Especial África - Um continente a ser conhecido

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Edição 1 | ano 5

Painel de Geopolítica, Meio Ambiente, Cultura e Matemática Cotidiana

ISSN 2179-1538

gl cal

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R$ 14,90

Apartheid:

Ódio racial como herança

Especial África Um continente a ser conhecido Terra rica, povo pobre

Tesouro cultural

Lentos passos do progresso socioeconômico

As muitas Áfricas de história e cultura

Alexandre Linares Targino Anade Maria Araújo Coyos Filho Cadavid e Roberto Ângela Silvério Arraya Eduardo Célio Alfredo Turino Danilo MoraisDi Guimarães Giorgi Eduardo Carolina Suplicy Anastácio Eduardo Danilo Munari Di Giordi Francisco VictorG.Hugo Nóbrega Felix Gabriel Piotto Hélio Grassi Filho Rodrigo Iara Bonciani Souza Vicente Rosemberg Isabel Ferracini Cristina Goncalves Renata deIsabella Paula dos Bueno Santos Lahis Alex Cristiane FrancaMonteiro Guilherme deDogo Oliveira André Larissa Gianocari Rodrigues Jorge Vacari Nascimento de Arruda Monteiro Marina P. Nóbrega Thaís Leonardi Nelson Bacic Bassinello Patrícia Maria Galleto Rebeca Paulinha OteroRanzani Gomes e Ubiracy Cristinade Teodoro Souza Braga Trinidad Vijay RitaPrashad de Cássia Winnie B. Barros Queiroz Paloma Brandão Campana


Seu autêntico plano de estudos.

516s. pág

31

s fascículo

(11)

4513-8660

(11) 9 9423-1131

guiaenem.org.br

www.

Materiais didáticos


edit rial Fernando de Souza Coelho, Professor

Mateus Prado, Educador

Ana Paula Dibbern, Professora

Lá e cá, muitas Áfricas Um continente tão extenso, tão rico em culturas, etnias, religiões e biomas pode ser designado uniformemente como “África”? Essa foi a primeira questão que a edição especial da Glocal teve de encarar. Optamos por respondê-la com um “não” já que “África”, tal como “América”, é o simples nome do continente e tal generalização não dá conta de refletir tamanha riqueza. Nesse sentido, a proposta dessa edição especial é desvendar e trazer aos leitores um pouquinho de cada uma das “muitas Áfricas”, abordando aspectos que reflitam a multiplicidade social, política, econômica, literária, ambiental, geográfica, etc. de um continente que, por sinal, teve grande papel na formação das (por que não?) “muitas Américas”, já que essa pluralidade cultural se reproduziu aqui. Outro problema que procuramos combater, ao propor uma edição sobre a África, é a prática que muitos têm de colocar culturas na balança e avaliar o quão evoluídas elas são. Mas evoluídas de que ponto de vista? Do capitalismo? Ora, se o berço da humanidade é a região da atual Etiópia (localizada no chamado “chifre da África”, à nordeste no continente) e seus povos possuem milênios e milênios de história, é certo que são, no mínimo, culturalmente riquíssimos. Após o surto do ebola em uma porção da África Ocidental em 2014 (quando a quantidade exorbitante de mortes causadas pelo vírus repercutiu bastante nos jornais de todo o mundo) e após os ataques do grupo “Boko Haram” na Nigéria em 2015, o continente africano ganhou um pouco mais de espaço na

mídia. É praxe associar o continente à fome, miséria, doenças, guerras civis, corrupção, racismo, entre outras mazelas. Aqui tratamos de tais mazelas, pois elas existem e são muito intensas, mas também reservamos espaço para alguns, dos muitos, aspectos positivos que podemos elencar acerca dos países africanos. Na história do século XX africano, muitos regimes políticos baseados na noção de superioridade racial se impuseram e deixaram fortes marcas de opressão e pobreza. Essa ideia de superioridade (e portanto de inferioridade) racial e as situações herdadas de períodos em que ela imperou precisam ser combatidas. Aliás, precisam ser combatidas lá e cá: por isso a importância da inserção de conteúdos de história da África e da cultura afro-brasileira no currículo do ensino básico brasileiro estabelecida pela Lei 10.639/03. Tal obrigatoriedade, discutida por dois textos nessa edição da Glocal, é importante para que nós e as próximas gerações nos conscientizemos de que somos todos uma só raça humana. Ou que, como disse o famoso escritor moçambicano Mia Couto, “cada homem é uma raça”, já que somos todos igualmente humanos e, portanto, cada um é particularmente especial.

Boa leitura!

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sumário

por Danilo Di Giorgi

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Deuses da África no Brasil

por Rosemberg Ferracini

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Desenvolvimento econômico e regional

por Renata de Paula dos Santos

Expediente: Editores: Ana Paula Dibbern, Fernando Coelho, Mateus Prado e Pedro Ivo Batista Conselho Editorial: Fernando Silva Oliveira e Renato Eliseu Costa Suporte Editorial: Carolina Anastácio Revisão: Rodrigo Cavallaro Cruz Diretor de Criação: José Geraldo S. Junior Projeto Gráfico: Lucas Paiva Diagramação: Lucas Paiva e Daniel Paiva

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Na contra mão da história


por Jorge Nascimento Monteiro

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06 Por que ensinar e aprender história africana e afro-brasileira? por Targino de Araújo Filho e Valter Roberto Silvério

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Paisagem natural e modo de vida

Moldada pelo tempo por Carolina Anastácio

14 por Maria Rebeca Otero Gomes e Cristina Teodoro Trinidad

Evolucão, raca e racismo por Victor Hugo Felix

24 Caso Mayombe

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por Alex França

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É importante saber

Pan-anfricanismo Uma utopia? por André Gianocari

por Rita de Cássia B. Barros

28 De volta as raízes por Guilherme Dogo

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Um Olhar Sobre o passado por Regina Santos

Que país é esse?

