As forças sociais dos novos territórios: O caso da Mesorregião Grande Fronteira do Mercosul

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Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FEA/USP Programa movimientos sociales, governanza ambiental y desarrollo territorial rural

Relatório intermediário REDEFININDO AS HIPÓTESES DE TRABALHO Projeto - As forças sociais dos novos territórios – O caso

da Mesorregião Grande Fronteira do Mercosul Ricardo Abramovay Professor Titular do Departamento de Economia da FEA e do Programa de Ciência Ambiental da USP - www.econ.fea.usp.br/abramovay Reginaldo Magalhães Mestre em Ciência Ambiental pelo PROCAM/USP – Pesquisador da Cooperativa Plural – reginaldo-sm@uol.com.br Mônica Schröder – Doutora pelo Instituto de Economia da UNICAMP – Pesquisadora da Cooperativa Plural – m.schroder@uol.com.br

São Paulo, 17 de outubro de 05


As forças sociais dos novos territórios: redefinindo as questões e as hipóteses da pesquisa Ricardo Abramovay*, Reginaldo Magalhães** e Mônica Schröder***

1. Apresentação O tema geral de nosso trabalho é a interiorização do processo de desenvolvimento, suas causas e sua dinâmica. Movimentos sociais e governança ambiental podem ser encarados, neste sentido, como meios: o fim é o desenvolvimento, que se define como “ampliação da capacidade de os indivíduos fazerem escolhas”, segundo a definição lapidar de Amartya Sen (2000). O programa de pesquisa ao qual se vincula este projeto pretende que as três proposições básicas expostas abaixo – cuja natureza ético-normativa não pode ser escamoteada – inspirem perguntas científicas, hipóteses e a busca de evidências para seu teste: a) A diversificação das regiões rurais é um componente importante de seu desenvolvimento. O desenvolvimento territorial distingue-se, neste sentido, do crescimento setorial (1). A expressão “desenvolvimento territorial” entra na literatura sobre o meio rural exatamente para abrir caminho ao estudo desta diversificação. Um dos mais importantes pontos de estrangulamento dos movimentos sociais ligados aos interesses dos trabalhadores agropecuários está em sua dificuldade de perceber a importância deste processo de diversificação (2).

*

Professor Titular do Departamento de Economia da FEA e do Programa de Ciência Ambiental da USP www.econ.fea.usp.br/abramovay ** Mestre pelo PROCAM/USP, pesquisador da Cooperativa PLURAL – reginaldo-sm@uol.com.br *** Doutora pelo Instituto de Economia da UNICAMP, pesquisadora da Cooperativa Plural – m.schroder.uol.com.br 1 Este aspecto não nos parece suficientemente desenvolvido no documento de Trujillo: há uma forte ênfase na governança, mas não existem perguntas a respeito do objeto desta governança. Se o objeto é o processo de desenvolvimento – mais do que certas lutas sociais localizadas – então é necessário propor questões que estimulem a relação entre as formas políticas de coordenação dos atores e seus impactos sobre o uso dos recursos econômicos (e não só ambientais) de que depende a vida da região onde atuam. 2 A diversificação das regiões rurais dos países capitalistas centrais foi estudada sob esta ótica por autores como Galston e Baehler (EUA), Arnaldo Bagnasco e Carlo Trigilia (Itália) e Bertrand Hervieu (França). A divisão de desenvolvimento territorial da OCDE (1994 e 1996) produziu um conjunto interessante de trabalhos e de indicadores nesta direção. Na América Latina, os trabalhos neste sentido tomam basicamente duas direções. Campanhola e Graziano da Silva (2000) fazem estudos mostrando a importância das atividades rurais não agrícolas. Veiga (2002), inspirado nos estudos da OCDE propõe uma redefinição dos próprios critérios que definem o que é rural para o Brasil. Em todos os casos, o


