Raimunda 1

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apresentação A Raimunda é uma revista que prioriza a produção artística, destacando a obra e o obrar artístico. Com periodicidade quadrimestral, o primeiro número sai em dezembro de dois mil e treze, idealizado e levado a cabo por um grupo de amigos pesquisadores da área das artes e filosofia então residentes e frequentadores de Ouro Preto e imediações. Objetiva compartilhar e divulgar material feito pelos integrantes, bem como agregar novos companheiros para produções e prosas afins.

Nessa primeira edição, ela será on-line, disponível no site: http://revistaraimunda.wix.com/revist araimunda. Contato para publicação: revistaraimunda@gmail.com.


A imagem que se aproxima de uma pradaria pode ser sentida como uma calmaria, um estar fora do claustro visual e sonoro, ao mesmo tempo tocável, ou tocado, e olfativo – um estar fora. Mas, imerso nisso, a pradaria nos leva a algo que não é agora, que talvez já tenha sido até então procurado, e nunca encontrado. Um lugar, uma imagem realizadora do mais remoto tempo, que incide num ruptura com o presente, nos fazendo notar bruscamente a sua mirada para o amarelo escondido nas nuvens misturado com o verde do vegetal e, ao meio, uma casa. Na realidade uma torre, que está precedida por uma casa, de janelas abertas. E eu a vejo através de minha janela cerrada, cujo vidro arranhado jamais me torna tão insensível quanto o calor desta tarde, em que o vento morno bate na face das crianças que brincam lá fora.

anderson camilo

brechas

- Poderíamos ir lá agora, Zinha. - Agora já disse que não podemos, daqui a pouco escurece e ficaremos lá até o outro dia, pois, nestes vales, sem lua, a via que seria uma reta muda se não virmos nenhum referencial – falou Zinha. - Mas estou muito ansioso – disse eu. - Não se preocupe, a hora sempre chega, o momento sempre passa e amanhã estaremos lá o mais cedo possível – disse Zinha, com a maior calma do mundo. - E as crianças? Ficam lá fora brincando? – perguntei preocupado. - Vou chamá-las. A ânsia talvez seja o veneno da infância, o minuto vindouro que nunca chega, o momento que nunca passa, e a impaciência que impera. Nesse domínio muitos cavaram seu próprio destino, serem expulsos do paraíso e não voltarem mais, como crianças vítimas de uma autoridade sem nenhuma condolência. Mas a noite vem, o amarelo se transmuta num laranja sólido e intensamente fantasmagórico, tão irreal e vivo, que faz o verde se escurecer. E então, momentos depois, nos sentamos à mesa. Estranhei a luz de vela, o ambiente escuro, que faz da comida algo secreto, que não pode estar à vista de todos, mas do qual precisamos necessariamente, assim como algo precioso, a nunca ser tão claramente desvelado. Ao final da refeição e das brincadeiras das crianças à mesa, nos deitamos, cada qual em seus cômodos. A ansiedade me corrói enquanto, impaciente, tento decifrar as formas na escuridão do quarto.

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reações O corpo reage de acordo com a mente, somente aquele que sente sabe o valor que isso tem. A mente age de acordo com o corpo, somente a sensação faz com que a mente se movimente. Uma verdade é irrefutável, a mente não sente sem um outro agente. As reações são irrefutáveis, imutáveis, instigadas pela mente daquele que sente. Mas quando não sente a mente menti, e faz com que a gente machuque outra gente.

sorriso mendicante isaú ferreira

Sopro de alegria suspiro, enquanto seu sorriso vejo fluir. Samba em harmonia desembala, vejo suas curvas em movimento. Reza vela, rezo o mundo, rezo... Enquanto a alegria rodopia, minha angustia não se vai. Gira num mar de inocência, mas não tenho a decência de sorrir. Tento enquanto aguento, porque o meu intento é a felicidade. Felicidade de outrem, que por desdém, não se liga nesse alguém. Que por ilusão ou fraqueza escreve, sem coragem para agir, pedir, mentir... Por tanto mendigo, sem resguardo, do ódio que vivo, do viver assim. Mendicante, angustiado, desregrado, despreparado, desgraçado, desgarrado, danado com tudo o que deveria mas, não me deixo ser.

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nostalgia Lembro com saudade dos tempos de criança, a sujeira vinda dos campinhos de terra que se juntavam à minha camiseta, o cheiro de suor que em nada incomodava, a ponto de continuar adverso à hora do banho, mas acima de tudo lembro-me dos carinhos de minha mãe. A sua voz doce cantando canções de ninar ...se essa rua, se essa rua fosse minha eu mandava, eu mandava ladrilhar..., o cravo brigou com a rosa debaixo de uma sacada..., o seu cheiro peculiar que emanava amor e carinho, seu abraço gostoso me curava qualquer dor, a sua presença que trazia paz nos piores momentos.

