Revista 15

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FLIPBOOK: COMO VISUALIZAR

Ao longo desta edição, nas páginas da esquerda, você verá um personagem. Se seguir as instruções de visualização acima, perceberá, com o movimento, o que exatamente nosso amiguinho tem feito para contribuir para a conservação do planeta. Comece a folhear a partir da página 52!

EXPEDIENTE Diretor: Odilon Luís Faccio Direção de Redação: Maria José H. Coelho (Mte/PR 930- JP) Editora chefe Alessandra Mathyas (MTe/SC 755-JP) Redação: Alessandra Mathyas Edição de Arte: Maria José H. Coelho Cristiane Cardoso (Mte/SC 634-JP) Fotografia: Sérgio Vignes Cláudio Silva da Silva (Sarará) Colaboradores: Clemente Ganz Lúcio, Michelle Lopes, Vinícius Carvalho, Paula Scheidt, Ronaldo Baltar, Vanessa Campos, Beat Grüninger, Leandro Belinaso Guimarães Secretaria e Distribuição: Lilian Franz

Parceiros Institucionais Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) Fundação Vale do Rio Doce (FVRD) Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) Instituto Observatório Social Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social Rede de Tecnologia Social (RTS) • BSD Consulting Novembro de 2009

R. João Pinto, 30, Ed. Joana de Gusmão, s 803 Florianópolis - SC - Brasil - 88010-420 F: (48) 3025-3949 / Fax:3028-4615 contato@primeiroplano.org.br Os artigos e reportagens assinados não representam, necessariamente, o ponto de vista das organizações parceiras e da revista Primeiro Plano. A divulgação do material publicado é permitida (e incentivada), desde que citada a fonte.

As crianças, o meio ambiente e o futuro Como estará nosso planeta para as futuras gerações? Há muitas projeções catastróficas sobre isso. Daí a necessidade de uma ação global para que os pequenos que ainda não nasceram, tenham, como nós, a oportunidade de construir suas vidas neste mundo. Muitas iniciativas já estão em andamento, como vimos pautando em nossas edições. Dos governos às empresas, da família à escola. Mas foi pensando nas crianças que preparamos esta revista. Por isso, a matéria de capa mostra como o tema CONSUMO vem sendo tratado junto ao público infantil e de que forma a educação ambiental é estratégica nessa geração que está se constituindo. Já na seção MEU MUNDO, um presente aos leitores: uma breve entrevista com uma das celebridades que mais entende de criança no nosso país: Mauricio de Sousa, que neste ano celebra o Cinquentenário da Turma da Mônica. E no ENSAIO, o fotojornalista Sarará nos brinda com imagens de crianças quilombolas de diversas partes do país. E já que o assunto é futuro, as mudanças climáticas e o papel do Brasil na próxima Convenção do Clima (Copenhague, em dezembro) é destaque desta edição. O que apontam recentes estudos, o que defende o Plano Nacional de Mudanças Climáticas, como devemos nos adaptar às alterações já percebidas mundo afora? Veremos que todos somos desafiados a conter o aquecimento e que o uso de energias renováveis mostra-se cada vez mais necessário para ajudar nessa luta. Mas caberá aos chefes de Estado a condução das ações necessárias para isso. Somam-se à pauta, a liderança do Brasil entre os mercados emergentes no campo da responsabilidade social empresarial e a importância da SA8000 – a primeira certificação social global, além da situação do mercado de trabalho na visão do IPEA e do Dieese e a importante atuação do Hospital Albert Einstein na promoção da saúde como justiça social. Registramos ainda o sucesso das iniciativas dos “agricultores experimentadores”, que desenvolvem e multiplicam tecnologias agroecológicas, e o pioneirismo da Feira Sustentável, ocorrida em Florianópolis. Todas ações que visam integrar desenvolvimento, sustentabilidade e qualidade de vida ao nosso planeta. Boa Leitura!


REVISTA quINZE

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MUDANÇAS CLIMÁTICAS

ENTREVISTA

O complicado horizonte da vida no planeta até 2050

DR. CLÁUDIO LOTTENBERG Hospital Israelita Albert Einstein

18 | ARTIGO Leandro Belinaso Guimarães | UFSC

26 | ENERGIAS RENOVÁVEIS DESAFIOS E PERSPECTIVAS

46 | EM DESTAQUE

20 | PLANETA BRINQUEDO

38 | ARTIGO Paula Scheidt | CARBONO BRASIL

52 | ENSAIO: INFÂNCIA QUILOMBOLA

O PLANETA NAS MÃOS DAS CRIANÇAS Como inserir consciência ambiental no universo infantil

22 | O IMPACTO DA SA8000 NO BRASIL 25 | ARTIGO Beat Grüninger | BSD CONSULTING

40 | AGRICULTORES EXPERIMENTADORES

PRIMEIRO PLANO . ANO 4 . NO 15 . NOVEMBRO 2009

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60 | MEU MUNDO: MAURICIO DE SOUSA 62 | SOLUÇÕES

44 | ARTIGO Clemente Ganz Lúcio | DIEESE

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O planeta nas mãos das crianças

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Inserir no mundo infantil a relevância do meio ambiente de forma que o consumismo não prejudique a relação homem/natureza é uma tarefa árdua para os educadores no mundo inteiro. O consumo desenfreado de brinquedos, alimentos, roupas e tudo mais que a indústria possa oferecer ao público infantil, causa impactos ambientais e mentais inimagináveis à percepção do mundo capitalista. Sem falar no problema da capacitação de professores, que é ponto fundamental quando o assunto é educar. No mundo, onde o grande foco é fazer a economia girar, os discursos de certa forma batidos não surtem efeito sobre o que realmente é educação ambiental. Consumo consciente e ser sustentável são dizeres cada vez mais vazios se tomados somente pela perspectiva filosófica e não pela prática. É a famosa maquiagem verde e adulta. O que nos resta? Apostar na vida que se inicia, acreditar nas crianças, na perpetuidade da imaginação infantil e de uma preocupação com a natureza não pré-concebida, mas diferente e nova. Especialistas apontam que trabalhos voltados à educação ambiental infantil ainda são muito raros e que o futuro do nosso planeta, realmente, está nas mãos delas. Por Vanessa Campos

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FOTO BSK

NA VIDA ADULTA LAIS FONTENELLE |Instituto Alana

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A

Educação Ambiental possui uma Política Nacional (PNEA) instituída pela Lei nº 9.795/ 99, que cria princípios e objetivos obrigatórios em todos os níveis e modalidades do processo educativo, inclusive na educação básica e infantil. A lei também estabelece que as instituições de ensino públicas e privadas devem buscar alternativas curriculares e metodológicas na área ambiental. E mais, que os meios de comunicação de massa devem colaborar de maneira ativa e permanente na dissemi-

nação de informações e práticas educativas sobre o meio ambiente, além de incorporar a dimensão ambiental em sua programação. Até aí, tudo muito bonito. O problema é que essas determinações legais, segundo especialistas da área ambiental e pedagógica, ainda estão longe de realmente serem cumpridas e fazem parte da realidade nas instituições educativas não só no Brasil, mas no mundo. A natureza, antes de ocupar o seu verdadeiro lugar no pódio, precisa literalmente estar aliada à economia e à política. Entretanto, a preocupação com o meio ambiente, para fazer a diferença no futuro das próximas gerações, não pode estar aliada ao consumo exagerado, pois consumir demais resulta, de certa forma, na destruição de recursos naturais que praticamente já se esgotaram. O projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana, organização que desenvolve atividades em prol da defesa dos direitos das crianças e adoles-

COMO AS CRIANÇAS NÃO COMPREENDEM CLARAMENTE O DISCURSO MERCADOLÓGICO, SÃO MUITO MAIS VULNERÁVEIS. ESSA INFLUÊNCIA PODE CAUSAR DISTÚRBIOS ALIMENTARES E OBESIDADE INFANTIL, EROTIZAÇÃO PRECOCE, DEPENDÊNCIA DE TABACO E ÁLCOOL, PREDOMINÂNCIA DE VALORES MATERIALISTAS, ESTRESSE FAMILIAR, DENTRE OUTROS PROBLEMAS GRAVES QUE SE REFLETEM TAMBÉM


NO BRASIL, O VALOR GASTO EM PUBLICIDADE INFANTIL EM 2007 FOI DE R$ 210 MILHÕES, ENQUANTO O INVESTIMENTO NO PROGRAMA FEDERAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL FOI DE

Murillo Medina

R$ 28 MILHÕES

centes relacionadas ao consumo em geral, mostra em sua pesquisa que o apelo mercadológico para o consumo se intensificou nos últimos 30 anos. Do início da década de oitenta para cá, as estratégias de marketing têm se tornado cada vez mais agressivas e se dirigido com mais frequência às crianças. Isso contribui fortemente para o consumismo na infância. De acordo com Lais Fontenelle Pereira, coordenadora de Educação e Pesquisa do Alana, uma análise levantada pela psicóloga norte-americana, Susan Linn, aponta que o orçamento de marketing infantil é de mais de US$ 15 bilhões por ano nos EUA – cerca de 2,5 vezes mais do que foi gasto em 1992. No Brasil, o valor gasto em publicidade infantil em 2007 foi de R$ 210 milhões (Ibope), enquanto o investimento no Programa Federal de Desenvolvimento da Educação Infantil foi de R$ 28 milhões. Segundo Lais Fontenelle, esses dados revelam que, de fato, houve um salto do valor investido pela indústria no público infantil.

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Publicidade apelativa

Lais Fontenelle, do Instituto Alana

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Para Fontenelle, além da publicidade convencional, as crianças são expostas a embalagens chamativas, a promoções, a brindes e a uma infinidade de outras estratégias de comunicação mercadológica. Até mesmo a distribuição dos produtos nos pontos de venda é pensada estrategicamente para atingir esse público. A pedagogia Waldorf, que difunde uma visão de mundo voltada para cultura, paz e promoções de valores mais humanos e menos materialistas, é citada pela pesqui-

sadora como destaque no trabalho não consumista das crianças. Essa pedagogia busca educar e ensinar com o intuito de promover o pleno desenvolvimento da criança para que seja apta a integrar-se no mundo com autoconfiança, consciência e criatividade. Fontenelle afirma que a pedagogia Waldorf, além de priorizar o contato com a natureza, é uma educação voltada para a cooperação e não à competição. “Hoje, muitas outras escolas se preocupam com a questão e têm buscado informações a respeito do consumismo na infância. Inclusive com orientação aos educadores sobre como o problema afeta o desenvolvimento infantil. Normalmente elas desenvolvem projetos muito interessantes com sucata para discutir reciclagem e reutilização de materiais. Esses são dois de três Rs considerados essenciais para a preservação ambiental, que são ‘reutilizar, reduzir e reciclar’. O que noto é que a redução do consumo ainda é um assunto pouco abordado”, afirma a pesquisadora. Na visão do Instituto Alana, é fundamental trabalhar a aproximação do ensino formal à conscientização sobre práticas de consumo.

Educação ambiental x fenômenos climáticos Para Fontenelle, a educação ambiental não deve se resumir apenas aos fenômenos climáticos, com proporções globais, e sim, abordar também os impactos causados pelo consumo na natureza. Será que é preciso tantos objetos para ser feliz? – indaga a pesquisadora do Instituo Alana. “Acho


“Trabalhos sobre educação ambiental infantil ainda são raros” Marcos Antonio dos Santos Reigota, biólogo PhD em Educação Ambiental pela Universidade de Genebra, na Suíça, e professor em Educação na Universidade de Sorocaba/SP, afirma que trabalhos sobre educação ambiental infantil ainda são raros no Brasil. Para o especialista, há uma grande possibilidade de pesquisas futuras e um campo aberto nessa temática. No entanto, geralmente os projetos de educação ambiental de grande visibilidade mostram crianças envolvidas, mas há dificuldades em observar o que essas iniciativas têm de específico como projetos político-pedagógicos voltados para uma faixa etária. Questionado se realmente existe “o melhor caminho” para se tra-

tar o tema com as crianças, Reigota diz que é preciso fazer tentativas, e priorizar assuntos, fazendo com que a temática ambiental não seja algo externo à vida cotidiana das crianças. Para ele, o processo de educação ambiental infantil passa por coisas bem simples, mas é interdisciplinar. Reigota exemplifica que o assunto pode ser tratado com as crianças envolvendo-as, por exemplo, com a economia da energia elétrica, da água, do cuidado que se deve ter com as plantas e animais, com a sua própria alimentação e saúde, com o tempo disponibilizado para brincadeiras coletivas, leituras, visitas a museus e parques, aos amigos e familiares, e principalmente, com o desenvolvimento de um sentido de responsabilidade coletiva, de pertencimento, de solidariedade.

Discursos oficiais Reigota critica os discursos oficiais usados pelos governos como consumo sustentável e consciente, pois crianças no mundo inteiro não consomem sequer o mínimo para uma vida digna. “O conceito de “consumo” está relacionado ao excesso, ao supérfluo, ao que não é necessário e nem vital. Nesse sentido, são muitas as crianças envolvidas, pois o modelo econômico de produção de supérfluos tem as crianças como consumidores potenciais.” O especialista afirma que como modelo econômico e cultural, o consumo é perverso, e ainda conta com a cumplicidade das famílias em geral. Ele acredita que a educação ambiental infantil precisa abordar as diferenças de consumo, além

TENHO A IMPRESSÃO DE QUE AS CRIANÇAS ESTÃO CADA VEZ MAIS ESTIMULADAS, PELOS PAIS, PELA MÍDIA, A TEREM UM COMPORTAMENTO INDIVIDUALISTA, DE COMPETIÇÃO E DE INTENSO CONSUMO DE COISAS BANAIS. NÃO PENSO QUE ESSE ESTILO DE VIDA SEJA BENÉFICO PARA ELAS E ESTOU CONVENCIDO QUE ISSO É SOCIALMENTE E ECOLOGICAMENTE NEFASTO MARCOS REIGOTA |Universidade de Sorocaba

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positivo incentivar uma reflexão a esse respeito. Claro que o trabalho deve ser desenvolvido levando em conta alguns aspectos importantes, como o fato das crianças não entenderem plenamente as relações de consumo. Mas é uma maneira de iniciar essa discussão e prepará-las para que, mais tarde, elas tenham condições de fazer escolhas conscientes. Afinal, elas são determinantes para o futuro do planeta”, aponta Fontenelle. “Vale destacar que é muito importante que a educação ambiental não faça um desserviço à educação, fazendo com que as crianças percam a espontaneidade na relação com a natureza. Muitas vezes é passado um discurso catastrófico em relação ao meio ambiente. É preciso cuidado”, pondera Lais.


de oferecer às crianças possibilidades de escolhas que sejam benéficas não só para o bem estar delas, mas para o coletivo.

Críticas ao governo e às celebridades

O PROCESSO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL INFANTIL PASSA POR COISAS BEM SIMPLES, COMO ENVOLVER AS CRIANÇAS COM

Reigota conta que recentemente leu em um jornal uma das questões que entrariam num exame elaborado pelo Ministério da Educação (MEC). A questão mostrava seis carrinhos de brinquedo que dizia: esses são os carrinhos de Pedrinho. Depois vinha a pergunta: quantos carrinhos tem o Pedrinho? E o professor indaga: - Como o MEC pode enviar uma questão dessas aos estudantes de todo o Brasil? Quem no Brasil (principalmente os estudantes das escolas públicas) pode ter seis carrinhos? - As crianças que poderiam ter seis carrinhos, ainda brincam de car-

rinhos? Esse brinquedo ainda faz parte do universo infantil, com a mesma intensidade de outras épocas? O professor questiona ainda o papel educativo das celebridades. “Vejo também com bastante desconfiança pessoas com grande presença na mídia que estimulam o consumo de supérfluos como Xuxa e Gisele Bundchen, que discursam sobre a proteção ao meio ambiente. Ora, se elas realmente acreditassem nisso, não estariam envolvidas com atividades econômicas que estimulam o intenso consumo de tantas coisas desnecessárias. Ou será que elas acreditam mesmo que, proteger o meio ambiente é só preservar as árvores e os animais?” O especialista aponta para o cuidado com discursos aparentemente simpáticos de celebridades envolvendo o meio ambiente. “Talvez eu seja muito crítico, mas quando vejo essas senhoras falando do meio ambiente com

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A ECONOMIA DA ÁGUA, DE ENERGIA PRIMEIRO PLANO . ANO 4 . NO 15 . NOVEMBRO 2009

ELÉTRICA E COM O CUIDADO COM AS PLANTAS

Na Creche Sabiá, a proposta é responder se é possível desenvolver a educação ambiental com experiências formativas tanto para crianças, como para educadores, funcionários, familiares e comunidade.