48 Religiosidade e identidade por Paloma Campana


Escreva o mundo de hoje. Envie seu artigo e colabore para o debate da sociedade sobre os temas do momento.

Pensamentos globais, acões locais A Revista Glocal - Painel de Geopolítica, Meio Ambiente, Cultura e Matemática Cotidiana é uma publicação de atualidades do Instituto Henfil Educação e Sustentabilidade, que tem como objetivo divulgar informações qualificadas sobre arte, cultura, política nacional e internacional, meio-ambiente, geopolítica, economia, questões sociais, ciência e matemática. O formato colaborativo abre espaço em suas páginas para que estudantes de graduação e pós-graduação, pesquisadores, professores e especialistas em diversas áreas publiquem seus artigos em português, inglês ou espanhol.


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Deuses da África no Brasil O que a jornada das divindades africanas para além-mar revela sobre as culturas, a história, os usos e costumes de lá e de cá

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alcula-se que 3,5 milhões de negros atravessaram o Oceano Atlântico rumo ao Brasil durante os mais de três séculos de escravidão no país. Dentro dos porões dessas embarcações, vieram também os elementos da religiosidade africana e a relação desses povos com o mundo espiritual. Os negros que para cá se deslocaram eram originários principalmente de três regiões do continente africano, representando três categorias ou nações: os Fons de nação Jeje (na região do atual Benin), os Iorubás de nação Ketu (hoje Nigéria) e os negros Bantos de nação Angola (atuais territórios de Congo e Angola). A cultura africana tribal sempre teve como característica geral a valorização do coletivo e a forte ligação com a terra natal. A harmonia familiar e do clã e a vida essencialmente comunitária, não individual, sempre fo-

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ram guias mestras da organização social desses povos. Aqui chegando, exilados de suas terras e em condições degradantes de existência, uma das únicas formas de manterem laços afetivos com seu saudoso continente era a preservação dos seus usos e costumes. Assim, a religiosidade tornou-se, mais que uma manifestação cultural, uma tábua de salvação para evitar a desintegração de seus usos e costumes, essenciais para sua identificação como grupo e como indivíduos. A forma como as tradições religiosas de cada uma das regiões da África foram sendo manifestadas (e reprimidas) dentro das senzalas foi se modificando e se adaptando com o passar do tempo e com a chegada de novos escravos. Com o passar dos séculos, a distância que os separava da fonte e dos elementos fundadores dessas práticas foi moldando com características bastante próprias o que mais tarde viriam a


se tornar as religiões Afrobrasileiras. Ao mesmo tempo, o entendimento de mundo desses escravos ia sendo modificado pela imposição cultural da religião oficial do colonizador, o cristianismo católico. Quando as portas das senzalas foram abertas, no final do século XIX, esses negros libertos foram aos poucos se reunindo e organizando seus rituais nas cidades, enfrentando grande repressão por parte do Estado. Esse encontro em liberdade dessas inúmeras manifestações particulares que se desenvolveram no cativeiro durante mais de 300 anos promoveu uma mistura ainda mais rica de influências religiosas. Premissas da religiosidade africana As religiões tradicionais africanas têm em comum a crença na existência de um Deus Supremo, criador de si mesmo e de tudo no Universo (em algumas tradições chamado de Olorum). Têm como base o respeito pela vida e não comportam princípios ascéticos que condenem prazeres ou proponham austeridade. Compartilham de uma filosofia baseada na hierarquia das forças vitais do Universo, que começam nesse Deus Supremo e dele são emanadas. Tudo e todos, sejam seres vivos ou inanimados, possuem essa força (chamada de ntu pelo povo banto, e axé pela nação ioruba). Os seres humanos seriam elos vivos nesse sistema, estando ligados acima e abaixo de si a seus ancestrais e descendentes. Dentro dessa ideia, percebe-se que todos os seres, vivos ou mortos, estão ligados e exercem influencia uns sobre os outros. A crença na possibilidade de manipulação dessas energias e forças vitais é também um traço comum das religiões tradicionais africanas. Abaixo de Olorum estão seres espirituais livres e dotados de inteligência que representam as forças da natureza, como as águas dos rios, lagos e mares, o trovão, os raios, as rochas e a terra. No candomblé Jeje são chamados de Voduns, no Ketu são Orixás, e no Angola se diz Inkices. Ao contrário do Ser Supremo, eles devem ser cultuados para que garantam aos vivos saúde, paz, estabilidade e desenvolvimento. Pois é deles, também, a incumbência de levar até o Deus Supremo as grandes questões dos seres humanos. Abaixo desses espíritos estão os gênios, que vivem na terra e podem desvendar mistérios e ajudar na proteção da aldeia. Além desses, alguns animais de poder e os astros como Sol e Lua também são considerados divindades. Do lado de cá – preconceito e violência A manifestação da religiosidade africana no Brasil sempre sofreu com o preconceito, violência e discriminação. Nas primeiras décadas após a abolição da escravatura, os negros libertos foram duramente perseguidos pelas autoridades. Terreiros precisavam funcionar na clandestinidade, seus líderes eram presos e sofriam violências. Era comum que os centros de Umbanda ou Candomblé adotassem oficialmente o nome de “centro

