O_ENSINO_DE_FILOSIFIA_NO_ENSINO_MÉDIO

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O Ensino da Filosofia no Ensino Médio do Sistema FIEB: Um Estudo de Caso do Café Filosófico no SESI/BA Prof. Dr. Eniel do Espírito Santo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI/BA Salvador, Bahia, Brasil E-mail: eniel@fieb.org.br

Prof. Luiz Carlos Sacramento da Luz Serviço Social da Indústria – SESI/BA Salvador, Bahia, Brasil E-mail: luizl@fieb.org.br Eixo Temático: Ensino da Filosofia Trabalho completo

Resumo O pragmatismo do ensino de nível técnico deixa pouco espaço para reflexões críticas e questionamentos filosóficos necessários para a formação da construção da autonomia do educando em relação à sua prática profissional. Todavia, a obrigatoriedade do ensino de Filosofia nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio – PCNEM impõe um desafio no processo de ensino e aprendizagem visando torná-la mais próxima da realidade do educando. Percebe-se que nos modelos de articulação entre o ensino médio e o nível técnico operacionalizados pelo Sistema FIEB – Federação das Indústrias do Estado da Bahia, o ensino de Filosofia constitui-se num elemento fundamental para a formação de um ser pensante com elevado nível de criticidade e não um mero reprodutor de atividades. Diante disso, este artigo apresenta o seguinte problema central de discussão: como é possível inserir o ensino da filosofia numa proposta de educação que articule os conteúdos do ensino médio com os dos cursos técnicos demandados pela Indústria? O objetivo geral desta reflexão é propor um modelo de ensino de Filosofia que associe os saberes filosóficos num contexto dialético prático do educando na indústria. Já os objetivos específicos são: compreender as bases pedagógicas que norteiam o ensino da filosofia; analisar o estudo da filosofia no contexto industrial; descrever a aplicação da proposta pedagógica do Café Filosófico desenvolvido no âmbito do ensino médio do SESI/BA – Serviço Social da Indústria – Departamento Regional da Bahia, como instrumento de maturação do educando para sua inserção no convívio profissional da indústria e propor a aplicação da metodologia do Café Filosófico como instrumento de articulação teórico-prático do educando em sua práxis profissional. A metodologia utilizada foi um estudo exploratório descritivo, de natureza qualitativa, que utilizou a pesquisa bibliográfica como fonte de dados e uma pesquisa de campo operacionalizada na forma de estudo de caso. O artigo conclui que a filosofia constitui-se um eixo propulsor da compreensão de outras áreas do saber. O estudo de caso demonstrou que através das provocações e questionamentos sugeridos de forma lúdica no Café Filosófico, como atividade da disciplina Filosofia no SESI/BA, desenvolveu-se a criticidade do educando como competência essencial para a compreensão e desempenho nas diversas disciplinas do ensino médio e do nível técnico bem como na vida prática.

Palavras-chave Filosofia; ensino; indústria; nível técnico; café filosófico. Introdução A filosofia é uma disciplina obrigatória no currículo do ensino médio, pois proporciona ao aluno a possibilidade de desenvolver um pensamento crítico e capaz de posicionar-se frente às questões fundamentais com que a sociedade contemporânea se confronta. Busca o desenvolvimento