Recordo agora da vida adulta, é ela chegou, a vivo constante e intensamente o que não impede que pense nela com certa nostalgia. Afinal, é nela que acredito saber discernir o verdadeiro amor, pensando em viver a vida profundamente com apenas uma pessoa ao meu lado. Ao meu lado? É, acredito que preciso pensar no verdadeiro sentido dessa frase, em outros termos, viver alguns outros momentos de nostalgia.

isaú ferreira

Rememoro também da juventude, essa já não admitia canções de ninar ou resistência em relação ao banho, mas tinha as suas dores que de tão profundas ficaram marcas até hoje. O amor, ah o amor! Sua presença inflamou todo o meu jovem coração com os mais variados desejos e vontades, fazendo-o acreditar que aquela pessoa, namorada, companheira, mulher..., seria para sempre e amém. Ah eu era jovem, não sabia o que era a paixão!

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quem sabe um rabisco Qualquer coisa que se escreve se deve Qualquer tipo de rabisco De risco É pra correr risco que me exponho Sem o fixo a vida perde a graça Mas não significa Que nada que se diga pronto não mude Muito pelo contrário Há uma natural resistência no fluxo que não permite ser apreendida Ela se esquiva, se desalinha Na linha No traço No braço No baço Espaço Ouça o compasso! Ela... Ela silencia quando é dita Emudece quando grita Se compromete Já disse: deve Nunca tem vida própria Ou princípio de movimento Está presa no lápis No lábio Nos anéis dos cérebros.

bruno nepomuceno

E lá se perde... Se encontra... Compactua, trama, ataca. E quando menos esperamos Já se foi

na prisão Cadê aquele homem com uma pilha de livros nas costas Espremido entre bobinas imensas de papel Acorrentado a seu corpo por elos de palavras Cabisbaixo só pensando no eterno? Soubera ele se livrar sozinho? Pois sozinho estava Rodeado de leis feitas pelos que o abandonaram E tatuado de carmim na fronte

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Não era sangue em suas narinas Parecia vômito desviado da boca Por não conseguir contê-lo, soltou. Afinal, alguma coisa deveria se libertar. Se não o homem, pelo menos os restos dele. Mas, se saiu, não parece ter levado nada... Quem sabe perdeu a cor, a dor, o amor E por isso privou-nos de vê-lo? Quem sabe ainda está ali nas lacunas do tempo? Deveras resistira em demasia Mas quando chegou aqui já estava tudo feito Herdara cadeias de seus pais mais antigos E nada pôde fazer. Quisera eu ter ido lá averiguar Responder-me se se foi ou se ainda permanece Se acontecerá o mesmo comigo. Contudo, estou preso também Sob os mesmos grilhões de sabores diferentes.

pra quem quer saber Nunca tive a pretensão De ser uma invenção De trazer a novidade De causar saciedade Nunca quis ser um poeta Muito menos um profeta Nem ter fama de artista Ter carreira de solista Não espero recompensa Nem ser capa na imprensa Escrever para o jornal E fazer comercial

Não preciso ser destaque Terminar com seus achaques Desertar os não-conformes E vender meus uniformes Eu não quero ser modelo E objeto de desvelo Ser sinônimo de eterno Para o mundo hodierno Nunca tive a pretensão

bruno nepomuceno

Nunca quis ser aclamado Coroado, ovacionado Nem ser uma referência De infinita onipotência

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diego guimar達es parada cerca o viaduto num montinho repousa um corpo que reflete na luz do dia parte pesarosa

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diego guimarães tira muito de pouco é brava bravíssima dia após dia encarna a força sangue nos olhos encara

