Cliché, uma série de significados em movimento

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clichĂŠ


clichĂŠ uma sĂŠrie de significados em movimento


Agradeço a todos que participaram com ideias, tempo e incentivo neste projeto: minha família; João de Souza Leite, meu orientador; Marcos Magalhães e Claudia Bolshaw, professores da PUC-Rio; amigos e à Marlus Araujo.










Pré-projeto Este trabalho começou em 2010 na disciplina de anteprojeto, onde meu ponto de partida foi a etimologia. Esse tema nasceu do meu gosto em pensar nos conteúdos embutidos ou ocultos,

cliché

nos trocadilhos, enfim, na polissemia das palavras. Os significados das palavras em diferentes línguas e caracteres sempre me encheram a imaginação com imagens compostas, como é o exemplo da língua chinesa. Pela influência de ter um pai poliglota, comecei a buscar a junção entre uma explanação do entendimento das palavras, a uma leitura pela comunicação visual. O primeiro passo nessa direção foi trabalhar com a obra do Jesualdo Correia, meu pai. O Alphômega é livro que tem como referência uma obra do James Joyce, o Finnegans Wake, pois também usa palavras que formam trocadilhos em várias línguas, o que compõe uma interpretação polissêmica do leitor - não sem a ajuda de um “vocal burlário” para consulta ao fim do livro. Num primeiro momento, pensei em trabalhar com o design de um sistema de desmembramento de significados das palavras, através de uma interface interativa. Ou talvez, eu poderia ilustrar uma passagem do livro, onde os significados dos trocadilhos se

‘‘

Adamascados, pernambulavanús Abelprazer pelas Evanascentes Caincidências da parisdisíaca erospção erroginal”.

mesclariam em cenas com personagens e elementos híbridos. As soluções “prontas” não se encaixaram em uma disciplina que propõe o desenvolvimento do processo conceitual para o projeto final. Dessa forma, mantendo a polissemia como interesse central, passei a pesquisar referências dessa ocorrência, na expressão da linguagem visual.

Alphômega, livro de Jesualdo Correia, Ed. Terra Incógnita


Algumas referências com o emprego das palavras são a poesia concreta, o futurismo, cartazes de Cranbrook e David Carson. No âmbito exclusivo das imagens ambíguas, encontram-se as ilusões de ótica como as de Gestalt, estereogramas estáticos e animados ou objetos constituídos de outros objetos como os de Vik Muniz. Todas essas referências encontravam-se pairando, sem que ainda houvesse um eixo sobre o qual pudesse alinhavá-las e seguir uma linha de projeto. Nesse momento fui amparada pelos clichés, à partir da referência do trabalho de Milton Glaser. Seu trabalho se desenvolve com esse tipo de montagem de sentidos, que fazem alusão a ideias usando analogias. Por ser um lugar comum, a ambiguidade da informação pode ser facilmente reconhecida nos clichés, possibilitando a construção de releituras, trocadilhos e polissemias visuais. À partir desse momento, passei a pesquisar provérbios, expressões e ditos populares.

Hiato Após um ano entre a pesquisa e o desenvolvimento deste projeto, realizei neste período o Projeto 7, criando a assinatura animada de uma marca, enquanto também trabalhava com motion graphics no estágio. Isso impulsionou meu intuito em realizar uma animação para expressar os clichés, mas ao longo desse meio de tempo, desenvolvi diversas possibilidades de criação com alguns provérbios, através dos mind maps (um esquema de organização de ideias feito no aplicativo chamado “Mind Node”).

Futusismo, David Carson e outros trabalhos que me inspiraram...