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apoio de grandes instituições políticas, econômicas e midiáticas, penso que não podemos ter muitas esperanças” – conclui Marcos Reigota.

cantor do bairro, confeccionar um livro de histórias e incentivar a leitura ou plantar flores em vasos decorados pelas próprias crianças.

Trabalhos precisam ser mais difundidos

O poder da mídia

No filme Madagascar, o personagem Nelman (girafa) sai do interior da mata e chega na praia com a cabeça toda envolvida por plantas e diz: “Argh, a natureza está me cercando, tira, tira, eu não estou conseguindo enxergar...”

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Kátia Regina Pereira, pedagoga e mestre em Educação pela Universidade de Sorocaba (UNISO), explica que a educação infantil é a primeira etapa da educação básica, mas que não é obrigatória como o ensino fundamental. Ela conta que mesmo neste, a educação ambiental não é disseminada, seja em projetos pedagógicos, como proposta curricular, ou mesmo em disciplinas com professores atuando. “Vemos com certeza alguns exemplos em diferentes espaços formais e não formais acontecendo. Mas é necessária a circulação desses trabalhos para que possamos difundir a educação ambiental na educação infantil” aponta Kátia Aniceto. A cientista social desenvolve um trabalho com crianças de zero a seis anos numa creche municipal em Sorocaba/SP, conhecida como Creche Sabiá. Sua proposta é responder se é possível desenvolver a educação ambiental em um ambiente com experiências formativas tanto para crianças, como para educadores, funcionários, familiares e comunidade. Para a especialista, é preciso desfocar o consumo. Nas cenas do cotidiano na creche, ela descreve que ao invés de incentivar a compra de presentes para o Dia das Mães, ela incentiva, por exemplo, presentear com uma apresentação musical com o

Lúcia de Fátima Estevinho Guido, bióloga doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas/SP, e atualmente professora no Instituto de Biologia da Universidade Federal de Uberlândia/MG, diz que é possível educar as crianças que têm contato muito cedo com a mídia, até mesmo antes de dizer as primeiras palavras. O acompanhamento do que a criança está assistindo na televisão é necessário, segundo a especialista em mídia e educação. Para Lúcia Guido, conversar e brincar sobre o que se vê na TV são atividades que precisam ser colocadas em prática. “É possível encontrar produções audiovisuais interessantes, especial-

mente animações que atualmente atingem não só o público infantil, como também os adultos”, enfatiza. Lúcia Guido afirma que questões ambientais têm sido discutidas em muitos filmes de animação, como “Madagascar” produzida pelo estúdio de animação Dreamworks em 2005. Outros considerados na mesma linha são “Happy Feet: O Pingüim” dirigido por George Miller (2006) e “Os sem floresta” dirigido por Tim Johnson e Karey Kirkpatrick produzido também pela Dreamworks (2006). Em sua pesquisa, a especialista conta que alguns desses filmes fazem uma crítica aos clichês apresentados pela mídia no que se refere, por exemplo, à ideia de natureza selvagem, que pode ser observada em vários momentos do filme “Madagascar”. Ela destaca uma cena em que os personagens estão na praia da ilha e não sabem mais o


PESQUISAS TÊM MOSTRADO QUE AS CRIANÇAS E OS JOVENS ESTÃO IMERSOS NUM MUNDO MIDIÁTICO E QUE É POSSÍVEL ARTICULAR MÍDIA E EDUCAÇÃO NOS TRABALHOS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL

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LUCIA GUIDO |Universidade Estadual de Campinas

praia da ilha e não sabem mais o que fazer. Então o personagem Nelman (girafa) sai do interior da mata e chega na praia com a cabeça toda envolvida por plantas e diz: “Argh, a natureza está me cercando, tira, tira, eu não estou conseguindo enxergar ...” Lúcia Guido aponta para uma “certa ironia” tratada nas animações, que leva ao entretenimento, mas também faz pensar sobre algumas ideias discutidas pela educação ambiental, como a da natureza selvagem, como se no ambiente urbano a natureza não estivesse presente.

Bons exemplos Um exemplo interessante, citado pela especialista, é envolver crianças com animações mais antigas, que trabalhem o aspecto cômico bem diferente do atual, e que ainda atraia o público que se identifica com as contradições presentes nos personagens de desenhos caricaturais

Lúcia Guido, da Universidade Estadual de Campinas

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com propósito humorístico. Lúcia Guido explica que cenas de perseguição e exageros prendem a atenção das crianças, e podem ser “bons exemplos” para evitar os exageros mostrados como, “comer muito ou consumir além do necessário”. “Não é de hoje que a educação das crianças pequenas pelo uso da imaginação, da fantasia”, afirma Lúcia Guido. Os contos de fadas existem há muito tempo, onde a relação homem-natureza acontecia pelo medo, que levava os humanos a dominarem a natureza. Lúcia conta que era necessário alertar as crianças dos perigos naturais, e os contos de fada cumpriam bem esse papel. Assim, a personagem Branca de Neve é levada para a floresta para ser morta. Chapeuzinho Vermelho deve seguir o caminho certo, pois se entrar na floresta vai encontrar o Lobo Mau. Era uma educação que em nome da proteção das crianças construía uma ideia de natureza selvagem, misteriosa e perigosa. Segundo a especialista, esses contos de fada trazem também outras “lições”, como muitos estudos na área de psicologia e psicanálise têm mostrado. Porém a natureza era retratada como um lugar escuro, perigoso e que devia ser evitado pelas crianças. Lúcia conta que atualmente não se encontra mais essa visão na literatura infantil, nos desenhos animados e nas animações. Hoje, até o YouTube é usado para o conhecimento de jovens e crianças. Em suas pesquisas sobre mídia e educação, Lúcia Guido afirma que as próprias crianças percebem que a mídia pode ser aproveitada para a educação. “Es-



O PRINCIPAL PONTO É DEIXAR AS CRIANÇAS PENSAREM O MEIO AMBIENTE DE OUTRAS FORMAS, COM OUTRAS POSSIBILIDADES. O MUNDO NÃO ESTÁ DADO, E PODE SER MODIFICADO PELAS MÃOS DAS CRIANÇAS

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LEANDRO BELINASO |Universidade Federal de SC

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sas pesquisas têm mostrado que as crianças e os jovens estão imersos num mundo midiático e que é possível articular mídia e educação nos trabalhos de educação ambiental. Percebemos que esse envolvimento pode lançar novas maneira de olhar para as questões ambientais fugindo dos clichês, talvez criando outros, mas com uma proximidade maior com o pensamento do jovem e da criança”, completa Lúcia Guido.

Imaginação oposta ao consumismo O consumo simbólico do “desejo” é o principal vilão a ser combatido pela educação. E se, desde cedo for combatido, pode resultar em crianças menos consumistas, que futuramente, poderão se transformar em adultos verdadeiramente conscientes. Para o professor da Universidade Federal de Santa Catarina, Leandro Belinaso Guimarães, também biólogo e doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o campo que tem menos incentivo à educação ambiental é justamente a infância. Belinaso aponta que o lado da imaginação e criação infantil precisa ser mais explorado e trabalhado na educação. Ele enfatiza que é equivocada a visão de apenas passar informações às crianças sobre o meio ambiente, e não trabalhar o lado mágico da imaginação e da criação de um mundo diferente. O mundo não deve vir pronto e acabado às crianças, pois elas podem mudar o que “supostamente” está finalizado.

Oficina do Aprendiz ‘Uma contraposição à onda do brinquedo eletrônico e descartável’. Com essa orientação, o filósofo e estudioso de jogos antigos e psicopedagógicos, Ovaldir Viegas criou o espaço Oficina do Aprendiz, em Florianópolis/SC. Lá o conhecimento é divulgado e construído utilizando brinquedos educativos e jogos que fizeram ou fazem parte da herança cultural de povos e nações que se tornaram patrimônio de toda humanidade. Para Viegas, criou-se o conceito de que é possível construir brinquedos mais baratos, porém sem qualidade. O resultado são crianças com inúmeros brinquedos que muito depressa perdem seu valor, já que a interação se esgota facilmente. “É preferível menos brinquedos e mais interação, mais durabilidade. Esse é o diferencial de um brinquedo educativo. Eles podem ser mais simples, mas conseguem explorar o lado da imaginação e criação de uma criança”, explica o filósofo. As eternas coleções das bonecas Barbies são citadas por Viegas como algo danoso e sem fim. O especialista aponta o problema não só para as crianças, mas para os pais que gastam fortunas comprando brinquedos caríssimos, e depois veem logo o sentimento de insatisfação constante das crianças por quererem o outro, aquele mais novo, a sensação do momento. Ele conta que a base conceitual de brinquedos para entreter a criança é errado, pois a consequência dessa visão é o individualismo, a compulsão obsessiva pelo brinquedo e o desenvolvimento da


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Olhar mágico sobre a natureza Também em Florianópolis, o Instituto Carijós Pró-Conservação da Natureza desenvolve, há oito anos, projetos de educação ambiental no entorno de uma estação ecológica da capital catarinense. Um dos projetos ambientais do instituto, chamado Olho Mágico, trabalha com educação ambiental infantil com crianças de 1ª a 4ª séries. A coordenadora do projeto, Joyce Freitas, afirma que as crianças ficam mais sensíveis e passam a se conscientizar da importância do meio ambiente na vida delas.

Oficina do aprendiz, uma contraposição à onda do brinquedo eletrônico e descartável

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ansiedade. Viegas aponta a questão como muito séria e grave. O projeto Oficina do Aprendiz existe há cincos anos. O espaço é usado para experimentar a brincadeira. São inúmeros jogos, principalmente de madeira, espalhados pela oficina para que não só as crianças possam interagir no ambiente. Mas até os pais que têm a agenda lotada. Escolas da região visitam o local, que é aberto ao público. “O retorno das crianças que visitam a oficina é justamente o contrário do que os pais acham. Criança não brinca para passar o tempo e sim para viver”, afirma Viegas.


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No Projeto Olho Mágico, do Instituto Carijós, as crianças são levadas a pensar sobre o destino do lixo e o consumo consciente.

CRIANÇA NÃO BRINCA PARA

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PASSAR O

TEMPO E SIM PARA VIVER OVALDIR VIEGAS |Oficina do Aprendiz

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“Não trabalhamos somente a percepção e sim a sensibilização das crianças”, afirma. O projeto procura explorar temas como o consumo consciente, o destino do lixo, o ecossistema do bairro onde vivem, urbanização, água, esgoto, dentro outros diversos na temática ambiental. Joyce explica que nas aulas, histórias são contadas construindo e reconstruindo a dinâmica de uma cidade ideal para as crianças. O projeto é uma parceria com a Secretaria Municipal de Educação do município, empresários e representações de outros países. que ajudam com recursos financeiros e transporte. Ao todo, 250 alunos estão aprendendo sobre a importância da natureza em suas vidas. A coordenadora do projeto Olho Mágico enfatiza que não

conhece muitas iniciativas nesse contexto na região. A equipe do instituto, composta por 13 pessoas e mais alguns voluntários, também desenvolve cursos de capacitação para professores da rede municipal. Este ano 40 educadores se inscreveram no projeto. Os encontros são semanais e há saída de campo em unidades de conservação da cidade. O lamentável é que apenas seis escolas fazem parte dessa iniciativa tão importante na relação homem/natureza. Exemplos, não só como esse do Instituto Carijós, que é fruto de um trabalho de conclusão de curso da Universidade Federal de Santa Catarina, ainda estão isolados e distantes do conhecimento massivo e, principalmente, do poder público.



OPINIÃO

Como a educação ambiental poderia não deixar fugir a vida que nos beija?

LEANDRO BELINASO GUIMARÃES Professor da Universidade Federal de Santa Catarina

E

stamos na primavera. Estação em que as árvores despontam suas belezas em flores, que o calor começa a fazer parte dos nossos dias aqui no sul do Brasil. Nesse tempo de desabrochar das flores, em que passeamos entre seus cheiros e cores, ficamos instados a perguntar sobre como estamos convivendo em nossas cidades? Como pintamos o mundo com nossas presenças? Que ambientes desejamos? Que cidades buscamos construir com nossos modos de vida? Que cheiros, cores e sons queremos ver e ouvir nos mundos em que vivemos? Essas são perguntas que nos parecem interessantes à educação ambiental que acreditamos. Nela estaria em jogo uma dimensão importante: a promoção de uma reflexão, de uma atenção, de questionamentos sobre os modos como estamos vivendo. Enfim, sempre estamos a perguntar: que relações socioambientais estamos construindo? Desejamos pensar uma educação ambiental com crianças que pudesse ultrapassar o acento na representação de meio ambiente e de natureza, que tanto já consumiu nossos trabalhos. Muito já perguntamos sobre como a natureza ou o ambiente está representado, seja em um desenho de criança, seja em uma imagem fotográfica, um filme cinematográfico, um livro didático, uma história literária. Porém, o mundo também pode ser visto como passível de invenção, de tessitura de outros encontros (e não apenas desencontros) entre seres humanos e não-humanos, de criação imaginativa, de sensações que nos permitiriam outros acentos, outras atenções para com os mundos que uma educação ambiental seria capaz de ativar. Praticar educação ambiental com crianças não deixa de ser contar algumas histórias sobre o mundo. Contudo, não deixa de ser, também, criar mundos, disparar a imaginação de realidades outras, se deixar adentrar às inventividades tecidas pelas crianças a partir do nosso trabalho educativo. Como experenciar a vida como potência de criação de vários modos de viver que possibilitariam irmos ao encontro de um outro que sempre nos escapará em sua alteridade? Hoje nos fechamos tanto em nós mesmos, nos nossos condomínios, nas nossas televisões, nas nossas presumidas identidades, nas representações que nos chegam do mundo, nas nossas trilhas individualizadas e interiores de vida. Como disse Hélio Oiticica (2009), o trabalho criador tem um lado marginal [está na margem] nunca condicionado ao que já existe. Uma educação ambiental alocada nas margens, entre visões, imaginações, realidades, mundos deixaria escapar a vida que nos beija?

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contar uma história de amor/por o fim pelo meio/um começo que não veio/nenhuma rima em or cantar como quem resiste/resistir como quem deseja/meu versejar seja/o riso que te visite/a brisa que te festeja não/tristeza não/essa é quando/a alma veste luto/e já não luta peleja sim/coração/em busca de beleza/ corre anda rasteja/só não deixa fugir/a vida que te beija [Alice Ruiz, 2008, p.38]

www.grupotecendo.com.br

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Referências: RUIZ, Alice. Dois em um. São Paulo: Iluminuras, 2008. OITICICA, Hélio. Entrevista para o Pasquim (com Capinam). In: OITICICA FILHO Cesar, VIEIRA, Ingrid (Orgs.). Hélio Oiticica. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2009.



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Planeta brinquedo No Novo Mundo, o objetivo é a despoluição do globo. Quem responde corretamente ganha recursos para despoluir as regiões mais comprometidas.

Versão sustentável do velho jogo.

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O Ecolembranças para festas de aniversário da Festa Express

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século XXI mistura saudosismo e alta tecnologia na oferta de diversão para o público infantil. Na última década, voltaram com força os brinquedos de madeira e o artesanato de sucata para a primeira infância e com preços acessíveis à maioria. As bonecas e outros brinquedos de pano, como a luva Fantoche Animais da Fazenda, também conquistaram pais e bebês. Ao mesmo tempo, empresas como a Fischer Price desenvolvem brinquedos educativos, explorando cores, formas e sons dessa faixa etária. São interativos e instigantes, mas o preço é mais salgado. Para os maiorzinhos, as festas infantis são uma atração à parte. Há uma infinidade de temas e não se pode mais pensar numa comemoração apenas com bolo e brigadeiro. A indústria da festa encontrou nos pequenos um grande filão. Há desde grandes estru-


turas, com brinquedos, teatro, recreadores e muita comida, até os kits para festinhas na escola e lembrancinhas ecologicamente corretas, como um vaso e semente para o amiguinho plantar com a família. Na idade de alfabetização, já tem pequenos com seus próprios celulares. Pouco usam para ligar ou mandar mensagens. A alegria é brincar nos jogos que os pais baixam da internet ou bater fotos dos brinquedos, do animal de estimação ou da mãe dormindo. Apesar do acesso à tecnologia, vem crescendo no país o consumo de livros infantis. E para conquistar esse público as editoras não eco-

nomizam nas táticas: tem livro que se transforma em castelo, que tem CD e DVD para acompanhar as historinhas, outros com fantoche e até aqueles que falam. Já para os pré-adolescentes, os jogos de tabuleiro nunca saíram de moda. Alguns, no entanto, voltam com a preocupação social. O antigo Banco Imobiliário, que existe desde a década de 1940, onde os jogadores compravam casas, carros, prédios etc, agora, por iniciativa das empresas Estrela e Braskem e do WalMart, vende crédito de carbono. Além disso o tabuleiro é de papel reciclado e as peças, de plás-

tico ecológico. O Banco Imobiliário Sustentável é um campeão de vendas da rede no Brasil. Nessa idade também é usual a troca dos brinquedos por utensílios esportivos, como patins, bicicletas, skates e até o velho bambolê voltou ao rol de preferências dos teens. Claro que não só. Os adolescentes que têm contato desde cedo com o computador em casa e na escola, também “brincam” com os jogos eletrônicos, uma verdadeira febre que se estende, em muitos casos, até a vida adulta.