espírita” e abolissem os atabaques para que pudessem realizar seus rituais. A situação dos seguidores das manifestações da religiosidade afrobrasileira verificou avanços com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, nos anos 1930. O projeto populista de Vargas e sua simpatia particular pelos chefes de terreiros e seus conselhos fez com que durante seu governo fossem alcançados alguns avanços institucionais no que se refere à pratica dessas religiões. Mais tarde, na ditadura militar, novos avanços do ponto de vista do reconhecimento por parte do Estado, também relacionados com o projeto de poder dos militares, que percebiam o papel estratégico fundamental de ter ao seu lado a grande parcela da população que seguia essas religiões. Com isso, nos anos 1970 e 1980 houve um florescimento do Candomblé e da Umbanda em todo o país. Artistas famosos frequentavam terreiros, e os orixás, caboclos e pretos-velhos foram temas de novelas da Rede Globo, de filmes e de consagradas canções da MPB, o que ajudou na popularização e expansão dessas religiões. Mas o fenômeno do surgimento e expansão acelerada das igrejas protestantes neopentecostais, a partir do final dos anos 1980, inverteu essa tendência. Com o objetivo de trazer para suas fileiras os frequentadores da Umbanda e do Candomblé, muitos deles moradores das regiões mais pobres do país, líderes como Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, iniciaram ataques sistemáticos e bem organizados contra as religiões de matriz africana, com graves acusações e calúnias, sempre ligando essas religiões à prática do mal e incitando inclusive à violência contra seus praticantes. A situação hoje é bastante delicada, e são recorrentes os ataques e incêndios criminosos em terreiros, com o uso de violência e destruição de imagens e mobiliário. Em maio de 2014, o juiz federal Eugênio Rosa de Araújo negou um pedido protocolado pelo Ministério Público Federal solicitando a retirada do Youtube de uma série de vídeos com ofensas à Umbanda e ao Candomblé. Pior do que isso, ele salientou em sua decisão que “as manifestações religiosas afrobrasileiras” não poderiam ser classificadas como religião, pois não apresenta um texto-base de fundamento (como a Bíblia, a Torá ou o Alcorão), uma estrutura hierárquica e um Deus a ser venerado, o que seriam, segundo seu discernimento, os traços básicos de uma religião. A decisão gerou forte reação na sociedade e o juiz foi obrigado a se retratar publicamente. Os vídeos, porém, não foram retirados do ar, e continuam servindo de base para discursos de ódio e intolerância.

As principais manifestações da religiosidade afrobrasileira são: Babaçuê (presente nos estados do MA e PA), Batuque (RS), Cabula (ES, MG, RJ e SC), Candomblé (todos os estados), Encantaria (MA, PI, PA, AM), Omoloko (RJ, MG, SP), Pajelança (MA, PI, PA, AM), Tamborde-Mina (MA, PA) e Xangô do Nordeste (PE). A Umbanda também figura entre as manifestações religiosas com influência africana, mas esta normalmente prefere se identificar como “religião brasileira”, uma vez que, apesar de ter vários elementos comuns às religiões afrobrasileiras, como o culto aos Orixás, tem em sua base também elementos indígenas, kardecistas e cristãos.

Danilo Di Giordi Jornalista formado pela PUC-SP, trabalhou como repérter, assessor de imprensa, redator e roteirista. Colunista do tradicional Correio da Cidadania e editor de seminários.

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Evolucão, raca e racismo A ciência também já foi usada para reforçar discursos discriminatórios

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omos todos iguais. Ou não somos? Somos diferentes. Mas isso importa? Nossas capacidades são as mesmas? Nossas habilidades estão equiparadas, independentemente de pertencermos a “raças” diferentes? “Raças”, aliás, existem? Como lidar com essas questões? Por muitos anos, as características físicas têm sido fator determinante para a segregação entre grupos humanos, e a necessidade de hierarquizar os mais valorizados e os menos valorizados faz com que se atribuam mais capacidades a uns, e menos a outros. No processo de desenvolvimento

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histórico, os negros africanos ficaram nos postos hierárquicos mais baixos, considerados por muitos, inclusive cientistas, como o grupo de intelectualidade inferior, favorecendo um discurso racista e discriminatório que hoje, felizmente, é questionado. Mas as perguntas que iniciam este artigo continuam a atormentar pesquisadores. Quem somos, afinal? A nossa espécie Homo sapiens é o nome científico usado por estudiosos para definir a atual espécie humana. Paleontólo-