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das competências críticas, fundamentais para a reflexão do convívio humano na sociedade, compreensivelmente, considerada como subversiva em regimes ditatoriais totalitários. Especificamente no ensino médio, a filosofia se caracteriza como uma área do conhecimento capaz de proporcionar aos educandos algo além da reflexão critica, pois busca também o desenvolvimento da autonomia e construção de uma identidade consciente, contribuindo para pluralidade cultural no sentido mais ético da questão. Pensar no ensino da filosofia torna-se complexo em função das dificuldades apresentadas por profissionais da área e por pessoas de outros ramos do saber que lecionam a disciplina sem a fundamentação teórica necessária. O presente artigo se propõe a discutir uma prática bem sucedida no ensino de filosofia do ensino médio da Rede SESI de Educação, no Estado da Bahia, partindo do seguinte questionamento: como é possível inserir o ensino da filosofia numa proposta de educação que articule os conteúdos do ensino médio com os dos cursos técnicos demandados pela indústria? O objetivo geral desta reflexão é propor um modelo de ensino de Filosofia que associe os saberes filosóficos num contexto dialético prático do educando na indústria. Já os objetivos específicos buscam compreender as bases pedagógicas que norteiam o ensino da filosofia; analisar o estudo da filosofia no contexto industrial; descrever a aplicação da proposta pedagógica do Café Filosófico desenvolvido no âmbito do ensino médio do SESI/BA – Serviço Social da Indústria – Departamento Regional da Bahia, como instrumento de maturação do educando para sua inserção no convívio profissional da indústria e propor a aplicação da metodologia do Café Filosófico como instrumento de articulação teórico-prático do educando em sua práxis profissional. O estudo justifica-se diante da necessidade de contextualização do ensino de filosofia com as demandas da sociedade organizada. Ademais, a articulação entre o ensino médio e o nível técnico, implementado por diversas instituições de ensino, impõe desafios complementares para o ensino da filosofia, visando torná-la um conteúdo dito ‘pertinente’ na perspectiva do educando, considerando-se as contribuições que esta possibilita para a autoformação da pessoa, isto é, ensinar-lhe a assumir sua condição cidadã e, sobretudo crítica. (MORIN, 2006) A metodologia utilizada neste artigo foi um estudo exploratório descritivo, de natureza qualitativa, que utilizou a pesquisa bibliográfica como fonte de dados e, adicionalmente, uma pesquisa de campo operacionalizada na forma de estudo de caso. De acordo com Gil (2007), o estudo de caso busca investigar o fenômeno do seu contexto de realidade, sendo aplicável tanto em pesquisas exploratórias quanto descritivas e explicativas.

O Ensino da Filosofia no contexto industrial: Paradigmas e desafio Com a retomada da democratização no país, o ensino da filosofia foi reinserido como tema transversal nos Parâmetros Curriculares Nacionais em 1999. Todavia, somente a partir de 2009, com a alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB - nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a filosofia tornou-se uma disciplina obrigatória no currículo do ensino médio em todo o país, impondo considerável desafio para educadores e educandos na readequação de suas práticas de ensinoaprendizagem. (BRASIL, 1999) Conforme expresso nas orientações curriculares para o ensino médio (MEC, 2006, p. 28), o objetivo da inserção da filosofia no ensino médio extrapola a idéia geral da LDB de preparar o aluno para “exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1996). Antes, trata-se de uma proposição para um tipo de formação que deixa de ser meramente conteudista; passando a construir um conhecimento que permita ao educando adaptar-se “com flexibilidade às novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores” (BRASIL, 1996, art. 36, Inciso II). Todavia, assim como ocorre com as demais disciplinas, a filosofia tem sido questionada pelos alunos quanto à sua aplicabilidade numa sociedade contemporânea e neoliberal. Gondijo e Valadão (2004, p. 288) trazem questões que refletem estas preocupações ao expressar as dúvidas freqüentes dos alunos diante desta disciplina: “[...] para que estudar Filosofia? Qual a utilidade desta disciplina na formação de alunos e alunas? [...] Qual pode ser o alcance da filosofia?” Desta maneira, a filosofia não é de modo algum uma simples abstração independente da vida, ao contrário, trata-se da própria manifestação da vida humana e a sua mais alta expressão, pois traduz o sentir, o pensar e o agir do homem. (LUCKESI, 1995). Diante disso, o ensino da filosofia tona-se um desafio para os educadores que precisam perceber a mudança do contexto educacional, assim como aquelas sugeridas pela sociedade para que o


