia ser mais certo. A possibilidade de ler textos alheios e ter os meus lidos e comentados é extremamente útil na melhoria de minha escrita. Outro aspecto que distingue a NEB é que há inúmeros escritores excelentes entre seus membros; acredite ou não, a maioria disposta a opinar e ajudar aos menos experientes.

Conselhos tradicionais à parte (ler muito, escrever, saber o idioma, etc, etc, etc), perca o medo e venha participar

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de Contos

da NEB. Não há escritor humilde que não cresça lá; seja veterano ou novato.

Contatos: reurybacurau@uol.com.br / reurybacurau@usp.br

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Rede de Contos Prova 01 CBJE

PAULO CARVALHO

O Caso do Relógio (pág. 30)

O Paulo Carvalho é um ator e pretenso a escritor que coloca uns continhos no seu blog e numa tal comunidade do Orkut chamada NEB – Novos Escritores do Brasil. Em seus 28 anos ele conseguiu fazer uma faculdade de teatro e trabalhar na Cia. Stromboli sob direção de José Rubens Siqueira, ou seja, nada mais que um vagabundo e ainda diz que quer mudar o mundo.

Começou a gostar de livros porque era um nerd que não comia ninguém e depois que virou ator e conseguiu descolar uma menina qualquer, não conseguiu largar o hábito.

Ele até começou a escrever depois que tomou um pé na bunda da mesma menina, mas como tomou gosto pela coisa continuo nessa.

Gosta de Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Jorge Andrade, Plínio Marcos, mas leu um livro só de cada, ou menos. No fim é só um pedante.

Conheceu a NEB com o único intuito de divulgar seus textos e ficar rico com isso, mas ainda não teve muito resultado.

E, pra terminar, um conselho que ele dá pra quem está começando...

Desiste disso e vai arrumar um emprego de gente decente!

Contatos: paulo_henrique_carvalho@hotmail.com http://projeto8.wordpress.com

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RICARDO GNECCO FALCO

Na Pista – Um conto carnavalesco... (pág.35)

Carioca por adoção, bacharel em jornalismo, músico, escritor, poeta... Tenho 34 anos e trabalho com consultoria de viagens corporativas. Nas horas vagas, dedico-me as minhas maiores paixões: a música e a literatura. Estudante de violão desde os treze anos; compositor, guitarrista e tecladista; atualmente finalizo um livro de contos e preparo uma seleção de poesias próprias, ainda sem previsão de lançamento.

Comecei a me interessar por literatura no colégio... Adorava as aulas de redação e sei que devo muito deste interesse aos livros que minha mãe me dava para ler. Desde O Pequeno Príncipe, na infância; passando pelas maravilhosas obras da Lucília Junqueira de Almeida Prado (“Uma Rua como Aquela”, “A Baía dos Golfinhos”), Monteiro Lobato, Pedro Bandeira... Participei de um concurso de redação quando ainda cursava a sétima série, chamado “Cultural Projects interescolas” (CP4), tendo sido premiado no salão nobre da Academia Brasileira de Letras, no centro Rio. Deste dia em diante, decidi: não pararia mais de escrever...

Formei-me em Comunicação Social, encerrando o curso com monografia cujo tema era exatamente a demonstração do enriquecimento trazido a um texto pelo uso de um efeito de sentido caracterizado pela alteração da seqüência linear da narrativa do mesmo; o que viria a se tornar o embrião – ou álibi – de meu primeiro romance, o intemporal e ainda não publicado “SUBTERFÚGIO” (www.subterfugio.com.br).

Creio que, da mesma forma como as pessoas que passam por nossas vidas, as idéias / personagens / histórias que tiramos

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Rede de Contos de nossas cabeças também levam um pouquinho de nós para onde vão e, neste estranho trajeto “imaginação X folha” (ou tela), nos transformamos em criativas criaturas criadoras. Escrevo o que sinto e sinto tudo o que escrevo.

Gosto do “mestre” Carlos Drummond de Andrade, da Heloisa Seixas, Carlos Heitor Cony, Clarice Lispector, Rubem Fonseca, Schopenhauer, Nelson Rodrigues, João Ubaldo Ribeiro, Agatha Christie...

Tomei conhecimento da N.E.B. através de um blog, na internet. Até então, a maior parte dos meus textos só saía da gaveta para um rápido passeio pelas mãos dos amigos mais próximos, família, etc. Após algumas postagens na comunidade – e o recebimento, quase que de imediato, das impressões causadas nos novos “leitores virtuais” – fui ganhando coragem e confiança para participar de concursos internos, entre os novos escritores, e também externos. O processo de “desprendimento”, então, havia sido iniciado. Mas lembro que a mão tremia sobre o mouse ao clicar no botão para enviar os primeiros textos...