gos traçam, seguindo os princípios de Charles Darwin, teorias evolutivas nas quais teríamos como ancestrais alguma espécie primata que também teria originado espécies de macaco. Os mais antigos primatas a habitar a terra são os prossímios, que podem ser representados hoje pelos lêmures de Madagascar, os tarsídios filipinos e indonésios, e os pequenos gálagos da África Tropical. No Eoceno, esses grupos, porém se desenvolveram e evoluíram para o grupo dos símios, que por sua vez se dividiram em dois grupos: os platarrinos ou macacos do Novo Mundo e os catarrinos ou macacos do Velho Mundo. Eis que os catarrinos, que tinham septo nasal estreito e 32 dentes, e não septo nasal largo e 36 dentes como os platarrinos, se dividem em outras seis famílias. Dentre elas, os hominídeos. É a partir do surgimento dos hominídeos que as espécies vão evoluir até chegar a uma proximidade maior do Homo sapiens. A evolução, porém, não ocorreu de forma linear, como se uma espécie sucedesse a outra. Ao contrário, elas vão coabitando regiões diferentes e desenvolvendo características próprias. Nas épocas Mioceno e Plioceno, o primata que antes vivia nas florestas passa, pela primeira vez, a procurar alimentos em zonas abertas, no entorno dos lagos e nas margens dos rios, e isso vai alterar grandemente o modo de vida dos seres e também suas características físicas, como a redução do tamanho dos dentes e da face e o desenvolvimento do bipedismo. Estudos apontam que, há cerca de 06 ou 07 milhões de anos, na região sudeste da África, surgiu dos grupos hominídeos os australopitecíneos. O processo evolutivo, como de costume, levou ao desenvolvimento de determinadas habilidades notáveis, emergindo, então, deste grupo, o ser Australopithecus, ou o homem, capaz de fabricar armas e utensílios a partir da pedra e do osso, realizar construções de cabanas, viver em pequenos grupos, manifestando, dessa forma, a sua capacidade criativa. Berço da humanidade É importante observar a relevância do continente africano em muitas dessas descobertas a respeito da evolução do homem, uma vez que muitas das jazidas e parques arqueológicos que nos deram informações mais precisas sobre as antigas espécies que habitaram a terra estão localizadas em países como Tanzânia, Quênia, Etiópia, Botswana, etc, onde são encontrados diversos fósseis e instrumentos utilizados pelos habitantes daquelas regiões. Muito ainda está para ser descoberto, mas, até agora, há fortes indícios que apontam para a hipótese de que a África tenha sido um grande berço da humanidade. Uma das características principais do continente que explicaria a forma com que a evolução tenha agido de forma a “transformar” os homens primitivos africanos em bípedes de postura ereta é a diversidade de hábitats que permeia todo seu território. Por se estender de cima do Equador às zonas temperadas do norte e do sul, a África é abrangida por climas diversos, com terras altas na região equatorial. Essa massa de terra se eleva nas franjas litorâneas, constituindo planaltos até as cadeias de montanhas e picos, estando alguns, inclusive,

cobertos de neves eternas, resistindo ao clima bastante seco e quente. As variações de altitude trazem variações de temperatura, e, dessa forma, os ambientes vão se diversificando e se tornando cada vez mais potenciais em termos de exploração das capacidades adaptativas do homem até o surgimento do Homo Sapiens. Todo esse debate, porém, nos faz voltar às questões a respeito das raças. Afinal, o processo evolutivo do H. sapiens não teria levado à criação de variedades que, de fato, teriam características independentes que os tornariam mais ou menos capazes a determinadas funções? A diferenciação racial se dá por fatores genéticos e morfológicos reforçados pelo isolamento sexual dos indivíduos. Entretanto, as questões físicas acabam por ser um aspecto essencial na definição de uma raça. O século XIX foi marcado por grandes pesquisas a respeito do conceito de raça, principalmente devido à “redescoberta” do continente africano durante o imperialismo que tornou a maioria dos países colônias europeias. A craniometria, por exemplo, dedicou-se ao estudo do tamanho dos crânios para determinar a pertença racial dos indivíduos. A cor da pele, dos olhos, do cabelo, a força física, todos têm sido utilizados para identificar os tipos de raças. Tais discursos, contudo, traziam um teor discriminatório que até hoje pode ser percebido em nosso meio. A pele negra, o corpo forte e resistente ao sol e ao calor, o maior nível de transpiração e até o tamanho do nariz foram importantes para a adaptação às condições ambientes do continente africano, e isso é difícil de ser contestado. A diferença entre os negros e os demais indivíduos podem se dar por variações genéticas e mutações espontâneas, mas não ignoram as questões relativas à adaptação nos diferentes ambientes africanos. O discurso racista, porém, insiste em atribuir tais características a uma ideia de que negros são uma raça menos evoluída, mais próxima dos seres primitivos, de intelectualidade mais baixa, aptos apenas a tarefas que envolvam esforço físico e não mental. Esta visão é equivocada por trazer embutida a ideia de que a evolução acontecera de forma linear e que os negros ficaram atrasados no processo. A linearidade da evolução é altamente contestada por haver indícios fósseis de que espécies coabitaram regiões próximas em períodos próximos. E, além disso, o que gera surpresa em muitos estudiosos, há estudos que comprovam a presença de espécies humanas em outros continentes, indicando que o desenvolvimento da intelectualidade se deu igualmente em habitantes de outras regiões, considerando que comunidades separadas umas das outras desenvolveram, de formas diferentes, habilidades semelhantes. Portanto, não há o que comprove a superioridade de uma raça sobre a outra.

Victor Hugo Felix Graduando em Jornalismo pela Faculdade Casper Líbero e editor da revista literária Partucam

O tempo geológico se divide em períodos: Primário, Secundário, Terciário e Quaternário.Os primatas, no caso, aparecem no fim do Secundário, há 70 milhões de anos, mas deram seu desenvolvimento nos períodos Terciário e o Quaternário. O Terciário se divide em cinco grandes épocas, que são, da mais antiga à mais recente: Paleoceno, Eoceno, Oligoceno, Mioceno e Plioceno.

A crítica feita aqui é ao etnocentrismo dos brancos, especialmente, que, ao se comparar com outros grupos étnicos, estabelecese como superior, mais desenvolvido, enquanto os demais seriam inferiores. Segundo essa visão, a pele branca indicaria um avanço evolutivo e, quanto mais escura a pele, menos evoluída.

