Kino nº 08

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Editorial

Escolha uma carreira, uma família. Escolha uma televisão enorme. Escolha lavadora, carro, CD Player e abridor de latas elétrico.Escolha saúde, colesterol baixo e plano dentário. Escolha viver. Mas por que eu iria querer isso?

Escolhi não viver. Escolhi outra coisa. Os motivos? Não há motivos. Quem precisa de motivos quando há heroína?


Editor: Renato Loose Capa: Pulpo Revisão: Karla Monteiro Número 8, ano 2

Seções Paper Girl XOK

Karla Monteiro

Ana Himes

B9 Jan Kaerfkrahs

Kaska Niemiro Le Thanh Tung Lydia Lys

Matt Ratcliffe Melissa Meyoko Tiago Lacerda


Trailer é o espaço para a divulgação de outros projetos e revistas.



Extra! Extra! Receber um jornal na porta de casa, enrolado feito aquelas mensagens em garrafas que aparecem nos filmes, ficou ainda mais lúdico. Saem as manchetes, entram os trabalhos de artistas das mais variadas nacionalidades. Essa é a proposta de Aisha Ronniger, por meio do seu projeto Paper Girl. Percorrendo as ruas de Berlim numa bicicleta, ela e alguns colaboradores distribuem rolos que possuem entre 10 e 15 trabalhos diferentes, de modo que as combinações sejam únicas. Não há um tema específico e qualquer pessoa pode participar, desde que tenha o que mostrar. Divertido e democrático.

www.papergirl-berlin.de


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Choque visual Imagens fortes, elaboradas. Liberdade criativa. Essa é a XOK, idealizada e produzida por Atena Kasper. Sua primeira publicação foi em setembro de 2008 e, a princípio, seria bimestral. Porém, a propaganda “boca-a-boca” impulsionou a participação dos artistas e hoje a revista é mensal. Destaque para o número sobre Lomografia, tão bem recebido que deve ganhar uma segunda edição até o final do ano. A Xok não possui fins lucrativos e não garante VIP em festas, mas oferece a oportunidade de divulgar o trabalho mundo a fora.

www.atenakasper.com.br/xokmag


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capa Pulpo A Art Nouveau de Audrey Beardsley, os quadrinhos do underground e os artistas como Peter Bagge, Yoshitoshi e Travis Millard. Todas essas referências estão presentes nos trabalhos de Fernando Marcelo Hereñu, o Pulpo. O argentino de 32 anos estudou design gráfico na Universidade de Buenos Aires e já trabalhou com o Cartoon Network, época importante para o desenvolvimento das suas ilustrações. “Esse período foi bacana, porém sentia a necessidade de ter um estilo ainda mais particular. Para isso, é preciso dedicar tempo e esforço. Há quatro anos tenho feito isso e acredito que estou obtendo sucesso”, garante.

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Como parte do processo criativo, Fernando acredita que os ilustradores não podem esquecer a infância. “É uma época de muitas ideias e criatividade”, destaca, e completa: “não parar de desenhar é essencial para evoluir. Também é importante um olhar aguçado para aquelas imagens que nos mostram as várias faces do mundo diariamente. Um bom ilustrador deve conhecer a si mesmo e passar a sua visão por meio dos traços e cores”.


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Karla Monteiro de Moraes



Entre o Céu, a Terra e oInferno

Terra O espectador é absorvido por uma dimensão de cores, texturas e sons em Trainspotting (Danny Boyle), filme lançado em 1996, na Inglaterra. A condução a esse universo se dá através das visões de Mark Renton (Ewan McGregor), um jovem viciado em heroína. Baseado no livro homônimo de Irvine Welsh, a obra cinematográfica contém cenas que misturam as memórias, as frustrações, as expectativas, a rotina e as alucinações de um grupo de jovens de cantos esquecidos da capital Escocesa. Embalados pelo uso da droga, Mark e seus amigos esperam romper com as mazelas típicas do universo suburbano em que vivem, e de uma modernidade pobre em perspectivas, num país secundário no cenário europeu. E pretendem chegar a um céu de possibilidades, ainda que seja apenas enquanto durar o efeito do alucinógeno. Mais que levar uma vida desregrada, eles estão em busca da construção de suas próprias identidades, e negam os rótulos comuns: cidadãos patrióticos, pais de família, assalariados.