Sob influência da produtora Super Uber, onde estagiei, ingressei neste semestre com ideias de instalações interativas, para expressar alguns provérbios. Porém, havia uma questão fundamental nesse conceito: as propostas imaginadas tratavam das sentenças de forma literal. Isso significa que o sentido da metáfora se esvai, pois ela passa a representar ela mesma, de forma nonsense. Para continuar à partir de onde comecei, desde a pesquisa por etimologia, polissemia e clichés, abandonei a “exposição ao pé da letra” e me concentrei no Milton Glaser. Para transmitir um provérbio, que é composto por analogias e metáforas, é preciso construir uma segunda camada de metáfora, para assegurar o sentido que essa frase pretende transmitir. Por exemplo, o que significa quando dizemos “quem não tem cão caça com gato”? É preciso associar a esta expressão uma situação que represente esta ideia. Construindo este rebatimento de situações metafóricas, é preciso que haja uma menção aos elementos originais que compõe o provérbio, para que o receptor capte a metáfora da metáfora. Ou seja, utilizar os personagens da expressão em outra circunstância que exemplifique a situação original. Os provérbios são identificáveis em diferentes culturas com variações que muitas vezes, transmitem a mesma mensagem. Dentre os inúmeros provérbios, ditos e expressões populares, escolhi os que contivessem animais. Os “zoovérbios” foram uma forma de limitar os elementos das sentenças a personagens de uma mesma categoria. O meio que encontrei de extrair a mensagem que um provérbio

... Cranbrook, I love doodle, Vik Muniz, Salvador Dalí e estereogramas também me guiaram no início da pesquisa


Duas possibilidades de desenvolvimento: abstrato (Milton Glaser) ou literal.




Objeto em formato de cavalo, coberto com pequenos dados. Em sua boca língua que dá choque, no seu pescoço ao lado da fita de presente, cartão com pictogramas explicando para não olhar os dentes.

CAVALO DADO NÃO SE OLHA OS DENTES.

Animação com letras

QUEM NÃO TEM CÃO CAÇA COM GATO.

Video da Branca vestida de gato Tecido vermelho com extensão até altura dos 40 graus

UMA ANDORINHA SOZINHA NÃO FAZ VERÃO.

Bola vermelha pesada (base do termômetro de mercúrio)

Balões com gás hélio para fazer flutuar faixa vermelha de 40 graus (termômetro)

Tecido pintado com metragem de temperatura

Ppd conclusão - instalações PROVÉRBIOS VISUAIS

Balões em formato de pássaro

FILHO DE PEIXE, PEIXINHO É.

Video Infinit zoom de brasões de família com peixe

UM OLHO NO PEIXE E O OUTRO NO GATO.

binóculos com imagem dos bichos, um em cada olho

MAIS VALE UM PÁSSARO NA MÃO, DO QUE DOIS VOANDO.

Montagens de videos com associações políticas

De grão em grão...

Conteúdo interativo: usuário pode variar a velocidade e direção do "zooming" Objeto Cartaz

Instalação de processing ou kinect: Pessoa equilibra objeto em forma de pássaro na ponta do dedo, o bico do pássaro é um sensor de start para projeção de inúmeros pássaros ao redor do usuário


Mais vale um pássaro... Filho de peixe...

Quem não tem cão... Uma andorinha só... nepotismo Filho de peixe, peixinho é.

Refém GRATIDÃO

Tradição familiar (índios)

Cavalo dado não se olha os dentes.

Gambiarras de "pobre"

Tróia

Quem não tem cão caça com gato.

PREVENÇÃO Bolsonaro

Em boca fechada não entra mosca.

CQC (mascote é a mosca)

PERSEVERANÇA

IMPROVISO laranja de corrupção

Provérbios Visuais: FRASES

AMEAÇA Cão que ladra não morde.

Edir Macedo Procissão, chão desenhado com areia

SEMELHANÇA

rebuliços no congresso Passeatas

De grão em grão a galinha enche o papo.

fila promocional Uma andorinha sozinha não faz verão.

INDÍCIO bolsa de valores


pequeno

médio

tamanhos

bonequinha russa

peixes

3 porquinhos + filho de peixe, peixinho é.

