Valeu Abril 2015

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a revista cultural do vale europeu

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abril 2015 // distribuição gratuita


EDITORIAL “Para mim, as árvores sempre foram os pregadores mais penetrantes. Eu as reverencio quando elas vivem em tribos e famílias, nas florestas e bosques. E eu as reverencio ainda mais quando elas estão sozinhas. Elas são como pessoas solitárias. Não como eremitas, que se perderam por alguma fraqueza, mas como grandes homens solitários, como Beethoven e Nietzsche. Em seus galhos mais altos o mundo sussurra. Suas raízes descansam no infinito. Mas elas não se perdem lá; elas lutam com toda a força de suas vidas para uma única coisa: a realizar-se de acordo com suas próprias leis, para construir a sua própria forma, para representar a si mesmo. Nada é mais sagrado, nada é mais exemplar do que uma árvore, bela e forte (…)” Hermann Hesse No momento em que pegamos nossa primeira Valeu nas mãos, percebemos realmente o que tínhamos feito. Ver um sonho concretizado, segurar este sonho, cheirá-lo como um filho recém-nascido, perceber que este sonho tem uma alma, a nossa alma, a alma de tantas pessoas, e com tantos outros sonhos, foi surreal! Nas entrevistas para a Valeu, algo que sempre me chama a atenção é o brilho nos olhos das pessoas quando estão falando dos seus trabalhos, das suas paixões. Nos artistas é incrível! Reparei que a arte, todo o tipo de arte, parece brotar de um sentimento em comum. É uma força interior, uma paixão que precisa ser externada (para nossa sorte!). Impulsionada pelas batidas do coração e revelada ao mundo sob as mais diversas formas: imagens, sons, sabores, palavras... E, quando falam das suas obras, esse sentimento extravasa e faz com que seus olhos brilhem. Também vejo este brilho nos olhos das pessoas que, de alguma forma, decidiram abdicar de suas vidas seguras para apostarem em sonhos. Um sentimento que mistura liberdade com um orgulho inocente por terem tido essa coragem. É tão bonito! Decidirmos viver esse amor, exteriorizá-lo e seguir nosso coração, é libertador. Agora, é partilhar esse amor que faz a vida ter sentido e valer a pena. Uma das últimas coisas que minha mãe me falou foi “Clá, o amor não põe correntes, o amor dá asas!” E, quando uma coisa é feita com amor... Ah, o voo é tão natural... É isso que queremos fazer com nossa Revista, dar asas aos sonhos, aos nossos e das pessoas que participam deles conosco. Queremos mostrar ao mundo o que é feito com amor. Queremos mudar o mundo com o que é feito com amor. Agora eu vejo, minha mãe me ensinou a voar... “Nada é tao necessário ao homem como o amor, de todas as suas maneiras e formas de existir. É terrível saber que existem pessoas sem alma e sem sentimento para as pequenas coisas que ainda têm valor nesta terra.” Goethe

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colaboradores Alexander Weiss Técnico mecânico e empresário, mora em Florianópolis mas seu coração se sente em casa quando vai pra Timbó. Cresceu dentro de rádios conhecendo um jornalismo raro de ver. Escreveu um pequeno livro sobre poluição, algumas canções e longas cartas para a namorada.

João Moreira Editor e Repórter principal da Revista Valeu.

Margot Friedmann Zetzsche Enfermeira na Secretaria Municipal de Saúde de Timbó, Professora de Saúde Coletiva na FURB. Fotógrafa e escritora amadora.

André Schroeder (Pilo) Foi comerciante. Jogou futebol profissional. Atleta dos saltos ornamentais. Mas, se encontrou mesmo no jornalismo fotográfico e é hoje o fotógrafo de Timbó, capturando a sinergia da cidade e da natureza!

Nadége Caroline Giovanella Começou a desenhar por hobby. Emotiva e sentimental, gosta imensamente de poesia e romantismo, então resolveu reunir o desenho e poesia numa única figura! Fez cursos relacionados a desenho de moda, curso de desenho clássico e depois cursou um sequencial de fotografia na FURB, em Blumenau! Ah… e adora gatos!

Antonino José Frigini Junior Antonino José Frigini Junior, 47 anos, nascido em Vitória/ES. É aviador de profissão e coração. Foi piloto de caça e piloto de testes na Força Aérea Brasileira. Desde 1999, pratica parapente, esporte em que viveu aventuras marcantes e conheceu grandes amigos.

Tainá Claudino Formada em Publicidade e Propaganda. Fotógrafa Profissional. Faz ensaios pessoais, gestante, nascimento, família, crianças e aniversários infantis.

Carlos Henrique Roncálio Carlos Henrique Roncálio tem 45 anos de profissão. É âncora do Repórter Cultura, edições matinais da Rádio Cultura de Timbó há 24 anos.

Tiago Minusculi Tiago é formado em etiqueta a mesa e comportamento no meio gastronômico. Maitre, sommelier registrado na Itália com certificado internacional reconhecido, atribuído pela AIS Associazione Italiana Sommeliers.

Clara Weiss Roncalio Clara é repórter principal e editora da VALEU. Ativista na defesa dos direitos dos animais e do meio ambiente.

Thérbio Felipe Professor Sobre Rodas, conferencista, Turismólogo, Gastrônomo e Administrador Hoteleiro, escritor, experiente cicloturista.

Cristiano Kurt Ritzke Marido, pai de dois filhos, adora esportes radicais, mas não pratica nenhum. Nas horas vagas, trabalha como desenvolvedor de sistemas para internet e aplicativos móveis. É especialista em UX (User Experience) e UI (User Interface).

António Filipe Pimentel Diretor do Museu Nacional de Arte Antiga. Doutorado em História de Arte pela Universidade de Coimbra.

Daniel Fabricio Koepsel Professor de História na rede pública e privada de ensino em Santa Catarina. É graduado em história pela Universidade Regional de Blumenau e autor do Representações da cidade: discussões sobre a história de Timbó. Blumenau: Edifurb; Timbó : Fundação Cultural, 2008.

Beto Barreto Dono da loja Espanha Club de Timbó. É colunista social do Jornal Café Impresso. Além da Valeu colabora para as revistas Studiobox de Portugal e Angola.

Eliane Kinder Professora de balé clássico, diplomada pela Royal Academy of London (exames realizados em São Paulo-SP). Estudou diversos outros estilos de dança: flamenco, jazz, afro, contemporâneo, dança indiana. Participou do grupo de balé clássico Anna Pavlova e Jazz Walk. Especializada em balé clássico para crianças, também ensina o balé para adultos. Leciona na Fundação Cultural de Timbó e no Instituto Educacional FILEO.

Capa: Susie Tomko Foto: Tainá Claudino Acessórios: Clash Rings.

Gabriel Weiss Roncalio Ambientalista e agricultor orgânico. Membro da PROORG - Associação de Produtores Orgânicos de Timbó.

VALEU // 2ª EDIÇÃO ABRIL . 2015 DIREÇÃO // Carlos

Henrique Roncálio . Bruno Esteves Moreira . Clara Weiss Roncalio COORDENAÇÃO // Susana Andrade . João Moreira DESIGN GRÁFICO e redação // Studiobox.pt IMPRESSÃO // Tipotil Indústria Gráfica CONTATOS // João 47 9168-5244 Clara 47 8822-0029 geral@revistavaleu.com.br EDIÇÃO // João

João Albuquerque João Albuquerque Carreiras é arquiteto paisagista licenciado pelo Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, em Portugal. Viajante compulsivo é autor de inúmeros artigos de viagens. 4


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parto humanizado

“São três da manhã. Pelo menos, assim o indica um relógio luminoso bem na entrada da enfermaria de duas camas onde me encontro internado. Não sei quanto tempo passou desde que dei entrada no Hospital Deputado Murilo Aguiar, em Camocim. Não sei quanto tempo passou desde que o mosquito me picou e a dengue começou a invadir a minha corrente sanguínea. Depois do primeiro arrepio gelado, nos 42º de fim de Verão do nordeste brasileiro, perdi a sensação de tempo e de espaço. A febre altíssima empurrou-me para este pequeno quarto de duas camas e para a dipirona com soro, que correm diretamente em minhas veias, procurando atacar o efeito devastador daquela picada invisível. Tudo parece um sonho. Ouço gritos lancinantes quase ao lado. Devem ser da febre, penso. Os gritos aumentam. São tão reais... Em esforço, levanto-me e arrasto-me, literalmente, agarrado ao suporte metálico que suspende os medicamentos e o soro, até ao local de onde os gritos provêm. Uma porta aberta. Outra enfermaria. Três camas brancas, vazias, meio desalinhadas. Na quarta, escondida apenas por um pequeno lençol que tenta entregar uma privacidade impossível aquele espaço, uma mulher, deitada, grávida, lutando contra as dores da felicidade, sozinha, como que abandonada no momento mais importante da sua vida. Lembro-me que lhe quero ir dar a mão, como vi nos filmes. Niná-la, dizer-lhe que está tudo bem. Uma bata branca atrás de mim. Uma voz autoritária. “O que está a fazer aqui? Tem de se deitar. Vamos. Vamos.” Mas, e ela? Balbucio, sem ser ouvido. “Vamos, vamos. Está muito fraco.” Não sei quantos dias passaram. A febre desapareceu, vou ter alta. Quase meio-dia no relógio luminoso da entrada da enfermaria. Dentro em pouco, regresso à realidade do dia a dia. Quantos dias terão passado? Quantas horas terei estado febril? E aquela mulher, onde estará? Terá tido uma mão agarrada à sua para acarinhá-la naquele que devia ser o dia mais feliz da sua vida? Terá estado alguém ao seu lado cantando um canto de embalar para receber aquela criança?” João Moreira - Camocim, Ceará, Brasil – Abril de 2010

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Nunca tinha pensado em parto humanizado até ouvir Juliana Weiss Roncalio falar sobre o assunto. Nunca me tinha passado pela cabeça que se tivesse de adjetivar desta forma um substantivo tão intrinsecamente humano. Parto humanizado. A necessidade da utilização do adjetivo humanizado à frente da palavra parto, implicava, implica que existia que existe um parto desumanizado, um parto sem humanidade e lembrei-me da minha experiência com a dengue em Camocim, no norte do Ceará e da mulher, com quem me cruzei em meio a uma febre de mais de 40º. Ainda hoje, não sei se essa mulher existiu mesmo ou se existiu apenas no meu delírio febril, mas essa imagem de solidão no momento do nascimento retornou-me à cabeça ao ouvir falar de parto humanizado. É disso que trata esta reportagem. Desenganem-se os que pensam que vão encontrar aqui críticas ao sistema de saúde, à elevadíssima taxa de cesárias praticadas no Brasil, que transformam o país num dos campeões mundiais desta prática, logo atrás da pequeníssima ilha de Chipre, ou os que esperam algo de inovador ou revolucionário da experiência aqui reportada. Não. Esta reportagem pretende apenas contar uma história. Uma história de amor, de uma mãe e de um pai pelo seu filho que vai nascer. Uma história de amor que nasceu antes da concepção desse filho e que se estenderá muito depois do seu nascimento e que só é digna de destaque por, essa mulher e esse homem, essa mãe e esse pai, terem optado por transformar num ato de amor conjunto e exclusivo, o nascimento desse seu filho. Esta é a história do Benjamim. Benjamim, que deriva do hebraico Benyamim e significa o filho da mão direita, o filho da felicidade, nasceu aos quinze dias do mês de junho do Ano da Graça de 2014. Nasceu em casa, perfeito, saudável, lindo. Fruto do amor que o gerou, que acompanhou o seu sereno desenvolvimento e entregou forças à Juliana e ao Cristiano para partilharem juntos do seu nascimento. Para este parto humanizado em casa, mãe e pai dedicaram muito do tempo da gestação do Benjamim a ler, a estudar, a conversar com outros casais que viveram a mesma experiência e, sobretudo, em consultas, rapidamente transformadas em tardes de chá, com a Dra. Veruscka Gromann, a médica obstetra que os acompanhou a par e passo nesta caminhada que resultou no parto caseiro do filho da felicidade. Ouçamos essa história... Chegamos por volta das 19h de uma tarde quente no Vale. O entardecer trás consigo uma leve brisa que ameniza a sensação de desconforto provocada pelo calor úmido de vésperas de verão e anuncia mudança de tempo. Somos recebidos por Cristiano Kurt Ritzke com o Benjamim ao colo. O Ben, como é tratado por toda a família, agora com 9 meses, é o motivo principal da nossa visita. Com uns enormes e expressivos olhos castanhos, como que querendo abraçar com o olhar o novo mundo à sua volta, Benjamim é um bebê perfeito e feliz. E não é de estranhar que assim seja. Desde que as desconfianças de Juliana foram confirmadas medicamente e a gravidez anunciada, tudo foi pensado amorosamente para que o Ben encontrasse um ambiente perfeito ao chegar a este mundo. Terá sido mais ou menos por essa altura que Cristiano ficou a conhecer as intenções de Juliana de ter um parto humanizado, em casa, como nos confirma, enquanto embala cuidadosamente Benjamim. Embora tenha gostado da ideia, nunca se tinha debruçado sobre o assunto e só quando a decisão de tornou irrevogável e procuraram juntos, como sempre, apoio médico para a sua concretização, ganhou consciência da importância de tal opção. Para entendermos os reais motivos desta decisão, é preciso aguardar a chegada de Juliana e, com ela, recuarmos cerca de 10 anos até ao nascimento de Catarina, a sua primeira filha. - Já nessa altura eu tinha pensado em ter a Catarina em casa, mas na época não encontrei nenhum médico na região especializado em parto humanizado. Nesse parto da Cata, no hospital, eu achei muito frio o ambiente, muito cheio de intervenção. Na verdade, como eu tinha lido muito sobre o assunto e me procurei informar ao máximo, fui quase no limite para o hospital, o que é muito raro. Normalmente, as mulheres vão com muito tempo de antecedência. Quando cheguei, achei o tratamento, embora legal, muito pouco sensível ao fato de ser a minha primeira gravidez e com uma enorme vontade de todo o mundo para que tudo acabasse depressa. Essa foi a sensação com que fiquei. E não era o que eu queria. Além disso, eu não tinha autorizado nenhum corte em mim e o médico fez uma episiotomia, que é um corte que, supostamente, facilita a saída do bebê. 7

# episiotomia A episiotomia, muito comum até a década de 70 do século passado, caiu em desuso na maioria dos países ocidentais por não existir qualquer prova científica em relação à eficácia da sua utilização e por, pelo contrário, estarem suficientemente comprovados os riscos para a mulher do recurso a este ato médico, nomeadamente, dor perineal, edema, riscos de infecção, hematomas e dispareunia. Dados de 2014 apontam para que, apesar da recomendação da Organização Mundial de Saúde para que a taxa de episiotomia não ultrapasse os 10%, no Brasil, esta tenha atingido, no ano passado, o número assustador de 53,5%.


Continuando com a história de Juliana, regressemos aos pormenores do nascimento de Catarina: - Eu também pedi para demorarem a cortar o cordão umbilical e eles cortaram imediatamente. É muito importante dar esse tempo para o corte do cordão, porque evita possíveis anemias no bebê e porque permite uma respiração natural da criança, ao nascer. Uma habituação tranquila ao novo habitat, além da óbvia manutenção da ligação com a mãe até ao último momento. Tudo isso eu tinha estudado. Estava preparada para fazer parto em casa, por isso, como não foi possível, pretendia um parto natural hospitalar e senti-me traída, invadida e desautorizada. No meio tempo que decorreu entre o nascimento da Cata e a gravidez do Benjamim, Juliana foi acompanhando diversas amigas e conhecidas que buscavam, como ela, um parto natural, com o mínimo de intervenção e foi-se apercebendo que, na grande maioria, não só acabavam na fria sala de um hospital, como “obrigadas” a ter os seus filhos pelo método mais intrusivo que existe – a cesárea. # Dra. Veruscka Gromann A VALEU quis entender um pouco melhor, os motivos que levaram Veruscka Gromann a ser das poucas médicas da região a realizar partos domiciliares: “Porque descendo de uma família de mulheres nordestinas parideiras e cresci ouvindo histórias encantadoras de partos e nascimentos, além do fato de minha mãe, hoje enfermeira aposentada, iniciar sua vida profissional como parteira, trabalhando com isso, inclusive grávida... Durante minha formação médica me encantava ver a força das mulheres parindo e dos bebês nascendo, mesmo tendo aprendido a exercer a obstetrícia de forma tecnocrática, minha história pessoal permitia um olhar para o significado humano do nascimento que obviamente ficava bastante reduzido no cenário cirúrgico hospitalar, para onde, mesmo os partos normais, foram relegados. Descobri, então, um movimento que despontava no Brasil há quase 10 anos, já desde o ano de 2000, do Parto Humanizado, e pude ler muito e estudar e finalmente obter o conhecimento que faltava para que aquele momento de nascer estivesse completo. Parto humanizado significa: 1-Respeitar a fisiologia do parto, ou seja, o mecanismo natural desempenhado em conjunto pelo corpo da mulher e do bebê. 2- Somente intervir tecnicamente com uma justificativa baseada em recentes evidências científicas. Abandonar procedimentos míticos e às vezes até prejudiciais aprendidos através de gerações de professores catedráticos da medicina que ditavam condutas sem respaldo científico apenas porque “sempre deu certo na experiência deles...” 3- Respeitar a autonomia da mulher que está parindo. Informá-la, dar-lhe escolha, tratá-la como a protagonista do evento Parir. Resumindo: quando se olha para uma cena de parto “tradicional” vê-se em primeiro plano a sala cirúrgica (foco, cama, equipamentos) depois a equipe técnica formalmente vestida com aventais cirúrgicos, máscaras e gorros, e por ultimo a família que está nascendo... Numa cena de parto humanizado em primeiro plano o casal e o bebê e lá no cantinho a equipe contemplando-os e o ambiente, o mais simples possível.”

As justificações médicas para o recurso a esta prática eram as mais variadas, mas no essencial, com pouquíssima fundamentação científica: placenta velha, falta de dilatação. Juliana é consciente da necessidade do recurso à cesárea e a um acompanhamento hospitalar em situações de risco, mas numa gravidez normal, rejeita em absoluto esta necessidade e, sobretudo, quando a opção da mulher é por um parto sem intervenções desnecessárias. Assim, quando soube que estava grávida do Benjamim, a experiência, de certa forma traumática, do primeiro parto e os exemplos que foi recolhendo ao longo desses 10 anos, foram decisivos para a opção pelo parto caseiro. Foi também por essa altura que Juliana e Cristiano ouviram falar da Dra. Veruscka Gromann através duma entrevista radiofônica realizada pelo pai de Juli, o famoso radialista local, Carlos Henrique Roncálio. A médica de Blumenau que realizava partos domiciliares desde 2009 e era adepta do parto humanizado, transformou-se, assim, na escolha óbvia do casal. A dúvida residia no fato de saber se atenderia em Timbó. Quando perceberam que tal seria possível, ficou decidida a forma de nascimento do Benjamim. As primeiras consultas com Veruscka Gromann aconteceram em Blumenau e foram tranquilizando os pais de Benjamim. - Tornou-se uma amiga. – retorna Juliana. – Depois do sexto mês de gravidez, começou a vir aqui em casa e trazia a doula que a acompanha e foi muito legal. Fazíamos café ou chá e ficávamos conversando. Ela sempre trazia um livro relacionado com o parto humanizado que ajudava muito. Apesar de ter me preparado bastante antes do nascimento da Catarina, ainda existiam dúvidas que persistiam e foi muito bom porque eu fui conseguindo eliminar essas dúvidas ao longo dessas conversas e leituras. Outra coisa bem especial, foi o fato dela sempre ter considerado muito o Tiano, preocupando-se com o que estava sentindo, como estava me acompanhando. Isso foi bem importante, porque geralmente os médicos sempre ficam mais centrados na mulher e ela considerou, sempre, a família. Muito querida e preocupada com a Cata, também. Isso deu muita confiança aos dois. – Juliana com ar tranquilo e sorriso estampado no rosto. O acompanhamento médico, nestes casos, vai aumentando de frequência à medida que a data do parto se aproxima. No último mês, as visitas tornam-se semanais e mais intensas. No caso de Juliana, que iniciou com contrações quase uma semana antes do nascimento de Benjamim, esse apoio foi fundamental. Como a própria explica, um dia teve contrações muito fortes e achou que era chegado o momento. Ligou para a médica e esta a aconselhou a tomar um banho quente, pois caso se tratasse do início do parto, aceleraria esse processo, o que acabou por não acontecer. Esta última semana, com contrações, que se iam revelando falsas ameaças, acabou por criar alguma ansiedade, que culminou com as fortes contrações sentidas na madrugada de domingo, por volta das duas horas da manhã. Juliana, já habituada aos falsos alarmes, aguentou por cerca de duas horas e meia, até que por volta das quatro da madrugada contatou a médica e combinaram que, se as dores se mantivessem, a chamariam. Passava das 6h da manhã quando, confirmada a manutenção do seu estado, chamaram Veruscka Gromann, que chegou acompanhada 8


# A Cesárea Existe, no Brasil, uma tendência médica para o recurso sistemático ao método profissionalmente menos arriscado, mas mais invasivo de proceder ao nascimento de uma criança. As cesáreas no país atingem o extraordinário número de 56% da totalidade de nascimentos, quando a média mundial é de 18%, números que ainda se tornam mais absurdos quando esta percentagem sobe para uns escandalosos 83% na rede privada. Procurando combater esta tendência de uso inapropriado de intervenções cirúrgicas desnecessárias e devolver ao momento único e milagroso do nascimento a dignidade que merece o Deputado Federal Jean Wyllys, decidiu avançar, no ano passado, com o Projeto de Lei nº 7633/14 que estabelece direitos básicos para as gestantes, nomeadamente o direito à informação e à escolha, com a elaboração de um plano de parto que registre todas as suas opções; o direito a um acompanhante durante todo o processo e a uma profissional auxiliar do parto, como a doula, que ofereça um apoio afetivo e físico à mãe. O projeto de lei prevê, ainda, que os profissionais de saúde, nomeadamente os médicos, sejam obrigados a dar um tratamento mais humanizado ao ato do parto, dando preferência a métodos menos invasivos, recorrendo a remédios e cirurgias, apenas quando absolutamente necessário. Este projeto de lei, que pode transformar definitivamente a obstetrícia brasileira, humanizando-a, devolvendo às famílias e às mulheres em particular a primazia de escolha em um dos momentos mais importantes das suas vidas, baixou à Comissão de Educação no passado dia 17 de março, tendo como Relatora a Deputada Federal Keiko Ota.

# doula

da doula, cerca de uma hora depois, recebidas por um café acabadinho de fazer por Cristiano. – Enquanto eu morria de dores!- recorda Juliana sorrindo. Antes, Juli e Tiano, tinham criado o ambiente caseiro com que queriam receber o fruto do seu amor. Velas acesas pela casa, música cuidadosamente escolhida, um cheiro a café acabado de fazer inundando todas as divisões. “Preparamos a casa como um ninho” afirma Juliana orgulhosa. A hora H aproximava-se. Juliana, sempre acompanhada da doula Wanderléia Plebani, a Wandy, como é conhecida, sentada numa cadeira de parto, em forma de meia lua, mergulhou fundo no ato pelo qual esperara durante nove meses, trazer à vida o seu filho. As dores iam aumentando e Juliana, apesar de preparada, de tão assustado, por momentos, duvidou da sua opção. - A cadeira era muito desconfortável. – Recorda. - Então, a doula, a Wandy, sentou-se na cadeira e eu sentei-me ao colo dela. Ela me deu a mão e começou a falar palavras tranquilizadoras ao ouvido. Foi mágico. Eu nunca tinha imaginado a importância desse trabalho. Ela me deu um apoio de mãe, de amiga, de tudo. Sabe? – Juli emocionada relembrando esse momento.

Foi Wanderléia Plebani que auxiliou Juliana nesta aventura de parir em casa, por isso, a Valeu foi ouvi-la falar desta profissão altruísta que entende como uma dádiva. Valeu: Como surgiu a vontade de ser Doula? Wanderléia Plebani: A vontade surgiu depois de ler o livro Memórias de um homem de vidro de Ricardo Jones. Em seguida veio o curso de Doula, a primeira Doulada e com ela a certeza de que vivi até este dia só esperando para ser Doula. Valeu: Qual a formação de uma doula? Wanderléia Plebani: A Doula faz um curso de formação específico. Valeu: O que faz a doula – antes, durante e depois do parto? Wanderléia Plebani: A Doula antes do parto auxilia a mulher e o seu companheiro a refletirem e escolherem suas opções para o parto, explicando os diferentes tipos, as vantagens e desvantagens de cada um, as intervenções que podem ser realizadas e prepara a mulher para quando chegar a hora do parto. Contribuindo assim para o protagonismo da mulher no processo do parto. Durante o trabalho de parto, a Doula oferece massagens, ajuda a parturiente a encontrar posições mais confortáveis para o trabalho de parto, mostra formas eficientes de respiração e propõe medidas naturais que podem aliviar as dores, como banhos, compressas, massagens e relaxamento. Apoiando e acreditando sempre no potencial da doulada.

Foto Tainá Claudino

Durante séculos, as mulheres deram à luz com o auxílio exclusivo de outras mulheres. Mães, avós, tias, amigas ou simplesmente vizinhas a quem, a experiência de um prol de filhos nascidos do seu útero, ensinou a auxiliar quem precisava. Parteiras, doulas, ou simplesmente amigas, não importa o nome que se lhes queira dar, foram elas, apenas elas, que ao longo de anos e anos entregaram o conforto, o carinho, a coragem e os ensinamentos necessários às jovens mães que, assustadas, com as dores do seu primeiro parto. Foram os braços dessas generosas mulheres que receberam pela primeira vez milhares e milhares de crianças, que emocionadas devolveram ao colo materno. Wanderléia Plebani é uma destas heroínas.

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A Doula não substitui o acompanhante. Ela também dá suporte e apoio ao acompanhante, orientando como ser útil e não ficar perdido na assistência a sua mulher, o que normalmente ocorre. Na cesariana, a Doula também é importante, pois continua dando apoio, conforto e ajudando a mulher a relaxar durante a cirurgia. Depois do parto, a Doula oferece assistência e apoio em relação aos cuidados pós-parto, à amamentação e cuidados com o bebê. Valeu: O que a Doula não faz? Wanderléia Plebani: A Doula não realiza qualquer procedimento médico e de enfermagem, como fazer exames, aferir pressão ou administrar medicamentos e cuidar da saúde do bebê. Ela oferece segurança, tranquilidade e conhecimento para um parto seguro e não substitui nenhum profissional envolvido na assistência ao parto. Valeu: Tem preferência por fazer o parto em casa ou no hospital? Wanderléia Plebani: O parto é da mulher e a escolha pelo local do parto também. Não cabe à Doula e não é função dela a escolha do ambiente em que a gestante vai parir. Mas, sim, apoiará a gestante nas suas escolhas. Valeu: Foi aprovada a lei das doulas em Blumenau, como é trabalhar com médicos não adeptos do parto humanizado. É um problema? Eles dificultam? Wanderléia Plebani: A Lei das Doulas foi uma grande conquista para as mulheres que desejarem ter uma Doula no dia do seu parto. No Pré-Natal, a gestante já informa ao seu Obstetra que contratou uma Doula e, se possível, a Doula vai junto em uma das consultas de Pré-Natal. O que contribui para que as mulheres e seu filho tenham um nascimento mais amoroso, seguro e libertador. Valeu: Como se encontra uma doula? Wanderléia Plebani: Procurando na internet, usando sites de busca. Valeu: Quem realizou partos com o auxílio de uma doula falou dessa experiência como única. Como se a doula fosse uma espécie de apoio permanente e constante durante o parto e como ela absorvesse, em parte, as dores da mãe, amaciando o procedimento. O que sente uma doula no momento do parto? Wanderléia Plebani: Abençoada, por fazer parte daquele momento único. Maravilhada em constatar como as mulheres são corajosas e poderosas.

#Dr. Ricardo Jones O Dr. Ricardo Herbert Jones é médico ginecologista, obstetra e homeopata em Porto Alegre-RS. Adepto do parto natural, é um dos percursores no Brasil do parto humanizado além de ser, também, um dos líderes na discussão sobre a melhoria da qualidade no atendimento às parturientes. O seu livro “Memórias do Homem de Vidro” é quase uma bíblia do parto humanizado no país e relata o caminho seguido por Jones, desde os bancos da faculdade e a prática hospitalar tradicional até à tomada de consciência da necessidade de humanização do parto e a opção definitiva por esse método inovador no país.

