Revista Diversifica 004

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EXPEDIENTE DIVERSIFICA DIREÇÃO GERAL Paco Sousa DIREÇÃO DE CONTEÚDO Ben Prado DIREÇÃO DE NEGÓCIOS Carolina Sartori DIREÇÃO DE MARKETING Lucas Yoshimura EDITOR-CHEFE Gabriel Prata ASSISTÊNCIA À PRODUÇÃO Larissa Mercury REVISÃO Gabriel Prata Paco Sousa PROJETO GRÁFICO, EDIÇÃO, ARTE E ILUSTRAÇÕES Gabriel Prata A revista DIVERSIFICA é uma publicação semestral do coletivo Diversifica. REDAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO Av. Doutor Armando Panunzio, 1893 Bl. 3 Ap. 301 - Jd. Vera Cruz. 18050-000 - Sorocaba - SP.

COLABORADORES DESTA EDIÇÃO CAPA F*CK THE GENDER! FOTO Thayse Gomes Photography Studio, 2015

Bárbara Sonnewend Bel Barbiellini Bruno Vitiritti Ferreira Zanardo Danielle Maria Santos Denilson Pimenta Diego Sant'Anna Guilherme Ferreira Aniceto Jéssica Puga Jo Oliveira Marco Antonio Martins Escobar Rô Mierling Roberto Muniz Dias Vitória Elisa, Ulisses Tavares Willamys Guthyers IMAGENS Anderson Sutherland Genders Brasil Kalel Sousa Thai Vieira Maíra Sampaio Thayse Gomes Photography Studio


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RENASCER, Ilustração de Gabriel Prata ERSVI São João da Boa Vista, 2015. FICA



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EU SOU TUDO, MENOS OBRIGADA!

por Paco Souza

Após mais de dois anos da primeira edição da Diversifica, estou com a cabeça borbulhando de ideias e questionamentos. Fico me perguntando: o que mudou? Quanto aos temas que trabalhamos, noto um crescimento nas discussões, vejo mais e mais pessoas interessadas em falar sobre diversidade, mas vejo algo muito preocupante no meio LGBT (e claro, na sociedade em geral): a ausência de EMPATIA. Evoluímos enquanto movimento, enquanto luta pelos direitos, porém enquanto grupo estamos tendendo ao fracasso. Não conseguimos entender que o problema do outro também é problema nosso, ou que enquanto grupo somos mais fortes para combater o patriarcado e as opressões diárias. Buscamos tanto o empoderamento, buscamos tanto definirmos isto ou aquilo, mas muitos não conseguem enxergar um metro longe de seu próprio mundo. É importante também as pessoas entenderem que a luta LGBT é, acima de tudo, uma reconquista de direitos humanos negados a humanos. A travesti quer ter o direito de estudar sem sofrer discriminação, de andar na rua sem que todos virem para olhá-la (a não ser que seja para ver como ela está fabulosa!), quer ter o direito de ir ao médico e não ter que ouvir alguém a chamando de João. Esta luta da sociedade para entender o nome social é algo que me causa muita irritação. As pessoas querem ditar como a outra pessoa deve agir, e nem o próprio nome ela tem o direito de escolher. Se a pessoa não quer ser João e sim Fabiana, é o direito dela, afinal a vida é dela e ela não é obrigada a manter o nome que seus pais leigamente lhe deram quando nasceu. Aliás, EU SOU TUDO, MENOS OBRIGADA! Não sou obrigado a me vestir como as pessoas querem, nem sou obrigado a falar ou gesticular conforme a sociedade diz que condiz com o meu gênero. Eu não sou nem obrigada a falar de acordo com o meu gênero! E se hoje eu acordei me sentindo mulher, no almoço estiver me sentindo mais homem, depois de DIV ERS FICAI

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tardezinha tiver vontade de colocar um salto e sair sambando pelas ruas? O problema será única e exclusivamente meu. Não que seja um problema é óbvio, não que eu tenha que definir também o que sou, posso simplesmente não definir nada, posso dizer: “não, eu não sou nem homem nem mulher!” Ah, mas o viciado em nomenclaturas dirá: “Se você não é homem nem mulher, o que você é?” E tudo que eu terei para dizer para esta pessoa é: “Não sei, só sei que sou humano, assim como você, e não sou obrigada a ser mais nada, podendo ser tudo”. Já passou da hora de virarmos nossos olhos para a política e percebemos que enquanto estamos desunidos mais Malafaias e Cunhas estão chegando ao poder. Está na hora de percebemos que todos nós carregamos a mesma cruz. SIM! Eu vou falar de cruz. Vou falar porque esta é um símbolo que não pertence a uma ou outra pessoa, vou falar de cruz porque nela morreu Espártaco, que liderou uma legião de escravos contra a barbárie promovida por Roma. Na cruz também, segundo a história bíblica, morreu Jesus. Na cruz morreram tantas pessoas. A cruz representa o sofrimento, a dor... A cruz é um fardo pesado, assim como a homo-lesbobi-transfobia. Se uma travesti aparece em plena parada na avenida paulista presa em uma cruz, ela não está fazendo piada de um símbolo deste ou daquele religioso, e sim representando justamente o que se mostrou empiricamente que ela estava certa: o quanto a sociedade julga e coloca na cruz toda e qualquer manifestação feita por LGBT. O Neymar pode aparecer crucificado na capa de uma revista esportiva, uma travesti (maravilhosa) na paulista não. SOCIEDADE: MEÇA SEUS PRECONCEITOS, PARÇA. Mas não era suficiente Malafaias e Cunhas criticando a travesti, precisava vir o gay desinformado e criticar também. Este gay não foi lá ler um texto coeso sobre o ato, ou ainda ler Hanna Arendt, ou sei lá, passear no shopping e assistir algum filme Blockbuster. Não, ele foi à internet comentar contra a travesti e numa tentativa desesperada de aceitação iii

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EU SOU TUDO, MENOS OBRIGADA!


tentar mostrar para os amigos que seguem a moral e os bons costumes judaico-cristãos que ele é diferente desse “povinho que vai para a paulista farrear”. Eu nunca havia ido a uma parada do orgulho LGBT. Antes por motivos chulos, como “e se alguém me ver lá”, ou “e se eu tomar lampadada”, depois por simples comodismo. Mas este ano após tanta política anti-LGBT promovida na internet, pós Fernandinha beijando no horário nobre, pós Daniela Mercury diva e pós Boticário, me senti obrigado (eu posso obrigar a mim mesmo) a ir na parada. E foi ótimo. Senti-me emocionado vendo os trios passando, vendo a paulista lotada com tanta diversidade, vendo a travesti pregada na cruz (sim, eu chorei vendo), mas acima de tudo, vi que eu não estou só. Vi que por mais que diariamente as pessoas que estavam lá lutam tanto contra o preconceito, quando unidas elas fazem grande diferença. Naquele momento, como diria minha nova personagem de seriado favorita (a Naomi de Sense8), eu não era eu, eu era nós, e nós desfilamos com orgulho. Venho então (novamente em tom de levante às armas) pedir para nos armarmos de Empatia e nos unirmos. Vamos lutar contra a sociedade dos rótulos, pois os rótulos diariamente matam pessoas. Vamos ser aquilo que nos une, que nos iguala: vamos ser humanos! Estamos mudando, nossa equipe está aumentando e após um longo hiato estamos de volta. Tudo isso trás de volta algo que eu disse no editorial da primeira edição e é assim que eu quero mais uma vez terminar o editorial dizendo: Esta revista é feita de ideias, e ideias não morrem!

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Paco Sousa Ex ator, ex bailarino e ex futuro linguista. Corrompido pelo gosto pelas exatas, atualemnte graduando em Engenharia de Produção. Administra o Tumblr "Como eu me sinto na Engenharia" e é anelista de produtos na Liga de mercado Financeiro da Ufscar Sorocaba.

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DIVERSIFICO EU, DIVERSIFICA VOCÊ

por Gabriel Prata

Olá, como é bom vê-los novamente! Depois de um longo hiato para colocarmos cada uma das ideias

NOTA DESTA EDIÇÃO

no lugar certo, nada como produzir mais uma edição, dando visibilidade a uma produção lindíssima feita por gente como eu e como você, trazendo à luz da consciência a subjetividade artística da temática LGBT e novas formas de olhar e repensar o ideário da produção popular. E já que estou falando de repensar, aproveito para dizer que passamos estes últimos meses repensando a estrutura da Diversifica. Nosso grupo era bem pequeno e quando a engrenagem começou a rodar, percebemos que precisávamos expandir. Era e é necessário, afinal, como já diz o velho ditado, uma andorinha só não faz verão. Nem duas. Mas com um grupo nos abre diversas possibilidades. Como já devem ter reparado, nossa logo mudou. Nós estamos nos reestruturando internamente expandindo nossa equipe e também repensando alguns elementos de apresentação da revista online. Se tudo muda, e até a bermuda (!), com nossa proposta editorial não seria diferente. Para marcar esse processo de mudança e renovação, abandonamos o logo anterior. Afinal, em plenos anos 2010 e a discussão de gênero mais do que clara transpassando o simples binarismo do homem-mulher, não haveria por que manter um desenho embasado em símbolos que reforçavam esse binarismo. Apesar de acreditar, quando DIV ERS FICAI


criei o símbolo, que a repetição dos símbolos induziria a uma ideia de variedade, a variação de gênero em si não se encerra no reforço de uma simples repetição do binário. Há quem se encontre entre, através, por, sob e sobre eles. Enfim, transversalidades mil que essa questão aborda. Com o conhecimento que temos hoje, graças a esses anos pareados com a militância, e com o que queremos que a Diversifica represente, não vemos mais sentido continuarmos a utilizar este logo. Como é bom evoluir, não? ;) Mudanças são sempre boas, desde que para melhor. Mesmo com toda essa profusão revolucionária, ainda assim manteremos a qualidade, a clareza, o visual clean e todos os elementos necessários para fazer de sua leitura uma experiência agradável e prazerosa. Do jeito que você merece. Muito obrigado e boa leitura!