grande

palha

madeira

juventude

pedra

adulto

personagens

fases

peixe médio de madeira

neto

maturidade

neto

pai

crescente

avô história

madeira

peixe grande de pedra

pai

peixe pequeno de palha

armadura forte meia casca interior frágil

coração de manteiga

decrescente (filho de peixe, peixinho é)

neto

gerações

avô

peixe grande

início, pai

pedra

peixe médio

meio, avô

palha

peixe pequeno

peixe grande de palha

pai

peixe médio de madeira

avô

peixe pequeno de pedra

aparência frágil consistência ao aprofundar núcleo sólido

coração de pedra

sentidos

aleatório 1

pai

peixe grande de madeira (maior parte é vida adulta)

neto

peixe médio de palha

avô

peixe pequeno de pedra

pai

peixe grande de madeira

avô

peixe médio de pedra

facilidade adquirida pela prática desafio final

fim, neto aleatório 2

neto

peixe pequeno de palha

(maior parte é vida adulta) dificuldades ao envelhecer libertação para senilidade


pai amola sua lâmina, mexe os bigodes e descama o peixe peixe abre a cabeça mostrando um segundo peixe em seu interior

pai amola sua lâmina, mexe os bigodes e descama um peixe

início

peixe abre a cabeça mostrando um segundo peixe menor em seu interior pai tira segundo peixe de dentro do primeiro com assombro

início

pai descama o segundo peixe

avô observa a cena

avô aparece e investiga os 2 peixes

avô se amola, mexe os bigodes e descama o segundo peixe

meio

avô retira o terceiro do segundo peixe neto observa ao fundo

avô se amola, mexe os bigodes e descama o terceiro peixe

avô separa o segundo do terceiro peixe

5 peixes

pai descama o terceiro peixe que abre a cabeça revelando um quarto peixe

fim

avô observa a cena

a cabeça do segundo peixe abre mostrando um terceiro peixe dentro

avô aparece e investiga a cena

segundo peixe abre a cabeça mostrando um terceiro peixe em seu interior

pai tira um peixe de dentro do outro com assombro

6 peixes

meio

terceiro peixe abre a cabeça mostrando um quarto peixe em seu interior avô separa o terceiro do quarto peixe

o neto aparece saltitando e separa o terceiro do quarto peixe

avô descama o quarto peixe

neto se amola, mexe a boca e descama o quarto peixe

quarto peixe abre a cabeça revelando um quinto e menor peixinho em seu interior

quarto peixe abre a cabeça mostrando um quinto peixinho em seu interior

o neto aparece saltitando e separa o quarto do quinto peixe

neto separa quarto de quinto peixe

neto se amola, mexe a língua e descama o quinto peixe

pai, avô e neto observam os 5 peixes enfileirados avô começa a chorar, o pai em seguida e o netinho imita os dois em seguida.

fim

quinto peixe abre a cabeça mostrando um sexto peixinho em seu interior pai separa quinto do sexto peixe pai, avô e neto observam os 6 peixes enfileirados avô começa a chorar, o pai em seguida e o netinho imita os dois em seguida.

neto observa ao fundo


transmite, foi fazer uma associação entre a frase e seu significado por meio de uma palavra. Por exemplo, “quem não tem cão caça com gato”, nessa lógica representa a palavra “improviso”.

Pré-banca O conceito de provérbio-palavra, gerou um brainstorm de situações que exemplificassem esta dupla. Percebi ao longo dos rascunhos, que certos objetos possuem em sua concepção funções e ações, que interpretei e associei aos provérbios. Como por exemplo a ampulheta, a matrioska e a peça de quebra-cabeça. Cada um desses objetos funcionam dentro de condições que se tornam situações metafóricas, se adaptadas. A ampulheta por exemplo, funciona com o escorrer de poucos grãos que preenchem um espaço ao longo de um tempo. Se adaptada ao formato de duas galinhas de vidro, podemos visualizar o provérbio “de grão em grão a galinha enche o papo”, pois tanto a ampulheta quanto esta frase se referem à paciência ou perseverança e ambas possuem o elemento “grão” como agente da ação. As bonequinha russas, ou matrioskas, também são um objetos que transmitem a ideia de sequência, semelhança e parentesco, presentes na expressão “filho de peixe, peixinho é”. Uma peça de quebra-cabeça, por sua vez, se desgarrada do todo não completa sua função. Desta forma, associei a imagem do pássaro, sobre a peça solitária afim de mesclar o significado da expressão “uma andorinha sozinha não faz verão”.