Essa resistência social, porém, se dá de forma totalmente passiva, o que reflete o esvaziamento do pensamento e do movimento político que marcou as décadas de 1980 e 1990. A estratégia é “trainspotting”, gíria escocesa criada para definir jovens drogados que passavam suas tardes observando os trens nas estações. Traduzindo, trainspotting é aquele que desperdiça sua vida com futilidades, atividades sem sentido, que levam à perda de tempo. A expressão resume o cotidiano de Mark, Sick Boy, Tommy, Matty, Spud e Begbie – jovens niilistas que cresceram sob o estigma de viverem na então capital européia da Aids (Edimburgo) – e que gastam boa parte de suas existências bebendo, brigando, furtando, assistindo a jogos de futebol pela TV e se drogando. No começo, a estratégia pareceu dar certo. Sempre parece. “Gastamos, hoje em dia, muito mais em cigarros e bebida que em educação. E nada há de surpreendente nesse fato”, escreve, ainda na década de 1950, Aldous Leonard Huxley, romancista, contista e ensaísta inglês. “O impulso para fugir a nós mesmos e ao que nos rodeia está presente em cada um de nós, quase que o tempo todo”, conclui em As Portas da Percepção (p. 36).

ni.i.lis.mo: sm (lat nihil+ismo) 1 Redução a nada; aniquilamento. 2 Seita anarquista russa que preconizava a destruição da ordem social estabelecida, sem se ocupar de substituí-la por outra. 3 Descrença absoluta (fonte: Michaelis). Boa expressão do niilismo desses jovens é observada no célebre trecho: “Escolha viver. Escolha um emprego. Escolha uma carreira, uma família. Escolha uma televisão enorme. Escolha lavadora, carro, CD Player e abridor de latas elétrico. Escolha saúde, colesterol baixo e plano dentário. Escolha viver. Mas por que eu iria querer isso? Escolhi não viver. Escolhi outra coisa. Os motivos? Não há motivos. Quem precisa de motivos quando tem heroína?”.


Quase que invariavelmente, todos sabemos do que, por que e para onde fugimos, quer estejamos na Escócia ou em qualquer outra parte do mundo. Talvez por preguiça, medo ou descrença, a droga tenha se tornado um atalho fácil. “Quando, seja por que razão, os seres humanos vêem baldados os seus esforços para superarem a si mesmos pelo culto, pelas boas ações e pela atividade intelectual, tornam-se propensos a recorrer às drogas substitutas da religião” (idem; p.38).


Céu Irmão de sir Julian Huxley e neto de Thomas Henry Huxley (autor do termo “agnosticismo”), eminentes biólogos, Aldous dedicou sua vida a escrever, estudar e lecionar a Literatura Inglesa, após ser impedido de cursar medicina, graças a um sério problema de visão. Em dois de seus mais importantes ensaios – As Portas da Percepção (The Doors of Perception, 1954) e Céu e Inferno (Heaven and Hell, 1956) – relata os efeitos do uso da mescalina, alcalóide obtido a partir de um cacto mexicano, muito utilizado pelos xamãs. No primeiro livro, assim como na primeira parte de Trainspotting, acompanhamos uma narrativa maravilhada com a possibilidade de expansão da mente proporcionada pelo uso das drogas. Seu título, inclusive, inspirou a formação de uma das mais conhecidas bandas de todos os tempos: The Doors of Perception, mais conhecida simplesmente como The Doors. Tais portas é que fazem com que uma privada fétida seja percebida como um imenso oceano – no qual o protagonista do filme mergulha de cabeça, diga-se de passagem. Também faz de uma cadeira a expressão do “Juízo Final” (idem; p 31), nas palavras de Huxley, ao narrar uma de suas mais marcantes “viagens”.


“Transpondo a porta, saí para uma espécie de pérgula, em parte coberta por uma roseira, em parte por ripas de uns dois centímetros de largo, a intervalos de um centímetro umas das outras. O sol brilhava e a sombra das ripas formavam um zebrado claro-escuro no chão da varanda, no assento, no encosto de uma cadeira de jardim que se achava próxima à casa. Aquela cadeira! Poderei jamais esquecê-la? As alternâncias de sombra e luz formavam, sobre a lona de seu estofo, listras de um anil intenso, porém luzente, sucedidas por outras de uma incandescência tão imensamente brilhante que era difícil acreditar não fossem produzidas por chamas azuis (...) Eu estava tão absorto na contemplação, tão estupefato pelo que via, que não pude ter consciência de nada mais (...) Aquilo era indizivelmente maravilhoso; de uma sublimidade que tocava as raias do terrífico. E então, repentinamente, tive uma vaga noção do que seja sentir-se louco. A esquizofrenia tem seus paraísos, de par com seus infernos e purgatórios” (idem; p. 29 e 30).