Gabriel Prata Aquariano, arquiteto e urbanista, pesquisador de tudo e aspirante a artista. Ama filmes dramáticos, gorgonzola e um bom vinho seja sozinho ou na companhia de agradáveis amigos. Iniciou uma revolução quando se fez gente. DIV ERS FICAI

NOTA DO EDITOR

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SUMÁRIO

QUEM É VOCÊ? poema de Diego Sant’Anna

A HISTÓRIA DO MOVIMENTO LGBT artigo de Denilson Pimenta

SUICÍDIO LGBT: O ASSUNTO QUE NINGUÉM QUER FALAR crônica de Willamys Guthyers

ENTRE AS MEMÓRIAS conto de Bruno Zanardo

GUERRA INVISÍVEL poema de Vitória Elisa

F*CK THE GENDER! ensaio de Jo Oliveira

LINIKER música por Vulkania

NEM ADÃO, NEM EVA poema de Guilherme Aniceto

PRÁTICAS PESSOAIS FEMINISTAS E O CORPO NOS PERÍODOS HISTÓRICOS artigo de Danielle Maria Santos CONVERSA DE WHATSAPP poema de Marco Antonio Escobar

DIVANDO websérie de Projeto CAIS

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ASSUMINDO A VIDA conto de Bel Barbiellini

LEVE-ME PARA SAIR websérie de Coletivo Lumika

CULTURA DIGITAL E JUVENTUDE: UMA ANÁLISE DO DOCUMENTÁRIO “LEVE-ME PARA SAIR” artigo de Bárbara Sonnewend e Jéssica Puga NÃO SOU VÍTIMA poema de Guilherme Aniceto

UMA CAMA QUEBRADA teatro de Roberto Muniz Dias

VARANDA poema de Gabriel Prata

AMORES ensaio de Maíra Sampaio

CANTADA CALÓRICA poema de Ulisses Tavares

PABLLO VITTAR música de Pabllo Vittar

BARREIRAS INVISÍVEIS poema de Rô Mierling

AGRADECIMENTOS da Gabriel Prata e Paco Sousa

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Thayse Gomes Photography Studio, 2015.


QUEM É VOCÊ?

por Diego Sant'Anna

Quem é você para dizer que eu não sou normal? Que eu não pertenço ao altar do senhor? Que julga minha forma de amor? Defensor da sociedade e da moral.

Quem é você que aponta meus defeitos Sem se lembrar dos seus? Que diz estar cumprindo seus direitos Esquecendo-se dos meus?

Quem é você que já me condenou? Assumindo um papel que não te foi dado. Que em nome de Deus me abandonou, Deixando sua própria família de lado?

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POEMA 15


Quem é você que enche a boca para falar do Espírito Santo, Mas que não é capaz de amar como ele amou? Com o poder da palavra desperta encanto, Mas seu próprio irmão crucificou?

Quem é você conhecedor da palavra sagrada? Quem distorce o significado de tudo . Que derrama ódio e sangue pela estrada Que utiliza Jesus como escudo?

Quem é você que está livre do pecado? Que já garantiu seu terreno no paraíso? Que aguada ansioso o ultimo juízo Para ocupar seu privilegiado lugar no novo reinado?

16 POEMA

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Diego Sant'Anna Poliglota, estudante de Letras, faz parte de Movimento dos Poetas do Vale. Já foi reconhecido em eventos como Mostra Joseense de Cultura e Mapa Cultural Paulista, Festival Literário da Mantiqueira. Também fora contemplado nos concursos de poesia da Universidade do Vale do Paraíba e da Universidade de Taubaté.

QUEM É VOCÊ?


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Gabriel Prata, 2015.


A HISTÓRIA DO MOVIMENTO LGBT

por Denilson Pimenta

Nova York, 1969 – Até a noite de 28 de junho, lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) eram, sistematicamente, acuados e sofriam todo tipo de preconceitos, agressões e represálias por parte do departamento de polícia de Nova York. Mas nesta noite, a população LGBT, presente no bar Stonewall Inn, se revoltou contra as provocações e investidas da polícia e, munida de coragem, deu um basta àquela triste realidade de opressão. Por três dias e por três noites pessoas LGBT e aliadas resistiram ao cerco policial e a data ficou conhecida como a Revolta de Stonewall. Surgiu o Gay Pride e a resistência conseguiu a atenção de muitos países, em especial a do governo estadunidense, para os seus problemas. Essas pessoas buscavam apenas o respeito próprio e social, além do reconhecimento de que tinham e têm direitos civis iguais ao do restante da população. Podemos colocar a Revolta de Stonewall como o marco inicial do Movimento Homossexual moderno. O levante dos frequentadores do bar gay norte-americano, cansados das agressões constantes e gratuitas da polícia de NY, está para a História do Movimento Homossexual como a Queda da Bastilha para a Revolução Francesa. A homossexualidade é uma orientação sexual existente desde o surgimento do homem, como mostra o achado de um homem de 12.000 a.C. Ele foi encontrado congelado, por arqueólogos austríacos, na fronteira entre a Áustria e a Itália, nos Alpes. Tratava-se provavelmente de um guerreiro que faleceu durante a caçada, surpreendido por uma 18 ARTIGO

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Marsha P. Johnson por Gabriel Prata, 2015.


nevasca. Pelas tatuagens, inferiu-se que era o chefe da tribo. O que surpreende é a descoberta de esperma em seu reto, de características sanguíneas diferentes das suas. Se, em outros tempos e momentos, a homossexualidade era uma prática considerada comum aos padrões morais de determinadas culturas, por sua vez, em períodos distintos da história das mais variadas localizações geográficas, ela se trata de um ato caracterizado como imoral ou pecaminoso. Em alguns países, inclusive, o ato homossexual foi, ou ainda é, crime que pode levar à prisão ou mesmo à pena de morte. No Brasil, o primeiro registro de homossexualidade que se possui acontece durante o próprio Descobrimento. Segundo a pesquisa “História da Homossexualidade no Brasil: Cronologia dos Principais Destaques”, do professor doutor Luiz Mott, do Grupo Gay da Bahia, um dos grandes “descobrimentos” do Brasil foi o fato dos portugueses encontrarem muitos indígenas praticantes do “abominável pecado de sodomia”. A consciência das pessoas LGBT de possuir direitos tanto quanto deveres, entretanto, alvoreceu apenas no final do século 20 e teve maior visibilidade apenas a partir dos anos 1990. A história do ativismo brasileiro de LGBT possui uma amplitude muito maior do que a luta pelos direitos civis. Ainda hoje, homossexuais lutam pelo direito à vida, ao respeito e à dignidade. Diferente de outros, a luta do movimento LGBT ainda não é pela defesa de seus direitos, como acontece com o movimento negro, da criança ou em defesa do meio ambiente, nossa luta ainda é pela conquista dos direitos que qualquer cidadão brasileiro possui e aos LGBT são negados devido à sua orientação sexual ou identidade de gênero.

Lampião O primeiro ato político, ainda de acordo com a pesquisa “História da Homossexualidade no Brasil: Cronologia dos Principais Destaques”, data de 1977, quando o advogado gaúcho João Antônio Mascarenhas, então residindo na cidade do Rio de Janeiro, convida o editor da publicação Gay Sunshine, de São Francisco (EUA), para conferências no Brasil. A ação é considerada a primeira em prol da fundação daquilo que, inicialmente, se convencionou como Movimento Homossexual Brasileiro – nome que seria adotado durante alguns anos, até a decisão de movimentos de todas as partes do país em padronizar a sigla LGBT. Mascarenhas ainda funda, em plena ditadura militar, juntamente 20 ARTIGO

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A HISTÓRIA DO MOVIMENTO LGBT


a outros homossexuais, o jornal Lampião da Esquina, um registro histórico da luta contra o preconceito e pelos direitos civis LGBT. A publicação durou de 1978 a 1981. Em 1985, Mascarenhas ressurge no contexto político brasileiro, colaborando para uma das principais vitórias do Movimento Homossexual Brasileiro, quando o Conselho Federal de Medicina retira “homossexualismo” da classificação de doenças. Volta à cena durante a elaboração da Constituição Federal, quando se torna o primeiro homossexual brasileiro a ser convidado para falar à Assembleia Nacional Constituinte, a fim de debater a inclusão do termo “orientação sexual” no artigo 3º, Inciso IV, que estabelecia “o bem de todos, sem preconceitos contra quaisquer formas de discriminação”. “A cada vez que o assunto entrava em pauta”, narra o jornalista Roldão Arruda, em seu livro Dias de Ira – Uma história verídica de assassinatos autorizados, “a temperatura da Assembleia subia e os debates descambavam para insultos pessoais. Os constituintes contrários à petição dos homossexuais costumavam insinuar que seus defensores tentavam legislar em causa própria. A fúria provinha especialmente de deputados ligados às igrejas evangélicas”. No dia 28 de janeiro de 1988, o termo foi rejeitado pelos representantes da Constituinte. Dos 559 políticos que exerciam mandato no Congresso Nacional, 429 (ou seja, mais de três quartos) se opuseram à proposta de inclusão, no texto constitucional, de proibição de discriminação por orientação sexual. O ativista gaúcho talvez não tenha conseguido um avanço ante o Poder Legislativo, mas construiu em sua trajetória um caminho pelo qual seguiram movimentos sociais LGBT de todas as regiões do país. O surgimento de grupos pioneiros na defesa dos dos Direitos Humanos LGBT, como o extinto Somos (1978), de São Paulo, seu próprio grupo carioca Triângulo Rosa e o Grupo Gay da Bahia (1980) – que, atualmente, é o mais antigo grupo homossexual em atividade na América Latina – comprovam essa ideia. O ativismo gay nos Estados Unidos Nos EUA, o político assumidamente homossexual mais importante da história, por seu pioneirismo, coragem e liderança, Harvey Milk despontava para o mundo. Harvey Bernard Milk nascido na década de 1930, inicialmente um conhecido comerciante do bairro de Castro, um reduto homossexual da DENILSON PIMENTEL

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cidade de São Francisco, foi um político e ativista gay estadunidense. Foi o primeiro homem abertamente gay a ser eleito a um cargo público na Califórnia, após inúmeros fracassos eleitorais, como supervisor da cidade de São Francisco. Milk mudou-se de Nova York para fixar residência em São Francisco em 1972, em meio a uma migração de homossexuais que se deslocaram para Castro na década de 1970. Ele tirou vantagem do crescente poder político e econômico do bairro para promover seus interesses, e candidatou-se sem sucesso três vezes a cargos políticos. Suas campanhas teatrais deram-lhe crescente popularidade, e Milk obteve um assento como supervisor da cidade em 1977, como resultado das mudanças sociais mais amplas que a cidade estava enfrentando. Milk exerceu o mandato por 11 meses e foi responsável pela aprovação de uma rigorosa lei sobre direitos gays para a cidade, além de mediar conflitos entre as forças policiais e a população LGBT. Milk teve importante atuação na derrubada de um projeto de lei que tencionava demitir todos os professores assumidamente homossexuais das escolas norte-americanas. Em 27 de novembro de 1978, Milk e o prefeito George Moscone foram assassinados por Dan White, um homofóbico e conservador supervisor da cidade, que tinha recentemente renunciado mas desejava seu posto de volta. Conflitos entre as tendências liberais que foram responsáveis pela eleição de Milk e a resistência conservadora a essas mudanças foram evidentes nos acontecimentos seguintes aos assassinatos. Apesar da sua curta carreira na política, Milk tornou-se um ícone em São Francisco e no mundo, como ”um mártir dos direitos gays”. Em 2002, Milk foi chamado de “o mais famoso e mais significativo político abertamente LGBT já eleito nos Estados Unidos”. Anne Kronenberg, sua última gerente de campanha, escreveu sobre ele: “O que diferenciava Harvey de você ou de mim era que ele foi um visionário. Ele imaginou um mundo virtuoso dentro de sua cabeça e, em seguida, ele tomou providências para criá-lo de verdade, para todos nós”. Celsu's Bar No Brasil, em âmbito estadual, os números da votação da Constituinte confirmaram que a atmosfera era pesarosa para os LGBT. Em Curitiba, o panorama de repressão não era diferente. Graças ao perfil conservador notório da cidade apenas dois gays – o figurinista Nei Souza e o cabeleireiro Feliciano – eram publicamente assumidos na cidade no ano de 1974. Nesse momento surge um polêmico divisor de águas. O 22 ARTIGO