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Saudosismo: voltaram com força os brinquedos de madeira e o artesanato de sucata com preços acessíveis à maioria.


Fotos: Philip Böni

O Impacto da

SA8000 no Brasil

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Na última década, o Brasil transformou-se em líder entre os mercados emergentes no campo da Responsabilidade Social Empresarial (RSE). Após um início tímido, a SA8000, a primeira certificação social global, demonstra impactos positivos em uma ampla variedade de setores e está integrada nas mais importantes ferramentas nacionais de RSE, como os Indicadores Ethos e o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da Bovespa

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Social Accountability International (SAI) é uma organização sem fins lucrativos dedicada à melhoria dos ambientes de trabalho e comunidades, através do desenvolvimento e implementação de normas de responsabilidade social. A SAI desenvolveu uma das normas sociais mais proeminentes do mundo – a SA8000. Ela é focada nos elementos humanos do ambiente de trabalho e da cadeia de fornecimento. A norma considera a importância de cada trabalho e esforça-se para reconhecer a igual dignidade de cada pessoa envolvida na cadeia de fornecimento, do trabalhador ao varejista e ao consumidor. Desde a sua formação em 1997, a SAI tem trabalhado cooperativamente com interessados para melhorar o desempenho social de organizações e de suas cadeias de fornecimento em todo o mundo. O resultado direto é um ambiente de trabalho melhor para

milhões de pessoas ao redor do mundo e um caminho para os consumidores e clientes confiarem nas empresas cujos produtos eles compram. No entanto, o início da SA8000 no Brasil foi tímido. Até 2002, menos de dez empresas foram certificadas no país. O lento início pode ser relacionado com o fato de o Brasil ter uma legislação trabalhista muito complexa e forte, a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), que provê fortes benefícios e direitos a trabalhadores nos mais importantes setores industriais e de serviços. Concomitantemente os sindicatos são obrigatórios e recebem apoio financeiro do governo federal. Isso lhes permite manter fortes organizações dentro de todos os setores e em todos os contextos geográficos. Nos últimos anos a norma SA8000 tem mostrado um crescimento sólido e sustentável, graças ao engajamento de algumas empresas líderes que aderiram à norma por meio de instrumentos próprios e efetivos Hoje, no Brasil,

mais de 70 empresas são certificadas, abrangendo cerca de 100 instalações . Este número já representa mais de 8% das instalações certificadas no mundo (1.200 certificações). Vale ressaltar que grande parte dessas instalações são de médias empresas fornecedoras de multinacionais certificadas ou estão ligadas ao negócio da exportação.

Maiores alcances e desafios Os impactos da certificação SA8000 na gestão social das empresas ainda não têm sido sistematicamente investigados e consolidados. Entretanto, alguns estudos de casos deixam claro que as empresas certificadas tiveram impactos positivos no processo logo após a certificação. De acordo com alguns desses estudos, três principais impactos positivos são relatados por empresas logo após a certificação: a redução das horas de trabalho, a diminuição das taxas de absenteísmo e a melhoria nas taxas de saúde e segurança.

Os nove princípios essenciais da SA8000 Discriminação Contratação, salários e promoções devem ser igualitários e justos. Disciplina As pessoas não devem sofrer abuso no trabalho e devem estar livres de punição corporal. Horas de trabalho Horas extras são limitadas, voluntárias e pagas a um valor prêmio. Remuneração As pessoas devem receber o suficiente para viver durante uma

semana regular de trabalho. Sistema de gestão Todos os itens devem ser monitorados e guiados por um sistema de gestão.

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Trabalho infantil Não deve ser utilizado. Trabalho forçado As pessoas têm o direito de mudar de emprego e não devem ser forçadas a trabalhar. Saúde & Segurança As pessoas não devem ser colocadas em perigo no trabalho. Liberdade de associação e direito à negociação coletiva As pessoas têm o direito de se organizar e ser ouvidas no trabalho.

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O horário de trabalho é um grande problema para as empresas brasileiras devido aos baixos salários líquidos recebidos. Os trabalhadores tendem a aceitar horas extras como uma forma de ganhar mais. Por outro lado, a chefia e o pessoal administrativo costumam trabalhar mais que as 44 horas legalmente permitidas. Em relação a esse aspecto, as empresas que implementaram um sistema de gestão foram bem sucedidas na redução das horas extras, poupando custos e até mesmo reforçando a produtividade e a satisfação do empregado. Em certos casos, processos relacionados à SA8000 também levaram a mudanças nas abordagens de gestão da discriminação e de práticas disciplinares. Mas não foram observadas mudanças significativas nas relações sindicais, já que a posição dos sindicatos brasileiros sobre a SA8000 ainda não é clara. Diferente de outros países, os sindicatos no Brasil não estão fortemente empenhados na norma. Um grande problema é que por vezes os sindicatos consideram o representante do trabalhador da SA como um concorrente, que pode prejudicar os processos eleitorais. Pensando nisso, a versão 2008 da norma prevê que o representante da SA8000 seja o mesmo repre-

sentante já existente no sindicato dos funcionários. Outro desafio em curso para as empresas brasileiras é a lacuna social na cadeia de fornecimento. Sofisticadas indústrias de processamento que satisfazem a mais alta qualidade e normas de segurança ainda estão enfrentando uma realidade muito diferente nas pequenas e médias empresas que fazem parte da cadeia de subcontratados. O agronegócio, a indústria do vestuário, da construção e a indústria siderúrgica são talvez as áreas mais críticas. A eliminação do trabalho infantil e escravo será uma tarefa contínua para agências governamentais e as empresas. Estas devem fortalecer maciçamente o seu controle sobre a cadeia de fornecimento. O controle de fornecedores é um dos maiores desafios que os sistemas de gestão SA8000 têm de resolver no Brasil, mas as novas iniciativas e ferramentas de RSE podem ajudar a encaminhar essa questão nos próximos anos.

Ferramentas locais Os resultados da SA8000 no Brasil não se restringem ao impacto na gestão social de empresas de diversos setores e de diferentes tamanhos, mas também no fato de que ela foi bem sucedida na integração com

Os benefícios da certificação • Aumento da produtividade • Maior satisfação do pessoal • Redução das ações judiciais trabalhistas • Redução dos riscos de trabalho infantil na cadeia de fornecimento • Menores taxas de rotatividade • Redução das taxas de acidentes • Reputação melhorada • Vantagens da conformidade na contratação • Melhores taxas para seguros

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outras iniciativas importantes do cenário nacional de RSE. Um desses resultados são os Indicadores Ethos, um conjunto de 40 itens em escala, para medir seu desempenho e compará-lo com grupo de empresas participantes e benchmark. Os indicadores são estruturados em sete áreas, duas das quais – as partes sobre as relações com o pessoal e os fornecedores - têm ligações diretas com a SA8000. Todos os critérios SA8000 foram completamente integrados na ferramenta. Empresas que utilizam sistemas de gestão da SA8000 têm naturalmente uma pontuação melhor do que outras sem processos específicos de gestão das relações trabalhistas. Um segundo importante movimento foi a introdução de itens relacionados à SA8000 no Índice de Empresas Sustentáveis da Bolsa de Valores brasileira, a Bovespa. É o chamado Ranking ISE que foi criado em 2005 e possui um desempenho muito positivo. Entre as 30 empresas classificadas para o índice em 2008/ 2009 há algumas empresas também certificadas em SA8000. A certificação SA8000 tornou-se um valor importante também para a avaliação de risco das instituições financeiras. Algumas delas utilizam-na como referência na sua avaliação de risco. Outro importante fator para o crescimento futuro da SA8000 no Brasil é o fato de o país ser uma nação líder na publicação de relatórios de sustentabilidade que são baseados nas Orientações para Relatórios de Sustentabilidade da Global Reporting Initiative (GRI). Empresas certificadas SA8000 têm um sistema de gestão que lhes permite relatar indicadores trabalhistas e de direitos humanos completamente e sobre uma sólida e externamente auditada base de dados.


Sócio-Diretor BSD Consulting

O

Brasil tem um dos melhores e mais sofisticados sistemas de direitos trabalhistas, respeitado por muitas grandes (e pequenas) empresas a todo rigor. Isso é um fato! Também, no Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Estatística IBGE, cerca de 3 milhões de crianças de até 15 anos de idade têm trabalhado em 2006: 53,4% delas no setor agrícola. Isso, infelizmente, também é fato! O problema é que o desrespeito e as lacunas no respeito aos direitos dos trabalhadores ainda prevalecem. Uma realidade que precisa ser mudada. Mesmo que o aparelho jurídico da CLT seja impressionante, a realidade para muitos trabalhadores está longe de ser confortável, especialmente no setor rural e nas empresas informais que fazem parte das cadeias de fornecimento das grandes empresas e multinacionais. As demandas do mercado de exportação, a crescente conscientização da sociedade brasileira criada pelo Ethos, Ibase e agências de notícias especializadas como a ANDI e a Repórter Brasil alimentaram a necessidade em muitas empresas de introduzir um sistema sólido que comprovasse - especialmente a compradores estrangeiros - que elas estavam respeitando acordos de negociação coletiva e os direitos humanos. No mundo de um comércio globalizado, consumidores e clientes estão mais exigentes do que nunca. Eles têm grandes expectativas sobre preço, qualidade e conveniência. Mas pesquisas recentes também mostram que um grande e crescente número de investidores toma suas decisõe influenciado pelo desempenho social (e ambiental) de uma empresa. Investidores e empresas responsáveis precisam se prevenir ao fazer negócios com empresas que violam direitos de trabalhadores, danificam o meio ambiente e corrompem o governo. A rede global de comunicação significa que um escândalo de hoje de uma remota fábrica no Brasil pode tornar-se uma manchete mundial de amanhã. Muitas empresas têm respondido através do desenvolvimento de códigos corporativos e sistemas de monitoramento internos. Embora úteis, estes não são, em última instância, a solução para tais riscos. Consumidores e clientes que procuram garantias de condições dignas de trabalho são frustrados por códigos empresariais que falham em garantir que leis trabalhistas e normas internacionais sejam observadas. Investidores procuram garantia similar, sabendo que notícias sobre 80 horas de trabalho semanais, cárcere de trabalhadores ou evidência de trabalho infantil podem ser desastrosas para uma empresa. A norma SA8000 trata da conformidade social desde a fábrica ou o campo em todo o caminho da cadeia de suprimento para marcas e varejistas. É uma forma crível e eficaz de traduzir os valores da empresa em ação. Empresas podem prover trabalho digno, enquanto desenvolvem relacionamentos mais fortes com trabalhadores, sindicatos, clientes, ONGs e governo. Trabalhadores ganham a oportunidade de melhorar suas condições de trabalho por meio do diálogo social com empregadores sobre assuntos relacionados aos direitos dos trabalhadores. É uma situação de ganha-ganha para todas as partes, empresas, trabalhadores e sociedade.

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BEAT GRÜNINGER

OPINIÃO

O empurrão saudável da certificação


Energias renováveis DESAFIOS E PERSPECTIVAS

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Que a matriz energética brasileira é uma das mais limpas, isso já é de conhecimento público. O quanto cada fonte de energia renovável vem se ampliando no Brasil, quais os desafios e os avanços, são temas que a Revista Primeiro Plano vem abordando em cada uma de suas edições, ao longo do último ano. Agora, pressionado pelas conseqüências das mudanças climáticas, o país tem ainda uma responsabilidade maior de manter limpa a sua matriz energética. E para isso, precisará, além de planejamento e investimentos públicos e privados, de uma legislação que regulamente e permita a microgeração. Tais assuntos foram abordados no Seminário Desafios da Energia Renovável no Brasil e em Santa Catarina, ocorrido em outubro em Florianópolis, durante a Feira Sustentável 2009.

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busca da sustentabilidade é um consenso. No entanto, implementá-la na produção é um desafio que precisa ser visto de forma diferenciada entre os países. Essa é a opinião do presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Maurício Tolmasquim. Segundo ele o Brasil foi pioneiro em importantes ações para ampliar a matriz energética limpa e é equivocada a cobrança mundial sobre o país. “Um produto brasileiro produz a metade de emissões de gases poluentes que um similar feito na China”, exemplifica. Sua afirmação baseia-se na

onado primeiramente pelo PROINFA (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica, iniciado em 2004 e concluído em dezembro do ano passado). Para Tolmasquim, a energia eólica será a principal fonte de complementaridade às hidrelétricas. “O Brasil é realmente afortunado. Na época do ano que temos menos chuva, menos água nos reservatórios, ambém temos mais vento”. Apesar da ampliação das fontes hídrica e eólica, o Estado brasileiro mantém estudos e investimentos em outras fontes alternativas. “Cada região tem uma tendência energética. É preciso aproveitar essa diversidade”, opina Tolmasquim. Ele diz disso ao se referir ao etanol, o principal combustível usado atualmente no Brasil e responsável por redução considerável de gases poluentes. “Fomos os pioneiros nesse combustível na década de 1970, com o Próalcool. E agora, somos os líderes na fabricação de carros FLEX FUEL ao ponto de hoje 93% dos veículos vendidos serem desse tipo, o que evidencia o sucesso dessa política”. Segundo o presidente da EPE, o etanol brasileiro tem dupla vantagem: polui menos nos veículos e menos ainda para sua fabricação. “O etanol dos Estados Unidos, que é de milho, usa a queima de combustível fóssil; aqui isso é feito com o bagaço da própria cana”. Além disso, com os leilões de energia nova vem se ampliando a compra de biomassa para uso nas termelétricas em substituição ao carvão. Assim, explica Tolmasquim, a bioeletricidade também está se tornando uma realidade no Brasil. “Atualmente, 41% da geração de energia mundial é feita à

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Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética -EPE

matriz energética predominantemente hídrica do país, que ainda pode ser ampliada: “O Brasil usou apenas um terço do potencial hidrelétrico. Agora a maior parte está no Norte. Não é incompatível construir usina e preservar a Mata Amazônica. No caso de Belo Monte [usina hidrelétrica que faz parte das obras do PAC, a ser construída no Rio Xingu, estado do Pará] isso já vem sendo estudado e dialogado com as comunidades locais há mais de uma década”, explica. Nesse projeto especificamente, Tolmasquim afirma que a usina alagará dez vezes menos que a média brasileira por MW gerado. Além disso, destaca que as cidades próximas irão quadruplicar sua renda média: “São 25 mil pessoas que hoje vivem em palafitas que terão casas dignas. As hidrelétricas foram e são vetores de desenvolvimento humano e sustentável”, afirma. Sobre essa afirmação há uma antiga contestação, encabeçada pelo Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), que agora, com a retomada das hidrelétricas em Rondônia e no Pará, ganham corpo no debate ambiental (assunto abordado na Revista PP n° 11) Ainda assim, apesar do grande potencial nas águas, o governo brasileiro, segundo Tolmasquim, está atendo a outras formas de energia. “Estamos fazendo um novo estudo do potencial eólico nacional. O atual atlas eólico, feito há uma década, dá um potencial de 143 GW. Isso poderá ser duplicado com medições em torres de 100 metros”, explica o presidente da EPE. Além disso, completa, haverá em dezembro o primeiro leilão de energia exclusivo para fonte eólica, o que deverá ampliar ainda mais o mercado nacional, impulsi-