E foi pela N.E.B. que fui informado, pouco tempo depois, pelo colega de comunidade Rodrigo Sena, que um conto meu havia sido selecionado (juntamente com um dele) pela CBJE, para integrar uma antologia. Foi o meu primeiro conto publicado (“A Frase”, em maio de 2009, na antologia “Contos de Outono”). Depois vieram as antologias seguintes e... Bem... Acho que me viciei! Aprendi e aprendo muito na N.E.B., onde conheci muita gente muito boa; de verdade. Pessoas com um mesmo ideal e sonho... Com a mesma paixão pela leitura e pela arte de criar/escrever.

O primeiro passo é sempre o mais difícil. Mas... Comece! Aprenda a combinar confiança com humildade e...

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Pronto! Você obterá sucesso em qualquer empreendimento. Se faltar tempo para criar/escrever... Tire das suas horas de descanso! Durma menos, coma menos... Tempo é uma questão de prioridade. Então... Priorize-se! E boa sorte! Paz e Bem! Contatos: rickfalco2@hotmail.com http://subterfugie-se.blogspot.com

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Rede de Contos

GUSTAVO HENRIQUE M. FERREIRA

Celebrei os 15 Anos (pág.40)

Gustavo Henrique Magnani Ferreira; tenho 15 anos, sou estudante. Esta é minha primeira obra publicada; há alguns meses venho trabalhando em um romance. Sou um jovem que busca aprender e escrever é uma das minhas grandes paixões, que em sua maioria relacionam-se á arte.

Em uma tarde no ano de 2008, estava no shoping de uma praia. Entrei em uma livraria. Escolhi um livro pela capa, estava em dúvida entre “A luneta Âmbar” Philip Pullman e “A torre Negra Vol I” Stephen King. Por minha sorte, ou não, escolhi um livro de um dos escritores mais bem pagos da atualidade. King. E me apaixonei pela arte de ler. Alguns contos e poemas meus aparentam uma forma de solidão, tristeza. Abandono. Um mundo cruel. E, quando alguns amigos, ou minha mãe, os lêem, me olham torto, crendo que há algo de errado comigo. Na verdade eu não sei se eu finjo bem, ou se é algo que vem lá do mais íntimo. Mas, algumas coisas são puramente um retrato meu. Ou, do momento em que estou. Isso acontece quando escrevo com sentimentos bem definidos.

Gosto do Carlos Ruiz Zafón, amo seu estilo sombrio. Graciliano Ramos. Clarice Lispector. Edgar Allan Poe. Machado De Assis. Guimarães Rosa. Tenho certeza de que estou esquecendo alguns...

Conheci a NEB no sistema de busca do Orkut. Mudou muito para mim. Eu escrevia só colocando as coisas para fora, sem ter noção de repetições, excessos, técnicas, e tudo mais. Com algumas semanas, minha escrita havia amadurecido muito,

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e agora, venho de pouco em pouco melhorando cada vez mais, buscando definir um estilo preferido e que seja próprio. Que conselho daria para quem está começando?

O mesmo que dou para mim mesmo; não só ler livros; analisá-los. Seus parágrafos, seus capítulos. Suas tramas. E disciplina, algo que me incomoda, escrever todo o dia. Carlos Ruiz Zafón, usando o personagem Davíd Martín, no livro O Jogo Do Anjo disse que uma das maiores ferramentas dos escritores é fazer tudo ou inventar o que fazer, antes de sentar e escrever. É claro que foi um deboche, mas não deixa de ser verdade. Há dias que escrevo 6 laudas, e outros que tenho vontade de escrever 10, mas parece que coisas inúteis se tornam de extrema urgência.

Leia, aprenda, treine e sempre entregue o melhor que você pode fazer.

Contatos: guh.mag@hotmail.com twitter: @guhmag

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JOCSON DE SOUZA LOBO

43º Graus (pág.43)

Olá; me chamo Jocson de Souza lobo e tenho 21 anos. Atualmente trabalho no ramo de telemarketing em uma companhia de seguros. Publiquei na primeira edição da Revista O Verbo, e também na antologia de contos de terror/horror SINISTRO! Dedico esse conto a minha namorada Gabriela “Bih” e ao nosso querido garoto Miguel. Estamos chegando lá amor!

Meu interesse por literatura começou já na quarta série. Foi nessa época que desenvolvi meu gosto pelo gênero horror/ terror, foi também nessa época que li clássicos como “O Médico e o Monstro”, “Frankenstein”. Comecei a escrever há apenas alguns anos, acredito que uns três. E me envolvo com histórias de terror.

Uma grande parte dos meus personagens tem minhas características; seja meu gênio, meus medos, gostos musicais e amores. Alguns outros também são baseados em pessoas que passaram por minha vida e que tiveram momentos dos quais nunca esquecerei.

Como um leitor de terror eu sou extremamente fã de Stephen King e Edgar Allan Poe. Também gosto bastante de J.R.R Tolkien, Clive Barker e o mais novo escritor de terror Joe Hill, já li uns dois livros do Dan Brown, mas não está na lista dos preferidos.