Inferno No prólogo de Céu e Inferno, escrito dois anos depois, Huxley deixa clara sua intenção de completar o relativamente otimista Portas da Percepção. “Nas páginas que seguem, procurei apresentar, mais ou menos ordenadamente, os resultados dessa nova compreensão a que cheguei”. Compreensão também alcançada por Mark Renton, em Trainspotting. Entre o exercício de vagar por um mundo de portas fechadas e de tentar abrir as portas da mente para um universo surreal, Mark e os amigos caminham para um lugar obscuro, sob o qual não têm qualquer controle: o do desemprego, da marginalidade, da prisão, da Aids, da autodestruição, da destruição do outro, da morte. A visão de um imenso oceano, cheio de possibilidades, é substituída pela de um tapete que suga para um único lugar, o caixão.


Algo semelhante é relatado por Huxley. “Mas quando as experiências visionárias são terríveis e o mundo se transfigura para pior, a individualização é intensificada e o visionário negativo sente-se preso a um corpo que parece tornar-se cada vez mais denso, mais comprimido, até que acaba por sentir-se reduzido à condição de torturada consciência de um aglutinado de matéria compacta, não maior que uma pedra que pudesse ser contida entre as mãos. Vale a pena observar que muitos dos sofrimentos narrados nas várias descrições do Inferno são castigos de pressão e constrição. Os pecadores de Dante eram enterrados na lama, encerrados em troncos de árvores, aprisionados em blocos de gelo, esmagados entre rochas. Seu Inferno é psicologicamente verdadeiro. Muitas de suas punições são experimentadas pelos esquizofrênicos e por aqueles que tomam mescalina ou ácido lisérgico” (Aldous Huxley, em Céu e Inferno, p. 82).


Entre amigos e bebês mortos, a rota de fuga se inverte: deseja-se sair do surreal rumo à realidade. A tentação latente, porém, é a de andar em círculos. Possibilidades e impossibilidades a parte, ao menos uma conclusão é certa: a de que não existem soluções fáceis para a solidão, o medo, a dor e a própria vida.

Karla Monteiro de Moraes é jornalista, especializada em História e Literatura e foi professora do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). karlademoraes@gmail.com


Trilha Sonora Ê um espaço preenchido pela arte e por uma lista de músicas feitas por um convidado.



Ana Himes Um bom obturador pode equivaler a sentirse afundando num tapete, em busca de experiências sensoriais. Mergulhada nos filmes fotográficos, Ana Himes descreve paisagens, cores e texturas. Do seu modo, interage com Mark Renton e sua turma, explorando a beleza fria do que parece vago, esquecido ou acabado. Inspirada por esses cenários, a madrilena de 27 anos, que tem o cinza como uma de suas cores favoritas, preparou sua lista de músicas para uma “viagem”.

www.anahimes.es


winter wonder – jeremy joy could be worse – eef barzelay the comeback – shout out louds horses – bonnie “prince” billy www.anahimes.es


rocket brothers – kashmir normandie – shout out louds walk with me – goodbooks www.anahimes.es


window – fiona apple bullet – grand avenue for the fire – turin brake www.anahimes.es




Kaerfkrahs – www.behance.net/kaerfkrahs – Rússia


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Kaska Niemiro – www.behance/dogstailart – Alemanha


Kaska Niemiro – www.behance/dogstailart – Alemanha


Le Thanh Tung – www.behance.net/khidai – Vietnã


Le Thanh Tung – www.behance.net/khidai – Vietnã


Le Thanh Tung – www.behance.net/khidai – Vietnã


Matt Ratcliffe - www.mattratcliffe.co.uk – Inglaterra


Lydia Lys – www.lysdesign.fr – França


Melissa Meyoko – www.meyokoillustrations.blogspot.com - Alemanha


Jan – jansxr@gmail.com – Inglaterra


B9 – info@b-9.it – Itália



Tiago Lacerda – www.el-cerdo.blogspot.com – Brasil



Pr贸ximo Tema Prazo: 20 de novembro


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