Raimunda 4

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Apresentação

A RAIMUNDA é uma publicação independente realizada por alunos do curso de Pós-graduação em Estética e Filosofia da Arte do Instituto de Filosofia, Arte e Cultura - IFAC/UFOP. A revista prioriza a produção artística, destacando a obra e o obrar artístico. Com periodicidade quadrimestral, o primeiro número sai em dezembro de dois mil e treze, idealizado e levado a cabo por um grupo de amigos pesquisadores da área das artes e filosofia então residentes e frequentadores de Ouro Preto e imediações. Objetiva compartilhar e divulgar material feito pelos integrantes, bem como agregar novos companheiros para produções e prosas afins.

ano 3 | número 4 | 2015 ISSN edição online: 2358-7342 ISSN edição impressa: 2358-7350 Expediente


Sumário raimunda anárquica, diego guimarães 3 Fogo nos olhos, clécio luiz 4 Pare antes de ler, bruno nepomuceno 5 O velho navio (ou Une Saison en Enfer), jéssica barbosa 6 Mau-olhado, teresa 7 Xeque mate, anne veloso 8 Movivendo, bruno nepomuceno 9 Doze sussurros aos profetas de aleijadinho, diego guimarães 10 Profanação, clayton marinho 11-12 Se eu tivesse asas, homero guimarães 13 Transcender, anne veloso 14 (Há)temporal, bruno nepomuceno 15 A madrugada, anne veloso 16 Dossiê América Latina 17 Poema ou o que quer que seja sobre a condição de estrangeiro e contra os nacionalismos, diego guimarães 18 Eu, América Latina, isaú ferreira 19 Exu! Xamã ou Orixá?, francislene da silva 20 Foto, diego guimarães 21-22 À parte, pelo todo, paulo caetano 23 Fotos, isaú ferreira 24-25 América Latina - La busquéda por un camino, george abner Encarte Raimunda Manifesta


raimunda anárquica *

diego guimarães

a principal característica desta revista não é a sua cara tampouco a sua bunda ou o seu vasto mundo raimundo raimunda pouco importa | interessa mais a sua abertura o espaço livreanárquico que ela oferece ao artista qualquer este seja e o que quer que isto seja | ela não tem dono nem é dona | a revista quer obra quem faz obra quem torna experiência obra | a raimunda é uma qualquer | ela não tem norma não conversável não é fixa é elástica cambiável aberta às selvagerias da vida | recebe sem julgar circula divulga sai berrando tudo o que cabe dentro dela | se tem um limite é o seu espaço cada vez mais largo | a revista raimunda é toda dada

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* poema em comemoração ao aniversário de um ano de publicação da revista raimunda


clecio luiz

fogo nos olhos

depois daquele raio que Hefesto me lançou por pura prepotência no alto da cabeça, deixei de ser menino e vi um fogo de ódio encher-me os olhos. agora vejo tudo em tons de laranja e vermelho e não por acaso queimo tudo que toco machuco e ardo.

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bruno nepomuceno

Pare antes de ler!

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"Nel mezzo del cammin di nostra vita / Mi ritrovai per una selva oscura / Ché la diritta via era smarrita"

["No meio do caminho de nossa vida / Encontrei-me numa selva obscura / Que a estrada reta fora perdida."]

jéssica barbosa

O velho navio (ou Une Saison en Enfer)

“Lasciate ogne speranza, voi ch'intrate” ["Abandoneis toda a esperança, vós que entrais"]

(Dante Alighieri. A Divina Comédia: Inferno) Encontro-me assim, mais ou menos desesperada para voltar, ou para ir a algum lugar ou seguir algum caminho que, sabia, deveria ter tomado a muito tempo atrás; mas que agora urge, grita, me corrompe, me domina e me faz ser só esse desejo, a cada minuto, a cada segundo, a cada respiração minha, como uma doença, estou doente por esse impulso, preciso tomar aquele velho navio, que pode ser minha destruição, mas é nesse fogo que devo queimar, não tenho opção, não posso fazer diferente. Preciso ir, tenho que ir. Sinto-me imóvel, por mais que tenha viajado para tão longe, e conhecido tanta gente estrangeira. Não tenho nada a realizar aqui, essa é a minha conclusão, a sentença final que fiz, nada! Deixem-me ir, realizarei algo nessa vida...

