Revista Prea 23

Page 43

Em tempos de crescimento econômico, de aumento na oferta de emprego e na renda média do trabalhador, uma pergunta paira: e a literatura, José? Não é novidade que o bolo da economia não é lá tão vistoso quando o recheio é feito de letras e palavras. O produto livro não encabeça a lista de preferências mercadológicas dos brasileiros. A pesquisa “Retratos da Leitura do Brasil” feita pelo IBGE em maio de 2008, revela que mais da metade dos livros vendidos são didáticos. Além disso, a conta do mercado torna-se ainda mais negativa nas balanças dos novos autores e das pequenas editoras. Outros dados entram na caderneta do atraso – o mais marcante indica que 45% dos brasileiros não leram um livro sequer nos últimos três meses. Com um mercado tão pequeno e limitado para quem se dedica à atividade de escrever, editar e publicar, é de se imaginar que este cenário, para a poesia, seja ainda mais grave e sombrio. Daí surge uma nova pergunta: quais foram os livros de poesia mais vendidos nas livrarias de Natal? Em um levantamento realizado nas duas principais livrarias da capital – a Poty Livros e a Siciliano –, e levando em conta os três primeiros meses do ano, a campeã de vendas foi a edição de bolso da Antologia poética de Vinicius de Moraes: 152 exemplares na Poty. Enquanto que A rosa do povo, de Carlos Drummond de Andrade, foi o mais vendido na Siciliano: 48 exemplares nos últimos três meses. Entre os autores potiguares o cenário pode ser ainda mais desolador: os livros simplesmente quase não saem da prateleira. O primeiro lugar da Poty Livros coube à poeta Lisbeth Lima: 13 exemplares de Vasto. Já na Siciliano, Vermelho mel, de Vânia Aurélio, conseguiu bater a casa dos 111 exemplares, número inflado pela recente noite de lançamento, ocorrida em março.

Caos Editor e criador da editora Sebo Vermelho, Abimael Silva é peremptório: poesia não vende. O exemplo ele tira do bolso sempre que entrevistado: Os elementos do Caos, de Miguel Cirilo, editado há exatos 10 anos por Abimael e por ele considerado o melhor livro de poesia potiguar

já escrito, ainda não esgotou sua tiragem de 300 exemplares. “Acho que ainda existam uns cem no mercado”, pensa. Mesmo diante dessa dificuldade mercadológica, Abimael insiste em editar poesia. “Faço isso porque leio poesia e gosto de publicar”. O Sebo Vermelho já publicou autores como Iracema Macedo (nascida em Natal em 1970) e Palmyra Wanderley (Natal, 1894-1978). Só no ano passado, foram 12 os livros de poesia que saíram na Coleção João Nicodemos de Lima, de sua editora. Abimael pretende alcançar número semelhante ainda este ano. Cético, não titubeia: “Lamentavelmente poucos vão vender”. As vendas de livros de poesia, segundo Abimael, concentram-se mais nos eventos de lançamento. Nessas ocasiões, amigos, escritores, jornalistas e alguns fieis leitores se encarregam das maiores vendas. “Depois, vende a conta-gotas”. Daí a tiragem média de, no máximo, 300 exemplares. Para o editor, as vendas quase insignificantes são características intrínsecas ao gênero. “Poesia é pessoal, intransferível, uma conversa a dois entre o poeta e o leitor”. E exemplifica com Drummond, cujos livros tinham uma tiragem de três mil exemplares para os 26 estados brasileiros, mesmo depois de consagrado. “Se formos dividir, é pouco mais de cem livros para cada estado, uma média muito pequena”.

Faltas Entre os mais vendidos da livraria Poty, está Resina, de Diva Cunha, na terceira posição. Lançado em 2009 pela editora Una, com tiragem de 500 exemplares, oito exemplares foram vendidos nos últimos três meses. Ao ser informada, a autora não disfarçou a surpresa e considerou “alto” o número. “Não esperava”, confessa. Com uma tiragem maior do que o padrão, Diva enviou exemplares do seu livro para amigos e professores de outros estados. “Os livros aqui não circulam”, explica. Segundo ela, pouco mais de cem exemplares foram vendidos no lançamento, outros cem foram enviados a esses contatos, e o restante está nas prateleiras. “Tenho ainda alguns em casa e sei que sobraram poucos nas livrarias”, comemora.

Para a poeta, as vendas mínimas se devem à falta de educação formal do público e também à falta de informação. “Acho que se as escolas fossem boas, e se os alunos aprendessem a gostar de poesia desde cedo, a situação era outra”.

Prestígio Engenheiro agrônomo, poeta, criador e editor da Flor do Sal, Adriano de Sousa é direto: “Historicamente, poesia nunca vendeu”. Exceção aos “canônicos”, como Bandeira, Drummond, Vinicius, os livros penam para sair das prateleiras. Ele não conhece nenhum caso de um livro de poesia que tenha virado best seller. Para comprovar o que diz, apela para a história: segundo ele, o primeiro livro de Manuel Bandeira não teve tiragem superior a 300 exemplares. Drummond também teve uma tiragem simbólica na primeira obra e contou com ajuda de amigos para começar a publicar. Ambos passaram a vender livros depois que atingiram prestígio e depois de lançarem várias edições. Hoje são os chamados canônicos. “Não existe poesia de entretenimento. Ela tem uma chave diferente da prosa no sentido de repercussão”, afirma, explicando o porquê do consumo incipiente. Para o editor, nem a internet nem os meios digitais vão mudar esse cenário. “O fato de ter formas mais acessíveis não vai mudar a questão da poesia. Ela exige mais do leitor”. A sua editora lançou cinco livros de poesia em quatro anos de existência – incluindo o mais recente, Águas, de Ada Lima, lançado em abril. As tiragens não passam dos 300 exemplares. “As tiragens são ridículas do ponto de vista comercial e mostram como a poesia é de baixo consumo”. Se a situação é assim tão ruim, por que então existem cada vez mais autores? Ele arrisca: apesar da escala pequena, o leitor existe – “não para comprar 300 mil exemplares, mas para 300, sim”. Além disso há o prestígio, tanto para o autor, quanto para o editor. O que justifica algumas editoras maiores manterem poetas em suas publicações unicamente por esse prestígio, inerente ao fazer poético. Fábio Farias é jornalista.

43


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.