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flávia virgínia


poros (2013) dimensão: 21x28 técnica: arte gráfica sobre fotografia e pintura


relatos de um voyeur em las vegas

ísis zisels 10

Las Vegas é o paraíso dos voyeurs. Um simples passeio pelas ruas movimentadas alimenta qualquer par de olhos famintos. Tardes azuis cor de sombra de prostituta, lojas iluminadas, moças discretamente vulg ares, executivos lobotomizados, meia-dúzia de punks e travestis. Gosto de espreitar becos e boates decadentes. Às noites, dançarinas acabadas, corrompidas por singelos traços de feiura, despem promessas de morte... Aos trinta, conheci uma estrangeira que despia promessas de amor. Movia-se lenta, ousada, ao som de antigos vinis. O contorno do corpo fosforescia sob a lâmpada, como se fosse aura incandescente. Lábios exagerados e cabelos curtos concediam-lhe elegância dissimulada de atriz. Desabotoava o vestido transparente intimidandome fixamente com olhos felinos. Ela, fêmea fatal, insinuava-se emudecida. Eu, estático, observava seu mistério... Naquela noite, as botas brilhantes da moça conduziram-me pelas vielas silenciosas, produzindo ritmados estalos. Chegamos ao quarto de um velho motel de paredes mofadas. A jovem permanecia sedutora... As luzes da cidade penetravam a janela, refletindo em sua pele tons lilases. O vestido branco sobrepunha, translúcido, a lingerie de seda preta. Banhada em cores vibrantes despertava-me obscuros desejos... Aproximou-se cada vez mais, esboçando sadismo no sorriso. Sabia exatamente o que queria... Antes de amar-me, retocou o batom espesso. Deitou-me na cama, dominadora, tomando-me a gravata do pescoço e atando-me os pulsos entregues. Unhas e mordidas enlouquecidas provocaram-me agudos arrepios, gritos sufocados. No dia seguinte, os reflexos coloridos haviam dissolvido-se. A manhã mostrava-se morna e opaca. O céu ocre e o barulho irritante do trânsito causavam-me vômito e enxaqueca. Despertei contra vontade. Esfreguei os olhos cansados e desfiz, com dificuldade, os nós da gravata. Quis mentalmente fotografar a vida irônica: manchas de beijos pelo corpo. Na grande Las Vegas: eu, vestígios de boca e o perfume seco da solidão...


encontro casual Degustava meu whisky, proferindo meu momento Greta Garbo, enquanto ele, Don Juan, aproximava-se inconveniente... - Aceita outro drink, gata? - Surpreenda-me, querido. - Garçom, um Chivas para a moça. - Sem gelo, por favor! Acrescentei. - As Time Goes By é uma linda canção, não acha? - Sim, mas prefiro ouvi-la em silêncio... sem perguntas clichês. - O que te excita? - Bertolucci. - L'ultimo Tango A Parigi? - Claro. E você? - Orgasmos femininos. Fui clichê? Bebi um gole de Chivas Regel, umedecendo os lábios. Fechei os olhos, deslizando as mãos pela nuca... Fingindo desejo, emiti gemidos de lascívia, palavras despudoradas... - Não, eu que fui. Respondi-lhe, após a encenação. Ele riu atônito, completando com ironia: - Foi bom só pra você? Acendi o “cigarrinho de depois”, enquanto os rostos assustados espreitavam-me. Em seguida, estendi-lhe a mão, fitando-o blasé: - Norma Lúcia. O prazer é sempre meu. - Eduardo. Passar bem. Afinal, não é tão clichê o ex pagar um drink...

icunoclasta

ísis zisels

RAIMUNDA IMUNDA DESBOCADA DESBUNDA O BUSTO DA BUNDA NA PRAÇA O CUME DA GRAÇA

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george abner

loucos, poetas e guerrilhas “Antiguamente teníamos un libro original, pintado desde hace muchos siglos. Su significado está oculto al que lo mira y al que medita sobre él. (...) Grande fue su llegada a nosotros y que nos enseñaron lo que en el contenía”. (Trecho retirado do livro sagrado dos Mayas, el Popol Vhu). José Martí (1853-1895), poeta, pensador e guerrilheiro cubano, que morreu em combate lutando pela independência do seu país escreveu: “Ya no podemos ser el pueblo de hojas, que vive en el aire, con la copa cargada de flor, restallando o zumbando, según la acaricie el capricho de la luz, o la tundan y talen las tempestades”. Nesse mesmo texto, ele também dizia: “La universidad europea ha de ceder a la universidad latinoamericana. La historia de Nuestra America, de los incas acá, ha de enseñarse al dedillo, aunque no se enseñe la de los arcontes de Grécia. Nuestra Grecia es preferible a la Grecia que no es nuestra. No es mas necesaria”. Cesar Vallejo (1892-1938), o mais importante poeta peruano e um dos maiores da nossa América Latina, que lutou na guerra civil espanhola ao lado dos republicanos, aonde se enfermou vindo a falecer pouco depois em Paris para onde foi trasladado, refletia também sobre a nossa relação com Europa: “Solidaridad? Comprensión? No existe nada de esto en Europa respecto a la América Latina. Nosotros, en frente de Europa, levantamos y ofrecemos un corazón abierto (...) y de Europa se nos responde con el silencio y con una sordez premeditada y torpe, cuando no con un insultante sentido de explotación. (...) Medio año llevo en Paris, y puedo decir que (...) jamás rotativo alguno ha visto la más ligera notícia de Nuestra América. Qué significa semejante boicote? (...) Cooperación? Ya la suscitaremos algún dia a puñetazos. (...) Bajo Império! Aqui estamos los bárbaros!”. Ele afirmava também que: “Un poeta piensa que, por ser poeta, no puede hacer otra cosa que versos para ganarse el pan. Día y noche escribe versos. (...) Hacer zapatos un poeta? Qué ofensa! (...) El poeta, el novelista, el dramaturgo, de este modo, se han parcializado (...) Se han profesionalizado. Están mutilados. Están perdidos...”. Frente a estas declarações de Vallejo, eu pergunto: suas afirmações não poderiam servir de alerta para todos nós da revista Raimunda, futuros poetas e filósofos, que sonhamos todos os dias com a inteligência acadêmica da coruja de Minerva pousando sobre nossas cabeças? Enquanto isso, louco e aprisionado na sua cama dentro de um pequeno quarto, o poeta nicaragüense Alfonso Cortés (1893-1969) escrevia olhando desde sua pequenina janela (ventana): “Un trozo azul tiene mayor/ intensidad que todo el cielo/ yo siento que alli vive, a flor/ del êxtasis,