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Celsu's Bar foi o primeiro local que agregava homossexuais em Curitiba, cujo proprietário, o ator e bailarino Celso Filho, tinha voltado recentemente de uma temporada no exterior. Homossexual assumido e com ideias arejadas e libertárias em relação à vida e à sexualidade, o pioneiro da ampliação do espaço para lésbicas, gays, bissexuais e travestis confirmou, em uma entrevista, de setembro de 1994, ao jornal Folha de Parreira, que “o intuito não era exatamente abrir um bar gay, porque Curitiba era muito repressiva na época. Não existia um local de encontro de gays, as pessoas se escondiam”. Essa falta de referência foi um fator natural para que nascesse, naquele espaço, um gueto com interesses afins. Logo, a espelho do que aconteceu no Stonewall Inn de Nova York, as batidas e perseguições policiais se tornaram constantes, mas também um meio de publicidade às avessas, tanto para o meio LGBT quanto para os negócios do bar. “Cada vez que os jornais noticiavam, o bar enchia mais”, comentou Celso Filho, “e o delegado de Costumes me chamava e dizia: Celso, você está subvertendo a ordem, e eu respondia que o bar é público e frequenta quem quiser”. Um dos fundadores do Grupo Dignidade, Toni Reis, recorda: “Hoje temos vários locais, mas ele foi o primeiro. A polícia revistava de maneira muito desrespeitosa e as pessoas se escondiam. O desrespeito era muito grande”. Durante a década de 1980, Celso chegou a ser preso, aos 70 anos, por “realizar shows sem permissão”, fato que acabou por afastá-lo dos negócios durante os anos 1990. O artista chegou a ganhar um reconhecimento oficial do município pelos serviços prestados. Assim como a perseguição injustificada e o ódio homofóbico da população e das autoridades levou ao levante de Stonewall em 1969, em Curitiba, como reação dos LGBT, surgiu o Grupo Dignidade, pela cidadania de gays e lésbicas. O Grupo Dignidade, fundado em 1992, é o pioneiro na defesa dos direitos de LGBT em Curitiba e a primeira ONG no Brasil a ser reconhecida de interesse público municipal, estadual e federal. Muitos foram os projetos desenvolvidos pelo Dignidade para que a sociedade em que vivemos se tornasse um lugar mais palatável. Com iniciativas como as do Grupo Dignidade, do Grupo Gay da Bahia e tantos outros, as sociedades civis organizadas pela defesa dos direitos homossexuais surgiram em massa Brasil afora; em Curitiba não foi diferente, hoje a Aliança Paranaense pela Cidadania é formada por sete diferentes organizações e tem o objetivo de fortalecer uma atuação DENILSON PIMENTEL

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conjunta e diversificada, capaz de atingir com maior propriedade e objetividade as necessidades de cada um dos segmentos que fazem parte do Movimento LGBT, além de trocarem apoio técnico, político e financeiro entre si. Compõem a Aliança, além do Grupo Dignidade, o CEPAC, o IBDSex, o Dom da Terra, a APPAD, a Artêmis, a Aliança Jovem LGBT e o Transgrupo Marcela Prado. Em 1994, no mês de julho, da articulação do Grupo Dignidade e mais 13 outros grupos LGBT do país, a fim de iniciar uma organização nacional, especificamente voltada às demandas de direitos da população LGBT, nasceu a ABGLT, Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais. A associação surgia como uma alternativa de resposta comunitária e coletiva para a atuação em caráter nacional na defesa, na garantia e na promoção dos direitos dos LGBT, bem como um espaço de cooperação e intercâmbio político para a construção de uma agenda comum de grupos LGBT brasileiros. Atualmente, a ABGLT é uma rede nacional de mais de 280 organizações divididas em grupos LGBT e colaboradoras, voltadas para os direitos humanos e aids. Foi a primeira entidade LGBT de caráter nacional de que se tem notícia e é a maior rede LGBT da América Latina e Caribe.

Denilson Pimenta Junior Diretor de PPJ da UJS PR, Coordenador de comunicação Fórum Paulista LGBT, assessor de comunicação do CEPAC Centro Paranaense de Cidadania e Coordenador Geral do Grupo LAmbda LGBT

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Kalel Souza Photography, 2015.


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Ilustração de Gabriel Prata, 2015.


SUICÍDIO LGBT: o assunto que ninguém quer falar

por Willamys Guthyers

Ninguém gosta de abordar assuntos sobre suicídio, mas a saúde mental das pessoas anda muito abalada nos dias atuais, principalmente se a pessoa for LGBT (Lésbica, Gay, Bissexual, Travesti e Transexual) que sofre discriminação dentro e fora do seu lar, vivenciando atos de preconceito e as vezes sendo vítima de pais violentos que não aceitam a sua orientação sexual e/ou identidade de gênero. Apesar de no Brasil e em outros países da America Latina haver poucos estudos sobre a saúde mental de pessoas LGBT, em países como a Inglaterra, as organizações civis como Stonewall tem realizado estudos com estatísticas dos suicídios dentro da comunidade LGBT. Nesses estudos foi descoberto que 3% dos homossexuais e 5% dos bissexuais tentaram cometer suicídio, enquanto 0,4% da população masculina em geral tentou cometer suicídio. Um em cada dezesseis homossexuais com idade entre 16 e 24 anos tentou tirar a sua vida, enquanto 1% dos homens em geral da mesma idade tentou o mesmo. Outra estatística importante que esse estudo revelou é que um de cada quatorze homossexuais e bissexuais tentaram o suicídio, enquanto 1 em cada 33 homens em geral tentaram acabar com suas vidas. Nessa pesquisa 50% dos homossexuais entrevistados sofreram violência dentro de suas próprias casas, através de seus familiares. Em 2012 a Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, realizou um estudo sobre a relação entre a orientação sexual e o suicídio DIV ERS FICAI

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entre jovens. Os resultados mostraram que os homossexuais têm mais probabilidade de praticar o ato. Além disso, a pesquisa concluiu que o local de convívio social também exerce bastante influência – ambientes mais abertos à homossexualidade apresentam menos casos de suicídio. Cerca de 32.000 jovens anônimos participaram do estudo, os dados analisados pela equipe são provenientes de uma pesquisa anual realizada pelo estado do Oregon, a Oregon Healthy Teens Survey. Os participantes são alunos de escola púbica entre 13 e 17 anos. Com base nas respostas dos jovens, a pesquisa concluiu que a probabilidade de um homossexual cometer suicídio é cinco vezes maior do que um jovem heterossexual. Porém, o ambiente em que o jovem convive pode fazer muita diferença. Os adolescentes que vivem e estudam em locais que aceitam melhor gays e lésbicas têm 25% menos probabilidade de tentar suicídio do que os ambientes mais repressores. Estudos anteriores apontam que o suicídio é a terceira principal causa de morte entre jovens de 15 a 24 anos nos Estados Unidos. De janeiro a novembro desse ano o site “Quem a homofobia matou hoje” que registra os crimes que acontecem com as pessoas LGBT registrou poucos casos de suicídio de homossexuais assumidos, as estatísticas ainda são fracas, pois não se tem números dos homossexuais não assumidos, e é justamente nestes casos onde se há maior número de chances de um LGBT cometer suicídio, pois o fato de ter sua sexualidade reprimida somado com o preconceito e todos os conflitos na cabeça destes jovens os levam há um estado de depressão fazendo com que tirem sua própria vida, mas isso não se torna estatística, é preciso que eles assumam a sua orientação sexual para que os órgãos responsáveis tomem alguma providência e que a sociedade saiba e denuncie como mais um suicídio de LGBT, porém, não é fácil assumir a sua orientação sexual em uma sociedade tão preconceituosa. Em janeiro desse ano a cantora e ícone LGBT Lady Gaga teve que 28 CRÔNICA

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intervir através de sua rede social chamada “Little Monster”, onde um de seus fãs brasileiros chamado Will Nascimento relatou que sofria discriminação por parte de sua mãe que é evangélica e em tom de despedida deixou claro que iria cometer suicídio. A cantora logo entrou em contato e declarou amor ao seu fã, e pediu para que ele não fizesse isso, e explicando que as vezes as pessoas não tem compaixão. O jovem ficou tocado e repensou sobre dar fim a sua vida. A rede social Tumblr também ajuda pessoas com pensamentos suicidas, ao pesquisar a palavra “Suicide” no microblogging, o usuário acessa uma página de aviso questionando se ele ou alguém conhecido está tendo pensamento suicidas e pedindo para que liguem para o CVV (Centro de Valorização da Vida) pelo número 141. O CVV é uma das organizações não-governamentais (ONG) mais WILLAMYS GUTHYERS

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antigas do Brasil, criada no ano de 1962 por um grupo de voluntários, foi reconhecida como entidade de utilidade pública federal em 1973. Sua atuação baseia-se essencialmente no trabalho voluntário de milhares de pessoas distribuídas por todas as regiões do Brasil. A organização é associada ao Befrienders Worldwide, entidade que congrega instituições de apoio emocional e prevenção do suicídio em todo o mundo. Em 2004 e 2005 fez parte do Grupo de Trabalho do Ministério da Saúde para definição da Estratégia Nacional para Prevenção do Suicídio. Sua principal iniciativa é o Programa de Apoio Emocional realizado pelo telefone, chat, e-mil, VoIP, correspondência ou pessoalmente nos postos do CVV em todo o país, o serviço é gratuito.

Willamys Guthyers Estudante de jornalismo da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

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ENTRE AS MEMÓRIAS

por Bruno Zanardo

– Pai, o que que tem do outro lado do planeta? Há momentos em que você pensa que o melhor seria responder as perguntas usando a imaginação, que o melhor seria dar esperanças e ilusões sobre um possível bom futuro. Porém, depois que ele se foi eu me questiono sobre isso, me questiono sobre se não seria melhor ter contato toda a verdade, que do outro lado do planeta não há nada de diferente, há apenas países distantes e com uma cultura alternativa. Acreditamos que o que temos é sempre especial e singular, nada pode ser comparado ao que nos pertence. Comigo não foi diferente, desde que eu o vi naquele abrigo eu acreditei que aquele ser especial e de mentalidade tão evoluída era feito para mim... meu filho. Para mim não havia criança mais inteligente, nem criança mais dedicada às atividades que ele.