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senso comum não se torne o referencial teórico para fundamentação de uma investigação crítica e reflexiva sobre a realidade. Deveras um desafio! As instituições que mantém o ensino médio articulado com cursos técnicos do eixo tecnológico produção industrial confrontam-se com um desafio adicional, pois saber reconhecer a importância do pensamento filosófico e crítico na prática industrial, assim como, saber sugerir e criticar o processo produtivo é uma competência fundamental a ser desenvolvida nos alunos, a fim de que sejam capazes de entender e reconhecer a plenitude de suas habilidades, de forma a respeitar questões básicas e necessárias como a ética, a moral e os valores envolvidos na relação dos grupos. Ademais, pensar em uma indústria que valorize e respeite a sua força de trabalho e a sociedade em que está inserida, é conseqüência de uma fundamentação filosófica estabelecida durante a formação e qualificação destes educandos. Desta forma, “o exercício da curiosidade convoca a imaginação, a intuição, as emoções, a capacidade de conjecturar, de comparar, na busca da perfilização do objeto ou achado de sua razão de ser. Um ruído, por exemplo, pode provocar minha curiosidade.” (FREIRE, 1996, p. 98). Assim, o ensino da filosofia surge como um instrumento capaz de provocar inquietações, reflexões e mudanças necessárias ao contexto industrial que, desde a revolução industrial, deixou de valorizar trabalhadores que pudessem contribuir para um desenvolvimento mais humano. Consoante afirma Chauí (2000, p. 17): se abandonar à ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes humanos.

Desta forma, o ensino de filosofia no processo da educação articulada com os cursos técnicos voltados para a indústria, sugere a utilização do lúdico como base para a construção da fundamentação filosófica necessária para esse fazer. A utilização do lúdico convida os educandos a se reconhecerem como protagonistas do fazer educativo no processo industrial. Assim, o lúdico no ensino de filosofia permite que o educando seja capaz de utilizar essa ferramenta não somente na escola, como também enquanto condição que contribua para a busca das resoluções aos desafios surgidos no fazer industrial, desta forma, o lúdico torna- se um processo que favorece construção da autonomia do individuo. Estudo de caso Com o objetivo de demonstrar a importância da filosofia na articulação do ensino médio com o do nível técnico em cursos do eixo tecnológico industrial, foi realizada uma investigação com abordagem qualitativa, operacionalizada na forma de estudo de caso numa escola da Rede SESI, no estado da Bahia. O lócus da pesquisa foi a Escola Djalma Pessoa, da Rede SESI de Educação, localizada na cidade de Salvador/BA e mantida pela FIEB - Federação das Indústrias do Estado da Bahia, constituindo-se numa escola modelo em nível nacional para a Rede SESI de Educação. A escola está estruturada para atender às especificidades do ensino médio e possui atualmente cerca 1.600 alunos matriculados e aproximadamente 90 docentes. Como premissa da FIEB em consonância com o Sistema Indústria, CNI – Confederação Nacional da Indústria, a Escola mantém um projeto denominado EBEP – Educação Básica Educação Profissional, cujo objetivo é fornecer um ensino médio de excelência articulado com uma formação profissional de alto nível nos cursos técnicos ministrados pelo SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial. Desta maneira as ações da educação básica do SESI aliada à educação profissional oferecida pelo SENAI são “integradas aos diferentes processos de trabalho, à ciência e à tecnologia, visando a formação integral e continuada do indivíduo e sua inserção na vida social e produtiva”. (SESI, 2010a, p. 23) O ensino médio da Escola Djalma Pessoa prevê um diálogo constante entre as áreas do conhecimento, esta interação fundamenta a compreensão das relações que constituem o saber. Desta forma, as áreas são divididas em departamentos que agregam docentes da mesma disciplina dos três


