Revista Preá 24

Page 85

Grande Sertão Atlântico

A culinária ea gastronomia do Rio Grande do Norte

Por Maria Marluce Gomes | Ilustrações Fe Córdula

A culinária potiguar é uma sinfonia – um repertório extenso de iguarias, executadas por um grupo variado de etnias, tendo como primeiros maestros os nativos indígenas, os colonizadores portugueses e os escravos africanos. Muitos outros povos – holandeses, espanhóis, judeus – também vieram em busca dessas terras, e desses mares, um palco único iluminado pela estrela maior da natureza: o rei sol. Cada um desses visitantes trouxe em suas bagagens instrumentos, alimentos e temperos, que adicionaram aos já existentes, formando um conjunto de sabor forrozeiro, impregnando de confusão, farra e desordem as glândulas gustativas desses comedores de camarão, que logo, logo, foram aprimorando o paladar e selecionando o que devia cruzar o céu da boca de cada potiguar. Uma seleção que ganhou forma e corpo, criando uma orquestra de iguarias com partituras próprias – onde se destacam o fazer da carne-de-sol do Seridó, o queijo de manteiga, o pirão de leite passado, a sopa de xérem, o doce seco – e muitas, muitas outras. As receitas da culinária do Rio Grande do Norte foram escritas em poucas notas pela mulher potiguar, muitas delas esquecidas e até abandonadas nos baús, malas e prateleiras empoeiradas. Os ingredientes são misturados aos conhecimentos empíricos e, hoje, com aqueles

adquiridos nos bancos escolares, novas partituras são criadas. No entanto, é bom lembrar-se de acrescentar o maior legado – “o conhecimento do povo”, que guarda na memória o fazer da sua dieta cotidiana, passada de geração em geração. Através do estudo da herança de crenças, hábitos, tabus, usos e costumes, de como se alimenta o norterriograndense, somos levados à descoberta de como viviam os primeiros habitantes da Capitania do Rio Grande, um laço que percorre a história e une a fusão tradicional de sabores europeus e africanos à nova culinária contemporânea. Ao dedilhar a camerata da culinária potiguar, leva-se ao palato uma sinfonia de sabores: do massapé das terras do agreste, nos é ofertada a farinha de mandioca, o açúcar, a rapadura; das águas do oceano atlântico, que banha o nosso litoral, nos chega o sal, o camarão, o caranguejo; dos sertões de pedregulhos, cactos e marmeleiros do Seridó, se descortina o sabor incomparável das carnes-de-sol, dos queijos de coalho e de manteiga, da manteiga do sertão; do Oeste potiguar, que tem como adubo o “ouro negro” do petróleo, saltam aos olhos e paladares as carnes de ovinos e caprinos e a colorida fartura das frutas. É com essa orquestra de iguarias que se preparam os diversos pratos que fazem parte do cardápio do papa jerimum. Uma sinfonia alimentar também composta de adversidades, e

85


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.