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ESTRADA DE FERRO 217 aNOS DA IRMANDADE DE SÃO BENEDITO DE BRAGANÇA

MESTRE OFIR SABOR SELVAGEM

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bragança A POÉTICA DA BRAGANTINIDADE

TEATRO

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FOTOGRAFIA

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MÚSICA

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CINEMA

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DOCUMENTÁRIOS

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1 ECONOMIA lwww.revistapzz.com.br ARTES VISUAIS


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HISTÓRIA Bragança: Um olhar por Dário Benedito Rodrigues.

LITERATURA A Poesia de Jorge Ramos, o poeta da bragantinidade. Bragança Antiga: Poesia de Gerson Guimarães

14 Edição 21 | 2015

Benquerença: Poesia de Maria Lúcia Medeiros

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PATRIMÔNIO O Patrimônio revitalizado e a Indústria do Conhecimento O Círio de Bragança

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ITINERÁRIO

EDUCAÇÃO O Instituto Santa Terezinha - Tradição e Modernidade Instituto AMA - Arte e Cultura

PERFIL O perfil de mulheres

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CINEMA O Cinema no Caeté e a projeção atual

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DOCUMENTÁRIO

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Trilhos: o Caminho dos Sonhos por Leôncio Siqueira Cavalgada dos Trilhos

TURISMO

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Rotas Turísticas

ESPECIAL

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A Festividade de São Benedito por Armando Bordallo

GASTRONOMIA o Chef Ofir Figueredo sabores de Bragança

ENSAIO FOTOGRÁFICO

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Paula Giordano: Farinha com Sabor Amor .

FOTOPOESIA

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Diretoria Executiva Carlos Pará e Fábio Santos Editor Responsável Carlos Pará 2165 - DRT/PA Diagramação Carlos Pará Fotógrafo Renato Chalu Pacheco Produção Executiva Carlos Pará Webdesigner Andrey dos Anjos Revisão Final: Elias Teles Impressão: Gráfica Sagrada Família Distribuição Belém, Pará, Brasil Assessoria Jurídica: Alfredo Nazareth Melo Santana 11341 - OAB-PA Contatos (91) 98335-0000 email revistapzz@gmail.com Twitter @revistapzz Facebook https://www.facebook/revistapzz

cartas A Revista PZZ é uma publicação bimensal da Editora Resistência Ltda - Av. Magalhães Barata, 391, Belém, Pará, Amazônia, Brasil Cep 66093-400 Cnpj : 10.243.776/0001-96 Issn: 2176-8528 site: revistapzz.com.br

Paisagens Fluídas - Versão Ajuruteua por Renato Chalu

TEATRO Aviz de Castro

ENSAIO

96 Parceiros

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Valdir Sarubbi - Memórias Afetivas por Mariana Bordallo

MÚSICA

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Os Soares e Paulo Uchôa

ARTES VISUAIS

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Artistas de Bragança

CARNAVAL

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A folia Multicultural de Bragança

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HISTÓRIA

Dário Benedito Rodrigues

BRAGANÇA O historiador DÁRIO BENEDITO trata da gênese de uma cidade, com muitas controvérsias, mas que nasceu de frente para o rio e que foi entrecortada pelas vias de uma estrada de ferro, tratando dos que singraram as águas e abriram caminhos nas florestas.

U

m dos grandes patrimônios do ser hu- ainda Bragança seja um enigma para a geração mano reside na articulação da memória de hoje, que não conhece de fato o ser bragancultural, política e social de diferentes tino, que precisa acreditar para ver a beleza e a sujeitos em diversas situações, espaços história desse lugar abençoado, cujo passado e contextos. A utilização desse recurso se deve, envolve nobres, escravos e caboclos, casas reais em muitos casos, às experiências de homens e e casas humildes, política, cultura, economia, mulheres que legaram à contemporaneidade os trabalho e religiosidade. seus sonhos, seus medos, suas lutas, suas pai- Nada é tão paradisíaco, bem se sabe, mas real, na sua riqueza natural e cultural, na intelectuaxões... Sua história é feita por pessoas e se apresenta lidade, no tempo em que grandes nomes, mitos quase sempre numa relação entre o que foi, o construídos e personalidades estavam entre que é e o que será. Relembrar, rememorar, sem- nós, políticos, burgueses, imigrantes, gente que pre nos permite vincular passado e presente, a geração atual parece desconhecer por ainda amor e intrigas, vida e morte, sem discurso ana- não ter a oportunidade de assim o fazer. crônico ou prolixo. Embora se permita saudosis- Em outras palavras, Bragança é um desses lugares que indicam vida e ta, o discurso trata da A natureza exubegênese de uma cidade Bragança é um desses lugares que amor. rante e o colorido animal como Bragança, que indicam vida e amor. A natureza e vegetal dão um toque nasceu de frente para o rio e que foi entreexuberante e o colorido animal e especial às margens do Caantes Cayté (ou ainda cortada pelas vias de vegetal dão um toque especial às eté, Caité, como se defende uma estrada de ferro, margens do Caeté, antes Cayté (ou que o seja hoje!) por incluir pelos que singraram as águas e abriram caainda Caité, como se defende que o um elemento fundamental historicidade tão descominhos nas florestas, seja hoje!) por incluir um elemento na nhecida por muitos de seus acabando por consfundamental na historicidade tão filhos. Algumas reflexões tituir o que pode ser podem nos aproximar deschamado de sociedadesconhecida por muitos de seus se passado. Eis. de caeteuara, comunifilhos. dade bragantina. Por muito se percebe ainda um tempo ditado pela imaterialidade e Uma “talvez” Bragança, do século XVII ao XVIII uma definição de espaço ditada pelo consciente coletivo. Tipo o tempo da maré, ou o tempo Esse percurso histórico de Cayté à Bragança não da extinta estrada do trem. Vamos “lá embaixo” é tão fácil de ser descrito, ainda porque precisa quer dizer na feira, e também “vamos subir”, su- conter uma análise das iniciativas que formaram bindo as praças, numa definição de cidade que o que hoje temos por cidade, as várias vozes, os segue em direção dos bairros mais afastados vários pensamentos sobre o espaço, os vários do centro. Costumes e culturas em comum até cenários e paisagens que fizeram essa história. hoje, não só aqui, mas em vários lugares do Pará. Um ponto a ser evidenciado é a tentativa euroEssa Bragança se foi um pouco de nós. Perma- peia de conquistar território pelos franceses, no neceu escrita nos amontoados de documentos, início do século XVII, quando Daniel de La Touem arquivos particulares e nos acervos de tantas che, com sua expedição, visitou as terras da namemórias escritas e por escrever. Quem sabe ção tupinambá em 1613. A exatidão da data não

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SER BRAGANTINO Quem sabe ainda Bragança seja um enigma para a geração de hoje, que não conhece de fato o ser bragantino, que precisa acreditar para ver a beleza e a história desse lugar abençoado, cujo passado envolve nobres, escravos e caboclos, casas reais e casas humildes, política, cultura, economia, trabalho e religiosidade.


PINTURA: GERO

existe, talvez ainda por ser descoberta, mas o território do Cayté já existia. Aqui, La Touche e seus liderados passaram mais de trinta dias, colheram suprimentos, solicitaram ajuda indígena e continuaram a sua viagem, “desenharam” o lugar na documentação e acabaram por fugir dos portugueses, conforme os escritos dos padres Devreux e Betterdorf. Uma origem? Não se pode ter tanta clareza nisso. Os conceitos de colonização e conquista sempre estão em discussão, no percurso historiográfico e nas construções feitas da chamada Amazônia colonial. Essa chamada origem está vinculada à presença dos franceses nesse controverso 08 de julho de 1613. Nesse intento, nessas conquistas se desenvolveu um controle português, a partir da fundação de Belém em 12 de janeiro de 1616, e que pode ser considerada um fator muito importante para a implementação administrativa de Portugal numa evidente in-

terseção com o domínio do litoral e da foz do Amazonas, forçados pelas ameaças de franceses, holandeses e ingleses, mas ainda sob a tutela da coroa de Castela (Espanha).

Santo Ildefonso, todos assinados no século XVIII, revelam que os problemas de fronteira se mantiveram por muito tempo. Devemos atentar para o fato de que desde o final do século XVII, o chamado Estado do Maranhão era formado por capitanias reais (Maranhão, Grão-Pará e Piauí) e por várias Esse percurso histórico de Cayté à capitanias particulares (Tapuitapera, Caeté, Bragança não é tão fácil de ser deCametá e Ilha Grande de Joanes), que manscrito, ainda porque precisa conter uma tiveram diferenças quanto à sociedade, cultura e atividade econômica. análise das iniciativas que formaram informação do Ensaio Corográfio que hoje temos por cidade, as várias Segundo co do Pará, criada sob as ruínas da Vila de vozes, os vários pensamentos sobre o Souza do Caeté, contava com seis palhoças espaço, os vários cenários e paisagens e para cá (à esquerdo do rio) foi traslada em 1644, foi povoada na metade do século XVIII que fizeram essa história. por “famílias e homens solteiros dos ilhéus angrenses e michaelenses”, a vila de Bragança E, como nos lembra Rafael Chamboleyron, tinha três ruas paralelas ao rio, contornadas Evidentemente, esses conflitos contra os “in- por casas cobertas de telha. Tinha-se um larvasores estrangeiros” não acabaram no sécu- go em frente à freguesia e outro maior detrás, lo XVII. Os tratados de Utrecht, de Madri e de onde ficava a cadeia. www.revistapzz.com.br 7


HISTÓRIA

Seus habitantes eram quatro mil e Vila que-era. quatrocentos e oito brancos, qua- Álvaro de Souza, filho e sucessor de trocentos e oitenta e dois escravos e Gaspar, foi incansável em tentar manmil e oitenta e cinco índios mestiços ter o controle da capitania para sua livres. Devotavam à Nossa Senhora do família, permitindo a fundação do alRosário a sua devoção principal, mas o deamento missionário de São João coração já era bendito, por aquilo que Baptista, onde os padres reuniram os estava por nascer. índios tupinambás e construíram a Cultivavam aqueles antigos mora- igreja já extinta. Álvaro conseguiu de dores da vila um bom café, algodão Felipe IV da Espanha a posse definitiva e mandioca. Possuíam fazendas de do território e imediatamente fundou criação nos seus primeiros campos a Vila Souza do Caeté, hoje Vila-que-eafastados da sede, em pequenas pro- ra, ao lado direito do Caeté, mas que priedades, mas com um rio, dentro do experimentava dificuldades de acesso território, que exe comunicação com celente para a mulBelém, mesmo com Em 8 de julho de 1613,“Ravardière a possibilidade de tiplicação do gado. Contudo, não houintercessão partiu do Maranhão acompanhado maior ve quem estabelecom o Maranhão. de ínúmeros selvagens em viagem Não faltaram intecesse ali uma fazenda maior para não faltaram de reconhecimento a Amazônia, resses, a pecuária. Captadissabores, não falchegando até o rio Pará, a fim de taram disputas. E se do documento certa queixa, certo ajudar os tupinambás na luta contra existiram lógicas oudescontentamentras, como as desses seus tradicionais inimigos Camara- donatários. to, certo desejo de impulsionar manutenção pins [...] Nessa viagem Ravardière Essa a nova vila, com das conquistas portoca nas aldeias de Cumã, Gurupy tuguesas do século um comércio amplo, com algo que XVII, no entanto, só e Cayté encontrando os índios a transformasse significavam uma tupinambás onde passou um mês, ocupação no senti“para o qual há tudo quanto o saindo dessa última a 17 de agosto do militar, religioso pode permitir”. e econômico. Seria indo aportar à aldeia Meron de È preciso salientar apenas no século que esse processo XVIII, por uma faronde demandou, diretamente, à de controle do esta historiografia e Taba-Pará, a Vigia”. paço em que hoje fontes, que os porse localiza Bragantugueses programaça se deu com a riam uma política ajuda de diversos braços e vozes, num colonial, por assim dizer, seguramente lugar em que o cenário podia permi- administrativa, graças às iniciativas do tir, inclusive, um embate rigoroso e Marquês de Pombal, assim como um subjugo de populações indígenas, que projeto de cidade. resistiram e em aspectos coloniais, Chama a atenção o documento de de afirmação dos domínios portugue- 1750: ses. Depois, a introdução de negros Em 1750, Manoel Antônio de Souza e na primeira metade do século XVIII, Melo requereu do Rei D. João V, em só realiza uma conjunção de esforços carta de 12 de março de 1750, ajuda para melhorar esse empreendimento, para administrar a Capitania do Caité, aliado aos militares, colonos e religio- com mão-de-obra de índios, ajuda na sos, como os jesuítas da Aldeia de São coleta de sal, além de solicitar condiJoão Baptista, unindo-se e afastando- ções como legítimo filho e herdeiro se em determinados momentos. de José de Souza e Melo, chamado de O primeiro núcleo populacional da co- Porteiro-Mor. Com o falecimento do lonização na região do rio Caeté (ou rei em 1750, assume o trono D. José Caité = caa + y + eté = mato bom, ver- I. Sebastião José de Carvalho e Melo dadeiro, na língua tupi), buscou firmar foi nomeado como Secretário de Esa tentativa de controle e dominação tado e em 1751, o irmão de Sebastião nas áreas da União Ibérica na América, Carvalho foi nomeado Governador do com o nome de Vila Sousa do Caeté. Estado do Grão-Pará e Maranhão. Era Muitos anos depois, o antigo povoado Francisco Xavier de Mendonça Furficou conhecido como Vila Cuera, ou tado. Tais autoridades tornaram-se 8 www.revistapzz.com.br

POVOAMENTO Segundo informação do Ensaio Corográfico do Pará, criada sob as ruínas da Vila de Souza do Caeté, contava com seis palhoças e para cá (à esquerdo do rio) foi traslada em 1644, foi povoada na metade do século XVIII por “famílias e homens solteiros dos ilhéus angrenses e michaelenses”, a vila de Bragança tinha três ruas paralelas ao rio, contornadas por casas cobertas de telha.

referências especiais para os estudos acerca do projeto de consolidação do que era o estado do Grão-Pará a partir do território de Caité e a Vila de Bragança. Contrário ao pedido de Manoel Antônio de Souza, o rei D. José I decidiu retirar dele os direitos sobre a área da capitania pelo decreto de 14 de junho de 1753, o que incorporou todo o território à Coroa, pondo fim à história da Capitania do Cayté (ou Caité, ou ainda Cahité, como está escrito em vários documentos), que passou a pertencer novamente ao Grão-Pará. Motivações não faltaram, como a falta de mão-de-obra indígena para os colonos, entre tantos desentendimentos destes com os jesuítas, aliados momentâneos dos indígenas, como a sublevação de 1741, quando os moradores fizeram um motim conspiratório, expulsando dois padres jesuítas da al-


FOTO. ACERVO: DILAMAR CASTANHO

deia, cuja notícia o próprio rei D. João V recebeu por carta de 22 de outubro de 1742, do governador João de Abreu de Castelo Branco. Mendonça Furtado e a Vila de Bragança O Governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado fez um levantamento das condições e das comunidades existentes nessa região para determinar onde se estabeleceria novos núcleos urbanos, de acordo com o projeto do Marquês de Pombal, seu irmão. Em 11 de outubro de 1753, por carta ao rei D. José I, o governador escolheu a Vila de Souza do Caeté como local para a implantação desse projeto, a ereção de uma primeira vila oficial, sugerindo a fundação de Bragança, primeira vez em que se grafa o nome, em

homenagem à família real. Ele relata a existência de uma “vila assentada sobre a terra medianamente empolada na margem esquerda ou ocidental do rio Caeté, três léguas acima da sua foz jacente...”.

À medida que as ordens religiosas penetravam no interior do vale Amazônico, Francisco Coelho de Carvalho, promovia a distribuição de terra para particulares fundarem capitanias Nessa mesma carta, Furtado indica providências para a instalação de casais vindos das ilhas dos Açores a fim de povoarem a nova vila. O aldeamento indígena, conforme o documento,

sustentaria as relações de trabalho suplementar para a agricultura e transporte (terrestre e fluvial) de produtos da lavoura para o comércio e uma escola de Língua Portuguesa seria criada para facilitar a comunicação entre colonos e índios. Diz o documento: Sendo Vossa Majestade servido ordenar pelo seu Conselho Ultramarino que eu fosse distribuindo a gente que aqui se achava das Ilhas pelos sítios que me parecessem mais proporcionados em que podem trabalhar com mais gosto em terra própria e sendo Vossa Majestade servido ao mesmo tempo mandar-me avisar pela sua Secretaria de Estado de que tomara a sólida e importantíssima resolução de incorporar na Coroa as terras que neste Estado pertenciam a alguns donatários, me pareceu que não devia perder tempo em povoar as pouwww.revistapzz.com.br 9


HISTÓRIA

cas palhoças que até agora se conhecia pela Vila do Caeté ou de Sousa, fundando naquele sítio importante e útil sítio uma populosa vila que faço tenção sendo Vossa Majestade servido fundar com o nome de Bragança. E completa: Os moradores desta nova Vila ficam situados numas terras fertilíssimas muito perto do mar Oceano e muito abundante de peixe, e caça, e aonde já há algumas marinhas, e com assistência destas gentes se podem ampliar em forma que provam esta terra de tal de sorte que senão veja fundar com o nome de Bragança. E completa: Os moradores desta nova Vila ficam situados numas terras fertilíssimas muito perto do mar Oceano e muito abundante de peixe, e caça, e aonde já há algumas marinhas, e com assistência destas gentes se podem ampliar em forma que provam esta terra de tal de sorte que senão veja a grande necessidade deste gênero, em que agora se acha.

A intervenção no trabalho missionário dos jesuítas deu conta de acomodar os índios junto aos colonos, dando-lhes tarefas e permitindo seu casamento, com o aval da Coroa, para povoar a vila.

nelas canoas prontas para transportarem os gêneros do Cayté, e facilitar assim a comunicação daquela nova vila com esta cidade. A Vila de Bragança foi palco das experiências que serviriam de base para a implantação das futuras regras do Diretório dos Índios, de dois anos depois (1755/1757), no que se pode perceber na análise documental. A intervenção no trabalho missionário dos jesuítas deu conta de acomodar os índios junto aos colonos, dando-lhes tarefas e permitindo seu casamento, com o aval da Coroa, para povoar a vila. É fato notório a solicitação para a criação e equiparação do porto do Caeté, a fim de garantir o transporte de gêneros da agricultura da vila através da interseção daqui com o Guamá, o que justificaria o desenvolvimento agrícola desta região e as medidas econômicas adotadas nessa empreitada colonial: Como esta Vila tem um braço do rio que se comunica quase com o Guamá, somente com pequeno trabalho de sete ou oito horas de caminho de terra, faço tenção de por no porto do tal rio Cayté alguns casais para ali terem canoas prontas para a comunicação e fazendo alargar um pequeno varadouro que há por entre aqueles matos, fazendo por ele uma boa estrada, ficarão comunicáveis aqueles rios, e os moradores se poderão livrar dos perigos do mar transportando todos os seus gêneros com grande facilidade pelo dito rio Guamá a esta cidade. É interessante observar também o comportamento do governador Mendonça Furtado em relação aos indígenas, antes mesmo das medidas do Diretório que lhes “concedeu” civilidade e cidadania europeia. Ele afirma a necessidade de manter relações amigáveis com os índios (chamados “naturais”), sugerindo o casamento para fins de povoamento como medida real, avaliando, até aquele momento, o processo evangelizador. É notável a avaliação que Furtado deu a conhecer ao seu rei. O objetivo era de dar a conhecer aos naturais dele, que os honramos e estimamos, sendo este o meio mais eficaz de trocarmos o natural ódio que nos tem pelo mau tratamento, e desprezo com que os tratamos em amor à boa fé (...) sem cujos princípios, não é possível que subsista e floresça esta larga extensão de país.

Junto com a criação da Vila de Bragança, Furtado comunica que para sustentar o projeto era preciso articular áreas próximas à Bragança que a ligassem com a capital do Grão-Pará, viabilizando a criação e fortalecimento da Vila de Ourém, próxima ao Guamá como entreposto de comércio e comunicação. Mendonça Furtado considera Ourém importante a fim de garantir o sucesso do novo empreendimento, como se lê: Na chamada casa Forte do Guamá, tenho mandado ajuntar mais de 150 índios que se tem tomado de diversos contrabandistas com intento de fundar naquele sítio, outra nova vila, de gente da terra, que também sendo Vossa Majestade servido, faço tenção de que se conheça pela nova Vila de Ourém, e para que os rapazes se possam criar com civilidade lhe mandei abrir uma escola aonde me dizem que se vão criando muito bem, e aprendendo nela a Língua Portuguesa. Esta nova vila é sumamente importante porque além de nela poder haver trabalhadores, que ajudem aos lavradores do Em 1754, no ofício de 30 de setembro, rio Guamá a cultivam as terras, haverá o Ouvidor Geral do Pará, João da Cruz 10 www.revistapzz.com.br

“Tradição é eternidade que o povo traz na lembrança Este marco é de saudade dos que fundaram Bragança”. Verso de Eimar Tavares inscrito na base do obelisco. Diniz Pinheiro, por ordem de Mendonça Furtado, relatou seus progressos a Sebastião José de Carvalho e Melo, informando que trouxe um grupo de engenheiros e astrólogos para traçar a estrada até Ourém solicitada pelo governador. Traçaram também as primeiras quadras da nova cidade. Mais uma vez, alguns outubros prevaleceram na nossa história colonial. Em 20 de outubro de 1758, o ProvedorMor da Capitania do Pará, João Inácio de Brito e Abreu, escreveu ao Secretário de Estado da Marinha e Ultramar Tomé Joaquim da Costa Corte Real, descrevendo as duas localidades que deram origem à cidade de Bragança, informando que a nova Vila de Bragança era formada da Aldeia de São João Baptista (dividida por um braço de rio e por uma ponte de madeira) e da área onde hoje é o traçado do polígono histórico de Bragança, onde existia uma outra Igreja de frente para o rio (a então Igreja de Nossa Senhora do Rosário). Essa informação nos determina qual o formato do primeiro traçado


FOTO: RENATO CHALU

urbano de Bragança, com algumas ruas e duas praças, duas igrejas, Casa de Câmara e Cadeia, dezenas de casas e uma população formada por colonos portugueses, açorianos e indígenas. Bragança, portanto, foi constituída pela união da Vila Souza do Caeté (já transferida de Vila-que-era à margem esquerda do Caeté) com a aldeia missionária de São João Baptista, que graças à sua posição geográfica privilegiada, entre Belém e São Luís, ganhou importância política e econômica. E só em 02 de outubro de 1854, através da resolução n.º 252, assinada pelo Presidente da Província Sebastião do Rego Barros, é que vila tornou-se cidade, com o nome de Bragança.

FOTO. RENATO CHALU

VILA QUE ERA O primeiro núcleo populacional da colonização na região do rio Caeté (ou Caité = caa + y + eté = mato bom, verdadeiro, na língua tupi), buscou firmar a tentativa de controle e dominação nas áreas da União Ibérica na América, com o nome de Vila Sousa do Caeté. Muitos anos depois, o antigo povoado ficou conhecido como Vila Cuera, ou Vila que-era.

Dário Benedito Rodrigues é bragantino, historiador e professor. Exerce a função de Diretor da Faculdade de História da Universidade Federal do Pará, Campus de Bragança.

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LITERATURA

Celso Ramos

a poesia

de jorge ramos jorge ramos, o poeta da bragantinidade, DEU PROVAS FALANDO OU ESCREVENDO, DE SUA CAPACIDADE DE TRADUZIR O SENTIMENTO HUMANO MAIS PROFUNDO EM TODAS AS SUAS NUANCES.

E

sta coletânea de poemas de JORGE DANIEL DE SOUZA RAMOS apresentados na edição especial da Revista PZZ, fazem parte do livro: Toda a Poesia de Jorge Ramos, publicado em 2009 e constitui-se na revelação tardia de uma obra poética que não poderia, dada a sua qualidade transcendental, ficar no esquecimento de quantos conviveram com essa figura notável da história mais recente da vida bragantina. Seria, também, lamentável que as novas gerações desconhecessem o valor inigualável do poeta da “bragantinidade”, reconhecido e admirado pelos seus contemporâneos. A quase totalidade de seus poemas foi publicada no semanário Jornal do Caeté, que circulou em Bragança, Estado do Pará, por trinta e seis anos, ininterruptamente, a partir de 1946, sob a direção do grande político bragantino, Senador Lobão da Silveira, seu fundador e, após a sua morte, pela sua dedicada esposa, Sra. América Ramos Lobão da Silveira. A pesquisa por nos empreendida para o levantamento desses poemas de Jorge Ramos demandou alguns anos de trabalho - e trabalho árduo, consideradas as dificuldades encontradas. Inicialmente, como toda a coleção das edições do Jornal do Caeté encontrava-se em Belém para encadeação, tivemos de nos deslocar até a Capital paraense inúmeras vezes, mesmo 14 www.revistapzz.com.br

após a conclusão do trabalho de encadeação, para darmos andamento ao processo de coleta e seleção dos poemas. Em seguida, passamos à fase de transcrição, revisão e editoração eletrônica dos originais encontrados tendo sempre em mente

A quase totalidade de seus poemas foi publicada no semanário Jornal do Caeté, que circulou em Bragança, Estado do Pará, por trinta e seis anos, ininterruptamente, a partir de 1946, sob a direção do grande político bragantino, Senador Lobão da Silveira, seu fundador. um sentido da fidelidade com a expressão primeira do autor. Valemo-nos, também, de um precioso “CADERNO” do poeta contendo transcrições, do próprio punho, de dezenas de poemas da sua autoria, com llustrações e colagens, reveladoras de um pendor por gravuras e desenhos a amoldurar suas poesias. O curioso AQUI esse caderno foi por nós encontrado nos guardados de sua Irmã a nossa saudosa

mãe, América, posteriormente à sua morte, em 1999, isto é, passados quase vinte anos do falecimento de Jorge. E, não por acaso, o aparecimanto desse caderno dasencadeou o processo de restauração da sua obra poética. Tornou-se irresistível, a partir de então, a nossa determinação de recolhê-la de jornais, revistas e outras publicações, assim como dos manuscritos encontrados e publicá-la em livro com o objetivo de perpetuar a memória do grande poeta bragantino. Homem de seu tempo, um dos fundadores da revista trimestral Bragança llustrada, que circulou no Estado do Pará entre 1950 e 1954, recheada de páginas literárias divulgando poetas a contistas paraenses - Jorge entre eles - o poeta Jorge Ramos dedicou-se também ao jornalismo diário e semanal, atuando nos jornais O Estado do Pará e em O Liberal, ambos de Belém, bem como no Jomal do Caeté, de Bragança, exercendo aí os cargos de Secretário-Geral e Diretor até a sua morte, em 1981. Personalidade multifacetada, Jorge Ramos, poeta primoroso, contista e cronista renomado, foi autor de reportagens jornalísticas de grande repercussão, abordando temas sociais, políticos e econômicos, cujas linhas denunciavam os descasos das autoridades para com as aflições do povo humilde. Advogado


militante, especialmente no Tribunal do Juri e na Justiça Trabalhista, foi também professor destacado que marcou a juventude estudantil de seu tempo com seu saber, transmitindo conhecimentos com rara proficiência. Exerceu cargos eletivos de Prefeito de Bragança - mandato não concluído por perseguição política da ditadura militar de 64 - a de Deputado Estadual por uma legislatura. Considerado um grande tribuno, era orador requisitado nas grandes solenidades, quando demonstrava a sua erudição e eloquência. Preocupava-se com as questões que diziam respeito a vida do homem na Terra. Uma vez perguntado sobre de que modo poderíamos trabalhar para a felicidade do gênero humano, assim se expressou: “Amparando os que clamam por justiça, os que necessitam de um chão de paz, os que estão abandonados a miséria, sem remédio, e promovendo, na comunidade, o trabalho ordeiro e construtivo”. Suas palavras encerram uma grande lição de humanismo. Mas é no seu fazer poético, fundado em grande talento literário e sensibilidade invulgar, que Jorge Ramos derrama, de forma apaixonada, o amor à terra natal, Bragança. Ao descrevê-la, evoca os personagens fantásticos que povoaram sua infância e adolescência, tipos populares bem representativas de uma cidade interiorana. Seus amores, vividos ou sonhados, são a inspiração permanente de seus devaneios sobre a mulher amada - sempre doce e sensual - a se apresentarem em seus poemas com a assiduidade que era de se esperar de um poeta sentimental. Ou, até quem sabe, de um poeta triste, como se considerava. Jorge deu provas, falando ou escrevendo, de sua capacidade de traduzir o sentimento humano mais profundo em todas as suas nuances. Na sua poesia pode-se encontrar ainda a vigorosa pena libertária e revolucionária; denúncias das mazelas da humanidade; a exaltação da religiosidade a serviço da fraternidade e da salvação humana; o reconhecimento da inelutável força do destino no desenrolar de nossas existências; o culto a saudade que o poeta assim descrevia, em seu antológico “Poema de saudades”: “...a vida finalmente é essa saudade imensa, eterna, dos bons momentos que vivemos e que nunca mais voltarão...” Seu vocabulário rico revela uma cultura sólida e abrangente. Profundo conhecedor de literatura brasileira e estrangeira, tinha como seus autores preferidos

“POETA DA BRAGANTINIDADE” Jorge Ramos amava sua cidade natal, cidade presépio, cheia de sonhos e de poesia. Ele deu provas, falando ou escrevendo, de sua capacidade de traduzir o sentimento humano mais profundo em todas as suas nuances. Morreu do coração quando dava aula, em pleno exercício pedagógico.

Fernando Pessoa, Benedito Monteiro, Dalcídio Jurandir, Cecília Meireles, Vinícius de Moraes, Manoel Bandeira, Joel Silveira, Christofle Platin, Rilke, Murilo Mendes, Euclides Rocha, Mário Pederneiras, Gomes Leal, Dantas Mota, Hélcio Martins, Paulo Plínio e os bragantinos Lindanor Celina e De Castro e Sousa, entre outros. O livro, mais do que prestar uma justa homenagem ao grande poeta bragantino, propõe-se a resgatar um débito histórico com um dos maiores poetas de sua geração, que desenvolveu um trabalho intenso e profícuo ao longo de quase 40 anos. As 124 poesias reunidas marcam sua passagem entre nós, definindo uma existência de reflexões sobre os anseios, as paixões, as vilanias cotidianas, cristalizadas pela pena do poeta; bem assim, e acima de tudo, o seu declarado e incontido amor a terra natal, trazendo para a sua poesia, no dizer de Claudio Vizioli, prefaciador da obra, “as cores, os sabores e os humores de Bragança”. Trazer ao conhecimento do grande público a coletânea da obra poética de Jorge Ramos foi a missão desafiadora a que nos dedicamos. Esperamos sinceramente ter sido exitosos no resgate de sua produção poética. E estamos

convencidos, ao finalizarmos o nosso trabalho, de que contamos com a anuência tácita de Jorge, tal a quantidade de vezes em que, intuitivamente, logramos encontrar o desenlace perfeito para questões surgidas ao longo do trabalho: a grafia correta ou mais adequada, as decisões acertadas nos momentos de dúvida. Sua presença em determinadas horas era sentida e, por certo, bem-vinda. Contamos, ainda, na edição do livro, com uma leitura analítica das poesias de Jorge Ramos feita pelo professor de Lingua Portuguesa e Literatura Brasileira, Claudio Vizioli, que generosamente nos presenteou com um texto admirável intitulado “0 Provocador Bragantino”, que se tornou o prefácio da obra. Publicamos também texto produzido a nosso pedido - e gentilmente cedido a publicação - pelo ilustre e talentoso escritor bragantino, membro da Academia de Letras e Artes de Braganga, professor José Quintino de Castro Leão. Na condição de contemporâneo e amigo de Jorge Ramos, traçou um perfil do poeta dando um testemunho mais amplo da atmosfera em que se movia na Belém dos anos 50, recém-chegado para iniciar seus estudos universitários. Finalmente, incluímos prazerosamente - pois não poderiam ficar de fora desta www.revistapzz.com.br 15


LITERATURA

“O Chamado” por Jorge Ramos

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ão se sabe bem como se ouve se Quituteiro, nesse dia vê-se cercado pela ouve o chamado. Nem nunca se multidão de seus fiéis todos juntos, Brasaberá. É um mistério da alma gança em peso, prestando a sua grande humana, tão grande como os ou- homenagem. tros que por aí existem. Acontece que um bragantino que se preza, já recebeu o cha- O bragantino se lembra disso, destroçamado em muitas épocas do ano, porém do, dentro de um apartamento ou de um mais se acentua neste último mês, que miserável e apertado quarto de pensão dezembro é o mais bragantino dos meses. suburbana. Ou mesmo dentro de um paEstá no trabalho, pensando nos seus ne- lácio. Espia para a folhinha. O número. Fegócios, longe da terra, seja em Belém, em cha os olhos. Dia claro, o sol invadindo e Pekin ou New York, ou onde seja, metido, banhando toda a extensa terra do Vale do coitado entre cifras e eis que de repente Caeté. Vem surgindo da terra o batuque, o começa a ouvir o estranho chamado. Isso som do tambor, o violino modesto e prinseja ele médico, advogado, comerciante, cipalmente a cantilena em coro dos fesjornalista, industrial ou de qualquer pro- teiros na Barraca da Santa. É a marujada. fissão. O grande mal é a folhinha. Põe os A nossa e só nossa marujada. As pretas olhos na folhinha, conta e as morenas de saios dias que faltam para ões vermelhos, casaa grande data e rebenquinhos brancos, que O tambor está soando. A ta de tanta saudade. É barraca cheia, o arraial cheio foram guardados um mesmo como se fosano, juntamente com se um toque de reunir e cheia está a Igreja do Santo a piprioca e o alecrim neste mês e que o indiPreto, dos seus devotos, que dentro da mala, o chavíduo, por estar preso, péu de pluma de todas o Santo Benedito é muito não possa atender ao as cores, do guará, do som agudo que reclama milagroso. Vem gente de longe pato, aqueles chapéus a reunião. O pobre do pagar promessa. O bragantino cheios de espelhinhos, caeteuára, espicha os e outras besse lembra. Um dia assistiu miçangas olhos para aquele númeteirinhas. contrito também o Santo ro na parede, dia 26 de dezembro e acha tudo Sacrifício na Igrejinha simples, O tambor está soando. ruim ao seu redor. Nada A barraca cheia, o arque se espelha no Rio Caeté, raial cheio e cheia está existe de novo na garota que passa voluteando a Igreja do Santo Prepor tantos e tantos anos na calçada. Nem no filto, dos seus devotos, me de estréia no Meque o Santo Benedito tro, nem nas provocantes “Folies”, cheias é muito milagroso. Vem gente de longe de tantos pedaços de mau caminho. Em pagar promessa. O bragantino se lembra. nada. Tudo negro, para ele que se preza Um dia assistiu contrito também o Santo de ser bragantino da gema. Amanhece Sacrifício na Igrejinha simples, que se esdoente. “Hoje não vou trabalhar. É dia pelha no Rio Caeté, por tantos e tantos 26 de dezembro”. Pronto e isso basta. É anos. É a tradição, as danças bragantinas, uma sagrada resolução, porque ele sabe o lundum, o retumbão, ele tem vontade que na terra distante, caia o dia 26 de de- de largar a cama e descalço, no assoalho zembro em que dia cair, é sempre feriado do quarto, ouvindo como está os sons vinmunicipal. Ninguém trabalha. Ali no duro, dos de longe, sair dançando, sozinho, o durinho mesmo, a greve é geral. É feria- retumbão e o lundum. Depois se lembra do popular, dia do Milagroso Santo do da grande confraternização no Vale do Caeté, Protetor Genuíno de Todos os Bra- Caeté, de todos os bragantinos e o bagantinos. São Benedito, o Santo Negro tismo dos que não o são, que se dá nesse

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dia na barraca da juíza. E finalmente, o grande instante. O popular padroeiro, sai mais uma vez, para visitar o seu povo, o bom e laborioso povo do Caeté, naquela sua visita anual pelas ruas de Bragança, abençoando os devotos, distribuindo benção a todos os presentes. Está ouvindo o chamado. Perfeitamente ouvindo. “Porca miséria desta vida. Já três 26 de dezembro que eu perco aqui”, reclama o pobre do bragantino longe de sua terra, no dia máximo para toda região. Ouve o telefone. No outro lado alguém pergunta o motivo de não ter vindo trabalhar. E ele responde prontamente para o inesperado interlocutor: Não sabes, rapaz? Hoje é dia 26 de dezembro. Eu não vou trabalhar. Sabe lá o que é isso, esse chamado que terra envia sobre montes, matas, serras e cidades? É a voz do sangue que só se apaga com a morte e com mais nada. Dia 26 de dezembro, cisma o bragantino distante. Mora no seu coração uma grande, inextinguível saudade, que ele é bragantino de brio, sentiu o chamado e não resiste em sonhar. Fonte: RAMOS, Jorge Daniel de Sousa. “O Chamado”. Bragança Ilustrada. Bragança (PA). n. 9/10, 1952. p. 3-8.


