Jornal a Tribuna

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MUNDO PET POR IVANIR XAVIER

DICAS PARA UM CONVÍVIO FELIZ

ASSUNTO DELICADO

Depois de uma vida de total dedicação, o animal de estimação fica doente, sofre... Como forma de abreviar a dor dele, a eutanásia entra em discussão. O que fazer? Nada melhor do que ver o nosso cão ou gato pulando, correndo, comendo bem e esbanjando vida. Quando ele fica doente, sofre e não há mais chances de recuperação, a ideia de “abreviar o sofrimento” do animal, muitas vezes, vem acompanhada de uma temida palavra: eutanásia. Uma ideia difícil de ser assimilada, porque a decisão de sacrificar o amigão cabe apenas ao dono – que, em geral, fica muito abalado. Carla Molento, presidente da Comissão de Ética, Bioética e Bem-Estar Animal (Cebea) do Conselho Federal de Medicina Veterinária, aborda o assunto a seguir. E consola quem está passando por essa situação: “À medida que as atividades começam a desaparecer, se for um desaparecimento permanente, a vida (do animal) num sentido mais amplo já está desaparecendo”. Em linhas gerais, o que diz a legislação brasileira sobre eutanásia em animais? Como regra geral, matar um animal é crime em nosso País, conforme a Lei de Crimes Ambientais 9.605, de 1998. Tendo esta regra em mente, há três normas para casos específicos: a Instrução Normativa 003, de 2000, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que regulamenta


o abate humanitário de animais para consumo; a Resolução Normativa 013, de 2013, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, que dá as diretrizes da prática de eutanásia do Conselho Nacional de Controle da Experimentação Animal, e a Resolução no 1.000, de 2012, do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), que dispõe sobre procedimentos e métodos de eutanásia em animais.

FOTO SHUTTERSTOCK

Fale especificamente desta última. Vale lembrar que a eutanásia é um procedimento médico, que depende de conhecimentos específicos e com frequência envolve a utilização de medicamentos controlados. Desta forma, é natural o apoio do Conselho Federal de Medicina Veterinária à sua regulamentação e à sua correta execução. Nesse sentido, uma referência importante é o Guia Brasileiro de Boas Práticas para a Eutanásia de Animais, do Conselho Federal de Medicina Veterinária. Como é realizada a eutanásia em animais com doenças terminais nos consultórios veterinários? Há algumas situações em que temos que lidar com a decisão de terminar a vida de um pet. Especificamente no cenário de um animal com doença terminal, no âmbito da clínica veterinária que lida com bichos de estimação, temos um contexto de eutanásia no seu significado mais real: a morte boa como a melhor opção para quem está em sofrimento. Os principais cuidados são direcionados ao paciente, no sentido de evitar angústia, estresse, sofrimento e dor, por meio de perda de consciência em ambiente tranquilo, seguida de morte rápida ainda na vigência da inconsciência. Trata-se de auxiliar a morte; portanto, prevalece a noção de que o melhor é que ele não a vivencie conscientemente. Os animais sentem dor? Sim, eles sentem dor, assim como uma ampla gama de emoções e

sentimentos, ou seja, os animais são seres sencientes. Isto é fácil de ver, por qualquer pessoa: é só olhar com interesse e sinceridade. Mas como a dor em animais foi por séculos alvo de disputas científicas, gostaria de adicionar um pouco do conhecimento atual sobre o tema. Como é o pensamento hoje? Hoje temos a chamada teoria cumulativa do reconhecimento científico da senciência animal, que pode ser resumida em quatro pilares. Em primeiro lugar, os animais comportam-se de forma compatível com a presença de sentimentos. Por exemplo, se eu, sem querer, pisar no rabo de um cachorro, ele levantará, gritará e tentará sair da situação, porque sentiu dor. Outra questão é o fato de que os sentimentos evoluíram por seleção natural como todas as outras características dos seres vivos e, portanto, não aparecem exclusivamente nos seres humanos. O que se pode acrescentar com relação a essa questão? Adicionalmente, os medicamentos que alteram sentimentos e estados emocionais, tais como ansiolíticos e analgésicos, têm efeitos claros nos animais. Aliás, vale lembrar que na maioria das vezes estes medicamentos foram estudados, durante seu desenvolvimento, nos animais. Além de tudo isso, existem as evidências neurológicas da senciência animal. Os animais vertebrados, tais como os cães, os gatos, as vacas, os frangos e os peixes, têm as estruturas nervosas que no ser humano são responsáveis pelo controle fisiológico dos sentimentos. Em resumo, um cão pode sentir, por exemplo, dor, medo, alegria e ansiedade. De que forma garantir que a eutanásia seja feita de maneira correta e sem dor? Há mais de uma forma de causar morte sem dor. No caso do animal de estimação, o procedimento mais

indicado é por meio da utilização de anestesia geral, que induz nele um estado similar ao sono profundo. Dessa forma, a droga faz com que haja perda de consciência e, a partir deste momento, já não há mais sofrimento para o animal. A morte pode decorrer da utilização de uma superdosagem do próprio agente anestésico ou da administração de um agente complementar, que induz à parada cardíaca. A garantia de um procedimento correto de eutanásia é dada, em última instância, pela responsabilidade profissional do médico-veterinário. Como deve ser a conversa do veterinário com o dono sobre a opção de sacrificar o animal? Em geral, não é do interesse de ninguém cessar a vida de um animal de companhia bem quisto: nem do tutor, nem do médico-veterinário, nem do animal. Assim, a ideia é que esta decisão seja conjunta, a partir da compreensão mais cuidadosa possível da vontade do indivíduo mais vulnerável na situação: o animal. Embora os bichos não falem, eles se comunicam de outras formas, as quais devemos levar em consideração em todos os momentos em que nos relacionamos com eles. Quando saber a hora certa para tomar essa decisão? Por exemplo, há sinais de que um cão está levando uma vida que vale a pena ser vivida: andar, correr, comer, beber, brincar, cavar, pular, buscar, latir, farejar, abanar o rabo. À medida que estas atividades começam a desaparecer, se for um desaparecimento permanente, a vida num sentido mais amplo já está desaparecendo. Como os recursos veterinários aumentaram muito nas últimas décadas, devemos pensar se estamos prolongando a vida – isso é uma coisa muito boa – ou se estamos prolongando a morte – isso é ruim. l Acesse www.atribuna.com.br/blogmundopet


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