Princípios, Volume 15, Número 23, 2008

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Os princípios de verdade no Livro IV da Metafísica de Aristóteles

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contraditórios sobre os quais é verdadeiro negar, mas não é verdadeiro afirmar. Contudo, Aristóteles complementa que se o adversário admite [B’’], então deve admitir, para estes estados de coisas, que a proposição afirmativa oposta seja também admitida. À primeira vista, este passo não é claro em seu sentido, uma vez que em [B’’] o adversário admitiria somente estados de coisas dos quais se pode negar um predicado, mas não afirmá-lo. Esse aparente contra-senso, entretanto, pode ser facilmente entendido através de um exemplo muitas vezes usado por Aristóteles em seus escritos. Trata-se do teorema da geometria euclidiana sobre a incomensurabilidade da diagonal. 55 Se é necessariamente verdadeiro dizer que a diagonal não é comensurável com os lados do quadrado (o que constitui um exemplo de estado de coisas sobre o qual se pode negar, mas não afirmar), então é necessariamente verdadeiro dizer que a diagonal é não-comensurável, ou seja, que a diagonal é in-comensurável. 56 Nesta interpretação, fica bastante claro o sentido do trecho final de (3), a saber: “e se o não-ser de algo é firme e conhecido, então mais conhecido seria a afirmação oposta”, pois se é conhecido de modo seguro que a diagonal não é comensurável, então será ainda mais conhecido dizer que é in-comensurável. Até este ponto, o estagirita obteve em (2) e (3) o seguinte: (i) Ou: o adversário mantém a negação forte do princípio primário tanto na forma da não-contradição quanto do terceiro

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Que Aristóteles tem este tipo de exemplo em mente é corroborado por sua menção deste teorema no capítulo 8 do Livro IV (1012 a 32-33), um contexto que retoma vários passos argumentativos semelhantes aos presentemente discutidos. 56 Deve-se observar que Aristóteles distingue dois tipos de negação: uma que se refere a classes mutuamente exclusivas e outra que se refere a classes complementares (cf. Da interpretação, 10; Primeiros analíticos, I, 46). Somente nas negações do primeiro tipo pode-se passar validamente para a afirmação contrária, tal como no caso da equivalência entre o não ser comensurável e o ser in-comensurável da diagonal, ou ainda: o número três não é par equivale a dizer que o número três é não-par (= é ímpar). Que Aristóteles tem presente a distinção entre estes dois tipos de negação no contexto do Livro IV fica evidente pelo parágrafo (5) do trecho (A1) anteriormente citado.


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