Revista Preparo Nº01 - Setembro de 2018

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EXPEDIENTE Comandante do COMPREP

Ten Brig Ar Antonio Carlos Egito do Amaral

Maj Brig Ar Mario Luís da Silva Jordão

Chefe do Estado-Maior do COMPREP Chefe da Subchefia de Avaliação e Doutrina

Brig Ar Raimundo Nogueira Lopes Neto

Editores Chefes

Cel Av Rodrigo Fernandes Santos Ten Cel Av Gustavo Pestana Garcez

Editores Assistentes

Maj Av Geraldo Mulato de Lima Filho Maj Av Anderson Gomes do Rosário Werneck Maj Av Humberto Baldessarini Pires Cap Av Hélio Maciel Kiyohara dos Santos Cap Esp Fot Robert Cardoso Fernandes de Almeida

Conselho Editorial

Maj Av Fabrício Pícolli Portela Maj Av Gustavo Winckler de Oliveira Maj Av Nicolas Silva Mendes Maj Av Rafael Lemos Paes Maj Av Juarez Bessa Leal Maj Av Ezequiel Machado da Silva Maj Av Eduardo Snidarsis de Vasconcellos Maj Av Tiago Josué Diedrich Maj Av Diego Alves Nunes Cap Av Diego Geraldo Cap Av Roberto Azeredo Gonçalves Júnior Cap Av Ivo Cheregati Cap Inf Rafael Gomes Moreira

Capa (Arte)

SO BET Antonio Carlos do Nascimento

Projeto Gráfico, CTP e Impressão

Realce Gráfica e Editora Ltda.

Distribuição Interna

SUMÁRIO

Tiragem 800 exemplares

Os conceitos e opiniões emitidos nas colunas e artigos são de responsabilidade exclusiva de seus autores. Estão autorizadas transcrições integrais ou parciais dos trabalhos publicados, desde que mencionados o autor, a fonte e remetido um exemplar para o COMPREP. Para maiores informações, envie um email para: revistapreparo@gmail.com

EDITORIAL ....................................................... 03 SIMULAÇÃO PARA O PREPARO DA FORÇA AÉREA..............................................04 A ORGANIZAÇÃO HISTÓRICA DOS MEIOS ANTIAÉREOS NA DEFESA AEROESPACIAL.........11 A REESTRUTURAÇÃO DA FORÇA AÉREA BRASILEIRA E A TRANSFORMAÇÃO MILITAR....16 DEFESA DE ÚLTIMA INSTÂNCIA CONTRA MÍSSEIS APLICADA AO F-5M.............................21 FERRAMENTA COMPUTACIONAL DE PROCESSAMENTO DIGITAL DE IMAGENS ISAR.............................................25 DESENVOLVIMENTO DE SIMULADOR DE VOO PARA P-95BM......................................32 O KC-390 E A PROJEÇÃO DO BRASIL NO CENÁRIO INTERNACIONAL..............................38 AMPLIANDO A UTILIZAÇÃO DO ESPECTRO ELETROMAGNÉTICO EM MISSÕES OPERACIONAIS DA AERONAVE A-29...............42 FISIOLOGIA DO ESTRESSE EM COMBATE NA ATIVIDADE AÉREA: BUSCA PELA CONDIÇÃO AMARELA......................................47 USO DE LÓGICA DATALINK PARA EVITAR FRATRICÍDIOS.......................................54 A UTILIZAÇÃO DO TELÊMETRO LASER PELA AERONAVE A-29 EM MISSÕES DE APOIO AÉREO APROXIMADO.....................59


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EDITORIAL

Tenente-Brigadeiro-do-Ar Egito, Comandante do COMPREP

Prezados Senhores, No último dia 20 de maio, o Comando de Preparo (COMPREP) completou seu primeiro ano de atividade, tendo herdado 49 anos de experiência e profissionalismo do COMGAR. Com a aproximação do Jubileu de Ouro desta Organização, me pego a pensar: como preparar as Unidades subordinadas para as próximas décadas, tendo em vista as diretrizes da “Concepção Estratégica Força Aérea 100”? Neste contexto, senti a falta de um fórum no qual o Comando de Preparo pudesse conversar sobre o Preparo Operacional da Força Aérea. Com a intenção de suprimir essa lacuna de informação, fomentar o debate e de motivar os entusiastas do assunto a participar da discussão é que iniciamos a publicação da Revista “PREPARO”, um repositório de idéias que visa a divulgar os assuntos operacionais que foram, estão ou serão estudados por este Comando de quase 50 anos. Esta revista, a qual tenho a honra de participar em sua primeira edição, é fruto destes pensamentos e da inquietação das gerações de militares de ontem e de hoje que guarnecem ou guarneceram

as fileiras do COMPREP. Homens e Mulheres do Ar que se dedicam as atividades de organização e treinamento das nossas Unidades táticas, pautados pelo desafio de antever o futuro e preparar a Força Aérea Brasileira para os desafios do porvir. Senhores, já se passaram quase 3 anos da publicação da DCA 11-45 “Concepção Estratégica Força Aérea 100”. Neste período, caminhamos bastante na reestruturação administrativa, melhoramos os nossos processos operacionais e adequamos as nossas estruturas e Unidades subordinadas às necessidades do Preparo e Emprego da Força. Porém, ainda há muito que fazer. Por esse motivo, convido todos a contribuir com o desenvolvimento desta publicação. Precisamos construir uma massa crítica sobre o tema, elucidar o conhecimento e enriquecer o debate. Daí, então, construir o COMPREP cinqüentenário que almejamos, ou seja, totalmente focado em aprestar meios de Força Aérea para a consecução das atividades finalísticas da FAB, quais sejam: Controlar, Defender e Integrar. Contamos com suas contribuições. Boa leitura!


4 SIMULAÇÃO PARA O PREPARO DA FORÇA AÉREA Brig Ar Raimundo Nogueira Lopes Neto Maj Av Geraldo Mulato de Lima Filho Maj Av Anderson Gomes do Rosário Werneck Comando de Preparo (COMPREP)

RESUMO: As típicas plataformas encontradas nos cenários de combate aéreo estão alcançando uma grande complexidade tecnológica e, consequentemente, exigem cada vez mais esforço das equipagens no aperfeiçoamento de suas habilidades. Nesse contexto, os simuladores despontam como uma relevante ferramenta de treinamento, podendo suprir, até certo ponto, a demanda crescente de adestramento oriunda da área operacional. Pode ser útil, também, no apoio à decisão, pois possibilita emular cenários que facilitam a visualização da melhor linha de ação a ser empregada no caso de um conflito. Como visto, a simulação possui um caráter versátil e pode atender a vários propósitos, abrangendo os níveis tático, operacional e estratégico. Entretanto, para obter maior êxito na implantação e desenvolvimento destes recursos no âmbito do Comando da Aeronáutica, fica evidente a importância de se criar uma concepção operacional que oriente o emprego de simuladores para o preparo da Força Aérea. Palavras Chaves: Simulação, Concepção Operacional e Preparo da Força Aérea. SIMULATION FOR THE AIR FORCE TRAINING ABSTRACT: The typical platforms found in aerial combat scenarios are reaching a great technological complexity. Consequently, they demand more effort from crew to keep updated with the O Brig Ar Nogueira concluiu o CFOAv em 1987 e é Líder de Esquadrão da Aviação de Caça. Possui especialização em Análise, Projeto e Gerência de Sistemas pela PUC-RJ (1998), MBA em Gestão de Processos pela UFF (2005) e mestrado em Comando e Controle pelo ITA (2004). Atualmente é Chefe da Subchefia de Avaliação e Doutrina do COMPREP. Contato: e-mail nogueirarnln@fab.mil.br, telefone (61) 3364-8903.

new improvements in technology. In this context, the simulators emerge as a relevant training tool, and can supply to some extent, the increasing demand for training from the operational area. It can also be useful for decision making support, since it makes it possible to emulate scenarios that become easier the visualization of the best course of action to be used in the event of a conflict. As seen, the simulation is versatile and can serve various purposes, covering tactical, operational and strategic levels. However, to achieve greater success in the implementation and development of these resources within the scope of the Aeronautics Command, it is evident the importance of creating an operational concept that guides the use of simulators for the preparation of the Air Force. Keywords: Simulation, Operational Concepts, Air Force Training. I - INTRODUÇÃO A sofisticação dos sistemas embarcados nas aeronaves e os novos armamentos de médio e longo alcance sujeitaram os pilotos militares ao enfrentamento de grandes desafios nos cenários táticos dos conflitos recentes. Diferente do que ocorria em meados do século passado, quando as tripulações precisavam apenas se preocupar com o desempenho de voo da aeronave, atualmente é o gerenciamento dos sistemas embarcados e a O Maj Av Lima Filho concluiu o CFOAv em 2001 e é primeiro piloto e instrutor da Aviação de Patrulha. Possui especialização em Gestão Pública e Emprego da Força pela Universidade da Força Aérea (2012), especialização em Análise de Ambiente Eletromagnético pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (2013) e mestrado em Ciências e Tecnologias Espaciais pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (2015). Atualmente é Adjunto da Célula de Gestão do Conhecimento Operacional do COMPREP. Contato: e-mail limafilhogmlf@fab.mil.br, telefone (61) 3364-8065.