Primeiras ideias para “uma andorinha sozinha não faz verão” (acima) e abaixo, “de grão em grão a galinha enche o papo”


Ideia para “filho de peixe, peixinho é”


À partir de dois exemplos selecionados, os roteiros foram pensados a afim de contextualizar as imagens desenvolvidas. As narrativas deveriam mesclar uma situação onde o provérbio fosse exemplificado ao longo da cena, somado ao resultado extraído da junção provérbio-palavra, como personagem da ação inventada. Os roteiros surgiram à partir de músicas como inspiração. O primeiro, sobre paciência e perseverança, associei o lento escorrer dos grãos de areia na ampulheta, à paixão de um rapaz por uma jovem. Seu estado melancólico vai se transformando ao transcorrer dos grãos que observa, pois ele a vê na pequena cascata de areia e quanto mais o papo da galinha fica cheio, aos poucos também, mais inspirado e apaixonado ele se torna. A música para esta cena é a Stars Fell On Alabama, do velho Jack Teagarden, com letra romântica e ritmo “arrastado”, a fim de transmitir a imensidão dos grãos que caem lentamente. O segundo roteiro, sobre semelhança e repetição, foi escrito à partir da música “Island”, da banda Whitest Boy Alive. A introdução é repetitiva, ritmada e possui três tons. A ideia foi causar espanto a uma ação rotineira de um feirante, ao cortar a cabeça de um peixe, e encontrar outro peixe menor em seu interior. Ao chamar o seu pai, que também é feirante, todos os trejeitos são reproduzidos, como por exemplo o modo de amolar a faca. Por fim, o neto da família, também querendo descobrir um peixinho dentro do outro, repete as ações já previstas do pai e do avô.

Música: “island” (whitest boy alive)

do mesmo modo que a faca-pai, se agacha e olha o peixe de perto.

EXT. FEIRA DE RUA, DIA ENSOLARADO

CLOSE SHOT - sob seu olhar a cabeça-

ref. eat p.e.s.

tampa do peixe abre do mesmo modo

CLOSE SHOT - em uma bancada de

que a anterior

feira a faca-pai prepara-se para se

CLOSE UP - olhar do avô de mistério

auto-amolar, ele mexe os bigodes e

PLANO ABERTO - a faquinha-neto vem

começa a mergulhar na lixa. contra o

saltitando do fundo até que pula no

sol a lâmina brilha.

segundo peixe, que faz o peixe de

VISTA SUPERIOR - um peixe grande

dentro voar

salta para a bancada colocado pela

CLOSE SHOT - o terceiro peixe cai

faca-pai.

sobre a bancada formando uma

CLOSE UP - a faca-pai observa a

escadinha de tamanhos de peixes

cabeça do peixe, resoluto

CLOSE UP - a faquinha-neto mexe seus

CLOSE SHOT - a faca-pai faz um

pseudo bigodes da mesa forma que o

mergulho olímpico mas freia antes de

pai e o avô.

acertar o peixe CLOSE UP - a cabeça do peixe se afasta do corpo como uma tampa com dobradiça. dentro do corpo do peixe há um peixe menor. CLOSE UP - a expressão da faca-pai é de mistério PLANO ABERTO - a faca-pai pula com o cabo sobre o rabo do primeiro peixe fazendo com que o segundo peixe salte e cai sobre a bancada. curioso o facão-avô aparece ao fundo observando a cena. CLOSE SHOT - a faca-pai percebe a presença do avô com ar zombeteiro. eles olham os dois peixes CLOSE UP - o avô mexe os bigodes

Escolhi porém, apenas um do dois roteiros para realizado. Afinal “mais vale um pássaro na mão do que dois voando”, e o roteiro

Roteiro escrito para cena de “de grão em grão a galinha enche o papo”


escolhido foi para começar a série de clichés animados foi o “filho de peixe, peixinho é”.