b) O processo de desenvolvimento não é o resultado imprevisto de mecanismos neutros e impessoais decorrentes da interação atomizada de unidades econômicas: ele supõe, ao contrário, forças sociais concretas, conflitos, visões de mundo, poder, propostas e capacidade de obter cooperação alheia em sua implantação. Esta proposição acentua o caráter político-cultural do processo de desenvolvimento: a análise do desenvolvimento passa, portanto, pelo estudo concreto, empírico, da maneira como diferentes propostas sobre a organização social e sobre a própria relação entre sociedade e natureza se materializam nas práticas cotidianas em uma determinada região. As principais referências teóricas aqui são Pierre Bourdieu (2000) e, sobretudo, Neil Fligstein (2001) em seu esforço de aplicar a noção bourdieusiana de campo ao estudo da formação dos mercados e dos processos localizados de cooperação. O trabalho de Ehrard Friedberg (1992) também é importante, pois, contrariamente às abordagens dos movimentos sociais a partir de situações de conflito (Tarow, 1998/2005, por exemplo), encara “organizações, mercados e movimentos sociais como um ‘dégradé’ de situações mais ou menos estruturadas e formalizadas por normas e dispositivos de regulação, que são, eles mesmos, mais ou menos centralizados e visíveis” (Neveu, 1996/2005:9). Talvez não seja inútil assinalar que não se trata de abordar o tema da coordenação dos atores no processo de desenvolvimento sob o ângulo do “problema da ação coletiva” (Olson, 1965) ou dos custos de transação (Williamson e North). O mais importante aqui é a maneira concreta como os atores conquistam a adesão social aos projetos em torno dos quais vaise moldando a própria fisionomia, a identidade da região. c) O formato e os mecanismos de incentivos em que se apóiam as organizações voltadas aos processos localizados de desenvolvimento têm papel decisivo no seu curso. As organizações patrocinadas pelo Estado têm imensa dificuldade em adquirir um perfil verdadeiramente territorial. Os trabalhos críticos de Meyer-Stamer colocando em dúvida a eficiência das formas colegiadas de tomada de decisão são excelentes referências neste sentido. O trabalho recente de Vera Schatan (2005) também levanta questões fundamentais nesta direção.

importante está na ênfase no caráter multi-setorial (territorial) do processo de desenvolvimento no meio rural.


2. Reformulação do problema de pesquisa Diante destas três proposições a pergunta central do projeto – que retoma e especifica a pergunta do projeto original - é: o que explica a influência tão variada e de impacto tão diferenciado do movimento social pelo fortalecimento da agricultura familiar em processos localizados de desenvolvimento no meio rural?

3. Reformulação da hipótese A hipótese principal que emerge desta pergunta pode ser assim formulada: o movimento social pelo fortalecimento da agricultura familiar materializou-se em dois tipos de organização. Aquelas que adquiriram um formato diretamente econômico (as cooperativas) exercem papel importante no desenvolvimento dos territórios em que atuam e ligam-se, no plano local, a um conjunto variado de forças sociais e econômicas que não fazem parte do público imediatamente por elas representado. Ao contrário, as que se organizam fundamentalmente no plano sindical tendem a concentrar sua ação em temas e iniciativas que envolvem fundamentalmente as grandes políticas nacionais e o impacto local do que fazem passa sempre e necessariamente pelos benefícios obtidos na negociação com os poderes centrais. Assim, suas ligações com outros segmentos além daqueles imediatamente por elas representados é tênue. Simultaneamente, observa-se o surgimento de novas forças sociais, ligadas ao empresariado não agrícola ou, mais especificamente, a empreendedores industriais e do comércio, e que adquirem um papel importantíssimo na coordenação de iniciativas inovadoras voltadas a pensar o desenvolvimento das regiões rurais. Este distanciamento entre o sindicalismo dos agricultores familiares e as ações de desenvolvimento territorial é fortalecido pelo próprio formato da política governamental que implantou organizações das quais apenas os representantes dos agricultores familiares e os técnicos a eles ligados fazem parte.