5 manutenção da consciência situacional que gera a maior carga de trabalho durante o cumprimento de uma missão. Assim, estes profissionais estão sendo exigidos, cada vez mais, no aperfeiçoamento de suas habilidades, por meio de extensos programas de treinamento. Na Força Aérea Brasileira (FAB), este fenômeno ficou notório após a criação do Programa de Reaparelhamento que tem sua origem no começo do século XXI. Esse trabalho resultou na aquisição das aeronaves A-29, H-60L, AH-2, P-3AM, KC390 e GRIPEN NG, além da compra ou modernização de sistemas de autoproteção, radares e armamentos para diversas plataformas de combate aéreo. Simultaneamente, iniciou-se um esforço de atualização doutrinária para potencializar a utilização dos modernos recursos ora disponíveis e, com isso, aumentar a capacidade de sobrevivência em combate das equipagens nas operações militares. Dentre as diversas ferramentas disponíveis para melhorar a sistemática de planejamento de missão e preparo de equipagens, uma que vem se destacando nos últimos anos é a simulação de cenários operacionais. Por meio da simulação, pode-se prever o comportamento ou o desempenho de diversos sistemas e plataformas aéreas empregadas em combate, o que torna possível adestrar de maneira mais efetiva os operadores, os tripulantes e os decisores envolvidos, e atingir uma maior probabilidade de sucesso no cumprimento das missões realizadas pela FAB. O objetivo deste artigo é orientar a uma concepção operacional de emprego de simuladores para o preparo da Força Aérea. Para tanto, na Seção II será feito um breve relato de como a simulação foi incorporada na área operacional da FAB. Em seguida, na Seção III, serão apresentadas algumas considerações teóricas que embasarão a Concepção Operacional de Simulação que, por fim, será descrita na Seção IV.

O Maj Av Werneck concluiu o CFO em 2003, é Líder de Esquadrilha e Instrutor da Aviação de Asas Rotativas. Possui especialização em Análise de Ambiente Eletromagnético pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (2013), especialização em Gestão Pública e Emprego da Força Aérea pela Universidade da Força Aérea (2016) e mestrado em Ciências e Tecnologias Espaciais pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (2016). Atualmente é Oficial Adjunto à Célula de Gestão do Conhecimento Operacional do COMPREP. Contato: e-mail werneckagrw@fab.mil.br, telefone (61) 3364-8065.

II - HISTÓRICO A simulação aplicada ao treinamento das tripulações da FAB, por muito tempo, teve sua ênfase na relação homem máquina, a fim de adaptar melhor o aviador para a cabine de pilotagem e os procedimentos exigidos nas diversas situações normais e de emergência. Entretanto, a capacitação operacional que se espera de uma tripulação militar, principalmente em tempos de escassez de horas de voo, vai bem além do supracitado. A formação e o aprimoramento de pessoal especializado em algumas áreas, como a Guerra Eletrônica (GE), podem exigir ainda mais, na medida em que a criação de um cenário realístico para o treinamento destas técnicas é quase impossível. Além disso, ainda existem as restrições orçamentárias, que se mostraram presentes em vários momentos nos últimos anos. Elas limitaram o uso real de plataformas e equipamentos em exercícios aéreos. Uma evidência que comprova os argumentos citados ocorreu no ano de 1992, como consequência direta dos cortes orçamentários impostos ao Ministério da Aeronáutica na ocasião. Naquele ano, os Esquadrões experimentaram grande queda no padrão de formação das equipagens operacionais, em função da restrição do número de horas de voo disponibilizadas. Em decorrência, uma ideia nasceu no seio das Unidades Aéreas da Aviação de Patrulha − desenvolver um simulador tático dos equipamentos de Guerra Eletrônica do P-95 B (RADAR e MAGE), que possibilitasse treinamento adequado com um baixo custo. Outro fator contribuinte da premência no desenvolvimento de um simulador tático foi a crescente necessidade de treinar oficiais Coordenadores Táticos (COTAT) e graduados operadores dos equipamentos de Medida de Apoio à Guerra Eletrônica (MAGE) para operarem os sistemas em ambiente eletromagnético hostil. Assim, uma ferramenta de simulação foi criada e contribuiu sobremaneira para o estudo de novas táticas que seriam empregadas no Teatro de Operações Marítimo, fato extremamente importante na formação e na manutenção do nível de operacionalidade dos Esquadrões da Aviação de Patrulha. Esse software de simulação dos processos de operação dos equipamentos de Guerra Eletrônica (RADAR e MAGE) do P-95B recebeu o nome de Simulador Tático Radar/MAGE (SITRAM). A modelagem do RADAR “Super Searcher” e do equi-


6 pamento de detecção passiva DALIA 1000 A / DR 2000 ofereceram condições de treinamento das equipagens para as situações simuladas de interferência eletrônica inimiga (bloqueio ou despistamento), falhas nos equipamentos e, até mesmo, condições meteorológicas adversas. Alguns anos depois, com a aquisição das aeronaves A-29 e C-105, além dos respectivos programas de modernização das aeronaves A-1 e F-5, novos treinadores foram incorporados no acervo da FAB, gerando benefícios para a capacitação técnica dos operadores. Posto isto, observa-se que, apesar da existência de diversas plataformas de treinamento simulado na FAB, cuja vantagem operacional gerada é indiscutível, ainda existe a necessidade de se construir uma arquitetura mais completa que contemple a simulação de combate (simulação virtual) para todos os vetores, com interação entres eles, atingindo no mais alto nível a simulação construtiva voltada para o treinamento de jogos de guerra. Para uma melhor compreensão do assunto, algumas considerações teóricas precisam ser tratadas em seguida sobre a simulação. III – CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS O simulador é um aparelho ou programa de computador capaz de reproduzir o comportamento de um determinado sistema. Já a simulação é processo de modelar sistemas reais e conduzir experimentos com o propósito de entender o comportamento dos sistemas e avaliar várias estratégias para as suas operações. Pode ser usada tanto no treinamento civil como no militar, mas em se tratando deste último, pode ser classificada da seguinte forma: • SIMULAÇÕES REAIS OU AO VIVO – São aquelas executadas com sistemas reais e operadores reais, com o objetivo de treinar situações hipotéticas. São exemplos desta classificação qualquer tipo de Exercício Operacional. • SIMULAÇÕES VIRTUAIS – São aquelas onde o operador real utiliza um sistema modelado em ambiente virtual, emulando o comportamento dos sistemas de interesse. São exemplos desta classificação os simuladores das aeronaves A-29, F-5, C-105, dentre outros. • SIMULAÇÕES CONSTRUTIVAS – São aquelas onde tanto os operadores quanto os sistemas são virtuais, concebidos atra-

vés de modelos matemáticos que buscam representar como os sistemas reais irão se comportar. Usualmente não se emprega o hardware real, mas pode ser utilizada parte do software real dos sistemas de interesse, tornando ainda mais fidedignas as simulações realizadas. São exemplos desta classificação o MARTE (FAB) e o COMBATER (EB), dentre outros. Uma simulação computacional é menos onerosa e menos arriscada do que a execução de um treinamento de combate que utiliza equipamentos, pessoas e recursos reais. Assim, com o progresso dos métodos numéricos e o aumento extraordinário do desempenho dos computadores, as simulações estão ficando cada vez mais detalhadas, predizendo de maneira segura o comportamento de plataformas e sistemas complexos. Entretanto, apesar de todas as vantagens geradas pela simulação e do esforço feito nas últimas décadas para sua implantação, ainda não existe uma proposta sistêmica e generalista que oriente o estabelecimento destas técnicas na área operacional da FAB, o que justifica a necessidade de elaboração de uma Concepção Operacional sobre esse tema. IV – MODELO DE CONCEPÇÃO OPERACIONAL Concepção Operacional (CONOPS) é um documento de alto nível que apresenta a descrição de uma visão para um problema operacional sobre o emprego da Força como um todo ou de um sistema de grande abrangência. Nele são definidos objetivos a serem atingidos, cenários, relacionamento entre equipamentos e sistemas, medidas de eficiência e resultados esperados, tendo em vista a aplicação de meios e capacidades, mesmo que ainda não estejam disponíveis. A concepção operacional de simulação proposta neste trabalho é composta de três níveis, conforme é ilustrado na Fig. 1: • NÍVEL 1 - Treinamento das tripulações com ênfase na relação homem máquina, a fim de adaptar melhor o tripulante para a cabine de pilotagem e os procedimentos exigidos nas diversas situações normais e de emergência. Ex: FFS (Flight Full Simulator) e FTD (Flight Training Device); • NÍVEL 2 - Treinamento das tripulações com ênfase em cenários operacionais es-