FOTO: acervo dilamar castanho

BRAGANÇA Jorge Ramos era considerado um grande tribuno, era orador requisitado nas grandes solenidades, quando demonstrava a sua erudição e eloquência. publicação - textos recolhidos em jornais de Belém e no Jornal do Caeté, de Bragança, de autoria de amigos, admiradores, a maioria conterrâneos de Jorge, consternados com a sua morte prematura. São testemunhos comoventes de pessoas cujos destinos cruzaram com o poeta sempre lembrado: Lindanor Celina, Octávio Avertano Rocha, Edwaldo Martins, Oliveira Bastos, Celso Ramos de Medeiros, Gerson Guimarães, Ana Marcy, Antonio Coutinho de Campos, Milton Mateus Lobão, João da Silva Borges, Helder Aranha, Jorge Quadros, Lauro Cunha, João Padilha do Vale, Alfredo Garcia, S. Smith, Alberico Ferreira de Souza, Adriana Maria de Medeiros Antunes da Silva, Editorias dos jornais A Província do Para, Jornal do Caeté e coluna “Repórter 70” do jornal O Liberal. Dedicamos nesta edição da PZZ, alguns poemas do livro que organizamos, a você leitor, juntamente com o nosso profundo agradecimento por seu interesse pela poesia de Jorge Ramos. Celso Luiz Ramos de Medeiros Brasilia - 2009

PUBLICAÇÃO

Capa do Livro: Toda a poesia de JORGE RAMOS. Organização de CELSO LUIZ RAMOS DE MEDEIROS. 2009

BRAGANÇA jorge ramos Bragança beira-rio, cidade presépio, minha Bragança de São Benedito, cheia de sonhos e de poetas: - Onde estás De Castro e Souza? - Em que estrela te escondes Alírio Pinheiro? Eu te pergunto, Bragança minha, onde perdi aquela pureza da infância, onde ficou aquele meu primeiro sonhofantasia, em que pedra está o epitáfio muito frio e muito triste do meu primeiro desengano?... Ah, casarão colonial de tanta luz, meu berço, de vento batido, sobrado da Rua do Mar, onde aprendi a ser livre como o vento, a ser sentimental com as cantilenas dos barqueiros, a ser poeta com o poente sobre o Caeté e a lua cheia, amarela, como rosa chá, despetalando-se em miríades, encanto mudo que nunca esqueci... Ah, Bragança de meus amores, finados amores, onde a luz do luar haviam violões em serenatas, em que mundos perdi a rara e doce emoção de já não saber te contemplar tranquila e serena nessas noites misteriosas, como fazia outrora!. Ah, a alma de tua tradição afro-ameríndia, cidade cheia de lendas e muitos amores: - Lá vai São Benedito, preto velho, bom e batuta, todo fim de ano na sua esmolação!... (Santo milagroso, Santo do meu povo, a tua casa e a casa da gente cabocla que confia muito na tua proteção!...) São João, meu São João da Aldeia!... Ah, que saudades, vou passar fogueira novamente, vou acender o meu balão, Meu São João, “acende a fogueira do meu coração”, há invernia e tristeza, a tua casa o vento levou, mas em nos, Voz do Deserto, ainda restou a tua sagrada devoção!... São Raimundo da Penca, os trilhos da velha ferrovia eram o caminho e o convite, havia a tua fé, a tua grande procissão e a cabocla brejeira, a mulata festeira, festa do povo que o vento e o progresso levou! Sta. Teresinha, a pálida monja de Antônio, o devoto aos teus pés, na capela do morrozinho, casais enamorados e tardes tão líricas, construíram castelos em sonhos tão puros e tão cândidos!... Recebe o teu devoto que se foi tão contente de te conhecer como a mais santa de todas as santas!... Bragança beira-rio, cheia de sonhos, e sempre havia a menina-moça de cabelos cheios de viração, e no rosto uns olhos doidos cheios de emoção!... Bragança minha, há saudades no coração, eu te trago minha alma, minhas mágoas e minhas palavras pobres, eu toco tua terra e me redimo, e nestas ruas encontro a tua madrugada sorrindo para mim, e há a eterna promessa sempre renovada de ser sempre teu, minha doce amante, e sinto, de leve, teu beijo de amor nos meus lábios que sussurram eternamente:

-VIVA A BRAGANTINIDADE!.

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LITERATURA 1960

ADORAÇÃO

Este é o meu grande desejo de rebelião e este instinto animal me levanta. Está tudo aniquilado... aniquilado... Aqui nesta alcova nua, um cheiro de morte embora entre pela janela escancarada o fresco perfume dos jardins novos e das primeiras rosas... Vaga letal e etérea, Começo como quem calça sapato novo ao sabor das coisas imprecisas e ou ri, sem motivo algum... sem vida a figura esguia, grácil e faceira Havia um fio de esperança, misérrimo daquela que traz nos olhos serenos amarrei com ele as ilusoes e calmos e me toquei mundo afora. o doce silêncio Planura triste, noite baixa. das aldeias brancas da Palestina... Sei que não voltarei a inventar canções Olho a imensa desordem humana no botequim do subúrbio, nem cuidarei da anemia que me consome e a me cobrir, nuvens pressagas de solidão até os cornos da lua... e uma luz enevoada - dramática luz BRAGANÇA AO LUAR a colorir o meu remorso ingênuo... Que lindo castelo de ilusão e de amor, No baile da vida, ela rodopia ligeira e o seu andar voluptuoso, cheio de Bragança constrói num luar vazio... ternuras Os raios da lua tem o aroma da flor, encheu a alcova de sol estival... banhando as palmeiras à margem do rio. Veio para me contar longas histórias, A brisa gelada envolve as palmeiras, enredo de histórias fracassadas. que adormecidas vivem a escutar, Devagarinho, então, as águas dos rios que são feiticeiras, como quem reza de mãos postas quando luze em si a luz do luar. em adoração, mesmo sem querer, O rio Caeté desliza contente, balbuciei a prece dos descrentes. descrevendo suas águas passados mil E ante aquela aparição e ao longe a lua qual um lírio alvinitente fiquei mudo e só esparge sua luz, profunda e febril. no hermetismo de meu estranho sacerdócio!... A lua caminha em doce harmonia deitando saudades, ao rio e palmeiras... Julho de 1947 Relembra o sol no fim de um dia... Saudades deixando à asas ligeiras... Olho a face no espelho e revejo os desenganos os tortos e direitos da vida. Tempo passou, Lidia passou o rio secou no leito o ventre feneceu de vergonha o mar paralisou de tanto bolinar - meu santo não fez milagres e me abandonou.

A lua bem longe solta um adeus, e o lindo Caeté logo emudeceu e eu solitário cantava... os versos meus e as frondosas palmeiras cantavam como eu.

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ASSOMBRAÇÃO Frios cadáveres da vida que sonhamos, mortalhas brancas da última fantasia, ninhos desertos que para trás deixamos, sao roseirais sem vida nesta tarde fria. Saudades das ilusões que idealizamos, extinguem-se nas tristes sombras da agonia, e as juras, vividas palavras que juramos, letárgicos beijos nesta noite de orgia. Ruínas no carnaval de sonhos que passou, almas penadas de chamas que crepitaram, cinzas desfeitas que o vendaval deixou. Meu coração é essa lage que sufocou, anseios ingentes dos dias que passaram e de um sonho bom que nunca mais voltou.

ENIGMA Não virás nas sombras. Sei que és a única a espalhar sóis para a minha renascença. Flutuante nas noites, chegarás sem receio de decifrar enigmas nos ângulos imaculados da memória. Sei que és a única, primavera ou inverno, vencendo distâncias, num vivo delíquio, sem lume cantante, encontrarás a vida. Jamais o silêncio e a ausência. O único horizonte palpável, és tu, caminho e fuga para o impossível. A superfície vaga na memória o sonho, a tua chegada traz o segredo dos mares e canção somente não serás. Vésper diluindo o conflito, chegarás necessária porque és a única, na noite sem memória.

BRAGANÇA MINHA DE SÃO BENEDITO Ao escancarar as janelas dentro da luz desta manhã, ao recompor o quadro vivo da tradição percebo a presenga neste dia vinte e seis de dezembro das faces transfiguradas de emoção dos teus heróis, Bragança centenária, e ergo, como em oferenda, nas minhas mãos as almas dos que se foram além da vida,


a tua imagem, Santo Benedito, Santo do meu povo, no teu dia de glórias, como no andor te carregam os devotos, quando sais abençoando esta cidade, reunida outra vez pela tua tradição!...

Santo do meu povo, eu e Braganga minha que é só tua, de teus devotos e do Deus Menino, com todos os seus poetas e heróis populares. Sua benção, Santo Benedito!... Que a esmola benfazeja do teu olhar caia sobre nós, é o nosso ardente pedido, no dia de tua glória!...

E eu me sento na tua porta, (todos tem acolhida na casa do Milagroso) para escutar Bragança beira-rio cheio de sonhos, Bragança carregando andores nas procissões centenárias e escutar o batuque BASTILHA fatigado da tua Marujada, olhando a cidade faceira, E agora, irmãos, esta chegada a hora mirando-se nas miçangas, para desforrarmos a grande vindita nos espelhinhos dos festeiros e os companheiros estao nos esperando e sentir PAZ escorrendo pois o clarim esta modulando no ar nesta terra sagrada o toque de reunir. de Chico Pinheiro. Eu quero correr por estas nossas ruas, Coragem. A canalhada está armada. gritar a todos: Viva a Bragantinidade! Iremos com o peito descoberto Viva o Santo Benedito, cada bala que nos ferir o corpo o mais democrata do céu!... serão medalhas Vamos dançar o Retumbão, que nos colocarão a história irmãos desta terra de e o povo. De Castro, Coragem. Só uma vez e pronto. descalços todos, hoje é dia Ou cairemos todos libertos grande de verdade, ou cairão os traídores Dia do Milagroso Santo Preto do Caeté. e a pátria estará libertada. Eu quero cantar a glória dos homens do povo É questão deste minuto que marcaram época nestas ruas: deste teu esforço para a tua mae - Onde estás, negro Cadete?... E tu, Café sem lar, Beirão? para a tua esposa violada, E a tua matraca, Macutanja? para os teus filhos sem pão. E as tuas lendárias histórias, mulato Serapião?... Esta é a Bastilha Eu quero chamar Tia Silvana lá da etere desta vez a derrubaremos nidade, aos olhos dos poderosos e dos inúteis... entrar na Barraca do Santo e ver a grande capitoa, Rainha do Retumbão deleitar outra vez a negrada de varinha em punho no comando da Marujada!... Eu quero escancarar as janelas ouvir este povo de Sao Benedito fazendo tradição... São Benedito vai passear dia 26, vai conversar, ouvir as súplicas de seus devotos nesse dia. Eu me ajoelho contrito.

CANÇÃO AO AMOR PURO A BRAGANÇA (Ao dr. Lobão da Silveira, com apreço e admiração) Eu sou árvore desta terra! Minhas raizes estao profundas neste solo, há mais de trezentos anos que fui plantado aqui e nasci assim liberto, entre o sol e a chuva, sentindo a seiva prodigiosa e eterna da minha santa Bragantinidade. Por isso sou árvore desta terra e os meus bragos são verdes de esperança, que esgalho ao vento e ao beijo da matina. Chamo-me Ramos e ramos sou desta floresta heroica de Bragança, onde descansarei para sempre, um dia. Aqui não há machado que me derrube, porque nesta floresta nao há lenhadores maus. Mas se um dia for preciso o meu lenho, para acender o lume na cabana do caboclo, para construir a casa do meu irmão bragantino ou para levantar pontes puteis ao Povo, ah, podem vir os milhares de machados, que eu serei o alimento da fogueira, as paredes das casas ou o sustentáculo das pontes. Nesta floresta lendária e indestrutível, estiveram as grandes árvores do passado, maiores que eu, mais heróicas e mais santas, que abrigaram ninhos por entre ramos, que deram sombras ao viajor cansado, que deram inspiração aos poetas sonhadores, que sentiram a necessidade de ser árvore para ficar na terra para sempre. Mas um dia também foram abatidas, como eu espero ser, para erguer o futuro e deram de si a própria vida e o cerne, para Bragança, estendida ao sol e a chuva, prosperar, andar e progredir sempre mais. Ser árvore desta terra e o meu maior destino ficar nela sentindo que dela tudo vira: a seiva clorofiliana que me circula nas veias, o Amor, que constrói e dignifica, a União, que eleva e anima e a Paz, que consola e faz sonhar. Eu sou árvore desta terra e nesta terra estarei para sempre, ajudando a erguer nos meus braços verdes de esperança, o orgulho e a dignidade de ser Bragantino! Maio de 1952

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LITERATURA

BRAGANÇA ANTIGA POEMA: GERSON GUIMARÃES FOTOGRAFIA: ACERVO DILAMAR CASTANHO 20 www.revistapzz.com.br


Bragança do Zito Cezar, que fez festa ao Centenario e ajudou o prolet&rio GERSON a enfeitar seu Tapiri GUIMARÃES Terra do Senador Lobão, do Ramiro - o Capit&o Bragança antiga, Bragança, ”Comendador do Arimbú”; terra de paz e esperança, Bragança do seu Cecim, de saudosas serenatas turco de bom coração, na doce que ficava a tarde inteira, quadra feliz; esperando pelo trem das feéricas procissões, lá na praça da Estação. das noites de orações Bragança do Justo Rosa, na velha Igreja Matriz. com o seu primeiro ônibus Terra de homens de fibra de modelo original, e de almas paternais fazendo horario dos campos falando nas praças públicas e trazendo a caboclada nostemposeleitorais. pra festinha do arraial. Bragança do Rio Caeté Terra do Armindo Ribeiro, agitando as suas águas, animando o Cine Olímpia carregando as suas magoas e chamando a mocidade pra longe dos palmeirais. com seu gesto cordial. Bragança da Velha Aldeia Terra da preta Leocadia, do Riozinho e do Morro, de dona Maria Pretinha do Ora Bolas e Panair, do gostoso tacaca e do Perpetuo Socorro, vendido naquela pracinha. onde o fiel se agita Bragança do Zé Bragança, ao sol das tardes amenas, do Almerindo e do Cordeiro, numa contribuição bendita do Godêncio “Fogueteiro”, para assistir as Novenas. do velho Alcino Tupy, Bragança das gerações o saudoso seresteiro de bondosos corações que referto de esperança voltados aos semelhantes; fazia acordar Bragança Bragança das noites frias, da Aldeia ao Jiquirí. dos inesquecidos dias Terra do Padre Coroli, das festas, dos arraiais: com o seu cavalo branco Bragança dos que morreram, de cuidada ferradura; que partiram pro outro mundo Terra do Oscar Acioly pra não voltar nunca mais. governando a Prefeitura. Bragança de Augusto Correa, - a fera deste torrão Terra do Vitaliano, -que causava muito susto o nosso padre e poeta, exímio compositor quando entrava em ação. que milhões de bem nos faz; Bragança do Pedro Sousa, da velha Tipografia, que chegou da velha Europa e preparou a “tropa” imprimindo o Bragantino para representar Bragança, com o artigo pequenino lá no Teatro da Paz. que o Filenilo escrevia. Bragança do Zé Soares, Bragança do “Duca Rosa” na marcagao da quadrilha que vendia “todo prosa” nas festinhas sociais. o seu gostoso café, Terra da Luzia Rosa, no mercado da cidade; que com a sua voz maviosa Terra do Padre Luis, despertava os palmeirais. o Sacerdote feliz Terra do De Castro e Sousa que dirigiu o colégio do Rodrigues Pinagé disseminando a bondade. do inolvidável Zezé, Bragança de Dom Eliseu, vindo do Caratateua sempre alegre e sorridente, para fazer serenata o mais brilhante presente na ponte da beira mar; que Pio XII nos deu. O som do seu violino Bragança do Padre Gerosa, falava ao bragantino o dedicado Vigário, fosse grande ou pequenino que morreu com muita idade que devia levantar. abraçado ao seu Rosário Bragança do seu Emídio, Bragança do Cunha Junior, na imprensa escrita daqui. BRAGANÇA ANTIGA

português bem bragantino querendo que na seresta se tocasse a “Pátria Amada”. Bragança do Jovelino com seu olhar penetrante lá na Farmácia Minerva preparando o meu “purgante”. Bragança do Chico Torres, do Augusto e do Otávio, do Figueiro e do Amaral, homens de muita pujança que consideram Bragança uma terra sem igual. Terra do Jorge Abdon, do Cazuzinha Batista lá da fazenda distante; Terra da Tia Silvana, vestida toda bacana, desfilando pelas ruas com seu traje cativante. Terra do Luiz Otávio, do grande Tião Gonzaga que morreu na juventude carregando a sua cruz; Bragança do Malachias do “Zebu” - o Emílio Dias e do mestre Américo Luz. Bragança do seu “Bigu”, do “Munguba” e do Joao “Sete”. Bragança do seu Simplício a alegria da Marujada; do seu Raimundo Rodrigues la da “Boca da Estrada”. Braganca do João “Correte”, bom pescador e pedreiro. Terra do Mario Queiroz e do seu Dico Pinheiro. Bragança do seu Florencio, - o Puluca do Roial e do Major Benedito Caudilho do Cacoal. Terra do Antonio Pereira, do Juvenal Oliveira e do seu Lulu Belem: Terra do seu Bernardino, do Pessoa - o “Pequenino” do Virgílio e Ze Vieira, do Mario Antunes, tambem. Terra do Martinho Bruno, do Dirceu Alves Ferreira, do Ciriaco Oliveira amante das poesias; Terra do seu Petrolino, do funcionario Perilo e do velho Zé Farias. Braganca do Elias Rodrigues, do seu Marcelo Castanho, do velho Pedro “Pretinho” proprietario do Riozinho onde se tomava banho. Terra do André Risuenho, Homem bondoso e ordeiro. Terra do seu Turiel, do doutor Simpliciano

e do seu Pio Cavalheiro. Terra do seu Vadiquinho do Eduardo e do Sereno, Bene Alves e Amorim, E do seu Elias Sobrinho, morador do “Caete”. Terra do Padre Machado o Vigario iluminado que aumentou a minha fe. Terra do Luis Antonio da panela que luzia; Terra da dona Diloca; e do Germano Garcia. Braganca do seu Hilario - o grande “Serapiao” com jeito de milionario montando o seu alazao. Braganga do “Caramujo”, vendendo carne de gado la no mercado Central; Braganga do seu Joao Braga, que passava o dia cantando para “espantar o mal’\ Braganga da Maricota, professora modelar; com ela nao tinha historia qualquer coisa a palmatoria fazia silenciar. Braganga da Theodomira, mestra de grande valor, que com sua “regua gigante” silenciava o estudante corrigindo com amor. Bragança da Dorotéia ensinando no Riozinho com amor e doagao; Braganga do Bibiano conduzindo a todo pano o trenzinho da colonia para a antiga estagao. Bragança da marujada, da saudosa cavalhada disputando um Medalhão. Bragança do velho Zuza, o locutor pioneiro que animava a Aldeia com seu modo zombeteiro. Braganca do seu Ormindo, o nosso antigo sineiro que chamava o povo ordeiro pra Igrejinha de Sao Joao. Eis, aqui, BRAGANÇA ANTIGA, torrao que a todos abriga, berco feitil e generoso onde o PAI me fez nascer; Quero neste solo ami go, pelo Caeté banhado fazer nele o meu jazigo quando por Deus for chamado.

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POESIA

benquerença MARIA LÚCIA MEDEIROS Velhas casas com varandas Vou abrir vossas janelas debruçadas sobre o rio... Escutar vossas histórias Penetrar vossos segredos Resguardar vossa memória De um trem rasgando a terra e dos trilhos arrancados de vossa trilha perdida De fumo, arroz e feijão vossa produção perdida. Onde o jornal de Belém no fim da tarde chegando nesse tempo e nesse trem? Virou pó de fantasia? Virou gemido sem grito? Parou na curva o apito? Velhas casas com varandas Vou abrir vossas janelas debruçadas sobre o rio... O rio é minha cidade refletida sobre a tarde Cinema Olímpia da praça Matinées de seriados o mundo visto em pedaços o mundo visto por mim Igrejas, as ruas tortas, meninos brincando à porta, cirandas, manga e jasmim. 0 rio é minha cidade refletida sobre a tarde. O rio é minha cidade O pai, a mãe, a família, raízes, galhos trançados no tempo que nem sabia.

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O rio é esse batuque da Marujada chegando espelhos, fitas, gingados Marujos soltos na terra Marujos, sonho e chorado. O rio conta a vossa história longa história desse povo tristeza feito alegria marcada na cantoria. Os corpos, louco bailado As vozes, pranto velado Os pés marcando o compasso dessa negra alegoria. O rio é minha cidade refletida sobre a tarde. O rio é Pedro Pretinho, Cereja, Serra e Lagoa Vem lá das bandas da Aldeia, Vem lá de trás do Riozinho Velhas casas com varandas Me lembram a casa das tias fiapo de manga nos dentes e cadeiras de balanço... O rio é minha cidade O rio é vossa memória. O rio é essa janela o terço, o doce, o confeito, (o primo, a tarde e a terra) O rio é minha janela aberta neste poema.


FOTO: RENATO CHALU

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FOTO: RENATO CHALU

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PATRIMÔNIO

PATRIMÔNIO

REVITALIZADO

O

prédio do SESI adquirido em 1966 possui 170 m2 e agora foi totalmente revitalizado mantendo todas as características arquitetônicas, principalmente na conservação e restauração dos frisos da fachada e do ladrilho hidráulico. Agora servirá para o funcionamento da Indústria do Conhecimento que vai abrigar um centro multimídia, biblioteca e laboratório onde serão realizados cursos de educação continuada da REDE SESI de forma presencial e a distância, dialogando e integrando com os cursos técnicos do SENAI Pará e do SEBRAE, para estimular o empreendedorismo e a formação profissional. José Conrado Santos, presidente da Federação das Indústrias do Estado do Pará ao iniciar o discurso de inauguração do projeto diz ao povo de Bragança que: “O Sistema Fiepa atua há 30 anos em Bragança formando profissionais para atender o setor da Indústria e de serviços na cidade, milhares de pessoas que se capacitaram nas Unidades do SENAI e do SESI, foram formados ou especializados para atuar diretamente no mercado. E hoje, atendem praticamente todos os empreendimentos que chegaram à re-

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gião. O posicionamento que o Sistema S vem adotando, trazendo as expertises das entidades que o compõe, no caso o SENAI, SESI, SEBRAE, SESC, SENAT integram ações em prol do desenvolvimento regional e das melhorias sociais e econômicas de Bragança”.

“O Sistema Fiepa atua há 30 anos em Bragança formando profissionais para atender o setor da Indústria e de serviços na cidade, milhares de pessoas que se capacitaram nas Unidades do SENAI e do SESI, foram formados ou especializados para atuar diretamente no mercado.” Para o Sr. José Conrado que também já foi presidente do Conselho do SEBRAE por 04 anos, e articulou entre as instituições para que fosse incorporado a expertise do SEBRAE para dentro do SENAI, ratifica que: “A principal missão institucional que procuramos ao atuar

de forma integrada é dar condições seguras para o trabalhador que concluir um curso, a chance de se ser um empreendedor, seja ele pequeno, médio ou grande. Ele vai aprender e saber ser um bom profissional, preocupandose com seu negócio e com seu bem estar físico e social. Com o SESI organizamos grandes ações de esporte, lazer e cultura para melhorar a qualidade de vida da população, não só na capital mas em todas as regiões do Estado. E Bragança com sua população de mais de 120 mil pessoas atuando em diversos setores da economia podem ser independentes e ser livres do emprego formal ou informal e se tornarem empreendedores. Neste ato, a grande satisfação é voltar aqui para honrar a memória de Gabriel Hermes o qual tive oportunidade de conhecer Bragança com ele e de entregar ao povo de Bragança não só um prédio e uma praça restaurada, mas oportunidades de crescimento econômico, de geração de emprego e renda para o município. Este é o grande feito do Sistema Fiepa: fazer voltar a Unidade do SESI para atender a população de Bragança assim como já vem acontecendo com o SENAI sob a batuta de Gerson Peres”. E para falar da obra e dos serviços oferecidos pelo SESI, o Superintendente Regional José Olímpio Bastos, enfatiza que “a população de


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PATRIMÔNIO

Bragança será beneficiada com a implantação do Centro Cultural Digital Avançado de Tecnologia e Formação, uma unidade do SESI que representa uma Indústria do Conhecimento, a exemplo do que já se realiza em outras Unidades de Castanhal, Marabá, Paraupebas e outras no Brasil. A indústria do Conhecimento é uma iniciativa lançada em 2006 para promover o acesso à informação e cultura para a população de municípios com baixo índice de Desenvolvimento Humano (IDH) O projeto instala centros multimeios em centro urbanos de baixa renda que oferecem acesso gratuito as informações em diferentes meios, livros, periódicos, DVD’s, além de acesso à internet e inúmeras atividades de promoção da leitura, lazer e cidadania. Antes de entregarmos a Obra foram feitas pesquisas e sondagens para verificar e certificar a viabilização do projeto que somando o restauro arquitetônico, o laboratório de informática, a biblioteca, a casa em si e a praça Edvaldo Martins que integra a área do projeto, conta com investimentos de mais de 1 milhão de reais. Temos o registro de fotos de como estava o prédio e a situação do imóvel, pois inclusive antes, o prédio em que determinados momentos foi pensado em ser alienado do patrimônio do SESI, pois não depende só da nossa vontade para que aconteça este projeto, vimos que é necessário e totalmente viável a implantação deste centro cultural 28 www.revistapzz.com.br

digital em Bragança que vai beneficiar a população. Como a dinâmica do país, do Estado do Pará e da região ela vai mudando ao longo dos dias, dos meses e dos anos, percebemos que Bragança começa a resgatar sua origem industrial que já foi um dia bem dinâmica e representativa, não só na região do Caeté mas em todo o Pará. Atualmente existem iniciativas que tem perspectiva e estão em andamento. A vinda da Universida-

“O projeto instala centros multimeios em centro urbanos de baixa renda que oferecem acesso gratuito as informações em diferentes meios, livros, periódicos, DVD’s, além de acesso à internet e inúmeras atividades de promoção da leitura, lazer e cidadania.” de Federal do Pará que além dos seus mais diversos cursos, vincula a cursos da indústria da pesca. O Instituto Federal do Pará (IFPA) contribui para a formação e o desenvolvimento econômico e a vinda da Universidade Federal do Nordeste Paraense vai coroar este processo. Na inauguração deste espaço priorizamos a produção cultural e a participação de empreendedores locais como forma de dar um

sentido de pertencimento onde a população de Bragança independente que esteja próximo ou distante do prédio deve se apropriar e se beneficiar desse espaço público aberto e buscar o que se podem favorecer desse investimentos que fazemos. A Casa tem biblioteca de quase 2 mil tomos, equipamentos novos, internet de boa velocidade, minicursos, cursos a distância na área da ética, da cidadania, da responsabilidade social, assuntos que são de grande valia para a sociedade como um todo e para o desenvolvimento sustentável. Gostaríamos que tivesse continuidade e fosse de grande contribuição para a melhoria econômica e social de Bragança, do Pará e do país. Essa é a nossa grande valia ao povo bragantino que já é um povo educado, receptivo e que tem sua identidade própria” enfatiza José Olimpio. A Superintendência de Apoio a Micro e Pequena Empresa - SEBRAE terá uma sala de atendimento ao empresariado local e o superintendente no Pará, Fabrizio Gualhanoni, comunicou que “a parceria com o Sistema S é fundamental para o desenvolvimento estruturado da economia. O SEBRAE agradece a missão, o convite para atuar em parceria com o SESI e SENAI em Bragança e o primeiro passo é colocar um balcão de atendimento para atender as micro e pequenas empresas do município. A perspectiva é que ampliamos cada vez mais as nossas ações na cidade. Uma cidade que respira empreendedorismo, uma cidade que possui


FOTOS: RENATO CHALU PACHECO

3.298 empresas, sendo que 3.196 empresas são pequenas empresas ou seja quase 96% da empresas instaladas aqui são micro e pequenas empresas. Esse ano apenas 58 empresas fecharam as portas no município. Isso mostra a força do município, a força do empresariado e o perfil do empreendedorismo que esse município tem. O SEBRAE estará ampliando cada vez mais sua atuação e participação de forma integrada com todas as unidades do SEBRAE e com o alinhamento com todos os parceiros do Sistema S e da FIEPA”. Nessa perspectiva de integrar as ações, o SENAI já qualificou 700 mil pessoas em todo o Pará. Agora também atuará com cursos na área da informática. Além do novo laboratório o SENAI também foi responsável pela revitalização da praça Edvaldo Martins que integra o espaço afetivo de atuação do Centro Tecnológico. Nas palavras de Gerson Peres “As minhas primeiras palavras são para lembrar que juntos caminhamos em uma grande jornada de desenvolvimento sem muito alarde em preparação dos jovens e da população. O social deve estar integrado ao processo da educação e do conhecimento para que possam construir daqui pra frente a felicidade deles. Eu só tenho agradecer ao presidente José Conrado por ter feito a ressurreição de um patrimônio histórico e tomou a iniciativa de procurar reunir com os órgãos que administra e preside com dignidade e cordialidade,e permitiu trazer esse corpo para construir esta obra e colocar dentro dela cursos apropriados pelo próprio espaço SESI capitaneado pelo professor José Olimpio”, parabenizado a todos pela iniciativa.

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PATRIMÔNIO IMATERIAL

Dário Benedito Rodrigues *

CÍRIO DE BRAGANÇA Se Bragança possui um dos Círios do Pará mais antigos, isso se deve à organização empreendida pelos padres barnabitas da capital, que se instalaram na cidade bem antes de 1930.

