P&A - Setembro/2011

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Crônicas & poesias |

Ednaldo Torres Felicio |

ednaldotorres@yahoo.com.br

AS PRIMEIRAS PÁGINAS DE: ‘‘PASSOS E SEIXAS’’

D

ia 21 de agosto fez 22 anos que Raul Seixas, o chamado “pai do rock nacional”, morreu. Um de seus melhores amigos foi Sylvio Passos, fundador do Raul Rock Clube, que é o fã clube oficial, tem mais de 50 mil afiliados em todo o País e completou neste ano 30 anos de existência. Sylvio é o guardião de muitos objetos pessoais do Raul Seixas como roupas e violões, além de manuscritos, prêmios e fotos que contam não só a história de Raul Seixas, mas também a história do Rock Nacional. Sylvio Passos é uma figura conhecida e respeitada no circuito rock and roll paulistano, frequentando a noite, dividindo-se entre goles de whisky americano, notas de gaita e canções de blues. Tenho a honra de escrever um livro sobre a amizade destes dois “malucos beleza”, que deve ficar pronto no final deste ano. Abaixo, publico em primeira mão o capítulo 1 do livro, que se chamará “Passos & Seixas”:

PASSOS & SEIXAS

Assistíamos a uma fita do Elvis Presley. Estamos em silêncio. Não aquele silêncio que constrange, mas o silêncio que embala as mais profundas amizades numa canção muda, confortável. Estávamos em silêncio. Elvis requebrava seu corpo na TV. Eu olhava para o relógio pensando o quanto minha mulher iria falar do horário e seus blábláblás inter mináveis sobre casamento, relacionamento... Raul, quieto pensava em quê? Raul era meu pai. Raul era meu filho. Raul era meu irmão. Mais que um ídolo, Raul era quem havia me mostrado os caminhos de mim mesmo. Não havia como ser o mesmo depois de conhecê-lo e conviver com ele depois de tantos anos. Um gênio como ele merecia uma mansão na Califórnia, não um “apertamento” triste no Centro de São Paulo. Raul Santos Seixas. Poeta, cantor, meu amigo. Gostaria de ter olhado menos para o relógio naquela tarde. Gostaria de olhar mais para aquela Energia dentro do corpo dele. Mas as coisas são porque foram. Não muda o verso soltado no vento. Ficamos em silêncio. Apenas Elvis falava. Talvez nem o escutássemos, apenas estávamos em silêncio. Sós e juntos. Elvis terminou seu último canto em sua fita. Levantei-me apressado “a mulher vai me torrar a paciência, sabe como é”.

Capítulo 1 – O início, o fim e o meio

A sxc.hu

cho que o que dá força à vida é uma energia constante e infindável. Somos nós que findamos, a energia segue. De certa forma estamos ligados a essa energia. Sentimos seu pulsar, sua propulsão e fazemos parte dela quando estamos nela e ela está em nós. Quando a gente fenece, morre, somos desligados desta energia, tal qual uma lâmpada queimada. A corrente elétrica passa pelos fios, mas a lâmpada não ilumina mais. Seu brilho fez parte da História e do Passado, sua Luz iluminou olhos, mentes, gestos... mas acabou. A Lâmpada dá lugar à outra Lâmpada, que se conecta à Energia até queimar-se e dar lugar à outra Lâmpada, que queimará e dará lugar à outra... Era uma tarde de sol tímido em Sampa. Raul estava muito debilitado, se alimentando de comida líquida, morando num pequeno apartamento, sozinho. Lá estava eu. Apressado. Preocupado com a encheção de saco de minha mulher por causa do horário. Olhando compulsivamente para o diabo do relógio. E lá estava Raul Seixas. Toda sua genialidade presa num corpo que não lhe cabia mais.

Revista Eletrônica “Projeto em Ação’’

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Ano 1 Edição Nº6 - Setembro de 2011


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