7 pecíficos, a fim de se desenvolver táticas e técnicas de combate. Ex: STK (Systems Tool Kit); ASA (Ambiente de Simulação Aeroespacial), sistema de simulação em desenvolvimento pelo IEAv; e o PMA (Planejador de Missão Aérea), criado pelo IEAv. • NÍVEL 3 - Ênfase no treinamento de Jogos de Guerra, pois permite emular cenários para verificar a melhor linha de ação a ser empregada, proporcionando um dimensionamento da força mais acertado e maior êxito nas disposições dos meios no cenário. Ex: MARTE. Os níveis supracitados orientam a Concepção Operacional proposta e, devido a sua importância, foram melhor representados em uma pirâmide, como mostra a Figura 1.

Figura 1 - Pirâmide da Concepção Operacional de Simulação. Os sistemas de simulação já utilizados pela FAB são representados por círculos azuis. Em retângulos verdes, estão os projetos que ainda precisam ser desenvolvidos, no intuito de atingir plenamente os objetivos traçados nesta Concepção. Finalmente, utilizou-se um triângulo amarelo para representar os sistemas já existentes no mercado, como o STK. A FAB vem buscando investir em simuladores de baixo custo, que são os FTD’s nível 4, para desenvolver treinadores de projetos que a Força ainda não possui ambiente de simulação. Podemos citar como exemplo o FTD do C/P-95 M, que está sendo produzido pelo CCA-SJ. A ideia de um Centro de Simulação, implementado com um ambiente computacional de baixo custo, surgiu com o propósito de observar e armazenar os comportamentos de agentes (tripulações), quando submetidos a um cenário operacional. Posteriormente, os dados produzidos no Centro de Simulação servirão de base para o desenvolvimento de modelos para o sistema ASA.

Este, por sua vez, seria usado como um banco de agentes, proporcionando as condições para que uma ferramenta de simulação ao nível de Jogos de Guerra (nível 3) seja possível de ser concebida. Nesse sistema, o PMA pode ser utilizado como uma ferramenta de simulação de cenários. A seguir serão descritas as competências que pretende-se adquirir com o modelo: Competência 1 – Modelagem e Simulação de Agentes Nesta concepção, um Software de Simulação de Operações Aéreas (Ex: STK) estaria sendo utilizado para a modelagem de agentes de interesse das operações aéreas, com as seguintes características: envelopes cinemáticos (conforme ilustra a Fig. 2) e infravermelho, diagrama de radiação eletromagnética e de seção reta radar, efeitos dos fenômenos meteorológicos, interação entre entidades, efeitos esperados dentro de cada cenário de interesse, estruturação dos modelos de terreno a serem usados nos diferentes ambientes de simulação, criação e manutenção de um banco de dados de modelos 3D de entidades, dentre outros, tudo georreferenciado. As técnicas e as táticas corretas, quando associadas aos sistemas, equipamentos, armamentos ou dispositivos, trazem diversos ganhos, às vezes inesperados. Por outro lado, a não utilização de uma metodologia operacional adequada pode mascarar a eficiência dos sistemas ou materiais. Desta forma, a capacidade de utilizar simulação construtiva para elaboração de doutrinas e táticas de emprego a serem verificadas por exercícios simulados e/ou reais é essencial.

Figura 2 – Cálculo do envelope letal: modelo genérico de míssil interceptando aeronave.


8 Competência 2 – Apoio à Programação de Equipamentos Embarcados Em consequência da competência anterior gerada, pode-se criar um banco de dados que permita o desenvolvimento do sistema ASA. Dentro de um ambiente eletromagnético denso, os sensores proporcionam um estado de consciência tática primordial. Em última análise, o balanço desta consciência entre as forças oponentes contribui sobremaneira para a definição do possível vencedor. As modernas plataformas aéreas são dispositivos caros e precisam ser protegidos da forma mais eficaz possível. Apesar de contarem com os sistemas necessários à detecção em tempo do posicionamento dos atores aliados e oponentes nos cenários de operações, somente a correta programação destes equipamentos garantirá sua eficácia. Através de simulação construtiva, pode-se alcançar a meta de programar de forma automática e mais confiável os equipamentos de detecção passiva aeroembarcados, especialmente os de autodefesa, de forma a propiciar a correta avaliação da situação tática em tempo suficiente para as ações necessárias à sobrevivência da plataforma. Competência 3 – Simulação para Avaliações Operacionais Nesta concepção, um software tipo o STK ou, futuramente, o ASA estaria sendo utilizado para o delineamento das AVAOP nas fases de planejamento e até mesmo de execução. Através da simulação construtiva para a modelagem e simulação dos perfis de avaliação dos sistemas de interesse das AVAOP, é possível antever alguns resultados a serem obtidos numa operação real, economizando horas de voo e otimizando o processo de aquisição de conhecimento operacional. Finalmente, estaríamos mais capacitados a desenvolver novas táticas, pois teríamos o resultado de desempenho dos equipamentos diante de um cenário bem próximo ao do emprego real. Como exemplo, poderíamos inserir o diagrama de intensidade radiante de uma aeronave, como o da Fig. 3, em um cenário de combate com mísseis infravermelho e prever alguns resultados. A estruturação para a modelagem e simulação de cenários operacionais no seio do Coman-

do da Aeronáutica passa, mandatoriamente, pela montagem de um sistema de suporte de simulação e avaliação estatística de resultados. Faz-se necessário que o software possa integrar modelos em desenvolvimento a cenários operacionais, para identificar vantagens e desvantagens de sistemas a serem incorporados ao acervo do COMAER ou mesmo de sistemas já desenvolvidos e incorporados, em ambiente simulado.

Figura 3 – Diagrama de intensidade radiante da aeronave Mirage 2000 em 5 regimes de velocidade diferentes. Competência 4 – Preparo das tripulações em cenários operacionais O preparo das tripulações para os cenários operacionais poderia ser realizado mais eficientemente utilizando simuladores virtuais com capacidade de emular os vetores da FAB (como ilustra a Fig. 4 com o F-5 no PMA) e do cenário mundial, com sensores e armamentos da atualidade. As equipagens poderão treinar em um ambiente seguro e de baixo custo, todas as táticas e técnicas das Ações de Força Aérea.

Figura 4 – Simulação na plataforma PMA.


9 Competência 5 – Interoperabilidade de sistemas e projetos que necessitam compartilhar informações Um Modelo de Dados de Intercâmbio de Informação deverá ser adotado como protocolo para troca de dados e consulta conjunta, de modo que todos os softwares utilizados na arquitetura de simulação possam trocar informações úteis para o topo da pirâmide e com isso melhorar a cada simulação os dados estatísticos para melhor predição de resultados. Competência 6 – Análise de vulnerabilidade de infraestruturas críticas Com a integração com o STK, ou um software equivalente, será possível importar efeitos do emprego do armamento e sua reflexão nas diversas camadas de infraestrutura do país, permitindo diferentes análises em profundidade, bem como a exportação desses dados para a simulação construtiva. Competência 7 – Análise de indicadores que ressaltam diferenças entre o planejado e o executado Com o intercâmbio de informações entre os software da arquitetura de simulação, será possível aplicar filtros, coletar, analisar, compartilhar e monitorar dados do sistema, para melhor gestão do planejamento de um exercício. Competência 8 – Desenvolvimento de Doutrina e Dimensionamento da Força Nesta concepção, o software deve conter um banco de dados básico com os envelopes cinemáticos de aeronaves, armamentos e meios das Forças Armadas, bem como suas capacidades de Guerra Eletrônica e diagramas de radiação eletromagnética (como por exemplo na Fig. 5, um envelope IR e cinemático que deve conter no software). Com isso, seria possível simular diversas hipóteses de emprego, e inferir qual é a probabilidade de sucesso em cada cenário criado, bem como estimar a quantidade de meios a serem empregados para aumentar a probabilidade de sucesso.