A N.E.B. foi a primeira comunidade de escritores que eu vi no Orkut. Posso dizer que, desde a primeira vez que postei, gostei do clima da comuna. O pessoal que freqüenta me ajudou e muito no desenvolvimento das minhas histórias.

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Críticos como o José Geraldo, Adrian Sink, Luiz de Souza “Luizão”, Frank Bacurau e, por último, mas não menos importante, Bruno Carramaschi. Estes, além de ótimos críticos, são também bons amigos, os quais espero ter para o resto da vida. Não significando que os que eu não tenha mencionado aqui não sejam bons amigos, mas tenho que citar aqueles “preferidos”.

Para quem está começando... Leiam muito, e não sejam cegos.

Nunca acredite que o que você escreveu está 100% maravilhoso ou 100% péssimo. Fora isso, invente, seja criativo e, o melhor de tudo, seja feliz escrevendo. Nunca se deve encarar tudo como trabalho, por que senão perde a graça.

Contatos: jocson_herry@hotmail.com http://jokslobo.blogspot.com

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RODRIGO SENA MAGALHÃES

O Último Beijo (pág. 48)

Rodrigo Sena Magalhães, mineiro de Bela Vista de Minas, ariano de São Jorge, boêmio, contador de histórias, idade incerta, formado em Ciências Contábeis, pós-graduado em administração financeira e controladoria, solteiro por convicção. Diversas crônicas no Jornal Estado de Minas – MG; alguns contos publicados pela CBJE – Rio de Janeiro. Leio desde criança tinha coleção dos gibis da Turma da Mônica, Marvel, Disney e Zeca Carioca. Além da coleção Vagalume. Na adolescência deixei a literatura de lado e caí na boemia. Um adolescente problema. Já amadurecido e na faculdade, voltei ao antigo hábito de ler. Comecei com Sidney Sheldon, conheci Ernest Hemingway, Roberto Drummond, Oscar Wilde, Carlos Drummond de Andrade e não parei mais de ler. Hoje em dia leio muita literatura policial que o estilo que pretendo seguir: De Rubem Fonseca, passando por Poe, Raymond Chandler, Conan Doyle, Agatha Cristie, Zafón e por último Chelsea Cain. Mas tenho como base da minha escrita, Hemingway e Roberto Drummond. Quando escrevo contos e narrativas mais curtas, procuro focar nas coisinhas simples da vida. Um sorriso, um abraço, um passarinho construindo seu ninho, uma rosa no quintal do vizinho... Agora, quando escrevo romances (narrativas mais longas) procuro focar no mistério, no suspense, tento dosar humor com pitadas de crítica social, talvez uma forma de fazer o mundo ficar menos cinza, menos chato e burocrático.

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Meus autores preferidos são Sidney Sheldon, Hemingway, Roberto Drummond, Edgar Allan Poe, Rubem Fonseca, o velho poeta Drummond, Raymond Chandler, Agatha Cristie, Carlos Ruiz Zafón, Conan Doyle. Da geração N.E.B., gosto dos contos do Rick Falco, José Geraldo Gouvêa, Alexandre Coslei entre tantos talentos.

Conheci a NEB em 2004, mas não era participante ativo. No final de 2008 fiquei desempregado e comecei a participar mais e em 2009 fui um membro bem ativo. Aprendi muito, mas muito mesmo nessa Comunidade. As dicas, os conselhos e críticas foram primordiais para aperfeiçoar minha escrita. Além de encontrar talentos que saltam aos olhos. É um exemplo de organização e que as redes sociais podem ajudar e muito, se bem administradas. Para quem está começando meu conselho é: leia, leia, leia, escreva, escreva, escreva, apare as arestas, enxugue o texto e não tenha vergonha de se mostrar.

E o mais importante: esteja aberto a receber críticas, elas são fundamentais para quem quer aprender. Contatos: rsenam@gmail.com http://baladeprata.blogspot.com

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C. ANDRÉ AMARAL DE FREITAS

Arandir (pág.51)

Sou empresário, 45 anos, casado, formado em jornalismo e tenho um livro já publicado, chamado “Interferência”.

Comecei a me interessar por Literatura na adolescência, ao tomar contato com as obras de Machado de Assis e Eça de Queirós.

Quem não vive plenamente não escreve. Toda obra tem algo de biográfico.

Meus autores preferidos são Machado de Assis, Eça de queirós, Clarice Lispector, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Quintana, Drummond, Veríssimo... São muitos.

Estava procurando uma comunidade que discutisse literatura e cultura em alto nível. Achei a NEB.

Um conselho que daria para quem está começando? Leia muito e viva!

Contatos: andreaf@solar.com.br

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Livro produzido pela Câmara Brasileira de Jovens Escritores Rio de Janeiro - RJ - Brasil http://www.camarabrasileira.com E-mail: cbje@globo.com

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