Referências Famoso no universo do stop motion, Adam Pesapane, mais conhecido por P.E.S., utiliza objetos que por semelhança interpretam outros. Essa abordagem estética me interessou para construir, por exemplo, os peixes com escamas de lantejoulas. Outra re-

“Deep” e “Western Spaghetti“, de P.E.S.

ferência na construção da direção foi teatro de sombras chinês, empregado na animação Kung Fu Panda 2. As silhuetas aumentam a dramaticidade na cena do vilão Lord Shen, ao invadir um vilarejo. Também reuni Phillipe Genty e Jan Svankmajer, mestres da ilusão, por orquestrarem os objetos em perfeita sincronia, alcançando realismo e naturalidade nas ações e movimentos. O artista Rui de Oliveira descreve em uma série de três vídeos na internet, intitulado “Cinema de Animação”, seu processo de construção do roteiro à finalização. Palavra, imagem, intenção e gesto evoluem de modo concomitante, em seu processo de-

Cena do espetáculo de Phillipe Genty e “Darkness/light/darkness”, de Jan Svankmajer

talhadamente descrito e registrado. Ao seu ver, a fala é dispensável quando a história é bem contada e a animação deve ser expressionista, pois somente assim ganha veracidade. Durante este processo de pesquisa, produzi uma animação em

stop motion, como um experimento mas também uma homenagem à minha cachorrinha Tita, falecida na ocasião. Usei neste neste trabalho um programa gratuito para download, o “Framebyframe”. Ele permite importar e regular a velocidade das fotos.

“Cinema de Animação“, com Rui de Oliveira e “Kung Fu Panda 2”, da DreamWorks.


Porém, finalizei o áudio no After Effects, onde possuo maior domínio, utilizando sonoplastia gravada por mim no programa Quick Time e a música clássica “Toy Symphony”, do compositor Joseph Haydn.

Após a pré-banca No processo de construção do storyboard, algumas decisões formais começaram a serem feitas, pois interferiam diretamente no roteiro. Desta forma, tanto o roteiro quanto a pesquisa de linguagem passaram a ser pensados concomitantemente. O caminho do projeto tomou uma longa curva quando me deparei com a finalização do storyboard, em função do roteiro. Os objetos utilizados para interpretarem os personagens da trama, se alterados, possibilitavam infinitos movimentos e consequentemente novas posturas e atos de personalidade. O primeiro objeto reavaliado foi a faca, personagem que simbolizava a família, composta por três gerações: avô, pai e neto. Após pesquisar facas que fossem iguais, mas com a distinção por tamanho, pretendia reforçar os papéis através de acessórios que compusessem uma indumentária para cada faca. Porém, boinas e bigodes me soaram como um recurso gratuito para identificar a “ligação genética” da família afiada. Pretendia-se expressar os elementos livres de apoios que infantilizassem o entendimento simbólico de cada objeto. Dessa forma, percebi que o canivete suíço possuía duas grandes vantagens sobre o objeto faca. A primeira é por embutir algo

Acima, experimento em stop-motion “Tita Colorida“ e abaixo, pesquisa por imagens e materiais na internet



dentro de si, compondo melhor o conceito de desdobramento junto a boneca russa ”matrioska”, objeto escolhido para ilustrar o provérbio. Em seguida, poderia utilizar apenas dois canivetes com grande diferença de tamanho e potencial, mas com mesma cor e aspecto familiar, mantendo maior fidelidade ao enunciado do provérbio “filho de peixe, peixinho é”. Resolvida a questão dos personagens “ativos”, as três facas agora eram canivete-pai e canivete-filho, a interagir com os peixes que saiam um de dentro do outro. Por não se tratar mais de um cenário inspirado em facas de feirantes portugueses, os canivetes tornaram-se um surreais na relação em abrir peixes. Nesse momento, procurei dar um sentido a trama e conversando com um amigo, associamos cada peixe a uma etapa de vida, como é a metáfora dos Três Porquinhos. Cada material simboliza o amadurecimento do ser: a palha é a juventude desprevenida; a madeira é o estágio de maior densidade nas atitudes; por fim a pedra é o momento em que o ser tornou-se maduro, estabelecido e sólido. À partir desse conceito, voltei a trabalhar com três gerações para cada lado, utilizando novamente facas e peixes. Busquei relacionar a alimentação como etapas de vida, graus de dificuldade. Testei uma série de possibilidades quanto a ordem em que cada peixe surgiria, feito de um dos três tipos de material. Essa ideia, porém, tornou-se muito complexa e além do entendimento da proposta central, o cliché. De volta a solução formal com canivetes, mergulhei os personagens em um só ambiente: o mar. Também decidi que não iria


