Nos livros infantis encontramos muitos contos de tesouros escondidos, com mapas e piratas. Na vida real, os tesouros são outros, que também poderiam ser guardados em cofres. Em Marcílio Dias, a agente de saúde Rita Pereira de Oliveira ao frequentar em 2013 o curso de Técnico em Agente Comunitário na Fiocruz, na matéria Território e Territorialidade, realizou um trabalho sobre o passado da comunidade e descobriu um tesouro histórico.
Elisângela Leite
Ao ouvir moradores sobre ocorridos do século XX, ela encontrou a antiga revista A Cigarra, edição nº 4, de abril de 1961. Neste exemplar se deparou com um texto feito pela escritora Raquel de Queiroz, no qual detalha uma visita
Entre o lodo e as estrelas
Elisângela Leite
Rita exibe a reportagem escrita por Raquel de Queiroz
Rachel de Queiroz, Revista A Cigarra, Ed. 4, abril de 1961
“Quem vê a foto pensa em lugares longínquos — cidade de palafitas, barracos sobre a água, ruas que são canais... e logo vem a infalível comparação com Veneza. Será Veneza, será. Veneza carioca, Venezinha dos pobres, na velha Praia das Morenas, para as bandas de Maria Angu, entre o Quartel dos Marinheiros e os aterros da Cruzada São Sebastião. Toma uma estradinha que sai da Avenida Brasil e costeia o paredão...”
Nossa História
Veneza carioca São quatro páginas que falam de Marcílio Dias, onde Raquel de Queiroz chama a comunidade de Veneza, cidade italiana entrecortada por canais. “Quando eu pesquisei essa revista, fiquei apaixonada, tive um enorme cuidado, pois é uma relíquia. Essa é única, acredito que na comunidade só existem cópias”, detalha. Rita agora sonha em adquirir a sua própria revista. Num site de vendas da internet, um exemplar original é oferecido por R$ 70. O trabalho que ela entregou à Fiocruz mereceu nota máxima. “Tirei nota dez, foi gostoso resgatar a história, ver como começou a comunidade. Também ouvi pessoas idosas, que aqui em Marcílio correspondem a 10% da população. Eles gostam de contar e cada um traz uma novidade”, finaliza.
Maré de Notícias No 56 - agosto / 2014
Maré de Notícias No 56 - agosto / 2014
Hélio Euclides
Para Rita, a revista é uma visita ao túnel do tempo. “Na pesquisa achei a revista, que me emocionou. Nas linhas, Raquel de Queiroz descreve com detalhes, percebo que ela veio aqui”, conta ela. Quando se aprofundou na pesquisa, Rita desvendou entrelinhas do passado. “Como moradora eu achava a revista legal, mas era algo que passava batido. Já como trabalho, quando estudei os detalhes, acabei viajando no passado. No curso eu estudei o território e entendi que só poderia exercer bem minha profissão se aprendesse o que aconteceu no passado”, expõe.
Rita identificou a última pessoa desta foto: é Dona Delma. Vejam o que Raquel de Queiroz escreveu: “Às vezes tem festa, aniversário, batizado, casamento, como podem ver pela foto. A noiva é linda, o noivo distinto, as convidadas muito elegantes, iguais no chapéu e no vestido alinhado, às que se veem nos casamentos da zona sul, na cidade de alvenaria. Olhando assim, parece que o cortejo atravessa não uma calçada aérea, numa favela erguida em palafitas, mas enfrenta uma passarela em destile de elegâncias.” Carregando água e Zezé, e atrás Garrincha, segundo nos conta Rita Alexandre Baratta / Reprodução de A Cigarra
Moradora de Marcílio Dias relembra passado em texto da escritora Raquel de Queiroz, de 1961
a Marcílio Dias, naquela época chamada de Praia das Morenas. Natural do Ceará, Raquel escreveu diversas crônicas e livros, entre eles “Memorial de Maria Moura” e “O Quinze”. Ela viveu entre 1910 e 2003.
Alexandre Baratta / Reprodução de A Cigarra
Nas páginas do tempo
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Alexandre Baratta / Reprodução de A Cigarra
NOSSA HISTÓRIA
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“Os moradores tiram do mar o seu sustento. Aos domingos tem uma movimentada feira de peixe. E, às vezes, aparecem, vindas do oceano, tartarugas e arraias“, diz a legenda da foto acima