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base do carvão, o combustível maior poluente do mundo”. Ele também apresenta informações que deixam o Brasil em situação confortável quanto à expansão na produção de cana-de-açúcar. “Poderemos ampliar a produção de etanol em 150%, utilizando de cinco a sete milhões de hectares para isso sem que qualquer bioma possa ser afetado. Não há falta de terra para produção de alimentos em nosso país”. Segundo Tolmasquim, para o atendimento da demanda de etanol em 2017, será necessária a utilização de apenas 2,56% da área agriculturável do país. Essas áreas estão distantes mais de dois mil quilômetros da Amazônia, concentrando-se basicamente nas regiões Sudeste e parte do Centro-Oeste e Nordeste. Obviamente que será necessária uma fiscalização permanente para garantir o trabalho decente dos milhares de empregados nas lavouras de cana. Talvez esse seja o maior desafio do setor que não pára de crescer: em 2008, pela primeira vez a produção de energia da cana-de-açúcar superou a produção de petróleo no Brasil. E a perspectiva é que essa situação continue e que se amplie também a produção energética por outras fontes renováveis. Para isso, as empresas de energia no Brasil, sejam públicas ou privadas, estão investindo em ousados projetos. A Eletrosul, que voltou a gerar a partir da nova regulamentação do setor elétrico em 2004, tem investido em fontes limpas. A primeira ação é na Eficiência Energética: “ A melhor energia é a que não usamos”, comenta o Diretor de Operação da Eletrosul, Antonio Waldir Vituri. Por isso a empresa apostou em projetos ori-

Antonio Waldir Vituri, Diretor de Operação da Eletrosul

entados pelo Procel - Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica, em vigor desde 1985. São ações que visam racionalizar o uso energético em prédios públicos, escolas, na iluminação pública, em novas construções e na própria gestão energética dos municípios. O Procel Hospitalar, por exemplo, foi desenvolvido em hospitais nos quatro estados de atuação da empresa (RS, SC, PR e MS) e, além das orientações acerca do uso consciente da energia, a Empresa fez o descarte ecológico dos materiais substituídos, como lâmpadas fluorescentes, luminárias, reatores e aparelhos de ar condicionado. Essa iniciativa levou a Eletrosul a receber o 1° Prêmio Brasil de Meio Ambiente em 2007 na categoria “Trabalho em Eficiência Energética”. Já no Programa Procel Edifica, a Eletrosul, em parceria com a Eletrobrás e a Universidade Federal de Santa Catarina construíram a Casa Eficiente: uma residência, que está no terreno sede da empresa, em Florianó-

polis, onde foram aplicados praticamente todos os fundamentos de uma construção sustentável: eficiência energética, conforto ambiental e uso racional da água (Revista PP n° 14). Além as ações para redução do consumo de energia, a Eletrosul será a primeira empresa pública do país que terá no seu prédio sede uma usina de energia solar fotovoltaica. Trata-se do Projeto Eletrosul Megawatt Solar, que está sendo desenvolvido em parceria com a Empresa de Cooperação Técnica e o Banco de Fomento da Alemanha – GTZ e KfW, com a UFSC e o Instituto para o Desenvolvimento de Energias Alternativas na América Latina – Ideal. A empresa já dispõe de um projeto-piloto no seu estacionamento: uma cobertura/bicicletário, construído com recursos voltados para pesquisa e desenvolvimento – P&D. Agora, com o financiamento do KfW, irá construir a usina solar e depois, comercializar a energia. Outra frente de atuação é a participação em parques eólicos, com a elaboração de projetos para o leilão específico de dezembro, e em novas pequenas centrais hidrelétricas país a fora. A empresa investe também na produção acadêmica: em uma planta piloto para produção de células fotovoltaicas, em parceria com a PUC-RS, em energia das ondas do mar, com a Coppe/UFRJ, em geração com células a combustível em parceria com a Unisul/SC, e bioóleos para geração de energia elétrica com a UFSC. Como a Eletrosul, também a Tractebel Energia, maior geradora privada do país, busca novas alternativas energéticas. Além das hidrelétricas, a empresa desenvolve dois projetos de parques eóli-


Uma agência internacional para as energias renováveis Desde o início deste ano está estabelecida, oficialmente, a Agência Internacional de Energias Renováveis (Irena, sigla em inglês). No entanto, somente em julho a diretoria tomou posse, assumindo como Diretora Geral a representante da França, Hélene Pelosse. A decisão pela sede da agência também foi uma surpresa: Abu-Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, a região maior produtora de petróleo do mundo. Contradição? Para a diretora Pelosse, a decisão é uma mensagem clara ao mundo: “não devemos confiar nas energias do passado para gerar a energia do nosso futuro”. Por isso, a sede da Irena tem uma simbologia forte: nos Emirados Árabes o dinheiro do petróleo está construindo uma cidade totalmente sustentável: Masdar. E ela irá abrigar a agência de energias limpas. Até o momento, 137 países integram a Irena. São 46 da África, 36 da Europa, 32 da Ásia, 19 da Oceania e 14 das Américas. Lamentavelmente, apesar de o Brasil ser considerado o detentor da matriz energética mais limpa do mundo, ainda não participa oficialmente da agência. Representantes do governo brasileiro até acompanharam alguns encontros da Irena, mas o país não emitiu nenhuma justificativa oficial para essa ausência. De qualquer forma, a Irena fortalece-se a cada dia. Tem o objetivo de converter-se na principal força promotora de uma rápida transição para o uso generalizado e sustentável das energias renováveis em escala mundial. Para isso tem cinco importantes tarefas:

IRENA

cos: um no Piauí e outro no Ceará (atualmente, o estado que mais tem parques eólicos no país). “Outros projetos também estão em desenvolvimento como parte da estratégia do Grupo GDF-SUEZ de aumentar sua atuação em fontes renováveis complementares”, explica Carlos Gothe, Gerente de Desenvolvimento de Negócios da Tractebel. Ele defendeu também a energia solar. “Ainda é uma tecnologia cara, porém toda novidade tem o custo do pioneirismo. A partir de seu desenvolvimento, geralmente contando, no início, com subsídios ou incentivos governamentais, elas vão ganhando escala e se tornando mais viáveis e competitivas economicamente. Foi assim que aconteceu na Alemanha”, completa Gothe. Ele lembra ainda o fato da energia eólica há algum tempo atrás ter sido considerada inviável e agora já ser aplicada em larga escala no mundo, ganhando espaço no Brasil. “A energia solar deve seguir a mesma curva de aprendizado”. Gothe ressalta também que no Brasil a energia fotovoltaica pode ser usada nos sistemas isolados, onde a geração a óleo diesel tem custos

1 – Criar a estrutura institucional da agência e contratar uma equipe qualificada, verdadeiramente internacional e multidisciplinar. Um dos compromissos da diretora geral é que nesse quadro funcional tenha 50% de mulheres;

3 – Desenvolver, lançar e executar ações concretas em vários países de acordo com as suas necessidades, situação geográfica e capacidade financeira, visto que as possibilidades e oportunidades das energias renováveis variam de um país para outro; 4 – Identificar e desenvolver soluções financeiras adequadas. A Irena incentivará a indústria para que reduza custos e instale plantas limpas nos países em desenvolvimento a preço menor. Ao mesmo tempo, a agência facilitará a entrada dessas tecnologias e trabalhará com outros agentes de financiamento para viabilizar formas mais adequadas de acesso às mesmas;

Carlos Gothe, Gerente de Desenvolvimento de Negócios da Tractebel

5 – Publicar os resultados exitosos registrado pelo mundo, liderando um caminho para acelerar o desdobramento das energias renováveis.

Para saber mais, acesse www.irena.org

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2 – Estabelecer contato e associar-se com os interessados em obter informações úteis e imediatas para assim evitar a duplicação de esforços. A idéia é que todos possam falar em uma única voz;


FOTOS DIVULGAÇÃO

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A Granja São Roque, com 47 mil suínos, tem renda da venda da carne e derivados, produz sua própria energia elétrica (atualmente, 200 kW) e o seu adubo orgânico. Oferece crédito de carbono e promove o reflorestamento com pinus e eucaliptos. Os lagos, antes totalmente poluídos, agora são usados também para a piscicultura.

presente de Santa Catarina e Paraná, os maiores produtores de suínos do país. Afinal, no estado catarinense, há mais porcos que gente: são seis milhões de habitantes contra sete milhões de suínos, sendo que estes produzem cerca de 4,5 litros de dejetos por dia. Diante da grandeza do problema, a Eletrosul, através do Projeto Alto Uruguai, está realizando uma experiência-piloto em produção e consumo sustentável de energia elétrica em 29 municípios ribeirinhos da bacia hidrográfica do Rio Uruguai (sendo dez no Rio Grande do Sul e 19 municípios em Santa Catarina). Em comum, todos têm criação intensiva de suínos e aves SÉRGIO VIGNES

bem mais altos que a energia gerada no sistema interligado. Além disso, ela pode ser subsidiada pelos demais consumidores brasileiros de eletricidade. (A energia solar foi a matéria de capa da Revista PP n° 9). Apostando nessa e em outras fontes renováveis, a Tractebel tem desenvolvido projetos junto a universidades. Em parceria com a UFSC, construiu espaços de convivência pelo campus sediado em Florianópolis. Ainda com recursos voltados para pesquisa e desenvolvimento, a empresa acompanha os estudos de geração fotovoltaica no novo prédio do Aeroporto Internacional Hercílio Luz, na capital catarinense e com a UFRJ, Secretaria de Infraestrutura do Governo do Estado do Ceará e CearáPortos retomou o projeto de energia das ondas do mar e das marés. Esse protótipo, similar ao conceito de uma planta hidrelétrica, será instalado no píer do Porto de Pecém, onde as condições de ondas são mais favoráveis. A idéia é que o projeto alcance escala comercial. (Revista PP n° 14).

A energia dos dejetos suínos Tornar sustentável uma atividade econômica poluidora como a suinocultura. Esse é um desafio

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Paulo Meller, presidente da Celesc Geração

e organizações sociais estabelecidas. Além disso, essas eram localidades com elevados índices de exclusão energética. Muitas famílias viviam sob a rede de transmissão da Eletrosul e não tinham acesso à eletricidade. Assim, o Projeto Alto Uruguai nasceu com o intuito de utilizar novas fontes de energia alternativa e geração distribuída, permitindo o acesso e a conservação da energia elétrica. “Primeiramente tínhamos que mostrar a importância da energia e de sua conservação, apresentar como se chega à eletricidade, capacitar professores, agentes comunitários para posteriormente, elaborar Planos Municipais de Gestão Energética. Com a consciência de que é preciso preservar, ficou mais fácil trabalhar com o uso de novas fontes, como o biogás e os coletores solares para aquecimento de água”, explica o diretor Antonio Vituri. O projeto também está associado ao Programa Luz para Todos do Governo Federal, fazendo o cadastro das famílias ainda sem acesso a esse bem público. Já a Celesc Geração, que tem participação em 12 PCHs em funcionamento em Santa Catarina e em outras nove em fase de construção, também percebeu que a energia do biogás deve ser encarada como medida de sustentabili-


Gláucio Roloff, da Coordenadoria de Energias Renováveis da Itaipu

poder oferecer metano para os seus tratores, um sistema que gera novas receitas e evita determinados gastos. Isso agrega valor à propriedade e quem ganha é o planeta. A produção de energia renovável e geração distribuída é o caminho para o desenvolvimento efetivamente sustentável de importantes segmentos da agroindústria”, afirma Gláucio Roloff. Na Plataforma de Renováveis da Itaipu, onde foi desenvolvido o primeiro veículo elétrico do país e o estudo do hidrogênio como energia (Revista PP n°13), está prevista ainda a ampliação do projeto de energia distribuída com o uso, além do biogás, da energia fotovoltaica e de minis hidrelétricas. Tudo isso, contudo, precisa de legislação federal para funcionar em larga escala. Para tanto, uma Comissão Especial de Energias Renováveis foi instituída no Congresso Nacional e, em outubro, teve aprovado o parecer do relator, deputado federal Fernando Ferro (PT/PE). Foram dois anos de discussão e um pouco de cada um dos 18 projetos que tratam do assunto foi incorporado à versão final. “Sem uma legislação que garanta aos investidores a segurança do financiamento, da compra da energia, da regulação da tarifa, dificilmente outras fontes de energia renovável iriam despontar”, comenta Alessandra Mathyas, do Instituto Ideal. Ela finaliza: “Nós acreditamos que o Brasil, pela sua geografia, pode ser o maior produtor de energia limpa do mundo, além das hidrelétricas. Com vontade política de diversificar as fontes, legislação que dê segurança aos investidores e formação profissional adequada, seremos o exemplo para o mundo.”

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mundo em produção energética e para garantir a qualidade dessa energia precisa também de água de qualidade. Estávamos registrando altos índices de poluição por eutrofização [resultado da poluição por fertilizantes ou por lixo e esgoto doméstico e resíduos industriais diversos] e conseqüente, a pantanização. Sem a iniciativa da Itaipu os agricultores não conseguiriam sozinhos reduzir a poluição pela sua atividade.” A partir de ações educativas e suporte técnico diretamente nas comunidades foi possível transformar as atividades em linhas de produção mais sustentáveis. “Isso muda a cabeça do produtor, que valoriza toda a cadeia: a produção de grãos, a proteína animal (carne) e o resíduo, que se torna biogás e biofertilizante”, completa Roloff. Assim, com esse projeto que teve na Granja Colombari o seu início, a Itaipu mostrou que a geração distribuída baseada no biogás, com saneamento ambiental, é uma ação do presente, e não um projeto apenas sonhado para as próximas décadas. “Imagine uma cooperativa SÉRGIO VIGNES

dade que traz rentabilidade. Ao apoiar a reestruturação da Granja São Roque, propriedade da década de 1980 do interior catarinense, que estava praticamente abandonada e degradada, mostrou o quanto a diversificação da atividade agrícola pode ser benéfica para o produtor e para o meio ambiente. Agora a propriedade, que tem uma população de 47 mil suínos, tem renda da venda da carne e derivados, produz sua própria energia elétrica (atualmente, 200 kW) e o seu adubo orgânico. “Além disso, a Granja oferece crédito de carbono e promoveu o reflorestamento com pinus e eucaliptos. Já os lagos, antes totalmente poluídos, agora são usados também para a piscicultura”, explica o presidente da Celesc Geração, Paulo Meller. Esse foi um exemplo. Mas o desafio catarinense é muito grande. “Há a dificuldade técnica de se receber a energia dos biodigestores”, comenta Meller. Dificuldade que foi vencida por produtores no Paraná. Lá a ItaipuBinacional conseguiu autorização da Agência Nacional de Energia Elétrica para que a energia produzida por biodigestores em pequenas propriedades rurais (que têm na suinocultura no entorno do lago da usina sua principal fonte de renda) fosse comprada pela Copel – Companhia Paranaense de Energia. Foi o primeiro passo para uma luta antiga dos que defendem a regulação da microgeração de energia para fomentar e diversificar o uso de fontes renováveis. Gláucio Roloff, da Coordenadoria de Energias Renováveis da Itaipu, explica o porquê do interesse da usina no auxílio aos pequenos produtores rurais do Oeste do Paraná: “A Itaipu ainda é a maior do


FOTOS SÉRGIO VIGNES

Comercialização e debates marcaram evento pioneiro no país

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Jurandi Gugel, do Ministério do Desenvolvimento Agrário em SC

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urante três dias a capital de Santa Catarina sediou uma feira inédita no país, que reuniu empreendimentos sociais da reforma agrária, agricultura familiar, pesca, economia solidária e energias renováveis. “O objetivo era mostrarmos os produtos sustentáveis produzidos no estado e debatermos os principais assuntos que envolvem a opção pela sustentabilidade”, explica um dos coordenadores, Jurandi Gugel, delegado do Ministério do Desenvolvimento Agrário em SC. Assim, além da comercialização de produtos, o encontro foi marcado por

importantes discussões. O desenvolvimento rural catarinense, por exemplo, pautou a maioria dos debates. No seminário “Economia Solidária e os Rumos do Desenvolvimento Econômico – Perspectivas e Desafios”, empreendedores sociais reclamaram da falta de uma cultura do consumo consciente e da dificuldade de incentivo governamental. Também ressaltaram que reduzir a economia solidária à geração de emprego, ou como combate à pobreza, diminui a luta pelo estabelecimento dessa forma de economia. E pior: que esse pensamento acontece muito frequentemente pelos órgãos governamentais. Segundo


cional de comércio justo e solidário”. Por último, o principal e mais urgente desafio do setor: o reconhecimento do Estado aos empreendimentos de economia solidária. “Chamo de marco legal: incentivo à formalização, ao fomento, a organização da política e os direitos dos empreendedores”, finaliza Tygel. O reconhecimento e valorização também foram o mote das discussões específicas sobre agricultura familiar e reforma agrária. Produzir alimentos em pequena escala, sem uso de agrotóxico e maquinários pesados é a principal fonte de renda da família catarinense do campo. Mais de 90% dos estabelecimentos agrícolas do estado trabalham na agricultura familiar e representam 70% do Valor Bruto da Produção Agropecuária (VBPA). Números bem acima da média nacional, que, respectivamente são de 80% de estabelecimentos que representam 40% do VBPA, segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Na Feira, quatro seminários abordaram essa temática: “Desenvolvimento rural sustentável e os rumos da agricul-

tura familiar em Santa Catarina”, “Soberania alimentar, produção de alimentos e mercado institucional”, “Agricultura camponesa e reforma agrária” e “Cooperação agrícola e agroecologia nos assentamentos da reforma agrária”. A carne suína, principal produto de exportação de Santa Catarina, foi destaque na feira. Afinal, 58% de sua produção nacional está na agricultura familiar. Os tradicionais salames coloniais foram atração bastante procurada pelos visitantes. Valorizar esse setor no estado colabora para conter o êxodo rural e incentivar o turismo no campo. Isso além da perspectiva de aumentar a renda da família através da especialização de produtos diferenciados, que evitam concorrência direta com a agricultura industrial e contribuem para a preservação ambiental através de subprodutos, como biofertilizantes e energia elétrica. (Sobre o potencial energético da suinocultura, veja matéria anterior). A Feira Sustentável 2009 teve o patrocínio do Incra, Ministérios do Desenvolvimento Agrário, do Trabalho e Emprego, da Pesca e Aquicultura e da Cultura, além do Banco do Brasil, TractebelEnergia, Eletrosul, IPHAN, Sebrae e Itaipu Binacional. A organização foi bastante heterogênea: Epagri, Cepagro, Eletrosul, Instituto Ideal, Instituto Primeiro Plano, Via Campesina, Fetraf-Sul, Fetaesc, Instituto Catarinense de Desenvolvimento Social, Instituto Marista de Solidariedade, Movimento de Mulheres Camponesas, Fórum Brasileiro e Fórum Catarinense de Economia Solidária, Projeto Nacional de Comercialização Solidária e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A edição de 2010 já está sendo pensada.