– Pai, sempre que tenho medo eu peço a Deus que me proteja. Ele sumiu no dia 15 de novembro de 1993, ainda não usávamos internet, ainda não havia redes sociais para compartilharmos fotos e pedirmos ajuda; tudo o que havia era coragem e esperança. Penso se ele estará rezando para que Deus o proteja... Meu nome é Lucian, eu tinha 27 anos quando meu filho chegou em casa; eu tinha 33 anos quando meu filho desapareceu... Casei-me com o pai do meu filho aos 25 anos e desde o começo quisemos adotar uma criança. DIV ERS FICAI

CONTO 31


Henrique é médico pediatra e trabalha como voluntário no abrigo para crianças vivendo com HIV, quando veio com a notícia que nos inscreveu no processo de adoção do Kayke eu não acreditei. Em poucos meses, quatorze para ser exato, nosso filho estava em casa deitado na cama nova e brincando com os cachorros... os cachorros gostavam muito dele... mas... mas quem não gostava?

– Pai, quando chegarmos ao circo posso ver o leão? – Claro que pode, mas tem que tomar cuidado, porque os leões são muito bravos.

– Mas eu gosto de leões, eles não fariam nenhum mal pra mim. – Acho melhor prevenir, meu filho... – Pai, o Tata não veio porquê? – Porque ele está trabalhando, mas vai nos encontrar daqui a pouco lá no circo. Quando não há quem culpar, quando não há o que pensar as c o i s a s f i c a m m a i s d i f í c e i s . . . a s p e s s oa s t e a p o n t a m p o r irresponsabilidade, te julgam por não saber viver... Naquele dia ele tinha aula de natação, a piscina ficava no clube aos fundos da escola onde ele estudava, ele caminhava cerca de 30 metros da saída da escola até a entrada do clube, ele olhava para o canteiro de margaridas que continha plaquinhas com os nomes dos alunos da escola, ele ria toda vez que passava a mão na grade do clube, 32 CONTO

DIV ERS FICAI

ENTRE AS MEMÓRIAS


porém... ele não entrou no clube, a câmera de vigilância apontada para o portão do clube não o filmou em nenhum momento. No fim da aula eles ligaram para o meu marido, ele disse que não tinha buscado o Kayke, mas que ele ligaria para mim para ver o que aconteceu. Eu recebi a ligação às 17:03. Repasso cada minuto daquele dia em minha cabeça, penso em todas as possibilidades que eu poderia ter realizado, mas não realizei, e me culpo pelo que houve com ele. Ligamos para todos os conhecidos, ligamos para todos os amigos dele, ninguém sabia de nada, ninguém o havia visto. Você nunca vai entender se não passou por isso; não é luto, porque ninguém morreu. É desespero, incapacidade, desesperança... Meu marido absorveu tudo com tanta intensidade que não consegue conversar a respeito mais, não consegue perguntar para mais ninguém, não o culpo... questionaram nosso cuidado, questionaram nossa família. Deram mais ênfase ao fato de sermos gays, do que ao desaparecimento do Kayke. Os dias são tristes, a saudade fica cada dia mais próxima da loucura... Bruno Zanardo Médico, pesquisa sobre homofobia na área da saúde e paternidade de crianças com deficiência. Gosta do ser humano e de suas faces. DIV ERS FICAI

CONTO 33


DIV ER SI FICA

Thayse Gomes Photography Studio, 2015.


GUERRA INVISÍVEL

por Vitória Elisa

Há uma nova guerra acontecendo Ninguém a vê Mas todos a vivem Está no ar Está dentro de nós Uma guerra invisível que ninguém vence E cada um precisa enfrentar só Amigos ou inimigos não se diferenciam Todos estão no mesmo lado e em lados opostos Armas à postos Não há fogo Apenas a dor que arde Não há alarde As mortes são por dentro Vida ao avesso Cansei de ver olhos mortos Distantes num horizonte inexistente O passado presente Quero poder abraçar o mundo DIV ERS FICAI

POEMA 35


E afastar o frio que congela as almas Calar as palavras afiadas E beijar a boca difamadora Segurar a mão de quem agride Se estiverem ocupadas Talvez não machuquem Se forem amadas Talvez não surtem Não é de amor que precisamos É de saber amar De saber desarmar Pois a mão que segura uma arma Tem que saber soltá-la Até então continuamos em guerra A mesma invisível, impotente e solitária Com suicídios não só ao corpo mas à alma Aclamemos! Aclamemos! Não só paz entre as pessoas Mas a paz à nós mesmos!

Vitória Elisa da Silva Galina De Caxias do Sul, tem 17 anos e desde cedo escrever se tornou uma paixão. Juntos, textos e poesias, passam de duzentas obras, grande parte delas publicadas em seu blog particular Ela e as Palavras, variando desde romances a críticas sociais.

36 POEMA

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GUERRA INVISÍVEL


DIV ERSI FICA

Thayse Gomes Photography Studio, 2015.



! K R C E D F N E G E H T Thayse Gomes Photography Studio, 2015.

*

por

ira live O Jo

DIV ERSI FICA


“Somos livres para sermos o que quisermos ser. Isso diz a teoria. A prática cotidiana nos mascara a todo momento, em inúmeras regras de convívio e normatividades devastadoras. Entre quatro paredes a personagem se mascara para poder se libertar, numa fuga pra dentro de si mesmo. Será que podemos mesmo, hoje em dia, sermos o que quisermos ser, com toda segurança que nos é de direito? Até onde meu corpo é meu? Até onde a liberdade nos é natural?” *

A liberdade contemporânea parece sufocar na maré absolutista e impetuosa das condutas impostas e o puro ser simples parece se esvair, esmaecer, quase em fade. Mas, não quando a luz de um set acende e ecoa o grito da essência do ser. Uma persona improvisada nasce e o corpo oprimido e devastado pela norma se liberta, renasce e recria sua identidade. Além gênero, aquém alma. Sentir é o vento e fluir é o norte.

CRUA [ http://cargocollective.com/crua/mascaras ]

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ENSAIO

Jo Oliveira 37 anos. Leonino e pessoense. Jornalista por formação. Cabeleireiro por vocação. Editor de revista, produtor de moda e festas, Virtual DJ e praticante de pole dance. Não vive sem karaokê, cerveja, música, arte, bom humor e carnaval em Olinda.

* DIV ERS FICAI

F*CK THE GENDER!


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Thayse Gomes Photography Studio, 2015.


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Thayse Gomes Photography Studio, 2015.


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Thayse Gomes Photography Studio, Studio, 2015.


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Thayse Gomes Photography Studio, 2015.


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Thayse Gomes Photography Studio, 2015.


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Thayse Gomes Photography Studio, 2015.


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Thayse Gomes Photography Studio, 2015.



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Thayse Gomes Photography Studio, 2015.


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Thayse Gomes Photography Studio, 2015.


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Thayse Gomes Photography Studio, 2015.


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Thayse Gomes Photography Studio, 2015.


F*CK THE GENDER! Fotos/retouching Thayse Gomes (@thaysegomes) Beleza Renata Pinto (@renatapintobelezaria) Modelo Jo Oliveira (@parajeau) Styling Fábio Rodrigues (@fabiorodriigues) Locação Thayse Gomes Photography Studio (João Pessoa/PB)


MÚSICA

DIV I S R E

LINIKER “Liniker” é um projeto musical que traduz a blackmusic e o soul para uma linguagem contemporânea brasileira, com composições autorais em português que trazem como tema central as relações e o amor. Com arranjos que mostram uma guitarra funkeada, baixo e bateria swingada, os sopros sempre presentes, o projeto apresenta as obras de seu EP de lançamento, “Cru”. Nas letras, falas do hoje, da geração do artista, seus amores, seu entendimento sobre gênero e identidade, tratando de assuntos que o atravessam e fazem o corpo dançar.

https://youtu.be/hqfv4Yabc40

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Produção Vulkania Banda Liniker Barros (voz), Guilherme Garboso (bateria), Márcio Bortoloti (trompete), Paulo Costa (baixo), Rafael Barone e Willian Zaharanszki (guitarras), Bárbara Rosa, Ekena Monteiro e Renata Santos (backing vocals) Local Araraquara, Brasil Ano 2015


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MÚSICA 55


NEM ADÃO, NEM EVA

Eu não sou Adão, nem Eva, Sou o fruto proibido, Um arco-íris que surge Quando amar não tem limites. Devo e pago – não que eu deva Algo a mais por ser distinto. Eu queria, pelo uivo, Ver todos os lobos quites. Fiz de mim o que o destino Quis que eu fosse, um menino Que não cresce feito Adão. Não terei Eva ao meu lado, Mas não estou condenado: Amor é libertação.

56 POEMA

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por Guilherme Aniceto


Gabriel Prata, 2015.

Guilherme Ferreira Aniceto Natural de Itajubá, cidade localizada no Sul de Minas Gerais, é universitário do curso de Administração de Empresas na Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI). Tem um poema premiado no VIII Varal de Poesias da Faculdade Metropolitana de Maringá/PR, trabalhos publicados pela Editora Vivara e em edições anteriores da Diversifica. Atualmente, é membro da Academia Juvenil de Letras de Itajubá (AJULI).

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DIV ER SI FICA

Thai Vieira. Genders Brasil, 2015.