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anos seriados do ensino médio. Todos os departamentos possuem um coordenador de área, responsável pela articulação didática da disciplina com a coordenação pedagógica. São realizados encontros com os departamentos para análise, orientação, criação de projetos e articulação entre os departamentos. Assim, cabe aos departamentos pensarem em ações que respeitem os educandos e que promovam consciência transformadora. Neste contexto de articulação da educação básica com a educação profissional, surgiu a necessidade de buscar a contextualização dos conteúdos da disciplina filosofia a fim de que os educandos pudessem ser capazes de entender e reconhecer as questões do fazer produtivo de forma crítica e reflexiva. Desta maneira, a Escola Djalma Pessoa considerou necessário abordar as temáticas da disciplina filosofia de forma dinâmica e lúdica, buscando induzir os educandos à reflexão para que fossem capazes de não se comportarem como meros cumpridores de tarefas, mas em seres pensantes capazes de sugerir e melhorar o processo produtivo, de forma que a força de trabalho possa ser respeitada e valorizada culminando em valiosas contribuições para o processo de transformação industrial vigente. O Café Filosófico O Café Filosófico consiste na utilização do lúdico, privilegiando a criatividade e a imaginação; não aceitando regras preestabelecidas, não aceitando velhos caminhos já trilhados, possibilitando a abertura de novos caminhos e admitindo outros possíveis. (ALVES, 1987) O termo Café Filosófico é muito conhecido pelos professores, acadêmicos e interessados por filosofia. No entanto, na Escola Djalma Pessoa esta proposta foi pensada pelo Departamento de Filosofia para os educandos do 1º ano do Ensino Médio que iniciam seus estudos dentro de uma perspectiva voltada para a indústria, tendo em vista o curso técnico profissionalizante que serão inseridos concomitantemente a partir do 2º ano. A premissa do Café Filosófico é o “basear-se” e o “ocupa-se” no “aqui” e o “agora”, conforme expressso por Alves (1987). Nesta perspectiva, tem como objetivo desenvolver habilidades de compressão, explicação e questionamento filosófico nas situações apresentadas no cotidiano, relacionando-as com questões sociais e específicas do contexto industrial; constituindo-se um exercício filosófico acerca das questões enfrentadas pelo adolescente ao adentrar no mercado de trabalho. O planejamento do Café Filosófico é iniciado com reuniões nos diversos departamentos da escola, a fim de que os professores do departamento de filosofia percebam os principais entraves que dificultam a aprendizagem dos educados e os desafios que estes enfrentarão quando forem inseridos no contexto do ensino técnico e conseqüente inserção na indústria. Concluída a análise, realizada a partir da ausculta dos dados trazidos pelas demais áreas, o departamento de Filosofia debruça-se sobre o pensar em ações que nortearão as ações do Café filosófico, que nesse contexto torna-se uma ferramenta pedagógica que proporciona uma reflexão dos discentes para o seu processo de aprendizagem e a realidade industrial com a qual conviverão após a conclusão do curso técnico. Concluído o levantamento de dados e a concepção pedagógica das ações, o próximo passo é a sensibilização dos alunos para que entendam a ‘comprem’ a proposta. Desta forma, são construídos conjuntamente com os discentes roteiros com as orientações básicas para a produção filosófica. Assim, as turmas são divididas em pequenos grupos que devem responder às temáticas propostas, relacionadas às questões filosóficas dentro do contexto social e industrial. Cada grupo possui uma temática diferenciada, cuja pesquisa e apresentação devem conter um aporte teórico consistente sobre a questão em discussão. Os alunos são incentivados a buscarem docentes de outras áreas/departamentos para confrontarem sua temática-problema à luz de outras disciplinas, permitindo que estabelecem redes de relações com os outros campos do saber. A utilização do lúdico nesse processo construtivo do saber, torna-se vital para que o aluno perceba, questione, critique e sugira resoluções e modificações nas suas temáticas, pois a ludocidade convida os alunos a uma fundamentação crítica da realidade sem banalizar o processo de construção do saber. Assim, apresentação das pesquisas conta com a interlocução do Departamento de Artes que utiliza o teatro e música como ferramentas para favorecer a prática do lúdico de maneira organizada e harmonizada. A culminância ocorre em vários espaços da escola para que os demais alunos possam perceber e refletir sobre as propostas sugeridas pelos grupos que estão apresentando.