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george abner

feliz/ mi anhelo (...) Y en la alegria de los Gestos,/ebrios de azur, que se derraman.../ siento bullir locos pretexto,/ que estando aqui, de allá me llaman”. E em outro poema interrogava: “La tierra no conoce los caminos/ por donde a diário anda – y/ más bien esos caminos son la/ conciencia de la tierra... -/ Pero si/ no es así, permítaseme hacer una/ pregunta: - Tiempo, donde estamos/ tu y yo, yo que vivo en ti y/ y tú que no existes?”. Agora eu dou “um largo passo no tempo”, com a permissão de Alfonso, para encontrar muy, muy, muy rapidamente com Javier Heraud(1942-1963), poeta e guerrilheiro peruano: “Yo soy el rio./ Pero a veces soy/ bravo/ y/ fuerte,/ pero a veces/ no respeto ni a/ la vida ni a la/ muerte”. Ele tinha apenas 21 anos de idade, quando no dia 15 de maio de 1963 foi assassinado pelo exército peruano. Em outro dia 15, desta vez de janeiro de 1970, o poeta Leonel Rugama (1949-1970) gritava: “QUE SE RINDA TU MADRE!”, para logo em seguida cair em combate com a guarda nacional somocista da Nicarágua. Ele também tinha apenas 21 anos de idade. No seu poema BIOGRAFIA, ele parecia estar profetizando o seu final: “Nunca apareció su nombre/ en las tablas viejas del excusado escolar./ Al abandonar definitivamente el aula/ nadie percibió su ausencia./ Las sirenas del mundo guardaron silencio,/ jamás detectaron el incendio de su sangre. (...) Todo mundo careció de oídos y el combate/ donde empezó a nacer/ no se logró escuchar”. Otto René Castillo (1934-1967), nascido na Guatemala, terra dos Mayas e do pássaro Quetzal, morreu aos 35 anos. Feito prisioneiro durante um combate com o exército guatemalteco, ele foi barbaramente torturado e em seguida, queimado vivo. Pouco tempo antes da sua morte ele havia escrito: “Comprended entonces, la pobreza de mi país/ y mi dolor y la angustia de todos./ Si cuando digo: Pan!/ me dicen,/ Calla!/ Y cuando digo: Libertad!/ me dicen:/ Muere!”. Roque Dalton (1935-1975) viveu mais tempo que Heraud, Rugama e Otto. Nascido no pequeno país de El Salvador, que ele apelidou carinhosamente de el pulgacito del mundo, um dia pegou o seu caderno de escrever poemas, guardou dentro da mochila que logo jogou às costas, armou-se com um fuzil e saiu em direção à luta guerrilheira. Mas o seu caso é totalmente distinto de todos os outros aqui relatados e por isso mesmo, necessita de uma profunda reflexão revolucionária. Integrado ao grupo guerrilheiro Ejercito Revolucionário del Pueblo –ERP de El Salvador, após vários anos de luta, ele considerava que já era chegada a hora de que sua organização realizara uma revisão crítica da linha política militarista que lhe havia orientado até aquele momento. Era um momento no qual a guerrilha, para garantir sua sobrevivência,