E

m Bragança, um turbilhão de fé arras- de 1930. Por certo, o Círio antecede esse fato. ta milhares de pessoas que em cami- Como a Igreja Matriz de Bragança estava sob nhada sob o sol escaldante da cidade, a administração eclesiástica da Diocese de homenageiam e cultuam Maria, sob o Belém, os vigários colados eram as figuras título de Nossa Senhora de Nazaré. Os quilô- que melhor interagiam com a população, em metros que separam a pequena Igreja de São nome da religiosidade, morando entre os poBenedito da Catedral de Nossa Senhora do pulares e sendo muito benquistos por eles. Rosário (antiga Igreja Matriz), no centro da Uma fonte em especial, já anunciada numa cidade, testemunham um mistério que só se publicação de 2003, trata de um registro compreende pela linguagem da fé, um desa- antigo do Círio bragantino. Alguns fatos se fio para os que tentam desvendar a paixão confundem com esta fonte jornalística e talinexplicável na hisvez seria oportuno e mais Em Bragança, um turbilhão de próximo da análise histótória do catolicismo ligada à jovem Maafirmar que o Círio de fé arrasta milhares de pessoas rica ria de Nazaré, mãe Bragança possui bem mais que em caminhada sob o sol de Jesus Cristo. que os cem anos festejaCertamente, como escaldante da cidade, homenageiam dos em 2003, pela obseruma festa religiosa vação atenta ao que traz o e centenária nas e cultuam Maria, testemunham um texto do jornal, “O Caeté”, terras bragantinas, ao coronel mistério que só se compreende pertencente a presença de orAntônio Pedro, em madens religiosas se pela linguagem da fé, um desafio téria de primeira página remonta à funda- para os que tentam desvendar a daquela edição, acerca do mental intervenção Círio. desses religiosos no paixão inexplicável na história do Um olhar diferenciado curso da vida social, catolicismo ligada à jovem Maria notará que ao descrever o cultural e religiosa “Noticiário da Festividade de Nazaré, mãe de Jesus Cristo. da Virgem de Nazareth”, do povo bragantino, por vezes queso jornal anuncia o costutionável. Segundo relatos orais, recolhidos me do itinerário, daí mesmo, ao se aplicar anteriormente, a festa da padroeira de Bra- uma análise histórica, não se trata, portanto, gança, Nossa Senhora do Rosário era bem do primeiro círio, mas de um registro acerca mais pomposa e participada que as demais, dele, já que o cortejo tinha percurso costusendo organizada por uma irmandade. Por meiro, o que não significa ter sido o centésicircunstâncias do tempo, a instituição da mo Círio, mas possivelmente uma das fontes festa do Círio de Nazaré nas terras do Caeté mais antigas a relatar a festa. pode ser considerara um aspecto de intensa Para nos informar, diz o jornal “O Caeté” circularidade cultural entre tradições religio- na parte à direita da página inicial, de 29 de sas que vinham de Belém. novembro de 1903 que “no domingo da fesSe Bragança possui um dos Círios do Pará ta, ás 5 horas da tarde, sahirá em procissão a mais antigos, isso se deve à organização Imagem da Virgem de Nazareth, percorrendo o empreendida pelos padres barnabitas da ca- itinerário do costume”. pital, que se instalaram na cidade bem antes Em virtude da proximidade de datas, em

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FOTOS: lúcio coutinho

PROCISSÃO O Cìrio de Bragança inicia-se com a peregrinação fluvial abençoando os pescadores da região e depois arrasta-se pelas ruas da centenária cidade de Bragança até a Igreja da Matriz.

Bragança a festa do Rosário foi perdendo gradualmente o seu esplendor, quando da introdução da festa de Nazaré, no mês de novembro. Em algumas entrevistas se nota que a pompa da padroeira de Bragança, homenageada em uma quinzena do mês de outubro, com preparação de lugar (barraca da santa), procissão, andor, diretoria, irmandade religiosa, votos e promessas cedeu espaço à introdução do culto a Nossa Senhora de Nazaré, mais devotada na capital. Ainda pelo mesmo registro, o Vigário da época era o Cônego Miguel Joaquim Fernandes (1814-1904), sacerdote bragantino e defensor de ideias políticas liberais, muito influente e que, após seu falecimento, fora substituído, segundo fontes, pelos padres Paulo Maria Lecouriex, Eduardo Maria Meda, Florence Maria Dubois e Carlos Maria Rossini, que foram residir no prédio onde funcionaram as primeiras salas do Instituto Santa Teresinha em 1938 e hoje sedia a Fundação Educadora de Comunicação. Essa mesma moradia serviu para abrigar também as primeiras Irmãs do Preciosíssimo Sangue – preciosinas – que vieram em 12 de agosto de 1938 com o padre Eliseu Coroli ajudá-lo nos trabalhos de educação. Esses padres pioneiros, entre os problemas de saúde, idioma, manutenção financeira e dificuldades de comunicação com Belém, retornaram à capital do Estado. Outros faleceram anos depois, como o padre Meda, em 1906. Dezenove anos depois, assumiu a Paróquia do Rosário o então Secretário do Bispado, padre Luiz Borges de Sales, que revitalizou o Círio de Nazaré com uma comissão formada pelos senhores Mariano da Costa Rodrigues Filho, Filenilo da Silveira Ramos e Julião Risuenho. Mais tarde, com o falecimento do cônego Sales, o padre Salvador Tracaiolli assumiu a paróquia, dando prosseguimento com a celebração da festividade nazarena. Em 14 de abril de 1928, o papa Pio XI criou um novo território prelatício, com o título de Prelazia de Nossa Senhora da Conceição do Gurupi, dada à administração dos barnabitas, liderados por Francisco Richard como administrador apostólico, sendo Ourém escolhida como sede. Em 1934, Bragança passou a pertencer a esta prelazia, inclusive escolhida como sua sede, sendo a padroeira modificada para o título de Nossa Senhora do Rosário. Um dos fatos curiosos que nos foi anunciado pelo Jornal “Folha do Caeté”, de novembro de 1949, trata da mudança feita no trajeto da procissão. O Círio de Nazaré em Bragança, em face de desentendimentos entre a Prelazia do Guamá e a Irmandade do Glorioso São

Benedito de Bragança, à época, teve o trajeto da procissão modificado, cuja trasladação saiu da Igreja Matriz à capela da Maternidade de Bragança e de lá saiu a procissão, diferentemente da Igreja de São Benedito como o é atualmente. O retorno da saída do Círio de Nazaré da Igreja de São Benedito só se deu em 10 de novembro de 1957 por determinação de dom Eliseu Coroli, para contemporizar questões relacionadas a esses desentendimentos. Mas em 1953, a procissão saiu do Instituto Santa Teresinha em 14 de novembro. Dessa década em diante, o Círio de Bragança cresceu e atingiu as vilas congêneres à Bragança, como em Urumajó, por exemplo, em 1958. O itinerário da procissão só foi modificado no ano de 2001, quando administrava a paróquia de Nossa Senhora do Rosário o sacerdote bragantino padre Aldo Fernandes. O novo percurso saindo da Igreja de São Benedito passa por vários bairros (Centro, Riozinho, Morro, Alegre, Cereja, Padre Luiz) e pelas outras duas paróquias de Bragança (Sagrado Coração de Jesus e Nossa Senhora do Perpétuo Socorro), como num “abraço de

O Círio de Nazaré em Bragança, em face de desentendimentos entre a Prelazia do Guamá e a Irmandade do Glorioso São Benedito de Bragança, à época, teve o trajeto da procissão modificado, cuja trasladação saiu da Igreja Matriz à capela da Maternidade de Bragança e de lá saiu a procissão, diferentemente da Igreja de São Benedito como o é atualmente. Maria de Nazaré” a seus filhos bragantinos. Vários fatos recorrentes ao Círio de Nazaré podem ser aqui lembrados, assim como de suas relíquias e objetos. A berlinda – um tipo de transporte europeu adaptado para receber a imagem de Maria – de mais cento e vinte anos é um deles. Entre os anos de 1955 e 1965, segundo dados da Basílica de Nazaré, por iniciativa da Sra. Benedita Ferreira, sabedora da construção de outra nova berlinda para a procissão em Belém, procurou o então vigário da Basílica de Nazaré, padre Afonso di Giorgi propondo-se a recuperar a antiga peça em madeira e doá-la para Bragança, com a ajuda do padre e dom Mário de Miranda Vilas -Boas. Assim foi feito. Esta berlinda em madeira, hoje no Museu de Arte Sacra de Bragança, foi restaurada novamente em 1982, por iniciativa do Sr. Afonso Maria de Ligório Cavalcante, fato noticiado pelo extinto jornal “Folha de Bragança”, do jornalista Soares Filho. Este carro foi usado até 2000, quando outra peça foi confeccionada e doada à paróquia do Rosário. Abaixo, a foto da berlinda de Nossa Senhora no Museu de Arte Sacra da Diocese de Bragança . www.revistapzz.com.br 31


PATRIMÔNIO IMATERIAL Outra relíquia importante da festa nazarena é a primeira réplica em madeira da imagem de Nossa Senhora de Nazaré, confeccionada na Itália, a pedido do então vigário da Basílica, dom Miguel Maria Giambelli, falecido em 2010. A peça foi encomendada ao artista italiano Giácomo Mussner, que a fez em dois modelos. A imagem escolhida para o Círio de Belém, colocada pela primeira vez na berlinda em 1969, foi a que não contém em seu entalho o manto em formato triangular, ficando a segundo réplica, com o manto esculpido junto ao corpo da imagem destinada à Bragança. O abrigo da imagem hoje é, há muitos anos, o gabinete pessoal de dom Eliseu Coroli, sob os cuidados das Irmãs Missionárias de Santa Teresinha. Foi dom Miguel Giambelli que organizou, por exemplo, a descida da imagem encontrada pelo caboclo Plácido do altar intitulado “Glória” até o presbitério da basílica, já que o evento era feito de forma modesta e simples. Fato interessante relacionado ao Círio foi a inauguração da Rádio Educadora de Bragança, em 12 de novembro de 1960, quando o então arcebispo dom Alberto Ramos abençoou os estúdios e o padre Miguel Giambelli iniciou as transmissões sonoras da emissora. No outro dia, a Educadora realizou um dos seus primeiros grandes

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desafios: a transmissão do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, que se tornou seu trabalho inicial e pioneiro. O hino “Virgem de Nazaré”, outro ícone dessa festa, é originalmente um poema de autoria da poetisa paraense Ermelinda de Almeida e que foi musicado, por volta dos anos 60, pelo padre Vitaliano Vari, também barnabita, que era Vigá-

O hino “Virgem de Nazaré”, outro ícone dessa festa, é originalmente um poema de autoria da poetisa paraense Ermelinda de Almeida e que foi musicado, por volta dos anos 60, pelo padre Vitaliano Vari, também barnabita, que era Vigário de Bragança e professor no Instituto Santa Teresinha. rio de Bragança e professor no Instituto Santa Teresinha. A Guarda de Nazaré, criada em 1974, teve como seu fundador e primeiro presidente o também barnabita padre Giovanni Incampo, que exerceu a função de vigário da Paróquia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro em

Bragança e por muitos anos superior provincial da ordem. Entre outros fatos, citamos a atuação do padre Luciano Brambilla, sacerdote barnabita colaborador de dom Eliseu Coroli que viveu e trabalhou em Bragança entre 1952 e 1978. Quando da sua experiência como vigário da Basílica, em 1981 e juntamente com a diretoria do Círio na capital, conseguiu recursos junto ao governo federal para a construção do Centro Arquitetônico de Nazaré, inaugurado em 1982. Além disso, através de seu trabalho. Em entrevista ao jornal “Voz de Nazaré”, padre Giovanni Incampo, então Superior da ordem no Norte do Brasil, relatou: “Padre Luciano era muito ligado espiritualmente com o saudoso dom Eliseu Coroli e com dom Miguel Giambelli, com certeza padre Luciano adquiriu uma riqueza espiritual e de conhecimentos em Bragança e trouxe para a Paróquia de Nazaré”. Padre Luciano foi um dos organizadores de procissões e romarias que hoje compõem a programação da festa nazarena, como a romaria fluvial, ocorrida pela primeira vez em 08 de outubro de 1978 e a romaria rodoviária, realizada inicialmente em 07 de outubro de 1989, que ainda saía do Monumento da Cabanagem, no Entroncamento. O Círio refletiu (refletirá) a busca pela valorização da história bragantina, percorre-


FOTOS: lúcio coutinho

CÍRIO - TRASLADO HISTÓRICO O Círio refletiu (refletirá) a busca pela valorização da história bragantina, percorremos, enfim, essa “trasladação” histórica até Belém, retornando em “Círio” à Bragança. mos, enfim, essa “trasladação” histórica até Belém, retornando em “Círio” à Bragança. Reunimos alguns dados, factuais por certo, e os colocamos à disposição, leitura e posterior reelaboração, percebendo o quanto imbricado está a história da religiosidade católica bragantina e sua influência com Belém, pela presença dos padres barnabitas, pela força do laicato, pelos aspectos que ligam as duas festas religiosas e pela vinculação de Bragança aos títulos de Maria, mãe de Jesus, chamada de Nossa Senhora, a partir de sua Concei(p)ção, de Nazaré, ou com o Rosário nas mãos, abençoando os seus filhos e filhas de Bragança. * Dário Benedito Rodrigues é bragantino, historiador, pesquisador e docente da Faculdade de História na Universidade Federal do Pará, em Bragança.

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EDUCAÇÃO

Clemente Shwartz*

INSTITUTO SANTA TERESINHA TRADIÇÃO E MODERNIDADE NO ENSINO

O

Instituto Santa Teresinha (IST) , idealizado e concretizado por Dom Eliseu Maria Coroli, foi fundado em 23 de novembro de 1938. O IST teve sua primeira fase marcada pela chegada das Irmãs do Preciosíssimo Sangue em Bragança. As religiosas vieram de Monza (Itália), a convite de Dom Eliseu, para ajudá-lo na implantação e direção da escola, como também na formação de professoras catequistas e na evangelização. MISSIONÁRIAS - O segundo momento pode ser considerado com o surgimento da Congregação das Missionárias de Santa Teresinha fundada por Dom Eliseu, em co-autoria com a irmã Edith de Almeida e Sousa, considerada pelo bispo sua primeira filha espiritual. Capacitadas, muitas dessas missionárias se tornaram professoras do IST, contribuindo de forma muito significativa para a evolução do colégio. NA HISTÓRIA – Irmã Edith, além de estar à frente nas salas de aula desde os primeiros anos do IST, liderava um grupo de professoras catequistas, alfabetizando e evangelizando nos interiores. Nessas missões, irmã Edith também atendia na área da saúde, por ser enfermeira formada pela Escola de Enfermagem Ana Nery do Rio de Janeiro. Posteriormente, ela, que era cofundadora e já coordenava a Congregação das Missionárias de Santa Teresinha, tor-

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Dom Eliseu, com a irmã Edith de Almeida e alunas do IST nou-se diretora do IST.

foi necessário interditar a rua Aureliano Coelho, unindo as duas quadras, para INTERNATO - Nas primeiras décadas, o aumentar ainda mais o Instituto. Aliás, Colégio funcionou também em regime de desde 1939 até a década de 70, quando internato, abrigando alunos e alunas de di- foi concluído o anexo- onde atualmente versos Iugares. Nesse mesmo momento, funcionam as salas de aula- o IST viveu em uma ala isolada do colégio, havia ainda ininterrupto processo de edificação. Não o noviciado, onde se formavam as freiras era para menos. Além do capricho com Missionárias de Santa Teresinha. que foi construída área de tamanha extensão, havia ainda o desafio de equipar TIJOLO POR TIJOLO - Para que o pré- um colégio com recursos que ultrapassasdio acomodasse tanta gente e atendesse sem os limites das salas de aula. Isso tudo a grande demanda de alunos externos, com pouco dinheiro e numa época em


Instituto Santa Teresinha - Bragança - Pará

O engenheiro italiano e a primeira viga do prédio do IST

Benção da pedra fundamental do Colégio Santa Teresinha em 5 de setembro de 1940

que jamais se falava em prática de atividades multidisciplinares. VALEU A PENA - No entanto, graças a tenacidade “eliseana”, Bragança não só foi a terceira cidade do Estado com curso Normal - a primeira foi Belém e a segunda, Santarém- mas passou a dispor de um colégio com quadra de esportes, laboratório de ciências, biblioteca, sala de projeção de filmes, capela, livraria e um auditório que durante muitas décadas serviu de palco para grandes apresentações de teatro e

música produzidas em Bragança. No auditório do Santa Teresinha foram apresentadas diversas operetas e peças populares montadas pelos próprios alunos; festivais de música e poesia organizados pelo saudoso poeta Jorge Ramos, advogado e professor do IST; além de shows musicais com performances de alunos e ex-alunos. Pouca gente sabe, mas o cantor e compositor bragantino Junior Soares, do Arraial do Pavulagem, apresentou-se pela primeira vez em um palco,

no auditório do colégio, em meados dos anos 70 quando fazia o curso ginasial no IST. Também faziam parte do movimento musical os irmãos Pedro Paulo e Antônio Carlos Scerni, Bibio, Stélio Risuenho; Paulo Afonso Alcântara e seu coral, Esther Nonato Aranha, dentre outros talentos caeteuaras. Naquela década, as noites culturais lotavam o auditório. TOMADO PELO EXÉRCITO - Um assunto da história do IST que pouca gente conhece é a instalação provisória www.revistapzz.com.br 35


EDUCAÇÃO tempos faz parte do compromisso de despertar no aluno o interesse pelo conhecimento. Para interagir fluentemente com as diversas gerações, atendendo a realidade de cada época, o IST passou por transformações que pontuaram sua história. Além das adaptações metodológicas e comportamentais, há fatos que marcam os vários momentos da instituição. O processo evolutivo do IST pode ser observado, por exemplo, pela mudança dos uniformes. Para quem começou com o formalíssimo modelo típico das normalistas da época; pode-se considerar como grande testemunho desse avanço o atual uniforme, adotado desde a década de 80: camisa de malha de algodão, calça jeans e tênis.

do Exército no prédio ainda em construção, no mês de novembro de 1942, durante a Segunda Guerra Mundial: Como o Exército precisava de uma instalação com urgência em Bragança, o comandante da 8a Região Militar do Estado à época e Augusto Corrêa, então prefeito municipal decidiram em comum acordo que o prédio do colégio seria o local ideal. Sem outra opção, Dom Eliseu desocupou o prédio inacabado, entregando ao Exército, após fechar uma indenização que incluía o compromisso concluir a obra, como foi feito. Durante a ocupação militar, as aulas voltaram a ser realizadas no mesmo local do primeiro ano letivo do colégio. Entretanto, depois de diversas e frustradas investidas na tentativa reaver o prédio, Dom Eliseu tirou o último ás da manga e deu sua cartada de mestre, acionando uma amiga de longa data: Ivete Vargas, filha do então presidente da República, Getúlio Vargas. Ele havia sido professor da jovem no ano em que chegou ao Brasil, quando lecionava na Escola de Cadetes do Rio de Janeiro. “Ele (Dom Eliseu) contou o problema que estava enfrentando a ela, sugerindo que intercedesse junto ao seu pai. O presidente acatou o argumento da filha e o colégio devolvido a prelazia, voltando a funcionar como antes. Com uma brilhante trajetória, o Instituto Santa Teresinha (IST) chega aos 75 anos oferecendo formação completa de qualidade, da Educação Infantil ao Nível Médio, além de cursinho pré-vestibular. Sem perder jamais a tradição, o Instituto mantem-se atualizado para atender as exigências estabelecidas para o bom aprendizado. Além da equipe técnica pedagógica, a instituição dispõe de psicólogo a disposição dos alunos. CONTEMPORANEO - A adequação aos 36 www.revistapzz.com.br

EDUCAR PARA A VIDA - “Nossos alunos serão nossos verdadeiros filhos; a eles todos os nossos cuidados e educação paternal; sacrificaremos a nos mesmos pelo bem intelectual, moral, social, espiritual e eternos de nossos alunos”, são frases do compromisso que Dom Eliseu fez em seu prórpio nome, dos padres e das freiras, na hora solene da Eucaristia de abertura do 1 ano letivo do IST, em 15/02/1939. A oratória transcorre sobre a filosofia atribuída pelo fundador da instituição: “Educar para a vida”. Curiosamente, essa frase tornou-se lugarcomum às vésperas da virada do século XX e, até hoje, é assunto nas mesas redondas, simpósios e também nas conversas informais de educadores. No entanto, foi proposta por Dom Eliseu, ainda na terceira década do século passado. “Ele (Dom Eliseu) sempre falou de uma educação que não se restringisse as disciplinas de sala de aula, da mera instrução acerca do conteúdo programático escolar, mas principalmente sobre o estímulo a descoberta de cada um de nós acerca de nós mesmos, para então buscarmos uma evolução também no campo pessoal e espiritual, explicou irmã Ascenção. A diretora contou que Dom Eliseu argumentava que a vida não é feita somente de aspectos do campo intelectual. Hoje, quando a Pedagogia também indica essa filosofia em todo o mundo, confirmamos que Dom Eliseu sempre pensou muito a frente de seu tempo. Vislumbrar esse ponto de vista holístico, tão importante para a educação, com tamanha convicção em tempos tão desprovidos dessa ética globalizada, é um grande pioneirismo. Ele era um visionário”, avaliou diretora do IST, Irma Ascenção Lemos, completou a explanação sobre o espírito vanguardista do bispo, citando a implantação da Rádio Educadora de Bragança, como outro recurso para promover educação na região, com au-


las a distância. “Somente neste século as aulas não -presenciais tornam-ser comuns. No entanto, como parte mesmo ideal, Dom Eliseu disponibilizou essa linguagem para Bragança mais de quatro décadas, através da Educadora, que promove este serviço até hoje “, assinalou irmã Ascenção. MODERNIZAÇÃO - Como complemento o IST também dispõe de laboratório de processamento de dados e biblioteca informatizada. Além das atividades normativas e de boas instalações, as estratégias utilizadas pela instituição para incrementar a saborosa descoberta do saber incluem ainda: feiras pedagógicas e científicas, além de programações culturais, cívicas e desportivas. “A aplicação das disciplinas correlacionadas com o dia-a-dia do aluno aproxima-o do assunto e faz com que ele confira a teoria na prática. Assim a gente aprende e não esquece”, observou irmã Ascenção, diretora geral do Instituto Santa Teresinha. TURISMO - O prédio do Santa Teresinha, em composição com a Praça das Bandeiras, é um cartão -postal em Bragança. Uma referência da cidade que não escapa mesmo aqueles que passam por Bragança apressados para chegar em Ajuruteua, uma vez que a construção, que salta aos olhos de qualquer desatento, fica no caminho quase obrigatório para se chegar à praia. A beleza arquitetônica da fachada é apenas um item a ser apreciado. A nostalgia em cada compartimento é latente no interior do prédio. Percorrer os enormes corredores adornados por imensos vasos com plantas e adentrar os cômodos do Santa Teresinha é uma viagem ao passado, independente de se ter vivido por ali ou não. O pé-direito cerca de cinco metros de altura, o mobiliário antigo, os quadros de formaturas de normalistas, aliados as imensas varandas que dão para o pátio interno, fazem do colégio de freiras uma locação perfeita para uma produção cinematográfica de época. Neste cenário fantástico, até onde se pisa também é uma riqueza. O chão do prédio original do colégio é inteiramente revestido por ladriIhos hidráulicos lindíssimos, com estamparias variadas, sendo cada motivo minuciosamente escolhido, de acordo com a função e dimensão de cada compartimento. Coisa fina, requintada mesmo. As peças foram todas produzidas em Bragança na fábrica dos padres, que a época da construção do IST também montaram uma olaria, onde foram feitos os tijolos utilizados nas paredes do colégio.

sima coisa para viver. Só tinha o essencial e, como se vê, tudo aqui é muito simples”, disse a irmã Marilda, responsável pelos aposentos do fundador do colégio, apontando para o mobiliário. A antiga capela foi desativada e passou a funcionar em outro compartimento. A mudança deu-se devido ao espaço estar ligado ao quarto de Dom Eliseu e ser o local ideal para ser transformado no memorial do bispo em processo de canonização.

NA MESMA PRAÇA- Apesar dos avanços conquistados em 70 anos, nenhuma tecnologia adotada pela instituição fez com que detalhes peculiares fossem desbancados- aliás, exemplo a ser seguido por cada instituição e cidadão que preze o seu passado. A preservação da enorme área de recreação com jardinagem e árvores de grande porte e a incansável veneração a Virgem Maria durante o mês de maio são dois exemplos que diferenciam o Santa Teresinha da grande maioria das instituições de ensino. O toque da mesma campa utilizada desde a RELICÁRIO - 0 quarto de Dom Eliseu é uma atração fundação do colégio é outra peculiaridade: uma tria parte. Em fase de arrumação para ser transforma- lha sonora inesquecível para os que ali estudaram. do museu, o aposento e o que há de mais simples em * Clemente Shwartz é jornalista e ex-aluno do meio a tanta área construída. Tendo na entrada um hall onde ficam uma cômo- Instituto Santa Teresinha. da, um armário muito modesto e um móvel onde o bispo se ajoelhava, no compartimento principal, o quarto comporta ainda uma cama de solteiro e um pequeno guarda-roupas, onde estão arrumadas as batinas que o bispo usava. “Ele precisava de pouquíswww.revistapzz.com.br 37


EDUCAÇÃO

INSTITUTO AMA

O

Instituto AMA, é uma instituição Desse esforço, ao longo de seus dez anos, de direito privado, sem fins eco- contabilizamos 120 jovens capacitados, de nômicos, reconhecida como Or- vários municípios e regiões, por meio do ganização da Sociedade Civil de projeto Oficina de Lutheria; e mais de 2860 Interesse Público (OSCIP) pelo Ministério da crianças e adolescentes atendidos nas oficiJustiça, e, por lei, como de Utilidade Pública nas de iniciação musical, de cursos técnicos Municipal e Estadual, sua sede está locali- e práticos de música e outras ações; além da zada em Bragança, mas tem polos e atua- criação de diversos grupos culturais como a ção nos municípios adjacentes de Augusto Corrêa, Tracuateua e Viseu. O Instituto é fruto do trabalho que era desenvolvido por O Instituto é fruto do trabalho Mestre Aurimar das Rabecas (Aurimar Monque era desenvolvido por teiro de Araújo), hoje falecido, em torno do Mestre Aurimar das Rabecas acolhimento sociocultural, educativo e assistencial de crianças e adolescentes, e, com hoje falecido, em torno do a valorização da Rabeca, um dos principais acolhimento sociocultural, educativo bens culturais integrados à manifestação e assistencial de crianças e da Marujada de São Benedito de Bragança (PA), fundada em 1798, tombada como Pa- adolescentes, e, com a valorização trimônio Cultural do Estado. Apesar do trabalho do mestre existir des- da Rabeca, um dos principais bens de 2003, o Instituto AMA só foi legalmente culturais integrados à manifestação constituído em 2005. Um dos objetivos da da Marujada de São Benedito de instituição é investir na inclusão social e Bragança (PA), cultural por meio da educação musical, preservando e difundindo as tradições culturais locais. O público atendido abrange crianças, primeira Orquestra de Rabecas da Amazôadolescentes e jovens (06 a 30 anos), em si- nia, a Orquestra de Rabecas Sons do Caeté, tuação de vulnerabilidade social e pessoas o Grupo Rabecas de Bragança, bem como com deficiência (PDI, PDV e PDF) através a constituição de Bandas Musicais, como a de uma parceria com a APAE de Bragança. Banda Sons do Caeté, composta por 82 mú-

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sicos. Todo trabalho desenvolvido pelo Instituto AMA foi realizado com recursos provenientes de doações, premiações e parcerias estabelecidas com organizações governamentais e outras instituições sociais, visando sempre à legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência em suas ações. Apesar de um número expressivo de pessoas atendidas, paralelo à diminuta quantidade de recursos financeiros, o projeto atende gratuitamente seu público alvo, dispondo dignamente a estas pessoas as condições necessárias para se desenvolverem culturalmente e como cidadãos. Como exemplo, no ensino de música os alunos têm aulas específicas para muitos instrumentos musicais, aulas de disciplinas teóricas auxiliares, o instrumento musical, métodos, partituras, dispondo ainda de uma pequena biblioteca, atualmente desativada por falta de recursos econômicos para mantê-la em funcionamento. O Instituto AMA tem sido muito importante na vida de muitos adolescentes, pois através de seus programas e ações estes futuros jovens são inseridos no mercado de trabalho, dando-lhes oportunidade de competir em igualdade, formando professores, monitores, produtores e gestores de artes. As aptidões de cada indivíduo manifestam-se claramente ao longo do processo de aprendizado. Os


estudantes mais talentosos são logo absorvi- mente, tendo sido divulgado em importantes dos como músicos por grupos profissionais e programas e telejornais nas emissoras GLOBO, semiprofissionais, e outros, se dedicam ainda a BAND, BBC de LONDRES, com importantes cursos de capacitação que os levem a um futu- matérias publicadas em jornais nacionais e ro profissional nos mais diferentes segmentos internacionais com o THE GARDIAN e NEW do mercado da cultura. Em 2012, 43 destes me- YORK TIMES. ninos e meninos foram aprovados em vestibu- Para nós que nos dedicamos, em sua grande lares de universidades públicas federais, 14 no maioria como voluntários no AMA, ficamos felizes em salvar vidas. E isso é curso de Música, verdade! Principalmente quando 04 em LicenciaO Instituto AMA tem sido muito um pai ou uma mãe nos abraça e tura Plena em Artes, 03 no curimportante na vida de muitos agradece dizendo que o filho está que há muito tempo ele so de Teatro, 07 adolescentes, pois através de seus “limpo”, não usa drogas e que a música o em História, 11 programas e ações estes futuros salvou. em Letras e Literatura, 02 em jovens são inseridos no mercado de Todos nós aprendemos... Como quando também fomos bem reServiço Social, 02 em Matemática, trabalho, dando-lhes oportunidade cebidos, quando tivemos nosso futuro modificado por pessoas de competir em igualdade, e muitos outros Mestre Aurimar das Rabeem cursos de formando professores, monitores, como cas, que aparenta sempre estar escolas técnicas produtores e gestores de artes. disposto a servir, nunca está canfederais, princisado e sempre está a sorrir, nos palmente para amando, nos abraçando e dizendo coisas boas produção cultural e turismo. Os atores da Rede Globo e Murilo Rosa, além que jamais esqueceremos na nossa vida. da atriz paraense Dira Paes, o cantor Gilberto O Instituto AMA também nos transforma! As Gil, além de importantes jornalistas e repór- crianças aprendem, os adolescentes evoteres como Sandra Passarinho, Gloria Maria e luem, os jovens conquistam um futuro... Os Daniela Assayag, estiveram na sede do insti- trabalhadores do AMA também, junto delas. tuto e conheceram de perto o projeto Sons do Caeté, reconhecido nacional e internacional-

Mestre Aurimar das Rabecas Mestre Aurimar das Rabecas (Aurimar Monteiro de Araújo), hoje falecido, em torno do acolhimento sociocultural, educativo e assistencial de crianças e adolescentes, e, com a valorização da Rabeca, um dos principais bens culturais integrados à manifestação da Marujada de São Benedito de Bragança (PA), www.revistapzz.com.br 39


PERFIL

FOTOs: RENATO CHALU

DILAMAR CASTANHO

DILAMAR CASTANHO Na foto, o dono do espaço, o mago Jader Turiel.

DILAMAR CASTANHO Dilamar Castanho fez de sua casa, um universo particular coletivo.

DILAMAR

CASTANHO MEMÓRIA E VIDA Nascido em maio de 1949, em Bragança, Dilamar Castanho fez de sua casa, um universo particular coletivo. Sua casa é um antiquário de grandes relíquias históricas de Bragança, desde fotografias a objetos raros, oratórios, imagem rara de São Benedito, gramophone, relógios de parede, esculturas, obras de arte, máquinas, brinquedos. Até poltronas do antigo cinema Olimpia da cidade tem em um canto da sala. Desde garoto, gosta de colecionar. Começou com selos. Muita coisa herdou da família. Outras, adquiriu por aí, em Bragança nos interiores, em viagens. É com esse olhar que vê Bragança. “Hoje Bragança é a terra do já teve. O que mais lamento é a questão cultural. Aqui tinha muita cultura. Cinema, Saraus, Discussões, Violões pelas ruas, poetas, escritores, jornalistas. Tudo na mais perfeita harmonia e intensidade. Dando um clima à cidade, uma aura poética e mágica que hoje vai se perdendo. Hoje acontece o descaso com a cultura e com o nosso 40 www.revistapzz.com.br

patrimônio. As autoridades deixando se destruirem coisas que representam a identidade da cidade. Veja o Palácio da Prefeitura e a Casa da Cultura, estão em ruínas, desabando.” explica Dilamar. Na Bragança da sua infancia e juventude haviam personalidades marcantes, como o poeta, escritor e jornalista Jorge Ramos, o

Nascido em maio de 1949, em Bragança, Dilamar Castanho fez de sua casa, um universo particular coletivo. Sua casa é um antiquário de grandes relíquias históricas de Bragança. qual tem uma fotografia em sua parede em uma solenidade. Estudou em Belém, trabalhou no Incra. É apaixonado por sua terra, Dilamar Castanho é descendente de espanhóis. A residência dele está em um ponto estratégico da cidade, bem em frente a Pra-

ça Antonio Pereira quase ao lado do Teatro Museu da Marujada. Os compartimentos de sua casa estão lotados com fragmentos da memória de Bragança, de ontem e de hoje e tudo está catalogado, segundo seu administrador. Ele conta que, por ver o descaso com as coisas, resolveu adquirir pouco a pouco o imenso acervo. Não recebe ajuda de ninguém e o custo é todo dele que mantém tudo funcionando e limpo. É comum baterem em sua porta e lhe procurarem para saber, pesquisar ou conhecer algo. Mantém a entrada gratuita a todos que se interessam e desejam conhecer o acervo de sua exposição permanente que conta a história da cidade e de sua gente, desde o começo até o momento contemporâneo. Dilamar é auto-didata, pesquisador e historiador, conhece os primórdios da história de seu lugar e se revolta quando imagina que uma terra de muitos intelectuais do tipo César Pereira, Jorge Ramos, Gerson Guimarães, De Castro Souza, os Irmãos Bordallo, Rodrigues Pinajé e muitos outros, não pode estar relegada ao abandono nos seus aspetos histórico, cultural, bem materiais e imaterias.


FOTOs: RENATO CHALU

ADEGA DO REI

JADER TURIEL Na foto, o dono do espaço, o mago Jader Turiel.