mais criar o objeto peixe-matrioska, mas sim usar a própria bonequinha, uma vez que comecei a trabalhar com abstrações. Os canivetes tornaram-se tubarão e cação e a cena passou a ser uma perseguição de predadores a presas, onde o pai está ensinando seu filho a sobreviver de ambos os lados no novo roteiro. Predadores e presas passaram a representar o provérbio através de atitudes repetidas por seus semelhantes. Com as matrioska, entretanto, existe uma propagação ainda maior da semelhança entre pai e filho, fazendo parte da sensação de looping que o provérbio proporciona. Estabelecidas estas condições, alguns storyboards foram feitos até o resultado final, que é composto de trechos desenhados ao longos dos rascunhos. Desenhei a nova sequência inspirada na canção de Janelle Monáe, a música “Come Alive”. Esta artista

Canivete “em cena“ no laboratório de fotografia da Puc

possui uma boa voz associada à linguagem da banda que mistura rock com jazz em um aspecto psicodélico, mas com músicas bem versáteis e ritmadas. A música que optei trabalhar, possui no início uma sonoplastia para um clima de mistério, seguido de um ritmo frenético para uma perseguição com a aparição dos tubarões. Também possui dois momentos propícios ao término da animação: um aos 30 segundos e outro ao final dos 58 segundos. A letra da música de certa forma narra a voz da personagem matrioska, que “volta a vida” entre gritos, dança e loucura. Essa decisão foi fundamental para compor o storyboard o qual me fixei. Conceito de peixes criados com palha, madeira e pedra — filho, pai e avô, respectivamente




Materiais Por se tratar de um lugar comum, o cliché é barato, mas de extrema utilidade, assim como acessórios de carnaval, objetos de limpeza e papelaria de R$1,99. Assim, a construção do cenário começou à partir de desenhos feitos em um esquema, criado para desenhar storyboards. Nele, pude imaginar como os objetos tomariam a forma de outros objetos dentro do contexto da animação. Mesmo com o algumas ideias rabiscadas, somente na hora de comprar pude realmente experimentar a interação dos objetos, sacando os canivetes e manipulando-os dentro da loja. Ainda assim, não utilizei tudo o que fotografei. Na verdade, muitas descobertas surgiram ao longo da experimentação, como por exemplo as chuquinhas de cabelo, que ao virá-las do avesso, percebi um resultado para simular os corais ainda melhor. Outro resultado inesperado surgiu ao manipular o papel crepón e contra a luz e fotografá-lo, conseguindo assim um bom movimento para água.

Still A primeira ação durante o processo foi registrar as fotos do still, técnica aprendida com Beto Martins, durante estágio na 6D. Dessa forma, além de expor melhor para os orientadores, pude identificar o resultado do aspecto registrava: cores, texturas, pequenos movimentos experimentais, enfim, o ato de trabalho. Aos poucos, fui percebendo que objetos com aspecto muito defi-




nido e de fácil identificação, como por exemplo as moedas de 1 centavo, dadinhos e bolas para cachorro, tornavam o cenário artificial. Visto isso eliminei excessos, mantendo apenas o necessário para a imersão da cena, o que restringiu e padronizou texturas e cores mas possibilitou descobrir um novo uso e emprego da serpentina de carnaval. Além de fotografá-la como alga em uma sequência de stop motion, também a transformei em estruturas semelhantes a conchas.

Montagem O set de fotografia foi construído sobre uma mesa e dividido em duas partes: uma parte com fundo infinito para fotografar os elementos separadamente e outra com o cenário. Na primeira parte utilizei papel duplex como base para o fundo infinito, pois diferentes papéis foram experimentados por cima para fazer o chrome key. O fato de trabalhar com objetos reflexivos, como as lâminas dos canivetes, gerou um trabalho dobrado tanto na hora de recortar quanto de nivelar os tons, pois a cor do fundo era absorvida pelo metal. Utilizei para iluminação três fontes de luz, todas incandescentes, o que era bom para manter o metal do canivete com um tom neutro. As matrioskas porém, refletiram uma mancha branca com essa iluminação, diferentemente do teste realizado no laboratório de fotografia da Puc, onde a luz é amarela. Na Puc trabalhei somente um dia, pois a interferência externa e a dispersão eram grandes. Além de não ter o cenário por perto, como