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necessitava de extremas medidas de segurança em relação à confiança nos seus quadros. As palavras de Roque não soaram muito bem aos ouvidos dos dirigentes guerrilheiros, suas idéias livres e críticas começaram a ser mal interpretadas pelos companheiros, e pouco tempo depois, ele seria acusado de traidor e finalmente fusilado. Anos mais tarde o ERP fez uma profunda autocrítica sobre o fato, mas era muito tarde: o poeta já não mais voltaria a sua terra para que nela poetizasse. Ele também parecia advinhar o seu final quando escreveu no seu poema LOGICA REVI: “Una autocrítica equivale ao suicídio”. Para nós, futuros poetas e filósofos, ele mandou dois recados: Primeiro, “No confundir, somos poetas que escribimos/ desde la clandestinidad en que vivimos./ No somos, pues, comodos e impunes anonimistas:/ de cara estamos contra él enemigo/ y cabalgamos muy cerca de él, en la misma pista”. O outro recado foi: “En la Grecia antigua/ Aristóteles enseñaba filosofia a sus discípulos/ mientras caminaban por un gran pátio./ Por eso su escuela se llamaba “de los peripatéticos”./ Los poetas combatientes/ somos más peripatéticos que aquellos peripatéticos de Aristóteles/ porque aprendemos la filosofia y la poesia/ mientras caminamos/ por las ciudades y las montañas de nuestro país”. Para finalizar este pequeno texto, no qual ofereço um pequeníssimo esboço sobre a luta dos poetas pela construção de um pensamento poético filosófico do nosso Continente, desejo aqui interrogar: Existe uma filosofia de Nuestra América? Por que não se propõe (ou nunca se propôs) realmente responder a esta pergunta dentro das salas de aula, corredores e pátios das nossas universidades, onde se inclui o Instituto de Filosofia, Arte e Cultura da UFOP? Romper com a imitação histórica que até hoje vem submetendo o pensamento latino-americano, significa ter que destruir o muro que não nos permite enxergar a luz emitida pela Cordilheira Andina nem os segredos guardados na profundidade das águas turvas do rio Amazonas.


um chá com (p)essoas Cenário: Ao lado direito do palco uma mesa, com uma máquina de escrever em cima, e um cinzeiro ao lado. Ao fundo no centro um relógio cuco com um divã em abaixo. Do lado esquerdo, uma mesa redonda com três cadeiras ao redor. (Entra um rapaz de calça jeans, camisa branca, casaco marrom e óculos, senta-se no divã, apagam-se as luzes). (Ouve-se o seguinte poema):

Cena 1 – Me(u) encontro marcado. (Abre-se um foco de luz no palco ao lado direito, iluminando uma mesa rudimentar com uma máquina de escrever sobre, atrás da mesma uma cadeira de madeira rudimentar tal qual a mesa, ao lado direito da máquina um cinzeiro de vidro; apaga-se a luz. Abre-se um foco do lado esquerdo, iluminando uma mesa redonda, dispostas ao seu redor três cadeiras; existe um bule, uma xícara e um envelope vermelho ao lado; apaga-se. Inicia-se uma música, novamente o foco do lado direito se abre, agora luzes ao fundo mostram o resto do cenário, com exceção da mesa circular vemos um relógio cuco de parede ao fundo, uma janela do lado direito. É quando entra uma figura vestida de casaco marrom, óculos, camisa branca, calça jeans azul segurando um cigarro, senta-se na mesa, tira uma caixa de fósforos e acende o cigarro. Depois de umas três profundas tragadas e uma relaxante encostada no encosto da cadeira, ele começa a escrever na máquina, assim vão se repetindo as ações; fumar, escrever, e bater as cinzas do cigarro, não necessariamente sempre nesta ordem, apaga-se as luzes, o som da máquina continua por algum tempo. O foco abre-se ao lado esquerdo, mostrando agora também o cenário, entra um rapaz vestido de camisa branca, calça jeans azul e óculos, olha para a mesa, para o relógio por último para a janela, observa o que há lá fora e senta-se a mesa na cadeira ao lado esquerdo; apaga-se as luzes. Acende-se foco na mesa redonda e cenário que está sem ninguém nas cadeiras, entra um rapaz de camisa branca, casaco marrom e calça jeans azul; olha pela janela, cumprimenta alguém com um movimento de cabeça, senta-se a mesa a lado esquerdo, observa curiosamente o envelope e beberica um pouco do conteúdo da xícara; apagam-se as luzes. Acende-se foco na mesa redonda onde não há ninguém e cenário, entra um rapaz de camisa branca e calça jeans azul, se dirige calmamente para a mesa, senta-se ao lado direito dela, dá uma golada no conteúdo da xícara, abre um sorriso):

márcio oliveira

Pois pode ser no momento em que se para e toma um chá, momento de reflexão, momento de criação, momento em que muitas vezes somente, simplesmente sente-se que estamos vivos e que somos muito grandes para ser um só; precisamos tomar várias xícaras diferentes de chá.