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Seguindo a tradição grega e valorizando o termo “Café filosófico” os educando aprendem e compreendem que era costume entre os gregos a prática de banquetes em suas reuniões, logo, após às apresentações lhes é proporcionado um momento de descontração com a partilha de lanches que sugerem adicional momento prazeroso e de reflexão filosófica, pois nesta ocasião os educandos se reúnem e discutem o processo de criação e apresentação, avaliando o processo como um todo. Ressalta-se que esse momento não ocorre de forma desordenada e casual, pois faz parte da proposta pedagógica do projeto que utiliza todas as fases do projeto para proporcionar um fazer críticoreflexivo. Desta forma, o Café filosófico propõe que o educando seja capaz de repensar seus valores, bem como a sociedade em que está inserido, tornando-se um profissional capaz de modificar e questionar sua realidade. Com uma proposta estrutural composta por temáticas diversas que envolvem as necessidades sociais, econômicas, filosóficas e educacionais relacionando-as com a indústria e sua atuação na contemporaneidade, o Café Filosófico convida os adolescentes da Escola Djalma Pessoa a refletirem, de maneira coerente as questões que se apresentam como desafios para as novas gerações, bem como as problemáticas que evidenciam um ser crítico que não perceba somente os conhecimentos científicos como instrumento de força de trabalho, antes como elementos transformadores da condição social na qual estão inseridos. O projeto foi apresentado ao Departamento Nacional do SESI que o reconheceu como iniciativa louvável, incluindo-o na “Série ao Mestre: uma homenagem ao professor do SESI” e sugerindo sua aplicação em outras unidades da Rede Sesi de Educação, em seus diversos departamentos regionais. O projeto ganhou notoriedade por comungar das diretrizes que regem o programa Educação Básica Educação Profissional - EBEP. (SESI, 2010b) Resultados e discussões O Café Filosófico demonstra que o discente é capaz de tomar consciência das suas ações em relação a realidade percebida percebendo-se como agente transformador do contexto social, filosófico, político e educacional, sendo seus resultados percebidos durante todo o processo. A maturidade do educandos é instigada a partir das escolhas dos grupos, temas e condução da suas pesquisas. No momento inicial das discussões os grupos procuram os educadores que contribuem para a construção de suas pesquisas, desta forma as conexões entre a proposta teórica do projeto e sua contextualização científica torna-se uma realidade percebida. O momento em que as apresentações ocorrem também se caracteriza em um momento de percepção de resultados, assim pode-se perceber que os educando são capazes através do lúdico de criar, desenvolver e criticar situações que questionam e confrontam a realidade industrial. Nesse contexto é notório a percepção do fazer e de pensar de forma lúdica. O professor responsável pelo departamento de física da Escola Djalma Pessoa afirma que o Café Filosófico contribui de forma direta para a construção da criticidade, do raciocínio lógico e da capacidade de abstrair conceitos e correlacioná-los aos desafios das questões prática. Questionado sobre a importância da Filosofia para a Física o professor afirma “um dos elementos mais importantes para uma interpretação consistente das leis da física é o contexto socioeconômico em que essas teorias se desenvolvem quando o aluno consegue relacionar as linhas e influencias filosóficas de cada ator envolvido na produção cientifica, passa a reconhecer melhor os impactos das teorias sobre a sociedade, prevê os avanços sociais e, por ter maior maturidade teórica, sente-se mais seguro durante a analise dos dados. Assim, o Café Filosófico não é apenas uma atividade que se pode relacionar com História e Filosofia das Ciências, mas, principalmente, um elemento de amadurecimento das concepções físicas”. Desta forma, o Café Filosófico demonstra que as relações de aprendizagem, criticidade e de respeito com outras disciplinas formam uma ação integradora entre o ensino médio e o técnico. Segundo uma estudante do 3º ano do ensino médio, o café filosófico proporcionou crescimento intelectual e contribuiu para sua inserção no curso técnico “[...] Mas, eram nos momentos da aplicação lúdica que os alunos mais dialogavam, se sentindo verdadeiros donos daquele conhecimento e percebendo a proximidade que as grandiosas personalidades da filosofia podem ter com a gente bastando apenas nós desenvolvermos a criticidade e autonomia da gente”. Os resultados obtidos com o Café Filosófico perpassam o imediatismo da disciplina, pois permanece durante os três anos do ensino médio e continua presente no ensino técnico, oferecido pelo SENAI. Desta forma o referido projeto contribui de forma direta para que a indústria e a sociedade