Acima, teste com papéis para isolar figura e fundo; abaixo montagem do cenário



no set caseiro que desenvolvi, ter que levar todo o material e com um número restrito de horas para trabalhar acabou sendo desvantajoso trabalhar no estúdio. Para forrar o fundo do mar com “areia”, foram necessários dois sacos de confete, ao longo de quase um metro de extensão, por 40 cm de profundidade. Optei por utilizar o mesmo papel crepón azul marinho por baixo desta massa, formando o fundo infinito. O quanto menos manipulei as imagens com recortes e retoques digitais, tanto melhor para a integridade do stop motion. Esse cenário acabou por ser modificado algumas vezes, para melhor dispor os objetos ao longo do travelling. O movimento dos corais deveria ser suave e pontual, sem que o fundo de confete se mexesse ao mesmo tempo, para não causar muito frenesi ao clima submarino. Nas algas feitas à partir da peruca de fios metálicos verdes, suspensa por náilon, também exigiu muita delicadeza ao ser manipulada, pois qualquer movimento parecia exagerado, e assim perdia a fluidez da ação. As bolhas de sabão foram filmadas com a câmera do iPhone 4, sobre dois tipos de fundo: um preto e um branco. O melhor resultado na aplicação sobre o fundo azul foi o branco, com o blend “hard light”. Nesse ponto me foi sugerido experimentar fazer desenhos de bolhas, o que surtiu um resultado interessante e com aspecto mais artesanal, porém um pouco ímpar no restante da linguagem fotográfica.

Composição de elementos e bolhas feitas com lápis de cor à partir de frame de vídeo


Equipamento O projeto dessa animação foi realizado com técnica mista de filme, fotografia e recorte digital, stop motion e manipulação em After Effects. A câmeras utilizadas foram a de um iPhone 4 e outra a Canon 20D, lente macro 50 mm. A lente macro, a única que eu possuia, ofereceu prós e contras. Os prós estão na difusão da imagem ao redor do foco, o que é benéfico ao clima de “dentro d’água”. O contra foi uma certa dificuldade na captação do cenário como um todo, pois havia diferença de foco entre os elementos da cena. A solução foi afastar o tripé o máximo possível, para que a diferença fosse suavizada.

Desenvolvimento A montagem do animatic para estruturar as passagens, foi feita inicialmente no programa Adobe Flash, por permitir a livre criação de desenhos simultâneos à trilha sonora em execução. Mas uma vez o storyboard definido, criei no After uma sequência com as imagens nos tempos certos do ritmo da música. Porém, uma imagem estática é bastante diferente do mesmo quadro em movimento. O espectador possui outra percepção de velocidade para captar as informações se mexendo, o que resultou posteriormente na alteração do storyboard algumas vezes. A montagem do material capturado exigiu uma fragmentação do pensamento, pois algumas coisas como o cenário e interações dos personagens com o cenário exigiam o stop motion com fios

Acima, tripé com o iPhone 4 e abaixo, auto retrato com a câmera doada por Paula Pape


de náilon e tratamento no Photoshop. Outros movimentos, deveriam ser feitos à partir de fotos dos objetos isoladamente, em todas as posições, para que pudesse extrair o fundo e aplicar o movimento em sequência, como um stop motion pontual. Já em outras ocasiões, bastava apenas uma foto do objeto para ser manipulada no After, simulando a interação no espaço com os outros personagens. Filtrar, tratar e nivelar os tons de todas essas fotos com certeza exigiu tanto tempo quanto o trabalho de animação em si. É curioso pensar no caso dos peixinhos, feitos de módulos de lapiseira colorida, um dos primeiros experimentos. A movimentação foi toda realizada em stop motion, mas poderia perfeitamente ser realizada com uma foto apenas no After. Porém, percebo que o movimento do cardume ficou muito natural pelo fato de ter sido manipulado à mão, de forma intuitiva, e não de isolado e desconexo. Muitos resultados ocorreram de forma espontânea, como por exemplo algumas fotos que bati de texturas, sem propósito definido. É o caso da cor de preenchimento do lettering “filho de peixe peixinho é”, à partir de sobras de tinta para tingir roupa na panela. O papel celofane verde, que também não foi utilizado em cena, mas cujas fotos foram utilizadas para criar sombras transparentes, colorindo a última cena.