Se Juliana há mais de 10 anos se foi preparando para este parto caseiro, Cristiano nunca tinha pensado no assunto, mas com a serenidade que o caracteriza, aceitou bem a ideia, embora sem muita noção das consequências que acarretaria. - Quando a Juli falou eu achei legal. Não tinha pensado no assunto, mas gostei da ideia. Já tinha ouvido algumas experiências similares e aceitei tranquilamente. Cristiano é exatamente isso, tranquilo e passa essa tranquilidade para a gente. - No início, até pelo trabalho, eu não me debrucei muito sobre o assunto. Estava presente nas consultas com a Veruscka, mas não lia os livros que ela trazia. Um dia, aí pelo sexto, sétimo mês de gestação, numa conversa aqui em casa, a Juli me dedo-durou, dizendo que eu não estava me envolvendo o suficiente, não estava lendo sobre o assunto. Aí a Veruscka me deu um livro que mudou radicalmente o meu envolvimento. “Memórias do Homem de Vidro – Reminiscências de Um Obstetra Humanista” do Dr. Ricardo Jones, um médico de Porto Alegre que iniciou a carreira como obstetra tradicional e virou defensor do parto humanizado. Transcrevemos uma das histórias mais marcantes do livro, que relata um momento de viragem na vida clínica de Ricardo Jones: “Em uma tarde de plantão no hospital, escutei uma cantoria vinda de um dos boxes, onde se encontrava uma grávida acompanhada de sua mãe. Voltei a minha atenção imediatamente para lá, tentando entender do que se tratava. Era um cântico religioso, desses que são cantados em igrejas evangélicas. Imantado pelo som, abro a cortina de plástico que separa o box do corredor e vejo uma mãe concentrada e de olhos fechados, cantando enquanto segura a mão de sua filha. Esta contrai o rosto a cada contração, imaginando diminuir suas dores de parir. Ao me ver adentrando a intimidade do pequeno espaço, a mãe imediatamente interrompe seu canto. Envergonhada, leva a mão à boca e diz: 10


Desculpedoutor. doutor.Não Nãoqueria queriaincomodar. incomodar.Essa Essacanção canção é um louvor --Desculpe é um louvor a a Deus e um pedido proteção para a minha filha. Desculpe atraDeus e um pedido de de proteção para a minha filha. Desculpe atrapalpalhar; apenas tentava auxiliar minha pequena, quesofrendo está sofrendo har; apenas tentava auxiliar minha pequena, que está para para seu primeiro ter seuter primeiro bebê. bebê. Olhopara paraaamenina meninaque queestá estádeitada deitadaao aolado. lado.Não Nãotinha tinhamais maisde de15 15 Olho anos.Sua Suaface faceexprimia exprimiador doreecansaço, cansaço,mas masparecia pareciacolada coladaààmão mãode de anos. sua mãe. Fazia com ela uma união de corpos e almas, resgatando sua mãe. Fazia com ela uma união de corpos e almas, resgatando inconscientementeuma umadas dasmais maisantigas antigastradições tradiçõesda dahumanidade, humanidade, inconscientemente qualseja, seja,uma umamulher mulhersendo sendoauxiliada auxiliadapor porsua suaprópria própriamãe mãeaaparir, parir, qual e assim manter a humanidade, tarefa da qual todas as mulheres são e assim manter a humanidade, tarefa da qual todas as mulheres são devedoras.AAcandura canduraeeaaprofunda profundabeleza belezada dacena cenaficaram ficaramimpregnaimpregnadevedoras. dasna naminha minhamemória. memória.Constrangido, Constrangido,quase quasenada nadapude pudedizer. dizer. das Desculpeminha minha senhora. Por favor, continue a Eu cantar. Eu --Desculpe senhora. Por favor, continue a cantar. adoraracompanhá-la, mas nãoessaconheço música. aqui Sua iaadoraria acompanhá-la, mas não conheço música. essa Sua presença aqui é muito para interrompa sua filha. Não épresença muito importante paraimportante sua filha. Não seuinterrompa canto por seu canto por minha causa. minha causa. Fecheiaacortina cortinaeesaí saíde deperto, perto,esperando esperandoque queaamãe mãecontinuasse continuasseaa Fechei cantar, e nunca mais esqueci a voz daquela mulher simples deseu seu cantar, e nunca mais esqueci a voz daquela mulher simples eede cantomelodioso, melodioso,nem nemaaintimidade intimidadeverdadeiramente verdadeiramentefeminina femininados dos canto dedosentrelaçados entrelaçadosde demãe mãeeefilha. filha.”” dedos Estepequeno pequenoexcerto excertodefine definede deforma formaextraordinária extraordináriaeecomovente comovente Este urgênciada dahumanização humanizaçãodo domomento momentoda damaternidade maternidadeeeexplica explica aaurgência importânciaque queoolivro livrode deJones Jonesganhou ganhouno nomeio meioobstétrico obstétricobrabraaaimportância sileiro. Mas, passemos a palavra ao Dr. Ricardo Jones acerca do seu sileiro. Mas, passemos a palavra ao Dr. Ricardo Jones acerca do seu papel,como comomédico médicoeehomem, homem,no noato atomomento momentodo doparto: parto: papel,

“Do ponto vista médico é importante exista profis“Do ponto de de vista médico é importante queque exista umum profissional, que pode ser um médico, uma obstetra, uma parteira, sional, que pode ser um médico, uma obstetra, uma parteira, queque capacitado para suporte a todas circunstâncias sejaseja capacitado para dardar suporte a todas as as circunstâncias emem o nascimento foge rota normalidade. Além que, queque o nascimento foge da da suasua rota de de normalidade. Além de de que, por ser um processo crítico de transformação não só da mulher por ser um processo crítico de transformação não só da mulher como toda a família está volta, nesse momento é imcomo de de toda a família queque está emem volta, nesse momento é importante a presença uma pessoa tenha estabelecido com portante a presença de de uma pessoa queque tenha estabelecido com a paciente um processo transferencial de confiança e que possa a paciente um processo transferencial de confiança e que possa ajudá-la nessa transformação e nesse passagem. Como ajudá-la nessa transformação e nesse ritorito de de passagem. Como serser humano, a dimensão é outra. podemos analisar tudo humano, a dimensão é outra. AtéAté podemos analisar issoisso tudo de de uma forma banalizada, como frequentemente se faz, ou podemos uma forma banalizada, como frequentemente se faz, ou podemos produzir treinamento constante durante a vida para nunca produzir umum treinamento constante durante a vida para nunca deixar levar pela superficialidade imagens aparecem se se deixar levar pela superficialidade dasdas imagens queque aparecem à nossa frente. sempre tento aprofundar profusão à nossa frente. EuEu sempre tento meme aprofundar na na profusão de de sentimentos e emoções que brotam do nascimento humano, que, sentimentos e emoções que brotam do nascimento humano, que, para todos os efeitos, é um milagre. E aqueles que estão participara todos os efeitos, é um milagre. E aqueles que estão participando deste momento junto mulher pessoas especiais pando deste momento junto da da mulher sãosão pessoas especiais na na medida em que receberam a incumbência de estar ao lado do medida em que receberam a incumbência de estar ao lado do mi-milagre quando acontece. lagre quando eleele acontece. ” ” partir leitura desse livro, Cristiano passou a estar sempre AA partir da da leitura desse livro, Cristiano passou a estar sempre junto, num envolvimento total, mesmo no momento do parto. junto, num envolvimento total, mesmo no momento do parto. Aí,Aí, apesar suposto pouco auxílio podia prestar, esteve sempre apesar dodo suposto pouco auxílio queque podia prestar, esteve sempre presente, às vezes, fazendo massagem ou lançando palapresente, às vezes, fazendo umauma massagem ou lançando palavras vras de incentivo, ou simplesmente, procurando, com o olhar, de incentivo, ou simplesmente, procurando, com o olhar, acaringrande amor daJuli suasentiu vida. aJuli sentiu força desta haracarinhar o grande oamor da sua vida. força destaa presença presença Isso como a marcou, como a intimidade do momento familiar. Issofamiliar. a marcou, a intimidade do momento vivido vivido sem interferências. Era o nascimento do queria seu filho, queria sem interferências. Era o nascimento do seu filho, vive-lo vive-lo nessa intimidade e conseguiu. A médica/amiga, a doula/ nessa intimidade e conseguiu. A médica/amiga, a doula/mãe estamãe ali,avaliando presentes,profissionalmente avaliando profissionalmente pasvam ali,estavam presentes, cada passo,cada acomso, acompanhando os batimentos cardíacos do Benjamim, mas panhando os batimentos cardíacos do Benjamim, mas sub-reptisub-repticiamente, como personagens secundárias e quase ciamente, como personagens secundárias e quase invisíveis duminvisíveis dum filmeexclusivamente que pertencia exclusivamente Tiano filme que pertencia à Juli, ao Tianoà eJuli, ao ao Ben, os e ao Ben, os atores principais. atores principais. Benjamim a luz nessa manhã domingo. O momento Benjamim viuviu a luz dodo diadia nessa manhã de de domingo. O momento pelo qual todos esperavam aconteceu serenamente. Cristiano, pelo qual todos esperavam aconteceu serenamente. Cristiano, o o pai ansioso, recebeu o seu filho diretamente do útero de Juliana pai ansioso, recebeu o seu filho diretamente do útero de Juliana e entregou-o carinhosamente à mãe. Ben, o filho mão direita, e entregou-o carinhosamente à mãe. Ben, o filho da da mão direita, aninhou-se peito materno, ainda ligado umbilicalmente aninhou-se nono peito materno, ainda ligado umbilicalmente ao ao larlar feminino que o acolhera por nove meses e começou a mamar. feminino que o acolhera por nove meses e começou a mamar. - Foi momento único. - Referem Juliana e Tiano uníssono. - Foi umum momento único. - Referem Juliana e Tiano emem uníssono. - As dores senti nascimento foram as mais fortes senti - As dores queque senti nono nascimento foram as mais fortes queque senti minha vida, mas umas dores boas. Chega a dar saudades! na na minha vida, mas umas dores boas. Chega atéaté a dar saudades! Após o nascimento, médica e doula do Dever quarto.cumDever Após o nascimento, médica e doula saíramsaíram do quarto. cumprido era tempo de deixar a família viver sozinha esse moprido era tempo de deixar a família viver sozinha esse momento. mento. Benjamim nascera perfeito e lindo. Imaginamos Benjamim nascera perfeito e lindo. Imaginamos mentalmentemena talmente a cena Juliana quase bíblica: Juliana exausta dum esforço cena quase bíblica: exausta dum esforço de horas, abraça- de abraçadacompanheiro por Cristiano, companheiro pai, da horas, por Cristiano, e pai, acolhendo eno seuacolhendo colo o fil-no o filho que no ventre. hoseu quecolo transportara notransportara ventre. Esta história amor teve final feliz. Benjamim aí está para Esta história de de amor teve umum final feliz. Benjamim aí está para prová-lo. prová-lo.

FotoFoto Tainá Tainá Claudino Claudino

Noúltima entanto, convém para o fato de, segundo dados da OrEsta nota colocaralertar em um destaque lateral ganização Mundial de Saúde, 80% das mortes dedados nascituros e de No entanto, convém alertar para o fato de, segundo da Ormães durante o parto ocorrer em partos caseiros realizados, ganização Mundial de Saúde, 80% das mortes de nascituros e de na suadurante maioria,osem auxílio de em profissionais especializados. Mesmo mães parto ocorrer partos caseiros realizados, na com todo o apoio médico, é muito importante seguir o exemplo sua maioria, sem auxílio de profissionais especializados. Mesmo de todo Juliana e Cristiano e investigar a fundo asseguir vantagens e inconcom o apoio médico, é muito importante o exemplo de uma opção como esta. Estar perceber de venientes Juliana e Cristiano e investigar a fundo as consciente vantagens ee inconrealmente esteopção é o tipo de parto pretendem para o seu filho venientes de se uma como esta. que Estar consciente e perceber ou filha. Só essa absoluta consciência conduzirá a um final feliz. realmente se este é o tipo de parto que pretendem para o seu filho ou filha. Só essa absoluta consciência conduzirá a um final feliz. Por Clara Weiss Roncalio e João Moreira Por Clara Weiss Roncalio e João Moreira 11


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infantilidades Por Alexander Weiss Cadê o assombro? Perdemos a capacidade do assombro, de estranhar coisas que deveriam saltar aos olhos. As crianças não sabem mais o nome dos pássaros. Os velhos não sabem mais o nome das plantas. Meu avô caçava porcos do mato. Meu pai caçava passarinhos. Eu me curei usando plantas. Meu pai hoje trata passarinhos e me ensinou o nome deles desde pequeno. E suas histórias. Como veio o pardal dos portugueses e acabou com o Tico-tico. Meu irmão assobia o canto deles. Do sabiá, e o do Laranjeira é diferente do Cinza. Não queria que meu filho ouvisse certas notícias que se mostram na TV, piores do que o mais feio filme censurado para maiores de 18 anos. De tarde. De manhã. Ouvir as cigarras que cantam antes do Natal. Desabrigados não têm telhas depois do temporal. Os políticos têm largos salários. Por que a beira-mar de Floripa não é mais uma praia? E o Facebook, o Whatsapp que me ajudam? Pra que a roda, se não damos uso a ela? Crescemos sim, mas continuamos tão pequenos quando nos olhamos como um todo. Minhas palavras, a princípio desconexas, propõem a reflexão sobre o espanto. Nasças hoje, cresças em um único dia, comas e tenhas tudo que precisas. Olhe. Com olhos de criança. E me dizes tu: que ‘josta’ de civilização é essa em que te meteram? As coisas e as pessoas continuam lindas. Juntos é que não parecemos ter achado nem a sombra de um caminho coletivo. Não temos mais porcos do mato por aqui. Nos restam alguns passarinhos. E plantas. Remédios que crescem nos cantos, nas frestas, canções de bicos que nos chegam todos os dias e que nem escutamos. Não me falem mais de crimes hediondos que a humanidade ainda insiste em deixar que existam. Não me falem de guerras e de mortes. Me falem de música e arte que sinto falta. De encontros de amigos. De boas conversas. Quero uma humanidade que meu filho mereça. Quero fazer alguma coisa por isso. Nem que seja começando por este textinho. Com o abraço que desejo pra ti. Com a cara de espanto que irás fazer amanhã com aquela notícia e com a tua orelha que começa a escutar o tal do passarinho no meio do teu dia.

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Ilustração: Nadége Caroline Giovanella

cadê o ass0mbro ?


Bicicletas e Infância

Dias atrás, fui inquerido por uma jovem mãe sobre os benefícios que seu filho/filha poderia ter ao andar de bicicleta. Ela não via, segundo o que me contou, grandes vantagens de fazer sua criança andar de bicicleta ao invés de jogar bola, tênis, praticar natação ou dança. Afinal, tudo o que estaria realizando naquela tenra idade seria apenas convertido em gasto energético atribuído ao exercício físico. Então, disse-me ela, tanto faz se andar de bike ou dançar, o importante é estar em movimento. Pedi uns minutos de sua atenção e busquei reunir algumas possibilidades. Trata-se de um jogo fantástico que atiça a percepção e acelera o peito. Um jogo de ímpeto e temperança, de paciência e fugacidade, de constância e celeridade, de querer ficar e querer ir, tudo ao mesmo tempo. Que lindo!

Primeiro, expliquei que tudo o que eu viesse a dizer fazia parte do repertório que a vida me havia contemplado, e que se quisesse buscar razões mais científicas poderia pedir a opinião de especialistas da área da saúde ou do movimento. Porém, propus que enquanto eu falasse ela pudesse observar as crianças que passavam por nós, em suas bikes. Ao notar que uma delas se aproximava, comecei a tentar responder por que motivos deveria incentivar sua criança a escolher pela bicicleta.

Cognição. A capacidade de aprender receberá grande aliada caso a bicicleta seja a escolha. Um sem número de mundos se abrirão aos olhos de seu condutor, ainda que extremamente jovem. A imaginação será parceira do conhecer, a dúvida será comparsa da descoberta e perguntas deixarão de constranger. Assimilará formas, cores e sons, todos juntos, numa fração de segundos enquanto pedala. Os aromas irão construir um relicário, associando tais informações e gerando na memória uma janela digna e habilmente acessível. Ao subir em sua bicicleta será capaz de interpretar teoremas cujas lousas não puderam tornar reais ou concretos. Física, química, álgebra, aritmética, enfim, se tornarão parte de cada pedalada criando um arcabouço fantástico que só a mente humana é capaz de associar e armazenar.

Equilíbrio. Ah, mais do que um malabarismo existencial trata-se de um desafio à vida. Antes de ser um estado de plena estabilidade, talvez, devêssemos compreende-lo como um momento de descuido da instabilidade. O mesmo como se passássemos a entender o quanto de direita e de esquerda o caminho está composto. Ao buscar o equilíbrio, aceitamos que as pontes sempre possam unir duas margens, ao invés de dividir o rio. Na conquista do equilíbrio é possível conceber a possibilidade de que trabalho e prazer possam coexistir, sem que se anulem mutuamente. Que o ‘não’ dado ou recebido nesta hora será o ‘sim’, possivelmente, para o restante dos dias. Que o chão não é, apenas, algo que me empurra para cima com a mesma força que eu e a atmosfera o empurramos para baixo. Aprender a dominar o equilíbrio faz com que tenhamos uma certa dose de ousadia, ao brincar com a incerteza, e outra de saudável loucura, ao trocar as pernas pelas rodas. O equilíbrio não nos permite, tão somente, andar em linha reta, mas também por outros caminhos declarados como impossíveis até o momento em que decidimos tentar, ainda que de olhos fechados, por eles passar.

Geografia será muito mais do que relevo e hidrografia; será sinônimo de gentes esperando por nós em algum lugar. A cultura do outro será mais do que objeto de curiosidade; talvez se transforme na maior experiência de convívio com as diferenças. História será muito mais do que o passado necessariamente visitado, porque será também o presente imaginariamente construído. Cidadania e Democracia não serão conceitos dissociados da prática. Biologia será um estudo de si no contexto e é bem possível que a sustentabilidade tenha mais sentido enquanto for saboreada, seja no banho de rio depois da pedalada ou quando usar a bike como escada para chegar às goiabas, amoras e laranjas que, roubadas na infância, têm mais sabor. No campo das relações, será mais fácil compreender a co-dependência entre seres humanos, animais, plantas, minerais, ar e água.

Velocidade. A grande maioria de nós a compreende meramente como o ato de ir rápido, esquecendo que este é apenas um dos lados da moeda. Ir devagar também, da velocidade, faz parte. Esta noção nos aproxima da compreensão do tempo, horas e dias. Nos faz aceitar que os minutos passam tão mais rápido quanto mais queremos que tardem. E que não há força capaz de fazê-los passar mais lento quando decidem voar, deliberadamente, para o infinito do tempo. Na bicicleta, as pernas irão propulsionar o que as mãos, nos freios, tentarão fazer parar.

E o novo usuário da bicicleta se transformará em um protetor de toda a vida que encontrar, pelo simples fato de conhecê-la e já não poder mais, simplesmente, ignorá-la. Política. Dentre tantas lições aprendidas na infância sobre 14


conviver (viver ‘com’), a bicicleta irá ajudar a que se perceba, claramente, que direitos e deveres não são linhas tortas de uma régua. Que os compromissos com a verdade, com a proteção dos menos potentes e com a equidade são valores que já não serão possíveis de serem incorporados na maturidade. Que participar é muito mais honroso do que vencer. Que calar, nem sempre, é uma escolha. Que se omitir sempre ajudará quem oprime. Que coletivo não é apenas sinônimo de um conjunto de coisas, mas sim, de um grupo organizado lutando pelos direitos de todos. Que as ruas não pertencem a alguns; que as florestas não são meras coisas; que o sol nasce, sim, para todos; que as salas de aula vazias não educam ninguém. Ao permitir-se rodar com sua bicicleta pela cidade e pelos campos sua criança sentirá a emoção de fazer parte de algo bem maior do que ela mesma. Por fim, se ainda todos estes argumentos não forem suficientes para convence-la a promover que seu filho/filha faça da bicicleta sua companheira de todas as horas, acredito que há um ponto decisivo que deixei para comentar por último. Felicidade. Estudos comprovam, e se não o fazem deveriam fazê-lo, que é humanamente impossível pedalar sem sorrir, sem esboçar no semblante alegria, paz, satisfação, realização. Sua criança notará aos poucos, que tal sensação acompanhará suas decisões ou escolhas pela vida; estará presente naqueles dias não tão bons e também no dia em que decidir incentivar seus filhos a optar pela bicicleta. Silenciosamente, o irresistível e irrepreensível sorriso no canto da boca irá declarar que sabe que está fazendo a coisa certa. E não haverá sensação de solidão, porque a roda é uma linha que une todos os pontos. Por fim, não havia me dado conta que, enquanto terminava minha empolgada fala, a jovem mãe tinha levantado do banco da praça onde estávamos a conversar, se dirigiu até onde estava sua criança e lhe deu um estrondoso abraço. Obrigado, bicicleta. Obrigado. E sem perceber, chorei. Por Therbio Felipe M. Cezar

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as vacas “Os animais dividem conosco o privilégio de ter uma alma.” Pitágoras Por Clara Weiss Roncalio As vacas fizeram parte da minha vida desde que eu era bem pequena. Vínhamos sempre para Timbó visitar meus avós, que moravam num sítio na Mulde, onde, mais tarde, vim morar com minha família. Desde dar leite na mamadeira para os bezerros a participar do ritual que meu avô fazia para preparar a comida delas: capim, cana e milho bem verdinho moídos na máquina, ele cortava batata-doce com o facão e, por cima, colocava milho ou carolo e uma ração. Tinha um cheiro maravilhoso e dava mesmo vontade de comer (nós comíamos alguns milhos desses verdinhos)! Cada uma tinha o seu lugar, e sabia direitinho onde ir. Gostava de fazer carinho nelas, mas respeitava aquela hora ‘sagrada’ da refeição. Quando eu era criança, e ainda hoje em dia, uma das coisas mais tristes que acontecia era quando chegava o caminhão para levá-las ao abate. Era uma sensação horrível de impotência, traição e de culpa. Ficava um mês perguntando pra minha mãe se a carne que estava sendo servida era do Timóteo, da Branca (sim, todas tinham nome!). Hoje em dia, as vacas me passam uma sensação de paz, talvez porque me remetem ao passado, por terem feito parte do cenário da minha infância. Mas eu realmente acredito que elas transmitem algo muito especial.

O CONSUMO DE CARNE

COMO TUDO COMEÇA

Eu sei, comer carne é muito bom! Vou confessar, eu queria que desse carne em árvore! Mas eu não vejo diferença entre carne de cachorro, cavalo, gato e carne de porco, boi, ou de qualquer outro animal... Pra falar a verdade, e desculpem-me, mas estou sendo mesmo sincera, pra mim, é quase como se eu tivesse que comer carne humana.

Assim que nascem, os bezerros são prematuramente afastados da mãe. Dentre esses bezerros, alguns não têm a “sorte” de se desenvolver e crescer, já são predestinados a uma vida curta e com muito sofrimento. Sim, a vitela é mesmo uma iguaria! Macia... derrete na boca! É uma carne extremamente apreciada pela sua maciez, mas a sua origem é ignorada.

Além desta questão ética envolvendo o fato de tirar a vida de um ser, existe também a questão ética relativa ao tratamento que é dado a esses animais durante suas vidas. Principalmente, aos criados em larga escala. E esse artigo é sobre isso, sobre o consumo de carne bovina. Sobre todo o processo pelo qual passa o animal até virar aquele bife gostoso no seu prato.

Os bezerros permanecem sozinhos em locais super pequenos, onde ficam praticamente imóveis, para não adquirem musculatura (o que deixaria a carne mais dura). Além disso, para que suas carnes fiquem claras, recebem somente alimentação líquida e sem muitos nutrientes, e tornam-se anêmicos. Apesar de terem aversão à sujeira, devido à falta de nutrientes, principalmente de ferro, os bezerros criados nestas condições comem seus próprios excrementos, na busca por resíduos deste mineral. Após um certo tempo, os animais são presos e permanecem em pé, com a cabeça virada ou para a esquerda ou para a direita, nunca permanecendo com ela esticada para não movimentarem os músculos do pescoço.

Afinal, até que ponto o consumo de carne é consciente?

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Entre 12 a 16 semanas são mortos, sem nenhuma insensibilização prévia. A produção de vitela foi proibida em 27 países da Europa e também em alguns estados dos Estados Unidos. O bezerro é um bebê que não tem um momento agradável em sua existência, ele sofre a partir do momento que nasce. A indústria da vitela é, com certeza, uma das mais cruéis que existem no mundo. Ok, o bezerro tirou a ‘sorte grande’ e cresceu. Em alguns casos, é realizada a descorna, que consiste em uma incisão quente que causa muita dor, feita para que o bezerro não desenvolva chifres (às vezes, é feita com os chifres já crescidos). Ela pode ser feita com pomadas, com ferro quente e também com cirurgia. Resumindo, é uma mutilação.

O zootecnista Thiago Lopes Biscegli afirma que é muito comum encontrar situações nas quais, num dia de trabalho com animais nos currais, sejam encontrados bovinos ‘armazenados’ numa das remangas da instalação, sem água, sombra, comida e alta densidade social por períodos que podem chegar a mais de 36 horas. Outros são criados em pastos até estarem prontos para o abate E agora, o que acontece? Quando o gado atinge o peso ideal para ser comercializado, é transportado em pé em caminhões, para se ter um melhor aproveitamento de espaço. Na chegada ao frigorífico, extremamente estressados, recebem apenas água e são encaminhados para o abate.

O sol, a alta temperatura, o excesso de peso do animal, a falta de alimentos e água, a aglomeração em espaços pequenos e a alta velocidade são os principais fatores que causam stress, provocando no gado a elevação de temperatura, aumento dos batimentos cardíacos e da frequência respiratória.

Existem, de acordo com a instrução normativa nº 3, três métodos de insensibilização para o abate humanitário dos animais classificam-se em método mecânico: com pistola com cartucho de explosão (dardo cativo), que penetra no córtex cerebral, através da região frontal (método percussivo penetrativo), ou com com pistola, que provoque um golpe no crânio (método percussivo não penetrativo); o método elétrico, com eletrodos que devem ser colocados de modo a permitir que a corrente elétrica atravesse o cérebro. Por isso, devem ter um firme contato com a pele e, caso necessário, deve-se molhar a região e eliminar o excesso de pêlos. O equipamento deverá possuir um dispositivo de segurança que o controle, a fim de garantir a indução e a manutenção dos animais em estado de inconsciência até a operação de sangria; o método da exposição à atmosfera controlada, com dióxido de carbono ou com mistura de dióxido de carbono e gases do ar, onde os animais são expostos para insensibilização, que deve ser controlada para induzir e manter os animais em estado de inconsciência até a sangria, sem submetê-los a lesões e sofrimento físico.

ABATE ‘HUMANITÁRIO’ No Brasil, temos a Instrução normativa nº 3, de 17 de janeiro de 2000 que dispõe sobre os métodos de insensibilização para o abate humanitário de animais de açougue e estabelece alguns requisitos mínimos para a proteção destes. O abate humanitário, segundo Roberto de Oliveira Roça, é o conjunto de procedimentos técnicos e científicos que garantem o bem-estar dos animais desde o embarque na propriedade rural até a operação de sangria no matadouro-frigorífico. O abate de animais deve ser realizado sem sofrimentos desnecessários. As condições humanitárias devem prevalecer em todos os momentos precedentes ao abate. A insensibilização de animais é considerada a operação mais crítica durante o abate de bovinos. Tem por objetivo colocar o animal em estado de inconsciência, que perdure até o fim da sangria, não causando sofrimento desnecessário e promovendo uma sangria tão completa quanto possível.

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Sobre o abate de bovinos, relatou o biólogo Sérgio Greif:

Porém, os métodos de insensibilização mais utilizados para o abate de bovinos são: o uso de marretas (utilizada principalmente em estabelecimentos clandestinos), que causam lesão do tecido ósseo e afundamento da região atingida, o martelo pneumático não penetrante, que provoca uma lesão encefálica que causa incoordenação motora, mantendo as atividades cardíaca e respiratória (não é considerado um método muito eficiente), armas de fogo, pistolas pneumáticas de penetração com injeção de ar e pistolas de dardo cativo acionadas por cartucho de explosão. De acordo com o veterinário Marcos Paulo Branco, para ser eficiente, o golpe deve ser dado na região frontal, entre a linha imaginária localizada entre a base dos chifres e dos olhos se o método utilizado for o percussivo penetrativo, no caso de ser utilizado o método não penetrativo, o golpe deve ser disparado entre dois a três centímetros acima deste ponto. Apesar da instrução normativa nº 3 estabelecer os procedimentos para o abate humanitário, não há uma fiscalização constante, e o processo de pré-abate, na maioria das vezes, acaba sendo muito cruel. A insensibilização, quando não eficiente, é notada através de sinais como vocalizações, movimentos oculares e contração dos membros dianteiros.

Estes animais ouviram o que aconteceu com os animais que foram à sua frente, sentiram o cheiro de seu sangue e possivelmente viram alguma cena desagradável, é claro que resistem até onde podem para não passar pelo corredor que leva à sala do matadouro. Por este motivo, um funcionário do estabelecimento os força a fazê-lo dando chutes e eletrochoques através de uma vara. O animal vivencia um verdadeiro pânico, e tenta recuar, mas é empurrado para a frente pelo animal que vem atrás, que também está levando eletrochoques. Ele tenta se jogar para os lados, mas as barras de aço só lhe permitem que avance para a frente. Ao entrar na sala do matadouro, o animal presencia por cerca de um minuto o que está sendo feito com seus companheiros, alguns já pendurados, alguns sendo fatiados em diferentes processos, seu sangue e suas tripas espalhados pelo chão da sala. O animal em vão tenta escapar, mas está completamente cercado por barras de aço. Neste momento o animal sofre o processo que se chama “insensibilização”. No caso dos matadouros que estive visitando, esta insensibilização é feita com uma pistola pneumática, mas em muitos matadouros a insensibilização ainda é feita a golpes de marreta. A pistola pneumática dispara uma vareta metálica no crânio do animal, perfurando-o até o cérebro. Diz-se que este é um método “humanitário”, pois o animal não sofre dor e permanece desacordado por todo o resto do processo, mas a verdade é que não podemos saber se aquele animal de fato não sentiu dor. Certamente a pistola o torna imóvel, mas o animal não parece desacordado, apenas atordoado e impossibilitado de reagir. Algumas vezes, um mesmo animal precisa ser insensibilizado mais de uma vez, o que mostra que este não é um método “humanitário” nem indolor.

referências http://antesqueanaturezamorra. blogspot.com.br/2014/04/tortura-de-bezerros-video-mostra-o. html http://w w w.cidasc.sc.gov.br/ blog/2013/11/05/brf-e-minervaassinam-acordo-para-transferencia-de-ativos-e-abate-de-bovinos/ GREIF, Sérgio, 2007. http://www. anima.org.ar/escravidao/comida/ anotacoes/visita-ao-matadouro. html

Fila para o abate

Essa insensibilidade humana, esse não pensar ou não querer pensar sobre como as coisas acontecem não nos tira a responsabilidade e a cumplicidade, muito pelo contrário, nós estamos envolvidos nessa grande indústria que causa todo esse sofrimento em milhares de seres, todos os dias. Onde está o respeito pela vida? Ou, ao menos, aquele respeito e sentimento de gratidão para com um ser que tem sua vida tirada para podermos comer. E por que esse consumo exagerado, pra que comer até passar mal? Por que nossos freezers têm que estar cheios de carne? Por que não há uma preocupação em fazer com que esses animais tenham uma vida digna e uma morte sem sofrimento? Não, não é o ideal, mas seria o mínimo.

“Você acabou de jantar, e por mais que o matadouro esteja escrupulosamente longe dos olhos, a quilômetros de distância, ainda haverá cumplicidade,”

Realizada a insensibilização ergue-se o animal por uma das patas inferiores com uma corrente e é feita a degola, ocorrendo a morte por falta de oxigenação.