[O que ganharás com tudo isso? O que terás? Ninguém estará te esperando quando pensares ser a hora de voltar. Todos estarão mais velhos e cansados. Tu mesma serás cansada e velha. Não terás mais essa tua disposição juvenil, eloquente. Tudo terá escorrido das tuas mãos e nem terás percebido. O que terás cultivado? Apenas alguns vícios que estarão te matando pouco a pouco. O que ganharás com tudo isso? Já abandonei toda a esperança. Talvez nada ganhe. Mas talvez tudo.

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teresa

Mau-olhado

Entrou como se tivesse (chegado correndo,) algo na mão. Olhei-a pessoa dos pés à cabeça. Senti vergonha de mim mesmo.

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Anne Veloso

Xeque mate

Xeque Já não se pode salvar o rei Nem o reinado Todas as peças no tabuleiro Não há saída Belo jogo Péssimas jogadas Xeque mate

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bruno nepomuceno

Movivendo

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diego guimarães

doze sussurros aos profetas de aleijadinho *

que morram os profetas aleijados | e os seus parâmetros tortos | que corroam no tempo | e não guiem o que vem | que não sejam padrão | não limitem escultores | que não durem para sempre condicionados | que permaneçam agonizando até não mais | e ainda assim sejam história | ainda assim experiência | que venha outra relação com o corroído com o que o corroí com o que corroerá | que não haja mais do que corrosão

*em comemoração ao bicentenário da morte de aleijadinho mas sobretudo aos novos artistas às novas ideias às novas revistas raimundas

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Profanação “Virá me procurar por largo tempo E se deitará, na hora do crepúsculo, No duro chão de pedra.” (Rainer Maria Rilke)

a R.V.

clayton marinho

Um rapaz busca durante horas, no período de suas férias, numa floresta próxima ao chalé da falecida avó, por quem tinha pouca afeição, borboletas com sua rede de aço. Ela é polida e brilhante, devido ao seu cuidado. Quando enxerga uma lança-se euforicamente à caça. Correu por uns longos minutos tentando capturar uma bela espécime azulada, com pequenos detalhes em amarelo e preto que faziam lembrar olhos. Ela escapou numa parte densa da floresta, pois os galhos danificaram os fios da rede. Arrasado pelo descuido, sentou-se cabisbaixo, tentando recuperar um pouco a respiração naquele lugar abafado. Enxugava o suor do rosto com a manga de sua camisa, quando ouviu um sutil assovio. E constante. Parecia crescer naquele espaço, talvez por só agora a adrenalina diminuir, ou por suas orelhas, pela atenção dedicada, começarem a esquentar lentamente. Em seguida distinguiu também o som de uma pequena queda d'água, talvez uma nascente ali por perto. Já tendo desistido de voltar à caça, procurou o lugar. Continuava andando para a parte em que a floresta parecia adensar-se mais, diminuir, ao ponto de exigir que ele se abaixasse. Sentiu alguns espinhos roçarem seus braços e até cortar um pouco a manga – comprida, pela qual agradeceu aos céus. Quando achava que necessitaria de um bolinho de Alice para encolher, saiu de um arbusto para o espaço aberto, uma clareira. No centro havia uma grande estátua. Não reconheceu o material. Talvez fosse de mármore, arriscaria. Mas, os musgos e algumas plantas recobriam o material, ainda que salvaguardassem suas formas. O zumbido, sem dúvida vira dali. Da estátua.