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Daniel Tygel, representante do Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), estabelecer a ES no país não é apenas uma mudança econômica, mas cultural. “Mudar o jeito de estar no mundo, o jeito que se consome, se relaciona no trabalho, em casa, na sociedade”. Para ele, a base deixa de ser a competição e passa a ser cooperação. “Cada empreendimento de economia solidária é uma luta pela transformação social”. Para Tygel, há alguns desafios que precisam ser vencidos. O primeiro é o fortalecimento de financiamento solidário, “para que haja financiamento além da abertura dos empreendimentos, mas na continuação destes”. O segundo, uma formação continuada dos empreendedores, com direito a cursos de gestão de contabilidade e formação técnica, política e pessoal. A produção, comercialização e consumo solidário também são mudanças que devem acontecer para o fortalecimento da ES. Dada a importância, outros dois seminários na Feira Sustentável trataram especificamente desse assunto: “Rotas e fluxos de comercialização solidária” e “Sistema na-


FOTOS: SERGIO VIGNES

O horizonte da vida no nosso planeta até 2050 é bastante preocupante e a causa disso tem nome:

MUDANÇAS CLIMÁTICAS Santa Catarina, após a enchente de 2008.

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á anos que se discute a necessidade de reduzir os gases causadores do efeito estufa. Ao mesmo tempo, cada nação tem como meta principal o crescimento econômico como garantia dos direitos sociais de seus povos. Há como resolver esse problema? Esse, que já é considerado um dos principais desafios do século XXI, será amplamente discutido pelos chefes de Estado das maiores nações mundiais durante a Conferência de Mudança Climática da ONU, que acontecerá em dezembro, na capital da Dinamarca, Copenhague. O valor é considerável: 100 bilhões de dólares anuais seriam necessários hoje para amenizar os efeitos causados pelas mudanças

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climáticas. E essa conta nada modesta deverá ser paga pelos países industrializados – os maiores poluidores – às nações em desenvolvimento por um período de 40 anos – de 2010 a 2050. Ao menos essa é a projeção que o Banco Mundial fez no Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial de 2010: Desenvolvimento e Mudança Climática, divulgado no mês de setembro. O documento é enfático na necessidade de uma ação conjunta de todos os países, mas com o investimentos das nações consideradas ricas. “Os países precisam agir agora, agir em conjunto e agir de forma diferenciada em matéria de mudança climática. Os países em desenvolvimento são afetados desproporcionadamente. É uma crise que não é de sua autoria e para a qual es-

tão menos preparados. Por essa razão, um acordo equitativo em Copenhague é vital”, afirmou o presidente do Banco Mundial, Robert B. Zoellick. Essa opinião foi endossada durante a penúltima reunião preparatória da Conferência de Mudança Climática da ONU, realizada na última semana de setembro em Bangcoc na Índia. Na ocasião, onde delegados de 190 países estiveram presentes, foi apresentado outro estudo, do Instituto Internacional de Política Alimentar (IFPRI, sigla em inglês), com uma informação preocupante: o efeito adverso da mudança climática na produção de alimentos levará 25 milhões de crianças a passarem fome em 2050. “Esse drama pode ser evitado com um investimento de nove bilhões de dólares anuais


Pelo mundo Com a posse do presidente Obama, o país passou a pautar definitivamene o assunto na sua orientação de governo. O senado americano discute uma lei para reduzir até 2020 as emissões de gases poluentes nos mesmos níveis de 1990, o que representaria um corte de 25% das quantidades atuais, além de diminuir as suas emissões até 80% . Isso num horizonte de 2050.

Reduzir as emissões em 30% em relação aos níveis de 1990. No entanto, a proposta da União Europeia só fica de pé se o restante dos países industrializados diminuírem as suas emissões em até 20%. Isso promete esquentar os debates em Copenhague.

Com uma proposta ousada, o governo recém eleito pretende reduzir as emissões em 25% pelos próximos 19 anos, bem além da oferta inicial de 8%. Isso deixaria o país abaixo dos níveis de 1990.

O maior país em desenvolvimento do mundo e segundo maior poluidor (somente atrás dos EUA) já está aplicando desde 2007 o Pacote Estatal de Enfrentamento às Mudanças Climáticas. Ele contempla a redução gradativa dos gases de efeito estufa com o aumento da produção de energia renovável em substituição a sua matriz suja e também aposta do incremento da reciclagem.

No Plano de Mudanças Climáticas aprovado recentemente, há a previsão de redução de 80% do desmatamento da Amazônia até 2020, de 4,8 bilhões de toneladas em emissão de CO2. Segundo o discurso do Presidente Lula da 64ª Assembléia Geral das Nações Unidas realiza no mês de setembro, em Nova Iorque, isso “representa mais do que a soma dos compromissos de todos os países desenvolvidos juntos”. Soma-se a essas ações, o fato do Brasil ter a matriz energética mais limpa do mundo (cerca de 46%), do aumento no uso de etanol (80% dos carros fabricados no país são do tipo flex) e da determinação no zoneamento da cana-de-açúcar, limitada a 2% das terras agriculturáveis e proibidas em biomas nativos, como Amazônia. Ainda assim, o Congresso Nacional discute, em Comissão Especial, nova legislação para permitir o aumento de fontes renováveis para a produção de energia elétrica.

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para aumentar a produtividade agrícola e ajudar produtores a enfrentar os efeitos do aquecimento global”, afirmou em comunicado o investigador Gerald Nelson, um dos autores do relatório do IFPRI. O documento aponta ainda que os habitantes nos países em desenvolvimento terão acesso a 2.410 calorias diárias em 2050, ou seja, menos 286 calorias que em 2000. Na África a projeção é mais pessimista: serão menos 392 calorias por habitante. “A população da Terra será 50% maior que a atual em 2050 (...) os desafios serão enormes até sem mudança climática”, acrescentou Nelson. Essa conseqüência na produção de alimentos está diretamente ligada à poluição. Medições realizadas recentemente pela National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) do Observatório Mauna Loa que fica no Havaí, mostram que a concentração atual de gás carbônico chegou a 387 partes por milhão (ppm) em julho deste ano. O número é 38% superior ao que se verificava no período anterior à revolução industrial, que era de 280 ppm. Outra instituição que divulgou recentemente importante estudo sobre as mudanças climáticas é o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA. No documento Climate Change Science Compendium 2009 há a afirmação que os efeitos do clima estão chegando mais rápido do que se previa. Nele foram enumeradas todas as recentes tragédias ambientais registradas em 2008. O que se verifica é que elas não são mais fenômenos típicos de determinadas regiões. Assim, agora há mais enchentes, secas e tornados no Sul do Brasil (veja box), cheias também no


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Nordeste do nosso país, as piores secas nos últimos 50 anos foram registradas na Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile, os furacões estão cada vez mais intensos na América Central, ora a seca, ora as severas inundações assolam os países do continente africano, ondas extremadas de calor e frio na Europa e na Índia, derretimento das geleiras do Ártico e da Antártida e por aí vai. Todos essas situações vitimam milhares de pessoas, dizimam plantações e afetam diretamente a economia dos países. Não há mais dúvidas de que é preciso conter a emissão de gases poluentes. A grande discussão posta para Copenhague será como isso deverá ser feito. O Painel da ONU sobre a Mudança Climática (IPCC) recomenda que a redução desses gases poluentes fique entre 25% e 40% até 2020. Assim se estaria respeitando os níveis de emissões registradas em 1990 (ano-base adotado pela Convenção de Clima), e, acredita-se, a elevação na temperatura em 2 graus centígrados já anunciados poderia ser evitada.

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O Secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, alertou no último documento apresentado pelo PNUMA: “o tempo de hesitar acabou. Precisamos que o mundo inteiro realize, de uma vez por todas, que a hora de agir é agora e que devemos trabalhar juntos para enfrentar esse desafio monumental. Esse é o desafio moral de nossa geração”.

Debate Nacional O Congresso Nacional vem pautando essa temática há algum tempo. A Comissão Mista Permanente de Mudanças Climáticas vem realizando audiências públicas com especialistas. Todos são unânimes em afirmar: é preciso preparar-se para as mudanças porque elas são fenômenos presentes e não futuros. O relatório, ainda em fase de elaboração, deverá orientar os governos nas três esferas do Poder Executivo para centrar suas ações na prevenção, na educação ambiental, na sustentabilidade e no aumento da geração de energia renovável.

A audiência realizada no mês de agosto em Santa Catarina, por exemplo, que pautou especialmente as cheias ocorridas em novembro de 2008 no estado, evidenciou uma debilidade dos governos em se antecipar às catástrofes no sentido de preservar vidas. Às vésperas das cheias, o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais emitiu um alerta de que as chuvas nas próximas 72 horas poderiam superar os 100 mm. No entanto, na avaliação dos próprios técnicos do Inpe, apesar da previsão correta de grande quantidade de chuvas, houve falha nos valores exatos observados, que resultaram na tragédia que comoveu o país. Além disso, observam os técnicos, o estado tomou medidas corretas desde a grande enchente de 1983, mas as populações optaram por terrenos mais elevados, no intuito de prevenirem-se de inundações. Em conseqüência, houve um desmatamento acelerado dessas áreas. “A maior parte das fatalidades conhecidas no Brasil decorreram de deslizamentos de massa em encostas”, observou Luiz Augusto Toledo Machado, do CPTEC/Inpe. O mesmo se verifica em outras regiões do país. No entanto, no momento em que uma região de Santa Catarina via-se embaixo d’água, outra, no oeste, sofria com os efeitos de uma seca que inviabilizou centenas de propriedades rurais. Segundo a Empresa de Pesquisa Agropecuária do estado - Epagri, em nove anos aconteceram oito estiagens. Tal fenômeno já está sendo percebido não como uma excepcionalidade, mas uma situação que precisa de políticas públicas ime-


Plano Nacional sobre Mudança do Clima No plano nacional, além da Comissão Permanente no Congresso, desde 2007 está constituído pelo Decreto Presidencial n° 6.263/07, o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima, com a função de elaborar a Política e o Plano Nacional e Mudanças Climáticas. Em dezembro de 2008 já foi apresentada a primeira proposta desse plano, estruturado nos seguintes eixos: oportunidades de mitigação, impactos, vulnerabilidades e adaptação, pesquisa e desenvolvimento, e educação, capacitação e comunicação. Orientados pelo Comitê Executivo Nacional, também os estados estão organizando suas políticas de mudanças climáticas. A entidade que auxilia a organização pelo país e os governos na incorporação desse tema nas diversas etapas das políticas públicas é o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, que existe desde 2000 (www.forumclima.org.br). A partir das contribuições do Fórum Brasileiro e dos Fóruns Estaduais, os governos terão subsídios para desenvolver suas políticas. No caso nacional, o Plano apresentado em 2008 aponta metas gerais. Caberá à União e

de adaptação para uso da terra, agricultura, para o manejo e recursos hídricos, de desenvolvimento rural e de sistemas ecológicos de áreas úmidas. Na visão dos integrantes desse projeto, as mudanças já estão ocorrendo e, mesmo que se consiga mitigá-las, as soci-

aos Estados aplicá-las, respeitando suas especificidades, limitações e desafios. Entre as metas estão a redução em 80% o índice de desmatamento anual da Amazônia até 2020, a ampliação em 11% ao ano na próxima dé-

cada do consumo interno de etanol, a troca de um milhão de geladeiras antigas por ano, em 10 anos, o aumento da reciclagem de resíduos sólidos urbanos em 20% até 2015 dobrar a área de florestas plantadas, o aumento da oferta de energia elétrica de cogeração, principalmente a bagaço de cana-de-açúcar, para 11,4% da oferta total de eletricidade no país, em 2030; redução das perdas não-técnicas na distribuição de energia elétrica à taxa de 1.000 GWh por ano, nos próximos 10 anos.

edades precisam conhecer as vulnerabilidades a que estão propensas para enfrentá-las da melhor forma possível. “É preciso que apostemos na capacidade para agir em situações de complexidade e incerteza”, ratifica o professor da UFSC.