Ralph Waldo Emerson 18


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amigo verde Curiosos Terráqueos

Existem algumas teorias sobre a origem do ser humano aqui na Terra. Desde a criacionista, ou a evolucionista de Darwin e, até mesmo, a dos antigos astronautas, que mistura as duas teorias em uma só, afirmando que somos resultado de uma intervenção, que “veio dos céus”, num passado distante, onde eles, os ETs, teriam combinado seu DNA com o de algum primata daquela época aqui na Terra. Acreditem ou não, mas é uma possibilidade. Talvez seja cedo para darmos risadas. Independentemente da forma como fomos criados, multiplicamo-nos muito acima do que qualquer outro primata e ocupamos hoje todos os continentes, mesmo as regiões mais frias, em menor escala, mas deixamos nossa pegada nelas também. E como isso alterou a ecologia do planeta, é motivo hoje, de muita preocupação e estudos no campo acadêmico e em qualquer setor político e privado.

Este é nosso grupo, um verdadeiro “bando” de humanos civilizados, que prosperou na Terra, muito mais do que qualquer outra espécie de mamífero. Os animais devem pensar que somos deuses. Será? Partindo do princípio de que o macro é um modelo idêntico ao micro e vice-versa, oramos aos nossos mestres, santos e deuses, pedindo proteção e misericórdia, mas não fazemos o mesmo pelos que consideramos como “inferiores”. Tratando-os com descaso e arrogância, destruímos seus lares para construir os nossos, acabamos com seus mantimentos para plantar nossa comida tóxica. E se nosso papel aqui na Terra é ser uma espécie de “deus” para estas criaturas, ou seja, cuidar bem das “coisas pequenas” para tornarmo-nos “grandes”?

Talvez, este grande grupo de homo sapiens, no qual fazemos parte, está deixando de ser animal, o que começou teoricamente há aproximados dois milhões de anos. Adquirimos inteligência humana num corpo de macaco, por isso, vivemos este caos. Toda transformação exige algo extra, que não estamos acostumados a fazer. Talvez, por isso, há tanto sofrimento. Mas os erros do passado podem tornar-se um aprendizado muito eficiente para nossa evolução. Por exemAtualmente, onde o ser humano se encaixa? Somos pre- plo, ninguém consciente detonaria uma bomba nuclear nos dadores com características de presa, ou presas com caraterísti- tempos atuais, depois de tanto sofrimento e destruição que cas predatórias? Qual nosso papel na ecologia deste planeta? isso causou no Japão, no fim da 2ª guerra mundial. Ou, ainda, será que somos deste planeta? Quando nossa percepção e respeito sobre as coisas da vida Independentemente da resposta, o fato é que aqui estamos forem maior do que nosso ego, nossa simples condição de e, se merecemos ou não estar aqui, é outra questão. Con- “moradores” ou “visitantes” do planeta passará para a nobre tudo, queremos continuar aqui, somos inteligentes, temos função de “filhos” da Terra. Isso pode levar muito tempo... sentimentos, confusos, mas ainda são sentimentos e isso Ou não! pode ser um dom. O que nos falta é adquirir a sabedoria necessária antes de tomarmos qualquer decisão. Ela guiará Para amar temos que conhecer primeiro, logo, conheça o nossa inteligência e nossos sentimentos a tal ponto a considerar- que está próximo. Conheça a beleza natural da Terra! Logo! mos tudo o que existe na Terra de extrema importância. O Ande descalço no barro, tome água nas mãos, respire, exque nos impede então de desfrutar esta sabedoria e viver pire, ouça, contemple o sol e também a noite estrelada, abrace em harmonia com nossos “anfitriões”? A resposta talvez uma árvore, plante árvores, árvores frutíferas, nativas e exótiseja nossa desconexão com a Terra. Vivemos no “mundo cas, se não puder plantar cuide das que já existem. Observe da lua”, estamos em “off ” e o que causa isto é nossa incon- os insetos, peixes, crustáceos, moluscos, répteis, mamíferos trolável procura por algo que nos dê conforto, geralmente e seja bom com eles. Use o necessário, somente o necessário, material, mas quando o temos, queremos mantê-lo a todo porque o extraordinário é demais! custo e ainda não é o suficiente, queremos mais! Causando Por Gabriel Weiss Roncalio isto danos ao meio ambiente ou não. Uma das regras da natureza é clara, o que tem em maior número é presa e o que tem em menor número é predador. Por exemplo, imaginem se houvesse mais leões do que zebras, gnús, búfalos, ou qualquer outro animal abaixo da cadeia alimentar destes felinos. Provavelmente, ocorreria, de forma inevitável, o canibalismo entre os leões.

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André Schroeder

QUANDo A TradiçÃo VIRA CRiME

Ellen tem 70 anos e toda a vida preparou “heringsbrot” que vende para fora. Dos melhores da região, mantendo viva uma tradição centenária que herdou da sua mãe, que por sua vez já herdara da mãe dela, sua Oma. Ellen nunca passou recibo da sua escassa produção caseira. Nem nunca pensou que tal fosse necessário. Ellen é uma criminosa perante a lei. O local do crime é o fogão de sua casa e o seu crime é manter viva uma das tradições culinárias mais antigas do Vale do Itajaí. Nem é tanto pelos poucos reais que entram a cada fornada de “heringsbrot” produzidos, que Ellen continua a acordar diariamente às cinco da manhã para o ritual de acender o forno à lenha para cozer o pão, é mais pelo gosto de continuar o costume da mãe e da avó e de não falhar aos muitos clientes fieis que angariou ao longo de mais de 50 anos de culinária caseira.

Também os Donatelli viraram criminosos. Nono de uma vasta família de tradição católica chegada de Trento ainda o século vinte não tinha começado, Ângelo toda a vida manteve meia dúzia de cabeças de gado pastando livremente no sítio onde vive há mais de 70 anos. A verdura do pasto levemente inclinado faz do leite que recolhe e da manteiga caseira que “sua moglie” produz diariamente, verdadeiras relíquias gastronômicas da região. De tempos a tempos, e não sem um aperto no coração, Ângelo abatia uma das suas reses, o que garantia à família numerosa alimento por mais de um ano, além da preservação da receita familiar de embutidos que por décadas fez a delícia de vizinhos e amigos. Da última vez, uma denúncia a que a inveja não terá sido alheia, quase empurrou o septuagenário Ângelo para a prisão, além da elevada multa que teve de pagar. Hoje a paisagem do sítio familiar perdeu o toque bucólico que manteve por mais de 70 anos. Aquela meia dúzia de vacas pastando na encosta verde e florida desapareceu, levando com ela o único entretém que atenuava a solidão de Ângelo e Teresa e os mantinha agarrados a esta vida. Os Donatelli assustaram-se com o ocorrido e, conhecedores de que eram criminosos, decidiram vender o seu gado, recolhendo-se em casa, numa solitária agonia que leva Teresa a rezar diariamente à Santa sua homônima de Ávilla, de quem é devota, para que os leve desta vida que já pouco ou nada lhes pode proporcionar.

Wolfgang é marido de Ellen e, apesar dos seus quase 80 anos, continua a cultivar, no terreno por trás de sua casa, uma panóplia de verduras e temperos que cuida com o carinho que a disponibilidade da aposentadoria lhe permite. Wolfgang não usa venenos. Não precisa, porque cultiva a sua horta com a sabedoria que recebeu dos homens da família, de geração em geração, e que começou, segundo sabe, no dealbar do século passado com a chegada do primeiro dos colonos familiares à região do Vale. Como consome apenas uma pequena parte do que produz, vende o restante a vizinhos e conhecidos que se deliciam com o frescor e o sabor dos seus produtos verdadeiramente orgânicos. Wolfgang gosta de conversar com as suas alfaces e rúculas e com os tomates e cebolinhas e salsinhas e batatas. Acarinha-os diariamente com longos monólogos que lhe servem de terapia. Com quase oito décadas de vida, durante as quais foi um escrupuloso cumpridor da lei, Wolfgang é um criminoso.

Poderíamos continuar a dar exemplos de Nonas e Omas dedicadas à produção de geleias caseiras e tortas, pastéis e doces ou de Nonos e Opas entretidos com o seu gado, verduras, temperos e até cachaças que fariam a inveja da celebrizada Anísio Santiago, contribuindo com os excedentes das suas pequeníssimas produções para o orçamento familiar. A todos eles o Estado decidiu rotular de criminosos. 22


Ao imporem, numa lógica higienizadora importada e que apenas convém às grandes cadeias internacionais, regras de produção completamente incomportáveis para pequenos negócios familiares, acabam com o pitoresco e com o verdadeiramente genuíno, numa política de uniformização mundial que quase nos empurra para o mundo aterrorizador dos livros de Orwell. Será aceitável que se imponham as mesmas regras a uma pequena produção caseira que a um gigante multinacional?

A tenaz fiscal e a insensibilidade do fascismo higienizador que tomou conta dos diversos governos de há tempos a esta parte, numa ótica de suposto progresso e modernidade, está a destruir as tradições culturais e gastronômicas do país e as idiossincrasias regionais que fizeram do Brasil um gigante cultural pela sua diversidade. Ao mesmo tempo em que se legisla de forma avassaladora no intuito de oferecer as mesmas oportunidades a todos, quotizando a raça, o gênero e as opções religiosas e sexuais de cada um, promove-se, em nome da modernidade, o fim de formas de organização social ancestrais, caraterizadoras de movimentos históricos de colonização.

Terão sido os produtos caseiros que levaram a escândalos alimentares nestes últimos anos, ou antes, a contaminação química e microbiana da produção industrial, apesar do suposto cumprimento de todas as exigentes regras definidas pelos Estados?

A verdade é que se vive no Brasil e no mundo um momento de absoluto provincianismo cultural e de mediocridade política a que não será alheia a completa ignorância dos governantes sobre a história dos seus países. As políticas desenvolvimentistas, de costas voltadas para o passado, resultam sempre em crise e decadência, por implicarem a destruição do que de mais rico possuem os países, a diversidade cultural que os torna únicos e inigualáveis.

Seria bom que o Governo se debruçasse sobre estas questões antes que acabem os, já poucos, pólos de preservação de verdadeiras e genuínas tradições culturais do país. A Valeu estará atenta e defenderá de forma aguerrida as idiossincrasias culturais do Estado de Santa Catarina e, em particular, no Vale Europeu. Queremos que as tradições ancestrais que fazem a identidade das gentes do Vale perdurem e não aceitaremos a política de dizimação dos pequenos produtores e artesãos que tem sido aplicada nas últimas décadas. Só a defesa intransigente do modo de vida e da cultura identitária da região garantirá um futuro de progresso justo e sustentado.

Ao não defenderem os pequenos produtores locais, não entendendo que estes não conseguem suportar os custos de recibos ou faturas e não percebendo que, para conseguir iniciar um negócio com licença, teriam de cumprir os requisitos e fazer grandes investimentos que só compensariam num negócio de maior dimensão, os governantes liquidam uma das bases de sustentabilidade da economia familiar de milhões de brasileiros, ao mesmo tempo em que acabam com tradições ancestrais que se perderão para sempre, empobrecendo ainda mais um país que não tem conseguido aproveitar a riqueza da sua diversidade.

Por João Moreira

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la patagonia Num início de tarde de céu carregado, prenuncio de tempestade, seguimos em direção à Rodeio, para entrevistar Suray Despósito. Os escassos quilômetros que separam as duas cidades do Vale recordam-me sempre o Caribe. Um manto de verde estende-se, em ascensão, para uns morros de mata cerrada que rodeiam a estrada ao longe, acentuando o calor abafado e úmido de final de Verão. Aliás, Rodeio deve o seu nome a essa estranha localização geográfica que a coloca no centro de uma cordilheira de colinas em semicírculo. A tempestade adensa-se. A luminosidade intensa de um relâmpago rasga o céu escurecido e uma bátega de água abate-se sobre nós quase no mesmo instante, por alturas de Rodeio 12, fazendo-nos abrandar a marcha. No som do carro, a voz inconfundivelmente anasalada de Dylan canta que os tempos estão a mudar, “The times they are a-changing” como, perceberemos dentro em breve, mudou radicalmente a vida de Suray Despósito. Ao entrarmos em Rodeio, deixamos para trás a tempestade e a música de Dylan. Em seu lugar, um Sol radioso ilumina o verde da paisagem e na trilha sonora do carro, como que anunciando a conversa porteña que se seguirá, um bandoneón marca os acordes de “Adiós Nonino”, o nuevo tango que o genial Piazzolla compôs em Nova Iorque em memória de seu pai, poucos dias após a morte de Vicente “Nonino” Piazzolla. Suray Despósito recebe-nos na área de produção dos produtos “La Patagonia”, os mimos artesanais em que decidiu apostar nesta nova fase da sua vida, que se iniciou há quatro anos aquando da mudança da sua família para o Brasil. Mas, é preciso realçar que antes de ser empresária, produtora artesanal, mulher, Suray é mãe. Pelo menos, é assim que começa a nossa conversa: “sou mãe de um menino que a vida me deu. É um filho adotado. Então, a prioridade é ele!” Explica, como que colocando o enfoque no tema que marcará toda a nossa conversa: o amor. “Também tive câncer, faz agora cinco anos e costumo dizer que foi o melhor professor que tive na vida. Foi ele que me fez descobrir capacidades que nem sabia que tinha e olhar para as coisas de forma diferente.” Aquilo que, à primeira vista, nos parece uma tristeza cansada no seu olhar, mais não é do que a tranquila consciência da sua vitória na batalha com a morte, mais em nome dos grandes amores da sua vida do que em nome de si própria. Um olhar com vida, além da vida. Desenganemo-nos. Suray é uma força da natureza! “Morávamos em Espanha. Primeiro em Madrid, depois Barcelona, onde tivemos um restaurante. Eu fazia os doces. Sempre gostei de cozinhar e o meu marido é muito bom na cozinha” afirma com um sorriso de orgulho que se repetirá ao longo de toda a entrevista, sempre que falar do marido ou do filho. “Entretanto, o meu marido foi contratado para trabalhar no Brasil e viemos. O nosso filho já estava mais crescido e eu tinha tempo. Comecei a fazer os alfajores e as encomendas começaram a surgir, cada vez a um ritmo maior e acabei por ter de comprar um forno industrial. Depois precisei duma caixinha para colocá-los, para dar melhor aspecto e assim foi...” Duma brincadeira, nasceu “La Patagonia”.

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“Foi uma atividade que descobri depois duma doença. Um reaproveitamento de capacidades.” Uma ligeiríssima inflexão na voz quando diz a palavra doença. “Quando me foi diagnosticado o câncer, num processo bem difícil e demorado que culminou com a operação em Madrid e as sessões de tratamento em Barcelona, apercebi-me da necessidade de estar com a minha família. Os meus pais, os meus irmãos. A família!” Esse foi um dos fatores essenciais para o marido ter acabado por aceitar a proposta de trabalho no Brasil. Incialmente em Curitiba e, depois, em Apiúna. Foram morar para a Praia Brava, mas as permanentes viagens na inqualificável BR470 acabaram por ditar a vinda para Rodeio. “Eu gosto muito daqui.” Diz Suray com um sorriso nos lábios. “Gosto da tranquilidade, do verde, das montanhas...” Gosta tanto que está a reformar uma casa antiga, para realizar o sonho de ter um café à parisiense, pelo menos assim o imaginamos pela descrição entusiasmada de Suray, exclusivamente com produtos locais.

Habituada a fazê-los em casa, Suray Despósito, vendo a popularidade que obtinham nos brasileiros que visitavam o seu país natal, decidiu produzi-los artesanalmente na sua cidade de adoção. Foi um sucesso! O alfajor de Suray é o alfajor típico da província argentina de Córdoba, donde é natural. Recheio de doce de leite e banho de chocolate. Tudo produzido artesanalmente e com produtos locais. Além do alfajor, “La Patagonia” produz umas Pedras da Patagonia que são ameixas com recheio de nozes e banho de chocolate, que provamos e que são absolutamente maravilhosas e umas ótimas bolachas de laranja, perfeitas para acompanhar o café com que simpaticamente nos recebe.

“La Patagonia” cresceu a um ritmo exponencial desde o começo do projeto, há apenas um ano. A argentina, que virou brasileira de adoção, tem noção das suas limitações e um cuidado especial na escolha dos seus clientes. Hoje, a sua maior preocupação é a de garantir o fornecimento atempado a todos e o acompanhamento que diz merecerem, o que só com uma rede de distribuição estruturada será possível. “Talvez o passo seguinte seja o de franquear uma rede de cafés que vendam apenas os nossos produtos. Vamos ver como resulta aqui em Rodeio.” Diz esperançada.

Toda a imagem da marca foi cuidadosamente desenvolvida pelo marido e resultou na perfeição. As embalagens são de um bom gosto extremo e entregam ao produto um upgrade que faz a diferença. “O teu produto é um presente, não é um produto de consumo.” Disse-lhe um professor do SEBRAE com quem encetou uma parceria recente. Nós concordamos.

O carro chefe de “La Patagonia” é o alfajor, doce de origem árabe levado para a Espanha por altura da ocupação muçulmana da Península Ibérica e que os espanhóis espalharam, depois, pela América Latina. Etimologicamente, alfajor provém do árabe “al-hasu”, que significa recheio e que acaba por definir o segredo deste “mimo” andaluz transformado em doce tradicional argentino. Na província espanhola de Huelva, estas bolachas eram feitas com massa de mel, amêndoas, canela, cravo e pão moído. Dada a sua durabilidade e popularidade, eram enviadas como alimento nas longas jornadas marítimas dos conquistadores espanhóis do novo mundo e assim chegaram às Américas, primeiro à Venezuela e depois aos restantes países do sul do novo continente. Hoje, feitos com recheio de dulce de leche e cobertura de açúcar ou chocolate, são o doce tradicional de toda a Argentina.

- Por que “La Patagonia”? - Perguntamos. - Porque é um local místico e mágico, que visitamos muitas vezes e onde, inclusivamente, pensamos em morar, em San Martin de los Andes. E também porque é um local que todos os brasileiros que fomos conhecendo, querem visitar. E acertamos no nome!

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Suray sente-se em casa no Brasil. Durante anos veio de férias, todos os verões, para o litoral catarinense, à semelhança de muitos dos seus compatriotas. Por isso, quando chegou o momento de transformar o eventual em definitivo, não estranhou. Pelo contrário, sentiu-se acolhida. “Uma integração fantástica!” Acentua, com o sotaque castelhano que tenta aportuguesar. Mesmo em relação ao seu projeto empresarial obteve um apoio total das entidades locais e um acompanhamento permanente, que foi fundamental para o sucesso atual de “La Patagonia”. Talvez, por isso, toda a estratégia de crescimento da empresa familiar passe pela cidade mais italiana do Vale do Itajaí. Primeiro o café e depois, quem sabe, uma pequena fábrica artesanal que lhe permita conquistar mercados maiores como São Paulo.

- Tem fé?

- Vemos que a Argentina está afastada dos seus projetos?Lançamos em tom de desafio.

- Cultura. A cultura que abre horizontes. Que cria a ambição, por exemplo, de querer conhecer o Louvre. Não precisa ser rico para isso. Precisa ser rico de outro tipo de riqueza. Rico de conhecimento. A minha família não tinha dinheiro para nada, nem a do meu marido, mas ele é adito à leitura e ele transmitiu isso ao meu menino.

- Sim, tenho fé. Em primeiro lugar em mim. – Responde com um levíssimo sorriso. – Vi a morte duas vezes e não gostei do que vi. Assustei-me muito, mas venci. A primeira vez foi duma pancreatite que tive em Florianópolis. Estava de férias e salveime quase por milagre. Mas, a segunda, do câncer, foi diferente. Salvei-me pelo meu filho. Olhava para ele na fragilidade dos seus 6 anos de idade e pensava, ele precisa de mim, ele precisa de mim. Foi ele que me fez vencer a doença. Tinha de sair dessa e cá estou. - O que falta neste Brasil melhor que a Argentina?

- Não, não volto à Argentina. Voltei quando estive doente. Já não é o meu país! - Afirma com uma inflexão vocal que denota a tristeza por detrás duma afirmação tão dramática. “Eu mudei muito. Saí, conheci outros países. Abri a minha cabeça. Não quero ter de voltar a pensar na inflação, no aumento do valor do dólar.”

- O mundo muda se crescer culturalmente? - Exatamente! O mundo muda se todos crescermos culturalmente. Passamos a dar outro valor às coisas e a relativizar outras tantas. Hoje a cultura, o acesso à cultura está à distância de um clique. Não é preciso gastar. É uma questão de atitude.

- Mas por que é que a Argentina deixou de ser o seu país? - Insistimos. - Porque não posso ter sonhos na Argentina. É muito difícil sonhar na Argentina de hoje. O meu filho que tem agora 12 anos disse-me quando regressamos, que os argentinos estão sempre brabos, preocupados. Você sente isso na rua. É normal que assim seja. Todos os meses o seu salário vale menos. A inflação é monstruosa. Não quero isso para a minha família.

Durante toda a conversa, uma música de fundo. Plácido Domingo interpretando boleros mexicanos. A música é uma presença constante, esclarece-nos Suray. “Faz bem à alma.” Como a cultura...

Os anos de vivência espanhola e o susto da doença que venceu, deram-lhe a determinação de não se agarrar a nada a não ser aos seus. “Costumam dizer que temos de colocar tudo nas mãos de Deus. Não é assim. Tenho de colocar em minhas mãos. Deus não ajuda se não O ajudarmos.”

Por Carlos Henrique Roncálio e João Moreira 26


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br0to rico

“Depois sentava-se e escrevia, de forma caótica, as ideias e frases que lhe tinham ocorrido. Do outro lado da rua, a padaria da esquina ainda existia, com a mesma porta de vidro, agora com a moldura enferrujada. O cheiro do pão acabado de fazer, ao romper da manhã, era uma das boas memórias da sua infância. Sempre que olhava para aquela porta o cheiro voltava, como um vento alegre.” Inês Pedrosa in “Fica comigo esta noite”. Existem cheiros peculiares que são especiais para a maioria das pessoas. O de grama cortada, por exemplo, o cheiro de chuva, de um livro novo, o cheirinho de café, ah... e o cheiro de pão quentinho... saindo do forno! Pão, alimento sagrado! Sua presença nas nossas mesas é diária. Logo cedo, marca o início de um dia que está começando. E aquele frischtick caprichado no meio da manhã? Na correria do dia-a-dia pode substituir um almoço. É prático! Faz parte do lanche da tarde. É versátil, pode ser usado para acompanhar saladas, sopas, hmmm os deliciosos croutons. O pão existe há milênios, surgiu, supostamente, na Mesopotâmia, onde hoje fica o Iraque. No início, era assado sobre pedras quentes ou sob cinzas. Segundo historiadores, a fermentação foi descoberta tempos depois, no Egito. Estima-se que o processo de fermentação do pão tenha sido descoberto por acaso, talvez com uma massa esquecida que começou a levedar. Passados alguns milhares de anos, talvez por acaso, ou por força do destino, Andressa Tomellin descobriu a arte de fazer pães. Mas não qualquer pão! Um pão rico, com trigo germinado e fermentação natural. “O que me motivou a fazer pão foi o fato de conhecer essa fermentação natural. Fui passar férias nos Estados Unidos e foi uma amiga minha de lá que me mostrou esse pão com fermentação natural. Na viagem de volta, trouxe um pouquinho de fermento natural, que veio vivinho e tal!” Conta entusiasmada, relembrando como tudo começou.

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Sua amiga comprava o trigo em grãos, fazia o processo de germi- Agora, qual a importância do trigo germinado? nação desse trigo (que leva 24 horas), depois secava no desidratador, passava no moedor e fazia a farinha. A germinação elimina o bloqueio que tem na semente natural, na proteção dela, e que não é muito boa para o nosso orNa volta para o Brasil, Andressa trouxe na mala o fermento e o ganismo. E o trigo, quando germinado, possui mais vitaminas e moedor de trigo. Aqui, comprou um desidratador e, mais tarde, aminoácidos que são absorvidos mais facilmente pelo nosso achou o trigo em grãos. Enquanto isso, aquele fermento, trazido corpo, ou seja, seus nutrientes são potencializados. O métode terras norte-americanas, ‘sobrevivia’ em sua geladeira. do de germinação faz com que aconteçam reações bioquímiOpinião de mãe conta sim! Sua mãe adorou o primeiro pão que cas dentro do grão e que contribuem para a diminuição do fez e pediu pra ela não parar de fazer, o que serviu de estímulo ácido fítico, que é um antinutriente. Entre os nutrientes prepara continuar. sentes estão os antioxidantes, as proteínas, os minerais, os ácidos graxos essenciais, as vitaminas e as fibras. Meu Deus! A receita original foi sendo alterada na medida em que foi adquirin- Parece uma aula de química ou biologia. E, pensando bem, do experiência. Frequentou um curso de fermentação natural em é mesmo. uma escola de panificação de São Paulo, do Rogério Shimura, um dos mais famosos padeiros brasileiros. O consumo de alimentos germinados é muito vantajoso, inclui a eliminação destes compostos inibidores de enzimas, Perguntamos como se inicia esta fermentação natural. É necessário o aumento das enzimas digestivas e de lignanas (composalgo doce “no curso que fiz, usamos caldo de cana fermentado. É só tos com propriedades anticancerígenas, principalmente em misturar com água e farinha e essa massa começa a criar bolhinhas.” relação ao câncer de mama e cólon), também ajuda a melhorar Este processo pode ser iniciado com uva amassada, que contém, a qualidade do sono e a pressão arterial. na casca, bastantes bactérias, também se pode fazer com suco de abacaxi, com mel e com outros milhares de alimentos. Além do trigo germinado, os pães da Broto Rico são feitos com trigo integral. “Muita gente tem problema digestivo e - E o fermento, aquele trazido dos Estados Unidos, clandestina- percebe a melhora nessa troca do pão branco pelo pão 100% mente em sua mala? Perguntamos curiosos. “O fermento que uso integral. Um amigo meu disse que se eu quiser um depoimento ainda é o mesmo. Ele passou por fases muito obscuras. Quase morreu.” ele daria, pois seu intestino está funcionando muito melhor.” Mas, pelos vistos, sobreviveu e ainda bem para todos os que adoramos os pães da Andressa. Até os pães brancos que Andressa faz levam 20% de farinha integral. Sendo que os chamados pães integrais de mercado Esse fermento é alimentado com farinha e água. Ele pode ser cul- têm apenas 10%. Propaganda enganosa?? tivado tanto dentro, como fora da geladeira, mas começa a sofrer Andressa faz 4 tipos de pães: 100% integral, 100% integral quando a temperatura ultrapassa os 35 graus. “Eu gosto de deixar com nozes, 100% integral com nozes e passas e o pão de fora da geladeira. Não existe um método certo. É uma coisa meio azeitona, que leva 50% de farinha branca e 50% de farinha de tentativa e erro. Deixava sempre na geladeira, agora eu deixo em integral. temperatura ambiente. Se o dia está muito quente alimento com água mais fria. Minha farinha também fica dentro da geladeira. Nos dias quentes a fermentação acontece muito rápida e ele degrada mais facilmente e adquire o sabor acético muito rápido. Esse gosto fica difícil de tirar, por isso, como eu não faço pão diariamente, tenho que alimentar todo dia. O cheiro do pão deve ser mais frutado. Quanto mais o fermento tiver uma rotina (alimentação, temperatura, ambiente), melhor. Temos que aprender a lidar com ele.”

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A Broto Rico já conta com alguns clientes fieis que compram toda a semana “Tenho bastantes clientes em Blumenau.” Diz orgulhosa! Também estão crescendo os apreciadores destes pães tão especiais em Timbó. Andressa trabalha como web designer e também dá aula no SENAC de Blumenau. Mas sonha em poder se dedicar a tempo integral à Broto Rico. Nova no mundo dos negócios, Andressa segue seu instinto “Confio bastante na minha intuição. Não tenho experiência com o mundo dos negócios. Não penso muito sobre se vai dar certo, estou indo devagar, ainda não me considero uma padeira, tenho muito aprendizado pela frente. Meu pai é servidor público. Meu pai queria que eu fizesse um concurso. Mas eu tenho essa vontade de ter uma coisa minha faz tempo.”

Tudo começou como uma brincadeira, mas no brilho dos olhos de Andressa antecipamos a certeza do sucesso da Broto Rico. A jovem web designer, aprendiz de padeira, ama fazer pão. Pão verdadeiro, fruto da magia da fermentação natural. Um processo lento, demorado, como o são todos os processos transformadores da natureza. Um processo que exige compreensão, dedicação e amor. Um amor que em Andressa transpira em cada poro e faz dos pães da Broto Rico produtos especiais. São pães feitos com amor.

Além do incentivo de sua mãe, sua primeira fã, que é também quem cuida do processo de germinação, seu pai, apesar do estímulo para uma vida no setor público, ajudou muito na construção desse espaço. O crescente número de apreciadores dos seus pães foi a força propulsora para ampliar seu espaço de produção. “Minha intenção é regularizar a empresa, como microempreendedora individual. Tive que fazer adaptações, no início era na cozinha de casa. Chamei o pessoal da vigilância para ver o que eu precisava. É um grande investimento, estou fazendo aos poucos, mas se for colocar no papel, é um carrinho popular.” Diz com um sorriso melancólico. Os pães precisam ficar fermentando na geladeira até o dia seguinte, ou seja, é um processo demorado e bem regrado. Por isso, no intervalo entre o descanso necessário à produção desses pães tão especiais, pretende aumentar o leque de produtos, quer fazer tomate seco, bolachas... e, assim, enriquecer ainda mais a sua jovem empresa.

Por Clara Weiss Roncalio

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le0 maier Talvez mais do que qualquer outra coisa, os blues representem uma centelha de luz na escuridão vivida pelos escravos negros das grandes plantações de algodão do Delta do Mississipi.