PRÁTICAS PESSOAIS FEMINISTAS E O CORPO NOS PERÍODOS HISTÓRICOS

por Danielle Maria Santos

Universidade Estadual de Maringá (UEM)

Este trabalho tem o intuito de demonstrar a minha vivencia na luta feminista contra a cultura de domínio do corpo da mulher e os períodos históricos a respeito do corpo, descritos no texto: A Aranha Baba e Tece a Teia ao Mesmo Tempo, escrito, esse, que pertence ao livro: Reflexões Sobre Laban, O Mestre do Movimento. Palavras-chave Corpo; Feminismo; Sociedade DIV ERS FICAI

ARTIGO 59


Os estudos feministas sobre o corpo da mulher tem como um de seus objetivos, trazer para nós uma nova maneira de pensar e viver socialmente, que contemple a todas as mulheres, e também levantar aspectos dos costumes criados, que ao longo dos períodos cativaram o opressor em seu meio de viver. O corpo feminino no âmbito das artes é identificado como símbolo de desejo, mas á esse mesmo corpo lhe é dado a ordem de calar-se, para se tornar troféu de alguém, reforçando, assim, um dos inúmeros itens que uma mulher tem que possuir, em sua imposta feminilidade. A citação a seguir vem de encontro com o que estou esboçando acima: E talvez por ser a mulher sempre considerada a 'pecadora' da história, é que foram imputados tantos pudores na educação sexual das moças, principalmente no século XVIII, quando lhes era negado o direito de obter conhecimentos acerca de sua sexualidade antes do casamento, mais precisamente a experiência do coito. (MATOS, 2003, p.222)

A história construída acerca do corpo feminino traz consigo padrões que nunca respeitaram de fato as portadoras da biografia escrita historicamente e ainda disseminam ferraduras e correntes de manutenção desse costume patriarcal que é o domínio para si, do corpo feminino, em luta contra esse intrínseco pensamento cultural errôneo, acerca do corpo da mulher o Coletivo Maria Lacerda no qual eu participo, desenvolve em seus trabalhos de militância atividades de comunicação e esclarecimento da população Maringaense, sobre o direito da mulher em ser livre e sua importância que possibilitam reforçar nossa luta com dados históricos acerca do corpo da mulher em diversas épocas e levar a mulher o empoderamento de falar e ser ouvida realmente pela sociedade como um todo. Na sociedade, em ser admitida em todos os aspectos sociais, com o mesmo tratamento que o homem recebe, outro trabalho do Coletivo Maria Lacerda é a realização de estudos de materiais acadêmicos, e, assim, contribuindo intelectualmente na luta de cada integrante participante do 60 ARTIGO

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PRÁTICAS PESSOAIS FEMINISTAS E O CORPO NOS PERÍODOS HISTÓRICOS


Coletivo. No texto de Sandra Lúcia Gomes ´´A Aranha Baba e Tece a Teia ao Mesmo Tempo`` encontramos algumas regras que gerenciavam o corpo ao longo dos períodos, para poder entender melhor o texto e relacioná-lo com a minha vivência na luta feminista decidi colocar aqui uma linha do tempo que foi concebida através de estudos em conjunto com colegas de um grupo de trabalho, realizado na matéria de Expressão Corporal III, com base no escrito da autora Sandra Lúcia Gomes (2006), começarei com: Grécia, a procura do corpo atlético e a valorização deste corpo para a guerra.,Idade Média, o corpo é a casa do pecado e alma conectada com Deus. Renascimento, o homem no centro das coisas. Revolução Industrial, a máquina substitui o homem. ,Idade Contemporânea, á procura do corpo perfeito. A respeito de dominar os corpos como poder, para o dominador deste corpo, Denise Sant`Ana diz: Governar o próprio corpo é condição para governar a sociedade. O controle do corpo é, portanto indissociável da esfera política. Não apenas uma gestão eficaz e elegante da aparência, mas por meio dela, o que se pretende é demonstrar uma administração dos afetos, um domínio irrepreensível das emoções em nome da distinção social.(SANT`ANA, pag.253)

Viver em coletividade é um dos aspectos culturais que se perde ao longo dos anos em nossa sociedade capitalista, resgatar o viver junto não é uma tarefa fácil, exercitar a empatia é algo sempre levantado em nossas reuniões justamente para nos lembrar que somos todas irmãs. Um das características do Coletivo Maria Lacerda é o uso da palavra sororidade termo que se encontra no Diccionario de estúdios de género y feminismos. Buenos Aires: 2009. Sororidade vem do latim, sororis irmã, relativa a qualidade. Se o pacto entre os homens é conhecido como fraternidade e reconhece parceiros e sujeitos políticos excluindo as mulheres, a Sororidade é o pacto entre as mulheres que são reconhecidas DANIELLE MARIA SANTOS

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ARTIGO 61


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Gabriel Prata, 2015.


irmãs, sendo uma dimensão ética, política e prática do feminismo contemporâneo. O “homem” desaparece quando a visão de mundo deixa de ser antropocêntrica e cada mulher passa a ver o mundo a partir de si mesma e de seu gênero, e de maneira crítica, recusa a supremacia e a centralidade do homem como símbolo universal da humanidade. (Maiara Moreira de Rios, pub.25 ago 2013). Organizar-se em pequenos grupos é uma das características dos seres humanos desde os princípios de sua existência. Através da convivência com outras pessoas e outros grupos, ele carrega consigo heranças e significados representados através de símbolos. As significações e relações de interdependências simbólicas se estabelecem em cada ordem social sendo influenciadas por vários fatores tais como o imaginário, as representações, a fachada, o cenário, os grupos, entre outros. (LUNGE, 2002)

Anelise Ferreira Pieniz Lunge (2002) em sua dissertação de mestrado, estuda os corpos dos jovens em ambiente escolar e ressalta a importância da história que aquele indivíduo carrega em si, levanta preocupações que devemos ter com cada singularidade humana e contempla o pensamento de que cada corpo é único, tais pensamentos auxiliam a explicitar contentamento com as aulas de Expressão Corporal III, a cada aula que se passa, e depois que comecei a frequentar e estudar o universo feminista, notei uma disposição de criação de movimentos corporais, mais verdadeiros, sem medo do que os outros pensarão se está ridículo, ou não, enfim passei a perceber as diversas possibilidades que o meu corpo tem, que antes nunca imaginaria possuir, isso pelo fato de que sempre tive o pensamento comum de que corpo só é corpo se for perfeito aos padrões imposto por nosso sistema cultural, fazendo então uma conexão com a frase: Assim olhar para o corpo atual é reconhecer que a ação humana e todos os terrenos por ela tocados - das visões de natureza, de humanidade, de cultura, de humano, de arte, de corpo, de dança, de educação corporal, ás transformação pelas quais as sociedades, o mundo e natureza passam – afetam o corpo e por ele são afetados, inserindo nossa corporeidade, nossa subjetividade num espaço-tempo. Esses fatores constroem uma intrincada teia de revelações de interlocução (GOME.2006 p.269).

Ou seja toda a linha do tempo explicitada no texto mostra que as convenções criadas pelos diferentes períodos tinha o corpo, então, em todas as épocas sentido negativo enquanto a sua percepção e estudo, DANIELLE MARIA SANTOS

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ARTIGO 63


então o que fazer com toda essa bagagem que nós mulheres principalmente carregamos no que é a respeito de se conhecer a si mesma como, dona do próprio corpo. Hoje encontrei um meio de tentar quebrar essas amarras construídas em cima do corpo através da vida em coletivo em prol da luta de direitos iguais para homens e mulheres, tanto no âmbito social quanto no que diz a respeito do eu individual, é possível sim converter esses pensamentos, reconhecer e saber ouvir o próprio corpo é a chave da mudança. REFERÊNCIAS LUNGE, Anelise Ferreira Pieniz. Corpo e imaginário social: uma análise das representações corporais de jovens do sexo feminino de um ambiente escolar. Dissertação (mestrado), Programa de Pós-Graduação em Educação Física, Universidade Federal de Santa Catarina, 2002. D i s p o n í v e l e m : <https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/84178>. Acesso em 25 out. 2015. ANGELI, Daniela. Uma breve história das representações do corpo feminino na sociedade. In: Revista de Estududos Feministas, vol. 12, n. 2. Florianópolis, maio/ago, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104026X2004000200017&script=sci_arttext>. Acesso em 25 out. 2015. GOMES, Sandra Lúcia. A Aranha Baba e Tece a Teia ao Mesmo Tempo In: Reflexões de Laban, O Mestre do Movimento. Ed.Summus: São Paulo, 2006.

Danielle Maria Santos Pesquisadora na Universidade Estadual de Maringá (UEM).

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Thai Vieira. Genders Brasil, 2015.


CONVERSA DE WHATSAPP

por Marco Antonio Escobar

– Uma palavra por vez. Não quer conversa? – Não. – E o que eu te fiz para você me tratar assim? – Nada. – Será que eu disse algo que não deveria ter dito? – Não. – Então eu fiz algo que não poderia fazer? – Não. – Eu preciso entender o que aconteceu! – Dá um tempo. – Mas você nunca foi assim, sempre falou o que pensava! – Mudei. – Você... você tem outro? – Não. Tenho outra.

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Marco Antonio Martins Escobar Professor e poeta, retrata relaçþes cotidianas e aparentemente banais em seus textos, tratando com naturalidade as infinitas possibilidades do sentir-se humano.


WEBSÉRIE

DIV I S R E

DIVANDO Uma série contemporânea que aborda temas tabus até dentro do nicho LGBT. O projeto destrincha a vida de uma drag queen, “Madame Deslize” e mostra a rotina de profissionais da área sempre investindo no humor e na sutileza com que os dramas são relatados. A trama ainda aborda temas como a deficiência auditiva e as dificuldades que um surdo enfrenta no barulhento mundo gay, compulsão sexual, violência doméstica entre um casal gay e homofobia. Os personagens vão se intercalando em situações cotidianas e as reviravoltas do enredo contribuem para o ar folhetinesco da história. https://youtu.be/AH7XPcB6oZs

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Direção Daniel Sena Elenco Irail Rezende, Renato Ferrier, Felipe Coelho, Wesley Fernandes, Jefferson Mello, Nathalia Guillen, Felipe Venites, Emilio Faustino, Gustavo Panoni, Danilo Reis, Pedro Soares, Yuri Garcia, Debora Welker, Eric Barros, Thiago Salles, Well Rianc, Kelvin Amorim, Rai Techimann, Luiza Braga, Diego Volpi Local São Paulo, Brasil Ano 2015 Formato e duração 18 episódios de 30 a 45 minutos, divididos em 02 temporadas


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ASSUMINDO A VIDA

por Bel Barbiellini

Ela estava sufocando! O ar parecia lhe faltar. Trancada, presa, ou melhor dizendo, escondida, tinha receio de sair! Sentia vontade de gritar para quem quissesse ouvir que era dona do seu nariz e que podia fazer o que bem entendia, mas o medo de magoar quem mais amava na vida era maior que sua própria vontade de viver...

– Magoar quem mais amo? Como posso magoar quem mais amo sendo feliz? Sendo eu mesma? Seria tão mais fácil e simples sair daqui e poder conversar, falar dos meus sentimentos, das minhas dúvidas... Falar que não escolhi isso prá mim, apenas me descobri assim... Ela queria sair, se libertar!

– Quero ter o ombro amigo da minha mãe, o colo do meu pai... Quero ouví-los a me chamar de minha garota, de minha princesa outra vez... eu sei que não tenho mais aquela aparência meiga e delicada de quando eu era uma criança, que minha voz ficou estranha, minhas tranças se transformaram em lembranças da minha infância e foram substituidas muitas vezes por um boné, que meus modos são mais prá garota sapeca do que para uma delicada princesa! – A minha aparência é que mudou. serei... A filha deles!

Sou, e sempre

Ela olhava a vida passar pelas frestas da porta, via as cores do mundo tão cheias de alegria, e ela ali, fingindo ser quem não era, vivendo em preto e branco uma realidade que não lhe pertencia!

– Quero me vestir do meu jeito e não usar um 70 CONTO

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vestido que a tia Luci escolheu, de lacinho e borboletas cor de rosa! Quero trazer meus amigos prá casa sem correr o risco de que eles nunca mais voltem por causa de cara feia ou de uma palavra mal dita! Quero sair daqui de dentro e ter uma vida normal, andar na rua sem ser apontada, não ganhar apelidos chulos ou ser alvo de brincadeiras de mau gosto... Ela tinha um desejo – Ser considerada normal! Afinal ela se sentia igual a todo mundo, de carne e osso, humana como qualquer outra pessoa... Como eu, como você!