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diatas e perenes. Só no outono deste ano, 137 municípios decretaram situação de emergência em função da falta de chuvas. No caso catarinense, conforme observam os técnicos da Epagri/ Ciram, secas e inundações vêm acontecendo com freqüência ao longo dos dois últimos séculos, com aumento de intensidade na última década. “Por isso a formulação de uma política para o enfrentamento das conseqüências da mudança climática implica na adoção de um pensamento de longo prazo”, afirma o professor Sandro Luis Schlindwein, do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Santa Catarina. Ele entende que para superar os desafios impostos pela natureza e ocupação humana é preciso orientação através de políticas de Estado. “Uma vez que os perigos do aquecimento global não são visíveis no dia a dia, as pessoas não irão agir; contudo, esperar até que se tornem visíveis e sérios para então tomar uma atitude poderá ser tarde demais”, opina o acadêmico. Segundo Schlindwein, os cenários climáticos não são previsões, são constatações que devem ser levadas em conta na definição de ações propostas pelo Estado. As conseqüências do descaso com o clima levarão a perdas socioeconômicas sem precedentes. Por isso, pensando em longo prazo, o Brasil, através do Inpe e mais três universidades (USP, UFSC, UFPR) integra a Rede Européia -Sul Americana para Avaliação da Mudança Climática e Estudos de Impacto na Bacia do Rio da Prata. Num projeto de quatro anos (de outubro de 2008 a outubro de 2012) esse consórcio pretende desenvolver estratégias


OPINIÃO

Política, dinheiro e até clima estarão em jogo em Copenhague

PAULA SCHEIDT

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Jornalista, editora do Portal Carbono Brasil

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Conferência de Mudanças Climáticas de Copenhague, marcada para dezembro, é definitivamente o evento mais esperado do ano para ambientalistas e todos que levam a serio o problema do aquecimento global. Porém, e infelizmente como em toda decisão que envolve cifras milionárias, juntam-se a eles um grande grupo de lobistas, marqueteiros verdes de plantão e políticos atrás de palanques para se promover sob os holofotes da mídia como bons mocinhos. A COP-15, como é também apelidada a reunião organizada pela ONU, é o prazo final estipulado em 2007, na COP de Bali, para o fechamento de um novo acordo climático que irá substituir o Protocolo de Quioto em 2012. Muita coisa está em jogo e também, é claro, interesses. O ponto crucial, contudo, é como manter a elevação das temperaturas em um nível seguro para a humanidade, que já enfrenta as conseqüências das mudanças climáticas em diversos cantos do planeta. Para reduzir a concentração de gases do efeito estufa na atmosfera, apontadas por cientistas como causa do problema, será preciso um grande esforço conjunto para mudar o modo como produzimos, consumimos, comemos, transportamos e construímos e, dinheiro, muito dinheiro. Os países em desenvolvimento, por exemplo, precisam de até US$ 1,2 trilhões por ano em 2030 para adotar tecnologias de baixo carbono e transformar seus sistemas energéticos nas próximas décadas, segundo o Banco Mundial. Para se adaptarem às inevitáveis alterações do clima, a instituição afirma que os países pobres terão que receber investimentos anuais da ordem de até US$ 100 bilhões. As nações ricas, que mais contribuíram para o problema já que historicamente são as que mais emitem, também não escapam dos altos custos: também terão que colocar a mão no bolso para reduzir o consumo de combustível fóssil e mudar seu modelo econômico. Agora imagine quase 200 países procurando um consenso sobre quem vai fazer o que e quem vai pagar quanto. Para piorar a situação, junte os efeitos traumáticos provocados pela crise financeira internacional, da qual o mundo só agora começa a se recuperar. Já dá para imaginar o tamanho do abacaxi que terá que ser descascado. Na verdade, que está sendo descascado, já que o processo de negociações teve início na COP13, em 2003. De lá até Copenhague serão oito rodadas oficiais de discussões, mais a COP14, que foi realizada em Poznan, na Polônia. E as coisas não param no final do ano, já que este é um caminho contínuo de ajustes. Mas especialistas alertam: o relógio está correndo, e quanto mais tempo demorar para agirmos, maiores serão as perdas, sejam elas humanas, ambientais ou econômicas. Por isso, é bem provável que veremos algum documento sair sim de Copenhague, porém os detalhes devem ficar para 2010, com rumores já rolando de uma COP15b, na mesma cidade, no início do próximo ano. O que se espera mesmo é que haja coerência e lucidez entre as delegações para firmarem um compromisso ambicioso e responsável para que cenas do filme “A era da estupidez” fiquem apenas nas telas do cinema.



INCLUIR PRIMEIRO PLANO . ANO 4 . NO 15 . NOVEMBRO 2009

Agricultores PARA O DESENVOLVIMENTO E A MULTIPLICAÇÃO DE TECNOLOGIAS AGROECOLÓGICAS, DIVERSAS ORGANIZAÇÕES JÁ APOSTAM NOS “AGRICULTORES EXPERIMENTADORES”, DESTACADOS PARA REALIZAR COM SEUS PARES A MULTIPLICAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS, CONHECIMENTOS E SABERES NA ÁREA RURAL Por Vinícius Carvalho Jornalista do Portal da RTS

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cisterna de placa, tecnologia de captação de água de chuva que já chegou a mais de 220 mil famílias do Semiárido brasileiro por meio do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), foi criada em 1955 pelo agricultor Manoel Apolônio de Carvalho. Ele, aos 17 anos, partiu do Nordeste para São Paulo, onde trabalhou na construção de piscinas e aprendeu a utilizar placas de cimento prémoldadas. De volta ao Nordeste, adaptou o conhecimento adquirido para criar um novo modelo de cisterna, com capacidade para armazenar até 16 mil litros de água de chuva captados por meio de calhas instaladas nos telhados. Se a água for utilizada de forma adequada – para beber, cozinhar e escovar os dentes –, dura cerca de oito meses, o suficiente para uma família de cinco pessoas atravessar o período de seca.

A inventividade de seu Nel, como gosta de ser chamado, está longe de ser uma exceção. Realizado pela Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), em Camaragibe (PE), entre os dias 21 e 23 de setembro, o 1º Encontro de Agricultoras e Agricultores Experimentadores do Semiárido reuniu mais de cem pessoas de dez estados com vistas ao intercâmbio de outras tecnologias simples, baratas e de fácil reaplicação nas áreas de manejo animal, agrofloresta, quintais e roçados, comercialização, sementes e segurança hídrica. Desenvolvidas pelos próprios agricultores, todas se baseiam nos princípios da agroecologia e da convivência com o Semiárido. “Esses agricultores conhecem os tipos de solo da região, o comportamento das chuvas, as sementes mais apropriadas para cada situação. O Semiárido tem características muito diferenciadas de clima, solo e relevo e eles sabem dis-


FOTOS DIVULGAÇÃO

so melhor do que ninguém”, argumenta o coordenador-executivo da ASA, Aldo dos Santos. Além de garantir a sistematização de novos conhecimentos, diz, os intercâmbios permitem também a formação de uma preciosa rede de disseminadores, capazes de compreender com clareza as dúvidas e necessidades de outros agricultores. Isso sem falar na criação de unidades demonstrativas nas suas próprias propriedades, atiçando o interesse dos vizinhos na adoção de práticas agroecológicas e na diversificação de seus sistemas produtivos. Quem confirma é o agricultor experimentador Abelmanto Carneiro de Oliveira, de Riachão de Acuípe (BA), para quem as necessidades próprias de quem vive no Semiárido abrem novas possibilidades de invenção. Sem eletricidade em casa – que só viria a chegar em 2007, Abel inventou um liquidificador manual, rotacionado por uma corda, para conseguir fa-

zer polpa com as frutas da propriedade de 11 hectares onde vive com a mulher e os cinco filhos. Em 2006 criou outra tecnologia capaz de facilitar a vida de milhares de famílias do Semiárido: a bomba d’água “malhação”, engenhosa junção de tubos de PVC, borracha, canetas e garrafas PET, capaz de encher o tanque de casa e irrigar as hortaliças sem o uso de energia elétrica. “Para encher o tambor de 200 litros gastava uma hora só no balde, nos 150 metros entre o poço e a casa. Com a bomba são dez minutos, o que me dá mais tempo para outras coisas na roça”, explica o inventor, que já dividiu a experiência com outros agricultores. O que há de novidade nas experiências de Abel e tantos outros agricultores experimentadores, dizem especialistas, é que eles não só incorporam e adaptam melhor o conhecimento científico na hora da reaplicação, como também apostam em seus saberes para propor

novas tecnologias e práticas agrícolas a partir de suas próprias realidades locais. “De 10 mil anos atrás, quando nasceu a agricultura, até 1960, o conhecimento era gerado assim: pelo agricultor, que se baseava no modelo da própria natureza”, lembra a assessora técnica da ONG Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (ASPTA), Paula Almeida. A mudança, explica, é mesmo datada. Atiçado pela chamada Revolução Verde, que propagou a agricultura intensiva baseada no uso de insumos químicos e grandes monoculturas a partir da década de 1960, o planeta passou a testemunhar a substituição da agricultura familiar, orientada para a auto-suficiência alimentar e os mercados locais, pela grande agroindústria orientada para a monocultura de produtos de exportação. Assim passou a ser cada vez maior o número de pessoas a serem alimentadas por um número cada

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experimentadores


aroeira, o angico, a amburana e o juazeiro”, celebra. O caminho, explica Cidinho, foi retomar os princípios da agroecologia. “A agroecologia é milenar e essa ‘rapidez’ fez tudo cair no esquecimento. Agora acreditamos também na nossa tecnologia”, diz. Hoje ele planta feijão, milho e sorgo, além de frutas como caju, manga, pinha e goiaba. A água também está garantida, assim como outra prática que aprendeu a apostar na hora de produzir: o trabalho cooperado, tendo em vista a racionalização dos recursos escassos da região. “Hoje trabalho com 13 famílias em uma horta comunitária que faz o bem de todo mundo”, explica.

Política pública Prova de que o aproveitamento em escala dos agricultores na reaplicação de novas tecnologias pode dar certo está na multiplicação de tecnologias de captação de água de chuva no Semiárido. Lançado pela Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), em abril de 2007, na comunidade Lajedo de Timbaúba, em Soledade, no Cariri paraibano, o Programa uma Terra e Duas Águas (P1+2) tem como objetivo garantir o aproveitamento e o manejo sustentável da água da chuva para a produção de alimentos pela construção de tecnologias

já desenvolvidas e experimentadas pelos agricultores e agriculturas do Semiárido. “Essas tecnologias são resultado do conhecimento e da experiência acumulada dos agricultores familiares. Por isso, o P1+2 visa reconhecer e valorizar os saberes tradicionais, incentivando processos participativos e de construção coletiva do conhecimento”, explica o coordenador do programa, Antônio Barbosa. Na fase demonstrativa do P1+2 já foram realizados 144 intercâmbios entre agricultores. Para o projeto piloto, estão previstos 26 intercâmbios interestaduais e 52 intermunicipais. Finalizada a fase demonstrativa, apoiada pela Fundação Banco do Brasil e pela Petrobras, o programa piloto terá investimentos de R$ 15,5 milhões oriundos do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), ligada ao Ministério da Integração Nacional (MI). Os recursos serão aplicados na construção de 1.497 unidades de tecnologia, sendo 1.146 cisternas calçadão, 143 barragens subterrâneas e 208 tanques de pedra, beneficiando 3.369 famílias. Informações: www.asabrasil.org.br

RTS está no Twitter

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INCLUIR

vez menor de produtores e fornecedores de sementes, o que gera descompasso entre a evolução dos sistemas agrícolas e quem efetivamente vive no campo. “A Revolução Verde tirou o conhecimento do camponês para universidades e grandes empresas. Aí é que se criou a cadeira de extensão rural, que muitas vezes são pacotes e receitas deslocados do saber popular”, diz Paula. Quem assina embaixo é o agricultor-experimentador José Aparecido dos Santos, o Cidinho, dono de um sítio de 11 hectares a 45 km de Ouricuri (PE). A peregrinação de mais de 15 anos por diversos estados em busca de novos conhecimentos, explica, não permitiu apenas que ele adaptasse em sua propriedade tecnologias como a curva de nível, a cisterna de placa e o sistema de irrigação por gotejamento para aproveitar a “água contada” na barreira trincheira que ergueu com as próprias mãos. Tampouco as viagens serviram só para que reinventasse uma prática antiga da região: o uso da cobertura morta (restos de cultivo) para evitar a erosão e a transpiração da água numa das regiões em que menos chove no Brasil. “A fitoterapia também era uma coisa forte para a gente, da nossa cultura, e que foi sendo esquecida na região. Hoje usamos de novo a

Já é possível acompanhar a RTS no Twitter. Basta acessar twitter.com/rede_rts. “O microblog permite o registro de dinâmicas da Rede que merecem uma divulgação imediata. Além disso, é mais um canal de articulação”, explica Isabel Miranda, animadora de redes. No Twitter, também são publicados links de matérias, artigos e entrevistas disponíveis no Portal da Rede de Tecnologia Social. A RTS possui, ainda, uma página no YouTube, com vídeos sobre Tecnologia Social: www.youtube.com/RTSvideos. Quem quiser disponibilizar conteúdos sobre TS deve enviar o link ou o DVD à Secretaria Executiva da RTS. Para outras informações: secex@rts.org.br

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RTS - Por que incluir o termo endógeno ao falar de desenvolvimento territorial? Tânia - Porque o desenvolvimento do território só acontece quando ele se dá a partir das pessoas daquele território. A experiência internacional já comprova que projetos liderados por atores externos, sejam órgãos públicos, ONGs e organismos internacionais, tendem ao fracasso e à insustentabilidade se não formarem equipes locais capazes de assumir essa liderança. A partir desses ativos endógenos, baseados no potencial do local, é que você constrói a estratégia e as instâncias de governança e pactuação. RTS - Qual a distinção entre desenvolvimento territorial e desenvolvimento local? Tânia - Não faço essa distinção, até porque os autores que trabalham essa temática compreendem que o local é um território, um espaço organizado que tem uma identidade e um projeto coletivo próprios. Esse território pode ser um bairro, um município, uma bacia hidrográfica. Geralmente, a melhor escala para trabalhar o desenvolvimento territorial é uma microrre-

diretora técnica do IADH gião. Isso porque você tem mais densidade econômica para trabalhar cadeias e arranjos produtivos, redes e estratégias de comercialização para os pequenos negócios. A microrregião também pode permitir outros arranjos institucionais, como os consórcios públicos para a saúde e o meio ambiente. RTS - Como a globalização interfere nessa dinâmica? Tânia - Como a globalização, de certa forma, fragiliza o Estado Nação, alguns autores dizem que o desenvolvimento não compete mais aos países, mas às regiões. É como num computador. Você tem hardware, software, e orgware. O hardware são as infraestruturas econômicas e sociais. O software é o planejamento e a estratégia de desenvolvimento, enquanto o orgware é o capital social. Sem a articulação entre estes três fatores, aliada a uma capacidade de pactuação para construir consensos e gerir conflitos, a tendência é que o território tenha mais dificuldades de se inserir nos processos de competitividade da globalização.

este capital social? Tânia - A partir do território. Por isso é que o local ressurge na globalização como elemento dinamizador da cultura da inovação, principal fator de competitividade na sociedade do conhecimento. É no território que estão as universidades, as pessoas, a competência local. Estou convencida de que o grande desafio do brasileiro ainda é a cultura política. RTS - E como a arquitetura institucional do Estado brasileiro dificulta essa transformação? Tânia - A gente convive no mesmo campo de avanços e retrocessos. Hoje ainda há a cultura dos coronéis, do clientelismo e do assistencialismo, mas também há a cultura da nova governança e a emergência da sociedade civil trazendo novas iniciativas, idéias e projetos. E isso convive no mesmo campo de historicidade. Então, a cultura política com mais transparência, controle social e accountability é o grande desafio. Não se trata de ter mais ou menos Estado, mas de se ter o Estado necessário para o momento atual.

RTS - Como construir então

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ARQUIVO PESSOAL

Tânia Zapata

Especialista em Desenvolvimento Econômico Regional pelo Instituto de Pesquisas e Formação para o Desenvolvimento e diretora técnica do Instituto de Assessoria para o Desenvolvimento Humano (IADH), a socióloga Tânia Zapata é umas das principais especialistas em desenvolvimento local do Brasil. Nesta entrevista, ela defende o desenvolvimento territorial endógeno, comenta o papel da globalização para esse desafio e alerta: “As novas tecnologias do conhecimento trazem uma série de aprendizagens para a sociedade e para o novo espaço público”.


OPINIÃO

DIVULGAÇÃO UFSC

Diálogo Social: uma aposta na democracia

CLEMENTE GANZ LÚCIO

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Diretor Técnico do DIEESE e membro do CDES - Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social

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Diálogo social é uma aposta política na democracia e uma opção metodológica que a fortalece. Nada é simples nesta aposta e opção, pois, em cada caso e situação, são os mais diversos interesses que se mobilizam para o diálogo e, como é comum nessas situações, cada envolvido quer que os resultados, pelo menos em um primeiro momento, atenda mais às suas expectativas. Se em um espaço de negociação bipartite o acordo quase sempre é resultado de uma construção diferente daquilo que cada ator em particular esperava, quando o diálogo social envolve diferentes atores em espaços tripartites ou multipartites, inúmeras mediações ocorrem e várias são as possibilidades de resultado. Entretanto, quando, além de empresários e trabalhadores, o governo está envolvido, é trazida a possibilidade de o interesse público aparecer como um agente novo. Quando isso ocorre, e é bom que fique claro que nem sempre isso acontece, os interesses específicos ganham outra qualidade pela mediação que o interesse público exige de cada ator no espaço de diálogo social. Recentemente, na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, foi realizado um balanço de um ano da crise internacional e seus impactos sobre o Brasil. Além das exposições do governo, feitas pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, e do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, vários conselheiros apresentaram seu balanço. Nas falas desses conselheiros foram tratados a gravidade da crise no mundo, seus impactos sobre o país e a maneira tempestiva com que atuou o governo brasileiro. Mas o destaque apresentado foi a opção política e metodológica adotada pelo governo que, sem deixar de ter o comando da ação, criou espaços regulares e dinâmicos de avaliação dos problemas, formulação de propostas e desenho de políticas e ações. Os depoimentos das partes – empresários, trabalhadores e o pronunciamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva – mostraram que, nesse espaço de diálogo, os atores foram capazes de produzir, com qualidade diferenciada, uma análise do problema. As diversas questões foram tratadas e olhadas de forma aguda, nesse espaço diverso e contraditório, e isso gerou um conhecimento capaz de aprimorar as iniciativas. Nessa instância, algumas vezes bipartite (governo e empresários ou governo e trabalhadores) e outras, tripartites, as questões eram priorizadas e as posições podiam ser revistas. Apareceram com muita relevância o interesse geral do país e, de maneira mais clara, como cada ator, com suas especificidades, deveria atuar com vistas aos objetivos gerais desenhados. Criar esse espaço em que o interesse particular é mediado pelo interesse geral, em uma situação concreta e complexa como a da crise internacional, não é um desafio simples. Trata-se de uma opção de risco, mas, acima de tudo, de um grande e proveitoso aprendizado. Descobre-se de maneira diferente o que é o interesse coletivo sem perder as demandas particulares e, nesse espaço de descoberta, criam-se compromissos e amplia-se a legitimidade das ações e decisões. Ganham todos quando os interesses maiores são colocados como objetivo primeiro.