Um grito musicado das histórias das suas vidas. Histórias de amor e sofrimento, sobrevivência e determinação, dor e alegria. Histórias vertidas numa música repetitiva, tocada em tom menor, de forma pesarosa e sofrida, como que condensando em pautas imaginárias o espírito de sacrifício de todo um povo. Não se conhece com exatidão a origem do Blues, mas gosto de imaginá-la no embalo gritado dos porões dos navios negreiros, numa espécie de oração repetida à exaustão pelos escravos africanos arrancados às suas famílias para trabalharem, em condições sub-humanas, nos campos de algodão do Alabama, do Mississipi, da Louisiana e da Geórgia. Ou no choro pungente lançado nas paisagens do sul dos Estados Unidos, do interior dos vagões apinhados de negros, à passagem dos velhos “cavalos de ferro”. A história do Blues é a história duma “gente de olhos de chão”, que encontrou na música uma forma de exorcizar a sua condição de quase nadas. Mas, reza a lenda que o Blues enquanto gênero musical nasceu depois da Guerra da Secessão, numa mistura das worksongs dos escravos emancipados depois de musicadas, com o cântico do evangelho das Igrejas Negras do Sul, o Gospel, as músicas dos cantores nômadas e o som ritmado dos pianos solitários dos bares e prostíbulos. Porém, a verdade é que durante décadas, não passou duma música étnica, condição da qual nunca teria saído, não fosse o movimento “Blues Revival”, que na década de 50 do século passado, sedimentou a internacionalização deste gênero musical. Como bem traduziu António Curvelo, “Sem esse “Blues Revival”, muitos dos sobreviventes desses tempos históricos teriam continuado perdidos no anonimato de um cemitério, no cansaço das jornadas de trabalho nos campos de algodão, na solidão noturna de um qualquer alpendre de uma qualquer bomba de gasolina exilada numa encruzilhada sem nome dos estados do sul.” Sem esse “Blues Revival”, acrescento eu, Leo Maier não seria músico de blues e

talvez não estivéssemos, na sede da VALEU, a conversar sobre o lançamento do seu primeiro EP. “Comecei a tocar violão com 14 anos de idade. Tive o estímulo de várias pessoas. Em primeiro lugar, a minha mãe, que desde os 12, 13 anos insistia para que eu fosse estudar música. – Vai tocar violão, acho que tu vais gostar – dizia ela, mas eu não dava bola. Também tinha uma vizinha com quem apanhava carona e que todo dia colocava um CD dos Guns n’Roses, Metallica, entre outros. Aí qualquer coisa foi despertando em mim. Também havia um violão na casa da minha avó e assim foi, juntando tudo, e se iniciou este caminho na música.” Dispara Leo de entrada. “Depois foi muito rápido. Apaixonei-me, fiquei curioso. Comecei a ter as minhas bandas favoritas, tudo na onda do rock: Metallica, Guns, Creedence, Rolling Stones, os clássicos. O blues veio um pouquinho mais tarde.” Diz, diminuindo a acentuação no final da frase, como que querendo recordar-se com exatidão como tudo começou. 31


Branco e franzino, Leo é o oposto da imagem estereotipada que temos dum músico de Blues. Mas, mal começa a falar da sua paixão, transfigura-se, agigantando-se ao ponto de quase conseguirmos vislumbrar neste brasileiro da germânica Blumenau, um negro da dimensão de um BB King ou de um Muddy Waters, sem nunca perder uma genuína simplicidade, tão própria dos músicos de blues. “O gosto pelo Blues veio naturalmente. Eu sempre fui de comprar CD’s. Depois passei para o vinil que é quatro vezes mais legal.” Risos. “E nesses CD’s tinha curiosidade de ver quem escrevia as músicas que os Stones, os Creedence e outros gravavam e eles gravaram muitos Blues. Por exemplo, no seu terceiro álbum, os Stones gravaram “Little Red Roaster”, um blues do Willie Dixon, isso despertou a minha curiosidade. Os Creedence a mesma coisa, regravaram coisas do Robert Johnson, Muddy Waters e eu queria saber quem eram esses caras. Isto aconteceu com 18, 19 anos.” Leo quase sem fôlego! “Nessa fase também tive dois amigos, o Jimi Jameson, que é músico e o Rafael Scharf, com quem toquei numa banda, e eles já gostavam muito de blues. Aí começamos a andar juntos, a ir aos bares onde eles tocavam uns blues e o Rafael sempre a insistir para comprar um disco dum cara de que iria gostar, o Steve Ray Vaughan. Eu nem imaginava quem fosse... para mim, nessa época, os únicos nomes que conhecia da guitarra blues eram o BB King e o Eric Clapton. Fui comprar o disco sem escutar, cheguei em casa e só sei que devo ter escutado aquele disco umas duas semanas sem parar.” Daí, ao mergulho nas raízes da música negra norte americana, foi um pulo. Como o próprio Leo comenta entre risos, “estava enfeitiçado”.

“Isso foi acontecendo naturalmente. A primeira banda que formei, foi muito engraçada, porque era só eu e o baterista. Chamava Locomotiva, porque os Guns tinham uma música chamada Locomotive e o nosso dever era pegar no disco Appetite for Destruction dos Guns’n Roses e copiar ele inteirinho, Só que meu, ficou horrível! Imagina, só a guitarra e bateria, faltava tudo!” Riso generalizado.

Se, inicialmente, Leo Maier se apaixonou pela guitarra virtuosa e mais tecnicista de nomes como Steve Ray, com um blues que não hesita em chamar de mais moderno, rapidamente passou a beber das influências do Chicago Blues, o estilo iniciado na cidade americana que lhe deu nome e que se caracterizou pela introdução da bateria, do piano e do baixo ao som tradicionalmente tocado apenas por cordas e gaita.

“Depois decidimos que tínhamos de formar uma banda a sério e apareceu um baixista, outra guitarra e tocávamos para amigos em festinhas. Foi divertido. Mas, a primeira banda profissional foi a Axynia. Aí sim, já com material próprio e a tocar em bares e festivais. Depois veio aquela que foi a grande escola para mim, a Rock’n Cerva e que acabou sendo também a minha iniciação no Blues, porque tocávamos blues gravados pelos Creedence e um dos elementos, o baixista, o Bacca, curtia muita sonzeira e trazia alguns blues para ouvirmos. Foi a minha profissionalização no rock e o início do interesse pelo Blues.”

“Aí, eu mergulhei fundo! No Muddy, no Little Walter, adorava o Little Walter, e todos os outros caras do Chicago Blues, o Buddy Guy... enfim, mergulhei fundo. Lembro que, depois dessa fase, me fixei no Texas Blues.” Os Blues do estado americano do Texas diferem de todos os outros pela utilização intensa da guitarra elétrica, em solos extensos e improvisados, numa aproximação ao jazz, cujo percursor, na década de 20, foi Blind Lemon Jefferson. Mas, os nomes que impressionaram Leo foram os de T-Bone Walker e Albert Collins. E assim foi a caminhada retrospectiva de Leo pelo mundo do choro musicado dos negros americanos, até chegar às raízes rurais, com nomes como Lightnin’ Hopkings e Mississipi Fred Mcdowell.

Entusiasmado e entusiasmante, Leo não para. Já todos tomamos café, enquanto o dele, intato, esfria na xícara. “A primeira banda de Blues surgiu só em 2008, a “Delonis Blues”, com 23, 24 anos. Nessa fase entrei de cabeça no blues. Peguei a guitarra e estudei muito. Os acordes, o ritmo, a batida. Nessa época, em Blumenau, não tinha praticamente nada da onda blues. Teve uma época de ouro do gênero, anterior, por volta dos anos 90, com muita gente produzindo, abrindo espaço. Quando decidimos avançar com a “Delonis Blues”, não existia nada. Mas, aconteceu uma coincidência extraordinária. Na Furb FM apareceu um programa dedicado só ao blues. Duas horas só de blues semanal, imaginem! Era o Alles Blues. E a Furb FM comemorou nesse ano cinco anos de existência e organizou um festival, para o qual fomos convidados a tocar. Tinha muita gente, sabe, foi muito legal.” Rosto pensativo, como se recuasse no tempo até essa fase inicial. “Por essa altura, existia em Blumenau um bar alternativo, o KGB, e nós viramos banda residente. Uma vez

“Chegou uma hora em que eu pensei, eu gosto de tudo dentro do Blues. Mas, há um momento em que juntas todas essas influências e segues um caminho. Esse trabalho aí é mais marcado pelo Rhythm and Blues e pelo Jump Blues.” Explica Leo, apontando para o seu EP, que gentilmente nos ofereceu. “Não foi algo proposital, movido por uma preferência por esse gênero, foi algo que aconteceu naturalmente.” Explica. Forçamos um recuo no tempo, antes de nos debruçarmos sobre este trabalho que, na cabeça de Leo, tem já continuidade com um próximo EP a ser gravado no Inverno, para, juntando os dois, formar o seu primeiro LP. - Como foi a profissionalização musical até à chegada do Leo Maier Trio? 32


que fez a arte do EP, além de ser o batera do trio e que me ajudou muito, do Bacca que além de ser baixista, a gente gravou no estúdio dele, do Cristiano Ferreira, que é o convidado especial e produziu o disco comigo, da Mariana Florêncio, que tirou a foto da capa e da Andressa que foi um fator de permanente motivação.” Um sorriso meigo olhando para Andressa. “A gravação foi bem rápida, dois dias, um final de semana, sábado e domingo. Quase tudo take 1.” Leo está feliz e já tem na cabeça, como o próprio diz, 20% do próximo EP, que incluirá piano, numa formação que já existe, o Leo Maier Quartet, mantendo a restante formação e o mesmo estúdio de gravação. A data já está marcada, mas tudo o resto é uma incógnita. Sairá da cabeça de Leo nos próximos meses. Até lá muitas entrevistas agendadas e shows de promoção deste primeiro EP, o próximo no Butiquin Wollstein e a Valeu estará presente! Sexta-feira, na apresentação do seu primeiro EP, Leo Maier e o seu trio, com a participação especial do virtuoso da guitarra blues, Cristiano Ferreira, deram um show inesquecível no Butiquim Wollstein. O cenário não podia ser mais perfeito. O Butiquin Wollstein fica num fim de rua. Um beco no centro de Blumenau, mas que podia ser em New Orleans ou no coração do Quartier Latin. No início da rua sem saída, começamos a ouvir o som melodioso duma guitarra, que vai aumentando de intensidade à medida que nos aproximamos da entrada. A sonoridade remete-nos para a “batida Bo Diddley”, um estilo rítmico que ganhou o nome do bluesman do Mississipi e percursor do Rock’n roll, Ellas McDaniel, duma alegria contagiante, como que contrariando as raízes doridas do Blues.

por semana era só Blues, e não abríamos mão. Muitas vezes, as bandas como a nossa faziam cedências ao rock, até a pedido da galera, mas nós não. Eram, sei lá, trinta e tal blues tocados. Só blues. E lotava. Também por essa época, o Butiquin Wollstein adotou o blues e isso foi criando uma onda. Apareceram mais duas bandas na cidade e a coisa foi crescendo.”

O ambiente é de jam session. O boteco lotado, a que falta apenas a tradicional nuvem de fumo dos “bas-fonds” jazzísticos de Nova Iorque ou de Paris, é o espaço ideal para a sonoridade de Leo Maier. Talvez por isso Leo se sinta, e nos faça sentir, tão em casa.

A conversa corre solta. Leo e Andressa, a companheira que hoje se dedica a produzir pães artesanais e que não esconde um olhar de orgulho ao ouvir Leo dissertar sobre a sua carreira, têm uma energia tão positiva que nos embalam na sua história.

Desenganem-se os que associam o Blues do Leo Maier Trio, ao grito pungente e dolorido dos apanhadores de algodão do Mississipi ou da Louisiana. A complexidade musical do trio de Blumenau vai bem além das raízes históricas da música dos escravos norte americanos. Maier foi beber as suas influências às águas agitadas do Rhythm’n Blues e do blues citadino de Chicago, envolvendo-as numa sonoridade própria que cativa ao primeiro acorde.

É tempo de nos focarmos no motivo da nossa entrevista, o EP Leo Maier Trio, não sem antes percorrermos a cena musical brasileira, a época gloriosa do blues nacional, nos anos 80, com Celso Blues Boy e Blues Etílicos, bandas de grande projeção em todo o país e uma avaliação ao fraco apoio que mídia e meios culturais dão aos gêneros musicais alternativos.

Tal como o próprio Leo, a sua música transpira alegria. Uma alegria intensa, que advém, em muito, da pureza com que o trio interpreta e vive a música que faz para os outros. No palco, guitarra na mão, Leo é o símbolo da humildade do Blues e do Jazz, onde não há espaço para o estrelato individual. O palco do Jazz é de todos e foi isso a que assistimos ontem no Butiquim Wollstein. Uma ligação perfeita entre as guitarras de Leo Maier e de Cristiano Ferreira, a que Leo não hesitou a chamar de mestre, o baixo límpido e ritmado de Emerson Bacca e a excelente bateria de Dayvk Martins.

“A primeira vez que apareceu, em cartaz, o Leo Maier Trio foi em 2009 e desde aí começou a crescer a ideia de gravarmos.” Leo, agora focado no seu primeiro trabalho discográfico. “Mas, para gravar é complicado. Tu tens de te sentir mais maduro e eu sempre fui muito inseguro. Tens de achar as pessoas certas, escolher o repertório, enfim, não é fácil. Por exemplo, as músicas que estão no EP, todas elas têm uma história e cada uma das letras é muito especial para mim. Na faixa cinco, tem um Blues tradicional do Eddie Boyd, “Five Long Years”, o único blues tradicional que está no EP e que eu ouvi e pelo qual apaixonei. O cara que tocava com o Eddie Boyd era bem lado B, mas com uma guitarra linda. Outro caso “Pack your Clothes”, um jump blues do Hamp Jones, um cara quase desconhecido, mas eu achei a música muito massa. E assim foi, fui anotando no meu caderninho e escolhi umas vinte músicas, das quais acabei selecionando essas seis.” “Depois tive várias ajudas, do Dayvk Martins, que foi o cara

O show que serviu para apresentar o excelente EP do Trio revelou uma formação madura e entrosada, passando para o público a paixão e a diversão com que constroem a sua musicalidade. Leo estava feliz e tinha motivos para isso. Ninguém que passou pelo Butiquim Wollstein esquecerá a apresentação destes grandes músicos de Blues. Leo Maier Trio, um nome a não esquecer! Por Clara Weiss Roncalio e João Moreira Fotografia Mariana Florencio 33


“Conversei com a Nadége sobre a ideia de abrir a loja e também com a Carol, que cuida agora das redes sociais... as duas gostaram e apoiaram a ideia.” E assim foi.

Von Strutz

Nadége também deixou o emprego para apostar nesse sonho. O conceito da loja foi ganhando forma nas reuniões noturnas em que conversavam para definir o tipo de público que iriam alcançar. Talvez por elas próprias serem de gerações diferentes, decidiram tornar a loja bem abrangente, abraçando o rock da sua origem aos dias de hoje. De fora ficaram as tribos mais específicas dentro desse mundo, como a do metal.

A Von Strutz é a única Rock Store de Timbó e, talvez, a única da região. É muito provável que os clientes habituais não saibam, mas o projeto é bem mais antigo, começou na Rua Pomeranos, como uma loja de roupa tradicional, e só ganhou consistência devido à paixão pelo rock que Priscila e Daniel sempre tiveram e que percebemos assim que entramos na loja ao som dos Stones e damos de cara com paredes decoradas com LPs e fotos de bandas.

A ideia não foi excluir, foi apenas centrar num público que conheciam melhor e com o qual estavam mais identificadas. Essa definição foi essencial para o próximo passo: a escolha dos fornecedores. Ao contrário do que se poderia pensar, existem muitos fabricantes dedicados exclusivamente à produção de camisetas de banda.

Nem sempre foi assim. No início, a loja retratava o quarto de um roqueiro. A parede toda furada, com livros, discos, guarda-roupa, criado-mudo. A ideia era fazer com que o cliente se sentisse em casa. E resultou. Ainda agora, nós, também fãs de rock’n’roll, nos sentimos em casa.

- Existe uma porrada - diz Pri com uma risadinha. Talvez, por isso, a escolha tenha sido difícil e não isenta de erros que acabaram por ser fundamentais para a definição dos fornecedores atuais, os que acabaram por ter melhor aceitação dos clientes.

A Von Strutz é a cara de Priscila e Nadége e da curiosa diferença geracional que as separa. Pris cresceu com os Stones, Ramones, Beatles, Johnny Cash, Dylan, Led Zepelin, já Nadége prefere o som alternativo dos Arctic Monkeys, Franz Ferdinand, Bon Iver, The National, Strokes e é esta mescla musical que traduz a imagem da rock store de Timbó.

- Isso exigiu muita pesquisa, mas estamos bem satisfeitas. Hoje, trabalham a VSL, do Rio de Janeiro, que foi a marca chave da loja, pois tem estampas diferentes e são destonadas. As da Chico Rei, que são mais coloridas, com a pegada do rock nacional, dos Mutantes e da tropicália. A Rocket de Blumenau, a Liverpool de Florianópolis, a Culture de Indaial, com uma onda mais street, e as estampas são criadas pelos donos da empresa “Essas chegam e vendem rápido” diz Pri.

Para Priscila Schiochet, assumir este projeto implicou uma mudança de vida. Quando visitou aquele que seria o espaço da nova loja pela primeira vez, tomou uma decisão radical, deixar para trás 9 anos de dedicação à empresa em que trabalhava para abraçar este desafio com alma e coração. Eu pensei: “Meu Deus, será que eu vou ter que sair do meu emprego?”

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Nadége, Pri e Daniel

quem não conhece o movimento roqueiro da cidade, em muito garantido, há anos, pela dedicação de Valda, Dete e Hélio, os empenhados proprietários do Taki’o Bar, duvidaria do sucesso duma loja de roupa direcionada aos amantes de Rock. Também por isso, a Von Strutz se tem empenhado em estabelecer parcerias para os diversos eventos que o Taki’o Bar organiza ao longo do ano. Porém, o principal investimento em marketing da loja é direcionado para as redes sociais, Facebook e Instagram. Essa mídia virtual tem feito com que a loja venda para fora de Timbó, atingindo em força cidades vizinhas como Indaial e Blumenau e mais impressionante ainda, São Paulo e o Rio. De tal forma a Von Strutz conseguiu conquistar um público fiel fora do circuito geográfico para o qual tinha sido pensada, que surge no horizonte a possibilidade de estender o conceito a Blumenau. Ainda é apenas uma ideia que se vislumbra no horizonte, mais por pressão dos muitos clientes que tem na maior cidade do Vale, do que por decisão de Pris e Nadége que têm os pés bem assentes na terra e preferem consolidar, para já, o espaço conquistado em Timbó. Mas... não deixa de ser um desafio a ter em conta.

Na loja, também encontramos os acessórios da designer Ana Guinal, de Blumenau. As canecas de banda que são feitas em Rodeio. “Sempre que possível, procuramos comprar produtos locais!” Além das camisetas, a Von Strutz também vende os vestidos da marca Two Way, de São aulo. Muitos desses produtos acabaram sendo encontrados por Pri e Nadége na Rua Augusta de São Paulo. Famosa rua, tema da música de Ronnie Cord, de 1964, regravada pelos Mutantes e também por Raul Seixas, anos mais tarde. “Entrei na Rua Augusta a 120 por hora, toquei a turma toda do passeio pra fora...” “Conquistamos mais pelo produto, não pela marca. Algumas coisas não pegaram, apesar de serem marcas famosas.”

Enquanto conversamos, pela trilha sonora da loja, vão passando os monstros sagrados do Rock’n Roll, pautando o ritmo da entrevista e embalando, num swing irresistível, os nossos movimentos corporais. Na parede, por trás de Pris e de Nadége, um velho LP de Dylan faz-nos recuar no tempo como que desafiando as duas para avançarem para esse novo projecto. “Don’t think twice, it’s all right”, não é Mr. Dylan?

Desde o início, a Von Strutz foi pensada com o coração, talvez por isso seja um sucesso. “Muita gente desacreditava que Timbó teria público para isso.” Mas, pelos vistos tem! Aliás, só

Por Clara Weiss Roncalio e João Moreira

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TAK I´0 BAR “Era uma lanchonete pequena. A onda do rock veio depois. Os clientes começaram a trazer fita-cassete para escutar as músicas que mais gostavam e assim foi.” Como uma onda! De tal forma que a pequena lanchonete com o estranho nome que todos acham ser japonês, mas que é uma abreviação de “Está aqui, ó!”, dado pelos primeiros proprietários, virou um bar de rock. Então, surgiu a ideia de realizar um show do Taki’o. O primeiro evento musical foi numa carreta de som do pai de Dete, estacionada em frente ao bar. Depois, em 2003 começaram os eventos de forma mais profissional, cobrando ingressos, com som adequado. “O primeiro realmente profissional foi no estacionamento e deu 600 pax, com as bandas Restus, Vlad V, Bigode de Gato e Passa Anel. Inesquecível!” Lembra Walda com um sorriso rasgado. De lá para cá, guarda os cartazes de todas as outras produções.

Timbó, sábado à noite. No centro, numa pequena rua que une as duas principais artérias da cidade, um mar de gente vestida de preto vibra ao som de Vlad V, a banda de culto do Vale. Num pequeno recanto da esplanada do Taki’o Bar, numa espécie de palco improvisado, rampa de lançamento dos aspirantes a roqueiros da região, faz-se rock’and roll. E do bom! Por trás do balcão, Walda e Hélio, sorriso rasgado, vão servindo Heinekens e Antárcticas aos muitos amigos que, mais uma vez, responderam positivamente à chamada dos mais reconhecidos promotores de rock da região. O Taki’o é assim. Uma grande família que une, há quase duas décadas, as diversas tribos do rock. Hoje é sábado, um sábado especial. Tem rock no Taki’o, o que raramente acontece. Embora possa parecer estranho, O Taki’o não abre aos sábados. Por estratégia comercial, mas, sobretudo, por opção de Walda, da Dete e do Hélio, que normalmente aproveitam a folga semanal para curtirem, também eles, os diversos shows de rock que acontecem regularmente por aqui. É este culto pelo rock’n roll que corre nas veias dos fundadores do mais antigo bar de rock da região que faz a magia do Taki’o.

show da banda Madame D´Brechó.

Walda tem orgulho no papel desempenhado, ao longo de anos,

Chegamos ao bar num fim de tarde de domingo. No telão da esplanada, corre, estranhamente, um show de John Cale. Enquanto Cale interpreta “Fragments of a rainy season” iniciamos a conversa com Walda, o arauto do rock e autor de um dos programas radiofônicos de referência, “A Voz do Rock”, na 92 FM. “O Taki’o começou, para a gente, a 27 de janeiro de 96. Eu e o Hélio trabalhávamos na Odorizzi e surgiu a oportunidade de comprar a lanchonete. No início, eu continuei a trabalhar e quem tocava o bar era o Hélio e a Dete. Mais tarde, eu vim também.” Walda fala com serenidade, num tom de voz particularmente baixo, quase inaudível, monocórdico até. Toda a expressividade e emoção transpostas para o rosto, em particular para os olhos, vivos, vibrantes e ligeiramente umedecidos, à medida que vai revivendo a história do seu Taki’o.

em defesa das bandas locais. “Existem muitos bares que apresentam bandas de rock, mas quase todos de covers. O que poucos fazem é organizar festivais para bandas autorais. Tirando nós, poucos ou nenhum. Isso acontece porque de 2000 para cá, as rádios e as televisões deixaram de dar espaço para o rock nacional e muito menos para as bandas que criam músicas próprias e as querem divulgar. Hoje isso está a mudar um pouco.” Um lampejo de esperança no olhar. Dete, mulher de Walda e responsável por todos os lanches 36


Cale dá lugar a um inimitável Iggy Pop, contorcendo-se em palco. “Walda gosta de trash metal.” Informa Dete entre risos. “Eu sou mais do rock clássico. Mas, a minha banda preferida é o Vlad V. Mesmo que esteja mal disposta ou sem vontade de sair, se souber que vai tocar, sou a primeira a querer ir. Não falho.” O Vlad V foi uma das primeiras bandas autorias a tocar no Taki’o Bar e é uma das mais reconhecidas da região. É da casa. O Flavinho duma simpatia contagiante, baterista da banda, é cliente quase diário do balcão atrás do qual Walda e Hélio servem cervejas entre conversas sobre música e política. É desta família que os três mosqueteiros do rock falam emocionados. “Têm clientes que conhecemos de pequeninos. Vinham com os pais e hoje continuam a vir. É aqui que se reúnem com os amigos. Sobretudo às sextas, quando temos os nossos acústicos. Isso é muito motivador e nos deixa muito orgulhosos.” Os acústicos do Taki’o, que acontecem uma vez por mês às sextas-feiras, são uma referência roqueira da região e uma oportunidade para as novas bandas que se aventuram no mundo do rock’and roll mostrarem o seu trabalho. Foi também esse o motivo que levou Walda a aceitar o desafio de, semanalmente, se sentar à frente dos microfones da 92 FM para apresentar “A voz do rock”, consequência natural do trabalho anterior no bar, mas fundamental para divulgar as bandas autorais da região e os diversos eventos que o Taki’o continua a produzir, sempre com sucesso garantido. Dos tempos loucos em que o bar abria 7 dias por semana, de manhã à noite, ficou a consciência do dever cumprido. Hoje, Dete, Walda e Hélio administram o espaço com o conhecimento de quase duas décadas de dedicação. Abrem à tarde e fecham ao sábado. Perceberam as nuances do seu espaço e a necessidade de ter vida além do seu negócio e estão felizes com isso. Mas, não pense que abdicaram de sonhar com o crescimento do seu bar. Antes pelo contrário. Se tudo correr como esperam, talvez os amantes de rock da região venham a ter novidades em breve. O brilho no olhar de Hélio assim o indicia.

servidos no bar, confirma esta mudança recente que começa a sentir-se nos mídia nacionais. “Durante anos o sertanejo dominou. A malta do rock não gosta de sertanejo. Nem é tanto pelas músicas, é pelas letras.” Realça. Não é um preconceito, é uma constatação. “Ao contrário do que as pessoas pensam, o pessoal que gosta de rock tem, normalmente, formação acadêmica e uma cultura superior à média. Esse preconceito, que durante anos existiu, de que roqueiro é bagunceiro e quebra tudo, desapareceu.” Muito pela dedicação dos fundadores do Taki’o em organizarem festivais e concertos em diversos espaços da região que resultaram sempre sem problemas. Walda, com os olhos a brilharem de orgulho da sua gente, não hesita em afirmar “O pessoal que curte rock é particularmente educado e respeitoso. Eu vou com a Dete a qualquer show ou festival e ela pode andar sozinha tranquilamente que ninguém se mete com ela. Somos uma família, e mesmo quem não a conhece, não interfere. Há um respeito muito grande. Estamos todos lá para curtir o som e nos divertirmos. Aqui, quando organizamos concertos, fica tudo limpo. Não encontra uma garrafa espalhada. O pessoal é muito cuidadoso.” Confimamos, por experiência própria, com um aceno. Hélio, olhar sereno e atencioso, recorda esse caminho percorrido ao longo de quase vinte anos dedicado a divulgar as bandas da região. Os braços tatuados são o símbolo da sua paixão pelo rock, em particular pelo metal. “Adoro concertos. Assisti ao show do Metallica, Sepultura, Ozzy e ao acústico do Eddie Vedder.” Relembra com saudade. Uma vida dedicada à música que continua a correr-lhe nas veias, de tal forma que, porque nunca é tarde para concretizar sonhos, está a ter aulas de violão, para, também ele, quem sabe, verter para a guitarra as emoções que tem vivido nos acordes dos outros. Enquanto a conversa decorre, no telão do Taki’o Bar John

São quase 6h da tarde. O balcão foi enchendo dos tradicionais amigos da casa. Iggy Pop, talvez cansado da sua performance excessiva, deu lugar a um dos concertos mais vistos no écran do Taki’o Bar, o espetáculo, em Berlim, comemorativo do lançamento do “The Wall” dos Pink Floyd. Dete recolhe-se na pequena cozinha do bar para atender alguns pedidos que, entretanto, foram chegando. Hélio serve duas cervejas no balcão, enquanto Walda, de isopor encostado ao peito e quatro copos na mão, numa pose inconfundível, avança para a esplanada para atenuar a sede a um grupo de clientes, neste final de dia quente de fim de verão. A vida volta ao normal no Taki’o Bar, mas, no olhar de Dete, Walda e Hélio, perpassa um lampejo de emoção e orgulho por esta viagem à história do mais antigo bar de rock da região. It’s fucking rock’and roll and we love it!

Por Clara Weiss Roncalio e João Moreira

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ThApy0kA É sábado, hora de almoço. Chegamos cedo. A Thapyoka, cartão postal de Timbó e spot mais agitado da cidade, começa a encher-se de comensais. No interior, acumulam-se pessoas junto ao Buffet num vai e vem permanente. É assim o dia a dia na Thapyoka, ao longo de 7 dias por semana. Um bulício que se inicia pela manhã e só termina depois da uma hora da madrugada. Quando cheguei ao Vale, o primeiro chope Borck que bebi foi aqui, debaixo dum abrasador sol de final de janeiro. Sentado sozinho, no meio duma agitada tarde de domingo, com o volumoso “Joseph Anton” de Salman Rushdie, esse extraordinário romance autobiográfico do período em que o escritor viveu clandestinamente, fugido ao libelo de morte lançado pelos radicais islâmicos após a edição de “Versículos Satânicos”, fui-me apercebendo da diversidade da beleza natural que o envolve. A ponte, construída pelos atuais detentores do espaço, unindo o velho moinho colonial ao edifício impecavelmente recuperado, com a represa em cima, embalando com o som fresco da água em cascata a envolvência verde do ambiente, fazem da Thapyoka um espaço único na cidade. O resto é música, cerveja, petiscos e diversão. Desse dia para cá, os chopes foram dando lugar às torres de chope e mais tarde às excelentes Red Lager engarrafadas da Borck e a solidão acompanhada da leitura, a um cada vez maior leque de conhecidos e amigos que sempre acabam por sentar junto e atenuar, mesmo que por breves momentos, as agruras da emigração. Recordei tudo isto, sentado na esplanada, esperando a chegada de Dimas Luiz Felipe, um dos sócios do espaço e a cara do projeto que desde 1988 anima a cidade, para uma conversa em volta da história do restaurante e da abertura da novíssima Thapyoka Blumenau. - Tudo começou em 88. Éramos bem mais jovens. – Inicia Dimas com um sorriso. – Organizávamos festinhas e surgiu a oportunidade de sonorizarmos uma festa num espaço do antigo restaurante “Francielle Restaurante Pianos Bar”, do outro lado do rio, não tinha ponte, nem nada. Era bem diferente. Mas, continuando, esse restaurante que, entretanto, tinha fechado era num prédio da Prefeitura e a filha do proprietário pertencia a um grupo de jovens que organizavam festas no local. Nós começamos a sonorizar essas festas. Então compramos a parte do antigo proprietário e começámos como boate. – Dimas conversa de forma serena, tranquila, pausando por vezes, como querendo recordar exatamente esse pioneirismo inicial. - Assim foi, até que, 10 anos depois, a Prefeitura fez nova licitação e como este prédio, em que agora estamos já estava muito degrado, foi colocado junto, com a exigência de um projeto de recuperação e interligação entre os dois espaços, com um prazo de 2 anos para entregar a obra. Concorremos e ganhamos. Em 2000 inaugurámos aqui, só que não entendíamos nada de restauração. – Risada aberta. – Na verdade, nem a cidade entendia de restaurantes. Não estava habituada a isso. Não saía para jantar fora. Era uma cidade pequena, com poucos restaurantes e as pessoas só saiam para almoçar, na maioria por necessidade. Hoje tudo isso mudou. – Certo orgulho no rosto por a sua Thapyoka ter contribuído para essa evolução.