ADEGA DO REI BAR MUSEU DA REGIÃO BRAGANTINA A Adega do Rei em Bragança além de ser um ponto de referência na cidade para se tomar um drink, uma cerveja gelada com um apetitoso tira-gosto e ouvir um som de repertório variado é um museu de grandes novidades. Com mais de 5 mil itens, o espaço reúne os mais inusitados e exóticos objetos e imagens, pertences do dono do espaço, o mago Jader Turiel, que há mais de 15 anos vem colecionando e ornamentando o ambiente. A começar pela fachada que se encontra um fusca embutido na parede, uma bicicleta, bandeiras de outras nacionalidades, caveiras e pinturas do Moacir Cardoso. Ao adentrar-se no Bar Museu, encontramos uma carcaça de avião, telefones, eletrolas, discos, e um aspecto que chama a atenção são as montagens feitas por seu amigo, o fotógrafo, Lúcio Coutinho que coloca Jader ao lado de personagens históri-

cos, Pelé, Roberto Carlos, Merlin Monroe, ção decorrente, primeiramente, da coMichel Jackson, Paul Mc Courteney. lonização francesa e portuguesa, espanhola e depois através do “Progresso” O COMEÇO favorecido pela Estrada de Ferro que desenvolveu a agricultura e o comércio. Tudo começou com o boêmio e carna- É comum encontrarmos em Bragança valesco, o Sr. Raimundo Nonato Da Silva descendentes de franceses, portugueses, espanhóis, e outras nacionalidades. disso, Bragança é frequentada por A Adega do Rei em Bragança além Além turistas de vários países do mundo. Por de ser um ponto de referência na isso que possuímos muitas bandeiras de cidade para se tomar um drink, países” explica Jader Turiel. Dessa forma, centrado no ideal de prouma cerveja gelada com um não só o lazer, mas que fosse apetitoso tira-gosto e ouvir um som porcionar um ponto de referência no encontro de de repertório variado é um museu amigos, lazer e cultura, nasceu à ideia de grandes novidades. de se criar um bar temático, mas como fazer? Com o falecimento de seu pai no Filho, em 18 de dezembro de 1998, pai do ano 2000, Jader que moravam na capiJader que inaugurou na Pérola do Caeté, tal, retorna a cidade natal onde colocou a Adega do Rei. “No início eram os pre- de vez a ideia do projeto Bar Museu de sentes e objetos trazidos pelos próprios Bragança. frequentadores e como Bragança é uma cidade cosmopolita, fruto da miscigenawww.revistapzz.com.br 41


PERFIL MARCELY CASTANHO , bragantina, casada, formada em administração de empresas pela UNAMA, atuou em vários setores da área comercial. Começou como gerente de uma indústria de massas, depois gerente de uma distribuidora de bebidas e há 15 anos trabalha no ramo da construção civil, com uma loja de material de construção e uma construtora. Cheguou a presidência da CDL de Bragança em 04 de fevereiro de 2013. A função da CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas de Bragança), foi fundada em 09/07/1987 com a função de promover e estimular a aproximação dos dirigentes lojistas, de modo a estimular entre eles o espírito de solidariedade, além de promover, efetuar e incentivar a realização de estudos relacionados com a atividade lojista, divulgando entre seus associados. A CDL trabalha com uma equipe especializada de consultores para atender as demandas de serviços de spc, disponibiliza um balcão de atendimento ao público consumidor para consultas.convênios de ajudas filantrópicas para entidades como Lions e Apae. Possui um auditório para realização de cursos e palestras de aperfeiçoamento tanto do empresário como para seus colaboradores. Além disso possui vários projetos de incentivo as vendas. GLAFIRA BRAUN, bragantina, bacharel em Direito e em ciências econômicas, exerce a função de conciliadora no Tribunal de Justiça do Pará na Comarca de Bragança e nasceu no Hospital das Clinicas onde atualmente é diretora. Cheguou a presidência do Rotary de Bragança em 01 de julho de 2015. O Rotary Club de Bragança tem 55 anos de fundação com sede própria na Rua Senador Pinheiro que realiza reuniões todas as noites de quinta feira. Em Bragança é um dos mais antigos da Região Norte com número expressivo de associados atuantes. Hoje conta com 64 sócios que prestam diuturnamente serviços de educação e saúde para a população de Bragança e as localidades do entorno. O objetivo do Rotary é estimular e fomentar o ideal de servir como base todo o empreendimento digno, promovendo e apoiando o desenvolvimento do companheirismo como elemento capaz de proporcionar oportunidades de servir. Atualmente junta forças para a construção de uma nova escola no município que será doada para a comunidade. Tem como ações a distribuição de água no Círio de Nazaré e na procissão de São Benedito em Bragança. Doação de brinquedos e alimentos nas principais datas comemorativas. Outra ação fundamental é em parceria com os médicos sem fronteiras num projeto de castração de animais. ROSA CHAGAS, atual presidente da Câmara Municipal de Bragança, desde que se entende por gente, manifesta no sangue o lado político social em lutar em prol dos menos favorecidos e injustiçados, sempre foi combativa e aguerrida. Já pleiteou o cargo de vereador por três vezes sem obter êxito, perdendo sempre por 05 votos e nas últimas eleições que concorreu, rogou a Deus com fé o pedido ser eleita e com a vontade do povo ganhou. Logo no primeiro ano de mandato foi vice-presidente na Câmara, e no ano de 2015 foi eleita presidente sendo a primeira mulher a assumir o cargo em toda a história do legislativo municipal em Bragança. Dos projetos que desenvolve Câmara, alguns dos mais importantes são o Plano Curricular de Educação, a inclusão do calendário de artistas, a implantação da coordenadoria da mulher, da coordenadoria da igualdade racial, a medalha de São Benedito para condecorar pessoas que contribuem para o município de Bragança. Consegui emenda parlamentar, em articulação com o prefeito e o governador do estado para dar melhoria na infraestrura e asfalto para o Bairro do Suvaco onde viveu. E com a Ministra da Igualdade Racial, conseguiu a certificação do Quilombo das Américas que fica no interior de Bragança e possui uma identidade cultural própria e as características culturais dos seus antepassados, um marco para a comunidade como forma de valorizar e conscientizar a população da importância do negro na sociedade e na formação histórica.

A empresária Odinéa dos Santos Silva, nasceu em Belém e mora em Bragança há quase 10 anos, aqui tem vivido muitos momentos bons na cidade que a acolheu e onde fez muitos amigos, constituiu família e onde funciona seu trabalho. Capitaneia o Posto Ita que fica no trevo que vai para Salinas e espera progredir muito mais. Em termos de mulher é satisfeita com a vida e como empresária espera progredir muito mais em Bragança. No Posto ITA possui uma loja de conveniência que é um dos points em Bragança onde serve caldos , sopas e possui uma variedade grande de produtos. Oclima é bem agradável e isso atrai as pessoas, um lugar bem frequentado. Odinéa acredita que Bragança precisa de investimentos em turismo. “Bragança tem potencial para isso e investir nessa área ajuda no desenvolvimento de vários setores da cidade para alavancar Bragança. Bragança é um lugar bom de se viver, com praias e igarapés, restaurantes, praças, museus, igrajas e uma orla agradável. O bragantino é um povo acolhedor e hospitaleiro e quer bem sua cidade e seu povo. Aqui no posto procuramos dar esse tratamento. A qualidade do atendimento é o diferencial do Posto. Espero que possa melhorar Bragança e crescer muito, espero poder contribuir para esse crescimento” ressalta Odinéa dos Santos. 42 www.revistapzz.com.br


DUDA CABRAL da FICA BRASIL CAPITAL e JOSÉ AUGUSTO da RADISCO, são empresários bem sucedidos no ramo da construção civil e do comércio em Bragança. A parceria deles aconteceu no lançamento do projeto inovador na Região, Pérola Jardim Residence, condomínio horizontal de arquitetura moderna, paisagismo e segurança 24 horas. Duda Cabral já havia realizado o empreendimento Portal do Caeté em 2010 e José Augusto tinha um terreno viável para a construção do novo empreendimento. Foi aí que surgiu a sociedade no intuito de construir um condomínio fechado, idealizado como um sonho de morar bem. O no-hall de Duda Cabral e a credibilidade de José Augusto, junto com o investimento dos dois, favoreceu para o sucesso da parceria.

DENNYS SOUZA - O empresário Dennys Souza, nasceu em Bragança e junto com sua família aqui tem vivido muitos momentos bons na cidade que a acolheu e onde fez muitos amigos, constituiu família e onde funciona seu trabalho. Começou a atuar como empresário no ramo ¬de ótica em Bragança, depois de trabalhar neste segmento do mercado por quatorze anos em Bragança e dois anos em Capanema, resolveu ter seu próprio negócio. Esse período de tempo favoreceu não só seu conhecimento de lentes como a experiência de montagem de óculos. Além da visão para atuar e investir no ramo de ótica em Bragança. “Fizemos um projeto entre os membros da família e vimos que tinha viabilidade o negócio. Então a ótica Dennys surgiu como Empresa Familiar do seguinte conjunto: Eu com o conhecimento de lentes e de montagem de óculos, minha irmã que já trabalhava no ramo ótico na parte de vendas, assumiu essa parte, o meu pai entrou com o capital e a minha avó com o terreno onde construímos a loja. E hoje temos atualmente três lojas nos municípios de Bragança, Augusto Corrêa e Capanema. Agora são seis anos de ótica Dennys atuando no mercado do nordeste paraense” comenta o empresário.

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CÂMARA MUNICI

PARLAMENTO

edivaldo costa - pdt

césar monteiro - psd

Gerson peres filho - pp

gente que ACREDITA e trabalha NA construÇÃO DO progresso da cidade de bragança

maurício gomes - pdt

aroldo lima - pmdb

rosa chagas - pt

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socorro lobão - phs

nelilson almeida - pr


IPAL DE BRAGANร A

glaidson miranda -psd

wellington de oliveira -phs irene farias - pr

charles williams - psdb

nonato cearรก - pt

fernando reis - psd

antonio marcos -pmdb paulo quadros - sd

andrea mota - pr www.revistapzz.com.br 45


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CINEMA

Carlos Pará

CINEMA NO CAETÉ

Bragança viveu intensamente a época do cinema, um momento de sonhos que fascinava os espectadores de Bragança. E agora retoma suas atividades com projetos que incentivam o acesso, a pesquisa, a formação e a produção.

D

e Acordo com o poeta, teatrólo- Adorava a dinâmica e o formato dos filmes go e pesquisador Aviz de Castro, clássicos do cinema mudo com Charles o primeiro cinema de Bragança Chaplin, que pela força gestual e sua intefoi o Cine Recreio que funcionava gração de ator com elenco, me fascinava. no canto da rua “Marechal Floriano” com a Os grandes atores de Hollywood, Gregori travessa “Vigário Nota” no Largo da Praça Peck, Bridget Bardo, Sophia Loren, Marlon Antônio Pereira, um dos principais pontos Brando, Kirk Douglas, e toda aquela projede encontro da cidade. Lá onde morou o ção, colorido e o movimento, também me prefeito José Maria Cardoso e a professora seduziram. Também assisti muitos filmes Isabel Ribeiro de Almeida, da Escola Mâncio de terror entre eles os famosos “Bonecos Ribeiro. de Cêra” e “O Frankstein” além de outros” Mas o principal cilembra Aviz de Castro nema que Bragança Assistia-se no Olímpia: “E o Vento que chegou menino já teve, foi o Cinema em Bragança em 1951 Levou, Quo Vadis, O incêndio Olímpia que funquando o cinema já era cionava onde atua moda de Bragança. de Roma, A ponte do Rio almente é o Teatro últimos tempos Kuwait, Sanção e Dalila, Os 10 Nos Museu da Marujada, do Cine Olimpia eram Mandamentos, Tarzan, Lenda de exibidos filmes porbem ao lado onde era o Cinema Renográficos com pouca Tróia, filmes brasileiros como creio. frequência abrangendo o “Pagador de Promessa”,“O O Cinema Olímpia os jovens da periferia e era uma casa de es- Cangaceiro” e filmes do humor da de quem gostava desse petáculos que estava época com Ronald Golias, Oscarito, gênero. em evidência na década de 50 e 60. Em Grande Otelo, Zé Trindade, em Preto O Cine Avante e o Cine cartaz, os grandes fil- e Branco que eram a coqueluche Vargas mes de diversos gêdas telas do cine Olímpia. O Cine Avante e o Cine neros: históricos, de bang bang, de humor e de terror. Assistia-se Vargas funcionaram na rua Justo Chermont no Olímpia: “E o Vento Levou, Quo Vadis, O esquina com a Vigário Mota onde hoje incêndio de Roma, A ponte do Rio Kuwait, funciona a farmácia do Sr. Jorge Cardoso e Sanção e Dalila, Os 10 Mandamentos, Tar- onde era o Cine Recreio. Os maquinários zan, Lenda de Tróia, filmes brasileiros como eram de propriedade dos irmãos Rosa que o “Pagador de Promessa”, “O Cangaceiro” foram o baluarte do Cinema em Bragança, e filmes do humor da época com Ronald sempre a frente dessa atividade por várias Golias, Oscarito, Grande Otelo, Zé Trinda- décadas. Existiu também em Bragança o de, em Preto e Branco que eram a coque- Cine Nazaré que funcionou onde é a Loja luche das telas do cine Olímpia. Foi exibido Radisco na Travessa Marcelino Castanho. também o filme colorido “Seara Vermelha”. José Leôncio que chegou em Bragança em Tinha-se esses filmes nos finais de semana. 1958 quando era criança, frequentou as ma“Assisti muitos filmes e lia sobre cinema. tinês do Cinema Olímpia. “Quando tocava

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a música do Cinema que anunciava o início da sessão, batia uma cuíra para querer ir ao Cinema. De 58 a 64 estava sempre presente nas sessões quando podia e dependia da vontade de meus pais. Naquela época havia uma característica nas exibições que eram os seriados, como se fosse hoje as novelas. Passava um capítulo de suspense ou aventura e que causava expectativa pelos capítulos sucessivos. Tinha o Capitão Marvel, Capitão Kid, Durango kid, seriados de faroeste e ficção científica. Capital Marvel era um super herói que se transformava com os 12 poderes do Hércules que voava e tinha super força. O Batman também era exibido nas telas do Cine_Olimpia desde 1953, um Batman sem os efeitos especiais de hoje, tudo ainda bem elementar nos trajes, no carro (batmovel), mas na época era o que tinha de mais fabuloso e moderno. Depois as grandes chanchadas, período de grande Otelo, Oscarito, Zé Trindade, produtos da Atlântida que produzia os filmes e que eram


FOTO: ACERVO DÁRIO BENEDITO

exibidos no circuito nacional. Carlos Manga era fruto dessas grandes produções. Filmes históricos como Ben Hur, Neo Cid, eram os grandes atrativos do público. O cinema era a porta aberta do lazer e do entretenimento, pois não havia televisão nessa época. A população nos finais de semana tinha as opções das sessões vespertinas, noturnas e as matinês aos domingos. Uma época de sonhos que fascinava os espectadores. Fica a memória, rolos de filmes se decompondo” lembra Leôncio Siqueira. Na Sinopse da História de Bragança, compilada e organizada por César Pereira, publicado em 1970, encontramos uma referência ao Cinema em Bragança que diz: “Dois importantes centros de diversões cinematográficas nossa cidade possui: “OLIMPIA”, de propriedade do Sr. Luiz Silva, ao lado de seu “Bar São Benedito”, situados a Praça “Deodoro da Fonseca” e o outro, “CINE AMAZÔNIA”, de propriedade dos herdeiros do falecido e saudoso conterrâneo, Perilo Rosa. É gerente

deste cinema o jovem herdeiro, José Ribamar Rosa, que pretende mudar o nome “Amazônia” para o de seu pai. Esses cinemas possuem telas panorâmicas e moderna aparelhagem. Todos os filmes que se exibem em Belém, vem em escala, para os nossos cinemas. É situado o “Cine Amazônia” no canto da rua “Marechal Floriano” com a travessa “Vigário Nota”. Está, por enquanto paralisado o seu funcionamento, porque a gerência resolveu introduzir nele melhoramentos, inclusive mudança completa de mobiliário já encomendado e prestes a chegar, para o melhor conforto de habitues que superlotam o grande salão de projeções, público esse que está ansioso pelo reinicio das atividades do futuro “Cine Perilo Rosa”, se, de fato, o gerente desse cinema resolver a mudança para esse novo nome, o que é de justiça. Houve uma época em que o Cinema Olímpia entrou em reforma, e Bragança não poderia ficar sem a principal diversão e entretenimento. Por isso, foi inaugurado o Cine-Avante,

que tinha como seu proprietário o dinâmico empresário Ribamar Rosa, um dos donos do Olímpia, que num esforço de boa vontade oferecia ao público bragantino um cinema, tipo popular, com projeções quase diárias, inclusive, matines aos domingos. O referido cinema foi sendo instalado no prédio do antigo Cine Recreio, onde também funcionou a Agência dos Correios e Telégrafos desta cidade, à Praça da Prefeitura. O Jornal do Caeté do dia 29 de maio de 1954, em reportagem realizada por Fernando Ramos fala desse acontecimento: “Com o fim de trazermos os nossos leitores bem informados das cousas boas que estão realizando em nossa terra, trazemos uma Visita ao Cine Avante, onde fomos encontrar o seu proprietário Ribamar Rosa em grandes atividades, dando ordem e preparando as engrenagens dos aparelhos de som e projeções para o teste de experiência. Ribamar nos recebeu amavelmente, conduzindo-nos a todas as dependências do www.revistapzz.com.br 49


CINEMA FOTO: ADRIANA LIMA

de cinema foram se esvaziando gradativamente. Fica a memória, rolos de filmes se decompondo. A retomada do Cinema em Bragança vem com outros formatos e outros projetos. A Caravana da Imagem

Ribamar Rosa , um dos donos do Cine Olímpia de Bragança

cinema, explicando-nos tudo, numa demonstração de perfeito conhecedor do assunto, cujo esforço que ali está empregando, pera ser correspondido pelo público bragantino, cooperando com sua presença para incentiva-lo no prosseguimento do seu trabalho, oferecendo a Bragança mais uma casa de diversão no gênero que todos nós apreciamos o cinema. Interpelado, disse-nos o sr. Ribamar, que em virtude do salão de projeção do seu cinema ser um pouco estreito, irá dar duas sessões para que os frequentadores possam assistir os filmes com melhor comodidade. Os preços das entradas serão a preços populares para adultos e crianças e de preferência, haverá entradas especiais para estudantes, isto é, abatimentos para as entradas, bastando o estudante apresentar sua caderneta de estudante que deve ser fornecida pelo estabelecimento de ensino onde estuda. Assim sendo, notamos que Ribamar Rosa não está medindo esforços, para dotar nossa terra de um cinema ao alcance de todos, apesar das dificuldades que tem encontrado para a instalação do seu cinema que é um produto todo do seu árduo trabalho; as boa vontade e de espírito progressivo. Sem dúvida essa era uma época de sonhos que fascinava os espectadores. O cinema acaba na década de 80 quando chega a televisão e vai tomando conta das residências, quando as imagens vão entrando gratuitamente nas casas e invadindo o universo íntimo das famílias. Um momento de mudança gradativa como num eclipse. Aos poucos as salas 50 www.revistapzz.com.br

O projeto cultural “A Caravana da Imagem”, propunha oficinas de roteiro, direção e produção cinematográfica além de promover exibições pela cidade, e como resultado os alunos produziram um vídeo de sete minutos, editado e finalizado pela equipe. Tal projeto suscitou o interesse do bragantino novamente pela linguagem, agora indo mais que somente ver, ele queria fazer cinema. De acordo com Glauco Pinheiro que trabalha na Secretaria Municipal de Cultura de Bragança: “Alguns projetos foram formatados entre os alunos mas nenhum realizado pela falta de estímulo e recurso. Em 2013 um projeto nascido dentro da secretaria municipal de cultura visava a exibição, a formação e a implantação de um núcleo audiovisual local, projeto que também ficou pelo caminho pela falta de recurso. No entanto foi possível realizar de maneira autônoma algumas exibições na cidade e em comunidades rurais, e através de parceria com o IAP através da diretoria de audiovisual, as oficinas de direção de fotografia, roteiro e captação direta de som. Iniciamos ainda para aproveitar essa demanda iniciada na formação um projeto de produção de um vídeo inventário com mestres da cultura popular local, que mais tarde ousaríamos lançá-lo como um programa de televisão. Ousamos mesmo extremamente limitados e ficamos mais uma vez pelo caminho” conclui Glauco. Em termo de técnicas e expressão audiovisual, o filme Bragança com Farinha revela de forma artística elevada e documental os saberes e sabores da cidade. Dirigido pelo diretor de fotografia Renato Chalu, o vídeo mostra a feitura da manicoera, o artesanato de guarimã, a feitura da farinha, do chibé e do avoado. Mestres de Cultura, campos e praias. Todo o potencial turístico e gastronômico de Bragança. Para Renato Chalu que também trabalha na SEMED, “A cultura digital estimula o diálogo entre tecnologias da informação e comunicação, cultura e arte. Mas as produções artísticas e culturais resultantes desse diálogo precisam de ambientes de encontro e de compartilhamento que acolham essas experimentações. Por isso, a Secretaria Municipal de Cultura participa do edital de Audiovisual para criar o Núcleo de Produção Audiovisual de Bragança voltado para desenvolvi-

Casarão onde funcionava o Cine Vargas


mento, formação, pesquisa, produção audiovisual e experimentação, que atuem nesse diálogo entre cultura, comunicação, arte e tecnologia. O município de Bragança busca através deste edital a oportunidade de trabalhar com uma formação em área cultural de forma adequada, experiência que sozinho o município vem tentando a três anos e não consegue. Esses equipamentos darão sentido à formação, que terá caráter de continuidade a cada módulo e principalmente fomentará a criação e a produção local. Promoverá a fruição, a difusão e ainda formará profissionais qualificados em audiovisual, diretrizes inclusive presente na formatação de nosso SMC, aprovado este ano” enfatiza Renato. Festival Independente de Cinema FICCA Podemos ainda citar alguns movimentos que ocorrem na cidade de maneira esporádica no entanto, persistentes como dois cineclubes, e o Festival Independente de Cinema FICCA organizado pelo poeta e diretor de Cinema Francisco Weyl, realizado a partir de 2014 em Bragança no mês de dezembro. O FICCA destaca o papel do cinema, do vídeo e da produção audiovisual em geral na construção de uma sociedade mais justa e solidária, sendo, portanto, uma jornada cultural sem fins lucrativos que tende a inverter a lógica do mercado audiovisual para potencializar a liberdade criativa. A iniciativa nasce da necessidade de se criar mais uma porta para o intercâmbio entre realizadores e produtores das mais diversas origens e com as suas infinitas propostas de linguagens estéticas e de formas de captação, fora dos mercados tradicionais e mais próximos das comunidades locais. O espaço é aberto para filmes e/ou vídeos curtas, médias e longas metragens de qualquer gênero ou temática. Este ano o evento acontece entre os dias 8 a 11 de dezembro.

Recentemente Bragança recebeu a VI Mostra de Cinema da Amazônia que aconteceu em quatro importantes cidades da Amazônia brasileira: Belém, Bragança, Manaus e Rio Branco, no período de 14 a 27 de setembro de 2015. Nesta edição, o evento trará oficinas, palestras, debates, encontros e lançamentos de filmes da Amazônia brasileira e internacional. Tudo acontecerá em espaços diversos, desde salas de cinema e teatros, a escolas públicas, universidades, institutos culturais e centros comunitários. Em Bragança, aconteceram exibições no Instituto AMA (espaço destinado a projetos sociais e culturais para jovens do nordeste paraense), no Museu da Marujada, além de uma exibição pública na Praça da Bandeira. O projeto é realizado pelo Instituto Cultural Amazônia Brasil, tem o patrocínio do Banco da Amazônia e do Ministério da Cultura, através do edital Amazônia Cultural e contou com o apoio da Prefeitura de Bragança, Secretaria de Cultura do Acre, Amazonas Film Comission, Cine Olympia, Projeto Biizu, Instituto Ama, Festival de Cinema Pachamama, Sabor Selvagem e Revista PZZ.

FOTO: RENATO CHALU

Mostra de Cinema da Amazônia

Eduardo Souza, Coordenador da Mostra de Cinema da Amazônia, no Teatro da Marujada, em palestra após a exibição do filme Olhos D’água, de sua autoria que fala sobre a origem do Cinema na Amazônia www.revistapzz.com.br 51


DOCUMENTÁRIO

Leôncio Siqueira

TRILHOS O CAMINHO DOS SONHOS

O audacioso projeto da estrada de Ferro BelémBragança foi colocado em prática: Transformou a área geográfica central do Nordeste do Pará em um grande celeiro agrícola,possibilitando o deslocamento das pessoas e o escoamento da produção.

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s sonhos traduzidos em realidade se transformaram no meu primeiro trabalho literário: TRILHOS: O CAMINHO DOS SONHOS (Memorial da Estrada de Ferro de Bragança), uma trilha que eu havia trilhado, um caminho de ferro que transportou por cinco gerações o desenvolvimento sócio econômico e cultural de toda uma região, que plantou o diferencial miscigenado de tantas raças ali instadas, que interagiu, entre os povos distribuídos em todo percurso, entrelaçando famílias, aproximando-os cada vez mais, germinando a semente da paz. Foi o “Caminho de Ferro” que permitiu o escoamento de toda a produção agrícola e pecuária do Nordeste do Pará, transformado no “Celeiro Econômico do Estado”. “A FUMAÇA E AS MARCAS DOS TRILHOS NO CHÃO.” Difusas lembranças dilapidadas pela amnésia do tempo. O retrato da transposição de uma época em que a colonização desenvolvida inicialmente pelos jesuítas é aniquilada por determinação do Ministro de Portugal, Marques de Pombal, culminando com os conflitos da Adesão do Pará à Independência e em seguida a Revolta da Cabagem. O momento em que o embrião da Belle Époque aflora no solo da Província do Grão Pará, a Colonização Paraense se encontra totalmente esfacelada; não havia comida para tantos que chegavam à caça da seringueira a “Árvore da fortuna”.

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O audacioso projeto foi colocado em prática: Transformar a área geográfica central do Nordeste do Pará em um grande celeiro agrícola, construir uma estrada de ferro, possibilitando o deslocamento das pessoas e o escoamento da produção, e interligar a linha férrea, as localidades litorâneas através vicinais rodoviárias. Hoje para alcançar esta história, você tem que seguir comigo Os Trilhos do caminho dos sonhos e conhecer em detalhes um nas era a velocidade do desenvolvimento, período de maior relevância da História de transportando o homem e o fruto de seu Nosso Estado. trabalho, interagindo completamente em todos os lugares nascidos de seu útero e distribuídos por toda a extensão da grande O audacioso projeto foi colocado trilha que se interpunha entre Belém e Braem prática: Transformar a área gança e outros lugares interligados a linha tronco por vicinais, ocupando uma grande geográfica central do Nordeste área denominada “Zona Bragantina” com do Pará em um grande celeiro 12.317Km², começando em Belém e termiagrícola, construir uma estrada de nando no rio Emboraí, limites com o estado ferro, possibilitando o deslocamento do Maranhão. O “Progresso” de mãos dadas com a agridas pessoas e o escoamento da cultura, a colonização, a imigração e a Emiprodução, e interligar a linha gração, deslizavam por sobre as fitas de aço, penetrando no coração da floresta, esférrea, as localidades litorâneas coando a produção agrícola, base do desenatravés vicinais rodoviárias. volvimento de todos os lugares, que como as sementes ali plantadas, germinaram, A Estrada de Ferro de Bragança é uma transformando-se hoje nas belas cidades reunião de lembranças infindas, muitos, do nordeste paraense. incontáveis momentos, fragmentos de um As classes sociais se fundiam e se transforperíodo marcante do Modernismo e da mavam; a imigração, responsável pela loEvolução, onde a velocidade das máqui-


calização de milhares de estrangeiros nessa área, fez nascer uma nova raça, nenhum outro estado brasileiro possui tanta diversidade de povos em um espaço proporcionalmente pequeno, eram: Italianos, franceses, espanhóis, alemães, prussianos, belgas, americanos, turcos, argentinos, ingleses, negros escravos da Guiné, Moçambique, Açores, emigrantes nordestinos e nativos; um universo de miscigenação responsável pela beleza do povo paraense. A força dessa comunhão está enfaticamente definida na palavra “BRAGANTINIDADE”, criada pelo bragantino, poeta, escritor e professor Jorge Ramos, referindo-se a força, o amor e a alma do povo bragantino, fruto dessa miscigenação. O próprio título, “Trilhos: O Caminho dos Sonhos” tem som e gosto de poesia. Reflete, saudoso, a Estrada de Ferro de Bragança, cujos trilhos embalaram o sonho de milhares de seres humanos que se instalaram e construíram suas vidas ao longo do seu percurso, criando vilarejos que se desen-

volveram graças ao seu vai-e-vem diário. Nas suas composições, o trem carregava sonhos e ilusões. Alguns partiam para ver a capital, Belém, e voltavam. Iam e voltavam. Outros iam e nunca mais apareciam. Uns iam ficando pelas suas paradas com o sonho de construir suas vidas, outros fincavam o pilar em Belém, e havia aqueles que partiam para outros mundos, como fizeram Lindanor Celina (escritora) e Valdir Surubi (artista plástico). O trem era a segura ponte da travessia entre o sonho e a realidade ansiada. Para aqueles que viviam ou que nasceram na “cidade com um rio na frente e servida por um trem”, como sempre se referia a escritora Maria Lúcia Medeiros, a maria-fumaça era o mais seguro fio condutor para uma realização maior: a busca de um mundo novo. (Dr. Nélio Fernando Gonçalves, Desembargador e Vice Presidente da Academia de Letras e Artes de Bragança). Meu saudoso amigo Bernardino Antunes em um dos nossos bons “papos” lá na Pérola do Caeté, falou-me certa vez:

ENTRE O SONHO E A REALIDADE Autor: José Leôncio Ferreira de Siqueira. Uma mistura não sabe de onde, Parece que se esconde na alma do escritor Que quando fala, que quando escreve, aflora vivo O sentimento, de felicidade, saudade e dor. A vida! O sonhar eterno com a realidade, Só se vê passar quando termina. Nem mesmo a sina de viver sonhando, Ou saber quando vai se acordar, Desperta o tempo de esse divagar. O tempo se transforma em canto, faz rolar o pranto Da saudade eterna que ficou pra trás. A vida que eu passei sonhando, Segue seu caminho, e eu correndo atrás...

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DOCUMENTÁRIO - Eu tinha onze anos quando viajei pela primeira de trem de Belém a Bragança; a viagem parecia que nunca terminaria, e eu não queria que terminasse. Eu não conseguia dormir porque imaginava que tudo era um sonho, a sensação de ver a floresta correndo em sentido contrário ao nosso, lugares diferentes, pessoas diferentes, o novo preenchendo a minha mente de lembranças inesquecíveis. A cidade grande que começava em São Brás, os armazéns aonde meu pai fazia as compras, os pastéis que davam água na boca, nunca antes tinha visto daquele tamanho! Eram enormes e rechonchudos. Não sei por quanto tempo contei da minha viagem para os meus amigos, acho que nunca parei, agora mesmo estou contando para você. Osmar França, ex-prefeito de Benevides, ex-funcionário da E.F.B., aonde ocupou o cargo de telegrafista, a quem tive o prazer de conhecer no ano 2010 logo que me instalei em Benevides onde estou escrevendo a história do município. No ápice dos seus 84 anos, muito inteligente e com uma mente extremamente lúcida, faloume do bonde puxado a tração animal que trafegava pelo ramal interligando Benfica a Benevides com uma extensão de 9 quilômetros. Disse ele mostrando-me o lugar: O bonde saia daqui da Praça N.S. da Conceição, seguindo pela a estrada do Maratá até chegar a Benevides na atual Rua Pinto Braga com Avenida Paul Begot. Nesta última estava a 1ª Estação Ferroviária de Benevides. A área construída estendia-se até o centro da atual avenida, toda coberta de zinco. Lembrase que naquela época ainda chegavam muitos nordestinos em busca de terras, e que estes despejavam seus urinóis com fezes e urina pelas janelas do trem. Walter Arbage Presidente da Câmara municipal de Belém recordou com saudade os idos tempos de estrada de ferro em uma conversa que tivemos em seu gabinete. Dizia ele: As pessoas se reuniam na estação de Timboteua, ansiosas aguardando a chegada do trem, uma festa que se repetia todos os dias. A expectativa maior era pelas correspondências transportadas pelo trem. Ali mesmo era aberto o malote e lido os nomes dos destinatários que entre salvas de palmas e gritos de alegria recebia sua correspondência. Tudo acontecia entre o ir e vir daquela maravilhosa e gigantesca máquina e seus vagões.