Ainda que se observe, no comportamento de animais selvagens, o uso de pedras, troncos de árvore e ossos em lutas e na quebra de certos alimentos, é o Austrolopithecus quem irá utilizar esses materiais, não de forma bruta, mas trabalhada, para que exerça uma função específica.

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Desenvolvimento econômico e regional Quem são hoje os principais protagonistas dessa agenda no continente

Formada por Quênia, Uganda, Tanzânia, Burundi e Ruanda.

A África do Sul controla a região em várias áreas de interação, incluindo a economia (tamanho; comércio e investimento; infraestruturas), e militar.

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iversos movimentos nacionalistas africanos se relacionam com o nascimento e fortalecimento do bloco econômico SADC, ou Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral, a qual foi fruto do nacionalismo africano. São tópicos que ajudam a compreender melhor outros conteúdos do fortalecimento de uma nova geografia regional entre alguns países do continente. No dia 10 de agosto de 2012 ocorreu em Maputo, capital de Moçambique, uma conferência para pensar a atuação geopolítica da SADC e seu desenvolvimento estratégico. Na pauta tratada, alguns pontos foram ressaltados: política, defesa e segurança; integração econômica, recursos naturais e meio ambiente; desenvolvimento social e humano e áreas transversais como gênero, HIV/Aids e meio ambiente. No tange às questões de integração econômica da SADC, foram levantados alguns pontos, como o estabelecimento de um mercado comum em 2015; uma união monetária em 2016; a União Africana, para criar uma zona de comércio livre continental até 2017; e a introdução de uma moeda única em 2018. Esse plano completaria o processo da criação da união econômica da SADC. Os membros da SADC iniciaram negociações juntamente com os demais estados da Comunidade da África Oriental (EAC) e do Mercado Comum da África Oriental e Austral (COMESA), no sentido de criar uma Zona de Comércio Livre Tripartida (T-FTA). Para com os compromissos relativos à integração econômica, a SADC estabeleceu a meta de criar uma zona de comércio que se enquadre nas regras da Organização Econômica Mundial do Comércio, a fim de atender o mercado interno, como o tema das barreiras internas, a liberalização do comércio intrarregional, de bens e serviços, ao alcance das normas de qualidade, e as diferentes estruturas industriais, além de buscar uma integração global. O ideal seria usar o mercado regional para alcançar o mercado mundial, permitindo que as empresas locais cresçam e se desenvolvam. Negócios da China? Para alcançar a soberania e os interesses nacionais dos estados envolvidos no SADC, foi proposta a criação de instituições políticas conjuntas. Esse desenvolvimento é um dos temas elencados a respeito das relações entre África e China. No caso da China, desde 2000 a política chinesa de “tornar-se global” aumentou investimentos e o comércio na África através das Empresas Estatais Chinesas (SOEs) que operam no continente. Em 2011, as relações comerciais entre a China e África atingiram US$ 160 bilhões. Em julho de 2012, ocorreu o V Fórum de Cooperação China-África (FOCAC) em Pequim, criado em outubro de 2000, que constitui uma plataforma para os dirigentes africanos e chineses fortalecerem as relações da China com os países africanos. O FOCAC é continuidade da agenda política do governo

central da China para África, que visa solidificar os laços econômicos, políticos e diplomáticos. A agenda foi fortemente estruturada através dos ministérios (Ministério dos Negócios Estrangeiros e Ministério do Comércio) e instituições financeiras (China Exim Bank, Banco de Desenvolvimento da China e o Fundo de Desenvolvimento China-África), com vista a incrementar o comércio, investimentos e assistência. A China hoje é o maior parceiro comercial da África. Mais de 2.000 empresas chinesas (SOEs, empresas mistas, empresas privadas e pequenas e médias empresas) estabeleceram negócios no continente africano. A respeito dessa relação econômica podemos levantar algumas questões como: qual é o papel da China no desenvolvimento de infraestruturas na África? Que implicações terão os investimentos chineses no comércio regional na agricultura, emprego e transferência de conhecimentos? Haverá uma forma construtiva das relações China-África para a integração regional da SADC? Perguntas que levam a novas inquietações. Paz, segurança e boa governança No que diz respeito à paz, segurança e boa governança, foi discutido a cooperação entre os Estados-membros da SADC para tratarem a respeito dos desafios de segurança, sobretudo a pirataria marítima (nos estados costeiros e insulares); crime organizado; e questões de como melhor utilizar os recursos econômicos recém-descobertos em benefício da população, evitando a divisão ou monopólios ocorridos recentemente em algumas regiões da África. Essa segurança e os interesses locais podem gerar conflito com as partes envolvidas, como, por exemplo, com a África do Sul, que é considerada como uma potência hegemônica devido às suas relações de interdependência assimétrica com o restante dos países. Essa superioridade pode ser considerada uma potencial ameaça à segurança de outros, pois a África do Sul tem investido cada vez mais nos países pertencente à SADC e possui uma economia três vezes maior que o restante da região, além da 2º maior força militar na região, e, para além de uma grande capacidade de industrial de armamento, entre os anos de 2002 e 2009 adquiriu uma grande frota de jatos, helicópteros, embarcações e submarinos. No caso da saúde, alguns fatores devem ser levados em consideração, como os índices de mortalidade infantil, que registraram um declínio na maioria dos estados membros da SADC entre 1980 e 2005, e as taxas de alfabetização de adultos que aumentaram em todos eles, porém, a esperança de vida decresceu na maioria dos países, à exceção de Angola, devido ao impacto do HIV/Aids. O índice do desenvolvimento humano na perspectiva do gênero aumentou em alguns estados-membros. Um dos principais desafios que levam a mortalidade de crianças é a falta de recursos financeiros e materiais suficientes, como a falta de profissionais capacitados, a má alimentação, o acesso inadequado