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- Mas, foi uma época muito boa da boate, que permitiu realizar toda a obra de construção da ponte e recuperação do prédio. Deu certo! Claro que deu! A Thapyoka é um sucesso que se tem prolongado ao longo dos anos, tornando-se inclusivamente um dos locais de referência da região, com clientes espalhados por todo o Vale, que aos fins de semana, vêm curtir os shows ao vivo e relaxar de uma semana de trabalho. Aos poucos, as mesas ao nosso lado vão enchendo de clientes habituais. Dimas vai cumprimentando quem chega, sem perder o foco na nossa conversa. - Uma coisa importante para nós desde o começo foi estabelecer parcerias com produtores locais: a Borck, a San Michele e outros. Criar uma força de desenvolvimento regional que funcione. Por exemplo, na época não existia mão de obra qualificada. Fomos buscar os poucos garçons que existiam, mas depois, a Thapyoka acabou por ser um local de formação da maioria dos garçons que hoje estão por aí. Isso é um orgulho para nós e bom para a cidade. Também tentamos ter um apontamento importante da cozinha regional, garantia da manutenção da gastronomia local. - Hoje, estamos ultimando um novo projeto. Um risco que decidimos correr. Concorremos ao espaço do antigo Biergarten em Blumenau e ganhamos. Sempre fomos muito ligados à Blumenau. Os blumenauenses sempre foram grandes clientes do nosso espaço e, por isso, esta nossa nova aposta acabou por acontecer naturalmente. Sabe, em 2004, o antigo Prefeito veio procurar-nos com a ideia de abrirmos um espaço lá, mas, na época, tínhamos acabado de terminar as obras aqui e de iniciar esta experiência. Não era o momento correto. Agora sim. Tínhamos decidido abrir um novo espaço, por isso, acabou por cair do céu esta solução. Estamos contentes. Esperávamos que tudo tivesse sido resolvido mais cedo, a tempo da Oktoberfest, mas não deu por motivos burocráticos. – Uma nota de desapontamento na expressão facial.


A Thapyoka Blumenau, que já estará em funcionamento quando sair a nova edição da Revista Valeu, será uma cópia fiel do projeto ganhador de Timbó. Aberta 7 dias por semana para almoços Buffet e jantares a la carte, com música aos fins de semana, petiscos e muita animação. O chope, mantendo a tradição das parcerias locais, será da Bierland, a premiada cerveja artesanal blumenauense e registrará algumas novidades que Dimas pretende ir implementando em função da evolução do espaço. O projeto arquitetônico cuidadosamente elaborado, com uma envolvência externa muito convidativa fará do espaço, assim o espera o nosso anfitrião, dos locais mais procurados da cidade. Dimas está entusiasmado. No rosto, o sorriso dos vencedores, levemente vincado pelos sinais faciais de muitas horas perdidas a orientar o novo sonho empresarial. Nas mesas junto à saída, aglomeram-se agora os thapyokônomos, os fieis dos fieis, do restaurante e choperia que anima Timbó desde a virada do milénio. As torres de chope começam a despontar em diversas mesas, como cogumelos amarelos. As conversas rolam soltas e no som da esplanada “The Smiths” vão entoando os acordes de “Asleep”. Dimas termina aceleradamente o resto do almoço para “voar” para Blumenau. Afinal de contas, estamos a dias da inauguração da novíssima Thapyoka e ainda há muito para fazer. Agradecemos ao nosso anfitrião e, por breves momentos, recolhemo-nos à solidão da leitura, como que recordando o encanto da nossa experiência inaugural. Por João Moreira

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lA v ineria Subimos uma pequena rampa que dá acesso à “La Vineria da Aline” ladeada por um canteiro de ervas de cheiro. Alecrim, manjericão, tomilho, um sem fim de temperos que anunciam um espaço dedicado à gastronomia, ao gosto pela degustação.

como Timbó. Aline não denota soberba ao relatar este acumular de experiências, apenas o orgulho de ter conseguido atingir os seus objetivos. Propôs-se estudar gastronomia com os melhores e conseguiu.

No interior, um mundo de produtos gourmet abre-se perante os nossos olhos. Massas, temperos, molhos, doces, chocolates, azeites, vinagres... e vinhos, claro está. Uma perdição para os apaixonados da enologia e da gastronomia. Na entrada, um pequeno e confortável recanto com alguns livros dedicados à arte da culinária e da vinicultura, é antecâmara para um espaço cuidadosamente organizado e decorado.

O regresso ao Vale, cheio de sonhos e projetos, revelou-se um pouco desolador. “Era frustrante, pois tudo que aprendi não conseguia trazer pra cá, faltavam as matérias primas, que não existiam na região. Na alta gastronomia trabalhava-se com produtos diferentes, sobretudo, produtos importados. Aí eu pensei, como vou montar um restaurante se eu não tenho sequer a matéria prima?”

Aline, a proprietária que dá nome à Vineria timboense recebe-nos com um sorriso no rosto. Aline Packer cursou Gastronomia na Univali. Viajou o Brasil inteiro e fez cursos e estágios com vários chefes proeminentes da gastronomia brasileira. Trabalhou no Costão do Santinho, em Florianópolis por 3 meses e na Ponta dos Ganchos, em Govenador Celso Ramos, duas das mais importantes unidades hoteleiras do país e particularmente especializadas numa gastronomia cuidada e diferenciada. Na Ponta dos Ganchos, conheceu Alex Atala, que decidiu convidá-la a fazer um estágio em seu restaurante durante 2 meses, o que acabou por abrir várias portas, não fosse ele um dos mais conceituados chefs mundiais. Mais tarde, foi para o Rio estagiar com o chef Claude Troisgros e com a chef Flávia Quaresma.

Este foi o primeiro entrave com que Aline se deparou. Uma dificuldade que a levou a empenhar-se mais nos estudos e a diversificar um pouco a sua formação. Apaixonada por vinhos decidiu fazer uma pós-graduação em Enogastronomia, onde aprendeu sobre a harmonização de vinhos e comida, opção que acabou por revelar-se decisiva para montar uma loja e trazer o que há de melhor no Brasil e no mundo para Timbó e Região. “Todo o mundo me chamou de louca!” Afirma entre risos. “Que eu não deveria fazer isso. Era muito arriscado, Timbó não tinha mercado para uma loja assim. Mas eu estava decidida a mostrar os produtos que fui conhecendo, às pessoas daqui. Abrir um pouco os horizontes, estimular o gosto, o paladar para novas sensações e sabores.”

Duma tragada, sentados em uma das mesas da diversificada adega da La Vineria, somos esmagados por um Curriculum invejável e muito raro no país, ainda mais numa pequena cidade

A ideia da loja conjugava-se com um projeto mais ambicioso, 42


mas também mais prazeroso para Aline de montar um Bistrô. Para isso, decidiu e bem, começar pelo princípio. Primeiro mostrar os produtos com que gostaria de trabalhar, “educar” o palato das gentes da região, para depois, ser ela, a chef, a desenvolver, com esses produtos, pratos únicos e desafiantes. “Depois de comer comidas diferenciadas o paladar fica mais aguçado.” Afirma com a consciência de um trabalho que exige esforço e dedicação. Esse é um sonho que ainda existe, mas segundo a estagiária de Alex Atala, ainda vem longe. “Um passo de cada vez.” Afirma consciente do caminho a trilhar. Neste momento, todo o tempo é dedicado à loja gourmet que conseguiu solidificar. “La Vineria di Aline” tem apenas três anos, como a própria afirma, “a gente ainda está engatinhando, ainda tem muito a evoluir, mas acho que já ajudámos a desmistificar algumas coisas, as mais importantes: que nem todos os produtos importados são caros e que o Brasil está cheio de produtos maravilhosos e pouco conhecidos.” Também em relação aos vinhos, carro chefe da loja, Aline pre-

tendeu surpreender, trazer para a região uvas diferenciadas, vinhos de vários cantos do mundo, fugindo aos vizinhos sul-americanos, do Chile e da Argentina, habitualmente preferidos pela proximidade e pelo preço. Por outro lado, Aline, natural da região, conhece bem o terreno que pisa. “Estamos numa terra de cervejeiros, ainda estamos remando contra a maré, mas tem muita gente interessada em aprender a beber vinho e o público vem aumentando.” Talvez por isso, a “La Vineria di Aline” optou por desenvolver um vasto cardápio de cervejas artesanais, nacionais e importadas, quase 60 rótulos de cervejas gourmets. Aqui, Aline confessa que estava relutante no início e que o mérito é da sua funcionária Regina Dalcastagné, que insistiu para Aline incluir cervejas no rol de produtos da La Vineria. A ideia era fugir ao tradicional, mas acabou sendo uma aposta ganha. A “La Vineria di Aline” tem crescido assim, passo a passo, com sugestões de funcionários e amigos e o empenho da chef empresária. Uma das apostas para este ano é no marketing da loja. Em parceria com uma empresa de marketing de Blumenau, pretende mostrar que existe em Timbó um local com produtos de muita qualidade, derrubar o mito de que tudo que é importado é caro, quer fazer sua loja ficar mais conhecida ainda nas cidades vizinhas. “E, se respingar em Blumenau, é lucro pra gente!” Ambiciona. Outro projeto bem bacana são as noites de degustação que acontecem no local. Diversos nomes de fora, de novos importadores e produtores são trazidos, para que as pessoas daqui conheçam e criem uma intimidade com o vinho e com as cervejas gourmet. Todo dia 29 de setembro, aniversário da loja, é feito um Wine

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Show, com vários rótulos importados. Nestes eventos, os participantes ganham um caderninho para fazerem suas anotações e preferências. “Isso estimula o gosto pela prova e consequentemente pelo produto. São mais de 60 rótulos, nunca iríamos recordar tudo, então o caderninho serve para anotar e assim recordar os que mais gostamos.” São estes pequenos desafios que fazem de “La Vineria di Aline” um espaço diferente e inovador. Aline confessa que o agito da vida empresarial acaba tomando seu tempo quase que integralmente, e que, por este motivo, teve que deixar um pouco de lado sua paixão pela cozinha “Fiz promessa que quero voltar para a gastronomia. Eu amo gastronomia, mas a loja toma muito meu tempo. Mas eu pretendo montar um espaço atrás da loja para ministrar alguns cursos.” Aliás, a loja já está equipada com uma pequena cozinha experimental e espaço de degustação a ideia é trazer chefs para darem cursos funcionais, com comida mais light e saudável, mas com muito sabor. “O ano passado ministramos alguns cursos de confeitaria, com imenso sucesso, por isso, vamos manter esse projeto.” Outra ideia que surge no horizonte para atender aos muitos clientes que procuram a variada gama de destilados que “La Vineria” oferece é a de realizar uma degustação de whiskies, na sequência de outras que já realizaram com inegável sucesso, nomeadamente a degustação de cachaças, a bebida popular que virou gourmet. Aline está confiante. São muitos os projetos. Sabe que ainda muito está por fazer, mas talvez por isso, percebe o potencial do projeto que montou. “La Vineria di Aline”, com os seus tímidos, mas sólidos, 3 anos de vida, ainda está no início, mas é já uma referência na região. No olhar expressivo da sua proprietária denota-se o brilho do entusiasmo que habitualmente garante o sucesso. Saímos debaixo de um sol abrasador de final de manhã, deixando para trás a frescura do ar condicionado e Aline e Regina atarefadas, distribuindo pelos locais apropriados mais uma remessa de produtos acabados de entregar. Por Clara Weiss Roncalio e João Moreira

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VIVENDO E APRENDENDO Amo estórias. Amo mesmo! Adoro! E acredito que através delas podemos aprender e ensinar muitas coisas. Quero contar uma para vocês que passei no interior da Itália, em Asti para ser mais exato.

Quando chegamos à Europa para fazer as provas finais do curso que me fez Sommelier profissional, mais precisamente ao castelo do ICIF (Italian Culinary Institute for Foreigners), um instituto reconhecido mundialmente, sem fins lucrativos, fundado em 1991 por um grupo de chefes italianos, com o objetivo de promover a imagem da cozinha italiana no exterior, me dei conta que o que eu estava fazendo era mais do que sério. Chegando à sala, descobri que iríamos ter aula de serviço com ninguém menos que o melhor sommelier do mundo. Pensa na cara que fiz. Uma coisa é certa, quando você está fora da sua zona de conforto, mesmo supostamente sabendo o que deveria fazer, dá um branco. Pensa junto; você começa a fazer um curso e a pessoa que vai lhe avaliar é a melhor pessoa do mundo no assunto. Minha vontade era de sair gritando e cruzar o oceano a nado! Depois de duas horas de teoria sobre os microclimas propícios para o plantio de videiras no mundo, fomos para o subsolo, na adega da escola. Lá podíamos ver rótulos de séculos passados intocáveis, guardados no silêncio milenar de um castelo que deixaria você de boca aberta pela beleza e grandiosidade. Quando chegamos, fomos todos apresentados. Confesso que foi surreal! Ele nos deu uma tarde inteira de teoria sobre tudo o que ele sabia. Ficamos parecendo esponjas, absorvendo tudo o que podíamos. Então, no fim da tarde, disse que iríamos subir para o salão principal, onde teríamos uma aula prática de serviço. Haviam cinco mesas para dez lugares cada. Sua proposta era que montássemos a mesa desde o início e, em seguida, serviríamos o vinho juntamente com o menu do dia. Tudo montado como em um filme, pessoas saindo de tudo que era porta, falando e fa46


zendo coisas que você também sabia fazer. Então, ele sentou-se e pediu para cada um servir da forma clássica à italiana. Não tínhamos vinhos para servir, então, pediu para que cada um fosse até a adega e escolhesse uma garrafa a seu critério, para servi-lo (claro que tínhamos que conhecer o vinho para poder falar dele depois). Cada um pegou uma garrafa e subiu, abriu e fez toda a pompa possível para agradar o melhor do mundo. Éramos cerca de quinze pessoas. Todos nós fizemos um serviço perfeito. Não, não, saiu tudo errado! Trememos, derrubamos vinho na toalha, as palavras não saiam na ordem certa... Claro que ele, como bom profissional que é, percebendo nosso nervosismo, pediu com a maior educação que sentássemos à mesa e ele faria o serviço. Educadamente, puxou cadeiras para as meninas e deu-lhes o guardanapo com um gesto simples, mas delicado e suave.

“Quando vocês chegaram lá em cima, pude perceber que não estavam à vontade fazendo o que lhes propus a fazer, não porque não sabiam, mas por tinham medo de cometer erros na minha frente. Não estou aqui para julgar seu conhecimento em vinho ou na área de serviço gastronômico, estou aqui para guiar e mostrar o jeito simples de fazê-lo. Quero que vocês recebam suas carteirinhas de serviço e, quem sabe um dia, vocês vão estar ao meu lado concorrendo ao lugar de melhor sommelier do mundo! Quando forem servir alguém, sirvam com delicadeza, mas firmeza, com paixão e com muita educação. O que vocês sabem pouca gente sabe ou tem vontade de saber. Não se sintam menores por estarem servindo. “Ser servido qualquer um pode ser, mas servir só quem sabe pode fazer.”

Sério, teve gente que chegou a chorar com o que ele disse! O mundo do vinho realmente é algo grandioso e extremamente amoroso. Por isso, quando você for degustar um vinho, indiferente do preço, uva, produtor, nacionalidade, beba-o com paixão e respeito. Pois te dou toda a certeza do mundo, desde que a vinha foi plantada até a hora de sua colheita, desde o momento em que o vinho foi engarrafado e levado até você, o que moveu as pessoas a fazerem isso foi o amor. Ter a certeza de que seu trabalho vai perpetuar pelos quatro cantos da Terra, levando aconchego e alegria aos seus mais preciosos momentos, sejam alegres ou tristes, não tem preço.

Ele olhava para todos e todos o olhavam de uma forma engraçada. Após servir, sentou-se e começou a fazer perguntas sobre tudo, desde como estava o Brasil nesses dias (pois vem ao Brasil eventualmente), até como preparávamos legumes na manteiga. Depois de uma longa noite regada a uma estupenda comida feita pelos futuros chefes e servidos de vinho de várias datas, até mesmo do século passado, fui para meu quarto maravilhado (e um pouco tonto!). Na manhã seguinte, em torno das sete horas, ele já estava na sala de aula nos esperando, sorridente e, aparentemente, querendo aprontar algo. Tivemos mais uma ótima aula e, no final, ele nos pediu para refazer o trabalho do dia anterior. Claro que não iríamos negar tal pedido e, incrivelmente, tudo saiu perfeito! Parecia até que as coisas se faziam sozinhas. No meio da tarde, ele veio se despedir, pois estava indo para a França dar uma palestra. Pediu licença ao professor, que estava dando aula sobre tipos de queijos e falou estas palavras:

Ele vai estar lá, calmo, sereno, tranquilo, dividindo a história dele com a sua, fazendo momentos e criando estória. Comprar uma garrafa de vinho exige pouco esforço, mas para bebê-lo é preciso saber degustá-lo, não apenas com o paladar e olfato, mas também com o coração! Por Tiago Minusculi

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A História do saca-rolhas, objecto actualmente indissociável, no nosso imaginário colectivo, do vinho e das garrafas de vinho, guarda ainda muitos mistérios. A sua verdadeira história, as suas verdadeiras origens, estão encobertas num certo mistério… Antes de mais, uma verdade essencial: O saca-rolhas foi inventado (ou adaptado) para a rolha, e não o contrário. Quanto à “rolha” de cortiça (as outras, sintéticas, poluidoras, e pouco amigas dos bons Vinhos, são coisas recentes), desde tempos imemoriais que terá sido utilizada para tapar a boca ou bocal de recipientes de barro, contendo líquidos ou outros conteúdos, fosse para os proteger de deterioração, fosse ainda para facilitar o seu transporte, sem risco de derramamento do respectivo conteúdo. Julga-se que já no antigo Egipto, cerca de 3.000 a.C., seriam usados recipientes de barro, para armazenamento de vinho, cujo bocal receberia uma rolha em cortiça. Na Grécia, por exemplo, foram recentemente descobertos fragmentos de cerâmica que, após análises diversas, se concluiu que teriam contido vinho, datando de 4200 a.C.. Um exemplo típico e fácil de ser perceptível por qualquer um dos nossos leitores, seriam as ânforas, as quais foram produzidas em quantidades verdadeiramente industriais pelas civilizações greco-latinas, especialmente pelo antigo Império Romano. Neste tipo de recipientes terão circulado ao longo de todo o mediterrâneo, milhões de litros dos mais variados líquidos, entre os quais vinho e azeite, cujo vedante do respectivo “gargalo” já terão sido “rolhas” de cortiça; usamos a palavra “rolhas” num sentido lato, pois estes vedantes do bocal, eram de dimensões bem maiores do que as rolhas que utilizamos na actualidade. As ânforas, de destintos tamanhos e tipos de boca, tinham dimensões que variavam normalmente entre 1,50m a 30cm de altura, as mais pequenas, sendo estas últimas, frequentemente destinadas ao transporte de vinho. O Seu bocal também era bem maior do que aquele das actuais garrafas de vinho.

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desde os tempos mais remotos, permitiu ao Homem confeccionar os mais variados acessórios, entre os quias vedantes para recipientes, isto é “rolhas”, é originária dos países mediterrânicos. Ou seja os primeiros Homens a terem utilizado este magnífico material – 100% natural -, para estas e outras funções, terão sido os diversos povos da bacia mediterrânica, pois eram aqueles que tinham esta matéria-prima, directamente à sua disposição.

Em torno das Origens do Saca-Rolhas

Os Reis de Portugal, logo nos primórdios da História deste antiquíssimo Reino, tiveram noção da riqueza constituída pelo sobreiro. Assim, no remoto ano de 1209, Dom Sancho I criava a primeira lei mundial, que o protegia; em 1292, El Rei Dom Dinis voltaria a elaborar nova legislação que visava proteger sobreiros. Quanto à garrafa de vidro, que é para nós actualmente indissociável do vinho, importa mencionar que foi, durante boa parte da sua existência, algo relativamente raro, frágil e precioso. Por essas razões muitos crêem que, só tardiamente, terá começado a ser utilizada para guardar e preservar esse precioso liquido, que tantos momentos mágicos nos proporciona: O Vinho! O Vidro em si mesmo, também é muito provável tratar-se de uma invenção dos povos mediterrânicos, sendo a sua descoberta atribuída ora aos Fenícios ora aos antigos Egípcios. Seja como for, a sua criação parece datar de cerca de 4.000 anos a.C., sendo que por volta de 1.400 a.C., os Egípcios terão descoberto a técnica do sopro do vidro, que se revelará crucial, entre outros, para o fabrico de garrafas. Como em tantas outras coisas, a Roma Imperial desenvolveu uma verdadeira indústria vidreira, tornando correntes taças e frascos neste material. Nos seus primórdios a garrafa terá servido principalmente para guardar outras preciosidades, que não o vinho, como por exemplo perfumes e outros unguentos raros. Muito provavelmente terá sido também nesses primeiros tempos que, a garrafa de vidro, conheceu o uso da rolha de cortiça. Facto incontestável, confirmado por recentes descobertas arqueológicas, é que no antigo Egipto, por volta de 1250 a.C., já se fabricavam pequenas garrafas de vidro, destinadas a guardar preciosos perfumes.

Assim, desde muito cedo, a cortiça se tornou um aliado e companheiro do Vinho, como o comprovam outros achados arqueológicos, entre os quais uma ânfora datada do século 1 a.C., encontrada em Éfeso ou as diversas ânforas vinárias descobertas nas ruinas da cidade mártir de Pompeia.

Muito possivelmente, da necessidade de abrir estas pequenas garrafas, guardiãs de perfumes preciosos, é que terá surgido a criação do mais antigo saca-rolhas… Afinal de contas seria certamente necessário algum instrumento, para abrir essas primeiras garrafas! Bem, neste ponto as opiniões dividem-se e muitos daqueles que têm escrito sobre a origem do saca-rolhas, especulam que terá sido outra a sua génese. Para diversos autores este instrumento da nossa paixão seria posterior ao advento da difusão das armas de fogo portáteis, ou seja, arcabuzes, pistolas e mosquetes! Como e porquê?

Para além destes recipientes em barro vedados com cortiça, ao longo dos últimos séculos também se foram fabricando verdadeiras garrafas de barro e de grés, destinadas a guardar os mais variados líquidos. A título de curiosidade, embora já se trate de uma peça de tempos modernos (século XIX) salientamos uma interessente garrafa para tinta de canetas, que faz parte da colecção do Museu do Saca-Rolhas; Esta era dotada de uma pequena rolha de cortiça, que exigia para ser aberta, um saca-rolhas de pequenas dimensões. Outro tanto sucedia com a maior parte das pequenas garrafas de medicamentos e perfumes, que eram abundantemente fabricados no século XIX e mesmo nos inícios do século XX.

Como os entendidos e amantes das armas antigas mais facilmente percebem, estas primeiras armas de fogo, que eram de carregar pela boca (a culatra era fechada, sem abrir), quando por algum motivo o disparo não se realizava, havia necessidade de retirar a carga do cano (bala, bucha e carga de pólvora). Para esse efeito tinha que se recorrer a um instrumento, concebido especificamente para esse fim, normalmente constituído por um conjunto de duas espirais, tal e qual alguns tipos de saca-rolhas. Este tipo de instrumento é conhecido pelos nomes de saca-balas, saca-buchas ou saca-trapos.

Neste ponto, aproveitamos para relembrar outra verdade indiscutível; o sobreiro, a árvore da qual é extraída a cortiça, e que

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Mas terá sido mesmo assim? Não é a verruma, instrumento utilizado para perfurar madeira, muito anterior ao advento das armas de fogo? Quanto a nós, é muito plausível que este instrumento de carpintaria, que também tinha a sua utilidade na indústria da tanoaria (arte com mais de dois mil anos de História), esteja na génese do saca-rolhas. Também não podemos ignorar o facto de que, a garrafa de vinho mais antiga que se conhece, ser muito anterior às armas de fogo. Segundo os especialistas esta datará do ano de 325 da nossa era; foi descoberta na Alemanha, perto da cidade de Speyer, no túmulo de um legionário Romano, e guarda ainda boa parte do seu conteúdo original!

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Assim sendo, a verdade é que, ao contrário do que é normalmente afirmado, muito antes do advento da indústria vidreira Inglesa, nos séculos XVII/ XVIII, já a garrafa de vidro tinha sido utilizada para guardar vinho, devidamente rolhado, como forma de garantir a sua preservação. E, fosse qual fosse o método ou técnica empregue, certamente que a sua a abertura exigiria a utilização de algum instrumento, ou seja de um “Saca-rolhas”, no sentido mais lato do termo. Envolto em todos estes mistérios, e desconhecendo nós actualmente como seriam abertas essas primeiras garrafas, o que temos por certo é que, com o aparecimento de garrafas de vidro – material 100% reciclável e amigo do ambiente - mais “industriais” e feitas de um vidro mais resistente, com uma capacidade mais “estandardizada”, em meados do século XVIII, se começou pouco a pouco a redescobrir as vantagens de preservar o vinho em Garrafas de vidro, vedadas com rolhas de cortiça; e com elas nasceu também uma incrível perfusão de saca-rolhas!

Por Lopo de Castilho* geral@museudosacarolhas.com

Também em pleno século XVIII, no reinado de Dom João V, nasceria em Portugal uma verdadeira Industria vidreira, sendo a mesma estabelecida na Marinha Grande. Este monarca seria igualmente responsável pela assinatura o Tratado de Madrid de 1750, o qual estabeleceu as modernas fronteiras do Brasil. Nessa época floresceram as belíssimas cidades históricas de Minas Gerias, entre as quais se contam São João del-Rei, cujo nome homenageia o santo patrono deste grande soberano, bem como Mariana, em homenagem à Rainha. Mas, quem efectivamente muito contribuiu para o desenvolvimento dessa mesma indústria vidreira, nomeadamente no fabrico de garrafas de vinho, foram os britânicos. Estes, simultaneamente, também colocaram o saber das suas indústrias de fundição e cutelaria, ao dispor do fabrico e desenvolvimento de um “novo” instrumento, o saca-rolhas. Por isso não é de admirar que a primeira patente mundial de um destes instrumentos, seja britânica. Trata-se de um saca-rolhas inventado por Samuell Henshall, em 1795. Quanto à rolha de cortiça, nunca é de mais relembra-lo, ela é na realidade a melhor amiga de um bom vinho. A cortiça, tal como um Vinho, é um produto 100% natural, e por isso todos os Grandes Vinhos são devidamente guardados em garrafas de vidro, dotadas de Rolhas verdadeiras, de cortiça natural. Desvendar e dar a conhecer estes e outros pequenos mistérios e curiosidades, indissociáveis de dois grandes tesouros da Humanidade, - o Vinho e a Cortiça – é também uma das missões que o projecto Museu do Saca-Rolhas encara como suas; Esperamos ter despertado o interesse ou a curiosidade dos nossos leitores, pois fica ainda muita coisa por contar… A eles contamos regressar em próximos artigos.

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O Autor – Lopo de Castilho é licenciado em História, e desde longa data tem participado em diversas iniciativas de promoção de vinhos, bem como de defesa de produtos de Denominação de Origem Controlada; Foi director de uma cooperativa de produção de azeite e é actualmente responsável por uma pequena casa agrícola tradicional, no Douro Superior – Portugal, produzindo uvas de qualidade , para vinhos do Douro e Porto. É também o fundador e responsável pelo projecto Museu do Saca-Rolhas.


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MNAA

A CASA DOS TESOUROS DE PORTUGAL

Sala de pintura portuguesa. NUNO GONÇALVES (ativo 1450-1491) Painéis de São Vicente c. 1470 Óleo (?) e têmpera sobre madeira de carvalho
207,2 x 64,2 cm; 207 x 60 cm; 206,4 x 128 cm; 206,6 x 60,4 cm; 206,5 x 63,1 cm Proveniência: Paço de São Vicente de Fora, Lisboa, 1913 MNAA, inv. 1361-1366 Pint (Fotografia © Jorge Coimbra - Cenjor)

benigno português, dispõe o visitante de hoje de um restaurante contemporâneo, aliança estratégica cujo valor não esquecem ressaltar os guias do turismo internacional. Reserva discreta do Museu, é poiso adequado na visita — antes, depois ou em retemperadora pausa.

Diz-se do MNAA (nick-name familiar pelo qual é hoje geralmente conhecido o Museu Nacional de Arte Antiga) que é o grande museu de Portugal. O primeiro, entre os museus públicos e nacionais; o que guarda, entre as suas mais de 40 000 obras em acervo (das quais 10% disponíveis nas 80 salas que o compõem) o mais vasto número (a distância grande dos restantes), dos designados (jurídicamente) tesouros nacionais: obras que só podem ceder-se, no movimento museográfico internacional, após parecer técnico da instituição, por autorização superior e estatal. Obras cuja circulação se afere em conselho de ministros. Obras que ilustram o que de melhor se produziu ou acumulou no país ao longo de oito séculos, do XII ao XIX, entre pintura, escultura e artes decorativas, portuguesas, europeias e da Expansão. Como também é comum dizer-se, é como uma História de Portugal em Património.

Instalado o Museu, não tardou, contudo, que o Palácio Alvor fosse considerado exíguo para a missão e dimensão do espólio da nova instituição, então denominada de Museu Nacional de Belas Artes e Arqueologia. Assim, em 1911, um duplo caminho se inicia: o da sua divisão, com a separação da arqueologia e da arte contemporânea, constituídas nos respetivos museus — e nova designação, de Museu Nacional de Arte Antiga, que mantém, e vocação centrada nas coleções de belas artes entre a fundação de Portugal e os meados do século XIX que findara; e o da desejada ampliação. Desde logo, ainda em 1890, com a incorporação do convento de Santo Alberto (primeira clausura feminina da Ordem Carmelita estabelecida em Portugal, fundado em 1584 pelo vice-rei cardeal-arquiduque Alberto de Áustria), paredes-meias; mais tarde, em 1940/47, com sucessivos acréscimos, da responsabilidade de G. Rebello de Andrade.