Campos – Mas que coincidência vocês dois aqui! ( Apagam-se as luzes)

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márcio oliveira

Cena 2 – A bebericar e el(o)ucubrar. ( Abre-se o foco na mesa redonda o rapaz de óculos do lado esquerdo, aproxima sua cadeira da cadeira que está no centro se tivermos uma perspectiva da platéia). Reis - Sim e enfatizaria, melhor coincidência não haveria de ser, acho que momento tão celebre como este merece uma comemoração, e quer melhor comemoração que a composição e entoação de uma ode feita aqui neste momento, uma ode ao nosso reencontro (faz menção a cadeira do centro), ao meu divino mentor (faz um aceno a cadeira da direita), bem e a quem posso me referir como meu parceiro ou talvez até rival. Mas vamos nos ter ao que interessa( levanta-se da cadeira aproxima-se do limiar do foco). A que honra devo nosso precioso reencontro, e ilustre presença vossa. Ao acaso ,haveria de agradecer tal gracioso chá com biscoitos. Acho que não posso permitir, mas sim aos deuses é a quem devo clamar por te ver aqui, com certeza concepção de Zeus, que maquinou tal acontecimento e ordenou que Hermes nos convidasse. Presunçoso posso parecer em dar inicio a nossa bebericação com está recitação, mas tenho o que chamo de um impasse, me cutuca a nuca de curiosidade, saber quem e porque deixaste este envelope ao lado deste chá mate.(Desmonta sua postura e senta-se a mesa novamente, serve-se do chá, observa com um olhar curioso o envelope vermelho ao lado da garrafa de chá) Bem meus amigos está é minha contribuição para dar início ao que chamo de nossas elucubrações, pois mesmo tendo nossos afetos e desafetos, somos um tanto quanto dispares em nossas ideologias de vida, por mim eu tornaria esse encontro um verdadeiro sarau de poesias, estou de muita paz com minha musa hoje e cantaria o seu nome aos quatro cantos do mundo. Creio que vocês devem ter recebido como convite um envelope vermelho como este ai em cima da mesa, presumo, já que eu fui convidado assim, agora por quem o envelope não da à mínima informação. Admito que aguce minha curiosidade em saber quem nos convidou talvez o nome do nosso anfitrião esteja neste envelope (olhar misterioso), mas como dito estaria feliz com meus poemas, existem coisas das quais os deuses não nos revelam, pois estragariam o valor e o sentido de nossa vida, prefiro viver sem questão, basta-me a admiração. Enfim acho que o chá também está uma delícia (passa a mão na mesa colocando o envelope de lado), entreguemo-nos ao fruir. (Apagam-se as luzes, inicia-se o som da máquina de escrever). (O som da máquina vai se cessando, abre-se novamente o foco, quem está lá é somente o rapaz sentado na cadeira ao meio vestido de calça jeans e camisa branca, inclina-se na mesa referindo-se aos outros dois e começa a se manifestar) Campos - Um chá independente de que erva seja composto, é sempre uma delícia, quando ainda acompanhado por duas figuras ilustres como vocês se

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torna mais aprazível ainda seu gosto, ao qual bebo e repito, e creio ser de nosso consenso (aponta para si e a cadeira da esquerda) esse juízo do momento, a ti (olhar de

esgueira para a direita) acho que não posso afirmar com certeza tal assentimento, mas nem por isso vou deixar de lado meu desfrute do momento no bebericamento a seu lado. Só devo confessar que me incomoda um pouco tal enunciamento; elucubração. Fale sério, tire-me daqui tais vontades e pensamentos, somente estou aqui e elucubrar passa longe de mim e do meu ser, não conclua nada. Com relação a sua recitação a acho de muito bom tom, desfruto de cada momento em que elas tomam forma ao vibrarem o ar e posso rememorar com precisão acho a articulação de sua mandíbula e lábios, ao qual não pude deixar de apreciar, mas ao que me é muito agradável na forma não sei se posso dizer o mesmo no conteúdo, clamar a Zeus, Apolo, Dioniso e seja lá qual for, não é de muito meu apreço, seria o mesmo que um Ave Maria em tal momento, o que vejo são xícaras, chá, um relógio com um som peculiar e uma sala ao meu redor, muito mais interessante me seria falar deste que com sua simples beleza pode me levar ao sublime da contemplação que se da no presente momento, aqui e agora. Deixe Hermes de lado, estamos aqui e a quem devo isso realmente não me importa, estou feliz em estar. Agradecer a quem me trouxe até aqui, que me convidou, não creio ser de importância também se não de certa que ele estaria aqui, exigindo isto. (Senta-se e toma mais uma xícara), concordo com o desfrute, e sim recebi um envelope tal qual este, mas creio que ele vá me levar a nada, e creio que você (a direita), mesmo que de forma diferente me acompanha em tanta sede de beber, enquanto existem outros, penso que nem sede sentem.(Serve mais uma xícara), ao meu beber ao de vocês.(Empurra o envelope para a direita, apagam-se as luzes, inicia o som da máquina).