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ma grande solenidade marcou o começo da realização de um sonho, conforme o relato de Ernesto Cruz em A História dos Municípios Paraenses: “Às 8h30m chegaram ao lugar designado para a cerimônia, onde hoje está a estação rodoviária de São Brás, numerosas pessoas, especialmente convidadas, conduzidas em 12 bondes da Companhia Urbana Paraense, puxados à tração animal”. No primeiro veículo iam S. Excia. Redima. O Sr. Dom Antônio de Macedo Costa e o Sr. Bernardo Caymari, da empresa concessionária. Nos demais, o que Belém possuía de mais representativo nos diferentes círculos social, econômico e político. Era um acontecimento digno das alegrias que todos deixavam transparecer. Reunidos, o Visconde de Maracaju e as principais autoridades da Província, foi iniciada a cerimônia de colocação dos primei-

“A ‘Zona Bragantina” foi a maior área geográfica disponibilizada para a instalação de colônias agrícolas no nordeste do Pará. ros trilhos feita pelos engenheiros Batista Weower e Moura de Campos sobre dois dormentes de mármore. Neles estavam gravados os seguintes dizeres: “Estrada de Ferro de Bragança” – Primeira estrada de ferro construída na Província do Pará, inaugurada em 24 de junho de 1883, sendo Presidente o Exmo.sr. General Visconde de Maracaju – Estrada de Ferro de Bragança – Organizada e construída por B. Caymari, sendo Engenheiro Chefe M. B. Batista; Primeiro Engenheiro H. E. Weower; Engenheiro Ignácio B. de Moura, A. O. R. da Costa Martin, F. Martin; Auxiliar H. Sholl; Contador Elkin Hime Júnior; Diretores da Barão de Mamoré, Otto Sinom e Michel Calógeras”. O assentamento do primeiro trilho, fixado com oito pregos de bronze prateado, cada um deles cravado por uma autoridade, dava início à construção da tão esperada ferrovia. A mãe natureza abria seus braços para aqueles que a agrediam, rasgando suas entranhas, derrubando suas árvores seculares. Assim seguiam os cassacos, como foram chamados os desbravadores, com seus terçados, machados, picaretas e serras, abrindo picadas para o assentamento dos dormentes e dos trilhos. Paralelamente eram colocados os postes da rede tele-

gráfica, responsável pela comunicação entre as estações. Dentre as muitas alterações acontecidas durante a construção da ferrovia, a primeira delas foi a mudança do lugar onde seria construída a estação de Belém, saindo da Av. Tito Franco (atual Almte. Barroso) com o Boulevard da Câmara (atual Dr. Freitas), para o Largo de São Brás (atual Praça Floriano Peixoto). Poucos são os que ainda lembram com detalhes a história de nossa ferrovia, quando muito, sabem apenas que havia uma estrada que se interpunha entre Belém e Bragança, por aonde um trem ia e vinha. A história foi relegada; o delicado momento de sua extinção, 1964, início de um governo ditatorial, diretamente interessado na consumação desse fato, favoreceu ainda mais que a amnésia do tempo acelerasse o processo de esquecimento. Os trilhos foram arrancados, as magníficas estações construídas ao longo de todo o percurso, símbolos arquitetônicos da cultura moderna que fazia parte da revolução mecânica, foram covardemente demolidas e devastadas pela força insensata e irresponsável de uma outra revolução. O abandono irresponsável de um incalculável patrimônio da Rede Ferroviária Federal, que somente a partir de 2007, começou a ser levantado pelo IPHAN, ou seja, 46 e seis anos depois do acometimento dessa insanidade, já seria suficiente, entretanto, a desarticulação da agricultura, responsável pela economia de todo o nordeste do Pará, o abandono do povo e suas lavouras que se perderam sem ter como escoar, as cidades e vilarejos que eram tocados única e exclusivamente pelo trem e que tiveram que rasgar caminho até alcançar a rodovia que passava á quilômetros de seus centros, transformou-se em cicatrizes perenes. A região estacionou no tempo por quase trinta anos, transformando a realidade que parecia um sonho, em pesadelo. Apenas a fumaça paira teimosamente no céu, confundindo-se com as nuvens, avistada pelos sonhadores que ainda vêem e escutam o trem e seu apito.

INAUGURAÇÃO DO PRIMEIRO TRECHO Em 09 de novembro de 1884, aconteceu a viagem inaugural do primeiro trecho, um percurso de 33 quilômetros entre as estações de Belém e Benevides, com o tempo de 1h08min. Nesse mesmo trecho foram construídas as paradas e as estações ferroviárias de Entroncamento e Ananindeua. Era uma bela manhã de domingo. O primeiro trem saiu exatamente às 8h00 da manhã e o segundo as 14h00, conduzindo autoridades e convidados das esferas política, social e administrativa, dentre eles o Presidente da


PRIMEIRA ESTAÇÃO Trem partindo pela Avenida Tito Franco, atual Almirante. Barroso, em frente ao antigo Inst. Agronômico do Norte (demolido). província, o Conselheiro João Silvestre de Sousa, o Bispo Dom Antônio de Macedo Costa, Corpo Diplomático residente em Belém, os engenheiros Weower, Moura de Campos, entre outros, e as classes empresarial e social como um todo. Coube ao Engenheiro Pinto Braga, diretor da colônia, organizar todo o cerimonial da festa e receber os convidados. O destaque da festa ficou coube ao Engenheiro Bernardo Caymari, que apesar de não estar presente naquele grande acontecimento, por motivo de doença, encaminhou, através do Conselheiro Tito Franco, Presidente do Clube Amazônia, ao seu representante Domingos Olímpio, cartas de alforria, concedendo liberdade a vinte escravos residentes na região, comungando com os acontecimentos de 30 de março de 1884, quando foram libertados seis escravos em uma solenidade presidida pelo Presidente da Província Visconde Maracaju, gerando uma conotação com repercussão nacional, facultando a Benevides o honroso título de “A terra da liberdade” e traduzindo o espírito fraternal e humano dos quais os responsáveis por tão grande obra estavam revestidos. Para se imaginar o grande passo que havia sido dado, basta comparar o tempo de oito horas que se gastava através de rio e mata única forma de acesso, até então, para se chegar a Benevides, com o tempo do trem. No retorno a capital às proximidades do quilômetro 14, entre Marituba e Ananindeua, por volta das 17h30m, aconteceu o primeiro descarrilamento na Estrada de Ferro de Bragança. O acidente foi provocado devido uma chave da agulha do desvio, que funcionava nesse local, achar-se meio aberta, provavelmente devido à ignorância de algum transeunte. O acidente provocou o recurvamento de dez metros de trilhos e dormentes, obrigando os passageiros a retornarem a Benevides, e outros, prosseguirem a pé até Belém, numa estafante viagem de 5h. Quatro meses depois da inauguração do primeiro trecho, os trilhos chegaram a Santa Izabel, sendo em 16 de março de 1885 aberta ao público. No final do mesmo ano, chegou ao Apeú.

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DOCUMENTÁRIO esta grande obra teve fim.” Numa salva de prata, o Visconde de Monte Redondo ofereceu ao Governador um grampo e um martelo de prata, colocando o Dr. Augusto Montenegro o grampo no dormente. Feito isso, o Desembargador Santos Sobrinho retirou o grampo do dormente para em seguida colocá-lo em um estojo de madeira, sobre cuja tampa se lia os seguintes dizeres:

ESTAÇÃO DE TREM DE BRAGANÇA

• Chegada dos trilhos a Bragança: 29 gança até seu ponto terminal. Deixou de março de 1908. Inauguração de E. ela de colocar o último grampo para F.B. 03 de abril de 1908. que seja colocado por V. Exª., para cujo ato vos convido, felicitando-vos BRAGANÇA — Sobrenome de origem por ter sido no governo de V. Exª. que geográfica e transposição toponímica esta grande obra teve fim.” de Portugal. Origina-se do latim “Brigantia”, por intermédio de “Bregan- Inauguração de E.F.B. 03 de abril de ça”, forma lusitana de um nome cél- 1908. (relato). tico de povoação fundada por Brigo, significando Castelo, Fortaleza; Di- Às 23 horas do dia 2 de abril de l908, nastia reinante em Portugal e Algar- o Senhor Governador Augusto Monves, de 1640 a 1910. tenegro partiu em comboio especial, Debruçada à margem esquerda do rio de uma parada na Gentil Bittencourt Caeté, “Mato Bom”, na língua tupi, com a 22 de junho, com destino à BraBragança conserva até hoje o cheiro gança, acompanhado de sua comitinativo de cidade do interior. Ao retor- va. Às 6 horas e 45 minutos, o trem nar às origens através dos relatos de se aproximou de Bragança. Antes Armando Bordallo da Silva, encontra- mesmo de entrar na cidade, o povo se mos Diogo Leite e Baltazar Gonçalves aglomerava às margens da estrada, realizando as primeiras explorações saudando o governador, que, postana região onde mais tarde surgiria a do na plataforma, agradecia com efuPérola do Caeté. Cronge da Silveira, sivos gestos. entretanto, afirma que os franceses, Todos reunidos, no final da linha férliderados por Daniel de La Touche, rea o Senhor Comendador José BarSenhor De La Ravardière, foram os bosa dos Santos Sobrinho pela firma primeiros a explorar a região bragan- Pereira e Barbosa & Cia., falou, ditina. rigindo-se ao Governador Augusto No dia 02 de outubro de 1854, através Montenegro: da Resolução nº. 252, sancionada pelo “Como acabais de verificar, a firma Presidente da Província, Conselheiro Pereira e Barbosa & Cia. chegou com Sebastião do Rego Barros, foi elevada os trilhos da Estrada de Ferro de Braà categoria de cidade com o nome de gança até seu ponto terminal. Deixou origem portuguesa Bragança. ela de colocar o último grampo para Como acabais de verificar, a firma que seja colocado por V. Exª., para Pereira e Barbosa & Cia. chegou com cujo ato vos convido, felicitando-vos os trilhos da Estrada de Ferro de Bra- por ter sido no governo de V. Exª. que 56 www.revistapzz.com.br

*Conclusão da Estrada de Ferro de Bragança, saudações dos construtores do último trecho, Pereira Barbosa & Cia., ao Exmo.sr. Governador do Pará Dr. Augusto Montenegro*. Terminado esse ato, o governador Augusto Montenegro falou que era com o mais vivo prazer que realizava naquele momento o último ato de assentamento dos trilhos da Estrada do Ferro de Bragança. Acrescentou que desde 1875 se cuidava levar aquelas duas fitas de aço até a importante e rica cidade de Bragança. Agradeceu o auxílio prestado pela firma construtora e os esforços do Dr. Inocêncio Hollanda, engenheiro chefe de obras. Terminou o seu discurso brindando o povo. Encerrada a sessão, foram erguidos vivas ao Governador e ao Senador Antônio Lemos.

Extinção da Estrada de Ferro O déficit da ferrovia foi a grande arma encontrada pelo Ministro da Aviação, General Juarez Távora, no Governo Militar do também general, Humberto de Alencar Castelo Branco, para justificar sua assinatura no ato que extinguiu a Estrada de Ferro de Bragança no ano de 1964. Apesar de toda a luta do povo bragantino, dos políticos da terra e do Estado como um todo, o Governo Federal não abriu mão de sua decisão e, de maneira inflexível, determinou a data máxima para o funcionamento da ferrovia: 31 de dezembro de 1964. De acordo com os relatórios do Coronel Roberval Silva Presidente do Grupo de Trabalho da Estrada de Ferro de Bragança, relacionamos os números e respectivos nomes das locomotivas existentes na época da extinção da Estrada de Ferro. Trinta locomotivas, sendo quatro a diesel não identificadas.


ESTAÇÃO DE TREM DE BRAGANÇA

O levantamento da situação econômica das ferrovias do Brasil, realizado a partir de 1964, no Governo de Juscelino, tinha com resultado o déficit de todas elas. Apesar do plano de metas do referido governo ser: “Quanto Mais rodovias, maior o desenvolvimento”, as ferrovias foram mantidas. O presidente Janio Quadros em seus discursos de campanha na Capital Paraense e em Bragança, assumiu o compromisso de revitalizar e manter a Bragantina, chegou inclusive a enviar quatro locomotivas a diesel, renunciando logo depois. O país vivia um momento de transição política com a subida ao poder do regime militar. 31 de março de 1964 determinava o marco inicial do Governo Ditatorial, o Presidente Humberto Castelo Branco é empossado, para em seguida, dois meses depois, autorizar a extinção de Estrada de ferro de Bragança. A subserviência e a dependência do Bra-

sil junto ao Governo dos Estados Unidos foram determinantes para a extinção da nossa ferrovia. Os americanos estavam produzindo transportes automotivos em grande escala, precisava vendê-los, e a custo do sacrifício do mais importante meio de transporte de nosso Estado, a Estrada de Ferro de Bragança, o Pará foi o escolhido para receber a frota de veículos americanos. Diversas justificativas foram feitas: “A ferrovia deficitária era apenas de transporte de cargas”, ou “A Belém Brasília estava chegando para interligar o Pará ao resto do Brasil”. A covardia insana de nosso governo, não se preocupou com a população, com a produção agrícola das várias colônias que se estendiam de Belém a Bragança, que a partir da extinção, perderam-se por falta de transporte para escoá-las, obrigando o agricultor a abandonar o campo e mudar para a área urbana em busca de outra forma de sobrevivência. No dia 31 de dezembro de 1964, a “Maria Fumaça” fez sua última viagem, seu apito soava com lamento de despedida, restando apenas: “NO CÉU A FUMAÇA E AS MARCAS DOS TRILHOS NO CHÃO”.

O AUTOR E PESQUISADOR FOTO: RENATO CHALU

1 – Santa Izabel; 2 – Belém; 3 – Crespo de Castro; 4 – São Braz; 5 – Lauro Sodré; 6 – Pará; 7 – Apeú; 8 – Bragança; 9 – Peixe Boi; 10 – Caripi; 11 – Jambu-Açú; 12 – Quatipuru; 13 – Maracanã; 14 – Pinheiro; 15 – Augusto Montenegro; 16 – Marituba; 17 – Sá Pereira; 18 – Joaquim Távora; 19 – Timboteua; 21 – Açaiteua; 22 – Desmontada; 23 – Rio Branco; 24 – Anhanga; 25 – Capanema; 26 – Cametá; 27 – José Serrão; 28 – Castanhal; 29 – Igarapé-Açu; 30 – Tauarí.

JOSÉ LEÔNCIO FERREIRA DE SIQUEIRA desde a mais tenra idade, pôde desenvolver o seu conhecimento da “Zona Bragantina”, convivendo com os costumes e culturas regionais. Residiu nas cidades de Vigia, Salinas, Maracanã e Bragança; viajando por toda a extensão da estrada de ferro e por vicinais que interligavam as cidades litoranas à linha tronco da Estrada de Ferro de Bragança. CONTATO:

091- 981316643

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TURISMO

Israel Pegado

ROTA TURÍSTICA A Setur prepara o Mapa de Oportunidades de Negócios da Rota belém bragança, que será feito com base nas informações documentais e pesquisas de campo dos inventários das oferta turística dos 13 municípios que compõem a rota.

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processo passa pela organização do Estado, mas fundamentalmente do empresário e do cidadão, no que possa significar desenvolvimento, a partir de uma estratégia, que é a rota turístico cultural Belém-Bragança, trazendo cada vez mais impactos positivos para a economia local. A ideia é que o fluxo que passa pela BR-316 possa ser desviado para os atrativos dos municípios, através da sinalização turística, promoção e divulgação da rota, além de informações disponibilizadas a partir de aplicativos móveis, que servirão para estimular e motivar as pessoas a conhecerem esses destinos. As oportunidades de negócios são muitas. Incluem restaurantes, cerâmica, pontos de venda de artesanato, hortifrutigranjeiros, especiarias como queijo caseiro, compotas, entre outros e balneários com infraestrutura de serviços, que poderão se beneficiar diretamente com um tempo de permanência maior dessas pessoas em seus municípios. O turismo é um setor que agrega valor na maioria das demais atividades produtivas, e abrirá inúmeras oportunidades aos 13 municípios que compõem a rota. “Uma rota turística, como a Belém-Bragança que estamos construíndo, precisa ser trabalhada sob a ótica do tempero cultural, porém deve ser também dimensionada numa visão da paisagem, dos produtos que possam ser adquiridos e daqueles que possam ser consumidos. Trata-se, na realidade, de desenvol-

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ver um trabalho sob o princípio da economia e da mobilidade das pessoas. Neste sentido, é fundamental a participação de empresários, em todos os seus níveis, através das associações comerciais, no fortalecimento dos negócios já existentes e naqueles que ainda possam ser criados.” Uma das formas que a secretaria planeja para fomentar negócios na rota é a constru-

A Setur prepara o Mapa de Oportunidades de Negócios da Rota, que será feito com base nas informações documentais e pesquisas de campo dos inventários das oferta turística dos 13 municípios que compõem a rota. ção de barracas ao longo do percurso das PA’s, em formato de vagões de trem, que serão utilizados para espaços de alimentação e venda de utensílios de produção associada das comunidades no entorno da rota turística, em parceria com as prefeituras locais, que ficarão responsáveis pela gestão dos espaços. Para isso, a Setur prepara o Mapa de Oportunidades de Negócios da Rota, que será feito com base nas informações documentais e pesquisas de campo dos inventários das ofer-

ta turística dos 13 municípios que compõem a rota. No momento, os diagnósticos de Santa Izabel, Benevides e Bragança estão concluídos e a secretaria trabalha para finalizar o de Peixe-Boi, Tracuateua, Igarapé-Açu, São Francisco do Pará, Belém e Marituba, que já foram iniciados. A Setur costura ainda com o Sebrae uma parceria para capacitação profissional e qualificação na prestação de serviços ao longo da rota turística Belém-Bragança. Nos planos, atenção especial para a formalização, gestão empresarial e ambiental, e inovação. A secretaria também agiliza o processo da sinalização turística complementar do percurso com 230 novas placas de boas vindas, indicação e atrativos nos 13 municípios que compõem a rota. A sinalização principal foi feita em parceria com a Setran com a instalação inicial de 108 placas indicativas de atrativo turístico, trânsito, pórticos, semi-pórticos, painéis e ainda 7 tótens metálicos em localidades dos 13 municípios que compõem a rota. Os tótens são instalados em lugares onde haviam antigas estações do trem. São dois em Belém e um nos municípios de Ananindeua, São Francisco, Igarapé-Açu, Capanema e Bragança. O estudo histórico e documental da rota contou com a parceria do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). História econômica - Para o historiador Leôncio Siqueira, de certa forma a rota turística contribuirá para reproduzir o desenvolvimen-


to econômico que a extinta ferrovia Belém -Bragança permitiu entre 09 de novembro de 1884, quando teve seu primeiro trecho inaugurado, até 30 de dezembro de 1964, quando foi desativada. “Historicamente, a estrada de ferro nasceu para escoar a produção dos municípios que a compõem a região, mas acabou por se transformar num corredor de desenvolvimento, através da troca de informações, conhecimento, mercadorias e a interação de pessoas. Benevides ainda tem muito dessa história”, garantiu ele. “Esse trabalho da Setur com as prefeituras mostra a importância do resgate da história e da cultura da Estrada de Ferro Belém-Bragança. Esperamos com a rota agregar valor a todos os municípios que a compõem, e fortalecer suas economias, gerando emprego e renda, e com isso melhores condições de vida para a população”, ressaltou o prefeito de Benevides, Ronie Rufino da Silva. O prefeito de Santa Izabel do Pará, Gilberto Pessoa, disse que a oportunidade “é uma parceria muito importante, que vai gerar recursos em nossos municípios através do turismo”.

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

“Uma rota turística, como a Belém-Bragança que estamos construíndo, precisa ser trabalhada sob a ótica do tempero cultural, porém deve ser também dimensionada numa visão da paisagem, dos produtos que possam ser adquiridos e daqueles que possam ser consumidos. Trata-se, na realidade, de desenvolver um trabalho sob o princípio da economia e da mobilidade das pessoas” explica Adenauer Goes..

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TURISMO

OS TRILHOS DA CAVALGADA

A CAVALGADA percorre o trajeto da antiga ferrovia que colonizou e desenvolveu a região no início do século XX e incentiva o turismo ecológico PARA Despertar a consciência das pessoas em relação à história do Município de Bragança com ênfase a Estrada de Ferro que ligava a sede do Município à Colônia do Benjamin Constant.

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cavalgada entendida como um esporte saudável, em nossos dias, tornou-se uma ferramenta fundamental para o combate ao stress da vida corrida nas cidades, além de representar uma forma muito especial de integração do homem com a natureza. Pensamos a prática da cavalgada como uma forma de preservar a tradição da cultura em torno do cavalo, parceiro do homem na conquista e ocupação do território, definindo-o também como uma das formas mais sustentáveis de locomoção e lazer. Neste sentido, em 28 de Agosto de 2010, o casal Antônio e Socorro Lobão juntamente com um grupo de amigos parceiros de cavalgada realizaram a I Cavalgada na Trilha do Trem na região do Cacoal no

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município de Bragança. onde há um antigo prédio que serviu de Pioneira pelos caminhos que marcaram estação de passageiros do trem, desaa história do município, a Cavalgada tivado em 1965 e que hoje serve à Comunidade com projetos sociais por meio da AsA cavalgada entendida como sociação de moradores. Além de proporcionar entretenimento um esporte saudável, em nossos e lazer aos participantes dessa prática dias, tornou-se uma ferramenta esportiva, ressaltamos que a Cavalgada na Trilha do Trem tem por objetivo fundamental para o combate ao resgatar parte dessa historia e divulgar stress da vida corrida nas cidades, ainda mais o potencial turístico e cultural de uma das cidades mais antigas do além de representar uma forma Pará. muito especial de integração do Assim, para reviver um pouco da nossa história pelos caminhos de onde o trem homem com a natureza. passava, a versão 2015 renovará o sucesso dos anos anteriores em busca da parti da orla de Bragança, percorre vá- satisfação de seus participantes e do rias ruas da cidade e entra na região do público geral. Cacoal passando por várias Comunidades até a Vila do Benjamim Constant,


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ESPECIAL

Armando Bordallo da Silva

SÃO BENEDITO ea

MARUJADA A Festividade de São Benedito que compelta este ano 217 anos de tradição foi tomadaba como patrimônio cultural e artístico do Estado do Pará em 2009.

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FOTOS: RENATO CHALU

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ESPECIAL

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ste ano comemora-se 217 (du- ra, Francisco Ferreira, Matheus Ferreira, zentos e dezessete)* anos de José Manuel, Xavier Felipe, Barnabé Pinto, fundação da Irmandade do Domingos Ribeiro, Antônio da Cunha, João Glorioso São Benedito de Bra- Divino e Calisto da Costa. gança, da instituição da Festa e do Tempos depois organizou-se um segundo aparecimento da Marujada. É uma Compromisso ou Estatuto, porque o pricomemoração festiva que o povo de meiro era “escaço em providências que se Bragança se assola alegremente para acham neste; e não estar aprovado pelo realizá-las anualmente, graças ao pro- poder temporal como é de lei”. Traz a data fundo sentimento de fé e de culto a de 1-5-1853 e o assinaram: — José Albano lembrança de seus antepassados. Feli- de Melo a rogo de Raimundo Antônio Vieira, zes os povos ou as comunidades que se Agostinho de Brito a rogo de Athias Antoapegam ao seu Folclore, com o mesmo nio da Sllva Ribeiro, Antônio da Silva Nery a ardor com que cultivam a Fé, porque, rogo de Miguel Arcanjo da Silva e muitos os como a Esperança, a Fé e o Folclore de- outros. vem ser as últimas coisas a morrer no Finalmente surgiu um terceiro Compromisseio do povo. Eis porque esta trindade so que é aprovado em Assembleia Geral da de sentimentos consolida o amor, a Irmandade em data de 7-7-1946. Por moterra, a família, sociedade e a religião. tivos óbvios tornou-se uma sociedade de Este amor a terra deve ser um salu- personalidade civil, de acordo com as leis tar bairrismo com que as instituições brasileiras, com o apoio de Flodoaldo de seculares são mantidas, a Economia Oliveira Teixeira, Benedito Augusto Cezar, Li Paulino dos Sanconsolidada, a tos M6rtires, Tomás Sociedade conFelizes os povos ou as dos Santos Martins, gregada, a Família Serapião da mantida coesa, o comunidades que se apegam ao Manoel Mota, Sebastião AnComercio próspero e finalmente o seu Folclore, com o mesmo ardor cho Barbosa, Manuel Martins PereiProgresso em evocom que cultivam a Fé, porque, Inácio ra, Cândida Maria das lução crescente, como a Esperança, a Fé e o Mercês, Odorico Ancaracterizando a do Nascimento Civilização. Esta é Folclore devem ser as últimas tônio e muitos outros. a Cultura que herdamos dos nossos coisas a morrer no seio do povo. Em épocas recuadas dezesseis Irmãos antepassados. É a Constituidores eram civilização que se exterioriza evoluindo em hábitos e costumes próprios da co- incumbidos de sua administração. Usavam, como insígnia, uma Imagem de São Benedimunidade. O culto divino de São Benedito é um to, em prata, de mais ou menos quinze cendos maiores e mais antigos de Bragan- tímetros, presa ao peito, por uma fita. Ao ça. Remonta a 1798, quando foi funda- que parece os últimos Irmãos Constituidores da a Irmandade, que desde então tem foram estes: — Raimundo Pretinho (pai de mantido esta festividade com o mes- D. Serafina), Veríssimo, Roberto, Mestre Belém e João Luz. mo brilho e fervor religioso. Reza a tradição que os escravos pedi- A Igreja de São Benedito, se nos louvarmos ram permissão aos seus senhores para na tradição, foi a primeira desde o tempo da erguerem uma Igreja ao Santo, de pro- fundação de Bragança. Tendo 08 escravos funda devoção entre os negros, bem construído sua Igreja, que é a atual Matriz foi por consentimento recíproco dos interesassim uma confraria. O primeiro Compromisso da Irman- sados trocada propriedade dos templos. Os dade é de 3-9-1798, assinado pelas negros conservaram a então Matriz e a paseguintes pessoas: — Pedro Amorim, róquia investiu-se na posse da novel Igreja Simiam da Costa, Pedro Rodrigues, erecta pelos pretos. Transfluídos 183 anos da Luciano de Amorim, Francisco Perei- instituição da Irmandade as festas tem sido

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celebradas, sem interrupção, desde aquela época. Possui valioso patrimônio e a sua Igreja apresenta um aspecto de esmerado trato. Durante esse dilatado tempo, outras Irmandades fundadas, desapareceram com vultosos bens. A festa inicia-se a 18 de dezembro e termina a 26 do mesmo mês, dia consagrado a São Benedito, sendo há longos anos, a mais brilhante e a mais concorrida do município. Os atos religiosos são efetuados pelos padres da paróquia e constam de novenas, missa cantada a grande instrumental, no dia 26, procissão a tarde e ladainha à noite. A Igreja ergue-se na frente da cidade, ao alto do barranco do rio Praça Primeiro de Outubro. Por ocasião da festa o “Largo” recebe vistosa ornamentação. Ao centro do arraial, um coreto de madeira é destinado a banda de música e ao lado um pequeno barracão para os leilões. A esquerda da Igreja é construído o barracão da Marujada, onde dançam todas as noites. Fronteiro a Igreja, entre as palmeiras reais, plantadas no cimo do barranco do rio levantado o mastro votivo do santo, no primeiro dia da festividade. Após a alvorada, às seis da manhã, a banda de música e a Irmandade vão buscar o mastro, que é trazido processionalmente até o local designado. Este mastro a exemplo dos das demais festas, é todo enfeitado de folhas, frutos e encimado por uma bandeira branca, com a efígie do Santo. Os porta-estandarte vem a frente e atrás os esmola-


FOTOS: RENATO CHALU

MASTRO VOTIVO Após a alvorada, às seis da manhã, a banda de música e a Irmandade vão buscar o mastro, que é trazido processionalmente até o local designado. Este mastro a exemplo dos das demais festas, é todo enfeitado de folhas, frutos e encimado por uma bandeira branca, com a efígie do Santo.

dores e os tocadores rufando os tambores, caixa de santo, tamborins e “onça”. Desde junho três grupos de esmoladores recebem imagens de São Benedito. Percorrem o município nos seus mais remotos pontos e até os municípios vizinhos, angariando espórtulas dos devotos. O primeiro grupo visita a região dos campos e a costa marítima do Caeté ao rio Quatipuru. O segundo grupo o alto Caeté e o terceiro grupo penetra a costa oceânica do Caeté ao Gurupi e a parte central dessa região. No primeiro domingo

Desde junho três grupos de esmoladores recebem imagens de São Benedito. Percorrem o município nos seus mais remotos pontos e até os municípios vizinhos, angariando espórtulas dos devotos.

* Atualizamos a data de comemoração da fundação da Irmandade do Glorioso São Benedito de Bragança, para demontrar a atualidade do texto do autor.

antes do começo da festa, chegam os santos a cidade. A recepção é pomposa. No “Padilha”, local à margem direita do Caeté e a pouca distância, se reúnem os esmoladores, em hora de pendente da maré de enchente do dia. Saem da cidade inúmeras canoas, barcos e lanchas em busca do santo, numa verdadeira procissão fluvial. É um espetáculo grandioso; na vanguarda do préstito a lancha “Gurupi” conduz o santo, os esmoladores e

tocadores. Em pé, na proa da embarcação, dois porta-estandartes fazem o entrelaçamento das bandeiras. Na cidade a banda de música executa alegres dobrados e o espocar de girandolas de foguetes e os vivas da incomputável massa que se comprime em toda a margem do rio, dá uma nota festiva a recepção. O glorioso Sao Benedito é recebido na residência do Sr. Caramujo e daí, dias depois, e recolhido à sua Igreja. A Igreja é de estilo colonial, com uma torre lateral esquerda e a sacristia do mesmo lado. A fachada é um quadrilátero encimado por um triângulo isósceles, tendo no ápice superior uma cruz de ferro iluminada. Há uma só porta de acesso ao salão, com janelas do coro ao alto. A torre, de cerca de 20 metros de altura, sustem dois sinos. Nas paredes externas e internas e nos pequenos altares, nada existe de escultura nem digno de especial reparo. Encravado no fundo do salão está o altar-mor, de feitura singela. Não sendo o primitivo, pois há poucos anos sofreu radical restauração. Os últimos procuradores da Irmandade foram os Srs.: — João da Cruz Pacheco, comerciante, já falecido; Flodoaldo Teixeira, industrial, também falecido; o notário público Antonio D. Miranda; Ocimar Fernandes e, presentemente, Arsênio Silva, aos quais foi confiada a missão de guardiães e zeladores de precioso patrimônio. www.revistapzz.com.br 65


ESPECIAL

M

arujada é dança conhecida em Ó nau fragata, ó nau fragata, todo o Brasil; trata-se de um marcha para a guerra!... auto dramatizado na tragédia Ê lô... marítima da nau Catarineta e Se não for por mar, onde predomina o canto sobre a dança. há de ser por terra!... Do folheto “A Marujada”, publicação da Ê lô...” Divisão de Educação e Recreio do Departamento de Cultura de São Paulo, que nos A Marujada de Bragança em nada se asparece ser de autoria de Nicamor Miran- semelha ao auto marítimo existente em da, transcrevemos o seguinte trecho: — É todo o Brasil com o nome de “Chegança sabido que desde a época das navega- de Marujos , “Barca”, “Fandango”, etc. Ela ções, estas foram celebradas em bailados é uma manifestação folclórica tipicamene entremeasses, em Portugal. Tais tradi- te bragantina. Constitui uma organização ções, transportadas para o Brasil fixaram- profana a parte da Irmandade de São Bese num bailado popular que provavelmen- nedito, amparada pelos atuais Estatutos. te em fins do século XVIII ou princípios do Há uma origem comum da Marujada com seguinte, recebeu organização mais ou a Irmandade de São Benedito. Quando menos erudita de poetas certamente alfa- em 1798, os senhores acederam ao pedibetizados. Generalizoudo de seus escravos se então com o título de para a organização “Chegança de Marujos”, “Há uma origem comum da de uma Irmandade e nome ao que parece já realizada a primeiMarujada com a Irmandade foi completamente esquera festa em louvor de de São Benedito. Quando em São Benedito, os necido da boca do nosso povo. Mas no Nordeste, 1798, os senhores acederam ao gros em sinal de recoo bailado persiste ainda nhecimento, incorpobem vivo, de feição niti- pedido de seus escravos para rados, foram dançar damente popular e mes- a organização de uma Irman- de casa em casa dos mo folclórico, dotado de dade e foi realizada a primei- seus benfeitores. No peças musicais anônima ano seguinte nova ra festa em louvor de São manifestação e de movimentação corede ográfica e dramática traBenedito, os negros em sinal agradecimentos, com dicional, exclusivamente de reconhecimento, incorpora- danças a porta, ficanorganizada por pessoas do como praxe, daí do povo”. E a seguir: — dos, foram dançar de casa em por diante essas exiAbandonamos a denocasa dos seus benfeitores. ” bições coreográficas. minação “Chegança de Esta é pois a tradição Marujos”, usada em livros eruditos como da origem da Marujada em Bragança. E os de Silvio Romero e Melo Morais Filho, tanto e assim que a Marujada somente sai não só por não existir mais atualmente para dançar nas ruas de Bragança, no dia no povo, como porque nada prova ser ela de Natal, no de São Benedito e no dia 1.° uma denominação folclórica. O bailado de Janeiro, muito embora desde o início atualmente tem diversos nomes que va- da festa compareça aos seus barracões, riam de região para região, chamam-se para ensaios, e dança, todas as noites. “barca” na Paraíba e “Fandango” no Rio A Marujada é constituída quase que excluGrande do Norte, outro nome bastante sivamente por mulheres, cabendo a estas espalhado é o Marujada, por nós escolhi- a sua direção e organização. Os homens do definitivamente”. são tocadores ou simples acompanhanEscreve Melo Morais Filho (1946, pg. 206): tes. Não há número limitado de marujas, — “É o cordão dos marinheiros que puxan- nem tão pouco há papéis a desempenhar. do um navio conduzindo uma âncora, um Nem uma só palavra é articulada, falada mastro, etc. anuncia nas ruas a chegança ou cantada, como auto ou como argudos marujos. Caboclos, cabras, crioulos e mentação. Não há tão pouco dramatizapardavascos, lindos, ágeis, vestidos à ma- ção de qualquer feito marítimo, nem qualruja fardados, fantasiados com proprie- quer referenda a nau Catarineta. A nossa dade, incumbem-se de seus papéis, indo Marujada é estritamente caracterizada desempenhar a chegança numa praça. pela dança, cujo motivo musical único é o Imitando o balanço do bordo, seguidos retumbão. das figuras principais, lá passam cantando A organização e disciplina é exercida por uma cangaço, que prenuncia o combate: uma Capitoa por uma Sub-Capitoa. A pri-

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meira Capitoa foi eleita pelas marujas em assembleia mas daí por diante é a Capitoa quem escolhe a sua substituta, nomeando a Sub-Capitoa, que somente assumirá o bastão de direção por morte ou renuncia daquela. As Marujas se apresentam tipicamente vestidas: — usam uma blusa ou mandriao branco, todo pregueado e rendado e a saia, encarnada, azul ou branca com ramagens de uma dessas cores, e uma grande saia rodada indo quase ao tornozelo. A tiracolo cingem uma fita azul ou encarnada, conforme a ramagem ou o colorido da saia; na cabeça ostentam um chapéu todo emplumado e cheio de fitas multicores e no pescoço trazem um colar de contas ou cordão de ouro com medalhas. A parte mais vistosa dessa indumentária é o chapéu cuja base ou chapéu propriamente dito era antigamente feito de feltro, coco ou cartola; os de fabrico moderno são de carnaúba, palhinha ou mesmo de papelão. Seja qual for o material empregado na estrutura básica do chapéu, ele é forrado na parte interna e externa. A aba com papel prateado ou estanhado; lateralmente com papel de cores; e em torno, formando um ou mais cordões em semicírculo, presos nas extremidades, em pontos equidistantes, são colocados voltas ou alças de casquiIho dourado, pratea-


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Juiz da Festa, o bastão de prata, encimado por uma pequena Imagem de São Benedito, que é o emblema do juiz, usado nos atos solenes da festividade. Da descrição da Marujada ressalta quanto ela é diferente das “Cheganças de Marujos”, das demais unidades federativas. Por que então o nome de Marujada? É termo ainda não explicado. Pensamos todavia que a palavra foi empregada, pela analogia certamente encontrada, pelos bragantinos de então, com as festas de Marujada, Chegança de Marujos, Barca e Fandango, de outros pontos do País, anteriores a nossa Marujada e certamente no conhecimento das nossas

MULHERES A Marujada é constituída quase que exclusivamente por mulheres, cabendo a estas a sua direção e organização. Os homens são tocadores ou simples acompanhantes. Não há número limitado de marujas, nem tão pouco há papéis a desempenhar. do ou colorido. Entre as algas, por cima das voltas, são também colocados espelhinhos quadrados ou redondos. Ao alto plumas e penas de aves de diversas cores, formam um largo penacho com mais ou menos cinquenta centímetros de altura. Da aba, na parte posterior do chapéu, descem ao longo da costa da maruja, numerosas fitas multicores. O maior numero ou largura das fitas, embora não indicando hierarquia, e reservado às mais antigas. Os homens, músicos e acompanhantes, se apresentam de calça e camisa branca ou de dor, chapéu de palha de carnauba revestido de pano, tendo a aba virada de um dos Iados, fixada com uma flor de papel encarnada ou azul, e são dirigidos por um Capitão. Os instrumentos musicais são: — tambor grande e pequeno, a “onça” ou cuíca, pandeiros, rabeca, viola, cavaquinho e violino. Na rua, as marujas caminham ou dançam em duas filas indo a frente de uma delas a

Capitoa, e a frente da outra a Sub-Capitoa, empunhando aquela um pequeno bastão de madeira, enfeitado de papel, tendo na extremidade superior uma flor. Atrás e no centro, fechando as duas alas vão os tocadores e os demais marujos. Em fila a dança é de passos curtos e ligeiros, em volteios rápidos, ora numa direção, ora noutra, inversamente. Assim elas caminham descrevendo graciosos movimentos, tendo os braços ligeiramente levantados para frente a altura da cintura como se tocassem castanholas. Dançando obedecem a música plangente do compasso marcado pelo tambor grande em ritmo de “bagre”. A Marujada dança preferentemente nos seus barracões situados, um ao lado da Igreja e o outro próximo a casa do juiz ou juíza. Sai a rua nos dias de Natal, São Benedito e 1.° de Janeiro e não recusa os convites, para dançar, em casas de família, iniciando as mesmas, com a reverência tradicional de seus antepassados. A 26 de dezembro, consagrado a São Benedito, há na casa do juiz um lauto almoço do qual participam todas as marujas e pessoas especialmente convidadas. O jantar é oferecido pela Juíza, a noite desse dia. A 1.° de Janeiro o juiz escolhido para a festa seguinte é o anfitrião do almoço desse dia. Durante o ágape é transmitido ao novo

A organização e disciplina é exercida por uma Capitoa por uma Sub-Capitoa. A primeira Capitoa foi eleita pelas marujas em assembleia mas daí por diante é a Capitoa quem escolhe a sua substituta, nomeando a Sub-Capitoa, que somente assumirá o bastão de direção por morte ou renuncia daquela. populações daquela época. Ocuparam o cargo de Capitoa, desde a sua fundação até o presente, as seguintes pessoas: Leocadia Maria da Conceigao, escrava de Jose Caetano da Mota. Serafina Maria da Conceigao, ate 1928, quando faleceu. Olimpia Maria da Conceigao, deixou a fungao em 1933, por sua vontade, sendo substituida por: Silvana Rufina de Souza, nascida em 10 de julho de 1867 e falecida em 26-11-1948. Maria Agostinha da Conceigao, atualmente Capitoa, sendo que sua Sub-Capitoa era Candida Maria de Morais, falecida em 314-1957, sendo substituída por Benedita Tamanquinho. Exerceram o cargo de Capitao, dirigindo os homens: — 1.° Estevao; 2.° Calixto; 3.° Jorge Francisco da Silva; e 4.°, atualmente, Raimundo Epifanio.