Criado em 1884, habita há 130 anos o antigo palácio seiscentista dos condes de Alvor, à Rua das Janelas Verdes (Santos), sobrevivente ao grande sismo de 1755 e que, adquirido pelos marqueses de Pombal no 3º quartel do século XVIII, andou depois sempre arrendado, sendo morada, por mais ou menos tempo, de personalidades por seu turno mais ou menos reputadas: a última a ex-Imperatriz do Brasil, D. Amélia de Beauharnais-Leuchtenberg, que aqui faleceria, aos sessenta anos, em 1873. Tal lhe permite usufruir uma posição única, alcandorado sobre o Tejo, e, com isso, de um dos últimos jardins secretos de Lisboa, onde, entre estátuas e abóbadas verdes, filtrando o sol

O Museu cresce assim para poente, ganhando um novo corpo, sobre o Jardim 9 de Abril, que é hoje o acesso principal para quem visita a exposição permanente (e que incluiria, no percurso museográfico, a bela capela toda de ouro do antigo Convento das Albertas, na popular designação), e para nascente, em 52


prolongamento historicista do antigo palácio, acompanhando a Rua das Janelas Verdes, permitindo-lhe dotar-se, além de mais salas no piso superior, de biblioteca e auditório. É hoje especial acesso à galeria de exposições temporárias, ao restaurante e ao jardim, mas qualquer das entradas dá passo ao museu todo, ao critério de cada qual ficando por onde lhe apetece começar. Outras campanhas necessariamente ocorreriam de modernização museográfica, qualificação e, sobretudo, conquista de espaços: em 1983, criando, na ala ocidental, agora sob a direção de João de Almeida, um novo átrio e novo piso, ganhando áreas para exposições autónomas de mobiliário, ourivesaria, artes orientais e escultura; em 1994, reinstalando serviços e quase dobrando os metros disponíveis para exposições temporárias; em 2014, onde teria início um plano metódico de renovação, que, modernizando a entrada principal e outras dependências, prossegue este ano e traduz a ambição de uma nova relação contemporânea com o visitante, que, se os ventos soprarem a favor, redundará, enfim, na ambicionada ambiciosa ampliação... CRISTÓVÃO DE MORAIS (ativo c. 1539-1580), atrib. Retrato de D. Sebastião c. 1571-1574 Óleo sobre tela
 100 x 85 cm Proveniência: Doação (Conde de Penha Longa), 1909 MNAA, inv. 1165 Pint

Um novo museu, luminoso, amigável, vai nascendo em transição tranquila do museu histórico e antigo, dia a dia mais palpitante de vida, no fluir dos públicos, no trabalho quotidiano dos seus técnicos, na renovação e qualificação das suas estruturas. Aberto ao exterior por muitas vias: pela internet, pelas redes sociais, pelos suportes digitais de informação e comunicação, que permitem hoje difundir, a um tempo a qualidade das suas coleções, a progressiva contemporaneidade dos espaços e a inquestionável relevância da sua oferta programática, que, no conjunto, configuram o MNAA como o grande museu de Portugal. E é-o, decerto, muito especialmente pelo valor do seu acervo, cuja contínua revisita a oferta programática visa diretamente estimular, do mesmo passo que, como se impõe, sedimenta o papel de liderança que à instituição compete no plano da oferta cultural nacional e internacional.

(Fotografia © DGPG/ADF/José Pessoa) JHERONYMUS BOSCH (assinado no canto inferior esquerdo do painel central, Hertogenbosch, 1450/60-1516) Tentações de Santo Antão c. 1500 Óleo sobre madeira de carvalho
 131,5 x 119 cm (painel central) 131,5 x 53 cm (painéis laterais) Proveniência: Palácio das Necessidades, Lisboa, 1913 MNAA, inv. 1498 pint (Fotografia © DGPG/ADF/Luisa Oliveira)

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Sala de pintura europeia com obras de Hans Holbein, o Velho, e Jheronimus Bosch (Fotografia © MjMeneses – Cenjor)

História de Portugal em Património, a constituição das coleções segue o ritmo do processo histórico nos séculos XIX, XX e XXI que tem vindo atravessando: primeiro por efeito da extinção das congregações religiosas (origem do museu que, por determinação de D. Maria II, se estabelece em 1836 na recém criada Academia Nacional de Belas Artes, reunindo essencialmente acervos de pintura); depois com a organização, em 1882, da celebrada Exposição retrospectiva de arte ornamental portuguesa e espanhola, que despoletaria a sua criação, dois anos mais tarde; enfim com a implantação da República, em 1910 (e no quadro da sua própria reorganização e nova denominação de Museu Nacional de Arte Antiga), acolhendo novo espólio proveniente dos antigos palácios reais e, de novo, do património da Igreja (sés e paços episcopais). De então para cá, o Museu cresce pacificamente por aquisições públicas e doações e legados de particulares (não raro, vultuosos), cujos nomes agora, ano a ano atualizados, acolhem o visitante de hoje, num magma imponente que alastra pela parede no renovado átrio principal: atestando publicamente o reconhecimento da instituição e estimulando a consolidação de uma prática civilizacional.

MESTRE PORTUGUÊS DESCONHECIDO O Inferno c. 1510-1520 Óleo sobre madeira de carvalho 
119 x 217,5 cm Proveniência: Convento extinto em 1834 MNAA, inv. 432 Pint (Fotografia © DGPG/ADF/Luisa Oliveira)

AUTOR DESCONHECIDO Cruz de D. Sancho I Portugal, 1214 Ouro, safiras, granadas, pérolas e aljôfares 
65 x 34,5 cm Proveniência: Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, 1916 MNAA, inv. 540 Our (Fotografia © DGPG/ADF/José Pessoa)

Assim, por caminhos vários, foram entrando no museu muitas das obras-primas que hoje fazem a sua reputação universal: do Rafael, adquirido com a verba para esse efeito estabelecida pelo Rei-Artista D. Fernando II; aos Pereda ou Vernet, comprados pela Academia no espólio da Rainha Carlota Joaquina de Bourbon; ao Cranach, doado pelo conde de Carvalhido; ao Dürer, adquirido pelo Estado ainda no século XIX; ao Piero della Francesca, entrado no museu, pelo mesmo método, já no século XX; aos Painéis de São Vicente, ao Apostolado de Zurbarán, ou 54


à Virgem de Memling, de incorporação religiosa; ao tríptico de Bosch e a pinturas de Bermejo, Van der Goes, Mabuse, Holbein, Hooch ou Tiepolo, provenientes das coleções reais — para referir apenas o caso da pintura. De facto, é com o voltar da primeira década do século XX (e com a nova missão decorrente da formulação Museu Nacional de Arte Antiga), que o MNAA define a um tempo coleções e vocação: pintura portuguesa e europeia dos séculos XIV ao XIX (na atualidade em áreas distintas do edifício); desenho europeu e português (séculos XV a XIX) e gravura europeia e portuguesa (séculos XVII a XIX) — confinados estes, pela intrínseca fragilidade das espécies, às reservas do Gabinete de Desenhos e Gravuras, mas regularmente mobilizados no quadro do programa expositivo específico, que o Museu organiza na adjacente Sala do Mezanino; escultura, globalmente portuguesa, dos séculos XIII a XIX (mas com bolsas de relevo: do notável torso grego, do século V a. C., aos alabastros de Nothingam, às cerâmicas Della Robbia, à Danae de Rodin); ourivesaria e joalharia portuguesas (séculos XII a XIX), sector, porém, recentemente enriquecido com a incorporação de quase 400 peças de joalharia goesa dos séculos XVIII a XX; ourivesaria francesa (a coleção, verdadeiramente única, de serviço de mesa e quarto da antiga Casa Real); cerâmica, com destaque para a nacional (séculos XVII e XVIII) e a porcelana da China (séculos XVI a XIX); mobiliário português (séculos XV a XIX) e europeu (com relevo na a produção francesa do século XVIII); têxteis, nacionais, europeus e orientais (séculos XIV a XIX), incluindo paramentaria, tapeçaria, tapetes e bordados; vidros portugueses e europeus (séculos XVI a XIX); artes da Expansão, de África à Índia, da China ao Japão.

KANO DOMI, atrib. Biombo Namban Japão, períodos Momoyama (1568-1603)/Edo (1603-1868), c. 15931600 Engradado de madeira revestido de papel, folha de ouro, pintura policroma a têmpera, seda, laca, cobre dourado 172,8 x 380,8 x 2 cm Proveniência: Compra (mercado de arte, Japão), 1952 MNAA, inv. 1638 Mov (Fotografia © DGPG/ADF/Francisco Matias) MESTRE JOÃO Relicário Portugal, c. 1510 Ouro, esmaltes, pérolas, diamante, cristais de rocha e cabuchões de esmeraldas e rubis 35 x 15,5 x 12 cm Proveniência: Mosteiro da Madre de Deus, Lisboa, 1883 MNAA, inv. 106 Our (Fotografia © DGPG/ADF/José Pessoa)

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Um mundo, que compreende ainda sectores outros, de menor expressão, mas não menor significado artístico: dos bronzes e vidros italianos do Renascimento (incluindo as extraordinárias porcelanas Medicis) aos contadores flamengos, de tartaruga, pedras duras e madeiras raras. Ou à Sala Patiño, assim chamada, com a sua boiserie dourada e branca, proveniente do Palácio Paar de Viena (o americano MET exibe outra, de menores dimensões) e mobiliário proveniente de Versalhes, doação generosa do diplomata boliviano e milionário Atenor Patiño, em 1969, cujo ambiente sumptuoso e rococó o visitante encontra nas imediações (como não poderia deixar de ser), das salas dedicadas às artes decorativas francesas desse período — na mesma ala do palácio onde se alongam as salas da pintura europeia.

GIL VICENTE, atrib. Custódia de Belém Portugal, 1506 Ouro e esmaltes policromos 
73 x 32 x 26 cm

AUTOR DESCONHECIDO Saleiro África, Benim, primeiro quartel do século XVI Marfim
 19 x 9,8 cm Proveniência: Compra (Leiria & Nascimento), 1951 MNAA, inv. 750 Esc (Fotografia © DGPG/ ADF/Luisa Oliveira)

Sala de pintura e escultura portuguesas. Fonte Bicéfala e pintura de Francisco Henriques (Fotografia © MjMeneses – Cenjor)

Como não poderia deixar de ser, porém, será esta o termo do percurso — antes, talvez, de baixar à grande temporária e ao jardim, demandando, lá ao fundo, a sala onde se albergam As Tentações de Santo Antão, de Hieronimus Bosch, uma das jóias de maior quilate entre as que se guardam no Museu. Antes, o visitante é recebido (se entrando pelo acesso principal) pela arte portuguesa e da Expansão, disposta nos três pisos da ala nova de Rebello de Andrade. Aí se apercebe de que as coleções que o Museu lhe oferece, engrandecidas embora, de continuo, por generosas doações e importantes compras, são, antes de mais, herança da História: por isso que ilustram, no seu conjunto, essa mesma História, de mais de oito séculos, que, com a aventura marítima, se globalizaria. Assim, mesmo que ilustrando, em patamar de objetiva excelência, o que de melhor se produziu ou acumulou em Portugal nos domínios acima enunciados, entre a Idade Média e os alvores da Contemporaneidade, o MNAA é, em amplíssimo sentido, um museu do mundo e para o mundo: multicultural como o próprio país. Primeiro museu nacional é, ainda, enfim, por natureza, parceiro incontornável na atividade museológica internacional, pertencendo-lhe, por inerência, a dignidade de museu normal: o que define a norma, as boas práticas, em acordo, uma vez mais, com os padrões internacionais, seja em matéria de conservação e de museografia, seja no âmbito do seu serviço de educação, pioneiro no País. Hoje enfrenta os novos desafios do mundo contemporâneo: nas suas exigências de abertura e fruição cultural, no âmbito da nova sociedade da informação e da circulação. Por isso também a pressão crescente do turismo, que busca de modo cada vez mais intenso a sua dimensão de História de Portugal em Património. Apesar disso, a sua escala moderada (diz-se na Europa que é o mais pequeno dos grandes museus), e talvez mesmo a sua estrutura física, feita de adições, estirada frente ao Tejo, permitem-lhe ainda, em boa parte, proteger-se da pressão agitada e predatória do turismo de massas, que em outros pontos de Lisboa preferencialmente se concentra — ou, pelo menos, diluí-la. Preservando, com os tesouros que o habitam, a ilusão de constituir ainda um jardim secreto (o último), que se frui e se desvenda. Por António Filipe Pimentel Diretor do Museu Nacional de Arte Antiga - Lisboa

Sala de pintura europeia com obras de Zurbarán (Fotografia © Ricardo Dias - Cenjor)

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Museu Pomerano

O Centro Cultural de Pomerode está instalado em uma parte do antigo complexo da Weege Indústria Alimentícia Ltda. Esse imóvel abrigou por quase um século a sede da indústria em torno da qual se desenvolveu Pomerode. O Centro Cultural tem como proposta servir como área física de fruição cultural e de lazer – cujo espaço permita ampliar o conceito de cultura ultrapassando a ênfase nas artes consolidadas e definindo-a como fenômeno social e humano com múltiplos sentidos.

No espaço físico das dependências da antiga Fábrica de Laticínios de Hermann Weege foi inaugurado em 04 de julho de 2008 o Museu Pomerano e esse foi o primeiro espaço do Centro Cultural a ser aberto ao público. É importante relatar em breves palavras a formação do acervo do Museu Pomerano. A coleta e a salvaguarda de objetos deram-se em virtude da disponibilidade do pomerodense Egon Tiedt, um colecionador particular, em reunir ao longo de 35 anos, em sua propriedade particular, as peças desse acervo. Organizou em uma casa enxaimel e em mais duas dependências os objetos colecionados e em 25 de novembro de 1982 abriu o espaço à visitação sob a denominação de Pommersches Museum. Não tardou para adotar o nome de Museu Pomerano, pois nem todos conseguiam pronunciar corretamente o nome em alemão. Com o auxílio do Governo Municipal a partir de 2002, esse acervo recebeu um tratamento museológico para garantir a sua permanência em Pomerode. A transferência do acervo da casa do colecionador particular para a sede no centro da cidade foi realizada em 2007 e em 2008 o espaço museal foi aberto ao público como uma iniciativa governamental mantendo o nome de Museu Pomerano como uma homenagem pelo empenho do colecionador, falecido em fevereiro de 2008, em resguardar objetos significativos para a história e a cultura do município e da região. A base da formação do Museu Pomerano foi a coleção de objetos escolhidos para preservar o passado para o presente e o futuro. O conjunto desses objetos compôs um acervo eclético que permite “[...] compor novos conjuntos, estabelecer novas interações entre os objetos, articulando-os na esfera cognitiva. [...]” (LOUREIRO apud JULIÃO, 2006, p.99) O que o Sr. Egon recolheu não era uma mera coleção de objetos, mas um conjunto de artefatos que podem ser reorganizados entre si, e que propõe novas interações entre o bem cultural e o ser humano.

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Dessa forma, procura-se inserir o espaço do Museu Pomerano como um espaço museal vivo no qual o visitante, quer ele seja pomerodense ou de outra cidade, possa ter a oportunidade de refletir sobre o seu atual tempo de existência e os tempos de outrora quando se conhece o acervo exposto. O público visitante vem crescendo paulatinamente, ano após ano. De 2008 a 2014, a visitação alcançou a marca de 63 mil pessoas. É desejo de fortalecer o Museu Pomerano como parceiro da comunidade, sempre em construção, aberto a novas experiências de convivências e de compreensão da realidade social, cultural, política e econômica da sociedade.

REFERÊNCIA: JULIÃO, Letícia. Pesquisa histórica no museu. IN: CADERNO de Diretrizes Museológicas. Brasília: Ministério da Cultura/ Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/ Departamento de Museus e Centros Culturais, Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Cultura/ Superintendência de Museus, 2006. 2ª. ed. Serviço: Museu Pomerano. Rua Hermann Weege, 111 - Centro 89.107 – 000 - Pomerode - SC (47) 3387 – 0408 museupomerano@pomerode.sc.gov.br Por Roseli Zimmer

A imagem de museu tradicional associada à simples exibição e contemplação de objetos está se esvaindo, pois o conjunto de objetos traz, em sua materialidade, a memória social daqueles que os criaram, usaram, trocaram ou descartaram. Desta forma, o museu é um espaço de possibilidades para conhecer diferentes realidades e relações sociais. Nesse sentido, é um desafio propor o museu como uma instituição-chave para ser um espaço público de interlocução, encontro e diálogo com o outro. O espaço do Museu Pomerano é preparado para evidenciar o acervo em determinadas épocas do ano, a destacar: a Festa Pomerana, a Páscoa, a Semana Nacional de Museus, a Primavera dos Museus e o Natal. Também serve de palco para exposições fotográficas e de concursos de desenhos. O acervo inspira a produção de estudos nas áreas de conhecimento da História e da Museologia, pois tem como matéria-prima a memória, a história, os costumes e as tradições culturais de Pomerode.

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elisa

gessner

Quando a inspiração falha na sede da Valeu e a procuramos nas cordas dum violão e nas cores dos fins de tarde timboense, é habitual termos Elisa Gessner como companhia. Do outro lado da rua, recostada no cadeirão da sua varanda envolta de verde, Elisa acena simpaticamente para nós como que agradecendo uma presença que se tornou rotineira.

Outra pausa, desta feita imposta pela necessidade de assumir a direção do negócio da família, na Michel Materiais de Construção. Nessa época, não tinha tempo para dedicar-se à arte. A exigência do trabalho e um dia-a-dia dominado por balanços e notas fiscais retiraram a vontade de fazer o que mais gostava. Mas a sua obsessão pelas telas não desapareceu e, anos mais tarde quando, já aposentada, foi convidada por Bernardete Peterman para voltar a fazer aulas de pintura, não parou mais.

Foi assim, de vizinho para vizinho, que agendamos a entrevista com a artista plástica de Timbó. - Pode ser hoje? E foi.

Apesar do estímulo cultural, ninguém da família pintara antes. “Meus pais fundaram a Sociedade Cultural, faziam parte de uma companhia de teatro da mesma. “Lembro que minha mãe fez uma peça em que virava pedra. Eu chorei tanto! Ela fez tão bem...” Recorda emocionada. “Na época, quando era criança, os clubes de corais sempre tinham teatro.” “Quando era solteira sempre íamos ao teatro do Seu Lázaro... Eu não perdia uma peça... íamos numa turma, Meca, eu, nós batíamos cartão!” Afirma, acentuando uma saudade por um tempo em que a cultura representava algo de naturalmente importante na cidade. Quando a tecnologia não tomava tanto o tempo das pessoas, num tempo em que não existia nem jornal, o único que chegava à cidade vinha da Alemanha.

A sala onde somos recebidos é uma espécie de repositório de sua obra e das diversas fases por onde passou a sua caminhada artística. Enquanto nos serve uma água gelada, Elisa recua no tempo para buscar na paixão da sua família pelas artes, o mote para a artista em que se tornou. “Comecei a mexer com tinta com nove para dez anos. Meu tio pintava bicicletas e eu usava essa tinta para pintar casquinhas. Colocava na água e mergulhava a casquinha. Ficava um desenho abstrato.” A arte era estimulada de outra forma, pois seus pais queriam que tocasse piano. “Mas era um martírio, eu não tenho ouvido musical!” – Confessa.

A opção pela pintura não foi muito bem aceite familiarmente. Reafirma a preferência que os pais tinham pelo piano. Queriam que seguisse os passos da minha irmã. “Ela tocava bem, mas eu não tinha ouvido nenhum.” Exclama entre risos. Mais tarde, quando começou a pintar tela, a mãe incentivava-a a pintar porcelana, que era bem mais rentável, explica como que querendo realçar a resistência familiar à sua opção.

Seu dom para a pintura falou mais alto desde cedo. Enquanto seus pais queriam que frequentasse aulas de piano, ela queria frequentar aulas de pintura. E conseguiu, com 13 anos. “Quem lecionava era a irmã da Cornélia, a Laura Germer.” “Na época tive aulas, mas depois fiquei anos sem pintar. Casei, tive filhos...” Como se a condição de mulher e mãe tivesse impedido o cumprimento do desígnio de ser artista.

Elisa foi sempre assim, curiosa com novas experiências artísticas. Talvez, por isso, tenha experimentado diversos estilos. “Pinto por fases. Ali, está a fase das flores” – apontando para um quadro que domina a parede à sua esquerda. “Depois veio a das células. A gente mais nova gostou bastante desta fase.” Por cima do sofá onde se encontra sentada, um quadro representativo desta sua interpretação das células do corpo humano. “No canto, estão a ver? São as quatro estações. Faltam duas que devo ter arrumadas algures. Ali estão o Inverno e o Outono. Ao lado, estão dois quadros representativos da fase Mama África.”

Nos anos 80, recomeçou as aulas, dessa vez, pintura de porcelana, com D. Cornélia. “Fiquei anos pintando porcelana. Depois, Dirce Berndt me levou para a aula de pintura em Blumenau.” Começou, então, a pintar telas.

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Também passou por uma fase bem moderna, há 9 anos, após o falecimento da sua mãe, como que para exorcizar em pinceladas rápidas, mas sentidas o seu sentimento de perda. Talvez por isso, de tão intensa, a sua pintura em lona, Os Gatos Brasileiros, valeu-lhe uma nomeação numa bienal em Blumenau. Elisa pinta por fases, mas gosta de pintar livremente, com espontaneidade... embora aceite, não gosta muito de encomendas... Curiosamente, aceitou uma recentemente. Uma Frida Kahlo. “Vai ser a minha interpretação. Não sei fazer o rosto certinho, sei fazer caricaturas.” Ao canto da sala, a imagem da genial artista mexicana na tela do computador é a prova da investigação que Elisa iniciou para mais esta fase da sua vida artística. Para Elisa as inspirações vêm de repente. Aí começa a desenvolver o que pretende passar para a tela. Curiosamente, raramente pinta em casa. Gosta de se reunir com outros pintores em oficinas em Indaial, na Elke Littig da Soprarte Atelier, sua professora há 12 anos. “É uma espécie de terapia. Fazemos um lanche, pintamos, conversamos. Se alguém tem problemas, ajudamos.”

va de Florianópolis. “Hoje caiu muito, não há muito incentivo...” Reconhece entristecida. Inclusive, afirma que perderam o espaço que tinham para expor suas obras no Museu do Imigrante. Não querendo entrar em questões políticas, Elisa não hesita em assumir a sua desilusão com o caminho cultural seguido pelas últimas administrações. “Antes, Timbó era de um dinamismo cultural impressionante.” Nota-se na voz de Elisa uma inflexão de tristeza pelo fato de não existirem pólos culturais na região.

Se, no passado, Elisa não recorda nenhum artista plástico na família, é com orgulho que anuncia “Os meus filhos saíram artistas. O Pablo pinta telas e o Rocca faz arte nos cabelos e também faz teatro no Carlos Gomes.” Um regresso aos palcos, que, com certeza, teria alegrado os avós. Questionada sobre seu artista preferido, não hesita e responde prontamente: “Van Gogh! Até visitei o museu dele quando fui à Holanda.” Essa paixão pelo pintor impressionista pode ser notada em alguns de seus quadros.

“Não há teatro, cinema, nem espaços para exposições para nós, artistas, expormos os nossos trabalhos. Por exemplo, existe uma escola reformada na Rua Pomeranos, patrimônio histórico, que está vazia. Seria um espaço muito interessante para os artistas exporem as obras, mas com o tempo está novamente degradando. Uma pena... Hoje espaço para exposições apenas na Casa do Poeta, uma vez por ano.”

Por esta altura, levantamo-nos e somos convidados a olhar muitas das obras que realizou ao longo dos últimos anos. As salas e corredores são repositórios das várias fases artísticas que experimentou. Pequenos quadros com Igrejas que serviram para aprender a perspectiva; representações de varandas e janelas; flores, que nunca expôs e que, segundo ela, são os mais procurados; um quadro inspirado em músicas dos saudosos “Mamonas Assassinas”, entre muitos outros, numa mescla de cores, formas e estilos.

Porém, não hesita em afirmar que os artistas também são muito acomodados, muito em consequência de pertencerem, na sua maioria, à época de ouro cultural de Timbó e os mais recentes terem de trabalhar em outras áreas para sobreviverem. “Aqui, poucos artistas conseguem viver da arte. Alguns conseguiram como o Egenolf Theilacker e a D. Cornélia, mas é quase impossível.” “Os timboenses também não se interessam muito pela arte. Não há esse hábito de comprar obras de arte, de ter obras de arte em casa. E também, muitas vezes, acham caro o valor da obra. É uma questão cultural. Os mais jovens querem poder mudar os quadros quando mudam os sofás e não existem, ou existem muito poucos colecionadores.”

Elisa já expôs muitos deles em diversas mostras coletivas em Timbó, Indaial, na Furb em Blumenau, na Assembleia Legislati-

Apesar de este desinteresse cultural entristecer a nossa anfitriã, não a desanima. Vai continuar a pintar, porque é isso que mais ama fazer. Para Elisa Gessner, pintar é uma paixão e uma terapia. Quando sairmos, sentar-se-á junto à janela, para investigar no computador imagens de Frida que lhe sirvam de inspiração para a fase que agora inicia. O Sol já tombou atrás do morro quando saímos de casa de Elisa. Deixamo-la entusiasmada com o seu novo projeto, na certeza de que talvez nos encontremos dentro em breve, de terraço para varanda, quando procurarmos nas cordas do violão, a inspiração de que necessitamos para passar para o papel a entrevista que acabamos de lhe fazer. Até já, Elisa. Por Clara Weiss Roncalio e João Moreira 61


Balé clássico

Hoje em dia, num mundo globalizado, é muito mais fácil ter acesso a um espetáculo de balé clássico, seja pela internet ou raramente pela TV. Na minha adolescência, era um pouco diferente, mas tive a oportunidade de assistir dois dos maiores ícones da dança clássica; Nureyev. Uma amiga me convidou, e fomos ao ginásio do Ibirapuera, na verdade, a distância do palco era grande, e os vimos bem pequeninos, mas saí de lá encantada, decidida a estudar tão difícil arte. E foram muitos anos de estudo e aperfeiçoamento. Muitos cursos de balé com inúmeros professores e cursos para professores.

A origem: O balé clássico surgiu nas cortes italianas, no início do século 16, embora não se saiba ao certo de onde veio a inspiração para os seus primeiros passos e coreografias. Foi o termo italiano balletto (“dancinha”, “bailinho”) que deu origem à palavra francesa ballet. Na época, tratava-se de uma diversão muito apreciada pela nobreza local. A dança só se desenvolveu realmente quando chegou entre os franceses, que espalharam seu sotaque em tudo o que envolve essa arte. Mas o balé só atingiria seu apogeu no século seguinte, na corte do rei Luís XIV. Grande entusiasta da dança, Luís XIV também era bailarino, tanto que recebeu o apelido de Rei Sol por causa da sua participação no espetáculo Ballet de La Nuit, no qual vestia uma fantasia muito brilhante, lembrando o grande astro. Em 1661, Luís XIV fundou a Accademie Royale. Daqueles dias até hoje, aconteceram algumas mudanças importantes no balé. Os trajes foram evoluindo, de maneira a permitir melhor movimentação da bailarina e foram tirados os saltos dos sapatos. E a bailarina Marie Taglione ,foi a primeira a usar sapatilhas de ponta, no século 19. Existe, entre algumas pessoas, a ideia de que é preciso modernizar o balé clássico, e isso não faz sentido nenhum. Seria o mesmo que atualizar as músicas clássicas (eruditas) que chegam até nós, e ainda nos encantam e encantarão, e são a base de todo ensino musical. Claro que existem adaptações muito interessantes, mas dizer que os clássicos não tem mais valor hoje em dia é, convenhamos, ter uma visão muito superficial da arte .

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Quando penso em todas as apresentações de dança que assisti, até o presente momento, percebo que tão poucas crianças têm essa oportunidade. Mas, hoje em dia, temos a internet , temos aulas de balé clássico e temos apresentações de boa qualidade. E é muito bom saber que o balé está sendo muito valorizado nas salas de aula, nos últimos anos. Cada vez mais pessoas, estão interessadas em ingressar nesta difícil modalidade artística. Sim ...balé clássico é arte! E o nosso instrumento é o corpo. E qual seria a importância do balé clássico para a formação de um dançarino(bailarino)? Depende de quais são suas intenções... Se pretender seguir carreira profissional como bailarina(o), seja qual for o estilo de dança, é desejável que se estude balé clássico por alguns anos. Não há nenhuma companhia contemporânea, no mundo, em que os bailarinos não sejam treinados em clássico. 100% faz aula de BALLET todos os dias (inclusive Pina Bausch). Balé clássico é o mais perfeito exercício de condicionamento físico, ideal para corrigir a postura, problemas de pés para dentro ou caídos, problemas respiratórios, encurtamento muscular, etc. Além de promover hábitos sociais benéficos, socializacão, autoestima e disciplina. Alegro-me muito em perceber uma procura cada vez maior ao balé clássico por adultos. Destes, a maioria já havia feito balé e precisou parar por um motivo ou outro. Algumas retomam o estudo, por considerá-lo uma atividade artística prazerosa, de grande beleza estética, e também pelos benefícios à saúde do corpo e da mente. Nas minhas aulas, para todas as idades de 4 até, acima de 13, 20, 30 anos, procuro mostrar, além da disciplina e da técnica, o “ser feliz” dançando, valorizo a importância da dedicação e do amor, na prática de arte tão especial. Vim de São Paulo, capital, para Timbó há 13 anos e procuro passar um pouco do que sei para minhas alunas daqui, onde recebo muito carinho e encontrei alguns talentos. O balé clássico é uma atividade completa. Trabalha a força e resistência corporal ao mesmo tempo, desenvolve a delicadeza dos movimentos , equilíbrio, concentração, raciocínio e noção de espaço. É benéfico em todas as idades, seja criança ou adulto (mesmo iniciantes). Por Eliane Kinder

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Os Schützenverein (Sociedade de Atiradores) eram antigas corporações de atiradores surgidas na Idade Média, cumpriam a função de autodefesa das cidades autônomas nas regiões de cultura germânica no período Medieval. Posteriormente, com a formalização de milícias estatais e com a formação dos estados nacionais na Europa, os Schützenverein deixaram sua antiga função militar e tornaram-se folguedos (divertimento/brincadeiras). Desde então, passaram a integrar festas que escolhiam os melhores atiradores. Ainda hoje, essa tradição é mantida em algumas regiões do território alemão com algumas adaptações, e, com bases mais esportivas.