Figura 5 – Exemplo de Envelope IR x Cinemático do Miragem 2000 contra o míssil Python 4. Pelo já dito, supõe-se que a simulação, baseada em sistemas computacionais, cada vez mais passará a ser ferramenta do dia-a-dia em um futuro próximo. E será na fase de planejamento o momento no qual poderão ser observadas as mudanças mais profundas e importantes, da qual todas as demais serão originadas. Isso porque o planejamento estará baseado em um banco de comportamentos de agentes e cenários previamente testados, alinhado com as diretrizes políticas e hipóteses de emprego preconcebidas, garantindo a agilidade e a confiabilidade do ciclo de Comando e Controle (C2). Isso orientará de forma mais contundente o treinamento operacional, visando a obtenção de vantagem tática quando na execução em condições reais. Outro benefício será visto na formação acadêmica, quando o estudo com o uso de simulação irá preparar o homem, desde o início, para trabalhar em um ambiente saturado de informações e com o uso contínuo de diversas tecnologias. Isso levará a uma maior eficiência no desenvolvimento de produtos complexos e estruturados, sofisticando a área de Ciência e Tecnologia e a direcionando para um funcionamento moderno e integrado.

V - CONCLUSÕES A concepção de simulação constitui-se de uma ferramenta que, após completamente implantada, pode apoiar o adestramento e o de-


10 senvolvimento técnico nas áreas de Aplicações Operacionais da FAB. Com isso, o COMPREP e o COMAE terão plenas capacidades de fazer um planejamento mais aprofundado para uso das plataformas e sistemas embarcados, proporcionando o treinamento de equipagens em cenários diferenciados, reduzindo a dependência tecnológica e proporcionando ganho operacional. O emprego de simulação, utilizando técnicas de construção de cenários para auxílio à decisão e à avaliação da doutrina e do planejamento, resultará numa redução do tempo necessário para a conclusão do ciclo de Comando e Controle em momentos de crise. Assim, dentro do ciclo de C2, a decisão poderá ser tomada imediatamente, uma vez que a observação e a orientação são realizadas continuadamente. Na administração, haverá maior controle dos parâmetros envolvidos na Guerra, previsões mais realistas e sistemas de apoio à decisão alimentados com dados reais e atualizados. Na área de Ciência e Tecnologia, haverá um uso prático e otimizado da tecnologia, com foco na eficiência em ambientes cada vez mais complexos. Por tudo, fica evidente que o preparo prévio, aliado ao emprego do conhecimento de forma rápida e oportuna, por meio da moderna tec-

nologia da informação, garante uma vantagem estratégica nos conflitos modernos e possibilita uma melhor pronta resposta.

REFERÊNCIAS [1] LEGG, A. P., et all. Using Virtual Simulation for Training the Brazilian Armored TTP. Interservice / Industry Training, Simulation, and Education Conference (I/ITSEC). Orlando: 2017. [2] BRASIL. Ministério da Defesa. Integração de simuladores entre as Forças Armadas. Portaria N° 1.873-MD, de 20 de junho de 2013. Brasília. [3] BRASIL. Ministério da Defesa. Comando do Exército. Funcionamento do Sistema de Simulação do Exército. Portaria N° 55-EME, de 27 de março de 2014. Brasília. [4] NANCE, R. E.; SARGENT R. G. Perspectives on the evolution of simulation. Operations Research, v. 50, n. 1, p.161-172, 2002. [5] WERNECK, A. G. R. Análise da capacidade de sobrevivência em combate de aeronaves sob ameaça de mísseis ar-ar infravermelhos. Dissertação de Mestrado – Instituto Tecnológico de Aeronáutica. São José dos Campos, 2016.

Cenário criado no software PMA para simulação de combate além do alcance visual.


11 A ORGANIZAÇÃO HISTÓRICA DOS MEIOS ANTIAÉREOS NA DEFESA AEROESPACIAL Brig Inf Luiz Marcelo Sivero Mayworm Primeira Brigada de Defesa Antiaérea (1ª BDAAE)

RESUMO: Historicamente, a Defesa Antiaérea desenvolveu-se como forma de contraposição às ameaças representadas pelo emprego da aviação militar contra cidades e outros objetivos. Com o advento dos radares, tornou-se claro a vantagem de subordinar os combate superfície-ar às estruturas de forças aéreas, a fim de ampliar a eficácia e a eficiência da defesa aeroespacial. Ainda na década de 1960, já era possível interceptar-se aeronaves voando acima de 60.000ft; graças ao desenvolvimento dos primeiros mísseis superfície-ar. Neste sentido, este trabalho busca comparar forças militares de vários países, as quais buscaram diferentes caminhos para obter sinergia no controle do espaço aéreo, integrando as ações da defesa aérea e da defesa antiaérea para garantir precisão, oportunidade e segurança à defesa aeroespacial. Palavras Chaves: Defesa Aeroespacial, Defesa Antiaérea, Segurança e Unidade de Comando. GROUND BASED AIR DEFENSE HISTORICAL ORGANIZATION WITHIN AIRSPACE DEFENSE ABSTRACT: The development of Ground Based Air Defense from the earliest times has been linked to the threats of military aviation against cities and objectives. After radar invention, it became clearer the advantage of placing surface to air systems inside Air Force’s organization, providing higher levels of efficacy and efficiency. Since 1960s, Air Defense was already capable of intercepting aircrafts flying above 60,000ft thanks to the surface to air missiles introduction. Therefore, the present text aims to compare different ways adopted by foreign military forces to get synergy within the Air Defense network. By integrating all these efforts, it would be possible to guarantee operations’ precision, opportunity and safety. Keywords: Air Defense, Surface to Air Warfare, Safety and Unity of Command Unit.

I – INTRODUÇÃO – ORIGENS DA DEFESA ANTIAÉREA Desde os primórdios da aviação militar, diversas nações sentiram a necessidade de organizar meios para defender suas cidades da ameaça representada pelos bombardeios aéreos durante a Primeira Guerra Mundial (1914-18). Inicialmente, coube a marinhas e exércitos improvisar o uso de metralhadoras e canhões para engajar dirigíveis e aeronaves de asa fixa [1]. Todavia, o combate às incursões inimigas conduzidas resultou na dispersão de esforços, pois os meios de comunicação terra-avião eram limitados, desarticulando, com isso, as operações da aviação de caça e da artilharia antiaérea que passaram a ser coordenadas pela imposição de áreas exclusivas para engajamento de alvos. Adaptações dessa prática resistem até hoje em diversos países, inclusive no Brasil, onde o conceito de defesa aeroespacial abrange o emprego de meios aéreos e antiaéreos [2]. Encerrado o Primeiro Conflito Mundial, a difusão das ideias de Giulio Douhet, Billy Mitchell e Hugh Trenchard apontaram novas possibilidades para o Poder Aéreo, sugerindo que uma vitória poderia ser obtida apenas pelo bombardeio estratégico de áreas industriais e centros populacionais, que poderia solapar economicamente uma nação e reduzir sua vontade de lutar. Tais hipóteses viriam a ser comprovadas durante a Guerra Civil Espanhola (1936-39), causando impacto psicológico nas sociedades europeias. A defesa aeroespacial tornou-se, da noite para o dia, objeto O Brig Inf Mayworm concluiu o CFO em 1986 e possui Mestrado em Ciências Militares com viés em Defesa Antiaérea, pela Universidade de Defesa Nacional da República Popular da China (2015). Atualmente, exerce o cargo de Comandante da Primeira Brigada de Defesa Antiaérea. Contatos: maywormlmsm@ fab.mil.br e tel. (61) 3364-8938.