– Que importa aos outros se os labios que beijo são iguais aos meus? Ora, ela também é filha de Deus! Queria poder andar nas avenidas de mãos dadas não somente nos dias de paradas ou em uma semana do ano dedicada ao orgulho de ser um aglomerado de letras... Queria que seus encontros fossem as claras sem receio de ser atacada por lampadas fluorescentes ou levar socos e pontapés de jovens supostamente mais normais do que ela! Ela queria tanto, ela quer tanto... (Suspiro) Sentia-se cansada... Deixou seu corpo escorregar entre os cabides e chorou, chorou muito! Quando as lágrimas cessaram pareceu se sentir melhor, mais calma. Outro suspiro, agora longo e profundo, a fez recuperar as forças, e foi assim que de repente percebeu que acabara de fazer a sua opção... Não queria mais brincar de esconde-esconde, não queria mais ficar trancada dentro deste armário! Despiu-se de seus adereços, abriu a porta e saiu. Foi tentar ser feliz, quem sabe para sempre! DIV ERS FICAI

Bel Barbiellini Escreve desde a adolescência, mas só tirou suas palavras do armário recentemente, quando teve um projeto aprovado pelo Proac - de temática LGBT em 2013, lançando seu 1º livro – O Outro Lado do Muro.

CONTO 71


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Anderson Sutherland, Genders Brasil, 2015.


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LEVE-ME PARA SAIR Amigas, balada, namorado lindo. Helena tem a vida de novela que um monte de menina de 16 anda procurando, mas ela está de saco cheio. Sem saber ao certo o que está errado, ela conhece Caiú (19), uma menina diferente que vira sua vida de cabeça para baixo. Enquanto isso, Felipe (19), Marcelo (17) e Letícia (21) planejam uma festa para os amigos. Felipe está ansioso, esperando a chegada de Zé (20) e Marcelo e Letícia se divertem observando os casais que estão prestes a se formar. Caiú leva Helena para sair na festa dos amigos e a noite acaba sendo mais longa do que todos imaginavam.

https://youtu.be/giyfzYcJ9uc?list=PLYqc9NyMU8jL6tKvF7vYTigZ9fL

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_________________________ Direção Coletivo Lumika Elenco Brenda Sonnewend, Sthéphanie Máscara, Débora Veneziani, Raul Scarabusci, Matheus Martins, Júlio Silvério e Pedro Costa. Local São Paulo, Brasil Ano 2013 Duração 50 minutos


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CULTURA DIGITAL E JUVENTUDE: uma análise do documentário “Leve-me para sair”

por Bárbara Sonnewend e Jéssica Puga

Pontifícia Universidade Católica, PUC - São Paulo

Com a consolidação da cultura digital moldamos nossa maneira de se informar, se relacionar e principalmente consumir conteúdo audiovisual. Propõe-se nesse artigo uma análise do processo de produção e a repercussão do documentário “Leve-me pra sair”, realizado para a internet, que aborda o tema da identidade sexual na adolescência entre jovens de classe média (16-18 anos) da cidade de São Paulo. Palavras-chave Cultura digital; Cibernativos; Identidade sexual; Documentário 6

ARTIGO

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1. CULTURA DIGITAL , CIBERNATIVOS E IDENTIDADE Segundo Rüdiger (2005) o surgimento de novas tecnologias de comunicação, e como a sociedade lida com estas, são fenômenos que marcam o surgimento de um novo programa ocidental, que pode ser nomeado de Pós-Modernidade. O acelerado desenvolvimento tecnológico promove o surgimento de uma nova cultura e pensamento, com reflexos fenomenológicos, gerando novas maneiras de formar e informar a sociedade. Atualmente pode-se dizer que todas as novas tecnologias incidem sobre todas as formas de produção de enunciados, imagens, pensamentos e afetos. “A cibercultura implica tudo o que de mais socialmente importante vem à luz no contemporâneo, na medida em que todos os objetos, procedimentos e processos doravante predominantes dependem, em alguma medida, da matriz informática da tecnologia” (Trivinho: 2001, p.60). É nesse contexto que surge uma geração de garotos que foram totalmente imersos na cultura digital antes mesmo de serem alfabetizados. Tal geração é usualmente nomeada como: Geração Z, Geração Zap, Geração Digital, Geração Internet, Geração PontoCom, Geração Net (NGen), Nativos Digitais, entre outros. No presente artigo adotaremos o termo cibernativos. Está surgindo uma nova cultura jovem, que envolve muito mais do que simplesmente cultura de música pop, MTV e filmes. É uma nova cultura no sentido mais amplo, definida como os padrões socialmente transmitidos e compartilhados de comportamento, costumes, atitudes e códigos tácitos, crenças e valores, artes, conhecimento e formas sociais. (Tapscott: 1999, p.53) Os garotos dessa geração não mudaram apenas em termos de avanço em relação aos do passado, nem simplesmente mudaram suas gírias, roupas, enfeites corporais, ou estilos, como aconteceu entre as gerações anteriores. Aconteceu BÁRBARA SONNEWEND E JÉSSICA PUGA

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ARTIGO

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uma grande descontinuidade. Alguém pode até chamá-la de apenas uma 'singularidade' – um evento no qual as coisas são tão mudadas que não há volta. Esta então chamada de 'singularidade' é a chegada e a rápida difusão da tecnologia digital nas últimas décadas do século XX. (Prensky: 2001, arquivo digital, grifos do autor)

Ao conceder ao cibernativo a possibilidade de transitar por diversos locais ao mesmo tempo, interagir com indivíduos ou grupos simultaneamente, produzir e absorver uma oceânica gama de discursos e imagens, o ciberespaço torna-se um ambiente propício para a fragmentação da identidade, ou melhor, para o indivíduo fragmentado. “Não há mais o indivíduo, mas o 'divíduo' (Dividuum), uma vez que também a individualidade se constitui pelo processo de montagem efêmera de componentes que se tornam rapidamente obsoletos” (Baitello Jr.:2009, p.10). Não é de hoje que as grandes questões existenciais, que assombram a vida dos adolescentes, se mostram relacionadas com problemas de identidade. A adolescência se apresenta como a fase do “ainda estou moldando quem eu sou” e das tantas perguntas que esta implicação levanta. Ser jovem, no mundo de hoje, traz muito mais dúvidas do que respostas: Qual a melhor carreira a seguir? Namorar ou ficar? Homem, mulher, ou os dois? Em meio a um emaranhado de siglas (GLS, GLBTTT, LGBT) que buscam, relutantes, abranger a diversidade sexual, pré-adolescentes, adolescentes e jovens adultos, descobrem, experimentam e (re)afirmam constantemente suas identidades. Homossexuais, transgêneros, bissexuais, cross-dressers, assexuais e tantas outras denominações, compõem grupos de indivíduos tão complexos quanto a própria dificuldade semântica de dividi-los e categorizá-los. “[...] ocorre o desmoronamento dos conceitos universais (a História, o Ser, a humanidade, Deus, etc.), com a consequente obliteração das essências e constantes histórico-antropológicas que presidem a embaralhamento das oposições binárias claras e distintas (esquerda e direita, Ocidente e Oriente, público e privado, indivíduo e sociedade, interno e externo, objetivo e subjetivo, razão e imaginário, real e ficção, como meio e fim, passado, presente e futuro, emissor e receptor, ativo e passivo, sedentário e nômade, autômato e humano, etc.) com consequente promoção do hibridismos / (con)fusões e de inversões, aqui incluso o destronamento do ente humano pela tecnologia através do acoplamento irreversível entre ele e a máquina.” (Trivinho: 2001, p.44) O único e maior problema que a educação enfrenta hoje é que os nossos instrutores Imigrantes Digitais, que usam uma linguagem ultrapassada (da era pré-digital), estão lutando 78 ARTIGO

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CULTURA DIGITAL E JUVENTUDE


para ensinar uma população que fala uma linguagem totalmente nova. Isto é óbvio aos Nativos Digitais – as escolas freqüentemente sentem como nós tivéssemos criado uma população de sotaque forte, estrangeiros incompreensíveis para ensiná-los. Eles geralmente não podem entender o que os Imigrantes estão dizendo. (Prensky: 2001, arquivo digital)

Os cibernativos se fazem existentes ao terem a possibilidade diária e variável de identidade a apenas um search de distância. A reflexão sobre juventude cibernativa e sexualidade nos leva a identificar um traço específico da internet como agente formador. Como ambiente colaborativo, a cibercultura abre espaço e visibilidade para muitos mais produtores de conteúdo.

2. PRODUÇÃO AUDIOVISUAL E DIVERSIDADE SEXUAL Com a evolução tecnológica, novas mídias se desdobram a partir da invenção da fotografia. Apoiadas na popularização dos dispositivos e linguagens anteriores, as novas mídias carregam o DNA de suas antecessoras, mutando-se e levantando repetidamente questões como a (in)existência de qualidade artística e dúvidas quanto ao seu potencial crítico-reflexivo. O cinema surge inicialmente como a “fotografia em movimento”, para depois de consolidada sua linguagem, ramificar-se na televisão, no vídeo e no que é de recorte deste trabalho: o conteúdo audiovisual especificamente gerado para a internet. A validação qualitativa desse tipo de conteúdo é desafiada pela característica quantitativa da produção descentralizada, patrocinada pela própria evolução tecnológica. A cultura digital ergue-se sobre questões democráticas de consumo e produção midiática que, associadas à facilidade de captação, edição e alteração de material em vídeo, criam na rede um vasto catálogo de produtos audiovisuais que colaboram para o crescimento da produção de conteúdo de nicho. O ciberespaço é um ambiente de circulação de discussões pluralistas, reforçando competências diferenciadas e aproveitando o caldo de conhecimento que é gerado dos laços comunitários, podendo potencializar a troca de competências, gerando a coletivização dos saberes. (Lemos: 2010, p.135)

De acordo com estatísticas disponibilizadas pela própria plataforma, 100 horas de vídeo são carregadas para o YouTube a cada minuto (Estatísticas do Youtube, 2013). O sistema de categorização e busca, através de palavras-chave e tags, molda um ambiente de BÁRBARA SONNEWEND E JÉSSICA PUGA

