DESIGN MAGAZINE 6 – JULHO/AGOSTO 2012

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OPINIÃO POR RODRIGO COSTA

NÃO, NÃO ERA A MINHA CRIADA DE QUARTO … Chegou-me a informação de que encarnação existe. Como não pedi nada, não estava a ver, na altura, a que encarnação se referia. Porém, querendo sossegar a impaciência, procurei saber — até porque associavam à estória a felicidade. A partir daí, então, quis confirmar se eram duas ou uma só; a primeira, a Encarnação — pelo sim, pelo não, lancei mão da maiúscula —; e a outra, a segunda, a Felicidade, se seria ou não o heterónimo ou o pseudónimo da que deu origem a tudo isto… Precipitei-me, confundi tudo, sem graves consequências, é verdade, mas como se poderá ver! Contrariamente ao que supus, não há qualquer mulher metida no assunto. Até mesmo por ser uma questão de espírito, mais do que de corpo; e o sexo, ou o género — como se preferir —, em tal estado, e que eu saiba, pouco conta, apesar de desconhecer como é que os espíritos se reproduzem. Sim, tratava-se, afinal, da vida… e da morte. Da vida depois da morte. De outra vida, depois da anterior… Ou seja, uma espécie de oportunidade devolvida; a chance, definitiva, para quantos — segundo a ideia — tenham tido uma primeira, madrasta, do tipo que mais vale esquecer. Tornara-se visível e compreensível a relação entre a felicidade e a encarnação; deduzindo-se e concluindo-se, por conseguinte, que a primeira é a condição única, necessária e suficiente, que justifica a segunda. E penso, inclusive, que, desde agora e imediatamente, devo tratar a encarnação e a felicidade como uma só, porque não vale a pena dividir-se o que é, destinadamente, uno… Também eu costumava dizer que quem não viveu, vivesse!, mas o pressuposto tombou pela base, mesmo antes do aparecimento do Michio Kaku, o físico teórico — não um vendedor de cofres para células estaminais — que, em plena palestra na Campus Party, augurou ou mesmo prometeu a perfeição, a saúde total e, deduzo eu, a felicidade obrigatória. Não é uma invenção, aviso, mas a procura, sofisticada, de atingir estados de que outras espécies, afastadas da civilização, sempre desfrutaram, pelo simples facto de se aceitaram tal como são, sem reclamações ou manifestações de qualquer género, nem sequer procurando ou ensaiando | 016 |

pratos especiais. São assim… e pronto! O progresso, para tais criaturas, resume-se à vida de todos os dias, que não se repetem, mesmo que, ao humano, pareçam iguais. Que diabo! Como é que eles conseguem isso, sem usar óculos; sem tomar cápsulas que scaneiam; sem fazer análises... e sem ter, disponíveis, os montes de informação que nos... desinformam e nos adoecem?... Talvez por se aceitarem como simples máquinas perfeitas em interacção com contextos perfeitos, ainda que em permanente e natural reformulação. Sem tecto, sem televisão nem internet. E, importante, sem aulas de nutricionismo, de maternidade e de sexo... Que puta de situação a nossa! Uma vergonha à-parte. A última verdade, portanto, é que, quem não viveu, quem não desfrutou, quem não ousou, não terá perdido, absolutamente, tudo. É o próprio primeiro-Ministro, Passos Coelho — espécie de alma perdida e reencarnada lá donde não se conhece —, quem, tirando partido da conjuntura, alerta para a felicidade do desemprego e a mobilidade dos funcionários públicos, como oportunidades que não terão tido na outra vida, porque a felicidade nem sempre acontece nos momentos de paz e de fartura; surge, como se percebe, e muitas vezes, do interior da miséria. O próprio Primeiro — e ministros seguintes, naturalmente — não teria a felicidade de conhecer o País, de o calcorrear — de avião, de comboio, de barco e de carro, com motorista próprio — e de ter a oportunidade que lhe caiu em mãos, se o antecessor e os antecessores não tivessem aproveitado as suas próprias oportunidades e a mobilidade pelo País que levaram à desgraça. Sem homens à vista — sem figuras com estatura, com passado, com experiência, com conhecimento; adultos e probos, ao menos —, desempregado, as oportunidades e a mobilidade deparar-se-iam, logicamente, a Passos Coelho e a quantos, no desemprego e na mediocridade, se veriam aflitos, se Portugal não fosse este jardim de leviandades que acompanha algum do Atlântico, ao longo da costa... O presente e o futuro são promissores, porque as notícias continuam negras; querendo dizer que, mais tarde ou mais cedo, Passos vai acabar desempregado, e vai descobrir outras oportunidades — que já estarão em agenda.


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