12 de inflamados discursos políticos, inclusive, por parte de líderes como Sir Winston Churchill, que advogou, ainda em 1936, o fortalecimento da Grã Bretanha [3]. Na maioria dos países, diferentes visões organizacionais foram implementadas para estabelecer os papéis a serem desempenhados pelas forças armadas junto à defesa aeroespacial. Com o tempo, a invenção dos radares e o aperfeiçoamento das comunicações permitiram controlar os movimentos de aeronaves no espaço aéreo, porém, o combate superfície-ar continuava relegado a um segundo plano, restrito aos volumes formados pelo alcance de suas munições. Entrementes, novas táticas e plataformas aéreas exigiram maior dinamismo e harmonização entre todos os integrantes da defesa aeroespacial, em algumas nações, pareceu ser mais lógico centralizar o comando das ações aéreas e antiaéreas necessárias ao domínio do ar. A Grã Bretanha tornou-se a primeira nação a ativar uma estrutura militar exclusivamente dedicada ao emprego do poder aéreo: a Royal Air Force (RAF). Aquela nação também criou o primeiro modelo para a defesa aeroespacial ao concentrar a operação dos radares e, logicamente, das aeronaves de caça sob a égide da RAF. No entanto, o sistema inglês não contemplava a subordinação dos meios antiaéreos na mesma estrutura de comando e, a defesa aérea inglesa apenas repassava as informações advindas de sua rede de vigilância para que as forças de superfície pudessem engajar aeronaves inimigas. A coordenação estabelecida entre a RAF e as demais forças resumia-se a evitar o ingresso inadvertido de aeronaves amigas em áreas reservadas ao engajamento dos canhões antiaéreos. Aquela organização era tão descentralizada que ao Exército Britânico foi permitido organizar um Corpo de Observadores para informar, paralelamente ao monitoramento executado pela rede de radares, os movimentos da Força Aérea Alemã (Luftwaffe) sobre a Inglaterra. Mesmo contemplando tais medidas, o primeiro abate da artilharia antiaérea britânica na Segunda Guerra resultou na perda de uma aeronave da RAF [4]. Naquele período, outras nações também optaram por empregar mais de uma força na defesa aeroespacial, política que resultou em polêmicas e, até mesmo, derrotas militares por conta de interesses manifestados pelas diferentes lideranças na organização de suas defesas contra ataques aéreos. Um exemplo nítido deste tipo de contenda encontra-se registrado no site da “Associação dos Artilheiros do Exército Francês”, cujo texto desta-

ca as transferências da autoridade sobre a defesa antiaérea entre aquela força terrestre e a Força Aérea Francesa [5]. O texto evidencia problemas relativos à falta de coordenação entre defesa aérea e antiaérea, restando interpretar o quanto este dilema operativo poderia ter contribuído para a derrota da França em 1940. No ano de 2006, a França harmonizou sua defesa aeroespacial ao atribuir à Força Aérea, a operação de sistemas SAMP-T MAMBA [6], cujas regras de engajamento certamente tolhiam os artilheiros franceses a iniciativa em detrimento da segunça de voo, considerando que o desempenho do míssil de longo alcance oferece à circulação aérea geral e à circulação operacional militar. Por outro lado, o Exército Francês concluiu ser desnecessário e dispendioso manter aprestado seu pessoal e pagar por equipamentos, cujo emprego seria virtualmente subordinado a outra força, entendendo ser melhor transferir-lhe aqueles recursos materiais, mantendo apenas os meios antiaéreos de curto alcance para sua autodefesa. Trilhando um caminho diferente, a Alemanha criou a Luftwaffe em 1934, atribuindo-lhe a operação de todos os meios antiaéreos e a total responsabilidade pelo controle do espaço aéreo. Tal modelo organizacional aumentava a segurança dos engajamentos superfície-ar devido à maior interação visual dos artilheiros com as aeronaves. Segundo Werrell, em 1939, os alemães já possuíam o maior sistema de defesa aeroespacial no mundo, e sua efetividade pode ser comprovada pelos registros históricos da Força Aérea dos Estados Unidos (USAF). Considerando todos quadros e serviços militares norte-americanos que partíciparam da Segunda Guerra, as tripulações de bombardeiros foram as sofreram, proporcionalmente, o maior número de baixas em combate, sendo creditado à defesa antiaérea da Luftwaffe aproximadamente 55% das aeronaves perdidas em combate pela 8ª Força Aérea do Exército dos Estados Unidos (USAAF) [7]. II – ORGANIZANDO A DEFESA AEROESPACIAL NA ERA DOS MÍSSEIS Já no final da Segunda Guerra, os ataques ininterruptos executados pela RAF e pela USAAF contra o território do Reich exigiram à Luftwaffe desenvolver foguetes e mísseis teleguiados para saturar as rotas de aproximação dos bombardeiros [8]. Em que pese nenhuma daquelas tentativa ter sido coroada de êxito, a captura daqueles


13 armamentos antiaéreos e o seu aperfeiçoamento pelos países vencedores transformou-os em uma ferramenta de inestimável valor durante o período da Guerra Fria (1947-1991). Impulsionado pela ameaça dos arsenais nucleares, o desenvolvimento de mísseis superfície-ar dotados de maiores alcances e velocidades gerou novos desafios para o emprego seguro da defesa antiaérea. Considerando a vulnerabilidade de seu território a ataques soviéticos, a partir de 1961, a Grã Bretanha ativou oito esquadrões equipados com mísseis superfície-ar BLOODHOUND, os quais transportavam ogivas nucleares para neutralizar formações inteiras de bombardeiros ou mísseis balísticos inimigos [9]. Pelo fato de desenvolverem velocidades supersônicas e poderem afetar os tráfegos aéreos, entendeu-se ser mais seguro subordiná-los dentro da estrutura da RAF, pois a mesma operava a rede de radares de vigilância e podia evitar problemas junto às operações da defesa aérea. Tal sistema permaneceu ativo na defesa aeroespacial até o ano de 1991, quando cortes no orçamento militar britânico resultaram na desativação daquela capacidade.

Figura 1 - Míssil BLOODHOUND (cortesia do site bloodhoundmkii.org.uk) Privada dos meios para conduzir o combate superfície-ar no médio alcance [10], a capacidade de engajamento da RAF resumiu-se à proteção de suas instalações, missão esta desempenhada pela Royal Air Force Regiment até o ano de 2004. Naquela ocasião, o governo inglês decidiu reduzir a capacidade de defesa antiaérea no país e, segundo, o livro branco da defesa de 2004, ordenou-se a desativação de todas as unidades antiaéreas da RAF [11]. Atualmente, a defesa antiaérea baseada em terra que protege o Reino Unido resume-se ao Exército Britânico, que opera apenas sistemas antiaéreos de curto ou de curtíssimo alcance [12] e, portanto, apresentam menor probabilidade para a

incidência de danos colaterais ou fratricídios, tanto na circulação aérea geral, quanto na circulação operacional militar. Do outro lado do Atlântico, mesmo após a criação da USAF, os meios antiaéreos permaneceram na estrutura do Exército dos Estados Unidos (US ARMY), porém, seu emprego passou a ser controlado pela Defesa Aeroespacial Norte–Americana (NORAD) [13]. Subordinados diuturnamente ao comando da USAF, os mísseis superfície-ar do sistema NIKE proporcionaram defesa antiaérea contra ataques soviéticos até 09 de abril de 1979, quando foram reincorporados àquela força terrestre [14]. Desde então, a defesa aerospacial depende da adjudicação dos meios antiaéreos do US ARMY, o que pode comprometer o estado de prontidão da defesa aeroespacial, conforme evidenciou-se em 11 de setembro de 2001, quando aeronaves civis foram sequestradas e usadas para atacar as cidades de Nova Iorque e Washington. Algumas das conclusões da comissão governamental encarregada da apuração daquele ataque terrorista foram liberadas para conhecimento público e apontaram que, a despeito dos alertas emitidos pelos serviços de Inteligência, a defesa aeroespacial não estava pronta para enfrentar aquelas ameaças [15]. Uma vez que as unidades do USARMY não se encontravam adjudicadas ao NORAD/USNORTHCOM, não foi possível usufruir da capacidade de pronta-resposta, uma das vantagens proporcionadas pelo emprego de meios antiaéreos. Tal lição foi parcialmente aprendida, pois o governo norte-americano decidiu manter a cidade de Washington - DC sob a proteção permanente de sistemas antiaéreos do modelo NASAMS [16]. Ao contrário da situação vivenciada pelos Estados Unidos nos eventos mencionados anteriormente, a China estruturou meios de defesa antiaérea no organograma de sua força aérea, privilegiando a “Unidade de Comando” e obtendo capacidade de “Pronta Resposta” para a sua defesa aeroespacial. Tal concepção revelou-se extremamente útil durante a Guerra Fria, quando voos de espionagem apresentavam novos desafios à defesa aeroespacial. Em 07 de outubro de 1959, o 2º Batalhão de Defesa Antiaérea da Força Aérea Chinesa tornou-se a primeira unidade no mundo a derrubar uma aeronave utilizando mísseis superfície-ar [17]. Nos anos subsequentes, outras três aeronaves do modelo U-2 também foram destruídas por aquele Batalhão, já que não podiam ser engajadas pela defesa aérea por conduzirem suas missões acima dos 60.000 pés [18].