Os Schützenverein

No século XIX, o Brasil passou a ser alvo da imigração europeia de Norte a Sul do país. No Sul do Brasil, mais especificamente na antiga província de Santa Catarina, a tradição dos Schützenfest foi trazida para o Vale do Itajaí juntamente com a vinda dos imigrantes alemães, que ocuparam as terras da Colônia Blumenau que atualmente engloba os municípios de Blumenau, Gaspar, Timbó, Indaial, Bendito Novo, e outras.

Entre Príncipes, Cavaleiros e Cavalheiros: o habitus duelista dos Schützenfest no Vale do Itajaí O desfile de busca do rei representa toda a cerimonia e a pompa que homenageia um rei fazendo referencia ao antigo passado aristocrático. Cartão Postal Alemão do inicio do século XX.

Em solo brasileiro com o passar dos anos essa tradição sofreu grandes transformações, foram incorporadas novas modalidades e novos rituais. No Brasil, esse processo de transformação foi ainda mais peculiar devido às diversas transições e descontinuidades políticas ocorridas no país (ditaduras e regimes autoritários) que muitas vezes suprimiram parte de seu antigo ritual, considerado pelas autoridades brasileiras como perigoso ou contrário à nacionalidade. Tais intervenções, bem como, a nova vida em nas terras brasileiras fez com que a antiga tradição germânica ganhasse características peculiares à realidade local do Vale do Itajaí, entretanto, sempre com vistas às suas raízes culturais, baseada na herança de um suposto passado aristocrático, militar e glorioso. Herança esta que a própria tradição tenta forjar a partir de seus rituais.

vontade ao menos forte, menos competente no manejo de armas, e a arrebatar as mais altas honrarias, conforme aponta Norbert Elias em seu livro. Essa faceta cultural guerreira, militar que revivia a antiga vida aristocrática alemã contribuiu para a manutenção das festas do Schützenfest, que escolhia o mais hábil atirador. A festa representava o duelo entre homens que buscavam através da disputa do tiro tornar-se o “Grande Rei” e assim alcançar as mais altas honrarias e status social alimentando o antigo passado aristocrático, guerreiro e considerado glorioso.

Para dar conta de uma breve análise do uso dessa tradição em solo brasileiro, bem como, pela reinvenção de parte de seu ritual, desejo, neste trabalho, analisar os Schütezenfest (Festa dos Atiradores) pela perspectiva conceitual do habitus alemão proposta pelo sociólogo alemão Norbert Elias, que dedicou especial atenção à temática da nação alemã. Um dos trabalhos de Elias sobre o tema é o livro intitulado: “Studien über die Deutschen. Machtkämpfe und Habitusentwicklung im 19. und 20. Jahrhundert” que na tradução brasileira ficou conhecida como “Os Alemães. A luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX”.

Portanto, as festas, que foram passando de geração em geração e espalhadas em diversas partes do mundo onde houve colonização germânica, alimentavam a ideia da nobreza, representada na figura do Rei (König), do príncipe (Prinz) ou cavaleiros (Ritter), todos esses símbolos da antiga nobreza medieval. No Vale do Itajaí a tradição do Schützenfest manteve os velhos símbolos da aristocracia alemã, mas ao longo dos anos houve consideráveis adaptações em seus rituais básicos não só no duelo, bem como, uma ressignificação na utilização das nomenclaturas dos títulos honoríficos atribuídos aos melhores atiradores da tradicional festa, o Schützenfest. Esse processo de ressignificação das nomenclaturas pode ser percebido pela falta de unanimidade entre os clubes e sociedades na utilização dos termos 1º e 2º cavaleiro ou então 1º e 2º cavalheiro, sendo estes utilizados para designar os atiradores que ficaram na segunda e terceira colocação do duelo de tiro. Entretanto, apesar da falta de unanimidade quanto à nomenclatura e à utilização de um novo termo em solo brasileiro denominado cavalheiros, ainda assim, os títulos e os rituais continuam sustentando a ideia dos velhos símbolos da nobreza aristocrática alemã tão cultuadas no século XVIII e século XIX.

Neste trabalho, Elias aponta que desde a formação do estado medieval alemão (Sacro Império Romano-Germânico) até a sua efetivação enquanto Estado Nacional em 1871, a Alemanha alimentou um habitus duelista. Esse habitus (“Segunda Natureza ou Saber Social Incorporado)” ligado ao “duelo” na Alemanha desenvolveu-se desde muito cedo, e foi ainda mais evidenciado durante o processo de unificação do Estado. Portanto, o século XIX na Alemanha foi marcado pela adoção de modelos Aristocráticos pela Classe Média, e o duelo tornou-se uma instituição presente e muito difundida mesmo entre estudantes. Essa cultura duelista aristocrática, já superada por diversos estados europeus, ainda era o principal expoente da cultura alemã entre estudantes e militares no século XIX na Alemanha. Portanto, os alemães ainda preservavam um ideal cultural “na forma do duelo, habilitando o homem que era fisicamente mais forte ou mais capaz no uso dos meios de violência a impor sua

A partir de um olhar um pouco mais detido acerca de alguns documentos, medalhas, bem como, em algumas bibliografias de história regional do Vale do Itajaí percebe-se em última análise que, existe apenas unanimidade quanto à titulação do Rei (König) como o mais alto título para o melhor atirador. En-

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tretanto, o mesmo não acontece para a titulação dos sucessores do rei em que aparecem três nomenclaturas diferentes durante os anos, sendo elas: I e II Príncipes (sucessor de um Rei); I e II Cavaleiros (nobre soldado medieval); e por último I e II Cavalheiros (homem da nobreza ou pertencente a uma corte). Em 1933, o Blumenauer Volkskalender ao retratar a festividades do Königschiessen (rei do tiro) descrevia a conversa de dois associados: “Ich habe so’n Palpito, als ob morgen König werde, sag einer./Ich bin auch Prinzenmedaille zufrieden, sagt ein anderer”*. Portanto, para este relato de 1933, o autor do texto honorifica o melhor atirador como rei, e o segundo colocado como “príncipe”, visto que, o termo alemão Prinzenmedaille significa “medalha de príncipe” conforme tradução livre do autor. O príncipe é naturalmente o sucessor do Rei e, tão logo, pertencente à nobreza. Entretanto, a utilização do termo príncipe foge à regra para o caso das competições masculinas que habitualmente utilizam os termos cavaleiro ou cavalheiro no Vale do Itajaí. A utilização do termo cavaleiro, já muito desgastada nos Clubes e Sociedades de Tiro, remonta a um dos títulos mais almejados por qualquer soldado que servia seu rei durante a idade média. A sociedade medieval era organizada pelo estamento, ou seja, as pessoas dificilmente poderiam ascender de sua classe social. Tão logo, um camponês dificilmente poderia tornar-se nobre, as únicas formas de chegarem mais perto da nobreza, seriam a vida eclesiástica, ou então, ser nomeado como cavaleiro por sua bravura durante as batalhas. Portanto, cavaleiro estaria na escala social logo abaixo do rei e de sua família, o que explica a representação deste título honorífico no Schützenfest. Evidências da utilização deste termo no Vale do Itajaí foram encontradas em diversos documentos, no caso específico de Timbó, foi encontrado uma medalha com a inscrição “I Ritter - Gemütlichkeit-Benedito Central 1934”. A utilização deste termo I Ritter demonstra que aqui a tradição também utilizou o termo “cavaleiro – Ritter”, que é um típico exemplo da dinamicidade cultural que transpôs uma tradição do país de origem reproduzindo um elemento cultural inexistente no Brasil, visto que, com exceção da figura do Rei conhecida no Brasil, a figura do cavaleiro medieval não existiu por aqui. Quando deu-se a ocupação do território brasileiro, logo após 1500 os cavaleiros já eram uma instituição falida, não mais atuantes em suas funções militares, restando apenas os velhos títulos, ou mesmo a lembrança de uma antiga nobreza europeia. E, por fim, a utilização do termo “Cavalheiro” que foi incorporada mais recentemente por alguns clubes e sociedades, e muito utilizada sem cuidado na historiografia que trata sobre o tema. Na historiografia do Vale do Itajaí historiadores como Cristina Ferreira, Daniel Koepsel e Sueli Maria Vazuita Petry, esta última estudiosa sobre a temática dos caça e tiro, habitualmente utilizaram em seus escritos o termo cavalheiro. A utilização deste termo já é costumeira em muitos clubes e sociedades de atiradores, apesar de ser mais recente, também pode ser remetida a ideia de nobreza aristocrática, visto que, toda corte é composta por seus cavalheiros, ou seja, seus membros nobres que servem um rei.

por outro lado, é possível conjecturar que no caso dos clubes e sociedades de atiradores a palavra cavalheiro tenha sido introduzida como sinônimo de cavaleiro. Emil Willems, um sociólogo alemão radicado no Brasil, dedicou-se a explicar o processo de aculturação dos alemães no Brasil. Ele constatou que desde os primeiros dias em solo brasileiros os alemães passaram por um processo de simbiose com grupos de diferentes culturas. “Geralmente, a aquisição de novos elementos oriundos das culturas circunvizinhas era acompanhada da adoção dos termos correspondentes”, conforme aponta Willems. Portanto, é possível considerar que a aquisição da palavra cavalheiro tenha sido adotada como sinônimo de cavaleiro, como resultado dos contatos linguísticos ainda que poucos frequentes. Portanto, percebe-se que a utilização das três nomenclaturas deuse em diferentes tempos históricos, bem como, em diferentes regiões. Em última análise, esse tipo de diferenciação é resultado de um dinâmico processo de aculturação da tradição, bem como, da língua. Entretanto, o termo mais utilizado entre os antigos imigrantes alemães era o de Cavaleiro, que na tradução do idioma alemão provém da palavra Ritter, a antiga tradição medieval, de onde também surgem os folguedos do tiro. Porém, em se tratando de tradições, é preciso considerar que mesmo as mais antigas sofrem um processo de construção e reconstrução de seus antigos moldes, o que nada desqualifica os termos príncipes (prinz) e cavalheiro, visto que, todos possuem um traço comum fazendo referência ao passado aristocrático e duelista praticado ainda na Alemanha do século XIX em uma disputa em que homens buscavam as mais altas honrarias nas competições do Schützenfest através do manejo das armas.

Uma análise etimológica da palavra remete ao termo latino caballārius, que relaciona-se com palafreneiro ou escudeiro. No primeiro caso, o palafreneiro é aquele que chefiava os cavalariços reais, bem como o escudeiro que era o mais baixo título de nobreza a serviço de um cavaleiro ou defensor um nobre. Na derivação da palavra latina para o espanhol fica denominada caballeiro, traduzida para o português fica cavalheiro. Portanto, percebe-se que, com o passar dos anos, até mesmo o termo latino passa a confundir-se como sinônimo de cavaleiro. O termo cavalheiro no idioma alemão é traduzido por Herr, Herrn ou mesmo uma derivação do idioma inglês gentleman, Por Daniel Fabricio Koepsel e não utilizada junto à documentação do Vale do Itajaí, mas, 65

A Medalha de prata é o símbolo que demonstra a importância de ostentar o título de Rei ou de Cavaleiro. Medalha suíça.


AS CIÊNCIAS DA TERRA NA IDADE MÉDIA

CRONOLOGICAMENTE situada entre, aproximadamente, os séculos V e XV, a Idade Média foi um tempo de alastramento do cristianismo e da vida cultural na Europa ocidental, sobretudo através do surgimento de mosteiros da Ordem Beneditina. Seguidores de São Bento de Núrcia (480-547) os monges desta comunidade cristã, iniciadores do movimento monacal, foram os herdeiros da cultura latina e os depositários do essencial do saber do mundo antigo, com destaque para Santo Isidoro de Sevilha (560-636), considerado o primeiro dos grandes enciclopedistas medievais, que nos deixou Etymologiae sive origines, obra monumental em 20 volumes, na qual estão registados os conhecimentos da época sobre matemática, astronomia, medicina, anatomia humana, zoologia, geografia, meteorologia, geologia, mineralogia, botânica e agricultura. Este grande erudito, que foi arcebispo de Sevilha, canonizado em 1598 e proclamado Doutor da Igreja em 1722, não observou nem experimentou, não descobriu nada de novo nem reinterpretou ideias antigas, pelo que não inovou. Limitou-se a compilar o saber disponível na época, o que não deixa de ter a maior importância na história do saber científico.

Durante este período, o estudo e o ensino transitaram dos mosteiros e conventos para as chamadas escolas catedrais, criadas por toda a Europa, centros de sabedoria que, por seu turno, foram substituídos por universidades [1] nas cidades mais importantes, privilegiando o ensino de disciplinas como teologia, gramática, retórica, dialéctica (lógica), aritmética, geometria, astronomia, direito, medicina e música. A filosofia natural, herança da Grécia antiga, não era ainda uma disciplina autónoma. Era dentro da medicina que se falava de plantas e de algumas pedras (minerais e outras fantasias) com realce nas suas virtudes terapêuticas e mágicas.

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Com a queda do Império Romano do Ocidente, na segunda metade do século V, parte importante do conhecimento produzido e ensinado na Antiguidade sobreviveu graças à recuperação das obras clássicas feitas, sobretudo, por tradutores árabes e judeus. A par da filosofia grega assim recuperada e da alquimia herdada das culturas chinesas, babilónicas e egípcias, foi o tempo da escolástica (do grego scolastikós, instruído), o método de pensamento dominante no ensino nas universidades medievais europeias. Entendida como um via de harmonização da razão com a fé, esta disciplina procurou conduzir a filosofia no interesse da teologia ou, numa outra versão, conciliar o pensamento de Aristóteles com a doutrina da Igreja. As obras escritas, então publicadas, revelam a redescoberta do fundador do Liceu de Atenas e da sua ênfase no racionalismo e no empirismo, numa corrente do pensamento que conduziu à introdução da lógica nas ideias e no discurso teológico, constituindo uma via interessada em abordar, conjuntamente, a razão e a verdade da fé. Ao longo do século X, os membros de uma fraternidade de filósofos ismaelitas, conhecida por “Ikhwan al-Safa”, expressão árabe traduzível por “Irmãos da Pureza”, que se pensa terem vivido em Bassorá, no Iraque, escreveram colectivamente, uma enciclopédia com mais de 50 volumes (Rasa’il Ikhwan al-safa’) inspirada nas filosofias pitagóricas, platónicas, aristotélicas e na do próprio Corão. O principal objectivo destes “Irmãos” era o conhecimento do Universo, na sua grande harmonia e beleza, apontando a necessidade de uma preocupação que fosse para além da existência material. Nesta enciclopédia descreveram, como grande modernidade, conceitos fundamentais da geodinâmica externa, hoje por demais evidentes, mas inovadores para a época.


Diz-se aí que “a erosão destrói perpetuamente as montanhas e que o escorrer das águas pluviais arrasta rochedos, pedras e areia para o leito das torrentes e rios”; diz-se ainda que, “por seu turno, ao escoarem-se, os rios acarretam tais materiais para os pântanos, lagos e mares, onde os acumulam sob a forma de camadas sobrepostas”. Escreveram aí que os continentes, uma vez arrasados, ficavam ao nível do mar, um ensinamento que é uma notável antecipação ao conceito de peneplanície formulado, em finais do século XIX, pelo geomorfólogo norte-americano William Morris de Davis. Uma outra ideia que, embora errónea, testemunha a preocupação desta comunidade de filósofos pelo conhecimento do planeta, diz que, “estando o mar cheio de sedimentos trazidos dos continentes, o seu nível subia e as águas invadiam as terras”. Assim, segundo eles, “periodicamente, todos os 36 000 anos, as planícies se transformavam em mares”. Nesta concepção, igualmente errónea, de ciclicidade, já apontada por Aristóteles, no século IV a.C, diz-se ainda que “as terras actuais são antigos fundos marinhos e que os mares do presente serão futuros continentes”. A.M. Galopim de Carvalho, nasceu em Évora, em 1931. É professor catedrático jubilado pela Universidade de Lisboa, tendo assinado no Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências desde 1961. É autor de 21 livros, entre científicos, pedagógicos, de divulgação científica e de ficção e memórias. Assinou mais de 200 trabalhos em revistas científicas. Como cidadão interventor, em defesa da Geologia e do património geológico, publicou mais de 150 artigos de opinião. Foi diretor do Museu Nacional de História Natural, entre 1993 e 2003, tempo em que pôs de pé várias exposições e interveio em mais de 200 palestras, pelo país e no estrangeiro.

Por A. M. Galopim de Carvalho

Fotografia Jerónimo Heitor Coelho.

... continua na próxima edição.

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“Veja a vida com bons Olhos”.

RUA GERMANO BRANDES, 726 CEP 89120-000, TIMBÓ - SC CRA/SC N° 23142 (47) 3382-0266

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POSTAIS

PERDIDOS

Buenos Aires, 28-XI-2008 Minha querida Sabes que ganhei gosto a esta coisa de viajar sozinho, mas nesta viagem gostava de te ter aqui. Gostava, porque esta cidade pede companhia, porque esta não é uma cidade só de pontos turísticos a visitar, é uma cidade com uma alma que pede ser vivida. Um arrastar prolongado por vinho de jantares opíparos com a melhor carne que alguma vez comi. Passeios de compras por Palermo - sim, eu não costumo ser de compras, mas estas lojas tiram uma criatura consumista de dentro de mim - enchendo alegremente as mãos de sacos. Deambular em Santelmo, por entre um enorme charme decadente, que bem sabes tanto gosto, controlando impulsos de transportar por atacado antiquários de art deco para Portugal. Petiscar uma pilha de empanadas com Quilmes. Simplesmente passear. Entrar na Ateneu e ver que uma livraria pode ser um monumento. Perceber que o tango se tornou turístico, mas ainda se pode encontrar genuíno. Buenos Aires aparenta ser uma Paris ou Madrid sul americana, é isso que as suas fachadas contam, mas entrando para dentro dessas fachadas encontra-se a alma porteña, que vai muito mais além de uma cópia da Europa porque é única. Como Borges, Piazzolla ou Maradona. Mais ainda que tudo o resto falta-me companhia para o tango, para poder tentar aprender ao menos alguns passos desta dança encantatória. Entrar contigo milongas adentro e ter a ousadia de dançar no meio de quem se move quase sem pisar o chão em balanços sensuais e intensos. E tentar, ao menos tentar, seguir o bandonéon, ainda que sem a alma porteña. Diz o ditado, com razão, que são precisos dois para o tango, foi mesmo isso que me faltou, dançar contigo o tango de Buenos Aires. Beijo grande, João Abuquerque Carreiras Texto e fotografias

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Crônica de Viagem

Namaste! Convivendo com o povo das escadas – Maciço do Annapurna – Cordilheira dos Himalaias

Namaste! O deus que habita dentro de mim saúda o sagrado, o deus que habita em você, estrangeiro que vem à nossa casa. São duas, as palavras que mais ouvimos: O “namaste!” e o “welcome!”. As crianças, com elegantes gravatinhas vermelhas em seus uniformes, e os camponeses nos saúdam alegremente, enquanto subimos a trilha que serpenteia pelas montanhas e por milhares de degraus. Por toda parte, a faina da colheita. Belas mulheres com sáris coloridos trabalham arduamente com foices de mão para colher o arroz. Montanha acima e abaixo as plantações se estendem por centenas de terraços, onde o arroz dourado e maduro brilha ao sol. É tempo de colheita e todos trabalham rápido para que nada se perca. A palha, a casca e o grão. Aqui e acolá, o arroz já esta espalhado ao sol e aguardando a debulha manual, protegida do vento por grandes esteiras de palha. Por fim, a palha se ajunta em molhos amarelos que se espalham pelos campos e avisando que há feno suficiente para o inverno.

Cada degrau das escadarias que percorrem as montanhas sagradas do Himalaia nos aproxima mais do nosso objetivo: o campo base do Annapurna – um dos picos gigantes de mais de 8.000 metros e a mais bela trilha do Nepal. Annapurna, a deusa das colheitas é uma montanha sagrada, com 8091 metros de cristas nevadas. Chegamos ao campo base com a humildade de caminhantes que pedem licença aos deuses e ao povo da floresta para participar da festa da colheita.

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todo mundo, e seus guias e carregadores nepaleses. Há arames em volta e roupas secam. Sapatos, meias e objetos variados como pencas de vagem ou sementes. Ao pé do fogo, um cachorro.

O ano foi bom e as pessoas comemoram. Por toda parte, os montanheses vestem as melhores roupas e portam guirlandas de flores no pescoço. Os homens colocam flores atrás das orelhas e nos arreios dos animais. Em todos está pintada a tika, marca na testa que representa o mundo espiritual, ou terceiro olho. Gatos, cachorros, cabras e animais de carga também trazem a tika e colares de flores.

A partir deste dia, o caminho se torna mais íngreme e penetra no desfiladeiro que possibilita o acesso ao Campo Base, objetivo final de nossa trilha. Caminharemos diversos dias, tendo de um lado paredões de rocha e do outro o abismo onde se descortina, muito embaixo, o azul safira do rio que ruge, montanha abaixo. A trilha é larga e calçada das mesmas pedras, que formam degraus irregulares. Atravessamos centenas de cursos d´água cristalinos. Pequenas pontes de madeira rústica e bambu atravessam os riachos. Às vezes, pontes pênseis, sólidas e bem estaiadas, que se penduram no vazio. A trilha penetra em uma floresta de árvores centenárias e bambus verde-limão. É outono e as árvores estão coloridas de ocre, amarelo e terracota, pintando a paisagem de cores incríveis. Do meio da floresta nos observam muito interessados, grandes macacos cinzentos, de barbas brancas. No início do desfiladeiro uma placa em nepali e em inglês avisa: esta floresta e as montanhas são sagradas. Os macacos podem observar os passantes em paz. A montanha mais visível em toda a trilha é Macha Puchere, o rabo de peixe. O lugar mais sagrado do maciço do Annapurna - Invicta e jamais escalada: o governo nepalês não concederá a ninguém permissão para escalada. Agora há poucas casas no caminho. Apenas os montanheses que trabalham nos pequenos refúgios para os caminhantes e alpinistas. As casas são de pedra, abundante na região e com telhados pe-

A caminhada para o Annapurna é árdua e, no final da tarde, nos alegramos em avistar a aldeia onde passaremos a noite. Duas dezenas de casas, não mais, e a majestosa e branca Macha Puchere sobre a aldeia, montanha com dois picos simétricos, que os ingleses batizaram de Fishtail – Rabo de peixe. Ao nos aproximarmos do povoado de Tadapani, ouvimos os cantos, instrumentos musicais nativos e tamborins da festa da colheita. Há muito que festejar neste dia! Peregrinos de todas as partes do mundo assistem as danças e ensaiam alguns passos. A paisagem geográfica e humana é tão bela que nos deixa sem palavras. A emoção de pertencer a este planeta imenso e frágil e ser recebidos em festa por um povo tão diverso, e, ao mesmo tempo, tão parecido conosco. Celebram os frutos de seu trabalho com música e orações para a Deusa da colheita. A noite traz um frio intenso e dentro das pequenas hospedarias há fogo e calor humano. Na sala de estar, uma pequena estufa de lenha, no centro, onde brilha o fogo e sentam-se pessoas de

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sados de ardósia. Os carregadores andam muito mais rápido que nós. Levam às costas em seus cestos de bambu, cargas pesadas como botijões de gás, caixas de e cerveja e nossas mochilas. Não há outra possibilidade de transporte nestas montanhas. Nem mesmo as manadas de burrinhos conseguem andar nas trilhas dos desfiladeiros. Chove e o frio se torna intenso. Logo as gotas de chuva se tornam em bolinhas de gelo, parecendo uma chuva de sagu branquinho. É uma neve diferente da que conhecemos. As bolinhas fustigam nossas mãos e rosto, mas fazem um efeito incrível no chão misturadas às folhas coloridas pelo outono e uma infinidade de frutinhas vermelhas que caem no chão por causa da neve. Rododendros, bambus e a floresta outonal. Folhas de plátano enfeitam o chão com sua forma de estrelas e as avencas forram os barrancos e paredões de rocha. À medida que avançamos e subimos, o oxigênio vai diminuindo e o esforço se torna maior. A vegetação vai rareando e a floresta dá lugar aos campos de capim castanho e tufos de plumas. O gelo, enfim, domina a paisagem. A trilha penetra numa ravina. Estamos finalmente no coração das montanhas geladas. Ali há um pequeno templo rodeado por bandeirinhas de oração. Homenagem aos que morreram tentando conquistar Annapurna.

Katmandu. O Annapurna fica a, aproximadamente, 400 km do Maciço do Khumbu, onde fica o Everest. A religião que predomina na região do Annapurna é a Indiana e no Everest o Budismo Tibetano. Nas cidades ambas se misturam num pacífico e curioso sincretismo. Há muitas pessoas de todo o mundo caminhando pelas trilhas, inclusive idosos com excelente forma física. Há boas empresas aéreas com vôos diários para Katmandu - a capital - e excelentes companhias de turismo que organizam roteiros personalizados para trilhas e escaladas. Os preços são bastante acessíveis.

Os caminhantes despertam cedo para ver os primeiros raios de sol colorindo as montanhas. Os campos de gelo faíscam como diamantes, sob a incidência da luz oblíqua do amanhecer. Pequenos cursos d´água brotam sob os glaciares, e vão se reunindo aos poucos em riachos para formar o rio turbulento que estrondeia desfiladeiro abaixo. A descida é penosa e lenta, mas a paisagem faz esquecer o esforço. Em breve, os viajantes estarão novamente nos campos onde ainda se festeja a colheita.

A empresa que nos acompanhou foi a Snowy Horyzon, excelente, e recomendada também por outros dois brasileiros que lá estiveram. No Nepal, falam-se 32 línguas e convivem 28 etnias diferentes de forma pacífica. Os guias e boa parte da população falam inglês. Informações margotfz@gmail.com

OBSERVAÇÕES: O festival da colheita ocorre na segunda quinzena de outubro. A trilha do Annapurna é a mais popular do Nepal e fica na região de Pokara, a 230 km da capital

Por Margot Friedmann Zetzsche Texto e fotografias

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Pinhal e apontei para o Pico Agudo. Faltava a última cordilheira para entrar no Vale do Paraíba. Era incrível – tinha atravessado toda a Mantiqueira e estava para repetir o feito inimitável do Hering. Nessa hora, acho que senti a responsabilidade pelos riscos que corria e todas as fraquezas do homem se descarregaram em mim. Resolvi não arriscar. Fiquei na dúvida, acabei voltando uns quilômetros para pousar em um pasto, onde estaria seguro. Até hoje, olho na trajetória gravada pelo GPS o retorno que fiz. A promessa de regressar, que é bom, ainda não foi cumprida. Exatamente nesse dia de Havaí, vi pela primeira vez borboletas azuis na estrada que subia para rampa. Nas idas subsequentes, ficava torcendo para encontrá-las novamente. Fiquei com aquela referência na cabeça: a condição magnífica dependeria do passeio dos insetos. Sorte que essa mentira não durou muito. Algumas semanas depois, interceptei-as vagueando pelas ladeiras da Serra do Paredão e voei sem maior significância. Lembrei, então, da inédita corrida que fizera naquela manhã. No domingo seguinte, refiz o esforço, mas o máximo que consegui foi um céu nublado e nem voei.

Nota Verde, Borboleta Azul Voar não é uma atividade totalmente lógica. Ainda mais quando se procura o detalhe, a diferença que faz o voo se tornar perfeito. Não só talento e experiência contam. Algumas vezes, o tempo não ajuda; outras, algum sistema não está funcionando cem por cento; cedo ou tarde, o piloto é que não vai estar bem de saúde ou teve um dia difícil.

Quase dois anos se passaram para eu conseguir superar aquele voo de 2000. No dia anterior, havia pousado em um buraco perto da frente da rampa. Sofri seguidamente por meia hora. Voltei furioso para uma nova decolagem. Tentei, mas caí no mato. O Betão me tirou das árvores e, infeliz, acabei desistindo de voar. De noite, fui para uma festa e só dormi depois do sol nascer. O domingo amanheceu igual ao sábado. O tempo estava bonito, mas nada extraordinário. Decolei um pouco atrasado, mas alcancei o primeiro grupo que se afastou da rampa na direção da Fernão Dias. Com quinze minutos, perdemos a companhia do Hering em uma transição. Continuei com o César e o Zanetta. Acompanhei-os com muito esforço, pois eles cobriam as distâncias rapidamente. Logo adiante, acabei ficando para trás e quase caí perto das obras da rodovia. Não desconcentrei, esperei um tanto e voltei à rota. Alcancei-os alguns quilômetros à frente. O César não se sustentava mais, mas consegui ajudar o Zanetta. Tive sua companhia por mais uma hora. Depois segui sozinho, indo parar aos pés da serra de Extrema, já chegando no estado de São Paulo. Atrapalhei o descanso de um par de cavalos que se assustaram com a aproximação do velame vermelho. Pousei no pasto deles, um gramado tipo campo de futebol. Logo o celular não parava de tocar, perguntando qual o meu destino. Nunca ninguém tinha andado tanto naquela rota. Maravilha, voozaço! E eu refletindo, repassando o que acontecera de especial. Nada! Um voo como os outros. O fato é que dera tudo certo e daí quase bati a marca mágica dos cem.

Há ocasiões em que tudo dá certo. Você volta para casa com aquele sorriso, contente porque as coisas saíram exatamente como previstas. Isso pode acontecer de um milhão de jeitos diferentes, desde o “voo bom” do cadete até o recorde de tiro aéreo do capitão. Exatamente neste tipo de situação é que surgem as manias. Aí nasce o piloto que só entra no avião com o pé direito ou só gosta de atirar com a munição pintada de vermelho. Tudo porque, em um dia especial, aquela característica o chamou a atenção e daí para frente, quando todos os detalhes passam a ser muito importantes, a coincidência ganha um status especial. Não posso dizer que sou indiferente a essas práticas, apesar de ser muito cético. Até hoje, levo na prancheta de voo uma nota de um real. Aconteceu dela trombar comigo no pátio de estacionamento dos aviões, quando ganhamos o tiro aéreo no Torneio da Aviação de Caça de 1997. A nota era verde, minha munição era verde... Nada. Na verdade, os cartuchos eram azuis, tão azuis quanto o mar de Natal, onde eles foram parar sem acertar em lugar algum. Quem ganhou a competição foi meu ala, que acertou uma rajada de tiros perfeita. Mas o dinheiro continua comigo, dentro de um plástico. Pelo menos é mais original que os “one dollar bill” que habitam a carteira de muita gente.