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Seu coração disparou. Parecia que a estátua o chamava, quando não dava a impressão de mover-se, de respirar. Ele se aproximou. Por trás da estátua, agora prestava atenção, assentava-se uma nascente, muito límpida e corrente. Ele contornou a estátua, mantendo distância segura e o contato visual. Lavou o rosto, sentindo-se muito melhor. Tomou sua rede em mãos e suspirando, sentou-se de frente para a estátua. Estava desolado. Porém, não deixava de escutar o zumbido constante. Sabia que vinha daquela estátua. Aproximou-se lentamente, e com a vara a tocou. Para ter certeza, tocou novamente com mais força. Uma última vez, para ter certeza, com mais força. Foi o suficiente para a estátua desabar. Foi lançada para frente, sem piedade e espedaçou-se aos montes. Restou somente o pedestal. Ele se assombrou. Não ficou para ver. Com medo de ser pego, devido ao estrondo da queda, ainda que abafado pela grama, correu sem olhar para trás. Deixou somente sua rede rasgada e, em seu cabo, refletindo friamente aquele pedestal já todo rachado e com uma grande fenda que o atravessava.

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Se eu tivesse asas

homero guimarães

Mas que danado, desalmado É o meu vizinho Que possui um passarinho Preso na gaiola Se eu tivesse Asas para voar 3x Daria voo!... Em alto céu Daria voo!... Rasante ao mar Faria como a andorinha Procurando o verão A saudade se afastaria Do meu coração Perto de mim Sempre haveria um pomar E o amor Que vivo sempre a procurar Seria bem mais fácil De encontrar Se eu tivesse asas 3x Para voar.

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anne veloso

Transcender

Experimentar a dor não é facultativo Como reagir a ela é uma escolha Remoer, revidar, ofender, machucar Cansa. Envelhece. Só serve pra tatuar chagas na alma. Transcender! Avaliar, ponderar, seguir em frente Aprendizados são mais belos que lacerações

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(Há)temporal No espaço-tempo, Preso entre os dedos e a garganta, Se entrelaçam minhas vísceras Em constante bailado. E no mesmo compasso, Se desfazem os traços Que rascunhei pra mim: Instantes perdidos, Constantes, sofridos, Ardidos No peito de quem se esqueceu Que podia lembrar De jamais procurar Descobrir, desvelar O sentido de si, Pois se vai... Como um corpo estendido Ébrio na correnteza E não quer fim.

bruno nepomuceno

Nem sequer começo

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anne veloso

A madrugada

Então era noite Infinita, a gotejar cada segundo As paixões que chegam, o amor que fica, e o fim [que dilacera Resta a fibra Resistente, não há de vergar Pois a dor fenece, as feridas curam, outro dia chega E a paz retorna com o belo amanhecer

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dossiĂŞ amĂŠrica latina


diego guimarães

poema ou o quer que seja sobre a condição de estrangeiro e contra os nacionalismos *

enquanto houver fronteiras o estrangeiro será mais um estranho do que um amigo | invasor ao invés de aprendiz | tampouco deixará de ser essencialmente um consumidor | as barreiras entre as diversas culturas e países podem ser deslocadas | as fronteiras não são apenas linhas demarcadas por estados | o que vem de longe não precisa ser um estranho

* dedicado aos meus amigos e companheiros de viagem pela américa latina george abner, isaú ferreira e joão tunes

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isaú ferreira

Eu, América Latina

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francislene da silva

Exu! Xamรฃ ou Orixรก?


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diego guimar達es

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À parte, pelo todo

O "American Way of Life não pode ser negociável". Isso saiu do busho de alguém aquém do bem.

paulo caetano

“Amém”, protestantes americanos [diriam. São americanos porque são da América do Norte – toda metonímia é pretensiosa.

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Canadá e Alasca: lasca-adereço pra melhorar autoestima. E lá embaixo assim a América Latina – América – erra, latrina, pro excludente estadista estadunidense. Mas isso já é passado.