Promover cidadania e educação do tempo livre de crianças e adolescentes nos três Estados da Região Sul. Esse é o objetivo do Moleque Bom de Bola, iniciativa que existe há 18 anos e que se tornou o campeonato de futebol escolar mais conhecido do país. Criado originalmente como um evento patrocinado, a competição ganhou força com a ampliação de suas atividades para projetos sociais e culturais. Todos os anos, mais de 50 mil crianças e adolescentes, de 11 a 14 anos, matriculados em escolas públicas e particulares, participam das etapas municipais, regionais e estaduais. Nos campeonatos, o projeto mobiliza mais de três mil escolas e cerca de 400 municípios. “Nosso projeto tem como base a pedagogia de educação afirmativa, o cuidado com o corpo, a saúde e a segurança dos alunos envolvidos”, explica a Diretora Executiva do Instituto Bom de Bola, Dra. Marisa Fantin. A iniciativa já revelou muitos craques do futebol nacional. Entre eles, André Santos, da seleção brasileira, Marquinhos, do Avaí, e Ketlen Wiggers, destaque na seleção feminina do Santos e jogadora da sub-20 brasileira.

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EM DESTAQUE

Bom de Bola, melhor na escola

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Avon e o Laço Rosa O Instituto Avon iniciou nova fase de sua atuação pela diminuição dos índices de mortalidade por câncer de mama no Brasil. Depois da campanha Um Beijo pela Vida, de 2003, agora a instituição trabalha com um novo e mais direto slogan: Avon contra o Câncer de Mama. O símbolo da campanha é o laço rosa, que já vem sendo utilizado mundialmente pela Avon. Com a nova campanha, o Instituto muda o direcionamento para apoio a projetos e passa a financiar a construção e aparelhamento de centros de prevenção, com capacidade para oferecer a usuárias do SUS, em um mesmo local, os exames necessários para descobrir precocemente o câncer de mama. As doações serão feitas com o dinheiro arrecadado por meio da venda de produtos que apóiam a campanha, apresentados nos folhetos de cosméticos da empresa. Os atores Ana Paula Arósio e Thiago Lacerda divulgam a camiseta da campanha deste ano. Nesses seis anos apoiando iniciativas pela saúde da mulher, a entidade já investiu mais de R$ 18 milhões em promoção da detecção precoce do câncer de mama em 66 projetos realizados Brasil a fora.

ALCOA A Alcoa integra pela oitava vez consecutiva o Índice Dow Jones de Sustentabilidade. Esse guia serve como base de avaliação do desempenho não-financeiro das empresas. Entre as ações de sustentabilidade alcançadas pela companhia em 2008 está a redução de 36% no total de emissões diretas de gases do efeito estufa em seu processo mundial de produção de alumínio primário (comparação com o nível verificado em 1990). Além disso, cerca de

90% das operações mundiais da Alcoa realizam programas comunitários. A reputação da empresa também conta para integrar o índice Dow Jones de Sustentabilidade. Novamente a Alcoa foi classificada, pelo Covalence Ethical Ranking, em primeiro lugar como a empresa de reputação mais ética do mundo no setor de Recursos e em sexto lugar entre todas as empresas globais. Em 2008, também figurou entre as dez mais éticas de todos os setores.


Fazendo Renda Composto por 70 mulheres, o Projeto Fazendo Renda, desenvolvido pelo Instituto Wilson Picler de Responsabilidade Social, braço social do Grupo Educacional Uninter, de Curitiba, ficou entre os três finalistas no Prêmio Cidadania Sem Fronteiras, promovido pelo Instituto da Cidadania Brasil e pelo Ministério da Ciência e Tecnologia.

O Projeto Fazendo Renda destacou-se pela preocupação com o desenvolvimento sustentável, social, ambiental, econômico e cultural das comunidades, além da proposta de qualificação profissional, incentivo do desenvolvimento da cultura empreendedora e do empreendedorismo solidário.

Parceria solidária contábil Numa parceria entre o Conselho Federal de Contabilidade e as Pastorais da Criança e da Pessoa Idosa, mais de 400 mil contabilistas estão sendo estimulados à prática cidadã de orientação de gestão e capacitação de recursos a entidades assistenciais. A iniciativa será conduzida nos estados de forma integrada pelas Comissões do Programa de Voluntariado e Estaduais da Mulher Contabilista, as quais estarão envolvidas na capacitação dos voluntários das pastorais. Segundo o coordenador do PVCC, Pedro Gabril, “esta iniciativa é extremamente positiva, pois o envolvimento em políticas so-

ciais, de qualquer segmento, é a oportunidade da Classe Contábil contribuir efetivamente para a disseminação da cultura da participação, da solidariedade e da construção de uma sociedade mais justa, fraterna e igualitária”. O Programa de Voluntariado da Classe Contábil (PVCC) desenvolve cinco projetos institucionais: Gestão eficiente da merenda escolar; Gestão, prestação de contas e transparência de ONGs; Mobilização social para doações ao Funcriança; Rede Nacional de Cidadania Fiscal; e ações localizadas de voluntariado em políticas sociais e comunitárias.

O Ticket Car, empresa líder no país em gestão de despesas de veículos, lançou uma ferramenta que permitirá calcular a quantidade de gases emitida por veículos. Com o Ticket Car Carbon Control as empresas-clientes terão informações detalhadas sobre a emissão de gás carbônico a partir do consumo de combustível de suas frotas. Dessa forma as empresas poderão rever procedimentos para minimizar a poluição causada por seus veículos. A ferramenta é um verdadeiro programa de gestão, com metodologia GHG Protocol, já conceituada mundialmente na realização de inventários de gases responsáveis pelo efeito estufa. O GHG Protocol foi desenvolvido pelo World Resources Institute (WRI) em parceria com o World Business Council for Sustainable Development (WBSCD). É compatível com as normas ISO e as metodologias de quantificação do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). Sua aplicação no Brasil também já está adaptada ao contexto nacional.

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Ticket Car Carbon Control


EM DESTAQUE

Eletropostos

PARA ONDE NÓS VAMOS? OS ROTEIROS DE VIAGEM DA FAMÍLIA MÜLLER

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Você tomou a decisão de poluir menos e resolve investir num veículo elétrico. Mas aí enfrenta um engarrafamento e a bateria da sua moto ou carro acaba. E agora? A solução são os eletropostos, que já começam a aparecer em alguns estados brasileiros. A Petrobras Distribuidora inaugurou o primeiro do país que oferece a recarga a partir da energia solar. Com tecnologia brasileira, vai atender a uma demanda cujo crescimento está estimado em 50% ao ano. Um modelo similar, usado para estudos, está instalado no Centro de Eventos da Universidade Federal de Santa Catarina. De olho no crescimento desse mercado, a Siemens encaminhou ao Ministério de Minas e Energia e à Casa Civil um projeto para a instalação de centenas de centrais de recarga de veículos nas principais rodovias e capitais do país. Pela proposta, usando a tecnologia conhecida por Smart Grid, a cobrança do serviço seria feita pela internet.

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R$ 39,90, somente pelo site www.familiamulleraventura.com.br Para muitos esse livro poderia ser só mais um relato de viagens pessoais, com 17 roteiros, nacionais e internacionais, ilustrados e comentados por cada um dos membros da Família Müller. O diferencial, no entanto, é a publicação. Patrocinado pela Timex, empresa de relógios esportivos, esse é o primeiro livro no mundo impresso em papel sintético, produzido a partir do lixo plástico reciclado, chamado de vitopaper (www.vitopel.com). Estes ingredientes: conteúdo editorial e fotográfico inéditos e o pioneirismo com a preservação ambiental, colocaram o título na estante da inovação. No processo de produção, para cada tonelada do papel ecológico obtido, são retirados dos lixos e ruas cerca de 850 quilos de plástico. Se a contabilidade for feita pela medição de carbono, a iniciativa resulta na preservação de 30 árvores por tonelada. E o material, além de não estragar com o tempo – não molha nem rasga – pode ser reciclado novamente.


Ao dedicarem o livro aos seus filhos, os autores dizem: “Esperamos que vocês sejam beneficiários de um futuro no qual as empresas tanto lucrem quanto ajudem a criar um mundo saudável e sustentável”. E de fato eles acreditam nisso, desde que companhias também o façam e invistam num novo modelo empresarial. Fruto da experiência que Daniel Esty e Andrews Winston acumularam na Yale University dos Estados Unidos, de suas atuações em grandes empresas e também nas mais de 300 entrevistas feitas com profissionais de meio ambiente, gerentes de fábrica, chefes de divisão, diretores-executivos e operacionais em uma centena de empresas pelo mundo, esse livro vem sendo estudado no Brasil por faculdades de Administração e por altos executivos. Não à toa que um dos autores apresentou pessoalmente os resultados desse trabalho e as perspectivas futuras para o setor empresarial internacional num grande evento que a Wal-Mart Brasil realizou em São Paulo, onde estavam praticamente todos os seus principais fornecedores. Ao apresentar fatos reais acontecidos com grandes companhias internacionais, como a Sony, Shell, PB, ABN AMRO Real, Dupont, Toyota, Alcoa, Unilever, Phillips, entre outras, o livro retrata uma preocupação permanente nas grandes companhias com o meio ambi-

ente e com as pessoas. “As empresas não podem ter sucesso em sociedades que fracassam”, disse um executivo de banco aos autores. Por isso, eles defendem a tese de que empresas inteligentes conquistam vantagem competitiva por meio da gestão estratégica dos desafios ambientais: é a Ecovantagem. “No mundo de hoje, nenhuma empresa, de pequeno ou grande porte, operando local ou globalmente, no setor industrial ou de serviços, pode se dar ao luxo e ignorar os problemas ambientais. (...) Aquelas que se ocultarem, submergindo na esperança de que a Onda Verde passe, ficarão decepcionadas com sua presença e tenacidade esmagadoras.” E encarar de frente o problema não significa apenas plantar árvores para compensar gás carbônico. É preciso, sugerem os autores, redesenhar produtos, processos e até cadeias inteiras de valor para que se alcance plenamente a tal sustentabilidade. O Verde que Vale Ouro é uma aula de gestão sustentável. Mostra o que é possível fazer, os desafios – não simples – que precisam ser superados e como decisões administrativas futuristas, tomadas já há algum tempo, foram acertadas. Em tempos que tanto se discute o que cada um pode fazer para conter as mudanças climáticas, nada mais oportuno.

Estante

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Daniel C. Esty, Andrews S. Winston; Tradução Ana Beatriz Rodrigues. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. 347 p. (R$ 65,00 em média)

LIVROS

O VERDE QUE VALE OURO: COMO EMPRESAS INTELIGENTES USAM A ESTRATÉGIA AMBIENTAL PARA INOVAR, CRIAR VALOR E CONSTRUIR UMA VANTAGEM COMPETITIVA.

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LIVROS

EM DESTAQUE PRIMEIRO PLANO . ANO 4 . NO 15 . NOVEMBRO 2009

Estante

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NASCIDOS PARA COMPRAR UMA LEITURA ESSENCIAL PARA ORIENTARMOS NOSSAS CRIANÇAS NA ERA DO CONSUMISMO. Juliet B. Schor Tradução Heloisa Helena de Souza Cabral São Paulo: Gente, 2009. 344 p. (R$ 59,90)

Nos últimos tempos, há alguns “ensaios” na legislação brasileira para tentar limitar a ação da propaganda na vida das crianças e adolescentes. Para ajudar ou até promover essa discussão, a economista e socióloga Juliet B. Schor abordou no livro Nascidos para comprar um tema que há muito preocupa pais, educadores, religiosos e psicólogos: o efeito dos comerciais de televisão nas crianças. A tese defendida pela autora professora é a de que há uma espécie de “complô” da indústria de marketing a serviço de grandes corporações norte-americanas para ganhar, a qualquer custo, os corações e mentes dos pequenos consumidores do país, através da propaganda dirigida maciça veiculada pelos canais de tv. “As empresas de propaganda, o mercado e os publicitários de produtos de consumo têm se voltado para as crianças. Embora elas tenham uma longa participação no mercado consumidor, até recentemente eram pequenos agentes, ou compradoras de produtos baratos”, afirma o livro, explicando que, até então, as compras e o processo de escolha do que comprar era comandado, principalmente, pela mãe. “Isso se alterou”, afirma a autora. “Hoje em dia, crianças e adolescentes são o epicentro da cultura de consumo americana. Exigem atenção, criatividade e dólares dos anunciantes. Suas preferências direcionam as tendências de mercado. Suas opiniões modelam decisões estratégicas corpo-

rativas”, garante ela. O hábito de assistir televisão durante muitas horas resultou em uma exposição sem precedentes aos comerciais, diz Juliet Schor. Ela conta que foi a experiência com a filha que chamou sua atenção para a “comercialização da infância” nas famílias. “As crianças americanas são as que mostram mais afinidade com as marcas”, diz ela, “a ponto de ficarem ‘presas’ às marcas dos produtos”. Ao mesmo tempo, continua a autora, aumentaram as evidências de angústia entre as crianças. Cresceram também as taxas de obesidade, os diagnósticos de distúrbios de déficit de atenção e dos relacionados à hiperatividade. Além disso, “um número recorde de crianças está ingerindo medicamentos para ajudá-las a encontrar autocontrole e foco. Irritação, provocação e atos violentos intencionais e gratuitos são comuns em escolas”, afirma. A autora fala com conhecimento de causa, pois além de mãe, é pesquisadora na área, professora de Sociologia na Faculdade de Boston. Publicou anteriormente os livros The overworked american e The overspent american (numa tradução livre, O trabalho excessivo americano e O gasto excessivo americano; nenhum traduzido ainda para o Português). É membro fundadora do Center for a New American Dream (Centro para um Novo Sonho Americano) e também do South End Press (Sul e Notícia).


apresenta os humanos com quem convive e os problemas do seu cotidiano; defende o seu valor e busca semelhanças com as pessoas. Para o porco, sua espécie não é a responsável pela poluição e pelas crises da suinocultura industrial. O documentário foi escolhido pelo júri popular como melhor filme da 1ª Mostra Internacional de Cinema pelos Direitos dos Animais, realizada em agosto em Curitiba. E também participou agora em novembro da 7ª edição do Fest Cineamazônia, em Porto Velho, Rondônia. www.faganello.com

Estante

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O documentário, que foi totalmente produzido em Santa Catarina, aborda o impacto da suinocultura industrial no meio ambiente e no bemestar animal a partir de um ponto de vista inusitado: do próprio porco, narrador da história. Para defender sua espécie das difamações de que é vítima, um porco recém abatido volta à terra, na condição de espírito. Ele defende os suínos narrando a sua própria trajetória, desde o nascimento no estado do Sul do Brasil que tem uma das maiores concentrações de porcos do mundo, até o momento em que vira refeição. O Espírito de Porco discute a alimentação e a poluição;

VÍDEO

ESPÍRITO DE PORCO 2009 / DOCUMENTÁRIO 52 MIN / HD

Da esquerda para direita, Renato Turnes, Dauro Veras e Chico Faganello, produtores e diretores.

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Comece aqui a folhear seu flipbook PRIMEIRO PLANO . ANO 4 . NO 15 . NOVEMBRO 2009

NO MÊS DA CONSCIÊNCIA NEGRA, O FOTÓGRAFO SARARÁ APRESENTA O RESULTADO DE SUA PESQUISA EM COMUNIDADES NEGRAS RURAIS

Jaraguá do Sul (SC)

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quilombola

ENSAIO

Infância D

esde que o governo brasileiro instituiu uma secretaria com status de ministério para a promoção da igualdade racial, milhares de pessoas Brasil à fora vêm recuperando o orgulho pela sua cultura e tradição. São as comunidades quilombolas, que existem de Norte a Sul do país e que estão, aos poucos, recebendo a titularidade das terras onde, num passado ainda recente, havia os quilombos (os refúgios dos escravos negros). Uma nova geração está se constituindo nessas comunidades que passaram a ser respeitadas e a receber o benefício de políticas públicas.