14 III – A OPERAÇÃO DE SISTEMAS SUPERFÍCIE-AR EM ISRAEL No Ocidente, Israel foi uma das primeiras nações a alocar os meios antiaéreos na estrutura de sua força aérea, integrando os mísseis superfície-ar à rede de comando e controle desde a década de 1970 [19]. Bem sucedida no Conflito do YOM KIPPUR (1973), aquela experiência encorajou a Força Aérea Israelense (IAF) a incrementar sua capacidade de combate superfície-ar para engajar ameaças até o longo alcance. Outra vantagem obtida pela IAF para operar seus próprios meios antiaéreos consiste em utilizar suas próprias experiências com aqueles armamentos para adestrar suas tripulações para o combate contra as defesas antiaéreas de nações oponentes

podem ser neutralizados pela defesa aérea. Em 2017, um míssil superfície-ar fabricado em Israel, do modelo ARROW, foi utilizado para interceptar outro míssil antiaéreo de longo alcance disparado pela Síria contra um F-16 que patrulhava a fronteira daqueles países [21]. De fato, o emprego de sistemas antiaéreos automatizados, dotados de enlaces de dados, incorporando sensores de última geração e capazes de atuar em maiores alcances e com velocidades supersônicas devem ser encarados como uma parte intrínseca ao Poder Aeroespacial. Hoje, qualquer nação que planeje sua projeção no cenário internacional deve estar ciente que sua ascensão pode causar desconforto entre os demais países. Considerando possíveis atritos e tensões, urge fortalecer a defesa aeroespacial para dissuadir e responder a eventuais agressões militares, iniciadas com ou sem as formais declarações de hostilidade. IV – CONCLUSÕES E LIÇÕES A SEREM APRENDIDAS

Figura 2 - Bateria de mísseis PATRIOT da FAI (cortesia do site asiandefencenews.com) Além de preservar as aeronaves de combate para emprego em operações ofensivas, a defesa antiaérea operada pela IAF possui capacidade para engajar uma ampla gama de ameaças, desde foguetes improvisados até aeronaves de combate como o SU-24 sírio derrubado em 2014 por mísseis PATRIOT [20]. Outra vantagem proporcionada consiste da sensação de proteção oferecida à população israelense pelo emprego de mísseis superfície-ar como o IRON DOME, que fortalece a imagem institucional da IAF perante à opinião pública, contribuindo para justificar os investimentos realizados na defesa aeroespacial. O sucesso do emprego de meios antiaéreos pela IAF tem motivado outras conquistas, inclusive, no campo tecnológico, particularmente no desenvolvimento de equipamentos pela indústria militar, sugerindo novas aplicações para a defesa aeroespacial. Doutrinariamente, a Defesa Antiaérea possui capacidade para engajar, simultaneamente, diversos tipos de ameaças que não

Os diversos contextos históricos referenciados ao longo do presente artigo oferecem apenas uma noção de todo o problema que envolve a organização dos meios antiaéreos na defesa aeroespacial. Na verdade, os mísseis superfície-ar de longo alcance desenvolvem velocidades supersônicas, possuem autonomia superior a três minutos de voo e, se lançados da região de São Paulo (SP) podem destruir uma ameaça trafegando ao redor de Curitiba (PR). Eventuais alterações no posicionamento dos alvos podem exigir mudanças na trajetória do míssil superfície-ar e tais cálculos dependem de o operador conhecer as rotas em uso naquele momento por aeronaves civis e militares. Esta realidade implica em que o sistema antiaéreo esteja sob o comando permanente da defesa aeroespacial até que o tráfego hostil venha a ser neutralizado ou caso seja necessário destruir em voo o próprio míssil antiaéreo. O presente assunto têm sido objeto de estudos e muitos países centralizaram o comandamento dos sistemas antiaéreos em suas respectivas forças aéreas. Além de Alemanha, Chile, Coréia, França, Israel, Japão, Suíça, entre outras; nações continentais como o Canadá, a Rússia, a China e a Índia também entenderam ser mais preciso, oportuno e seguro manter a operação de seus principais sistemas antiaéreos sob a tutela desas respectivas forças aéreas, a fim de aumentar a segurança para o tráfego de aeronaves civis e militares.


15 Uma vez que a vigilância do espaço aéreo e o combate ar-ar já se encontram sob a tutela da Força Aérea parece ser mais coerente e simples que àquela força seja também atribuído a operação dos meios de combate superfície-ar, especialmente, daqueles sistemas que executam a defesa antiaérea de médio e longo alcance. A necessária submissão à Força Aérea do controle dos mísseis em voo deve ser objeto de profunda análise pelas demais forças singulares, haja visto que aqueles limites tornaram-se imprescindíveis à prevenção de casos de fratricídios e danos colaterais. REFERÊNCIAS [1] JOHN PRICE. Air Defence - A History of United Kingdom Air Defence in the 20th Century. Disponível em: <http://www.airdefence. org>. Acesso em 08 de junho de 2018. [2] BRASIL. Estado-Maior das Forças Armadas. Decreto-Lei n° 1.778, de 18 de março de 1980 Cria o Sistema de Defesa Aeroespacial Brasileiro e dá outras providências. [3] WINSTON CHURCHILL. Speech to the House of Commons in 12 November 1936. The Churchill Society. Disponível em: <http://www. churchill-society-london.org.uk/Locusts.html>. Acesso em 08 de junho de 2018. [4] KENNETH P. WERRELL. Archie to SAM A Short Operational History of Ground-Based Air Defense. Second Edition. Air University Press. Maxwell, Alabama, United States. 2005, p. 5. [5] Associação dos Artilheiros do Exército Francês. Base documentaire des Artilleurs. Disponível em: http://basart.artillerie.asso.fr/article.php3?id_ article=1215. Acesso em 08 de junho de 2018, às 15h00min. [6] FRANÇA. Ministério da Defesa. Armeé de L’Air. Disponível em:<http://www.defense.gouv. fr/air/technologies/armement/sol-air/armement-sol-air>. Acesso em 29 de setembro de 2015, às 14h35min. [7] KENNETH P. WERRELL. Archie to SAM A Short Operational History of Ground-Based Air Defense. Second Edition. Air University Press. Maxwell, Alabama, United States. 2005, p. 42. [8] KENNETH P. WERRELL. Archie to SAM A Short Operational History of Ground-Based Air Defense. Second Edition. Air University Press. Maxwell, Alabama, United States. 2005, p. 37. [9] BOMBER COUNTY AVIATION RESSOURCE. Bristol Bloodhound Missile. Disponível em:<http://www.bcar.org.uk/bloodhound>. Acesso em 21 de outubro de 2014.

[10] BRASIL. Comando da Aeronáutica. Manual de Defesa Antiaérea. Brasília: Comando-Geral de Operações Aéreas. Segunda Edição. 2017, p. 16-17. [11] INGLATERRA. The Defence White Paper: Future Capabilities. House of Commons Library. 2004, p. 20. Disponível em: <http://researchbriefings.files.parliament.uk/documents/RP04-72/ RP04-72.pdf>. Acesso em 08 de junho de 2018. [12] BRASIL. Comando da Aeronáutica. Manual de Defesa Antiaérea. Brasília: Comando-Geral de Operações Aéreas. Segunda Edição. 2017, p. 16-17. [13] ESTADOS UNIDOS. US ARMY. History of Strategic and Ballistic Missile Defense: US Army Center Of Military History – Volume 1, p. 21, 40, 52, 147. Disponível em: <www.history.army.mil/ html/books/bmd/index.html>Acesso em 24 de novembro de 2015, às 11h20min. [14] ESTADOS UNIDOS. NORTH AMERICAN AEROSPACE DEFENSE COMMAND. A Brief History of NORAD, p.23, 2012. Disponível em: <http://www.norad.mil>. Acesso em 05 de outubro de 2015, às 08h35min. [15] ESTADOS UNIDOS. National Commission on Terrorist Attacks upon the United States. Disponível em: <http://govinfo.library.unt. edu/911/report/911Report Ch13.pdf>. Acesso em 05 de outubro de 2015, às 08h55min. [16] KONGSBERG GRUPPEN. NASAMS AIR DEFENCE SYSTEM. Disponível em: <www.kongsberg.com>. Acesso em 22 de outubro de 2015, às 10h35min. [17] 2º Batalhão e 4ª Divisão de Defesa Antiaérea da Força Aérea Chinesa. Apresentações. República Popular da China, em 04 de fevereiro de 2015. [18] BOB BERGIN. Bring Down the Spyplane. Air & Space Magazine. Disponível em: <www. airspacemag.com>.Acesso em 18 de março de 2015. [19] DAVID RODMAN. Sword and Shield of Zion: The Israeli Air Force in the Arab-Israeli Conflict. Sussex Academic e-Library. Eastborne. United Kingdom. 2013 p.94-96. [20] AMOS HAREI. IDF Shoots Down Syrian Fighter Plane Infiltrating Israeli Territory. Disponível em: <http://www.haaretz.com/news/diplomacy-defense/1.617329>. Acesso em 22 de setembro de 2015, às 17h30min. [21] ANNA AHRONHEI. Arrow Defense System Intercepts Syrian Missile Fired at a IAF Fighter. Disponível em: <http://www.thejerusalempost.com>. Acesso em 20 de marco de 2018, às 9h30min.