Lattering Até o momento da montagem da animação, o lettering não havia sido definido. Com ajuda do João Leite, batizamos o projeto, que


antes era chamado de Provérbios Visuais. Foi discutido também ser necessário o emprego do provérbio, para localizar o espectador dentro do conceito e da proposta. Optei assim, por utilizar a fonte “Sabon Roman”, tanto no título, quanto na abertura e encerramento da animação com os créditos. A caixa baixa no título foi uma opção afim de tornar o lettering informal, assumindo um caráter mais despojado.

Formato A animação foi criada sobre uma composição com dimensão wide, ou seja, mais retangular, com 1080 pixels de largura por 720 e altura. Escolhi esse formato por ser proporcionalmente menor ao utilizado para em full HD, isto é, alta resolução (1920x1080 pixels), porque por utilizar imagens em alta resolução o processamento da informações no After torna-se lento numa escala tão grande.

Nomenclatura Animar os sete personagens, cinco matrioskas e dois canivetes, exigiu o estabelecimento de uma nomeclatura dentro do After Effects. Nomeei os canivetes como tubarão e cação (às vezes tuba ou caniva, ou que gerava confusão e requeria padronização) e as matrioskas enumerei de zero a quatro, sendo a quarta a menor matrioska. Todos os outros elementos nomeei de acordo com sua função: serpentina como “algas”, lapiseiras como “peixinhos” e bolhas de sabão e cenário ficaram com o

Acima, teste com fontes serifadas e abaixo, lettering sobre uma textura de papel ondulado



mesmo nome. As cenas ganharam menções específicas, como “tubarão moita” ou “0_nado_frente”. Além disto, foram necessários três composições até a montagem final, onde nomeei de “cena 1”, depois “lettering cena 2” e por fim “lettering cena 3”, as composições que englobavam as muitas outras agrupadas.

Finalização Após “renderizar” diversas passagens, isoladamente, importei essa série de fragmentos para o programa Adobe Premier. Afim de tornar os vídeos com menor tamanho, utilizei no After uma compressão chamada H.264. No Premier todos os trechos importados receberamnovos cortes milimétricos, em função da trilha sonora. O importante era conseguir sincronizar determinados momentos da música “Come Alive”. Como sugestão de uma trilha absolutamente cliché, a composição de John Williams, para o filme Tubarão (1975), foi assimilada à animação em cinco pequenos momentos. Por se tratar de uma composição com instrumentos de orquestra, selecionei apenas o trecho mais conhecido e tenso da música, acrescentado um efeito de transição sonora, de surgimento e esvaecimento do volume. O resultado foi uma mescla quase imperceptível com o baixo elétrico da trilha principal, tornando-se quase como uma mensagem subliminar.

Pós produção no Premier e abaixo as duas trilhas sonoras: John Williams e Janelle Monáe


Conclusão O projeto “Cliché” foi um exiercício plástico que buscou interpretar conceitos metafóricos, através de imagens. O desafio estabelecido à partir de um interesse gramatical, me levou a inúmeras reflexões e processos de design, afim de congregar a imaginação a um sistema de linguagem para construção de mensagens. Com os mind maps organizei as primeiras ideias e roteiros, o que me permitiu insvestigar a rigidez e flexibilidade destes sistemas lógicos, que organizam o pensamento. Através da fotografia e da pesquisa de materiais entrei num processo de imersão imenso na geração de imagens, cortes e cores. Observei que muitos resultados surgiram de forma inesperada, o que tornou meu processo plástico bastante experimental. O uso de objetos reais como o canivete e a matrioska, trouxeram à este trabalho obstáculos e vantagens imprevistos, que constituíram diversas soluções cirativas para o manipulação e eficácia quanto ao cronograma limitado. Por fim, na edição o desapego do material produzido ao longo desta jornada, constituíram um exercício de síntese e coerência à mensagem que me propus a transmitir. O resultado final está publicado no endereço web:

http://vimeo.com/raaiss/cliche



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