Campos - Bom não diria que me falta sede mas tenho tanta, que beber não me faz sentido, porque nem todo o líquido do mundo poderia me hidratar.(Olhando para os outros dois lugares na mesa, sentado nela leva as duas mãos entrelaçadas segurando o queixo), acho um tanto peculiar realmente nosso encontro aqui, este ao qual denominamos chá, diria que é algo um tanto quanto interessante, não sei se digno de tal brinde e tais festejos, mas o que realmente na vida merece tal reconhecimento, sendo assim não deixo de beber com vocês(serve-se de uma xícara de chá). Pois peço desculpas desde já elucubrar é

márcio oliveira

(Vai cessando o som da máquina de escrever, as luzes vão se acendendo novamente na mesa redonda, um rapaz está sentado ao lado direito, veste uma camisa branca, por cima um casaco marrom e uma calça jeans):

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márcio oliveira

inerente ao meu respirar, e se nossa reunião ficar entediante creio que haverá de ser por minha causa, não que eu já esteja desde já denegrindo minha imagem, mas é que sou sincero e transparente. Poetizar, rimas criar, odes cantar, não fazem parte também do meu ânimo particular, e devo também se quiser me condizer vôs confessar que contraditório o tempo todo não deixo de ser. É que vejo dentro de mim todas as vontades eclodindo como sem cessar por um momento, e sempre vejo me movendo ao nada. Se os deuses me puseram aqui, o que a eles fiz para merecer tal castigo, mas se eles realmente nem existem, a quem fui tão ingrato e indigno? Por favor não me crucifiquem igual a Jesus Cristo, ou pelo menos não me deixem na cruz por mais de um dia e meio. Se morrer é o fim me sinto feliz, mas e se estes malditos pensamentos me levam a crer que exista algo depois do existir como no momento agora o concebemos; sofrimento. Acho que meu problema é que as vezes diluo tudo, conceitos, tudo é nada e nada é tudo. Sempre correrei atrás do nada que no fim tenho certeza de que obterei. Com relação a fruição do chá de vocês sim, minha resposta e sim fruirei com o maior prazer, mas minha fruição não está no momento de bebericação, muito menos nas referencias aos meus deuses e minha imagem de inspiração; minha fruição esta neste envelope vermelho e creio que todos os meus desapontamentos também se não descobrir quem é meu anfitrião.( Apagam-se as luzes, o som na máquina de escrever recomeça,para, a música para, ouve-se um som de um suspiro, um cigarro é aceso no escuro ao lado direito do palco,após alguns segundos, ouve-se um som de cadeira sendo arrastada, apaga-se o cigarro, começa o som da máquina de escrever, a música vai retornando num crescente). Cena 3- O (!) eu anfitrião (?) Reis – Ora, como assim, quem é nosso anfitrião? Acabei brincando, fazendo, poemas aos deuses, mas achei isto de envelope vermelho e de convite anônimo era só uma forma de criar um clima no chá. Afinal faz tempo que não nós vemos isso não é armação sua Campos. Foi ti quem nos convidou (rindo). Campos – Não, não mesmo! Não me apetece tanto, o líquido extraído das ervas. Muito menos aqui, neste local, eu nem moro aqui, e você me conhece bem, eu nunca arquitetaria tal ocasião. Não me faz sentido, nem meu tipo. REIS E CAMPOS - (juntos) Caeiro??? Caeiro – Olha, eu não tenho nada a ver com isso também, muito formal pra mim, elucubração de mais, tanta dramatização, tanto mistério. Quer saber, me da esse envelope aqui.

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(No momento em que ele vai abrir, os outros dois esticam o pescoço)

Caeiro – A cala boca, inconstante, não é hora de filosofar não, você falou, agora eu quero saber o que tem aqui dentro. Reis- Mas reflita antes, destinado já está figura insignificante. Nossa vida não vai mudar ao abrir este envelope.

márcio oliveria

Campos – Espera, não vai fazer nenhuma diferença você abrir o envelope, não faz diferença, pensando bem em saber quem é nosso anfitrião, a nos nada mais resta, nos pregaram uma peça. Jogados aqui, como abandonados no mundo...

Caeiro – Por isto mesmo, vou abri-lo. Isto nunca deixou de ser um envelope vermelho. Reis – Pode ser muito, mais que isso. Caeiro – Nunca vai ser nada. Campos – Não passa de um simples envelope vermelho, até ser aberto. Caeiro – Pois abra então. Reis – Abra, olhe e arque com as conseqüências. (O rapaz do meio abre o envelope) Caeiro – Leia (ansioso). Reis – Isso leia (receoso). Campos – ( Lendo) Para saber quem eu sou lembre-se do último chá.