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tenham profissionais capazes de entender, compreender e modificar a realidade e situações necessárias para o seu fazer. Lúdico como proposta para o ensino da Filosofia Conforme evidenciado na análise do estudo de caso do Café Filosófico, percebe-se que o ensino de filosofia não pode ser dissociado do contexto em que o educador/educando está inserido. Ademais as técnicas facilitadoras do processo de ensino aprendizagem devem ser prazerosas para que se possa alcançar com êxito os objetivos propostos para a disciplina de filosofia, a saber, o despertar de uma criticidade consciente e mobilizadora do educando na sociedade. Não se pode admitir que na contemporaneidade o ensino de filosofia seja permeado pela idéia que Freire (2005) apropriadamente denominou como educação bancária, isto é, aquela em que o professor ensina e os alunos devem ‘aprender’ como se fossem depositários de uma conta de banco. Nesta tipologia de educação, caracterizada pela instrução, dá-se pouca consideração às descobertas, proporcionadas pela interação do educando com a construção do conhecimento. Assim, para que o ensino de filosofia alcance seus objetivos é imprescindível que sejam utilizadas técnicas que facilitem o processo de ensino-aprendizagem, tornando-o prazeroso. Nesta perspectiva, a educação lúdica concebe o processo de “ensinagem” através da inserção de uma cultura lúdica que privilegie o prazer de aprender. Entretanto, Justo (2006) adverte que a reinserção de uma cultura lúdica precisa ter cautela para não se confundir o ludismo, fundamentado na leveza e descontração, com o niilismo, caracterizado pela falta de compromisso e crítica. É preciso tomar cuidado para que o lúdico não banalize os problemas cruéis da humanidade como a fome, violência e miséria entre outros, considerando-se que a cultura pós-moderna freqüentemente é invadida por um senso de superficialidade e cinismo, capazes de neutralizar o lúdico naquilo em que mais efetivamente pode contribuir, a saber, no “seu caráter de irreverência e crítica radical, essencialmente revolucionário” (p. 124) Assim como observado no Café Filosófico da Rede SESI, Guimarães et al (2007) aponta duas conclusões significativas de uma pesquisa com discentes e docentes, cujo objetivo era avaliar os impactos das técnicas lúdicas utilizadas no contexto de ensino, a saber: 1º o lúdico estimulou os alunos, conduzindo-os a uma participação ativa nas atividades escolares, tornando-as mais atrativas e descontraídas; possibilitando ainda estabelecer uma relação clara entre aquilo que o aluno sabe e o que precisa alcançar. Também contribuiu para a construção de um relacionamento afetivo entre alunos e professores, fundamentado no companheirismo e respeito mútuo; 2º as atividade lúdicas contribuíram para melhor atuação do professor, afastando-se da rotina das aulas tradicionais e buscando maneiras de introduzir ludicidade na práxis pedagógica. Tais descobertas são corroboradas por Dinello (2003), ao afirmar que uma educação ludocriativa possibilita ao docente campo pedagógico aberto que possibilita a cada aluno experimentar e interagir com o objeto de estudo e os seus colegas. A dificuldade está na capacidade do docente em fazer evoluir o que acontece neste campo pedagógico, porém a permanente interação do docentealuno-objeto permite a cada um afirmar-se e chegar à sistematização conceitual. Santo (2008) afirma que as bases conceituais para um projeto pedagógico que contemple a educação lúdica, deveria considerar minimamente três vertentes específicas, a saber, a relação do sujeito frente ao objeto do saber, o posicionamento do docente neste campo pedagógico e a atividade lúdica como disparadora do aprendizado prazenteiro. No primeiro aspecto, o posicionamento do sujeito frente ao objeto do saber deve ser concebido dum ângulo que contemple seu protagonismo ativo e dinâmico, ou seja, deve contemplar que o sistema cognitivo do sujeito faz a seleção e interpretação da informação, reconstruindo-a e reinterpretando-a de forma dinâmica a partir de seu referencial intelectual, permitindo-lhe reagrupá-las em estruturas equilibradas. Por outro lado, o docente possui papel crucial neste campo de (re) construção do saber a partir da introdução de atividades lúdicas pertinentes, perguntas, instigação de dúvidas e, por sua vez, deve ser sensível às motivações e interesses dos alunos. Nesta perspectiva, a educação lúdica atua como elemento mediador e disparador das estruturas cognitivas do sujeito, tornando o processo de aprendizagem prazeroso e agradável. (SANTO, 2008)