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isaĂş ferreira


isaĂş ferreira

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Artistas (?) Anne C. G. Veloso Graduada em Engenharia Química, mestre em química analítica pela UFV, atualmente aluna de doutorado na UFV. Vivendo entre o empirismo concreto das reações químicas, as emoções do teatro, as notas transcendentais da música e as delícias dos livros, tudo em perfeita harmonia. Bruno Nepomuceno Licenciado em Artes Cênicas, bacharel em Filosofia e mestrando em Estética e Filosofia da Arte (UFOP). Dramaturgo e diretor do Coletivo artístico comTRASTES e aspirante a poeta. Vai brincando de ser artista enquanto encontrar quem acredita nas farsas que cria. E-mail: brunoanepo@hotmail.com Clayton Marinho Licenciado em Artes Visuais (UFRN) e mestrando em Estética e Filosofia da Arte (UFOP). Vai passando. E-mail: claytonrfmarinho@gmail.com Clecio Luiz Ator, mestrando em filosofia da arte, sabe de nada, fingidor, na bem da verdade, tem menos títulos que o atlético mineiro, mas gosta do chão, de ciscar no poleiro, do teatro e da tragédia de todo dia. É cortina aberta, livro aberto, riso solto, caneta sem rumo, rumo. Diego Guimarães poeta filósofo passarinho bobo da vida. Email: diegoguimafil@gmail.com Francislene da Silva Graduada em Designer Gráfico pela UEMG Escola de Designer. Atua como Designer na criação de Identidade Visual, Editoração e Ilustração. Especialista em Filosofia pela UFMG. Estudante ferrenha do pensamento de Vilém Flusser. Pesquisadora e amante da língua e da cultura italiana.


Endereços eletrônicos: mme.albatroz@hotmail.com http://mmealbatroz.blogspot.com.br George Abner Mestrando em Estética e Filosofia da Arte (UFOP). Email: georgeabner@yahoo.com.br Homero Guimarães Email: homeroguima@yahoo.com.br Isaú Ferreira V. Filho Graduado e pós-graduado em filosofia, atualmente é mestrando em Estética e Filosofia da Arte (UFOP). Tem trabalhos publicados em diversos eventos de filosofia, com ênfase no filósofo René Descartes; aventura-se pela primeira vez na poesia. Email: zaubob@yahoo.com.br Jéssica Cássia Barbosa Mestre em Filosofia e bacharel em Ciências Sociais pela UFRN. Também dança mas nunca ganhou um concurso na área. Email: jessicabarbosa8@yahoo.com.br Paulo Caetano Tem 34 anos e 35 dúvidas; é doutorando em Teoria da Literatura na UFMG. Desavisado, acha que literatura ensina. Autor de Sul do chão (contos). No início pirou com Huxley; depois, Raduan Nassar; agora se perdeu com Primo Levi. Já ouviu muito rock inglês, mas hoje está mais pra Sun Kil Moon. Especula que Matthew McConaughey ganhará outro Oscar. Divaga: toda apresentação é uma performance. Teresa Cabocla exótica, filha de Bandeira e de Ben, pode ser grafada com Z.


Chamada de material artístico Abrangência A Revista Raimunda oferece um espaço para a divulgação de trabalhos de artistas, o que quer que estes sejam e quaisquer sejam os seus campos, concedendo-lhes total liberdade sobre a obra a ser publicada. Sugestão temática Cada edição conta com uma sugestão temática, que tem a intenção apenas de agrupar tematicamente algumas das obras publicadas na edição em questão, sem, no entanto, limitar as demais; ou seja, permanece a total liberdade do artista na escolha do tema do material a ser enviado. Aquele que estiver seguindo a sugestão de determinado número precisa apenas indicá-lo junto ao envio do material, com vista à organização da revista. A sugestão temática da edição número 5 é: ARTE POLÍTICA. Extensão Não há limite de páginas para as obras, desde que a extensão de uma obra não comprometa a edição da revista. Ocupe o quanto quiser da Raimunda.

O prazo de envio para a Raimunda 5 termina no dia 31 de JULHO de 2015. Os interessados devem entrar em contato através do e-mail: revistaraimunda@gmail.com.


Expediente

Editores Bruno Nepomuceno Clayton Marinho Diego Guimarães Realizadores da quarta edição Bruno Nepomuceno, Clayton Marinho, Diego Guimarães, George Abner, Isaú Ferreira e Fabíola Oliveira Diagramação e arte Clayton Marinho, Bruno Nepomuceno Ilustração (poemas Diego): Clayton Marinho Tiragem 200 exemplares Impressão Gráfica da UFOP Endereço de contato com os editores Rua Coronel Alves, 55. Centro. Ouro Preto – Minas Gerais - Brasil – Brasil Cep 35400-000 Site revistaraimunda.wix.com/revistaraimunda Contato revistaraimunda@gmail.com




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