Salvador (BA)

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Campos Novos (SC)

A vida, a alegria, a disposição de estudar e de construir suas histórias de uma forma mais digna que seus antepassados foram registradas pelas lentes do fotógrafo gaúcho Cláudio Silva da Silva, o Sarará. Com 33 anos de profissão, depois de atuar nas redações dos principais jornais do Sul do Brasil, Sarará iniciou, em 2005, uma pesquisa em comunidades negras rurais. E aí se deparou com um mundo até então desconhecido para ele. Começou por Santa Catarina e depois, conheceu as quilombolas de São Luís do Maranhão até Salvador, na Bahia. “É impressionante ver como as crianças dessas comunidades são bem informadas, conscientes de sua história, de sua situação, sobretudo no Nordeste”, comenta o fotógrafo. Ele finaliza: “ainda há muito por fazer, mas é muito gratificante ver como a concessão da terra aos remanescentes de quilombo pode transformar a vida dessas pessoas”.


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ENSAIO

Conceição das Crioulas (PE)

Bahia

Alcântara (MA)

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ENTREVISTA

entrevista ENTREVISTA

Cuidar da saúde é promover justiça social

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Hospital Israelita Albert Einstein orgulha-se de suas ações pela qualidade de vida.

DR. CLÁUDIO LOTTENBERG Presidente

A

doença humana comove e entristece. Mas também motiva a busca por formas de se combater a dor e de se encontrar a cura. Assim tem sido ao longo da história da humanidade – o trabalho permanente de milhares de pessoas que movem mundos para promover a qualidade de vida. No Brasil não são poucas as instituições que atuam nessa linha, mas sem dúvida, o Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo, é um dos pioneiros em tratar a saúde como responsabilidade social. Esse assunto, tão discutido atualmente, sobretudo no meio empresarial, para esse hospital é uma missão. Quem afirma é o oftalmologista Cláudio Lotten-

berg, presidente do Albert Einstein por três gestões. Nesta entrevista ele aprofunda o conceito de responsabilidade social em hospitais e explicita o quanto o sistema de saúde precisa atuar com o horizonte da inclusão social. Quando se fala em hospital, pensa-se imediatamente em sofrimento. Como é possível pautar responsabilidade social neste contexto? Cláudio Lottenberg - Aí é que temos que pautar! Veja, a sociedade internacional está muito preocupada com um desenho do mundo diferente do anterior. E isso criou a necessidade de se repensar como as empresas atuam com a sustentabilidade e a responsabilidade social. Acho que há três grandes questões


ENTREVISTA

DIVULGAÇÃO

Distribuição de brinquedos em Paraisópolis

tamente na melhoria da saúde dos pacientes. Como esse conceito religioso converte-se em ações de responsabilidade social do hospital, que é privado? CL -Justiça social e solidariedade: esses são dois termos que traduzem bem o conceito Tsedaká. Então, desde que o Hospital Israelita Albert Einstein foi criado, na década de 1960, vimos atuando para tornar melhor a vida das pessoas com inúmeros programas de assistência e parcerias com o poder público. Como somos uma entidade sem fins lucrativos, tudo o que recebemos, seja do pagamento por procedimentos médicos, seja das isenções fiscais, convertemos em novas formas de atendimento, capacitação, equipamen-

Contribuir para uma sociedade mais humana e justa é parte da nossa missão, norteada pelo conceito fundamental do judaísmo – o Tsedaká PRIMEIRO PLANO . ANO 4 . NO 15 . NOVEMBRO 2009

envolvendo isso. A primeira é o meio ambiente: o aquecimento global é fruto de irresponsabilidade com os créditos de carbono. A segunda questão é a responsabilidade social, já que o Estado não consegue arcar com todas as demandas cobradas dele. E a terceira grande preocupação humana está relacionada com a saúde e a nutrição, pois as pessoas querem viver por mais tempo e de forma saudável. Não podemos dissociar esses assuntos. Todos convertem para o que chamamos de justiça social. Contribuir para uma sociedade mais humana e justa é parte da nossa missão, norteada pelo conceito fundamental do judaísmo – o Tsedaká. É importante ainda ressaltar que a política de humanização de organização hospitalar repercute dire-

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ENTREVISTA

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tação profissional em unidades públicas de São Paulo, Belém, São Luiz e Belo Horizonte, o que já vem gerando uma melhoria nos índices de doação e captação de órgãos e tecidos.

Aula de fonoaudiologia no PEP

Ao nos tornarmos o principal hospital em transplantes em parceria com o Sistema Único de Saúde, estamos trabalhando com responsabilidade social.

tos e ampliação dos serviços. Escolhemos a parceria com o poder público nos três níveis – federal, estadual e municipal – para multiplicar a medicina considerada de excelência que estudamos e aplicamos. Ao nos tornarmos o principal hospital em transplantes em parceria com o Sistema Único de Saúde, estamos trabalhando com responsabilidade social. Veja, em 2008 fizemos 179 transplantes e neste ano, só no primeiro semestre, mais de 90. Somando os procedimentos de 2002 a 2009, o Einstein fez mais de 1300 transplantes de fígado, rim, pâncreas e coração. Desses, o grande destaque é o Programa de Transplante Hepático, que é responsável por mais da metade do total de procedimentos que realizamos. E o nosso trabalho não se resume apenas ao momento da cirurgia. Temos uma assistência multidisciplinar especializada totalmente gratuita desde a avaliação inicial até o período pós-operatório. Isso estamos falando somente nas dependências do nosso hospital e nos ambulatórios descentralizados... Mas oferecemos ainda capaci-

Tanta experiência não poderia ficar num só lugar.... CL - E não está. Hoje o nosso sistema abrange 35 unidades na grande São Paulo. Além das unidades do Morumbi, Alphaville, Jardins e Ibirapuera, que são as mais visíveis, temos espaços com excelente atendimento a comunidades carentes. Em todos temos parcerias com os gestores públicos. Uma das unidades mais recentes é o Hospital Municipal Dr. Moysés Deutsch, no Jardim Ângela, área carente que fica a 30 quilômetros ao sul do centro da cidade de São Paulo. Esse é o único hospital num raio de sete quilômetros. A população naquela região está em torno de 600 mil habitantes. Nessa unidade damos todo apoio à gestão hospitalar, visto que a administração é de responsabilidade da Organização social de Saúde Centro de Estudos e Pesquisa Dr. João Amorim. O Einstein também é reconhecido em São Paulo pelo trabalho voluntário de seus colaboradores. CL - Sim, e isso nos dá muito orgulho. Temos o Departamento de Voluntários do HIAE. Além da atuação direta em hospitais, desenvolvemos desde 1998 o Programa Einstein na Comunidade de Paraisópolis, criado por esse departamento. Lá vimos contribuindo com a melhoria da qualidade de vida e promovendo a saúde dos moradores daquela que é a segunda maior comunidade carente do município. Obviamente que não fazemos tudo sozinhos. Temos importan-


Tal engajamento evidencia a aposta do HIAE na saúde preventiva? CL - Sim! A saúde preventiva deve ser prioridade para qualquer sistema de saúde no mundo. Nós desenvolvemos um Programa de Saúde da Família tão bem estruturado que as pessoas resolvem seus problemas na base e só buscam o hospital em última necessidade. O que o senhor acha da “liderança” obtida pelo HIAE? CL - A liderança tem sempre um papel importante porque é ela que faz o mercado. Acho que nos tornamos líderes em determinados procedimentos médicos pelo que já citei – a nossa missão, o Tsedaká. Além disso, sempre fomos parceiros do poder público. Hoje o Estado depende da participação da iniciativa privada para prover o bem-estar coletivo e vimos cumprindo nosso papel muito bem. Não à toa somos referência internacional em transplantes, com oito mil colaboradores. Nossa meta é ampliar os serviços, pois a nossa atividade social é promover a saúde.

ENTREVISTA A cultura judaica e a medicina Ao longo da História, muitos fatores foram determinantes para que os judeus assumissem um papel de destaque no desenvolvimento e na prática da medicina. Entre eles, dois preceitos da religião judaica foram fundamentais: Tsedaká, a solidariedade, e Chinuch, o incentivo ao conhecimento e à ciência. Já na Antiguidade, os hebreus viam na preservação da vida uma obrigação, pois se tratava de uma dádiva divina. Com a Diáspora – a dispersão dos judeus pelo mundo – a vida das novas comunidades formadas em diferentes regiões passou a girar em torno das sinagogas. Dos debates surgidos nesses locais, originou-se o Talmude, um dos mais importantes livros da filosofia judaica, no qual os temas saúde e doença foram amplamente discutidos. Na Idade Moderna, simultaneamente à expansão das práticas médicas, surgiram os primeiros hospitais judaicos. Ao longo dos séculos, cientistas e médicos judeus colaboraram com inúmeras descobertas em diversas áreas do conhecimento, levando a um aprimoramento da medicina. Muitos deles conquistaram prêmios Nobel, como o físico alemão Albert Einstein, em 1921, pelos serviços prestados à Física e pela descoberta da lei do efeito fotoelétrico, e o médico austríaco Karl Landsteiner, em 1930, pela descoberta dos grupos sanguíneos humanos. Mais recentemente, em 2000, o neurocientista austríaco Eric Richard Kandel também se tornou um Prêmio Nobel por suas pesquisas sobre o armazenamento de informações na memória.

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tes parcerias com ONGs. Só no ambulatório médico do programa atendemos com assistência integral dez mil crianças entre zero e dez anos de idade. Atuamos ainda no Centro de Promoção e Atenção à Saúde, desenvolvendo atividades educativas, artísticas, esportivas e de orientação de saúde e geração de renda. Nosso Departamento de Voluntários é modelo também. Foi o primeiro da América Latina a conquistar a certificação ISO 9001:2000, no ano de 2002. Isso mostra que também no voluntariado é preciso organização e disciplina nos procedimentos.

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VU LG FO TO DI

AÇ ÃO

MEU MUNDO PRIMEIRO PLANO . ANO 4 . NO 15 . NOVEMBRO 2009

Não há como falar de desenhos animados nacionais sem lembrar imediatamente da brasileiríssima Turma da Mônica. Essa “turminha”, que já virou filme, está nos materiais escolares, nas embalagens de alimentos infantis, no vestuário, na internet e em 2009 completa 50 anos! O que ainda falta fazer depois de cinco décadas trabalhando para as crianças brasileiras? O que motiva o pai da Mônica – Mauricio de Sousa – a inovar, recriar, empreender?


“Quando todo mundo dizia que os quadrinhos estavam sendo engolidos pelos games, celulares, internet, televisão e toda essa nova tecnologia, eu acreditava que não era bem assim. Tanto que o nosso mais novo lançamento, Turma da Mônica Jovem, é o maior sucesso dos últimos 30 anos na área. Os quatro primeiros números venderam juntos 1,5 milhão de exemplares. A criança gosta do que é bom para ela e já sabe exigir qualidade no que consome. A boa revista de quadrinhos continua forte como sempre e mesmo quando não for

mais impressa em papel, será lida em várias novas plataformas de comunicação.” “É preciso estar conectado o tempo todo para não ficar para trás. Procuro conversar muito com meus leitores pelo Twitter, Orkut, e-mails etc. Também tenho filhos de todas as idades, sobrinhos, netos ... Converso muito com crianças. Com isso mantenho conexão e fidelidade.” “Quero cada vez mais trabalhar meus produtos pelo viés educacional. Os quadrinhos têm muito a ajudar no estímulo às crianças para a leitura e à curiosidade para o aprendizado.” “ A nossa responsabilidade é grande pois temos que manter nossa imagem de credibilidade e boa qualidade. Para isso temos contratos que exigem das empresas licenciadoras o cumprimento de toda a legislação dos direitos do consumidor e normas de saúde. Recusamos muitos produtos que experimentamos e não gostamos. A maçã da Turma da Mônica, por exemplo, foi uma criação nossa quando vi que as pequenas maçãs eram colocadas somente para pro-

dução de pasta. Mas vi que eram do tamanho exato para que a criança pudesse morder sem dificuldade, sem deixar restos. O resultado foi esse sucesso atual.” “A ecologia sempre foi um ponto forte da filosofia de meu trabalho. Não criei o Horácio apenas para ter um dinossaurinho a mais, bonitinho. Suas histórias são contra a violência e descuido com o meio ambiente. Por isso é o personagem com que mais gosto de trabalhar pessoalmente. Mas temos também várias revistas institucionais que passam ensinamentos sobre o uso da água, a preservação da natureza e pelos direitos das crianças. A Mônica, personagem, foi escolhida pelo UNICEF como a única personalidade não real para Embaixadora da entidade mundial, justamente por esse histórico.” “O que quero ainda fazer na vida? O que estamos fazendo há 50 anos e, espero, pelos próximos 50: diversão com informação e formação para as crianças e jovens.”

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“Já estou atingindo ao menos três gerações nesses 50 anos. Mas é preciso estar atento à linguagem do dia para não ficarmos ultrapassados. Por outro lado, creio que a linguagem/comunicação com a criança e da criança é universal. Talvez por isso tenhamos boa receptividade também em outros países. Até o Chico Bento é solicitado, entre outros lugares, na China!” “Como os pais gostaram de ler as minhas revistas quando crianças, enquanto estivermos com as mesmas mensagens positivas, boas histórias, eles passarão esse DNA para os seus filhos.”

Turma em estilo Mangá: sucesso

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soluções

CELULAR ECOLÓGICO DÁ ACESSO A REDES SOCIAIS Depois da Siemens, agora é a vez da Motorola apresentar seu aparelho de celular feito com materiais reciclados. Trata-se do MotoCubo A45 Eco. O modelo tem teclado QWERTY deslizante e acesso rápido a rede sociais como Orkut e Facebook. O aparelho já está à venda no Brasil por um preço médio de R$ 550, que pode variar de acordo com a operadora. www.motorola.com

A MODA DO JORNAL A experiência da reciclagem mostra que é sempre possível inovar e empreender. Uma novidade que tem sido vista em eventos pelo país é a sacola de jornal reciclado. As peças são desenvolvidas pela Cooperativa de Artesanato FUTURARTE (ligada à Instituição Social Ramacrisna), de Betim/ MG. Mas o portfólio da cooperativa vai muito além de bolsas promocionais. Tem ainda colares, brincos, carteiras, bandejas, porta-CDs, paneleiros e muitos outros utensílios desenvolvidos a partir do velho jornal que estava destinado ao lixo. Nas mãos desses artesãos mineiros, o papel velho torna-se arte. A tal ponto de a FUTURARTE integrar o Projeto Solidariedade Globalizada, em parceria com a Liverpool Hope University, trocando informações e técnicas de design de moda. www.cooperativafuturarte.com.br

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EMBALAGEM BIODEGRADÁVEL A Bunge acaba de lançar um produto já consolidado no mercado na primeira embalagem biodegradável, proveniente de fonte renovável. A iniciativa é inédita no mercado de alimentos industrializados do Brasil e com a iniciativa, a empresa é a única no mundo a comercializar margarinas e similares em potes biodegradáveis. A embalagem é fabricada com o polímero PLA (sigla em inglês para poli-ácido lático), obtido a partir da fermentação do amido de milho e se de-

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HIDRÔMETRO INDIVIDUAL Um dos maiores problemas dos condomínios brasileiros já tem solução sem quebra-quebra: individualizar os hidrômetros para que cada residência pague exatamente o que consome de água. Com uma tecnologia alemã, a Techem do Brasil está se tornando a líder no país nesse segmento. Os equipamentos, todos já testados pelo INMETRO, têm garantia de 30 anos e são dotados de dispositivo de transmissão magnética dos dados, com sistema anti-fraude mecânica e têm leitura feita por ondas de rádio. Atualmente, além da necessidade de se economizar água, os imóveis com hidrômetros individuais ganham valorização em mais de 10%. www.techem.com.br

compõe em até 180 dias após descarte adequado. Para chegar a esse resultado a Bunge apostou num estudo de mais de dois anos das equipes de Planejamento, Pesquisa e Desenvolvimento, Industrial, Suprimentos e Marketing da empresa, além da realização de parceria com fornecedores da resina e da embalagem, compromissados com a causa ambiental. www.saudecyclus.com.br/site




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