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nala: “Que acontece quando uma estupidez luta contra outra? Uma pode ganhar de todas as outras, mas nem por isso deixa de ser estupidez. E não poderá, no fim, ser descoberta e vencida pela verdade?”. Sem ter uma cultura científica, o padrão de sapiência de Copérnico ou de Galileu, sua reconhecida intuição o compensou dessa falta. Essa intuição o levou em determinado momento a proclamar a importância do choque de contrários. Assim como na matemática havia o mais e menos, na física a estática e a dinâmica e na mecânica a ação e reação, processava-se, a seu juízo, na natureza, o mesmo fenômeno. Ele escreveu: “Os mundos são compostos de elementos contrários e alguns contrários, como as terras e as águas, vivem e vegetam por meio de outros contrários, como os sóis e os fogos. E acredito que foi isso o que quis dizer aquele sábio ao afirmar que Deus produzia a paz nos sublimes contrários, bem como aquele outro pensador ao declarar que tudo é consequência da luta dos semelhantes e do amor dos contrários”. Queria pensar, ter o direito de fazê-lo livremente sem grilhões que sufocam o espírito. Num contesto considerado subversivo, rejeitou a síntese cristã-aristotélica quanto à concepção do universo e reclamou reformas no ensino e nas estruturas sociais do século XVI. Ele expressa o fundamento da sua ética: “Somente uma coisa me fascina: aquela em

Copérnico

Tycho Brahe

PEDRO GORDILHO

eleita por Deus como centro do Universo. À física de Aristóteles, a seu mundo finito, ele preferia a teoria de um mundo infinito, trabalhado por uma evolução eterna e universal. Tornara-se, pois, um contestatário, o que era muito perigoso naquele mundo por demarcações severas feitas pela intolerância da Inquisição. Apoiando Copérnico – e mesmo ultrapassando-o –, sustentou a tese da existência de milhares de mundos autônomos e da translação da Terra em torno do Sol, uma das primeiras conquistas da História da Teoria do Conhecimento e que seria consagrada por um cientista ilustre, contemporâneo de Bruno: Galileu Galilei. Não se deteve aí. Em sua obra prima Sobre o Infinito, o Universo e os Mundos, formula a hipótese das mudanças geológicas permanentes da Terra e afirma, conquanto num plano puramente metafísico, que a matéria e o movimento são inseparáveis. Traduz, como em Spinoza, uma concepção materialista do mundo, acentuando que Deus é a própria natureza, pelo que a natureza seria a sua própria causa, a causa e essência de tudo que existe. Por isso, dava ênfase ao conhecimento científico da natureza com base em experiências efetivas e “à margem das definições vazias” da escolástica medieval. Ele queria a discussão livre dos temas, dizendo: “Muitos têm atirado setas e lutado contra Aristóteles, mas ruíram os castelos, quebraram-se as pontas das flechas e partiram-se os arcos”. Um dos seus personagens, chamado Elpino, assi-

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Estátua de Giordano Bruno na Praça Navona, em Roma


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