4. Algumas evidências a) As cooperativas (de crédito e de leite) têm mostrado habilidades sociais (Fligstein, 2001) maiores que as organizações patronais e com isso ocupam um evidente espaço de destaque nos setores onde atuam. Essas mesmas habilidades não se expressam, porém, quando se trata do território, com seus


múltiplos setores. A habilidade das cooperativas se restringe ao universo interno dos campos (Bourdieu, 2000) onde são dominantes e não conseguem mobilizar os capitais que dispõem em campos cujos universos culturais são ligeiramente distintos que os seus, como nas associações comerciais. b) Organizações patronais, como as associações comerciais e empresariais nos municípios e suas representações regionais e estadual, exercem um papel fundamental na organização territorial de todo o Paraná. Com freqüência, essas organizações buscam se vincular aos centros universitários, alguns recéminstalados na região estudada, e às ações de planejamento levadas à frente por organismos para-governamentais de apoio ao empreendedorismo privado, como o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa) e o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial). Estas organizações empresariais (3 têm papel importante na formação de “habilidades sociais”. Muito mais do que oferecer assessorias específicas e técnicas elas preenchem um papel importante na organização territorial. Será que estas organizações exprimem um movimento social? O projeto pretende contribuir para responder a esta pergunta. Até aqui podem-se constatar algumas características importantes. x

Em primeiro lugar, elas formulam propostas de políticas voltadas explicitamente voltadas para a região, muito mais que para um setor específico.

x

Desempenham papel de agregar um conjunto variado de organizações: lideram

instâncias

coletivas

(das

quais

fazem

parte

inclusive

organizações econômicas da agricultura familiar) voltadas à formulação de propostas e ações visando o desenvolvimento de uma região. x

Além disso, elas oferecem aos seus participantes preceitos, conselhos sobre a própria organização da vida, da carreira, de certa forma, uma verdadeira filosofia de vida. Muito mais que uma agregação de interesses, trata-se de uma organização que se dota de técnicas de

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São organizações geridas diretamente pelos empresários, mas que se apóiam no recolhimento compulsório de contribuições por parte das empresas. Seus conselhos são nomeados sempre por uma composição política entre empresários e governo.


fortalecimento de sua coesão em torno de valores e de um conjunto de referências - mais que cognitivas – que dão sentido àquilo que fazem. x

As associações comerciais prestam serviço fundamental de central de informação de crédito.

c) O movimento sindical ligado à agricultura familiar não estabelece relações orgânicas e não possui sequer uma reflexão sobre a natureza e as conseqüências da diversificação produtiva que ocorre em muitas regiões onde atua. Isso reflete sua imensa dificuldade em atuar e a se encarar como força do processo de desenvolvimento rural. Ao contrário, ele vai-se consolidando como força setorial e se afirma na defesa de interesses específicos da categoria social que representa. d) Esta afirmação é reforçada pela atuação do próprio governo por meio de seus conselhos. Os conselhos não discutem estes temas. Inadequação dos formato das organizações fomentadas pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário. x

Inadequação do tamanho (grande demais: 42 municípios): territórios heterogêneos.

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Lógica totalmente baseada em aporte de recursos.

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Composição setorial (apesar do discurso territorial).

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Há uma interação perversa entre os interesses dos representantes sindicais e os do Governo que levam a formas ineficientes de organizações territoriais. De certa forma, os movimentos passam a ter interesses ligados muito mais à obtenção e distribuição de recursos entre seus representados do que à formulação e à implementação de um projeto de desenvolvimento.