Sigla para Southern African Development Community. É composta por Angola, África do Sul, Botswana, República Democrática do Congo, Lesoto, Malawi, Ilhas Maurício, Moçambique, Namíbia, Seychelles, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbabwe. Madagáscar também faz parte da composição original do grupo, mas está suspenso desde 2009, quando passou por um golpe militar. Surgiu originalmente em 1978 como Conferência para Coordenação do Desenvolvimento da África Austral (SADCC) com os objetivos de coordenar o desenvolvimento econômico da região da África Austral e conseguir a independência de alguns países colonizados. Em 1992 foi substituída pela Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) tendo como meta promover a paz, a segurança, o crescimento econômico, buscar diminuir a pobreza, melhorando a qualidade de vida da população autóctone, gerar emprego e riquezas através da integração regional e fortalecer os laços sociais, políticos e culturais existentes em cada região do continente e sua população.

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Em 1955 ocorreu a Conferência de Bandung na Indonésia, que teve o não-alinhamento e o não-envolvimento na bipolarização EUA-URSS, gerando a designação Terceiro Mundo. Nela, foi destacado que o colonialismo era um mal e devia ser extirpado. Em 1959 foi fundada a primeira organização multinacional africana com vocação múltipla, a Comissão Econômica para a África (CEA) da ONU. Cinco anos mais tarde surge a Organização para a Unidade Africana (OUA) e posteriormente outras entidades, como a Comunidade dos Estados da África Central (ECCAS), a Comunidade do Leste, a Zona de Comércio Preferencial da África Oriental e Austral e a União Aduaneira dos Estados da África Central (UAEAC). Os objetivos desses órgãos era promover o desenvolvimento econômico no território africano e também criar eventos para discutir problemas trazidos para a África com o término das Guerras Mundiais, assim como coordenar e criar esforços para melhores condições de vida para a população, defender a soberania e terminar com toda e qualquer forma de colonização no continente. Outras entidades que se faz necessário comentar são a Comunidade Econômica e Monetária da África Central (CEMAC); Comunidade Econômica dos Estados da África do Oeste (CEDEAO); União Econômica e Monetária do Oeste Africano (UEMOA), União do Magreb Árabe (UMA).

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à água potável e ao saneamento. Os conflitos civis e a epidemia do HIV/Aids dificultaram também a redução suficientemente das taxas de mortalidade. Os países membros da SADC deverão tomar medidas para aumentar os recursos relacionados às atividades da saúde infantil, à capacitação de novos profissionais da saúde, ao combate à propagação de doenças, à melhoria da nutrição, na redução da pobreza e no melhor acesso à água potável, e ao saneamento básico. Tais desafios também se colocam em relação à saúde das mulheres, que em diversos países do continente não possuem condições para fazerem partos seguros devido à falta de recursos humanos e estruturais. Tal carência acarreta as altas taxas de mortalidade feminina. O combate à mortalidade materna exige o aumento do número de profissionais da saúde qualificados, através de formação e da criação de centros de saúde. A luta contra a mortalidade materna deve também estar ligada à prevenção da infecção do HIV. Em se tratando da temática ambiental, a maioria dos estados-membros da SADC aumentaram a proporção da sua população com acesso a uma fonte de água e saneamento melhorados. Os desafios são o fim da degradação dos recursos hídricos; uma cobertura mais adequada de serviços; a facilidade de acesso à água, mesmo diante de uma explosão demográfica; as políticas para higiene e saneamento; o tema das alterações climáticas; desenvolver um sistema de controle da poluição; melhorar o acesso sustentável ao abastecimento da água e saneamento nas zonas urbanas, nas periferias e nas zonas rurais através da criação de sistemas de abastecimento e demais medidas que levem ao bem-estar econômico e humano. Articulações para o desenvolvimento A criação da SADC no Continente Africano faz parte de um processo ao qual estamos denominando de uma nova geografia regional. Essa comunidade é fruto da união de um conjunto de organizações políticas,

estudantis e dos novos líderes africanos. O objetivo é unir o continente ao sistema internacional por meio de uma integração e cooperação dos estados, via projetos de interesses econômicos e políticos em comum. Foram diversos os projetos que buscavam organizar o pensamento da população africana, tendo como enfoque o passado e, nele, as raízes de uma identidade territorial dispersada, negada e roída pelo colonialismo. Existem pontos que precisam ser ressaltados na abordagem dos esforços pelo desenvolvimento africano, como por exemplo o posicionamento econômico do Brasil enquanto hegemonia econômica, política e cultural perante a África, além do citado fato o desenvolvimento africano contar com uma substancial ajuda da China. Em ambos os casos, as relações da África com o Brasil ou a China passam por interesses capitalistas de produção, seja pela exploração da mão-de-obra africana, na exploração de recursos minerais e vegetais, como na exportação de matérias primas para os mercados chinês e brasileiro. Ao tratarmos da economia do continente africano, é importante lembrar alguns dos seus blocos econômicos, acordos e demais transações econômicas estabelecidas pelos países desse continente. No caso da SADC, essa faz parte de uma nova geografia regional que precisa ser atualizada e pensada para que se desmistifique o olhar sobre o continente. Bloco econômico que passa pela construção de uma regionalização africana perante o mundo e é oposto aos estereótipos até então presentes, pois foi organizada por líderes estudantis e universidades, gerando blocos econômicos e a criação da União Africana – UA – que completou 50 anos em 2013 –, fruto dos movimentos populacionais. O pan-arabismo e pan-africanismo refletem hoje a organização dos estados nacionais que geraram grupos econômicos, sociais e culturais, muitas vezes omissos nos discursos geográficos escolares. Movimentos esses que nasceram pelo desejo de dar fim ao colonialismo europeu e de (re)pensar um continente que vinha sendo roído desde o século XV e