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miniconto cxii Conheci há alguns anos, no passo de sonhos, um povoado isolado nos confins do pensamento. Diziam-se os melhores homens do mundo: viviam em harmonia, não havia criminalidade, todos tinham emprego e uma boa educação. Dizer “bom dia, que belo dia à sua companhia” era a primeira via de estabelecer relação. Reuniam-se duas vezes ao dia, para tomar as decisões da administração da cidade. Era um uníssono, quase idêntica a música gravada. Cheguei como quem não quer nada, desejando somente passagem. Fui bem recebido, quando disse que era um passante. De face trancada, aliviara-se em sorriso e boa recepção. Todavia, não podia participar das reuniões. Ficava de fora somente escutando. Todos saiam e me sorriam, como de costume: “tudo bem?”, “não tão bem”, amistosamente respondia. Paralisaram. Era um choque coletivo. Saíra fora do padrão. Não sabiam o que dizer em seguida. Igual a avalanche, aqueles laços sólidos se desmancharam no ar. A indiferença substituiu aquele caloroso e vazio sorriso. O silêncio tomou o seu lugar. Em menos de dois dias, fui convidado a me retirar. De bom grado, guardei o pouco que tinha, sentimentos e pensamentos, e fui embora. Aquele lugar não dava espaço para isso.

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Flávia Virgínia. 25 anos. Belo Horizonte. MG. Mestranda em Estética e Filosofia da Arte (UFOP), especialista em filosofia (UFMG) e graduada em Artes Plásticas (UEMG) e Design de Moda (FUMEC). Trabalha como estilista e é professora da disciplina Processos Criativos, no MBA de Direção de Moda, no centro universitário UNA. Endereços eletrônicos: flavirginia@gmail.com e http://transversalidadeestetica.blogspot.com.br/

Bruno Nepomuceno. Licenciado em Artes Cênicas, bacharel em Filosofia e mestrando em Estética e Filosofia da Arte (UFOP). Dramaturgo e diretor do Coletivo artístico comTRASTES e aspirante a poeta. Vai brincando de ser artista enquanto encontrar quem acredita nas farsas que cria. brunoanepo@hotmail.com Ísis Zisels. Estudou música na Esc. Lila Carneiro Gonçalves. Possui formação em Filosofia, atualmente é bolsista do mestrado em Estética e Filosofia da Arte (UFOP). Participa de várias iniciativas que movimentam o cenário da música independente de BH. E-mail: Zisels@hotmail.com Clayton Marinho. Licenciado em Artes Visuais (UFRN) e mestrando em Estética e Filosofia da Arte (UFOP). Vai passando. E-mail: claytonrfmarinho@gmail.com Diego Guimarães. é ainda jovem escritor poeta estudante de filosofia brasileiro mundano pelejando com seu primeiro livro de poemas quem sabe impublicável por um motivo qualquer. contato em diegoguimafil@gmail.com ou por ai por aqui por ali ou pra quem gosta de passado o desatualizado mas ainda útil quaisquerqualquer.blogspot.com Márcio Oliveira Souza da Silva. 26 anos. Licenciado em Artes Cênicas pela UFOP, autor de textos como “A Quintessência de Alice” (Cia. Calor de Laura), “O Minto dos Labdácias: Antígona” (Grupo Bravata), dramaturgista no processo colaborativo “O Projeto Woyzeck” e no experimento “Um Noturno para o chá das cinco” (Grupo Os Não-Lugares), entre outros. Atualmente é mestrando em Estética e Filosofia da Arte (UFOP).

Isaú Ferreira V. Filho. Graduado e pós-graduado em filosofia, atualmente é mestrando em Estética e Filosofia da Arte (UFOP). Tem trabalhos publicados em diversos eventos de filosofia, com ênfase no filósofo René Descartes; aventura-se pela primeira vez na poesia. zaubob@yahoo.com.br George Abner. Mestrando em Estética e Filosofia da Arte (UFOP). email: georgeabner@yahoo.com.br

identificação

Anderson Camilo. Nascido na cidade do Rio de Janeiro, mas crescido e criado em Natal, sendo bacharel em Filosofia (UFRN) e mestrando em Estética e Filosofia da Arte (UFOP), nutriu, ao longo do tempo, um sentimento aproximativo relacionado à temas subversivos, especificamente aqueles que caminham na via contrária em relação aos interesses da produção e do trabalho pensados enquanto télos. É piadista sem talento e músico amador nas horas vagas, contribuindo para o crescimento da música podreira.


Ilustrações (poemas de Diego Guimarães)

Clayton Marinho

Edição Clayton Marinho e Diego Guimarães

Capa Clayton Marinho

Cada autor foi responsável pelo conteúdo e correção de seu texto.


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