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distribuição personalizado para cada usuário. De acordo com as buscas realizadas pelo próprio internauta, a plataforma seleciona e posteriormente oferece conteúdos relacionados ao histórico de pesquisa, formando então uma rede de distribuição de nicho que permite que cada indivíduo descubra conteúdos relacionados à sua localização geográfica, grupos sociais, hobbies e até orientação sexual. O cinema, em seu caminho centenário, afirmou e continua a experimentar seu potencial reflexivo de contextos históricos, políticos e sociais. As obras audiovisuais, sejam elas voltadas principalmente para o lucro, como é o caso dos blockbusters americanos, ou passando pelo cinema independente, até peças experimentais de vídeo, carregam o potencial de fazer emergir no espectador um íntimo relacionamento com as questões apresentadas. De acordo com Wilton Garcia (2010): Ao acompanhar o desenvolvimento de uma narrativa audiovisual, o espectador possui o interesse de digerir, em seu estado emocional, contemplativo e prazeroso, uma possível intenção reflexivo-explicativa (objetiva), ainda que constituída de uma ação estético-poética (subjetiva), ou seja, uma resultante simbólica e/ou emblemática. Nessa trajetória, observo um acréscimo gradual de projetos audiovisuais veiculando a diversidade sexual, o que pode ser constatado como tendência recente no documentário brasileiro, bem como no internacional. (Garcia: 2010, arquivo digital)

O documentário, por normalmente retratar acontecimentos, lugares e pessoas reais, nos aponta para a direção de uma obra que se mostra adequada para retratar temáticas atuais, como é o caso da diversidade sexual. Garcia descreve a tendência da produção audiovisual em abordar o tema, como uma tentativa de aproximação com a sociedade: A expectativa de estudar os parâmetros que absorvem forma e conteúdo em um videodocumentário requer descrever alguns traços pontuais de (re)significações e da diegese – devorar a ideia –, na medida em que revigora e legitima as comunidades lésbicas, gays, bissexuais e transexuais (LGBT) no mundo. A decisão de tocar nesse ponto é fator determinante para tentar aproximar-se da agenda da sociedade. (Garcia: 2010, arquivo digital)

O fato de surgirem cada vez mais obras audiovisuais abordando a diversidade sexual, pode ser sintoma da efervescência da temática que atualmente se apresenta em diversas manifestações culturais, como festivais de cinema, a exemplo do consolidado Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade e o Close: Festival Nacional de Cinema da 80 ARTIGO

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Diversidade Sexual. Além dos festivais, políticas públicas de incentivo à cultura especificamente voltadas para o tema também têm espaço no estado de São Paulo, como o Programa de Ação Cultural da Secretaria de Estado da Cultura, que promove um edital anual de promoção das manifestações com temática LGBT.

3. LEVE-ME PRA SAIR - DOCUMENTÁRIO Inserido no contexto do amplo acesso da juventude a cultura digital, da obra audiovisual como mídia reflexiva e da efervescência da temática da diversidade sexual, o documentário de curta-metragem “Leveme pra sair” abre espaço para discussão sobre a obra, bem como sua repercussão no meio disponibilizado, a internet. O documentário surgiu como um projeto selecionado pelo Programa de Ação Cultural da Secretaria de Estado da Cultura com o intuito de abordar a construção da identidade sexual entre jovens de 16 a 18 anos identificados como homossexuais na cidade de São Paulo. A motivação para a realização do projeto surgiu do interesse em se começar a entender a maneira que esses jovens vem lidando com questões como sexualidade, identidade, (in)tolerância, entre outros. No decorrer do processo, tinha-se a pretensão de mapear, ainda que sem plena compreensão, diferenças entre a geração cibernativa e a geração de Imigrantes digitais da qual os realizadores fazem parte, visando constatar como 10 anos imersos na cultura digital podem promover reinvenções de valores que no passado demorariam muito mais tempo. A premissa do projeto consistia em dar voz a um grupo de jovens sem, no entanto, a pretensão de representar toda uma geração, principalmente por conta da grande diversidade territorial e de classes sociais encontrada em nosso país. O documentário pretendia, secundariamente, ser um registro atual da relação desses jovens com o mundo a sua volta, incluindo cultura, arte, política e sociedade, além de efetivamente comunicar-se com esse nicho, colocando em evidência a homossexualidade como uma característica natural do ser humano, visando reduzir o preconceito e ajudar a criar um ambiente cada vez mais propício para os jovens se expressarem. Para uma obra pensada para ser distribuída através da internet, a rede se mostrou essencial durante todo o processo de produção do documentário. Desde pesquisas em relação a linguagem, tendências de design e comportamento, até na busca dos entrevistados. Encontrar jovens menores de idade dispostos a expor sua identidade a um grupo de documentaristas e, posteriormente, ao mundo, mostrou ser um desafio que só foi resolvido por conta da facilidade de se fazer contatos através da internet. BÁRBARA SONNEWEND E JÉSSICA PUGA

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A opção por entrevistar somente jovens que se identifiquem como homossexuais e bissexuais ao invés de expandir o foco foi tomada em benefício ao dispositivo que tinha a intenção de expressar a relação do jovem gay com a sociedade em um olhar de dentro para fora. O roteiro do documentário procurou abordar aspectos culturais, conflitos internos, aspirações, aceitação pessoal, preconceito, relacionamentos amorosos, além de representar através das imagens e sons, a estética da juventude. A obra finalizada apresenta os depoimentos de nove jovens divididos em blocos, decisão tomada por consequência da “cultura de abas”, que proporciona uma navegação fragmentada, inimiga de conteúdos extensos e muito diferente do cinema. Os temas abordados no documentário misturam conteúdo lúdico, trazendo passagens descontraídas e até alguns palavrões, com relatos sinceros de inquietações quanto ao futuro e ao preconceito da sociedade. No decorrer do vídeo os jovens respondem às seguintes questões: sexualidade ser ou não ser uma opção, termos que definem a homossexualidade e o uso apropriado ou pejorativo deles, a homossexualidade como característica decisiva ou somativa em relação à identidade, experiências de “sair do armário”, (in)existência do “gaydar”, gírias específicas desse nicho e opiniões quanto ao preconceito e homofobia. Todos os dias “Leve-me pra Sair” recebe cerca de 400 novas visualizações no Youtube, há menos de um ano online, o filme já possuí mais de 130 mil visualizações. Com a estreia de novos projetos dos mesmos produtores na internet (criando um canal que será alimentado constantemente no Youtube), a tendência é que a visibilidade do filme aumente. Essa característica da internet de tornar projetos suspensos no espaço-tempo (sempre disponíveis a um search) é um jogo do qual o próprio curta-metragem se beneficia. Por exemplo, com a divulgação em massa do projeto “Cura gay” do Deputado Federal Pastor Feliciano, o documentário teve maior procura durante os últimos meses (maio/junho de 2013), sendo assim, a cada mês o “Leve-me pra sair” gera novas discussões sobre diversos ângulos e contextos. O projeto do documentário acontece como evento dialógico, apenas com a participação do espectador. “O paradigma da representação, a ideia do belo, a contemplação da imagem ou de um objeto é trocada pela ideia de um processo a ser vivido” (Domingues: 2002, p.63). “O núcleo de tal sociedade não seria mais a circulação entre imagem e homem, mas sim a troca de informação entre homens por intermédio de imagem” (Flusser: 2007, p.71). O espectador perde sua passividade. Nesse momento, o autor cede espaço a vários co-autores que desencadeiam outras possibilidades de direções durante a experiência. E 82 ARTIGO

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todas essas informações podem ser recombinadas ou acessadas, existindo potencialmente em um mundo virtual. (Levy apud Domingues: 2002, p.66)

O recorte utilizado para a criação do documentário de “jovens da classe-média paulistana” é uma discussão que sempre reaparece nos comentários do vídeo. Muitos dos expectadores sentem falta de uma maior abrangência do tema, de uma maior variedade de entrevistados. Sente-se a necessidade de entrevistar jovens de outras classes sociais, representantes de outras cidades, pessoas com maior amadurecimento sobre o tema proposto, jovens héteros/trans/bissexuais e principalmente jovens negros. O público do documentário parece sedento por informação sobre o assunto e cria a expectativa de que o “Leve-me pra Sair” consiga abraçar os mais diversos recortes, temas e posicionamentos que existem. Com esse tipo de feedback nota-se que existe uma escassez de conteúdo nacional sobre diversidade sexual, voltado especialmente para o público jovem e que esteja disponível na internet. Fora da rede o documentário já recebeu diversos prêmios de festivais. Em 2013 premiado pelo Festival COMKIDS Ibero Americano, como primeiro lugar na categoria de audiovisual produzido para a faixa etária de 12-15 anos. Através deste festival o Coletivo Lumika recentemente representou a Ibero America no festival “Prix Jeunesse International 2014” realizado em Munique (Alemanha), onde foi nomeado ao prêmio de “Igualdade de Gênero”.

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REFERÊNCIAS BAITELO JR., N. Introdução. In: FLUSSER, V. O universo das imagens técnicas: elogio da superficialidade. Revisão: Gustavo Bernardo. São Paulo, Annablume, 2010. DOMINGUES, D. Criação e Interatividade na Ciberarte. Experimento, São Paulo, 2002. ESTATÍSTICAS do Youtube. Disponível em: <https://www.youtube.com/yt/press/pt-PT/statistics.html>, acesso em 7 de julho de 2013. FLUSSER, V. O mundo codificado: por uma filosofia da comunicação. São Paulo, Cosac Naif, 2007. GARCIA, W. Diversidade sexual no documentário brasileiro: estudos contemporâneos. Bagoas, n.5, 2010, arquivo digital. LEMOS, A. Cibercultura: tecnologia e vida social na cultura contemporânea. 2a ed. Porto Alegre, Sulina, 2004. (Coleção Cibercultura)

Bárbara Sonnewend Formada em Design pelo centro Universitário Senac, há três anos vem se dedicando à pesquisa de linguagem produzida pelo jovem contemporâneo. Atualmente faz pós-graduação na PUCSP em 'Estéticas Tecnológicas' e na FFLCH em 'Diversidade de gêneros e orientações sexuais'.

PRENSKY, M. Nativos digitais, Imigrantes digitais. Tradução por Roberta de Moraes Jesus de Souza. On The Horizon, NCB University Press, v.9, n.5, outubro de 2001. RÜDIGER, F. Elementos para a crítica da cibercultura: sujeito, objeto e interação na era das novas tecnologias de comunicação. São Paulo, Hacker Editores, 2005. TAPSCOTT, Don. A hora da geração digital: como os jovens cresceram usando a internet estão mudando tudo, das empresas aos governos. Tradução Marcello Lino. Rio de Janeiro, Agir Negócios, 1999. TRIVINHO, E. O mal-estar da teoria: a condição da crítica na sociedade tecnológica atual. Rio de Janeiro, Quartet, 2001. 82 ARTIGO

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Jéssica Puga Formada em Audiovisual pelo Centro Universitário Senac. Atua na área de desenvolvimento de jogos eletrônicos como game designer, área na qual também desenvolve pesquisa de mestrado pela PUC-SP. Integrante do Coletivo Lumika, participa da criação e desenvolvimento de projetos audiovisuais que abordam a temática da diversidade sexual voltada para jovens.