16 A REESTRUTURAÇÃO DA FORÇA AÉREA BRASILEIRA E A TRANSFORMAÇÃO MILITAR Cel Av R1 Carlos Eduardo Valle Rosa Ala 10

RESUMO: O artigo apresenta uma síntese da discussão sobre revolução nos assuntos militares e transformação militar. Por meio de uma revisão bibliográfica, observou-se que o programa de reestruturação da Força Aérea Brasileira assemelha-se aos principais aspectos desses fenômenos, o que confere a essa iniciativa uma fundamentação teórica basilar. Palavras-chave: Revolução nos Assuntos Militares, Transformação Militar, Reestruturação, e FAB. THE BRAZILIAN AIR FORCE RESTRUCTURING AND MILITARY TRANSFORMATION ABSTRACT: The article presents a synthesis of the discussion on revolution in military affairs and military transformation. Through a bibliographical review, it was observed that the Brazilian Air Force’s restructuring program resembles the main aspects of these phenomena, which gives this initiative a basic theoretical basis. Keywords: Revolution in Military Affairs, Military Transformation, Restructuring, and BAF. No ano de 2016, a Força Aérea Brasileira (FAB) iniciou um audacioso programa de reestruturação com foco em 2041, intitulado “Força Aérea 100”1. De acordo com o seu Comandante, Tenente-Brigadeiro Rossato, os principais elementos dessa iniciativa seriam a “reorganização administrativa e operacional da Força, assim como a concentração das atividades administrativas” [1]. Dentre as iniciativas que podem ser observadas nesse programa, destacam-se a nova concepção de preparo e emprego do poder aéreo e espacial, redefinição de funções e localidades de concentração das suas unidades operativas, incorporação de tecnologias expressas em sistemas de armas e sistemas de apoio à decisão, além de inúmeras outras ações nas áreas administrativa, de pessoal, da logística e do ensino. Em 2041, a FAB completará 100 anos de existência.

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Apesar de receber a denominação de “reestruturação”, uma análise mais atenta assemelharia esse programa a uma tendência internacional de reorganização das estruturas, da doutrina e de inserção de novas tecnologias, em diversas forças armadas e, em especial, nas forças aéreas, denominado “Transformação Militar” (TM). Sloan [2], identificou processos de transformação nas forças armadas do Estados Unidos da América, da Austrália, da Grã-Bretanha, do Canadá, da França, da Alemanha, da China, da Rússia e na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)2. Apesar de possuírem peculiaridades, os processos de transformação derivam de origem semelhante e possuem aspectos análogos. Em geral, esses países se debruçaram no estudo da TM apreciando os impactos que esse fenômeno teria nas suas capacidades militares, em função do contexto nacional e dos objetivos políticos definidos para a atuação de suas forças armadas. Questões básicas foram levantadas nos debates, das quais podemos destacar a interoperabilidade em operações conjuntas/combinadas (e interagências), a consciência situacional no espaço de batalha, a busca pela redução dos contingentes e da profissionalização, com vistas ao incremento da eficiência e redução de custos de operação, os desenvolvimentos tecnológicos e o impacto nas capacidades militares, além da ampliação do foco Em sua obra “Military Transformation and Modern Warfare: A Reference Handbook”, Elinor Sloan descreve os processos de transformação militar desses países, apontando semelhanças e diferenças, em um texto que pode ser consultado amiúde, como forma de se melhor referenciar o processo ora em curso na FAB.

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O Cel Av R1 Eduardo Valle concluiu o CFOAV em 1986. Doutorando em Geografia (Geopolítica) pela UFRN, Mestre em Ciências Aeroespaciais pela UNIFA, Bacharel em História pela UFRN. Autor do livro “Poder Aéreo: guia de estudos” e do Capítulo Brazilian Air Power, na obra Routledge Handbook of Air Power. Atualmente é Adjunto da Seção de Avaliação, Instrução e Doutrina da Ala 10. Contato: e-mail eduvalle80@hotmail.com ou eduardovallecevr@fab.mil.br, telefone (84) 988955126.


17 doutrinário no que tange ao espectro de conflitos/ crises. O propósito desse artigo é apontar, portanto, as características da TM, conforme discutida na literatura, tanto do ponto de vista teórico quanto empírico. Dessa forma, o processo de reestruturação da FAB poderá ser melhor referenciado, sustentando as ações práticas que hoje já se encontram em franca realização. A TM é um conceito que deriva das proposições sobre “Revolução Técnica Militar” e “Revolução nos Assuntos Militares” (RAM), fenômenos que afetaram, e continuam sendo perceptíveis, nos movimentos de modernização das forças armadas de diversas nações nas últimas décadas, especialmente aquelas que podem ser consideradas como as de maior relevância no contexto internacional. Esse conceito, que propomos associar à reestruturação da FAB, segundo Kronvall [3], refere-se à uma política do Departamento de Defesa norte-americano e está diretamente conectada com a atual RAM, ainda em curso e incompleta. A RAM, uma discussão teórica iniciada no final do século XX, pode ser definida como uma significativa mudança na forma de se conduzir a guerra, comparada a um padrão anterior. Nesse novo modelo surgiriam elementos tecnológicos inovadores, um conceito de aplicação da força associado à mudança na doutrina de condução de operações militares, além de nova concepção da estrutura organizacional das forças armadas. Já nesse primeiro momento, observam-se elementos que estariam inseridos no programa de reestruturação da FAB. Toffler e Toffler [4] argumentam que a História testemunhou “ondas” revolucionárias que caracterizaram as guerras em seus respectivos momentos. A guerra da primeira onda caracterizou-se pelo choque entre as economias agrícolas, associando as sociedades, as tropas e todos os fatores relacionados aos combates como dependentes da agricultura. Na guerra da segunda onda o marco histórico é a revolução industrial. Surgem os exércitos profissionais, a massificação da produção de equipamentos bélicos e a guerra passa a ser total. A guerra da terceira onda caracteriza-se pela revolução da informação, a tecnologia dos novos armamentos de precisão e autônomos, além da importância do conhecimento com reflexos diretos na formação de um novo combatente. As tentativas de se identificar diferentes RAM sustentam-se em evidências históricas. Michael Roberts, o responsável pela primeira referência ao termo RAM, desenvolveu sua pesquisa sobre o pe-

ríodo de Gustavo Adolfo3, demonstrando uma série de desenvolvimentos interligados, entre o meio do século XVI e a metade do século XVII, que realmente transformaram a natureza da guerra [5]. As inovações do período napoleônico, como o levée em masse (conscrição generalizada da população francesa) e a le manoeuvre sur les derrières (manobra pelo flanco ou pela retaguarda do inimigo), representaram significativas mudanças na tática e na estrutura de força da época, que vieram acompanhadas de novas tecnologias (como no caso dos canhões da artilharia), também são fortes indícios de caracterização de uma RAM. Cohen [6] destaca que, em meados do século XIX, a combinação do telégrafo (viabilização da ligação entre as unidades militares de uma mesma organização e entre o comandante militar e a autoridade civil), das ferrovias (que permitiu o deslocamento em massa dos contingentes militares) e do rifle (que tornou os engajamentos da infantaria mais letais a grande distância) foram elementos destacados de uma nova revolução. No século XX, a Segunda Guerra Mundial testemunhou avanços tecnológicos significativos e novas táticas de aplicação do poder militar. As aeronaves, por exemplo, geraram grandes mudanças na perspectiva de emprego das forças armadas. Apesar das classificações que buscam identificar as características e os momentos de transição entre as RAM, ainda hoje, a natureza e a frequência de tais revoluções são questões em debate. Não é simples, portanto, identificar quando um processo, tal qual o da restruturação em curso, pode ser apontado como revolucionário ou transformador. Segundo Cohen [7], a Guerra do Golfo de 1991, “demonstrou a acuidade [das] observações [sobre RAM], convencendo muitos especialistas que a guerra havia mudado fundamentalmente”. Essas mudanças, na verdade, iniciam-se em 1989 e são colocadas em prática, de forma embrionária, na guerra contra o Iraque em 1991. As forças armadas norte-americanas buscaram consolidar o conceito de uma nova RAM, baseando a redução do atrito em combate, a ampliação da consciência situacional no espaço de batalha, o aproveitamento da tecnologia da informação e o aumento da precisão dos armamentos. Esse novo conceito faria uso do comando e controle, comunicações, computadores, inteligência, vigilância e reconhe Gustavo Adolfo foi Rei da Suécia entre 1611 e 1632, ano em que faleceu. Combateu na Guerra dos Trinta Anos, destacando-se como mente inovadora da prática militar.