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Todavia, a educação lúdica proposta para o ensino de filosofia não se restringe à introdução de brincadeiras e jogos ou dinâmicas grupais. Antes, é a retomada da emoção criativa no processo de ensino aprendizagem que possibilite elevado nível de cumplicidade entre educador e educando na construção do conhecimento; refletindo na reinserção do humor criativo que respeite a diversidade e a alteridade, sendo capaz de auscultar seus anseios, necessidades e temores, ao mesmo tempo em que o questiona, problematiza e auxilia no caminho a ser percorrido. (SANTO, 2008 ). Desta forma, percebe-se através do estudo de caso do Café Filosófico, que a utilização do lúdico no ensino de filosofia valida à aplicação de um ensino que proporcione ao educando condição de um aprendizado que contribua para sua formação acadêmica e profissional. Cabe aos docentes perceberem que os conteúdos e temáticas de maior aproximação com a realidade vigente pode e deve ser explorado através da proposta lúdica, o que não descaracteriza a seriedade da disciplina. O ensino da filosofia na sua essência já sugere a inserção do lúdico no seu processo de ensino e aprendizagem, pensar e crítica o fazer industrial através do lúdico é uma iniciativa que convida os educandos a participarem de maneira prazerosa do estudo de uma disciplina que muitos ainda não conhecem. Todavia, o Café Filosófico convida a utilização do lúdico como ferramenta necessária para a inserção de propostas no campo da filosofia não só nas temáticas ligadas a indústria, mas para quaisquer situações que os docentes pretendam explorar. O lúdico pode ser explorado através de apresentações teatrais, musicais, artísticas, leituras imagéticas, contos filosóficos, fantoches, dentre varias possibilidades que o educador pode construir com os seus discentes acerca das temáticas abordadas. Considerações finais e recomendações O ensino da filosofia dentro de uma concepção pedagógica que utiliza o lúdico, como exemplificado pela proposta do Café Filosófico, é percebido como uma resposta afirmativa no processo de ensino e aprendizagem. Ademais, contribuir para a formação de seres críticos, politizados e conscientes do processo produtivo industrial é uma premissa da Rede SESI de Ensino e validado pelo SENAI através do projeto articulados EBEP. Nesse contexto entende-se que a filosofia passa a ser definida não como uma disciplina que integra o currículo obrigatório, mais sim como uma fonte de conhecimento necessário para formação de técnicos capazes de repensar e modificar o processo produtivo industrial dentro dos conceitos éticos necessários para a valorização da sociedade, bem como das questões questionadas pela sociedade. A inserção da filosofia na formação técnica do Sistema FIEB é validada pelos educandos que percebem a carência e a necessidade da presença de uma educação filosófica, enquanto instrumento capaz de sugerir mudanças e melhoras no processo de ensino-aprendizagem. O presente artigo buscou propiciar uma discussão sobre a necessidade do estudo da filosofia no ensino médio e na articulação com o técnico industrial, assim como sugerir uma concepção lúdica de fundamentação pedagógica – filosófica que favoreça a ampliação e compreensão de eixos norteadores necessários para a cidadania e o fazer industrial. Percebe-se também que o lúdico enquanto concepção não se limita ao universo educacional, mas acompanhará os futuros profissionais em qualquer fase de sua vida. Todavia, a proposta do Café Filosófico torna-se satisfatória aos educandos da Escola Djalma Pessoa, quanto para os que já concluíram o ensino médio, quanto para os que estão adentrando na escola e que ainda não vivenciaram a experiência. Nessa discussão fica evidente que se faz necessário pensar em ações que valorize e amplie o projeto do Café Filosófico no sentido de formar números maiores de sujeitos cognoscentes, ou seja, educando que tenham plena consciência de sua realidade. Neste contexto recomenda-se aplicar a educação filosófica de maneira lúdica com coerência para não banalizar o conceito de ludicidade. Pensar em temáticas que relacionem cada vez mais a reflexão filosófica à prática industrial é uma necessidade que a disciplina não pode abandonar, a consciência filosófica pode ser associada a quaisquer aspectos do contexto industrial, nas questões que discutam a ética, política, linguagem, cultura, trabalho entre os mais diversos temas. Assim como, discutir os problemas criados pela contemporaneidade a luz do pensamento filosófico clássico passa a ser pertinente para o (re) pensar do fazer industrial.


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