Função econômica de alguns países membros da SADC: África do Sul: Finanças e investimentos; Angola: Comissão de Energia; Botsuana: Investigação Agrária e produção animal e controle de doenças de animais; Lesoto: Conservação da água e solo e utilização da terra e turismo; Malauí: Pesca, área florestal e vida selvagem; Moçambique: Cultura, informação, esportes, comissão de transportes e comunicação; Namíbia: Pesca; Suazilândia: Desenvolvimento de Recursos Humanos; Tanzânia: Indústria e comércio; Zâmbia: Emprego, trabalho e mineração; Zimbábue: Produção agrícola, alimentação, recursos agrícolas e naturais.


que se faz presente no debate da atualidade. Contudo, comumente estes fatos são abordados isoladamente, descontextualizados e sem embasamentos teóricos a respeito do tema. Frisamos a necessidade de articular o regionalismo africano com os movimentos organizados, blocos econômicos e a UA. Sugerimos algumas questões que merecem ser investigadas, tais como: a conceituação de que a África é um continente formado por “territórios sobrepostos” e “histórias entrelaçadas”, que geraram geografias particulares em suas diversas partes. É preciso ex-

plicitar uma homogeneidade e uma heterogeneidade, desde as variadas populações, suas religiões, as formas políticas e os distintos sistemas econômicos. Rosemberg Ferracini Professor universitário, Doutor Geografia Humana pela USP. 1º lugar no Fórum África 2012, promovido pelo Centro de Estudos Africano - CEA / Universidade de São Paulo / USP e ganhador do Prêmio Kabengele Munanga.

Continente Africano Tunísia

cabo verde Argélia

Líbia

egito

Rep. Saraui

mauritânia senegal Gâmbia Guiné-Bissau Guiné

mali

Níger

Sudão

Chade

eritréia

B. Faso

Costa do Marfim Gana libéria

Serra leoa

Benin Togo Nigéria Camarões

Guiné equatorial S. Tomé e Príncipe Gabão

rep. centro africana

Sudão do sul

Somália

Etiópia

Uganda congo

quênia Ruanda República burundi democrática Tanzânia do congo

Angola Malawi

Zâmbia Zimbabue Namibia Botswana

Madagascar

MOçambique

Maurícia

Reunião

Suazilândia

LEGENDA Países fora da SADC Países membros da SADC

África do sul

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Pan-africanismo - Uma utopia?

Surgiu no dia 18 de junho de 1978, em frente ao Teatro Municipal de São Paulo, em protesto contra manifestações de racismo, como o assassinato do jovem negro Robson Silveira da Luz, de 27 anos, por policiais. A partir deste manifesto no Centro, o MNU se expandiu pelo Brasil afora, apoiando causas internacionais, como o fim do apartheid, na África do Sul. Os integrantes do movimento rejeitam o dia13 de maio como data oficial de abolição da escravatura, preferindo festejar a data em que o guerreiro Zumbi morreu à frente do grupo de resistência no quilombo dos Palmares, em 20 de novembro (de 1695).

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Encontros e desencontros marcam as tentativas de unir um continente partido e pilhado pelo neocolonialismo europeu

Á

frica, sai do teu sono obscuro. A terra muitas vezes girou sobre o seu eixo. Mas tu permaneceste o que sempre foras, um crânio rejeitado, um simples crânio”. Estas são palavras do escritor sudanês A. M. Fayturi, que mensuram a grandeza e o legado do continente africano, ao passo que também revelam a inércia vivenciada secularmente por seus habitantes. Mas esta onda, aparentemente à deriva, já teve momentos de grande entusiasmo em prol da emancipação política e da libertação. Não faz muito tempo que o ideal de integrar todos os povos africanos acendeu no coração de nativos e afrodescendentes um certo orgulho da origem e dos traços étnicos que carregam. Das classes sociais negras mais elevadas surgiu, na metade do século XX, o pan-africanismo, conceito sócio-político e cultural que propõe a unificação de todos os países cultivadores das tradições africanistas milenares. Diferente dos movimentos árabes que pregam a unificação de seu povo num único estado, afirmando, assim, uma identidade e formando uma espécie de couraça filtradora das demais culturas, os irmãos africanos visam concentrar para expandir e, no fim, libertar. Trata-se de uma visão histórica do continente africano que assistiu a incontáveis vitórias europeias sobre suas terras, colonizando nações, comercializando habi-

tantes e controlando seu sistema interno. Disso nasceu um desejo de independência absoluta das influências estrangeiras que oprimiram o seu crescimento em ritmo próprio. Difundido mundialmente pelo líder ganês Kwame Nkrumah, que chegou a presidir Gana, entre 1957 e 1960, o pan-africanismo teve, como representante no Brasil, o político e ativista Abdias do Nascimento. Figura ilustre dos afrodescendenes nascidos no Brasil, Nascimento colaborou para criação do Movimento Negro Unificado, em 1978, e nomeou o dia 20 de novembro como Dia da Consciência Negra. Grupo organizado e ações mais assertivas O pan-africanismo incentivou a criação de diversas organizações de interesse popular, que visavam congregar as nações. A fragilidade social em que os africanos se encontravam ainda na década de 1960, em contraste com as transformações culturais que o mundo experimentava depois de décadas sob uma ditadura moralista insuportável, culminaram com a criação da Organização da Unidade Africana (OUA), em maio de 1963. A OUA foi idealizada pelo imperador etíope, Haile Selassie, e recebeu apoio de 32 governantes, que assinaram sua Constituição. Responsável por articular em favor do fim do apartheid na África do Sul e na Rodésia, atual Zimbabwe, a OUA recebeu adesão de todos os países africanos e