e) Esta característica deve ser atenuada quando se trata das organizações econômicas da agricultura familiar, mas confirma-se no que se refere a suas organizações sindicais e reivindicativas. Em relação às organizações econômicas da agricultura familiar, observa-se que o foco de sua atuação – a organização de atividades produtivas desenvolvidas pelos agricultores familiares ou a oferta de serviços financeiros, que se articulam com diferentes arranjos produtivos e


institucionais nos municípios em que estão sediadas – possibilita, em alguma medida, a participação de seus representantes na discussão do desenvolvimento territorial, além da política setorial, a partir, especialmente, da projeção política que adquirem naquelas organizações (vinculam-se a partidos de esquerda, que, com freqüência, compõem alianças eleitorais para as eleições municipais com partidos de centro e centro-direita, ampliando o contato com atores de universos sociais variados, porém de repertórios culturais não tão diversos, a considerar a identidade territorial do Sudoeste paranaense). Por essa razão, ainda que não se observe a existência de espaços institucionalizados que permitam estabelecer relações entre os diferentes protagonistas do desenvolvimento territorial, organizações econômicas da agricultura familiar participam, em alguns municípios, dos processos de diversificação produtiva das regiões rurais. Essa participação encontra, no entanto, resistência no interior de suas organizações de representação mais ampla e nas entidades sindicais. x

As organizações econômicas da agricultura familiar têm um impacto territorial significativo, tanto no caso do sistema CRESOL como das cooperativas de leite.

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Elas alteram a organização dos mercados de maneira a neles incluir atores novos e que correspondem a populações mais pobres.

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No caso do sistema CRESOL, preocupação com trabalhos voltados especificamente aos mais pobres entre os pobres.

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Ainda no caso do sistema CRESOL preocupação explícita e prática com a implantação de práticas voltadas à preservação e à valorização da biodiversidade: mas, ainda precárias.

f) Entre os temas comuns propostos para a ação pública por um conjunto variado de organizações que interferem diretamente no processo de desenvolvimento das áreas interioranas do Sul do Brasil está o uso sustentável dos recursos naturais. Não se pode dizer, entretanto, que daí decorram ações e propostas baseadas na preocupação de gestão conjunta de sistemas sociais e ecológicos (Fikret e Berkes, 1998).


Referências bibliográficas BAGNASCO, A., TRIGLIA, C. La construction sociale du marché – le défi de la troisième Italie. Cachan: Les Éditions de l’Ecole Normale Supérieure de Cachan, 1988/1993. BOURDIEU, Pierre. (2000), – Les structures sociales de l’`économie. – Paris, Seuil. CAMPANHOLA, Clayton e GRAZIANO DA SILVA, José (orgs) - O novo rural brasileiro: políticas públicas - EMBRAPA Meio Ambiente, Jaguariúna/SP. FRIEDBERG, Erhard (1992) – “Les quatre dimensions de l’action organisée” – Revue Française de Sociologie – outubro/dezembro, vol. XXXIII, nº4:531-557 GALSTON, W. A., BAEHLER, K. J. (1993) Rural development in the United States — connecting theory, practice and possibilities. Washington, D.C.: Island Press, 1993. HERVIEU, B. Les champs du futur. Paris, Ed. François Burin, 1993. MEYER-STAMER (2004) - Governance and Territorial Development: Policy, Politics and Polity in Local Economic Development – mesopartner working paper http://www.mesopartner.com/englisch/e-jms.html Extraído da internet 1º/06/05 Neil FLIGSTEIN (2001) – “Social skill and the theory of fields” - Sociological Theory 19(2), 2001, pages 105-125 NEVEU, Erik (1996/2005) – Sociologie des mouvements sociaux – La Découverte OCDE — Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Créer des indicateurs ruraux pour étayer la politique territoriale. Paris, 1994. ___________. Indicateurs territoriaux de l'emploi — le point sur le développement rural. Paris, 1996. OLSON, Mancur (1965) - The Logic of Collective Action – Public Goods and the Theory of Groups – Harvard University Press SCHATAN, Vera (2004) – “Brazilian Health Councils: Including the Excluded?” – CEBRAP, mimeo. SEN, Amartya (2000) – Desenvolvimento como liberdade – São Paulo - Companhia das Letras. TAROW, Sydney (1998/2008) – Power in Movement – Social Movements and Contentious Politics – Cambridge University Press – 2d Edition. VEIGA, José Eli (2002a) – Cidades imaginárias – O Brasil é menos urbano do que se calcula – São Paulo, Autores Associados


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