Pensei que fora a prova definitiva da falta de lógica em se preocupar com os detalhes insignificantes. Não tem nota verde, borboleta azul, muito menos noite sem dormir. A sorte de um voo se resolve com fatos muito mais sérios. Na maior parte das vezes, o que tentamos encobrir é a nossa própria incompetência ou a mais pura falta de sorte. Pois é, não se consegue ser sortudo cem por cento do tempo. Por isso, justamente este item – imponderável - é que tentamos maximizar. Afinal, por mais que se seja cético, não custa nada acreditar em uma ajudazinha dos céus.

Em outubro de 2000, fiz um supervoo de parapente que praticamente me garantiu a vitória no circuito local daquele ano. Como o Gustavo comparou no dia seguinte, se a atmosfera fosse um mar, aquela seria uma ressaca em Pipeline. Naquela tarde, todos subiram nas maiores térmicas já testemunhadas no sul de Minas e eu tive a oportunidade de ser o que foi mais longe nelas. A condição estava fantástica! Logo que decolei, entrei na convecção de uma nuvem. Olhei para cima e vi o “pompom” que se desenvolveu ainda longe. Os minutos foram passando, a Terra sumindo embaixo da cadeira. Já me sentia voando de avião, tão alto estava. Assim, fui rápido, muito veloz, reconstituindo toda a estrada de volta para São José dos Campos, nosso popular “caminho de casa”. Passei pelo lado da Pedra do Baú, sobrevoei

Por Antonino José Frigini Junior

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Todos nós, por um motivo ou outro, temos um filme que nos marcou para sempre e que podemos definir como “O Filme da Nossa Vida”. Talvez não seja o melhor filme que vimos, nem sequer se enquadre naquilo que ousamos definir como “bom cinema”, mas por qualquer razão, é o filme de que nos recordamos com mais frequência e aquele que nos vem à cabeça quando, desafiados, nos pedem para falar sobre cinema. “O filme das nossas vidas” pretende ser isso mesmo. Um desafio à capacidade de passarmos para o papel a magia que olhamos na tela e que nos marcou para sempre. Um estímulo à forma como interpretamos aquilo que vimos. Um olhar pessoal sobre o olhar, já por si pessoal, do realizador. A Revista Valeu lança, a partir desta edição, um desafio aos seus leitores e colaboradores, para que nos enviem, para publicação, o seu olhar sobre o filme que mais os marcou, o filme a que se arriscariam a chamar o filme da sua vida.

O Filme das Nossas Vidas

Renoir, “Il Gattopardo” de Visconti. Mas, “It’s a wonderful life” é o filme da minha vida. Talvez por o ter visto, pela primeira vez, nesse Natal de 78 que, por muitos motivos, foi o primeiro Natal de que me lembro de verdade. Talvez porque “Do Céu Caiu uma Estrela”, no nome feliz atribuído à versão portuguesa, foi um filme inspirador e de certa forma premonitório. Talvez por, como acusou na altura o crítico do “New York Times”, Bosley Crowther, a “história ser tão piegas que roçava o infantilismo”, o que aos olhos duma criança de 7 anos a tornou mágica para sempre. Talvez por tudo isso e muito mais... “It´s a Wonderful Life” começa com um travelling sobre uma pequena cidade da América profunda que termina numa placa anunciando, com o reforço de uma portentosa voz off, “You are now in Bedford Palls”. É o início de tudo, na mesma noite de Natal em que decorrerá toda a história.

“Do Céu Caiu Uma Estrela”

O filme de todos os natais.

De repente, começamos a ouvir orações e passamos a ver estrelas... num Céu onde um Deus invisível e de voz autoritária, como em todas as representações hollywoodescas desde Cecil B de Mille, convida o seu aspirante a anjo, Clarence, a sentar-se e a assistir a um bom filme. Esse bom filme é a vida de George Bailey, que é como quem diz James Stewart. E esse é também o bom filme a que cada um de nós irá assistir.

Vi pela primeira vez “It’s a wonderful life” na televisão, em vésperas de Natal. Num tempo em que a televisão era a preto e branco como o filme de Frank Capra, datado de 1946, e em que cabia a cada um de nós imaginarmos a magia da cor. Depois desse Natal de 1978 revi a história de George Bailey umas 48 vezes, muitas mais do que os natais que vivi sobre essa primeira vez.

Em flashback vamos vivendo o dia-a-dia de Bailey e, sobretudo as suas boas ações, desde o momento em que, com 7 anos, salvou a vida do irmão, passando pelo dia em que evitou o erro do farmacêutico a quem auxiliava, evitando mais uma morte e a destruição da vida de um homem bom, até à chegada à idade adulta e à passagem de George Bailey, Bobby Andersen, para George Bailey, James Stewart. Esse momento, em que a imagem

“It’s a wonderful life” não é o melhor filme que já vi. Antes dele, teriam de constar na minha listagem dos melhores filmes de sempre, quase toda a cinematografia de John Ford, um ou outro Welles, os filmes negros de Mankiewicz, o “Há Lodo no Cais” de Kazan, as comédias românticas de Wilder, “The River” de Jean 74


pára, imobilizando James Stewart de braços abertos e em que Deus avisa Clarence para fixar bem George Bailey, pois a salvação desse homem será a missão do anjo sem asas em busca da sua própria salvação, é todo um hino ao cinema. pára, imobilizando James Stewart de braços abertos e em que Deus avisa Clarence para fixar bem George Bailey,

melhor filme do ano. Talvez por isso se tenha tornado no melhor filme de Capra e um dos mais vistos da história Nocinema. seu livro de memórias, “The name above the title”, Frank Capra explica desta forma a sua descoberta do do script que deu oigem a “It’s a wonderful life”: “Era a história que toda a vida procurara. Uma cidadezinha. Um homem. Umdehomem bom,“The ambicioso. Mas tãothe preocupado emCapra ajudarexplica os outros, queforma deixava perder as oportunidades No seu livro memórias, name above title”, Frank desta a sua descoberta do script da deu vida.origem Um dia, perdeu a coragem. Desejava nunca ter E esse desejo era-lhe satisfeito. Meu Deus, que que a “It’s a wonderful life”:“Era a história quenascido. toda a vida procurara. Uma cidadezinha. Um homem. história!”. Um homem bom, ambicioso. Mas tão preocupado em ajudar os outros, que deixava perder as oportunidades

da vida. Um dia, perdeu a coragem. Desejava nunca ter nascido. E esse desejo era-lhe satisfeito. Meu Deus, que Quando George Bailey chega à idade adulta, o filme visto do Céu desce à terra e a essa noite de Natal em que um história!” desesperado James Stewart, à beira do suicídio, faz a afirmação primordial: “era melhor não ter nascido”. E Deus faz-lhe aGeorge vontade através de Clarence, o seu desajeitado sem desce asas. Então, Bailey é convidado a Quando Bailey chega à idade adulta, o filme vistoanjo do Céu à terraéeGeorge a essa noite deque Natal em que um ver um filme. O filme de Bedford Palls e de todos os seus amigos, conhecidos e familiares, sem a sua existência. desesperado James Stewart, à beira do suicídio, faz a afirmação primordial: “era melhor não ter nascido”. E Deus O irmão morto afogado, porque George nãodesajeitado estivera lá para salvar; erro doé farmacêutico à morte dea faz-lhe a vontade através de Clarence, o seu anjo osem asas.oEntão, George Baileyque queleva é convidado uma criança e à sua prisão; a solidão da sua mulher; a inexistência dos seus filhos; a desgraça de tantos amigos e ver um filme. O filme de Bedford Palls e de todos os seus amigos, conhecidos e familiares, sem a sua existência. conhecidos que ajudou. E é este flashback imaginário que salva Stewart e por consequência o desajeitado Clarence, O irmão morto afogado, porque George não estivera lá para o salvar; o erro do farmacêutico que leva à morte de culminando mais aemocionantes finais da história do cinema. uma criança enum à suados prisão; solidão da sua mulher; a inexistência dos seus filhos; a desgraça de tantos amigos e conhecidos que ajudou. E é este flashback imaginário que salva Stewart e por consequência o desajeitado Clarence, culminando num dos mais emocionantes finais da história do cinema.

Pelo meio há dezenas de pequenas histórias e outras tantas personagens, como as do tio de George, irrepreensivelmente interpretado pelo fantástico Thomas Mitchell, que por si só valeriam o filme, mas é a história redentora de Bailey e de Clarence que faz de “It’s a wonderful life” o filme de todos os natais. Como disse o próprio Capra, “Meu Deus, que história!” Por João Moreira

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cinema

pois a salvação desse homem será a missão do anjo sem asas em busca da sua própria salvação, é todo um hino antes Capra dirigira Jimmy Stewart em dois filmes absolutamente geniais: “You Can’t Take It With You” de aoJácinema. 1938 e “Mr. Smith Goes to Washington” de 1939, mas nunca como em “It’s a Wonderful Life”. Pelo meio, uma devastadora que ambos mudara a América e o mundo, mas não dealiana, Jáguerra antes Capra dirigiraem Jimmy Stewartparticiparam em dois filmes absolutamente geniais: “You Can’t TakeaItvisão Withnew You” de 1938 meSmith é permitida expressão, dede Capra. por isso o filme tenha sido um falhanço absoluto, apesar da e se “Mr. Goes toa Washington” 1939,Talvez mas nunca como em “It’s a Wonderful Life”. Pelo meio, uma guerra nomeação para melhor filme do ano. Talvez por isso se tenha tornado no melhor filme de Capra e um dos mais devastadora em que ambos participaram mudara a América e o mundo, mas não a visão new dealiana, se me é vistos da ahistória do cinema. permitida expressão, de Capra. Talvez por isso o filme tenha sido um falhanço absoluto, apesar da nomeação para


Beto barreto O novo editorial de moda da Revista VALEU, além dos modelos Eduardo Patrik Kessler, Jonatan Michel, Luana Klitzke e Vanessa dos Santos, conta com outras protagonistas, as marcas da nossa Região. Diana, Diâmetro, Knoten, Matéria Prima, Espanha Club e Bravo Militar, de Timbó-SC; Acessórios Scheila Pacher de Rodeio-SC; a marca Rock Six de Lontras-SC. A única marca de fora é a Cavalera, de São Paulo-SP. Os clics foram feitos por Michele C. Vicenzi e Eduardo Godri, da Chlôe Fotografia Criativa. Cabelo e produção de moda por Spaço Pietro Fernandes e maquiagem assinada por Priscila Wolff. O ensaio fotográfico foi realizado no Centro da cidade de Timbó. Da esquerda para direita

Vestido Jeans: Strech Denim – Rock Six Cardigan: Jacquard Tricot – Diana

Macacão: Blue Ice – Rock Six Camisa: Used localizada – Knoten Pullover: Tricot – Diâmetro

Gorro: Tricot – Diâmetro Camisa: Sky Bleached – Knoten Calça Jeans: Slin Fit – Knoten Moleton: Espanha Club Tênis: Cavalera

Moleton: Espanha Club Calça Jeans: Distroyed - Knoten Coturno: Bravo Militar

Acessórios: Scheila Pacher

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Vestido: Vintage – Matéria Prima Bolsa: Couro de peixe – Danusa Demarchi Poche: Assimétrico Tricot – Diana Calça Jeans: Super destroyed com renda – Knoten Acessórios: Scheila Pacher

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Blaser: Moletom com couro – Diâmetro Pullover: Tricot – Diâmetro Calça: Sarja – Knoten Tênis: Cavalera Camisa: Devorê Petit Poa – Matéria Prima Saia: Jacquard com couro – Diana Coturno: Bravo Militar Polo: Tricolor – Diâmetro Colete: Risca-de-giz – Espanha Club Calça Jeans: Puidas localizada – Knoten Tênis: Cavalera Acessórios: Scheila Pacher

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Colete: Sarja – Knoten Vestido: Viscose 70’s – Diana Acessórios: Scheila Pacher

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Da esquerda para direita Colete: Moletom – Diâmetro T-shirt: Espanha Club Calça: Sarja – Knoten Gorro: Tricot – Diâmetro Camisa: Jeans Blue Black – Knoten T-shirt: Espanha Club Calça: Jeans Sobretinto – Knoten Ténis: Cavalera Acessórios: Scheila Pacher

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Colete: Risca-de-giz – Espanha Club Vestido: Boho de renda – Matéria Prima Acessórios: Scheila Pacher 81


Da esquerda para direita Camisa: Laço estampa geométrica – Matéria Prima Calça: Flare – knoten Sobretudo: Tricot Color – Diana Macacão: Blue Ice – Rock Six Coturno: Bravo Militar Acessórios: Scheila Pacher

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Vestido: Hot Pant musseline com renda – MatÊria Prima Coturno: Bravo Militar

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Tratamento Ortodôntico Os aparelhos ortodonticos nunca estiveram tanto em alta como nos dias atuais. É o desejo da grande maioria dos jovens do país. A dúvida sempre é: “doutor eu preciso realmente usar aparelho?”. Em geral o paciente nos procura para deixar seus dentes retos, bonitos e alinhados. Dentes retos além de esteticamente mais agradáveis, facilitam a sua limpeza e manutenção. Evitando assim desgastes anormais, dificuldades na mastigação e/ou fala e sobrecarga nos ossos de sustentação e gengiva. Outro questionamento é em relação a idade em que a criança deve colocar aparelho. Não existe uma idade específica para colocar um determinado tipo de aparelho. O ideal é procurar um Ortodontista quando a criança estiver em torno de seis e sete anos, período em que os primeiros dentes permanentes estão nascendo. Nessa consulta o especialista solicitará alguns exames, e através deles avaliará de uma forma geral toda dentição. Analisando se todos dentes permanentes estão no estágio ideal de formação, se há espaço suficiente para dentes que estão para nascer, e se há algum dente supranumerário ( dente a mais ), ou a ausênciade algum. Também é verificado a existência de algum problema nos ossos de sustentação dos dentes (dentes muito para frente, queixo muito para trás, ou muito para frente, céu da boca muito fundo e/ou estreito, mordida aberta anterior). Problemas esses que quando tratados precocemente se optem melhores resultados. Nessa fase não estamos preocupados com dentes um pouco tortos, o que nessa idade é bastante comum. Caso não for indicado qualquer tratamento nesse período, o ideal é realizar um acompanhamento semestral ou anual com radiografias e fotografias, possibilitando assim avaliar o melhor momento para iniciar o tratamento Ortodôntico, normalmente com o aparelho fixo. Isso acontece na maioria dos casos quando todos os dentes permanentes já nasceram, entre os dez e catorze anos. Mas não apenas as crianças e adolescentes podem se beneficiar de um tratamento ortodôntico, também pacientes adultos em qualquer idade, mesmo porque a cada dia as pessoas se preocupam mais com o seu bem estar e estética do corpo. Os aparelhos ortodonticos avançaram muito nos últimos anos, estão cada vez mais confortáveis, estéticos e eficientes. Além do já conhecido aparelho convencional (o aparelho das borrachinhas), surgiram também os estéticos (cerâmica ou safira), o aparelho lingual (colocados por dentro), e também os aparelhos auto-ligados que dispensam o uso das borrachinhas, sendo esses na maioria dos casos muito mais eficientes que o aparelho convencional, diminuindo a quantidade de consultas e consideravelmente o tempo de tratamento, que na grande maioria dos casos fica em torno de 18 a 24 meses. Há casos mais complexos em que o tempo de tratamento será maior, e o mais importante, diminui a quantidade de placa aderida ao aparelho, diminuindo assim o risco a cáries. Mas mesmo assim muitos pacientes, principalmente pacientes adultos, não aceitam usar um aparelho ortodôntico convencional. Felizmente nos dias atuais podemos tratar quase que todos tipos de problemas com um sistema sem metal e fios, uma maneira quase invisível de se alinhar os dentes, usando uma serie de alinhadores transparentes e removíveis, para gradualmente alinhar seus dentes. Um desses sistemas e conhecido como Invisalign, uma empresa que esta no mercado desde de 1997, e que ja tratou mais de 2 milhões de pacientes em todo mundo. Mas como esse sistema funciona? Primeiramente temos que enviar um modelo dos dentes do paciente para sede da empresa nos Estados Unidos, onde com o planejamento previsto pelo ortodontista, e feito uma simulação virtual de todas etapas do tratamento, dando uma estimativa do numero de moldeiras a serem usadas, tempo e ajustes dentários necessários durante o tratamento. Assim

tanto o Ortodontista quanto o paciente pode visualizar virtualmente a posição inicial ate a posição desejada dos dentes, que serão corrigidos a partir de uma serie de alinhadores personalizados transparentes. Cada alinhador move o dente lentamente e cada um e usado por volta de duas semanas, sendo substituído pela próxima serie ate a atingir a posição ideal. Uma das principais vantagens do sistema Invisalign e ser transparente, você endireita seus dentes sem ninguém perceber. Também e removível, voce pode comer e beber o que quiser durante o tratamento. Sem os fios e metais do aparelho convencional ele não irrita sua boca, sendo assim muito mais confortável. Isto tudo graças a tecnologia dos computadores que se consegue personalizar cada etapa do tratamento. Assim como os braquetes e fios, os alinhadores Invisalign movem os dentes através de uma forca controlada aplicada nos dentes. a principal diferenca e que o Invisalign não somente controla forcas, mas também controla tempo de aplicação de forca. A cada estagio de alinhadores, somente certos dentes são movimentados, e estes movimentos são determinados pelo plano de tratamento ortodôntico para aquele particular estagio. O resultado e um sistema de liberação de forca eficiente e controlado. Para poder usar o sistema Invisalign no Brasil, o Cirurgiao Dentista deve ser Especialista em Ortodontia e/ou Ortopedia Facial, com titulo devidamente reconhecido pelo MEC, e passar por um treinamento especifico antes de iniciar seus casos. Conquistar um sorriso bonito e saudável é um esforço em equipe que envolve seu ortodontista, que oferece o conhecimento, o plano de tratamento e as técnicas para corrigir os dentes e alinhar os ossos, e o paciente que deve seguir todas orientações dadas pelo seu ortodontista, como fazer uso correto dos elásticos, evitar a ingestão de alimentos com muito açúcar, para diminuir o risco de cáries, evitar alimentos muito duros e pegajosos que aumentam o risco de soltar o aparelho, e como consequência se terá um atraso no término do tratamento, realizar no mínimo as três escovacões diárias, ir no mínimo de seis em seis ao seu dentista clinico-geral para uma limpeza nos dentes, e muito importante é não faltar as consultas. E para que tudo ocorra conforme o planejado, é importante se escolher um bom profissional, que vai propor um plano de tratamento, onde os custos desse tratamento vão depender do grau de dificuldade, do tipo de aparelho e também da experiência do profissional. De preferência a um Especialista em Ortodontia e Ortopedia Facial, pois assim, seguindo todas essas orientações o seu tratamento terá mais chances de ser um sucesso. Para saber se um profissional e especialista entre na pagina www.cro.org. br, ou na página da ABOR ( Associação Brasileira de Ortodontia e Ortopedia Facial ), www.abor.org.br. “ A menor distância entre duas pessoas é um sorriso.” ( Autor desconhecido) Colaboração - Dr. Andreas Lorenz Danker CRO - 5163 Cirurgiao Dentista Formado em 1998 pela UFSC Especialista em Ortodontia e Ortopedia Facial Credenciado Damon System ( Sistema Auto-Ligado) Credenciado Invisalign

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tI da população mundial e esgotamento de recursos. Desde então, surgiram várias empresas e projetos com variações do compartilhamento pessoa-para-pessoa (peer-to-peer) que chamam atenção. Grandes corporações também já passaram a adotar estratégias baseadas no compartilhamento dos seus principais negócios, como a Toyota, ao alugar carros de concessionárias. O Citibank, ao patrocinar um programa de compartilhamento de bicicletas. 5 iniciativas da economia compartilhada que você pode usar agora Economia Compartilhada, consumo colaborativo e como posso participar dessa onda Já pensou em alugar sua casa por um ou dois dias para ganhar uma graninha extra? Ou quem sabe, sua bicicleta que fica 90% do tempo encostada na garagem? Pois bem, fazendo isto você já está participando, ou melhor, provendo serviços nos moldes da chamada Economia Compartilhada. Apesar de não ser um conceito novo, a economia compartilhada é um modelo econômico bastante atual, utilizado por diversas startups em seus modelos de negócio e que vem beneficiando pessoas no mundo todo. Em poucas palavras, a economia compartilhada promove negócios que intermedeiam a prestação de serviços ou troca de produtos entre pessoas físicas, em grande maioria desconhecidos, a partir de recursos subutilizados. Mas como isto funciona? O motor deste modelo de transação entre desconhecidos é a confiança. O fornecedor e o consumidor são indivíduos que se conectam, nem que seja por alguns instantes, com o mesmo objetivo, fechar o negócio e sair feliz com a transação. Esta é a parte mais bacana deste modelo, ninguém sai perdendo. A relação entre fornecedor e consumidor começa na internet e se estende para o off-line, o mundo real. Desta maneira, as negociações são baseadas em reputação e rede de recomendações. Comentários, estrelas nos sites e aplicativos indicam se aquele fornecedor ou cliente é uma boa pessoa para fazer negócio, criando um novo patamar para a reputação no ambiente virtual - quanto melhor for a sua, maiores as chances de você fechar negócio. Como surgiu? A economia compartilhada existe há centenas de anos, quando as cidades eram pequenas e seus moradores compartilhavam suas coisas (escambo). Mas foi realmente em meados de 2000, nos Estados Unidos, que o termo “economia colaborativa” começou a ser visto e falado. Um pilar de inspiração desta nova modalidade econômica, foi a “Tragédia dos bens comuns”, que remete para a ideia de que quando agimos exclusivamente em nosso próprio interesse, nós esgotamos os recursos compartilhados que precisamos para a nossa própria qualidade de vida. Outra linha de inspiração, foi a noção de que sistemas lineares de produção e distribuição são, em última instância, incompatíveis com os finitos recursos do nosso planeta. A partir de 2007, este modelo se tornou bem popular. Novas estruturas empresariais, iniciativas e projetos surgiram auxiliadas pelas inovações tecnológicas, amadurecimento das tecnologias sociais e pelo crescente sentimento de urgência em torno do crescimento 88

Airbnb - É um dos serviços mais conhecidos hoje em dia. Permite que você coloque sua casa (ou parte dela) para que um hóspede alugue. Já quem quer se hospedar, basta definir o destino, estipular o período de hospedagem e informar a quantidade de hóspedes. A iniciativa já está presente em 190 países e 34.000 cidades. O Rio de Janeiro, por exemplo, é a quarta cidade no ranking mundial do Airbnb. Fleety - É uma iniciativa brasileira para aluguel de carros, sendo hoje é a maior da América Latina. O serviço é parecido com o Airbnb, você coloca seu carro para alugar e ganha algum dinheiro com isso, ou então, aluga o carro de alguém, ajudando assim a melhorar o trânsito, diminuindo a quantidade de carros na rua. Coworking - É um espaço de trabalho compartilhado, geralmente frequentado por autônomos, freelancers e startups. Além do compartilhamento do espaço físico (mesas, salas de reunião, copa, espaço de convivência, etc), também estão disponíveis aos frequentadores, material de escritório, serviço de impressão, biblioteca, estacionamento, enfim, tudo que uma empresa tradicional oferece a seus funcionários. Eat with - No Eat With, as pessoas transformam suas casas em um restaurante, oferecendo refeições completas para desconhecidos que queiram compartilhar dois dedos de prosa. Ou para pessoas que adoram comer fora e estão em busca de outras opções gastronômicas. Cabe na Mala - É um site de entrega colaborativa, que conecta viajantes com um espacinho na mala a pessoas que desejam produtos de outros países. Muito útil, não acha? E aí, gostou? Que tal tirar proveito desta nova moda? Você pode ganhar algum $$ extra, ou então ter novas experiências, alugando um quarto em um castelo no Reino Unido por um dia, uma casa-barco em Amsterdã, uma Ferrary para passear pela Califórnia, etc, etc, etc. “A principal mudança da economia compartilhada é a redução da importância dos intermediários” Ladislau Dowbor, professor de economia na pós-graduação da PUC-SP “Ninguém sabe para onde vai, mas teremos mudanças. É um caminho sem volta, criado pela tecnologia” Samy Dana, professor de finanças e criatividade da FGV-SP A natureza do ser humano é viver em comunidade [...]. Quem tem prazer ao compartilhar vive melhor Leila Salomão Tardivo, professora doutora do departamento de psicologia da USP


pub BRASIL

Por muito tempo, os trabalhadores lutaram - e ainda lutam pela redução da jornada de trabalho em busca de maior tempo livre. Com a revolução industrial e mais ainda após a Segunda Guerra Mundial, os trabalhadores conquistaram essa redução, diminuindo seu tempo de trabalho e conseqüentemente aumentando seu tempo livre.

churrasqueira, além de móveis e utensílios domésticos. No local também é oferecida uma ampla área de camping e churrasqueiras que aliadas à beleza natural do lugar, oportuniza momentos de descanso e lazer às famílias trabalhadoras de Timbó e região. Pensando em propiciar um espaço de lazer para a realização de pequenos encontros e confraternizações, para os associados do Sindicado, a direção também investiu nos últimos dois anos na aquisição e organização do Recanto dos Metalúrgicos. O espaço está localizado próximo ao Jardim Botânico, em Timbó e tem uma área de 23.500 metros quadrados que comporta toda a estrutura necessária para a realização de pequenos eventos, como batizados, aniversários, e outras comemorações especiais.

Na realidade, muito mais do que tempo livre, os trabalhadores conquistaram também o direito ao lazer; sobrava mais tempo para se divertir, para relaxar, para se entreter e para o seu desenvolvimento pessoal e social, aumentando a sua qualidade de vida. Uma das entidades que sempre esteve junto aos trabalhadores, de Timbó e Região, na conquista de seus direitos é o Sindicato doa Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas Mecânicas e do Material Elétrico de Timbó e Região (Stimmmet). O Sindicato que completa 50 anos de actuação, oferece além de uma sede de 1.800 m2 de construção, composta de amplas e modernas instalações, salas para realização de cursos, auditório com 210 lugares, amplo estacionamento e toda estrutura para prestar importantes serviços aos trabalhadores, também está investindo em áreas de lazer para oferecer espaços, onde os trabalhadores possam reunir-se com familiares e amigos, na realização de confraternizações e também descansar nos finais de semana, feriados e férias.

O local conta ainda com um amplo espaço de estacionamento, churrasqueira interna com fogão à lenha para os dias frios, varanda, cozinha completa com eletrodomésticos (geladeira, freezer, microondas, forno elétrico, entre outros utensílios doméstico), área com mesas e cadeiras; dois banheiros completos e demais dependências. Um ambiente exclusivo e aconchegante para realizar um evento especial, com capacidade máxima de 50 pessoas.

Stimmmet: um compromisso com valorização dos trabalhadores e associados

Uma das áreas de lazer do Stimmmet, que hoje oferece uma estrutura exemplar, é a Colônia de Férias, localizada em Palmeiras, no município de Rio dos Cedros. No local, o associado trabalhador encontra quatro casas de campo, amplas e arejadas, que comportam: cozinha, quartos, banheiros e varanda com 89


Abreviando conhecimento! Um amigo querido, desses que a gente convive (ele nem imagina) e vai bebendo da sua sabedoria disse-me noutro dia: “se não ler, não escrevo”. E o camarada tem um texto muito acima da média e me levou a pensar. Então estamos todos “fuzilados”, para não dizer outra coisa, pois, com certeza, lemos muito pouco! Enquanto a média de leitura em outros países é significante, no Brasil estima-se que lemos de um a quatro livros por ano. Vamos lá, com muito boa vontade, cinco livros. Não mais que isso! Enquanto um europeu já consumiu, por baixo, uns dez livros nesse mesmo período. Esse meu amigo, por exemplo, é voraz, quase um glutão, devora a leitura e a média dele fica em torno de uns trinta livros/ano. É para humilhar! Aí mergulho diretamente em dois gargalos da cultura brasileira. Deparo-me com as notas obtidas nas provas de redação de nossos universitários, um desastre e, também, na atual forma de comunicação oferecida pelas redes sociais, onde, para sermos espertos decidimos abreviar tudo (td). Se já não lemos o suficiente para aculturar-nos, imagine adicionar a isso a forma abreviada de conversar com outra pessoa no modo virtual. E o mais grave é que essas novas formas de saber das coisas - dos outros - nos rouba o precioso tempo da leitura. Viajamos por um mundo meio sem nexo e abrimos mão da real viagem que o livro propõe. E, como se já não bastassem os erros crassos de português, agora tem sido comum ouvir as pessoas falar errado, empregando mal a língua sagrada e cometendo um verdadeiro genocídio cultural. E nem me refiro a sotaque, afinal trata-se de uma característica regional e, como tal, acho que deve ser preservado. Mas falar errado é inconcebível! E nem se preocupe, ou melhor, se preocupe, pois nessa tocada, vamos escrever mal e falar pior. Claro que a educação se traz de casa e a escola agrega conhecimento. Nesses casos, falham os pais a não dar exemplos de leitura a seus filhos; falham os professores que deixam passar batidos erros gramaticais berrantes. Corrigir é preciso e até elegante. Chamar a atenção de alguém que gostamos é gostar mesmo. É duro ouvir as pessoas assassinando a língua e não fazer nada. Papel dos educadores, mas eles não se preocuparam no tempo certo a fazer prevalecer o bom português. Conclusão: se estamos lendo pouco (ou não lendo nada) e trocando frases com palavras pela metade no Facebook ou no Whatsapp, estamos lamentavelmente abreviando também o nosso conhecimento. Pais, comprem livros para os filhos e para vocês também, a meninada vai seguir o exemplo! Os pais desse meu amigo tinham uma biblioteca com algumas centenas de exemplares. Eram europeus?!

Por Carlos Henrrique Roncálio

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APLICATIVO MÓVEL RESTAURAÇÃO

Pré-Reserva Mesa Indica informações de contacto (telefone, email, website, redes sociais) e localização por google maps. Permite ao utilizador efectuar uma pré-reserva de mesa, com número de pessoas, data, hora e informações de contacto.

PORQUÊ O APLICATIVO ? É a melhor forma de comunicar! Já grande parte da população tem um smartphone e utiliza aplicativos móveis. Um aplicativo é uma ferramenta inovadora e diferenciadora para o seu negócio. Ao estar presente no espaço mobile, está a abrir as portas a um novo mercado, onde pode comunicar directamente com os seus clientes sem quaisquer custos adicionais. Forneça um serviço mais personalizado e com mais vantagens para os seus clientes. Clientes felizes são clientes fidelizados!

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