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ESPECIAL RETUMBÃO A dança de preferência da Marujada é o Retumbão. O seu compasso musical e rítmico é o do lundum. Parece-nos que o Retumbão é o próprio lundum, que nos ficou com aquele nome, insulado neste grupo, em Bragança, sem ter sofrido as influências da civilização, que o modificou progressivamente da senzala ao salão aristocrático. Comparando-se o nosso Retumbão ou o lundum primitivo, como pensamos nos, com as descrições feitas sobre o lundum dançado nos salões aristocráticos do Brasil ou da Europa, em que ele apareceu com características extremas de uma música é uma dança exótica, lubrica e sensual, o nosso Retumbão é menos cheio desses requebros excitantes, predominando sobre isso, a preocupação dos passos coreográficos. As maneiras e o donaire com que é dançado, Ihe dão certas características próprias, embora se possa reconhecer na música cadenciada pelo tambor grande e no estilo da dança, um ritmo primitivo. Se o lundum, em Bragança, ficou insulado, nesse isolamento, manteve as formas primitivas da dança original. Assim, menos influenciada de ritmos estranhos, essa dança formalística e mais de acordo com a indole dos negros, e dançada no compasso dos instrumentos musicais africanos, introduzidos pelos escravos. No lundum os circunstantes formam roda, batem com as mãos o ritmo e um só par dança. No Retumbão os circunstantes também fazem roda sem no entanto, marcar o compasso por meio de palmas e geralmente dois pares dançam de uma só vez. O homem vai, em primeiro lugar, sozinho, dançar no salão; executando rápidos volteios, convida a dama fazendo ligeiro aceno com a mão e batendo mais fortemente o pé em direção da escolhida. Dançam sempre dois a dois, separados, fazendo círculos, em torno do salão em volteios ligeiros, ora para a direita, ora para a esquerda, estalando fortemente os dedos como castanholas. Os homens acompanham as mulheres, ora na frente, ora atrás, seguindo-lhes os passos como se fosse uma fuga interrompida bruscamente ora numa direção ora noutra, incitados pelos meneios da mulher. Assim dançam muito tempo; dançam até um cansar, quando então, batendo duas vezes com o pé no chão se retira da roda o que está fatigado. O que fica dançando faz sozinho alguns volteios pelo salão após o que escolhe o seu par batendo o pé no chão fortemente e com a mão Ilhe fazendo ligeiro aceno. As mulheres geralmente dançam muito bem e melhor do que os homens. No final da dança as mulheres para fazerem galhofa ou mostrarem sua agilidade e pericia costumam, a um descuido do cavalheiro mete-lo debaixo do rodado de sua grande saia, enlaçando-o com os braços e o apertando a altura do pescoço. Quando isto ocorre sai o dançarino apupado pelos circunstantes, sob o motejo dos companheiros e difi68 www.revistapzz.com.br

cilmente volta ao salão. As músicas executadas pelos tocadores, nos barracões são as mesmas que qualquer jazz tocaria nas festas da cidade, mas de quando em vez tocam o Retumbão, em que o tambor grande, a "onça" e o pandeiro predominam, marcando o compasso e o estilo dessa dança que se choca com os ritmos das danças modernas. Esse ritmo pode ser reproduzido de memória, pelo dizer onomatopaico, do seguinte versinho: É tempo de cupu, peixe pedra, baiacu. O lundum toma vários nomes na Zona Bragantina. Assim, em Bragança e Quatipuru e Retumbão; Carimbó, Corimbó ou Curimbó nas demais regiões da zona, especialmente em Capanema, Salinópolis, Marapanim, etc. com pequenas variações? de ritmo e denominações de passos, como: "dança do peru", "banho", etc. Uma outra dança quase desaparecida em Bra-

gança, e o "Bagre"; espécie de quadrilha, dançada em roda, marcada em trances deturpado e com grande número de participantes. Os pares formam círculo e o marcador comanda, determinando os passos: — "Eia avante" — os pares, pelas mãos, vão até ao centro do círculo e voltam a posição primitiva. "Granchê de duble", grita o marcador e os cavalheiros metem o braço direito no braço direito da dama dão uma volta e enfiam o braço no braço da dama seguinte, até a terceira dama, quando o marcador avisa — "Já cheguei". Daí, em seguida, sempre comandando o "granchê de duble" prossegue o marcador, até alcançar o seu par e igualmente, os demais participantes. Neste ponto o marcador comanda novamente,— "Ei Chavá"— e o cavalheiro dá uma volta com a sua dama e dança igualmente com a seguinte, avançando sempre, até alcançar o seu par. Restabelecida a roda pelos pares, dançando sempre, pelo apoio simples de uma das pernas e largando a outra, alternadamente, vão os pares, ao comando do marcador, "enfiando o bagre", isto é, se entrelaçando, seguros pelas mãos, enfiando a cabeça por debaixo do braço


FOTOS: RENATO CHALU

BAGRE

RETUMBÃO

BOLIVAR BORDALLO

BOLIVAR BORDALLO

A manhã já vai raiando e o salão ‘inda está cheio: a música - está tocando, e os pares - em revolteio.

Retumba, ah, a música dolente, dançadores começam a chegar; a “Marujada”, vem festivamente para a sua “barraca”, vem dançar. A “capitoa”, airosa, surge a frente; suas marujas seguem seu bastão; o tambor-grande chama toda a gente, e os dançadores entram no salão. O cavalheiro bate o pé no chão; no meio do terreiro ele se lança; maneia com a cabeça e com a mão, chamando sua dama para a dança. A dançarina alegre e satisfeita, pisando miudinho no salão, trás a saia rodada que lhe enfeita e sobre seu corpinho o cabeção. Em gráceis revolteios a donzela procura se esquivar aos galanteios do exímio dançador que se revela, também afeito aos rápidos volteios. Rodando em volta a dama o cavalheiro, persegue sempre o par pelo salão, com um jeito de galo de terreiro que lhe arrastasse as asas pelo chão.... Às vezes, um detalhe engraçado se registra. Não é fácil se dar. É um golpe de astucia exagerado (continua) que “p’ra exemplo” a mulher vai aplicar! Um passo a frente e outro para trás, em viravolta simples e ligeira, o cavalheiro dá um passo a mais para ficar bem junto a companheira. A saia enfunada, e o pé ligeiro, a dançarina espera o tempo azado para enlaçar com a saia o companheiro, que fica sobre a mesma, embaraçado ... E o dançador que fica sob a saia, apupado por toda aquela gente, encabulado, quase que desmaia e nunca mais se vê surgir-lhe a frente. *(E o dançador que fica sob a saia, pegado de surpresa, não protesta; apupado e tristonho sai da raia, e nunca mais se vê dançar na festa). A música é simples e não cansa; os pares se sucedem no salão; na alegria e prazer daquela dança o tambor continua o “Retumbão”.

O Chorado e o Retumbão são as danças preferidas; mas, conforme a tradição outras não são esquecidas. Dançaram a noite inteira, e a manhã já vai raiar; agora, a dança primeira, e o Bagre, para enfiar. “Atenção! Muita atenção!” Grita, ao centro, o marcador; e os pares pelo salão formam todos em redor. “Cada qual com o seu par!” - Que esta dança se inicia, e o Bagre p’ra se dançar com prazer, com alegria. Várias ordens, pela frente, se sucedem no salão: O “Eia! Avante!”, de repente, leva os pares pela mão. O marcador se perfila e, no comando que presta, ordena aos pares em fila o melhor de toda a festa:

do par seguinte, até voltar à primitiva posição. O "bagre" é uma dança em que o compasso musical é o binário simples, em ré maior, sendo o ritmo o mesmo do Retumbão, no entanto mais “alegro”. Os tocadores, para dar mais ênfase a esse ritmo e mais entusiasmo a dança, cantam versinhos de improviso e os cavalheiros de quando em vez batem os pês com o mesmo propósito. Há também uma dança denominada "Chorado" em que os participantes fazem roda e uma mulher sai sozinha para dançar. Decorridos alguns momentos, ela escolhe o seu par, batendo mais fortemente com os pés no solo, em direção ao eleito e com os dedos Ihe fazendo ligeiro aceno. Um os par dança de cada vez. O ritmo e o Retumbão, em sol maior, e o sapateado repinicado em gestos propositados, é a nota dominante desta dança. Infelizmente, por falta de aparelhagem, deixamos de incluir, no presente trabalho, o registro sonoro e gráfico destas danças, apresentando tão somente a música escrita do retumbão.

“Eia. avante! Enfia o Bagre...” Os pares se entrelaçando, seguindo o mesmo caminho, vão a cabeça enfiando sob os braços do vizinho. Formam comprida enfiada, com jeito tão natural, como se fossem cambada do peixe bem regional. É uma quadrilha nativa que a festa vai encerrar, ficando n’alma festiva “O Bagre para enfiar”. 16/10/61

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ESMOLAÇÕES DE SANTO E LADAINHAS Quem vê pela primeira vez uma comissão de santo em esmolações, pelo nosso interior, e ouve o bater cadenciado e plangente de uma caixa de santo, acompanhada pelo flautim de imbaúba (Moracea — Cecropia palmata e outras), certamente não se esquecera jamais. Os grupos por vezes numerosos andam por determinada zona do município, quando se trata de um santo de Igreja ou capela local e por várias zonas do município, quando se trata de santo da cidade, como as esmolações em benefício de São Benedito. Estes grupos são solicitados a visitar as residências dos promesseiros. Não raro as famílias fazem promessas dando animais ao santo devoto, como por exemplo: — galinhas, patos, carneiros, bois e cavalos. As promessas quando pequenas, são entregues as comissões na ocasião da visita; as outras maiores são entregues diretamente ao Procurador da Irmandade, as vésperas do dia de São Benedito, para o grande leilão, depois da missa. A mesa de leilão, nessa ocasião parece mais um grande bazar, tal a variedade de coisas a leiloar: desde o franguinho, boi ou cavalo ou desde o cacho de pitombas, a um número as vezes considerável de arrobas de tabaco. As comissões de santo obedecem, durante as caminhadas a pé, a seguinte ordem: a frente, dois porta-bandeiras com os estandartes do santo, os quais vão entrelaçando os mesmos em movimentos típicos, ora para um lado ora para outro; logo após um homem ou mulher, melhor vestido, com uma grande toalha branca, de magnifico bordado e renda, a tiracolo, levando nas mãos o Santo e a seu lado uma pessoa com um guarda-chuva aberto para abrigar do sol ou da chuva; atrás os tocadores: uma caixa de santo, um flautim, a viola, a "onça", tambores e pandeiros. As viagens se fazem a pé, a cavalo, em montarias ou em canoas a vela, conforme a região que percorrerem. É um dia festivo a chegada dos esmoladores. Eles são generosamente obsequiados nas residências dos promesseiros. O dono da casa hospeda não somente os esmoladores como os acompanhantes durante um ou dois dias. Os vizinhos se reúnem trazendo também as suas oferendas. As mesas 70 www.revistapzz.com.br

FOTOS: MANOEL AVIZ CASTRO

ESPECIAL


de almoço e jantar se sucedem e o café é oferecido a intervalos regulares e frequentes. Ao chegar a casa de um devoto, só a caixa toca cadenciadamente — bem-bam, bem-bam, e assim levam o santo para a saia da casa, onde é logo improvisado um altar sobre uma pequena mesa. Se é tarde do dia, ai fica para passar a noite. Mal escurece, depois do jantar, os tambores são percutidos chamando os moradores da vizinhança. Em dado momento, anunciando o início da ladainha, a caixa de santo batida - bem-bam, bem-bam, reclamando silêncio. Há um certo quê de místico, no toque dessa caixa, pois impõe silêncio e provoca respeito a todos os circunstantes. Os rezadores ajoelham-se em frente ao altar improvisado, geralmente três homens, iniciando a ladainha, a três vozes, cantando a folia e fazendo coro as mulheres. Em seguida é rezada a ladainha propriamente dita e finalizando o bendito, sempre fazendo coro as mulheres e demais assistentes. As ladainhas, nas residências de nossos caboclos do interior, ou são feitas pela presença de uma comissão de esmoladores ou em dia de santo da devoram da família, em dias fixados, anualmente. Os vizinhos de toda a redondeza são convidados com bastante antecedencia e muitas vezes, durante alguns dias são rezadas, logo ao anoitecer e em sequencia, em barracões adrede preparados, os bailes, noites e dias seguidos. Depois da ladainha, em certas ocasiões há leilão de oferendas ou de coisas especialmente confeccionadas para isso, predominando os produtos de mandioca e macaxeira, como sejam: — alqueires de farinha dagua e seca, beijus, bolos, roscas, etc. Enquanto isso, é vendido ou distribuído aos presentes a manicuera, o mocororó e até mesmo, as vezes, a maniçoba. A cachaça nem sempre e parcimoniosamente distribuída ou consumida, dai não raro, estas reuniões, terminarem em "esgrú”) e cacetadas, facadas e até morte. Os nossos caboclos, essencialmente católicos por tradição, rezam essas ladainhas geralmente, imbuídos do maior respeito e fé. A doença, os insucessos na lavoura e até mesmo epidemia em animais são causas predominantes de suas promessas, constituídas especialmente em dádivas,

ladainhas ou receber esmoladores e os manter um ou dois dias em suas residências. A ladainha, no entanto, e por vezes cantada pelo simples prazer de cantar alguma coisa, quando trabalham em conjunto. As companhias de lanço dos Pescadores, navegando os nossos rios, em busca dos pontos de pesca, descem em suas canoas, junto a margem e a sombra dos mangais, ao bater cadenciado dos remos, quebrando a monotonia e o silêncio do rio enluarado. Em dado momento, cessando aquele ruído, os Pescadores em três ou quatro vozes começam a cantar uma ladainha, enchendo de sons e ecos, os estirões do rio, de ponta a ponta. No silêncio da noite, ao sussurrar da brisa e do marulho da correnteza do rio, este cantochão tem a sublimidade de um ato de fé a chocar-se com a natureza exuberante e iluminada, para receber, da humildade dos sentimentos desses Pescadores, esse hino de alegria, esperança e fé, com que lá se vão cantando, horas a fio, descendo o rio, ora na cadência dos remos, ora cantando uma ladainha, ora na toada de cantigas de "boi”. ***

Para entrar irmao devoto Filho da Virgem Maria. Vamos dar a despedida Em cima do sacramento Entrou com alegria Apartai com sentimento Deus vos pague e agradeça Quem nos fez este favô No reino do céu se veja Nos pés de Nosso Sinhô. Sr. Sr. Sao Benedito é nosso [Imperador Deus salve. Deus salve Eu quero que ele me salve Quando deste mundo eu for. Lá vai, lá vai São Benedito em sua bandeira voando Deixando o dono da casa Com seus filhinhos chorando Sr. Sr. São Benedito é nosso [Imperador Deus salve.Deus salve Eu quero que ele me salve Quando deste mundo eu for. Meu mano vãmo cantá como irmão O Sinhô São Benedito há de nos dá a salvação. Meu companheiro me ajuda, meu companheiro me ajuda, Deus Ihe bote em bom lugar. Meu sinhô São Benedito me ajudai tenha muitos anos de vida neste mundo.

Uma comissão de esmolação de santo ao chegar em uma casa, primeiro can- Se ajuntá costa com costa ta a folia; a noite a novena e o bendito, quem apanha num é só eu. e para sair, novamente a folia de despedida. Vou subindo para o céu, pelo um fio, pelo um cordão, Recolhemos os versos de folias: numa ponta vai São Pedro, na outra vai Sao João, Deus salve a dona da casa no meio vai um rosário, quem encontrou São Benedito da virgem da Conceição. Na sua casa de aurora Bom Jesus seja consigo. Abre a rosa gira-sol, do botão acende a luz, Abre a porta do sacrário nasceu um cravo e uma rosa Que eu quero rezar lá dentro no sacrário de Jesus. Eu quero pagar uma promessa Eu devo pro casamento. Cheirou cravo e cheirou rosa, cheirou flor de laranjeira, Quando eu vejo cantoria O sinhô São Benedito, Na cantoria tambem vou é o nosso pai verdadeiro. Valha-me, valha-me a Virgem [Maria Vamos cantá a despedida, Que é mãe do Salvadô. nós queremos apartar, adeus oh! pombinha branca Abre-se a porta do céu e adeus oh! pomba do ar. Para ver o que havia Havia uma formosa luz Vou-me embora, No rosario de Maria. vombora, vamos andando, eia, eia! Abre-se a porta do céu a despedida estou dando. A muito tempo não se abria

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FOTO: aurimar araújo

ESPECIAL

CAVALHADA A véspera do dia de São Joao ou de São Pedro realiza-se a Cavalhada. O Jogo das Argolinhas, do Brasil-colônia, admiravelmente descrita por Jose de Alencar em "As Minas de Prata", por Luiz Edmundo em "O Rio de Janeiro ao tempo dos Vice-Reis", por Manuel Querino em "A Bahia de outrora" e em outros autores, e praticado em Bragança, ate o presente, com a denominação de Cavalhada, nome vulgarizado em todo o país. Entre nós, por todas as suas características, isto é, por ser primitivamente realizado no período das festas juninas, como porque seus integrantes eram caboclos, sem influência dos negros ou seus descendentes, era um jogo deste ciclo. Todavia perdeu esta característica, pois também, por ocasião da festa de São Benedito, vem o mesmo sendo efetuado com a participação de negros ou mulatos. O auto popular em que eram rememoradas as lutas entre cristãos e mouros, e justas entre cavalheiros e cavaleiros, não está mais na reminiscência dos participantes da Cavalhada; ou porque esta festa popular já aqui tenha chegado incompleta no enredo do auto, o fato e que a sua origem e ignorada. Do entrecho somente a disputa das argolinhas permaneceu. Por isso os proprietários de cavalos aproveitam essa oportunidade para exibirem as excelentes qualidades e os bons andares de suas montarias. Por vezes aparecem ainda dois partidos — o azul e o vermelho participando dessas disputas. Presentemente a competição reveste mais um 72 www.revistapzz.com.br

caráter pessoal que partidário. Um inquérito analítico seria infrutífero, pois nenhum dos participantes seria capaz de fornecer dados objetivos sobre a gênese do jogo nesta região. Como veremos na descrição, nenhuma luta existe, nem passos, nem danças, nem diálogos, etc. Tudo se passa como se fosse apenas a disputa de uma argolinha de prata e a vaidade. alias muito natural de vaqueiros, de apresentar boas montadas, com bons andares. A tarde do dia 23 ou 28 de junho, vésperas de São Joao e de São Pedro, os cavaleiros oriundos dos Campos e os da cidade, se reúnem em casa do Juiz da Festa e precedidos pela banda de música, dirigem-se a Praça da República ou Largo da Aldeia, ornamentada com bandeiras e cordões de bandeirinhas. No centro desta, de dois postes laterais e diametralmente opostos, a uma altura conveniente, e estendido um fio de arame do qual pendem as argolinhas de prata. Chegam os cavaleiros e estacam no começo do Largo. A banda de música toma posição perto da linha das argolinhas onde já se encontram as autoridades, a Diretoria da Festa e pessoas gradas. A Cavalhada apresenta um aspecto garboso, com os cavaleiros ostentando camisas de cores variadas, calças brancas, gorro de tecido branco na cabeça ou chapéus de palha, algumas vezes, cobertos de pano e ornados de flores de papel, azul ou vermelho. Suas montarias, bem tratadas, se apresentam com arreios simples ou bem ajaezados.

A praça está literalmente cheia. Cavalos e cavaleiros desfilam em saudagao as autoridades. Voltam depois a primitiva posição, no início da praga, e, ao sinal do juiz, em desabalada carreira, saem as duplas, uma apos outra; a seguir, novamente aos pares partem os cavaleiros abraçados até o fim da praga. Terminada esta primeira exibição inicia-se o jogo propriamente dito. Em veloz arrancada os cavaleiros levando na mão direita uma pequena lança de madeira, porfiam una após outros, para enfiar e tirar a disputada argolinha, numa demonstração invulgar de agilidade. A argolinha conquistada e oferecida &s senhoras e senhoritas, que retribuem essa gentileza amarrando no braço esquerdo do cavaleiro uma vistosa fita, que comprovara as argolinhas obtidas. Assim prossegue o tornelo ate a ultima argolinha. É interessante notar-se entre os cavaleiros um palhaço, correndo desengonçado e com trejeitos ridículos, ora sentado de frente na sela, ora de costas, ora tentando tirar uma argolinha ou causando atrapalhação entre os disputantes. É a parte cômica do jogo. Findo o torneio os cavaleiros não deixam escapar o ensejo para por em destaque as qualidades de seus cavalos. Estabelecem-se as porfias em marcha baixa, em meia marcha e em marcha alta ou esquipado sob a admiração e os aplausos dos circunstantes .


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ESPECIAL

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FOTO: renato chalu

Olhando a Marujada, era feliz, alienava por momentos as mortificações que agora castigávamos meus dias. Só ver a Tia Joana sair dançando o Retumbão, volteando no ar a bonita saia encarnada, cheirosa! Tia Joana, capitoa vitalícia da marujada, me entendi vendo-a naquele posto, gente lhe tomando benção com todo o respeito. Mal comparada a um padre, uma freira, uma madrinha muito estimada. Mesmo fora do São Benedito, quando era apenas uma pacata cidade. Quando assumia não mais o comando de uma legião de marujos, mas o governo do tabuleiro de broas, sequilhos, roscas de tapioca, de sua banca de tacacá. Mas ainda ali, se impunha. Pessoas chegando, saudando-a com reverência e estimação: "A benção, Tia Joana" "Deus te abençoe, minha filha. O que vai hoje?" Dezembro, o seu tempo áureo. Nesse mês, rainha era ela. Que não havia - desde canoeiros, carregadores, as mais altas autoridades - quem não comparecesse a barraca de solo batido, ao lado da igreja, a vê-Ia dançar. E os marujos? Ai, para eles, que por mais requesta senão ela? Dançar com Tia Joana, o privilégio, que não era para qualquer novato, não senhor. Não era com duas risadas que um merecia ser aceito como seu cavalheiro. Sim, rainha era ela. Seu traje o mais rico, a saia, da roda a mais ampla, a anágua mais rendada, o chapéu, o mais cintilante de espelhos e pedrarias, fitas que dele pendiam e lhe chegavam aos pés, as mais abundantes, de mais variado colorido; preso a alvura de sua blusa, o ramo de cravo e alecrim mais perfumado. E o cordão de ouro, as pulseiras e brincos, a faixa a tiracolo? Pesar da idade (quando a conheci, já netos tinha) quem mais ágil no passo do lundu, no maneiro, ingênuo requebrar das danças tão encantadoras no seu primitivismo? Porque assim é a marujada. Rememorando os volteios do típico bailado regional, eu me espanto de como neles não se descobria lascívia alguma, nem sequer o quente langor de certas danças tropicais. Tudo tão puro, entre eles, uma alegre, respeitosa reverência, como num ritual. Mas Tia Joana, dizia eu, era a invicta. Qual, mesmo dentre as mais jovens,

persistia dançando sem parar, por tanto tempo? Os marujos, os mais graduados, sucediam-se com seus pares. lam cansando, empapando a camisa de suor, davam lugar ao seguinte que, por sua vez, bailava a não mais poder. Vinha outro e mais outro, e Tia Joana volteando sempre, machucando de leve o chão, os ligeiros passos sutis, o sorriso de Cândida vitória, inocente desafio ali, soberana, no meio do salão. Duas grandes atrações, na marujada:

“Sim, rainha era ela. Seu traje o mais rico, a saia, da roda a mais ampla, a anágua mais rendada, o chapéu, o mais cintilante de espelhos e pedrarias, fitas que dele pendiam e lhe chegavam aos pés, as mais abundantes, de mais variado colorido; preso a alvura de sua blusa, o ramo de cravo e alecrim mais perfumado. E o cordão de ouro, as pulseiras e brincos, a faixa a tiracolo. Pesar da idade (quando a conheci, já netos tinha) quem mais ágil no passo do lundu, no maneiro, ingênuo requebrar das danças tão encantadoras no seu primitivismo? Porque assim é a marujada. Rememorando os volteios do típico bailado regional, eu me espanto de como neles não se descobria lascívia alguma, nem sequer o quente langor de certas danças tropicais. Tudo tão puro, entre eles, uma alegre, respeitosa reverencia, como num ritual.” Tia Joana e a cantoria dos marujos. Me deixassem, eu ficaria horas esquecidas junto deles, embevecida, atrás de decifrar-lhes os versos, muitos descosidos, desconexos, sem aparente sentido, mas de um encanto! Beleza nas vozes incultas, na entrecortada estrofe que saia do peito dos homens rudes. Sempre achei beleza no cantar dos homens. Das raras coisas que tinham poder de me botar quieta, ouvir cânticos, mormente masculinos. Nesse tempo, que sabia eu de um coral, de um conjunto orfeônico? Que

escutara além das serenatas das gaiatas trovas dos "Filhos da Candinha", das ladainhas a quatro vozes tiradas pelos pretos velhos? E a toada dos marujos. Caboclos recendendo a suor e aguardente, eu ficava juntinho, os olhos pregados nos rostos brilhantes, bebendo-lhes as palavras. Como os admirava, assim, os olhos meio fechados, a cabeça um tanto pendida para trás, e o canto saía, meio grito, meio chamado, lamento ou prece. Difícil aquilo para mim. Mais que me esforçasse, conseguia assimilar apenas alguns versos, por vezes informes, truncados. Uma quadrinha quando a repetiam, enxertavam-Ihe novas expressões, palavras outras, um final diferente. Bem fazia o Dário, colega nosso do grupo, menino ainda e com fama de poeta, de pesquisador. De nós, o de maior talento, não sei como até hoje não disse palavra a seu respeito, o mais brilhante, o mais arteiro da escola. No quarto ano, possuía cadernos inteirinhos de poesias, de sua lavra. Pois esse Dário, tempo de marujada, sua mãe sabia dele? Parece até que se mudava pras barracas da Juíza e do largo, as noites passava-as acompanhando-os, ouvindo-os, escrevinhando coisas, ate o amanhecer. Apanhando no ar os versos que eu aprendi tão poucos. De memória guardo os mais conhecidos, os que mamãe cantava, os que a Rita, mais as filhas moças da Domingas, quando meus pais saiam, libertas de todo respeito e temor, iam para o quintal, entoavam em roda, imitando os marujos: "Oi já chegou são Benedito nesta noite de alegria (bis) Oi senhora dona da casa vá rezando ave-maria" (bis) Os circunstantes fazendo o tambor: 'Tempo de cupu, peixe-pedra baiacu oi tempo de cupu, peixe-pedra baiacu" Vinham os petitórios, na voz fina, um tanto esganiçada da Nádia, a mais velha da Domingas: "Oi quando eu entro nesta casa (bis) vou olhando para cumeeira Oi senhora dona da casa (bis) traga logo a manicuera" Trecho do romance: “A Menina que veio de Itaiara” de Lindanor Celina www.revistapzz.com.br 75


GASTRONOMIA

Eduardo Souza

Mestre Ofir

Chef Ofir Oliveira atua há mais de três décadas na divulgação, valorização e resgate da culinária da Amazônia, a qual tem origem indígena com forte influência africana.Ele também é reconhecido por utilizar a gastronomia como meio de conscientização para a preservação do meio ambiente.