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NÃO SOU VÍTIMA

por Guilherme Aniceto

Não, eu não sou homem que quer ser mulher. Nem mulher presa dentro de homem. Mulheres na minha vida eu já tenho duas. Mãe e irmã. Já bastam para amar. Não, eu não optei vestir-me de vítima. Não sou vítima. Na maior parte do tempo, me sinto amado noventa e nove por cento do dia, um por cento é insegurança. Ser amado, a propósito, é a meta de todo homem. De toda mulher. De todo ser que respira. Não sou - repito - vítima. Réptil, já saí da carapaça. Vestido, já fui tirado do armário e fui ao baile. O baile é belo.

AUTOR

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CATEGORIA

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Belo como a alvorada. Um renascimento. E dele, não preciso ir embora antes da meia-noite. Não preciso fugir da madrasta. Não sou - reitero - vítima. Minha felicidade é legítima. Meu amor é de verdade. Como o dos outros, ele invade o salão do baile e valsa. Valsa até cansar. Ele é meu álibi. Minha absorção. Absolvição. Que culpa tenho eu? Não sou homem que quer ser mulher. Nem mulher presa dentro de homem. Nasci homem, e morrerei homem, mas não vítima da vida.

Guilherme Ferreira Aniceto Opa! Parece que já lhe apresentamos este autor na página 56. ;-)


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Kalel Sousa, Genders Brasil, 2015.


TEATRO

UMA CAMA QUEBRADA Um espetáculo livremente inspirado no livro “Urânios", do escritor piauiense Roberto Muniz Dias, escrito em 2013. É uma tentativa de sintetizar o pensamento do escritor acerca da poliafetividade, da desilusão amorosa e da desconstrução dos desejos. A obra conta a história de uma personagem que viveu uma relação amorosa com outros dois homens. A narrativa é entrecortada pelas falas deste mesmo personagem em três tempos: o convívio, a separação e o diálogo inusitado com a figura misteriosa de um quadro. A peça se aventura nestas memórias de um amor nada convencional. Entre o presente e o passado, um quadro de um galo colorido o remete sempre a esta paixão inusitada. O amor entre estes três homens se intensifica à medida que não descobrem o que fazer com ele. No final, as identidades são esfaceladas pela lembrança, pelos medos, ciúmes e a morte das coisas vivas. A peça encerra um tema contemporâneo que discute as relações afetivas pós-modernas.

DIV I S R E

https://www.youtube.com/watch?v=UQD63X2WD40

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_________________________ Direção Samuel Araújo Elenco Hugo Leonardo, Gustavo Reinecken e Samuel Araújo Texto Roberto Muniz Dias Local Brasília, Brasil Ano 2015


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TEATRO 89


90 POEMA DIV ERS FICAI

Aquela varanda d’um’alma boa...

Aquele beijo fantasioso, ardente

Aquela noite quente

Em qual número estará

Pergunto eu

Em meio ao mar de prédios e andares

Por aquelas bandas passam

Sempre quando os pneus do ônibus

Na frieza da tela d’um celular

Foi isso que me disse o moço

Durmo na varanda quando assim

Uma noite tão quente

VARANDA por Gabriel Prata


Gabriel Prata, 2015.

Gabriel Prata Opa! Parece que jรก lhe apresentamos este autor lรก na nota do editor... =)

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AMORES

por Maíra Sampaio

“Amores” nasceu em um pequeno passeio até Pedreira-SP. Surgiu da ânsia pela beleza do beijo na boca, nas mãos, no peito, as carícias. Nasceu da necessidade das caricias essenciais, do afagar e ser afagada. O belo que se faz presentes quando nos sentimos amados e amamos. “Amores” no sussurra sobre essa instância humana, tão falada e pouco definida: chamada amor. DIV ERS FICAI

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Maíra Sampaio, 2015.


Maíra Sampaio Poeta de versos riscados fala e fotografa sobre o mundo e sobre a sua esperança por uma sociedade justa e igualitária. É uma dentre os sete poetas que compõem o livro Sê-los que será lançado em Setembro desse ano. Produtora, junto com Douglas Garzo do Sarau «A vida é a arte do encontro» e com Vinícius Xegado e Gabriela Guinatti o Sarau de Boteco. Blog versosquerisco.blogspot.com.br.

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Maíra Sampaio, 2015.


CANTADA CALÓRICA

por Ulisses Tavares

Depois dessa fatia de bolo, Mantenha sua dieta E coma este tolo, Querida pessoa. O bolo tem 540 calorias, Sexo gasta 21 calorias. Faça as contas, numa boa: Você vai ter de me comer por dias.

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Ulisses Tavares 63 anos, 128 livros publicados e diversas profissões/atividades simultâneas e/ou alternadas dependendo da fase: professor; criativo publicitário; jornalista; dramaturgo; marqueteiro político; compositor; ativista político; defensor dos animais; e poeta desde que nasceu. DIV ERS FICAI

POEMA 99


MÚSICA

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PABLLO VITTAR A drag queen maranhense Pabllo Vittar está destruindo carreiras com uma adaptação em forma de samba do mega-hit pop “Lean On”, do Major Lazer. A música aborda um tema cotidiano, a superação amorosa em uma pista de dança regada a muita música e bebida boas, e o vídeo é estrelado por um elenco de pessoas lindas e dragqueens maravilhosas. Vale a pena conferir e colocar para dançar no churrasco de domingo da família tradicional brasileira.

https://youtu.be/giyfzYcJ9uc?list=PLYqc9NyMU8jL6tKvF7vYTigZ9fL Vv35Z4

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_________________________ Direção Leocádio Rezende Produção Gorky (Bonde do Rolê), Omulu, Strausz e Maffalda Local Rio de Janeiro, Brasil Ano 2015


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MÚSICA 101 105


BARREIRAS INVISÍVEIS

por Rô Mierling

Por muitas vezes tentamos atingir objetivos e encontramos dificuldades no caminho. Quando parar de tentar? Quando desistir? Quando mudar de rumo e continuar em frente na direção do sucesso e felicidade, mas por outro caminho? Esses são as dúvidas que permeiam nossas mentes frente a certos obstáculos da vida. Na varanda de minha casa não havia muretas nem contenções, os pássaros voavam livres por dentro dela, indo e vindo em seus voos rasantes e acelerados. Certo dia, resolvi construir, em uma parte da varanda, uma área fechada com vidro para nela me sentar em dias de frio. Agora, aqui sentada, vejo os pássaros vindo em minha direção e chocando-se contra o vidro que sendo incolor não mostra a essas pobres aves que no meio do caminho agora existe uma barreira instransponível. Eles acostumados ao voo dentro da varanda, não sabem de sua existência e continuam tentando percorrer o mesmo caminho, agora não mais possibilitado. A grande maioria deles cai na grama após o choque, se recompõe e continua voando, mas alguns no chão mesmo ficam. Derrotados, sem 6

CRÔNICA

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forças, morrendo. Existem ainda os pássaros que, em uma segunda revoada, já desviam do vidro e outros que se recompuseram na primeira batida, voltam pelo mesmo caminho, batem de novo e dessa vez não mais levantam do chão. Para muitos de nós, esse choque com as barreiras intransponíveis, mas invisíveis da vida são comuns. O que nos faz melhores e mais fortes é a possibilidade de, depois de se chocar contra uma barreira, levantar, sacudir a poeira e continuar o caminho, mas em outra direção. Mas existem aqueles que continuam na mesma estrada, sempre batendo no vidro, incessantemente até caírem mortos. Ou ainda os que se recompõe na primeira vez, mas voltando pelo mesmo caminho, caem mortos. Vamos bater e perceber a barreira, levantar e da próxima vez dela desviar, sem desistir? Vamos cair na primeira vez, mortos e derrotados? Ou vamos cair e levantar, mas continuar insistindo no mesmo caminho, até sermos derrubados definitivamente pela barreira invisível a nossa frente? Só depende de nós! DIV ERS FICAI

Rô Mierling Nascido em Santa Cruz - RJ, em junho de 1987, militante do movimento LGBT de João Pessoa, tesoureiro do MEL (Movimento do Espirito Lilás). Atualmente cursa serviço social na Unopar de João Pessoa - PB.

CRÔNICA 102


AGRADECIMENTOS

Obrigado por ler a Diversifica! Esperamos que você, leitor, tenha tido uma agradável leitura. E quem sabe não deva ter sido mordido pelo bichinho da vontade de fazer algo e mandar para a gente divulgar depois. Se sim, já estamos aguardando ansiosamente! Lembrando que a publicação é periódica, mas o recebimento de trabalhos é fluxo contínuo. Ou seja, mande, mana! Aos autores que colaboraram para esta edição, enorme gratidão. Vocês sabem que este projeto sem vocês não é nada. E que primor presente no trabalho de vocês! Gratidão a Jo Oliveira e a sua equipe por terem feito questão de se jogarem no desafio e que moveram céus e terras para organizar e produzir um ensaio exclusivo e babadeiro. Certamente F*CK THE GENDER! irá servir de referência para muita gente por aí, seja na arte, seja na vida. Ao Projeto CAIS, em especial a Irail Rezende, assim como ao Coletivo Lumika, que nos forneceram informações sobre suas webséries, verdadeiros deleites aos olhos via Youtube. A Roberto Muniz pela contribuição de uma leitura dramática lindíssima, trazendo o teatro para dentro desta edição. Aos escritores que têm nos acompanhado desde edições anteriores, nos presenteando com trabalhos incríveis: Diego Sant'Anna, Guilherme Aniceto e Rô Mierling. Em especial nosso grande Ulisses Tavares, veterano de guerra, que participa ativamente conosco na frente de batalha desde a primeira edição. A Denilson Pimentel, que teve sua primeira aparição na revista como modelo ano passado e que desta vez apareceu contribuindo com um histórico elegante da luta do movimento LGBT. À Danielle Santos, Bárbara Sonnewend e Jéssica Puga, garotas


empoderadas que nos trouxeram artigos acadêmicos em uma linguagem de fácil compreensão e nada cansativa, diferentemente da produção acadêmica que comumente encontramos por aí. À Pabllo Vittar e a Liniker pelo trabalho maravilhoso, dando visibilidade a questões de gênero na música e performance. A Maíra Sampaio pelo ensaio elaborado. Muitos certamente morrerão de amores por ele. À equipe do Genders Brasil e a Kalel Sousa que gentilmente cederam fotografias belíssimas e nos ajudaram a encher os olhos com tamanho talento, texturas, contrastes fabulosos e modelos lindos. A Willamys Guthyers, Bruno Zanardo, Marco Antonio Escobar e à Bel Barbiellini por nos oferecer novas lentes para se enxergar a realidade nem sempre colorida de muitos LGBTs por aí. Por último, e não menos importantes, gratidão aos mais novos membros do corpo administrativo da Diversifica: Carolina Sartori, Lucas Yoshimura e Ben Prado. Vocês vão ouvir falar muito deles daqui para frente. Now, sashay away e até a próxima edição! Um forte abraço a cada uma dessas pessoas lindas,

Gabriel Prata e Paco Sousa Revista Diversifica

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