apoiou plenamente movimentos de descolonização, por meio do Comitê Coordenador da Libertação da África. Suas ações também se estenderam à area cultural, sendo a organização responsável pelo Primeiro Festival Panafricano da Cultura, em Argel, no ano de 1969, e pelo Primeiro Workshop de Folclores, Dança e Música Africana, em Magadíscio, no ano de 1970. Reconhecidamente uma organização séria, a OUA também auxiliou na missão de paz entre regiões fronteiriças e na boa convivência entre os povos agremiados, uma tarefa àrdua que ela não conseguiu cumprir como planejado, pois um dos problemas mais graves no continente africano são os conflitos internos. Causas particulares de cunho político sempre desaceleraram o desenvolvimento econômico. Por ter um caráter concensual, a OUA teve dificuldade em impor condições aos seus membros. Após 40 anos de atividade, a OUA foi substituida pela União Africana (UA), numa proposta de afinar todos os países economicamente, como fez a União Européia (UE). O objetivo de formar uma comunidade faz a UA nutrir o desejo de adotar uma moeda única, similar ao Euro, e idiomas oficiais, que aliás já são utilizados nas atividades, como as línguas Espanhola, Francesa e Portuguesa. Parece ironia do destino que o continente tido como berço de todas as civilizações encontre dificuldades em posicionar-se frente aos demais países. É como se a África andasse em marcha lenta rumo ao progresso. Embora os saques, pilhagens e agressões impostos pelos países colonizadores tenham sido muitos e muito chocantes, não se pode responsabilizar apenas os povos

europeus por esta situação desfavorável. A verdade é que ainda existe muitos interesses econômicos egoístas no grupo de nações africanas, da mesma forma que governos árabes agem em nome de ideais mesquinhos. A união deve partir do interno para o externo para que o pan-africanismo se torne uma realidade. Movimentos organizados contribuem para fins maiores, mas a consciencia autruísta individual é fudamental para que os objetivos sejam alcançados. Mas a História é ciclica e inverte as posições. As tentativas de unir todos os países africanos ao menos economicamente é uma possibilidade neste século XXI, em que nações do terceiro mundo estão emergindo gradativamente. De um jeito ou de outro, todos os estadados africanos independentes contribuíram na tentativa de unificar o continente. O anticolonialismo, o antirracismo e o não-alinhamento foram os mais sólidos fundamentos na colaboração da unidade pan-africana. Alicerces que se estenderam ao Oriente-Médio, inlcusive. Vão-se as organizações e continuam os sonhos dourados. Mas parafraseando o poema de Fayturi, para pô-los em prática, é necessário deixar a zona de conforto. É preciso despertar. André Gianocari Graduado em Comunicação Social – Jornalismo. Pós-graduando em Jornalismo Contemporâneo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Conflitos na fronteira Nos dez primeiros anos de existência, A Organização da Unidade Africana (OUA) precisou lidar com complicados conflitos entre países associados no âmbito de delimitação de fronteiras. As regiões norte, leste e central da África foram as que demandaram maior esforço da organização. Apesar de todos os países independentes terem se associado a OUA, há um caso indefinido e de discussão até hoje. Trata-se do episódio em que o Marrocos deixou a organização quando o estatuto do Saara Ocidental, na África Setentrional, foi aceito, em 1985. O Marrocos anexou o Saara, na década de 1970, gerando conflitos com a Frente Polisário – movimento político-revolucionário que luta pela autonomia deste território, visando instituir a República Árabe Saaraui Democrática. A exceção deste caso, a OUA conseguiu com espírito de equipe solucionar incontáveis divergências do continente africano e sem interferência externa, com respeito às organizações internacionais já existentes. Vale lembrar que as atuais fronteiras dos países africanos foram estipuladas pelos países colonizadores no século XIX durante a partilha do continente de maneira arbitrária, sem levar em consideração INGLATERRA as realidades geográficas, políticas, étniFRANÇA cas e ecológicas dos povos que lá viviam PORTUGAL antes desse momento, visando apenas satisfazer os interesses dos países imITÁLIA perialistas da Europa, e deixando, como ALEMANHA herança, uma África literalmente partida.

Criado pela Organização da Unidade Africana (OUA), este organismo pressionou a comunidade internacional, conseguindo apoio direto aos movimentos de libertação. As sanções contra os governos da África do Sul e do atual Zimbabwe foram fundamentais para que a Organização das Nações Unidas (ONU) considerasse, em 1968, o regime separatista do apartheid um crime contra a humanidade, durante a Conferência de Teerã. Em 1972, a ONU instituiu o dia 25 de maio como Dia da Libertação da África. Evento cultural realizado na Província de Nargel, na Argélia, em 1969, com o objetivo de marcar o momento de independência dos países africanos e homenagear a cultura africanista em todo o mundo, sendo ela também ferramenta do processo libertário. O Festival recebeu uma segunda edição em 1977, na Nigéria.

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