O

Chef Ofir Oliveira há mais de trinta anos atua no ramo da gas- ORIGEM tronomia. Recentemente foi proposto a ele, o título de Dou- ORIGEM tor Honoris Causa pela Faculdade do Pará Ofir nasceu dentro do mato, dentro da flo– ESTÁCIO/FAP em decorrência de sua resta amazônica, em Calçoene, no Amapá, contribuição cultural, científica e acadêmi- sua mãe nasceu lá também. Seu pai nasca para o desenvolvimento e disseminação cido na Bolívia, era filho de imigrante nordos valores inerentes à Redestino. Degião Amazônica. Título que o pois vai para próprio chef destina ao povo “Nasci em uma pequena cidade Bragança e se bragantino de onde adquiriu regatão do interior da Amazônia, onde torna os conhecimentos, a inspirae leva tabaco ção de seus principais pratos convivi com rios, animais, florestas para trocar e de sua devoção ao santo por Ouro nas e costumes indígenas de uma protetor dos pretos, São Beminas de Oianedito, santo milagreiro que Amazônia intocada, que deixaram poque. Foi em favorece a fartura e multipliem mim conteúdos afetivos que Bragança que ca o alimento da mesa dos cresceu seriam importantes para minha Ofir bragantinos. Atualmente e descobriu a grandes universidades do expressão artística anos depois...”. Gastronomia. Pará, do Rio Grande do Sul e “Nasci em Santa Catarina, através de seus alunos, es- uma pequena cidade do interior da Amatudam as propostas, ideias e experiências zônia, onde convivi com rios, animais, flodo mestre Ofir. O fato de terem outorgado restas e costumes indígenas de uma Amaa maior condecoração que uma institui- zônia intocada, que deixaram em mim ção pode conceder a uma personalidade, conteúdos afetivos que seriam que seriam aprovado por unanimidade, favorece para importantes para minha expressão artístia construção de uma política pública unin- ca anos depois. Minha mãe era professora do e integrando governos, universidades, de culinária, cozinhava com maestria. Ela institutos e a sociedade como um todo. fazia banquetes em Bragança e eu ajudava O reconhecimento e a certificação do tra- a fazer e servir. Lembro de um banquete balho, a experiência de vida desse nobre para umas 400 pessoas em decorrência da Chef, que foi convidado a ser o coorde- consagração do Bispo Dom Miguel Maria nador do Curso de Gastronomia que será Gambeli quando foi encomendado para implantado no Pará, faz o diferencial na ela fazer. Tudo foi feito de forma impecáárea da Gastronomia. A partir da gênese vel e eficiente” lembra Ofir. da gastronomia amazônica é que falamos “Meu pai foi o primeiro a montar uma fáda gênese da gastronomia Brasileira. brica de rádio em Bragança, o único que estudava eletrônica em Bragança, mon-

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tava aparelhagens há 60 anos atrás, logo no início das aparelhagens. Criou uma geração ensinando eletrônica. E a sua mãe ensinou uma geração dando aulas de culinária em Bragança” relembra o Chef. DEVOÇÃO Católico de família e por tradição, Ofir conheceu em Bragança, a Marujada, uma das mais belas festividades do Estado em devoção ao São Benedito, santo protetor dos escravos e símbolo da multiplicidade dos alimentos, diz-se, a mais forte expressão cultural e religiosa de Bragança, e uma das mais tradicionais e antigas do Pará, introduzida pelos escravos em 1798. Devoção e servidão ao Santo, Ofir prometeu e seguiu, já foi esmolar por semanas nos campos do interior da região. Vestiu-se de Marujo e acompanhou a Marujada por muitos anos da sua vida. Devoto de São


FOTO: RENATO CHALU

Benedito prepara os pratos como um ritual de agradecimento aos feitos em sua família. Peixe a Capitoa com o Sururu e o Retumbão, foram os pratos principais de seu cardápio. Esses pratos falam a história de Bragança, da origem do negro, do índio e do português na cidade. Toda a cultura é bragantina, uma cultura que vem de dentro da floresta, seu conhecimento, sua vivência, mesmo sem ter vivido diretamente na floresta, mas seu pensamento vem de dentro dela. Devoção que se enraíza na família, na qual sua filha, Luana de Souza Oliveira, Mestra em Turismo e Hotelaria, Docente e Pesquisadora do Instituto Federal do Tocantins – IFTO. Desenvolveu “Uma proposta de Interpretação patrimonial para a Festividade de São Benedito como alternativa para a melhoria e desenvolvimento da atividade turística em Bragança-PA”, observamos que esta manifestação cultural realizada a mais de dois séculos não é alvo de uma política de

valorização, divulgação e preservação enquanto patrimônio cultural e atrativo turístico! Principalmente, por falta de iniciativa do Poder Público e em

Devoto de São Benedito prepara os pratos como um ritual de agradecimento aos feitos em sua família. Peixe a Capitoa com o Sururu, foi o carro chefe de se cardápio, o Retumbão, os pratos que falam a história de Bragança, da origem do negro, do índio e do portuga na cidade.

aos turistas que vão para esta localidade com o intuito de conhecer esta tradição. Na tese de Luana Oliveira, propõe a aplicação de técnicas interpretativas que colaborem com o desenvolvimento local e melhoria da experiência turística, fundamentada no sentimento de cidadania ligado ao de pertencimento, encorajando a conservação e defesa da memória cultural, histórica, social, política e ambiental da região.

PROJETO AJURUTEUA

Propomos as Universidades do Pará e as que possam se interessar o projeto: “Antes na Terra depois em Marte”. Com a notícia de que a humanidade está pensando em começar a partir de 2030 viver em Marte algumas situações de parte da própria depois que a situação no planeta houver se população. O que gera falta de infor- exaurido as fontes alimentares e de matémações e infraestrutura disponíveis rias-primas. Ofir propõe a proposta de vawww.revistapzz.com.br 77


GASTRONOMIA

lorizar os mangues e os ecossistemas, no primeiro momento a praia de Ajuruteua. Além disso na praia serão desenvolvidas pesquisas e um laboratório de gastronomia pela riqueza e diversidade de produtos, espécies vegetais e animais do lugar. Utilizar a gastronomia como meio de conscientização para a preservação do meio ambiente, uma vez que em suas palestras, oficinas e nos festivais, enfatiza o valor dos produtos advindos de rios e florestas para o preparo de diversas iguarias, ressaltando que ao poluir os rios, a natureza e ao devastar as florestas, elimina-se a única condição de degustar esses exóticos sabores. “A primeira preocupação de um Chef em exercer o seu ofício é a conscientização da preservação da Natureza porque o Chef precisa como elemento vital desses elementos para poder compor seus pratos e exercer seu ofício. Hoje a figura do Chef ficou numa glamourização e pouca conscientização ambiental. Então o nosso projeto é uma proposta reestruturação e como deve ser pensada e reformulada uma política ambiental sustentável para “Ajuruteua” e as áreas dos manguezais. Fazer uma nova Vila, reconstruída e buscar sua identidade do que era Ajuruteua. Realizando credenciamento de famílias de pescadores, contextualizar o pescador dentro de toda a realidade contemporânea e globalizada. Para que o pescador continue a permanecer na sua profissão com uma política de valorizar o pescador artesanal. Ao exemplo de outros países e outros estados brasileiros que realizam politicas sustentáveis. Bragança está perdendo seu potencial turístico e gastronômico” certifica o Chef. Ofir trabalhou veemente para transformar em área de preservação ambiental a praia de Ajuruteua. Proferiu palestras em Coimbra, Algarve, Bragança de Portugal em cima desse discurso, articulando pelo Brasil e mundo afora todo um conjunto de políticas para realmente se realizar algo que nunca se fez, pois o que vem sendo feito em cursinhos de receitas e pratos típicos não resolvem nada. A ideia é fazer um pool de instituições e institutos para poder trabalhar com territórios e territorialidades em prol do desenvolvimento socioeconômico e do fortalecimento das identidades culturais. A partir da diretoria do Ministé78 www.revistapzz.com.br


rio do Trabalho podem desenvolver também uma política voltada para a geração de emprego e renda. No momento o maior reconhecimento do Chef Ofir é no sul do país e fora do Brasil. Nós fomos convidados a dar aulas e palestras de culinária da Amazônia nas Universidades do Sul do país UNIVALE, UNISINO de Porto Alegre, sudeste UNIRIO e sendo homenageado no Palácio Piratinin no Rio Grande do Sul, a partir do reconhecimento do seu trabalho, dessa forma uma ponte entre entre o Norte e o Sul é firmada. Recentemente houve um encontro com representantes de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul, em Belém do Pará, organizado pelo Governo do Estado do Pará, coordenado pelo professor Álvaro do Espírito fundamentando a gastronomia e a culinária com a agricultura, o turismo e a educação. Alavancar esse processo e esse procedimento a partir das Universidades onde possa estruturar uma política de cultura, economia e gastronomia amazônica. A ideia é transformar Ajuruteua num Centro de Pesquisa trazendo alunos do Pará, de outros estados ou do mundo para se engajarem desse propósito e estudar biologia e conhecer toda a complexidade de um ecossistema fértil e rico que são os manguezais e levar esse conhecimento a todas as Universidades. Divulgando esse conhecimento para outras universidades nacionais e internacionais e formar alunos nos campos de pesquisa para que possam ter essa conscientização ambiental mas saber trabalhar com outras espécies é isso que vai fundamentar uma política.

PRAIA DE AJURUTEUA Quando Ofir conheceu a Praia de Ajuruteua, um dos lugares mais bonitos do Pará com uma praia de quase 100 quilômetros na costa atlântica e o maior mangue do planeta, quando não tinha nada, apenas umas três barracas de pescadores, dentre eles o Sr. Domingos Melo, um dos primeiros moradores da ilha, onde passou uma temporada na praia, brincando nas ilhas e manguezais, ecossistema fértil de alimentos, animais e vegetais, berço de espécies marítimas, lá conheceu o avoado com limão, pimenta, sal e farinha, aprendeu a preparar e a comer muito peixe, caranguejo, mexilhão, camarão, turú, com chibé. Lá conheceu a diversidade de peixes da região

do salgado: bandeirado, tainha, bagre, corvina, pratiqueira, gó, cação, mero e outros. Viu a pesca artesanal em veleiros, igarités e vigilengas, viu a transformação das embarcações que passaram para o motor e para os grandes barcos de pesca predatória.

HOMENAGENS Ofir já foi homenageado pelo governo do Rio Grande do Sul dentro do Palácio Piratinin com toda a cadeia produtiva desse Estado durante a copa do mundo. Rio Grande do Sul e Santa Catarina reconhecem o seu trabalho de professor e pesquisador, os alunos o reconhecem como Mestre e tem-se notabilizado com o ensino e aprendizagem. O chef é fundador da Associação Sabor Selvagem e criador das expedições amazônicas trazendo alunos de universidades de gastronomia do Brasil e do exterior para interagir com as comunidades ribeirinhas da Amazônia, líder do Convivium SlowFood. “Estamos preocupados em trabalhar uma culinária autêntica do Brasil nas universidades. O ensino de gastronomia se preocupa em plagiar, em copiar as técnicas dos outros. Ou seja, a francesa, a inglesa, chinesa e outras de qualquer lugar, menos da Amazônia” explica o Chef. O Chef Ofir Oliveira já participou em Faro (Portugal) das comemorações do Ano do Brasil em Portugal dando aula magna em Coimbra, levando os sabores e saberes do caboclo. Foram esses posicionamentos que proporcionaram ao Chef um reconhecimento local, regional, nacional e internacional.

SLOWFAST FOOD ‘Hoje trabalhamos o conceito do SlowFast Food, uma política ecologicamente correta. Todo o meu trabalho é fundamentando na culinária e na cultura Amazônica como um todo e acaba se tornando um referencial da gastronomia” comenta Ofir. “Nós colocamos as técnicas amazônicas que possuem o nosso conhecimento an-

cestral e inovador em alguns casos, para o contexto atual. Essas técnicas poderão serem usadas pelo mundo a fora. Porque são resultados de milhares de anos sendo executadas com eficiência. Ou seja, além do aproveitamento dos produtos dentro de tecnologias amazônicas. A ciência que desenvolvemos tem um papel fundamental e preponderante no processo de elaboração de um prato, mas o que nós propomos, não é o que vai ser servido na mesa do almoço ou do jantar, de forma colorida ou bem apresentada, nem tão pouco só um festival, mas sim, através dos festivais, das aulas de gastronomia de cozinha e cultura amazônica podemos executar uma política pública. O conceito novo do SlowFast Food, envolve o trabalho familiar e comunitário, gerando renda para os pequenos produtores (agricultores e pescadores) e garantindo o consumo próprio, o excedente de todo o pescado na safra é jogado fora para não reduzir o preço. Se perde e não se aproveita. Na proposta do slowfast food vamos aproveitar o excedente, industrializá-lo com um produto de altíssima qualidade e valorar as espécies que não são cotadas no mercado mas que possuem uma riqueza de nutrientes e sabor incondicional como o Bagre, o Cangatão, Dourada, a nível de sabor são excepcionais. O SlowFast Food tem como principal característica o uso de ingredientes de procedência natural. Ou seja, na minha cozinha dou prioridade para produtos não industrializados, que venham da floresta, de pequenos produtores. Esta é mesmo a minha sina: aproveitar o que temos de melhor e encontrar a combinação perfeita destas riquezas em pratos que são elogiados em qualquer lugar. O que quero com isso é ver cada vez mais nosso país e, principalmente, nossa região ganhando o mundo! Meus projetos sempre tiveram relação com a minha terra e meu povo, com a nossa cultura mesmo. Acredito que é aqui que temos que crescer, até mesmo para fortalecer a economia local.

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MANIHOT ESCULENTA E O ARUBÉ A mandioca, aipim ou macaxeira são os nomes populares da Manihot esculenta, um arbusto cultivado em mais de 80 países e que constitui um dos principais alimentos energéticos consumidos no Brasil, por poder ser cultivada sem necessitar de recursos tecnológicos. O Brasil contribui com 15% da produção mundial da mandioca, que está entre os nove primeiros produtos agrícolas do país. Em nosso território o hábito de cultivo e consumo da raiz continua, principalmente nas regiões Norte e Nordeste. Nestas regiões a mandioca é muito utilizada para a fabricação de farinhas que geralmente são produzidas de forma artesanal nas Casas de Farinha, envolvendo o trabalho familiar e comunitário, gerando renda para os pequenos produtores e garantindo o consumo próprio (SLOW FOOD, 2009). De acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária-EMBRAPA, o Norte é o maior consumidor de mandioca [farinha de mandioca] no país. A nosso ver esta condição relaciona-se ao fato da região ter sido a última a ser povoada, prevalecendo assim por mais tempo os costumes indígenas. O Pará é o estado brasileiro que mais consome farinha de mandioca em domicilio, são 43,988 Kg/ hab./ ano (EMBRAPA, 2009). No entanto não se pode limitar o 80 www.revistapzz.com.br

consumo da mandioca a sua farinha já que existem tantos outros derivados, os quais também são consumidos comumente, como: beijus (tapioquinha, beiju cica, membeca, curuá, beijo de moça), tucupi, maniçoba, a farinha de tapioca, a mandicuera, bolo de macaxeira, o arubé entre outras iguarias que são feitas aproveitando desde a raiz até as folhas deste tubérculo. O Chef Ofir em suas oficinas destaca a valorização e difusão do consumo do Arubé, como o Molho do Brasil, para que possa ser reconhecido como o primeiro molho brasileiro dado os registros históricos de sua existência, sendo mencionado por Hans Staaden, Levy-Strauss, Nunes Pereira e Câmara Cascudo. O Arubé, usado inicialmente pelos índios para conservar a caça, é feito a partir do sumo da mandioca, o qual é extraído com o uso do tipiti (artefato indígena considerado uma das primeiras prensas no mundo). Este sumo chamado tucupi é reduzido e engrossado com a própria massa da mandioca. Possui sabor semelhante ao da mostarda e serve para temperar aves, carnes, vermelhas e mariscos, podendo ser usado diariamente em qualquer cozinha do mundo. Atualmente o Arubé é pouco conhecido e consumido pelos brasileiros, o que justifica ações que venham colaborar para inversão dessa realidade, pois a valorização e consumo dessa iguaria preservará não

só um sabor, mas também parte dessa cultura e seus saberes. Colaborará também para a preservação do meio ambiente, uma vez que na região sul do Brasil, e até em outras regiões do mundo, o sumo da mandioca não é consumido por questões culturais sendo todo lançado na natureza causando sérios problemas ambientais devido sua forte concentração de ácido cianídrico. Com a produção do Arubé este problema seria largamente reduzido e ao mesmo tempo revertido em alimento, emprego e cultura. Percebe-se então que a valorização e difusão deste produto incidirão sobre questões sociais, econômicas, ambientais e culturais. Atualmente temos catalogados produtos de uso gastronômico que são desconhecidos até mesmo pelos chefs da região, muitos desses vegetais, frutas, óleos e azeites foram identificados em pesquisas junto a comunidades indígenas da Amazônia, como: manteiga de pracaxi, azeite de patauá, farinha de buriti, mostarda de arubé, fois gras de tamuatá, espumante de caju-açú, mamorana, o famoso cacau amazônico, entre muitos outros produtos de sabores requintados e exóticos que serão apresentado no Festival Gastronômico


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ENSAIO FOTOGRテ:ICO

Paulo Vergolino

Farinha com amor e sabor Fotografias de Paula Giordano.

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Paula Giordano investiga para além do mero registro, o detalhe - notamos em seu sensível trabalho, alguns pontos que não podem ser desconsiderados, entre outros a busca quase que obsessiva pelo detalhe, onde nada escapa à essa atenta lente.

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ENSAIO FOTOGRÁFICO

A

lgo nos chama a atenção quando vemos aqui para a região Sudeste do Brasil, um grupo cada vez maior de profissionais da culinária, a nos confessar que não podem prescindir deste ou daquele produto importado do Norte do País. Seria porque hoje a região está finalmente saindo do tão esperado e longo sono do esquecimento? Certamente não. Somos um País de dimensões continentais e ao longo dos anos foram se criando verdadeiros micro-países dentro de um mesmo país. Assim é o Pará, o Amazonas, o Ceará, o Rio Grande do Sul e toda essa pluralidade de estados que forma o que chamamos a nossa grande Casa. Precisamos apenas olhar para dentro e não cultivar e consumir a história dos outros. Assim aconteceu com o grande visionário Mário de Andrade (1893-

“Atualmente os chefs, designers, artistas, historiadores estão, junto com a modernidade, percebendo que voltar ao passado e reaprender com o que foi feito, redescobrindo-o mais e mais vezes, faz muito bem. Basta misturá-lo com o presente, salpicando um cadinho de pimenta, que o futuro passa a ser bem melhor, ou menos insosso. ” 1945) que, em suas viagens pelas regiões na época fora do eixo Rio/São Paulo, já pregava a valorização do que verdadeiramente era nosso – a Cultura. Atualmente os chefs, designers, artistas, historiadores estão, junto com a modernidade, percebendo que voltar ao passado e reaprender com o que foi feito, redescobrindo-o mais e mais vezes, faz muito bem. Basta misturá-lo com o presente, salpicando um cadinho de pimenta, que o futuro passa a ser bem melhor, ou menos insosso. Em se tratando de Norte, região importantíssima para a coroa portuguesa desde a criação e fundação das 14 primeiras capitanias hereditárias, durante o período colonial 84 www.revistapzz.com.br

nos séculos XVI ao XVIII, junto com a horda de novos habitantes que por aqui chegavam - portugueses, franceses, holandeses, espanhóis e africanos (vindos como escravos do atual Senegal, de Gambia, da Nigéria, de Angola, Tanzânia e Moçambique) encontravam-se os indígenas – comedores de mandioca, de tartaruga, de peixe, de frutas, de gente e de toda sorte de alimentos que esta vasta, rica e recém descoberta terra pudesse produzir. Ora, não é novidade para nenhum de nós que a miscigenação tão ventilada e cantada em verso e prosa, quando se trata de ser brasileiro, só pôde existir, porque havia comida em abundância para suprir a instauração de uma nova Portugal. E assim se fez e assim se faz até hoje. O alimento é algo que ultrapassa fronteiras e se torna indispensável pelo simples fato de sermos humanos. Entre muitos alimentos que hoje fazem parte do nosso cotidiano estão alguns que são imprescindíveis para o bom humor à mesa de qualquer cidadão nascido por aqui. O milho, o café, a banana, o coco, a cana de açúcar, o feijão e a mandioca, apenas para chamar a atenção para alguns. Segundo pesquisas recentes e consultas à publicações e aos mais variados sites especializados, só o último dessa lista é verdadeiramente brasileiro. Relatos sobre a mandioca são identificados desde 1615, como na publicação francesa do acervo da Biblioteca Nacional de Paris “Suite l’Histoire des choses plus memorables advenuës em Maragnan ès années 1613 & 1614” em que integrantes de uma expedição daquela nacionalidade relatam ter sentindo-se mal ao ingerir farinha sem o costume de fazê-lo, ou mesmo em Turim, no ano de 1911, quando tipitis são usados para decorar um dos interiores do Pavilhão Brasileiro na Exposição Internacional, realizada naquela cidade e com grande participação dos produtos da indústria florestal do Pará, sobretudo do município de Bragança, que para lá enviou seus produtos. Em 1963 encontramos o autor do livro “Santa Maria de Belém do Grão Pará”, Leandro Tocantins, a reproduzir receitas de pato no tucupi, açaí e maniçoba, todos saboreados, se-

gundo ele, com farinha de mandioca ou farinha d’água. O que percebemos depois desses interessantes relatos, é que a mandioca – assim como a farinha feita dessa raiz tuberosa, vem acompanhando o desenvolvimento das gentes do Norte há centenas de anos - só no Brasil já foram identificadas cerca de 4.000 variedades, segundo dados da EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) - a própria farinheira, tão comum nas mesas nortistas e nordestinas é uma peça de design brasileiro, criada para suprir o mercado nacional. Esse amor pelo produto em questão remonta a costume tão arraigado na alma do povo brasileiro e, sobretudo do paraense - comer e servir bem. A farinha, que complementa magistralmente o queijo e a goiabada, é usada também para engrossar sopa,


PAULA GIORDANO

sa que beira o extraordinário. Assim foi a descoberta da fotógrafa Paula Giordano, que nos presenteia com essa exposição sobre a farinha de Bragança - como paraense, a artista foi buscar um dos muitos aspectos do que é pertencer a essa terra e, esse pertencimento a levou a registrar momentos de quem trabalha a produção da farinha. O seu conjunto fotográfico está aqui reunido e condensado por conta das limitações do próprio espaço, a uma pequena constelação não superior a 20 trabalhos, selecionados de um conjunto de mais de 600 fotos.

Giordano investiga para além do mero registro, o detalhe - notamos em seu sensível trabalho, alguns pontos que não podem ser desconsiderados, entre outros a busca quase que obsessiva pelo detalhe, onde nada escapa à essa atenta lente.

enfeitar doces de bacuri, cupuaçu e está, paulatinamente, sendo descoberta pelo turista estrangeiro, ávido de novidades. Em que pese uma crescente demanda pelo produto, a produção caseira resiste até hoje. Regiões como o município de Bragança, criado por decreto em 1854, são produtoras dos melhores tipos. Percebemos que a produção não se industrializou ali porque, do contrário, é prezada por ser feita dessa forma – caseira – e ensinada através das gerações de produtores, o que de alguma forma contribui com certa poesia e tipicidade, tão raros nos tempos atuais. Esse olhar, voltado para o que é genuíno, por incrível que possa parecer, é recente. O cotidiano passa através do olhar de quem tem capacidade de enxergar algo corriqueiro e/ou até comum, para se tornar coi-

RAIZ TUBEROSA O que percebemos depois desses interessantes relatos, é que a mandioca – assim como a farinha feita dessa raiz tuberosa, vem acompanhando o desenvolvimento das gentes do Norte há centenas de anos

Giordano investiga para além do mero registro, o detalhe - notamos em seu sensível trabalho, alguns pontos que não podem ser desconsiderados, entre outros a busca quase que obsessiva pelo detalhe, onde nada escapa à essa atenta lente. Portanto, saltam aos nossos olhos as formas da palha que trançada forma o tipiti, o negrume dos tachos de ferro que esquentam e torram a farinha, a mão amorosa do produtor que mistura a pasta da mandioca e em um gestual constante e quase sagrado produz seu sustento, enfim, aspectos que são trazidos para a capital do Pará, só possíveis por quem decidiu não desligar seu passado. Até porque certos aspectos, não podem ser esquecidas ou apagados de nossa memória cultural. Nada mais justo do que homenagear essa gente que trabalha e derrama o fruto do seu trabalho em nossas refeições. Paula optou por isso - voltou www.revistapzz.com.br 85


ENSAIO FOTOGRÁFICO

as suas origens, encontrou o nascedouro do elemento fotografado e o trouxe graciosamente para nós através do seu labor. Outro aspecto que nos pareceu relevante na obra da artista, foi a importância dada ao colorido, presente em cada uma das peças aqui expostas. Paula Giordano gosta da cor e sabe registrar o contraste entre o foco e o não foco. Sentimos quase que uma explosão de colorido que se justifica quando em conjunto com a sombra. O processo de trabalho não é esquecido pelo seu olhar - que parecem não interferir na feitura da farinha mais do que o necessário. A fotógrafa não se coloca como um elemento alheio ao momento e sim, por amor ao que faz,

A fotógrafa não se coloca como um elemento alheio ao momento e sim, por amor ao que faz, segue retendo esses momentos mágicos onde a história é viva e a cultura acontece sem aborrecer o que e quem é fotografado. segue retendo esses momentos mágicos onde a história é viva e a cultura acontece sem aborrecer o que e quem é fotografado. Acreditamos que as práticas artísticas, de um modo geral fazem bem, assim com o conhecimento que nunca se esgota. Aqui juntamos alguns elementos históricos e artísticos para que em conjunto e em constante diálogo, possam contribuir um pouco com este trabalho de fotografia que nasce com a certeza de sucesso. Longa vida à farinha do Pará e a quem, ao molde de Paula Giordano, dela não se esquece, enchendo a boca de água só em recordar de tal preciosidade.

Paulo Leonel Gomes Vergolino – Curador independente e Membro da Associação Paulista dos Críticos de Arte - APCA . Inverno de 2015.

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PAULA GIORDANO

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ENSAIO FOTOGRテ:ICO

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FOTOS: PAULA GIORDANO

FOTOS: PAULA GIORDANO

PAULA GIORDANO Tem como enfoque do seu trabalho, o homem e suas diversas formas de expressão. Fotografia precisa ter emoção. Sempre manteve relação com diversas formas de arte como pintura, dança e teatro; contudo, é no estudo da fotografia e no desenvolvimento de suas habilidades nesse universo, há cerca de três anos, que vem encontrando espaço para seu desenvolvimento artístico, pessoal, e a expressão de sua sensibilidade. Sofre certa influência da temática social e cultural das obras de Portinari e Di Cavalcanti, do retratar a emoção. E ainda o cotidiano, a espontaneidade presentes na fotografia de Henri Cartier Bresson. Procura não se prender a regras ou estéticas simplesmente, busca desafios a cada novo trabalho, o que lhe faz produzir trabalhos diversificados. Investe seu olhar qualificado na procura incansável pelo que há de sentimento na imagem. Em novembro de 2013 teve sua primeira participação em concursos de artes, sendo selecionada para a XXII Mostra de Artes Primeiros Passos CCBEU, com a fotografia entitulada “Sem Farinha não há trabalho”. Em dezembro de 2013, foi contemplada com o terceiro lugar no concurso de edital de pautas para 2014, da Galeria Theodoro Braga do CENTUR. Em novembro de 2014, apresentou sua primeira exposição individual, entitulada "Casa de Farinha", nessa galeria. Em dezembro 2014, participou com 2 obras, da exposição coletiva "Instâncias da Luz", na Galeria Fidanza do Museu de Arte Sacra de Belém. Possui obras no acervo de ambas as galerias. Em abril de 2015, foi selecionada pela galeria Urban Art Belém e seus curadores, para participar da Exposição Coletiva "Eu Vivo Belém", com a obra "Torre de Rapunzel". Em Junho de 2015, foi convidada pelos curadores Adan Costa e Rodrigo Barata a participar da exposição "DeVagar - Coletiva sobre o silêncio e seus resgates", apresentando o tríptico da série "Ouvindo a solidão". Atualmente, cursa pós graduação em "Arte Fotográfica" na Faculdade Estácio-IESAM e desenvolve projetos fotográficos voltados para a religiosidade, a relação do homem com o divino. paulagiordano@yahoo.com

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FOTOPOÉTICA

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PAISAGENS FLUÍDAS

A VERSÃO AJURUTEUA DO PROJETO PAISAGENS REALIZADO PELO FOTÓGRAFO RENATO CHALU REGISTRA EM SUAS LENTES UMA CIDADE EM MOVIMENTOS FLUÍDOS PELA POÉTICA DA NATUREZA, ENTRE A FOTOGRAFIA E A PINTURA, ENTRE O RIO E A LUZ, ENTRE O TEMPO E A ETERNIDADE

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FOTOPOÉTICA

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FOTOPOÉTICA

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RENATO CHALU BĂŠlem, (PA) (91) 98244-8222 chalu_renato@yahoo.com.br

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TEATRO MÚSICA

Carlos Pará

AVIZ DE CASTRO Autodidata em teatro há mais de 30 anos, o teatrólogo, poeta e pesquisador da história de Bragança, Aviz de Castro é um realizador irrequieto e inconformado.

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anoel Aviz de Castro, filho de Raimunda de Aviz Castro e Manoel Castro Corrêa desde cedo vivenciou o mundo como vontade de representação. Sua mãe fazia “Cordão de Galo”, cantava e rezava nas capelas das Igrejinhas do interior em Araí, atual município de Augusto Corrêa. Seu pai era desenhista e artesão, tocava violão e declamava poemas para sua mãe, faleceu quando Manoel Aviz tinha apenas um ano. Segundo sua mãe, seu avô fazia poesias de cordel, traz na veia o sangue poético. Aviz cresceu e se inspirou para a poesia e a declamação nessa origem. Autodidata em teatro há mais de 30 anos, o teatrólogo, poeta e pesquisador da história de Bragança, Aviz de Castro, como é conhecido, é um realizador irrequieto e inconformado. Montou seu primeiro grupo “Palco e Plateia” entre as décadas de 80 e 90 que encenava o “Auto da Paixão de Cristo”, peças infantis “A Bruxinha que era boa” “ O Boi e o Burro no Caminho de Belém” e outras peças. Além de shows que o mesmo produzia com pessoas do grupo que declamavam e cantavam bem. Ele escolhia algumas músicas da MPB e poemas de autores bragantinos e nacionais, fazia uma miscelânea, um caldo cultural e entornava na praça pública. Esse grupo durou uns 10 anos, depois que se desfez por conta de integrantes saírem para as universidades, começou e formou o “Grupo Espaço e Arte”, que há quinze anos também encena a Paixão de Cristo

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na Semana Santa e percorre várias cidades do nordeste paraense...Capitão Poço, Ourém, Traquateua, Augusto Corrêa. Chegou a participar de um Festival de Capanema com a peça “Pluft – O Fantasminha” tendo alcançado o segundo lugar simplesmente por questões políticas, uma vez que estava com a certeza de que ganharia o primeiro lugar. A jovem Daniele Mello do grupo, ganhou a medalha de honra ao mérito como a melhor atriz de todo o Festival. Com o “Grupo Espaço e Arte” fizeram espetáculos em praças públicas, escolas

Autodidata em teatro há mais de 30 anos, o teatrólogo, poeta e pesquisador da história de Bragança, Aviz de Castro é um realizador irrequieto e inconformado. públicas, na Escola Mâncio, na quadra grande, no Museu da Marujada, na Orla e muitos outros, inclusive no palco da Casa da Cultura Senador Lobão da Silveira que se encontra em ruínas. Agora ensaiam “Pluft – O Fantasminha” indo para a quarta edição com um novo elenco jovem unindo atores urbanos e interioranos. “Antes de mim, fizeram parte da história de Bragança, o vigário de Bragança, o Padre Miguel Maria Giambelli que comandava e ence-

nava a Via Sacra no pátio da atual residência do Bispo com o elenco formado com senhores e senhoras ligados a paróquia. Podemos citar Antonio Pereira, fazendo papel de Pilatos, Amilcar Vasconcelos fazendo papel de soldado romano, a jovem Olga Macedo fazendo o papel de Maria Madalena e Antônio Rosa fazendo um apóstolo da Ceia. O padre italiano Vitaliano Maria Vári, professor de francês e música no Instituto Santa Teresinha, além de dirigir o Coral Santa Cecília que cantou na inauguração da Rádio Educadora de 1960, produziu o espetáculo “A Branca de Neve e os 7 anões” com alunos do Santa Teresinha tendo se apresentado no Theatro da Paz em Belém. Depois tivemos o jovem Manuel Barros montando e dirigindo várias peças de Teatro entre elas, “A Tragédia da Família Frank” um drama sobre drogas e “Hotel Gurijuba”, peça de humor. Peças que arrancaram muitos aplausos do público, encenadas no antigo circulo operário, atual Instituto AMA. Na década de 80, tivemos o Jorgelino Soeiro com algumas peças de teatro na Casa da Cultura que produziram peças em Bragança”. Já na década de 80 e 90 vem o jovem e talentoso Rafael que fez oficina comigo e com o grande Geraldo Sales, dirigiu varias peças de tetro sobre Semana Santa por vários anos na Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Alguns outros espetáculos, inclusive um texto de Natal em 2014, na Escola Bolivar Bordalo da Silva”.


FOTOs: RENATO CHALU

Tributo a Jorge Ramos

uma canção popular do Sergio Reis para a natal. Na mesma linha falou o Dr. Milton Maapresentação de dança do casal de marujos teus, médico bragantino, muito amigo do Com o “Grupo Espaço e Arte” Aviz de Cas- Rosa e Cauê que dançaram a música “Você Dr. Jorge Ramos. Foi uma noite memorável com um público tro realizou o Tributo ao poeta, jornalista e Vai Gostar” cantada pelo Almir Sater. seleto reunindo quase duzentas pessoas. O escritor Jorge Ramos. “Uma homenagem evento encerrou com um coral de professoa um dos maiores ícones de Bragança que res, gestores e funcionários da Escola Munieu cheguei a conviver e o admirava muito. Com o Grupo Espaço e Arte cipal Jorge Daniel de Sousa Ramos, cantanAlém de ter sido meu professor e incentivarealizamos um Tributo ao poeta, do “Amigos para Sempre”. dor para eu que escrevesse poesia. Com ele, jornalista e escritor Jorge Ramos. colaborei como tipógrafo no Jornal do Caeté. Conversávamos muito sobre a história e a Uma homenagem a um dos maiores Morte e Vida Severina cultura de Bragança. ícones de Bragança que eu cheguei A ideia surgiu quando entrou em contato Realizamos o Tributo, na casa onde ele nascom a poesia, depois de formar-se no maa conviver com ele e o admirava ceu e morou, no prédio do Cartório Oscimar gistério. Foi quando deparou-se com o poFernandes. Os atores declamavam as poemuito. Além de ter sido meu proema “Morte Vida Severina” do João Cabral sias das janelas do casarão. O Gerson Guifessor e incentivador para eu que de Melo Neto escrito entre 1954 e 1955. marães Júnior, a Fernanda Costa, o Aurimar, Tocou em suas entranhas a dramaticidade declamaram poemas. A Diana Ramos declafizesse poesia. do poema. O sofrimento nordestino dos permou o poema “Canção de Amor Puro à Brasonagens foi vivenciado por Aviz quando ele gança” de forma esplendorosa e eu declamei o poema “Monólogo das mãos” deGiuseppe Teve também a projeção de alguns depoi- veio do Maranhão em 1951 e aqui no Pará é Artidoro Ghiaroni como homenagem póstu- mentos, entre eles o da Professora Zuleide comum também o êxodo rural e a dura trama. A Nádia Bragança e o Pedro Paulo Scer- Costa, que falou da sua amizade com Jorge jetória de migrantes, retirantes em busca de ni fizeram o roteiro musical, executaram Ramos e da sua obra voltada para sua terra uma vida melhor e mais favorável na capital. www.revistapzz.com.br 97


TEATRO MÚSICA Em seus poemas é marcante as questões sociais e o drama existencial do povo do interior. Outra fonte de inspiração de Aviz é o Cinema, assistiu em Bragança no Cine Olimpia os clássicos o “Pagador de Promessas” e o “Cangaceiro” que contribuiram para sua formação. Encenar Morte e Vida Severina foi um desafio e um sonho distante. No Pará essa Adaptada como peça teve sua primeira encenação, autorizada pelo autor, no final da década de 1950, pelo vanguardista grupo Norte Teatro Escola do Pará composto por

Aviz pensou num show musical trabalhado com uma seleção de músicas da bossa nova com músicos locais. Um sarau de poesia nas escolas para exercitar o hábito da expres-são do verbo e da formação de ator. Ninguém faz mais poesia. A ideia era alugar um barco e fazer um sarau sobre o Caeté. Benedito Nunes e Maria Sylvia Nunes. No teatro brasileiro tem sido constante apresentações do poema, tendo se tornado um clássico no teatro brasileiro. Mas o que motivou mesmo Aviz encenar a peça foi depois que viu o filme “Morte Vida Severina” com a Elba Ramalho, Drummond, resolveu encarar o desafio. Montou um elenco com atores amadores, estudantes do ensino médio que angariava pelo interior e da cidade, fez uma oficina de teatro descobrindo vários talentos . A ideia é realizar uma apresentação no final do ano, como um Auto de Natal.

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MORTE E VIDA SEVERINA Encenar Morte e Vida Severina foi um desafio e um sonho distante. No Pará essa Adaptada como peça teve sua primeira encenação, autorizada pelo autor, no final da década de 1950, pelo vanguardista grupo Norte Teatro Escola do Pará composto por Benedito Nunes e Maria Sylvia Nunes.

“PALHOCA” Aviz de Castro E de um caboclo a pobre morada Palhas trazidas do fundo da mata Esteios fincados na terra batida Vidas sofridas de quern nao tern nada Sao vidas sem vida tao cedo morrendo Triste marca de um destino sombrio. Conforto? Aqui nao se faia; aqui nao existe Felicidade, daqui, tambem se evadiu Existem criancas com falta de pao Um pai definhando em rede tao suja A mae desnutrida ao seu lado chorando Progresso avancando, mas aqui nada muda Nada fale, meu amigo. Assim sao destinos Que a nem todos concede o mesmo trilhar Destinos sombrios deixando essas vidas Vivendo e morrendo, sem nada akancar Nem murmures, se quer. Eu vi teu olhar Se ha” sofrimento assim tio deprimente E sentir de perto pobreza tamanha Chorando com a dor que viu frente a frente Braganca-Pa, setembro 1985

Av. Pastor Afonso Meninho Rey, 540 (Antiga João Alfredo) Centro - Bragança - Pará +55 (91) 3425-2464

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ENSAIO MÚSICA

Mariana Bordallo

SARUBBI

MEMÓRIAS AFETIVAS E ORIGENS CULTURAIS

V

aldir Evandro Sarubbi de Medeiros A vida da família Fernandes de Medeiros e (1939-2000), pintor, desenhista, a vida da cidade estava enredada, isso não gravador e Arte Educador, assim só era motivo de orgulho, mas, principalcomo sua prima Maria Lúcia Me- mente, motivo para muitas histórias que a deiros, escritora paraense, nasceu na mes- tia Sabasinha gostava de contar. Ela foi uma ma pequena cidade do interior do Pará com personalidade marcante na vida do artista, um trem de ferro e um rio na frente e, como com o seu carinho e com suas histórias fez a ela, teve uma infância bem brasileira: quintal, ligação entre o passado, os avós e a família e primos, frutas, tios, igreja, cinema Olympia o presente na vida de Sarubbi. . Ambos conviveram bem de perto com a Enquanto vivia na casa das tia, ele ouviu casa identificada em Bragança como Ca- muitas dessas histórias contadas depois do sarão da Família Medeiros - com azulejos almoço, sentado na calçada de tarde, depois portugueses, desenhos perfeitamente si- do jantar ou mesmo numa conversa do dia métricos nas ripas do telhado e nas tábuas -a-dia. Até porque, as pessoas acreditavam do assoalho, com uma mãe nelas (e até d’água no poço do quintal e hoje, muitas o sentar-se à porta no fim da ainda acredi“Nasci em uma pequena cidade tam). Em Bratarde para longas conversas, do interior da Amazônia, onde gança Valdir vihábito que remontavam aos tempos de seus avós. a realidade convivi com rios, animais, florestas veu Nasci em uma pequena cidade dos igarapés, e costumes indígenas de uma do interior da Amazônia, onde da mãe-d’água convivi com rios, animais, flo- Amazônia intocada, que deixaram que puxa para restas e costumes indígenas de o fundo das em mim conteúdos afetivos que águas e da Mauma Amazônia intocada, que deixaram em mim conteúdos Pereira seriam importantes para minha tinta afetivos que seriam importanque pede tates para minha expressão artís- expressão artística anos depois...”. baco e leva as tica anos depois... (Sarubbi in crianças que BITAR; 2002; p.19). saem à rua nas horas soturnas. Ele ouviu Sarubbi foi criança em uma Bragança da histórias de pessoas que foram assombradécada de 40. As moças que vinham dos in- das por visagens e as que ficaram perdidas teriores para trabalhar nas casas de família, na mata por ação da curupira (em Braganos trabalhadores das roças, das fazendas e ça, apesar de curupira ser um menino com dos sítios, conviviam com as famílias, com os pés para trás, talvez por associação com as crianças e traziam suas crenças e práti- a mãe-do-mato, ou com a Matinta Pereira, cas culturais, além de muitas histórias para Curupira é chamada de “a” curupira). Ouviu contar. Em 1945, Sarubbi deixou o sítio do relatos de pessoas que juravam ter visto ou Lontra e foi morar com as tias Sabasinha e que foram perseguidas pela cobra-grande Didi, irmãs de seu pai, e por toda vida, ele que, em Bragança e arredores é bem prováressaltou a ligação que tinha especialmente vel que tenham existido nos poções dos igacom a tia Sabasinha. rapés. Viveu sob a influência de um rio que A tia Sabasinha gostava de contar as his- regula a vida da cidade, o rio Caeté, além da tórias da família aos sobrinhos e a quem exuberância da paisagem amazônica que mais as visitasse no Casarão com um hor- qualquer viagem de barco para as inúmeras ror de janelas e um quintal e tanto (CELINA, praias da região pode oferecer. Ele partici1963, p. 09). Seu pai Simpliciano Fernandes pou dos festejos de São Benedito nos finais de Medeiros havia sido Major da Guarda de ano e a Marujada era parte integrante de Nacional e era Intendente de Bragança na seu “ser bragantino”, como ainda hoje o é inauguração da Estrada de Ferro em 1908. aos que vivem em Bragança.

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CASA DA FAMÍLIA CASAMEDEIROS DA FAMÍLIA Casa identificada em Bragança MEDEIROS Casarão Família MeCasa como identificada emda Bragança - com comodeiros Casarão da azulejos Família portugueMeperfeitamente deirosses, - comdesenhos azulejos portugueripas do telhado ses, simétricos desenhos nas perfeitamente e nasnas tábuas simétricos ripasdo doassoalho, telhado com mãe nocom poço do e nas uma tábuas do d’água assoalho, quintal e o sentar-se à uma mãe d’água no poço porta do no fim tarde para converquintal e da o sentar-se à longas porta no hábito remontavam fim dasas, tarde paraque longas conver- aos tempos avós do Sarubbi. sas, hábito quedos remontavam aos tempos dos avós do Sarubbi. Em Bragança Sarubbi, irmãos, primos e amigos, fundaram a Associação Cultural Recreativa dos Estudantes de Bragança – ACREB, aproximadamente em 1955, entidade que teve uma participação ativa na vida social e cultural da cidade até meados da década de sessenta. No período das férias escolares, a ACREB promovia teatro, shows com artistas locais, artistas de Belém e nacionais: Guiães de Barros, Alberto Mota e Luiz Gonzaga. Lúcio Mauro chegou a se apresentar em Bragança declamando o famoso monólogo “As Mãos de Eurídice” . Além do time de futebol e mesas de ping pong na sede da ACREB, no mês de julho, havia a exposição-feira de trabalhos manuais. Cada associado fazia um trabalho pra vender na exposição. Era uma forma de arrecadar dinheiro para realizar as festas dos finais de semana, onde toda uma geração se encontrava pra namorar, flertar e de onde saíram muitos casamentos. Nessa fase, Valdir alternava com o irmão José Benedito a presidência da Associação. Em 1958, surgiu a Campanha Nacional de


Defesa do Folclore , convocando todos a se empenharem na valorização das tradições ameaçadas de desaparecimento pela modernização acelerada. A Comissão Paraense

Em Bragança Sarubbi, irmãos, primos e amigos, fundaram a Associação Cultural Recreativa dos Estudantes de Bragança – ACREB, aproximadamente em 1955, entidade que teve uma participação ativa na vida social e cultural da cidade até meados da década de sessenta. de Folclore, cujo secretário-geral era o bragantino, dr. Armando Bordallo da Silva, em consonância com a campanha nacional, organizou a I Jornada Paraense de Folclore

em Bragança, bem no período da Festa de São Benedito e da Marujada: 22 a 27 de dezembro. Equipes de trabalho foram formadas e Sarubbi, com 19 anos à época, integrava a comissão especial responsável pela organização da Exposição de Trabalhos Rurais realizada no bairro da Aldeia (casa de pescador, casa do campeiro, casa da farinha). 1 - Exposição no bairro da Aldeia. Esse evento contou com a participação de nomes de destaque na política e no meio intelectual de Belém (Lopo de Castro, Bruno de Menezes, Washington Costa, Jacques Flores, etc) e Bragança (Zito César, Simpliciano Jr. Rodrigues Pinagé, etc), além dos convidados especiais, o dr. Edison Carneiro , representando o Ministro Renato Almeida, e ainda a folclorista carioca Zaíde Maciel. As palestras versaram sobre vários temas, mas, a tônica era sempre a valorização da cultura local, das tradições e de todas as manifestações culturais do povo.

A Jornada causou impacto pelas novas ideias sobre coisas que para o bragantino, pareciam tão banais: seus hábitos, costumes, suas crenças, suas rezas, suas festas. Isso tudo foi apresentado como algo especial e que valia a pena ser preservado. Foi nesse clima de valorização da cultura local que Sarubbi, o jovem e futuro artista plástico esteve envolvido naquele dezembro de 1958. Os anos que Sarubbi viveu com a família, o tempo das férias escolares, ou da faculdade, foram os anos de gênese de seu imaginário pessoal, ligado à afetividade e à identidade cultural amazônica. Assim, ao se tornar um artista e, como “ser amazônico” revestido de uma percepção estética impregnada pela visão de mundo amazônica, matizou suas obras com as “tintas” de seu imaginário. Em Belém, como aluno do Colégio do Carmo, foi convidado a participar do Norte Teatro Escola, grupo teatral criado por Benedito e Maria Sylvia Nunes e com o grupo atuou em diversas peças. Em 1960, na inauguração da Tv. Marajoara, Sarubbi foi convidado por www.revistapzz.com.br 101


ENSAIO MÚSICA Maria Sylvia Nunes para participar como realizador, adaptando textos literários para o teleteatro apresentados na TV aos domingos de noite. Em 1962, Sarubbi formou-se em Direito pela Universidade Federal do Pará, mas, o coração de artista o levou a repensar a vida ao descobrir um problema cardíaco. Ele decidiu seguir seu coração e passou a se dedicar à Arte. Em 70, participou da seleção para a XI Bienal Internacional de São Paulo tendo sido aprovado para compor um grupo de 30 artistas brasileiros que iriam representar o Brasil na Bienal. Ele apresentou a obra intitulada Xumucuís, uma instalação composta por uma série de bastões de pau-de-chuva feitos de miriti e cobertos por papel de seda, brancos e vermelhos. Ao lado, um aviso para que as pessoas movimentassem os bastões a fim de produzir

Em todas as fases de seu trabalho, Sarubbi colocou suas saudades e suas lembranças nas obras que produziu. Como afirmou no livro de Rosana Bitar: é a nossa memória que faz com que façamos arte sons que pareciam com chuva, cachoeira, etc.. Assim, Valdir assumia uma tendência moderníssima no Brasil naqueles tempos, o da arte interativa. Em São Paulo, o fato de estar longe da família, da cidade natal e de sua cultura deve ter despertado no artista uma necessidade de “retorno às origens”: Bragança – mundo afetivo permeado de família e da identidade cultural amazônica. Por mais adaptado ao novo ambiente e à nova cultura, a criança e o jovem que ele um dia foi, ainda estavam afetivamente presos à sua cultura primeira. Assim, a obra produzida por Sarubbi, nesse primeiro momento em São Paulo, é cheia de símbolos que identificam as memórias afetivas de seus primeiros anos. Os desenhos detalhados, transformados em azulejos e Mandalas da fase Meditação Labiríntica que lembram os detalhes da casa azulejada de seus avós em Bragança. Em todas as fases de seu trabalho, Sarubbi colocou suas saudades e suas lembranças nas obras que produziu. Como afirmou no livro de Rosana Bitar: é a nossa memória que faz com que façamos arte (2002, p. 76). Sua obra é sua vida, seus afetos, suas lembranças. Sarubbi traduziu essas reminiscências em arte com uma linguagem universal, plenamente compreensível em Belém, em São Paulo, na Alemanha ou no Japão. Preso a essas memórias afetivas dos pri102 www.revistapzz.com.br


REFERÊNCIAS BITAR, R. Sarubbi. Belém, 2002;

CELINA, Lindanor. Menina que vem de Itaiara. RJ: Conquista, 1963; PAES LOUREIRO, João de Jesus. Obras Reunidas: vol. Cultura Amazônica – uma poética do imaginário, SP: Escrituras, 2001;

OUTRAS FONTES

MEDITAÇÃO LABIRÍNTICA Os desenhos detalhados, transformados em azulejos e Mandalas da fase Meditação Labiríntica que lembram os detalhes da casa azulejada de seus avós em Bragança. Abaixo, obra permanente exposta no Metrô de São Paulo.

meiros anos de vida e à bagagem cultural amazônica, Sarubbi transcendeu o regional e se tornou um artista universal, transformou sua arte em obras de infinita elegância e beleza, frutos de um conhecimento estético sem acasos, sedimentado na pesquisa, no talento, na disciplina e na paixão pela vida da ‘umidade’ amazônica (BITAR; 2002; p. 15).

CENTRO NACIONAL DE FOLCLORE/ Museu/ Quem Foi Edison Carneiro <http://www.cnfcp.gov.br/interna. php?ID_Materia=162 > acesso em 17.10.2013; CENTRO NACIONAL DE FOLCLORE/ O Centro/ Histórico < http://www.cnfcp. gov.br/interna.php?ID_Secao=1 > acesso em 17.10,2013; Relatório da I Jornada Paraense de Folclore – realizada em Bragança/Pará, de 22 a 27.12.1958, não assinado, mimeografado em papel timbrado com o símbolo da Jornada (Maruja), 02 cópia – Acervo Bordallo da Silva; Impresso da I Jornada Paraense de Folclore (equipes e programação) – Acervo Bordallo da Silva; MEDEIROS, Maria Lúcia. A Escritura Veloz. 1994 em < http://www.ocaixote. com.br/caixote18/ 18cx_contos_ mlmedeiros.html > acesso em 17.12.2008; METRO DE SÃO PAULO < http://www. metro.sp.gov.br/cultura/arte-metro/ livrodigital/arquivos/assets/basic-html/ page185.htmlC > acesso em 08.09.15.

Mariana Bordallo, Mestranda do curso de pós-graduação na área de Letras da Universidade Federal do Pará/Campus de Bragança: Linguagens e Saberes da Amazônia.

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MÚSICA

Clemente Shwartz

OS SOARES

Há mais de 30 anos que os Soares engrandecem a cultura bragantina através da música. Os primeiros a despontar foram os primos Toni e Junior, fundadores do Arraial do Pavulagem. Depois foi a vez de Luê Soares, cantora de primeira linha da MPB contemporânea.

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á mais de 30 anos que os Soares engrandecem a cultura bragantina através da música. Os primeiros a despontar foram os primos Toni e Junior, fundadores do Arraial do Pavulagem. Depois foi a vez de Luê Soares, cantora de primeira linha da MPB contemporânea. Desde que apareceram tocando e cantando em público pela primeira vez, no Festival da Música e Poesia de Bragança, em dezembro de 1979, nos Nove Balões, Toni e Junior Soares logo se estabeleceram como figuras notórias da juventude bragantina daquele momento em que os primos encabeçavam as muitas serestas, fossem na pracinha da orla do rio Caeté ou em Ajuruteua. Em 1984, os dois apresentaram em Bragança o show “Sina de Lamparina”, na antiga Maloca Dancin, que era chamada de Maloquinha, a atual Pódium Club. A partir de então, Toni e Junior começaram a trabalhar de forma profissional em Belém, onde seguiram em parceria fazendo composições e arranjos de trilhas sonoras para peças teatrais, sendo a dupla premiada consecutivamente no renomado Festival de Teatro de Campina Grande (PB), em 1985 e 1986, pelo trabalho apresentado junto ao Grupo Teatral Palha. Em 1987, os dois fundaram em parceria com Ronaldo Silva, e o saudoso Rui Baldez, o Arraial do Pavulagem, grupo que sempre teve Bragança como fonte de inspiração e se apresenta pelo menos uma vez ao ano na cidade desde 2007. Paralelamente às atividades coletivas, os integrantes do Arraial do Pavulagem sempre lançaram álbuns solos, tendo Junior e Toni seus trabalhos particulares inteiramente voltados para a

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temática bragantina. Toni tem três álbuns focados especificamente sobre a marujada e Junior chegou a percorrer as principais capitais brasileiras juntamente com uma Comitiva de São Benedito, apresentando o maior ícone da cultura caeteuara. Toni saiu do Arraial do Pavulagem após o quarto álbum, entretanto deixou grandes hits compostos com Ronaldo Silva, como “Batalhão das Estrelas”, “Estrela da Manhã”, “Lá vem, meu boi, lá vem” e “Iniciais BP”.

TONY

LUÊ - Embora tenha nascido em Belém, onde cresceu e estudou música desde criança, foi em Bragança que Luê exibiu pela primeira vez o seu talento para a música dade com a rabeca, instrumento símbolo popular, ainda pré-adolescente, com sua da marujada de Bragança. Entretanto, Luê rabeca, acompanhando o pai, durante as cresceu e logo se mostrou uma dos nomes mais cultuados da cena contemporânea da paraense. Com o apoio do projeto Há mais de 30 anos que os Soares música Natura Musical, em 2012, a cantora e instruengrandecem a cultura bragantina mentista gravou seu primeiro CD intitulado “A Fim de Onda”, homônimo da canção através da música. Os primeiros autoria dela em parceria com o letrista a despontar foram os primos Toni de Arnaldo Antunes e a partir de então, Luê e Junior, fundadores do Arraial do passou a se apresentar em diversas capitais Pavulagem. Depois foi a vez de Luê brasileiras, especialmente em São Paulo, passou a residir a maior parte do temSoares, cantora de primeira linha onde po, devido aos compromissos profissionais.

da MPB contemporânea.

costumeiras apresentações que ele faz em parceria com Edu Nonato, no Rex Bar, a cada dia 26 de dezembro, durante a Festividade de São Benedito. Foi nesta circunstância familiar que os bragantinos conheceram em primeira mão a violinista de formação erudita que desde muito cedo criou afini-


FOTO: dah passos

FOTO: renato chalu

FOTO: renato chalu

CAPAS DE CD’S:

LUÊ

JUNIOR TONY E JUNIOR SOARES Desde que apareceram tocando e cantando em público pela primeira vez, no Festival da Música e Poesia de Bragança, em dezembro de 1979, nos Nove Balões, Toni e Junior Soares logo se estabeleceram como figuras notórias da juventude bragantina daquele momento em que os primos encabeçavam as muitas serestas, fossem na pracinha da orla do rio Caeté ou em Ajuruteua.

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MÚSICA

PAULO UCHÔA

“Há uma esquina de rio, na ilharga do mar. Há uma cidade em mim a transbordar. O sumo de sua história. A seiva de sua gente. O murmúrio de estar contente. A delícia de habitar. Há nesta esquina de rio minha vida a deslizar.” (Paulo Uchoa)

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e Belém para Bragança, de Bragança ‘pra’ Belém: Na Ponte do Sapucaia já passou um trem!”... Na letra de uma de suas músicas, gravada no CD Tambores do Caeté (Postais Sonoros de Bragança), Paulo Uchoa revela traços das origens de seus antepassados que vieram desatar as linhas de seus destinos nas ilhargas do Caeté quando a extinta estrada de ferro Belém -Bragança trouxe uma leva de migrantes nordestinos. Seus avós e tios-avós estavam ali, na atmosfera de influência da estrada de ferro; assim como os espanhóis e portugueses, atraídos pelos caminhos sinuosos onde a Maria Fumaça fumegava a promessa de dias melhores. Paulo Uchoa nasceu em Belém, mas suas andanças de moradia por esse Brasil continental (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, São Luis) por onde morou, e aqui mesmo no Pará (Santarém, Parauapebas, Ilha do Mosqueiro e finalmente Bragança) acabaram por influenciar sua visão cosmopolita de mundo e da música onde fez a guarida de sua alma de compositor. Ganhador de vários festivais aqui no Pará, transita seu

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repertório por várias vertentes da MPB: do Pop ao regional com uma sonoridade própria e inconfundível. Lançou definitivamente raízes em Bragança, justamente por tratar-se de uma

Lançou definitivamente raízes em Bragança, justamente por tratarse de uma cidade que transpira ancestralidade e tradição cultural. Por tratar-se de uma esquina de rio nas vizinhanças do mar. Uma fonte inesgotável de inspiração para sua musicalidade. cidade que transpira ancestralidade e tradição cultural. Por tratar-se de uma esquina de rio nas vizinhanças do mar. Uma fonte inesgotável de inspiração para sua musicalidade. Sua recente obra musical, o CD Tambores do Caeté, traduz sua imensa paixão por Bragança, fato que o faz emergir na cena cultural da Pérola do Caeté, como um Menestrel da Música Braganti-

na. Paulo Uchoa tem seu tempo partido ao meio pela profissão que exerce, Planejador de Políticas Públicas como Assistente Social, e também como compositor e cantor de músicas e letras autorais que retratam com singularidade o território por onde transita. Cita sempre Leon Tolstoi, ao lembrar que “se alguém quer ser universal que cante sua aldeia”. Tambores do Caeté traduz Bragança, seus lugares, suas gentes, seus acontecimentos históricos e refaz o trajeto do pescador que sai de Bragança com seus apetrechos culturais como o retumbão e o xote, e quando segue na direção da costa do Amapá entra em contato com a sonoridade caribenha; de igual modo quando vira a proa do barco em direção ao Maranhão, acaba sorvendo os tambores do Bumba Meu Boi, o Tambor de Mina e o balanço do reggae. Paulo Uchoa com sua alma bragantina soube capturar essa mistura e recriou o xote e inventou a Praiaeira, uma sonoridade nova que moderniza a ancestralidade sem deixar de cantar a sua aldeia.


UM TREM PARA BRAGANÇA

AVOADO

De Belém para Bragança De Bragança prá Belém Na ponte do Sapucaia já passou um trem O trem que serpenteia De Mirasselvas para Tracuateua Como dizia minha velha vó: “Quem sabe um dia ainda chega”! Em Cacoal lá do Peritoró?” Espia meu parente! É a boiuna de ferro r ompendo o mato Espia meu parente! E a ma_nta-pereira no assovio Espia meu parente! É caipora vem soltando a fumaça pela venta É a saudade que desliza em marcha-lenta Ainda vejo o trem passando sobre o rio

Seu Bonifácio convidou Prá fazer um avoado na Vila do Pescador O molho de pimenta tá _nindo prá danar Tem farinha lavada feita lá no Camutá Tem gó e tem tainha, tem sardinha de alto mar e um xote prá dançar com o meu amor Seu Bonifácio convidou Prá fazer um avoado na Vila do Pescador Tomar cajú açú até o chão dizer vem cá Um caldo de turú que faz defunto levantar Jogar pisica fora com um bom banho de mar Mas eu só vou prá la se você for!

Av Nazeazeno Ferreira Posto Bom Jesus 2 Loja 8 - Bragança - Pa - Brasil www.revistapzz.com.br Fan Page: facebook/hamburgueriagrillburger - Fone: (91) 3425 5093 / 981017174

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ARTES VISUAIS GESIEL Graduado em Pedagogia pela UFPA em 2013 e Pós-Graduado do Curso de Especialização em Educação de Jovens e Adultos para a Juventude na Amazônia UFPA - Campus de Bragança em 2014. Foi Eleito Presidente da Associação dos artistas plásticos de Bragança ”Maré de Cores” em 2012. Organizou e participou da I Mostra de Artes Caeteuara-Salão Beneditino-Bragança e muitas outras entre elas: - Exposição coletiva “São Benedito das Cores” na Praça do Coreto Praça Antônio Pereira – Bragança-Pa. 2013-Exposição Bragança 400 anos-Barracão da Marujada-Bragança -Exposição Bragança 400 anos-Parque Shopping Belém-Belém do Pará -Exposição coletiva “São Benedito das Cores” na Praça do Coreto Praça Antônio Pereira – Bragança-Pa. 2014- Exposição coletiva “São Benedito das Cores” na Praça do Coreto Praça Antônio Pereira – Bragança-Pa.

GESIEL Bragança, (PA) (91) 9 89448949 -Watsap:984315390 gesielmelo3g@gmail.com

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GERO Valfredo dos Santos Melo ( Gero ) é um artista natural de Ajuruteua, Bragança, estado do Pará, nascido em 110769 faz parte da Associação MARÉ DE CORES (Assoc. dos Artistas Plásticos de Bragança) na qual foi o seu primeiro presidente, é autodidata, hoje na associação ocupa o cargo de vice-presidente na direção deste movimento de artes. Tendo como nível escolar o ensino médio completo, começou sua trajetória artística participando da primeira feira da Cultura Bragantina na década de 80, e daí em diante já participou de valiosas exposições de artes em Bragança, como no Banco do Brasil, I e II noite do Artista Bragantino, em eventos realizados pela secretaria municipal de Cultura e de Turismo, Exposição de Artes Sacras no Palácio Episcopal e Museu de Artes Sacras de Bragança, Exposições no museu da marujada, trabalhos expostos na Festividade de São Benedito, Universidade Federal do Pará e Exposição no Park shopping (Belém) em escolas estaduais e municipais. E hoje é membro da ACADEMIA DE LETRAS DO BRASIL (seccional Bragança-Pa) cadeira nº 15 e conselheiro tutelar desta cidade.

GERO Bragança, (PA) (91) 981361773 leonmelo97@hotmail.com

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ARTES VISUAIS

MOACIR CARDOSO Moacir Cardoso artista visual, músico, compositor, pooeta natural de Salvador BA.Participou de oficinas de artes e decorações carnavalescas tendo como mestre Juarez Paraíso nos anos de 1977/78 em Salvador. Enraizou-se na terra e no espírito de Bragança onde desenvolve aulas e sua arte. Desenvolveu seu estilo influenciado pelas obras de Caribé,Edmundo Simas,PortinaryTarcila de Amaral,entre outros Artistas Cubistas. É um artista que preza muito pela espiritualidade e pela sua relação com a natureza e o universo.

MOACIR CARDOSO Bragança, (PA) (91) 988649076 - 998199775

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MIGUEL LIRA Artista Visual, Presidente da Associação dos Artistas Plásticos de Bragança Miguel Lira é pintor autodidata que pesquisa e produz há mais de 30 anos, experimentou os mais diversos estilos, do abstrato ao surrealismo, do primitivismo ao contemporâneo, utilizando várias técnicas entre elas, o giz de cera, acrílico, óleo, mistas, argila, objetos e materiais reciclados. A necessidade de fazer arte fez com que o artista abandonasse lugares anteriores e emprego. E voltar a Bragança, lugar ideal para buscar a inspiração com o olhar sensível a percorrer a cidade e o interior se envolvendo com os costumes e a cultura popular. E com a exuberante Natureza transferindo todo esse universo para seus trabalhos.

MIGUEL LIRA Bragança, (PA) (91) 98341-1422

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ARTES VISUAIS

B LUZ Bragança é o berço do artista plástico Benedito Luz, B. LUZ expõe suas obras desde 1986, retratando a Amazônia, especialmente Bragança. Autodidata, compõe suas obras de forma livre e sem academicismos. Participou de todas as Feiras de Cultura de Bragança Participou do I, II, III Salão de Artes Plásticas do Banco do Brasil em Bragança-Pa, Participou do I, II, III e IV Salão de Artes Plásticas da Caixa Economica Federal de Bragança-Pa. Realizou o I, II,III e IV Salão de Artes Sacras em Bragança. Participou da I Coletiva de Artes Plásticas “Beira do rio” em Bragança-Pa. Possui obras em muitos locais da cidade inclusive no Fórum Cível de Bragança.

B LUZ Bragança, (PA) (91) 99908-6376

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MARCOS CASTRO MARCOS CORRÊA CASTRO natural de Santa Luzia -PA. Trabalha como Editor de Vídeo e Designer em uma emissora de TV em Bragança. Reside em bragança desde sua infância. Pintar é seu melhor passatempo e usa suas técnicas de edição de video para aprimorar suas obras, trazendo um efeito realístico em suas pinturas pintadas a óleo.

MARCOS CASTRO Bragança, (PA)

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CARNAVAL MÚSICA

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Clemente Shwartz

FOLIA MULTI CULTURAL Fotografias: Renato Chalu

“Após hiato que durou quase duas décadas, a partir de 2007, o carnaval de Bragança se estabeleceu com uma dos momentos mais importantes do calendário do município, aderindo ao formato multicultural, que dispõe de opções para agradar foliões de qualquer estilo.”

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CARNAVAL MÚSICA

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esfile de blocos de abadá e também de escolas de samba, cortejos compostos por brincantes fantasiados, rodas de samba, marchinhas e frevos, axé e até brega, tudo isso pode ser aproveitado no carnaval de Bragança, dependendo do gosto do folião. Com dois polos bem distintos, o Largo de São Benedito e a Estação Cultural Armando Bordallo, a quadra momesca tem ainda a Avenida Nazeazeno Ferreira, localizada entre os dois pontos, onde se desenrola o evento que a cada fevereiro movimenta a cidade de sexta-feira até a Terça-feira Gorda. ORLA – O Largo de São Benedito, que fica na orla do rio Caeté, é o espaço destinado à programação mais tradicional, preferida pelos que desfrutam do carnaval usando fantasias ao som de sambas e marchinhas, apresentados nas vozes de nomes como Arthur Espíndola, Eloy Iglesias, Cabloco Muderno, Pinduca, Orquestra Orlando Pereira, Gigi Furtado e tantos outros, que por lá já se apresentaram.

O momento mais aguardado no Carnaval no Largo de São Benedito é a chegada do Urubu Cheiroso, bloco que prima pela fantasia e desfila na Segunda-feira Gorda. BAMBAS - Desde 1974 que o Domingo Gordo é marcado por uma roda de samba no Rex Bar, localizado no centro do Largo de São Benedito, realizada pelos cartolas da extinta escola A Patokada, que embora não mais desfile na avenida, mantém essa tradição de mais de quatro décadas. Durante este evento, o que não pode faltar são os sambas de autoria de compositores bragantinos em exaltação a terra natal. Perece incrível, mas passam-se horas com o grande o público que participa da roda cantando em coro o repertório inteiramente autoral, a base de sambas que embalaram antigos carnavais bragantinos, fato que somente para eles é comum.

um bloco carnavalesco com uma bela origem e uma história de grande projeção. Em 2004, parte dos fundadores, brincantes que participavam dos desfiles anualmente e uma nova geração de universitários decidiram incrementar o Urubu Cheiroso, substituindo a antiga bateria improvisada a cada domingo por nada menos que a banda Cantídio Gouveia, que é carinhosamente chamada de Furiosa, além de investir num quesito que sempre foi a célula núcleo da agremiação: as fantasias. A originalidade dos integrantes do Urubu Cheiroso encantou a cidade estimulando a todos a entrar na brincadeira. A turma do Chaves e da Caverna do Dragão, os personagens da Escolinha do Professor Raimundo e do romance Alice no País das Maravilhas, princesas, piratas, anjinhos e tantas outras fantasias já foram levadas às ruas de Bragança, pelos integrantes do Urubu Cheiroso, que em 2015 foram em média ...... Não é à toa que o dia em que mais há pessoas fantasiadas em Bragança é na Segunda Feira Gorda, pode-se ter certeza que os responsáveis por isso são os integrantes do Urubu, que neste ano adotou o lema “Carnaval com alegria só se faz com alegria”. Além do Urubu Cheiroso, Bragança conta ainda com grupos que vêm fantasiados da vila do Enfarrusca, um entrudo de mascarados, muito original, vindo do interior do município desde 2007. Eles também já são tradição.

FANTASIA - Entretanto, o momento mais aguardado no Carnaval no Largo de São Benedito é a chegada do Urubu Cheiroso, bloco que prima pela fantasia e desfila na Segunda-feira Gorda. O Bloco Urubu Cheiroso foi fundado em 1993, por alunos da Universidade Federal do Pará, onde em frente ficava o Matadouro Municipal, que promovia um péssimo cheiro e com isso atraía urubus em busca de carniça. Num misto de folia e protesto, um grupo de universitários da época lançou o bloco que logo conquistou a adesão * Clemente Shwartz é jornalista e vocalista do de muita gente do bairro da Aldeia, cúmplices Trio Balancê. da mesma queixa em relação à poluição do meio ambiente. A inspiradíssima ação surtiu efeito então o matadouro foi transferido para outro local, deixando como herança o antigo e estiloso prédio onde atualmente funciona a biblioteca e laboratórios da UFPA, além de 116 www.revistapzz.com.br


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