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18 cimento (“Command, Control, Communications, Computers, Intelligence, Surveillance and Reconnaissance” – C4ISR), sendo que a evolução do conceito seria a guerra centrada em redes (Network Centric Warfare – NCW). Na FAB, esse contexto determinou, inclusive, a edição de uma Doutrina Básica, a de 1997, que foi uma das mais abrangentes versões desse documento. Ela fez a conexão do propósito da Força com os documentos e leis de caráter constitucional, introduziu o conceito de centro de gravidade, de operações conjuntas e dos níveis de decisão (político, estratégico, operacional e tático). O documento deu importância à inteligência, à logística e à liderança, inovando na caracterização da guerra aérea. Nesses aspectos, o documento foi inovador e, claramente, indica que a RAM, fruto de 1991, reverberou na FAB. Em função da relevância demonstrada por alguns sistemas de armas naquela guerra, como o F-117 Stealth, o Tomahawk (BGM-109), o Global Positioning System ou o Joint Direct Attack Munition, um dos focos da nossa reestruturação também é o da aquisição de sistemas de armas estratégicos, cujos exemplos mais contundentes são o F-39 Grippen e o KC-390. Apesar de claramente se perceber que mudanças estão em andamento, o surgimento de uma tecnologia não caracteriza uma RAM, argumento defendido por Jordan et al [8]. No sentido conceitual original, uma verdadeira revolução militar é algo raro. Revoluções militares são processos sociais interativamente dinâmicos nos quais, de acordo com Murray [9], “remodelam a natureza da sociedade e do estado assim como as organizações militares”. Parece claro que a restruturação não se propõe a uma mudança desse nível, porém um novo paradigma deverá emergir após a consolidação do programa, o que pode indicar a semelhança do processo a uma TM. No debate mais atual, definições sobre RAM como a de Hundley [10], surgem como novos balizadores do conceito, quando afirma que ela envolve a “mudança de paradigma na natureza e na condução de operações militares que torna obsoleta ou irrelevante uma competência central de um dos atores predominantes; ou cria uma ou mais competências em uma das dimensões da guerra; ou aglutina ambas as mudanças”. Krepinevich Jr. [11] argumenta que uma RAM “ocorre quando se aplicam novas tecnologias em um número significativo de sistemas militares, combinando-se conceitos operacionais inovadores e adaptações na estrutura, [...] produzindo um dra-

mático incremento no potencial de combate e na eficiência das forças armadas”. Essa última definição, possivelmente, seja a perspectiva de nosso processo. Até porque é difícil a caracterização dos fenômenos em somente uma das categorias, revolução técnica, RAM ou TM. A reestruturação, por certo, aponta para uma mudança conceitual na forma de se enxergar a FAB, cujo produto, revolucionário ou transformador, poderá ser observado na perspectiva temporal para o qual foi concebido. Outro campo de discussões busca identificar elementos essenciais de uma RAM em curso, dentre eles a tecnologia, a doutrina e a estrutura de força. Novamente as semelhanças com a reestruturação são evidentes. Tecnologia, para autores como Toffler e Toffler [12] caracterizam fortemente essa nova revolução quando do emprego de armas cada vez mais autônomas, pelos robôs, satélites, mísseis e nichos de alta tecnologia. Drew e Snow [13] incluem na atual RAM “alta tecnologia, notavelmente avanços rápidos na unificação das áreas de computação e telecomunicações”. Sheehan [14], por outro lado, aponta o segundo e o terceiro elementos (doutrina e estrutura de força) como a chave dessa RAM, argumentando que “os registros históricos aparentemente sugerem que as mudanças tecnológicas representam uma parte pequena da equação, e que o elemento crucial na maioria das RAM é o conceitual”. O esforço de síntese das principais características de uma RAM e de uma TM em curso pode ser apresentado da seguinte forma: crescente avanço em poder de computação; capacidade de fusão de dados entre as forças armadas; eliminação da “névoa da guerra”; plataformas de armas ágeis e de baixo custo que lancem armamento com a precisão absoluta; pequenas, rápidas e letais estruturas de força; e maior invisibilidade e ampliação da capacidade de detecção. Nessa nova era da guerra, as inovações tecnológicas, as inovações operacionais ou a combinação das duas conduzem a uma “mudança fundamental” na maneira de planejar e conduzir as operações militares. Algumas considerações sobre essa nova RAM refletem outras características. Em primeiro lugar, o custo financeiro de entrada nessa RAM é elevado. Especialmente quando se estuda o papel do espaço exterior e do ciberespaço, que ainda devem ser melhor compreendidos. Como afirma Sheldon [15], o poder cibernético impactará não somente na estrutura de uma força militar, mas também em como ela será utilizada e em quais circunstâncias.


19 Outro ponto é a educação profissional militar para a RAM. Ela requer oficiais que abracem a mudança e as novas ideias; deixem de obstinadamente se aferrar a teorias pré-concebidas e soluções ortodoxas. Hanson [16] afirma que é vantajoso ter no campo de batalha soldados mais independentes do que previsíveis, com oficiais que avaliem o que funciona naquele momento, em vez de respeitarem o que é aceito como convencional. Kenney [17] complementa a ideia visualizando uma nova “filosofia pedagógica” necessária para a educação profissional militar, superando a ortodoxia tradicional das escolas militares e baseando-se em “inculcar [no discente] a capacidade analítica, o pensamento crítico, a consciência ética e a sabedoria”. Nesse aspecto, algumas iniciativas no âmbito do ensino parecem indicar que a reestruturação está no caminho de atingir esse novo paradigma educacional. Outro aspecto é a crescente demanda por informação no espaço de batalha. Ela tem crescido de forma significativa, tornando possível conceituar-se uma “guerra da informação”. McKitrick et al [18] consideram essa guerra um dos elementos de uma RAM. Para Strachan [19] essa RAM, denominada “sistema dos sistemas”, possibilitará a “dominância do espectro total”, uma característica da era da informação, representada na demanda de se “dominar o conhecimento no espaço de batalha”. Outro ponto da TM é o enfoque nos conflitos assimétricos [20]. O desequilíbrio de forças, característico desse tipo de conflito, levou Gray [21] a apontar para a influência da RAM na elaboração de estratégias nacionais para o emprego do poder nacional (e principalmente o poder militar) em situações de crise ou de conflitos armados, sejam eles simétricos (a guerra convencional) ou assimétricos (luta contra o terrorismo, as insurgências e os conflitos religiosos ou étnicos, por exemplo). Uma RAM, como se pode deduzir, não implica em mudança simples, cuja adaptação ocorra de forma natural, daí a visão de que o programa em curso tem perspectivas de longo prazo. Especialmente entre os militares, essa não é uma tarefa fácil. Toffler e Toffler [22] destacam a resistência da instituição militar em aprender o novo e na rivalidade entre as forças, como fatores que comporão a equação de uma nova RAM. Superar esses óbices possivelmente seja o ponto de partida para a transformação militar que se apresenta no início desse século XXI. Especialmente quanto às novas temáticas relacionadas à própria TM, à Guerra Centrada em Redes (GCR), ao Ciberespaço e ao Espaço exterior.

Na verdade, nas discussões sobre TM já se identifica um passo seguinte que se denomina “Transformig Transformation” (A transformação da transformação). Segundo Sloan [23], aspectos que podem ser observados nesse conceito são “as operações de estabilização e reconstrução [no contexto da Organização das Nações Unidas – ONU ou da OTAN], missões contra insurgência, e as forças de operações especiais que se tornaram centrais na discussão da transformação militar, [além disso incluem] a defesa do território nacional, manutenção do acesso sem obstáculos ao espaço [exterior] e novas aproximações [doutrinárias] à defesa e à dissuasão”, pontos que podem ser observados como balizadores da reestruturação na FAB. A TM, apesar de ser um debate que ocorre essencialmente nos EUA e, em menor escala, em alguns países europeus, possui caracteres de semelhança com a nossa reestruturação. Dentre eles, observamos as inovações tecnológicas (ou o foco na tecnologia da informação e nos sistemas de apoio à decisão), nas reformas organizacionais (um dos elementos mais evidentes da reestruturação da FAB) e nas novas concepções doutrinárias (a nova forma de encarar preparo e emprego), mas também um enfoque nos novos desafios que se apresentam à FAB nos diferentes tipos de conflito e de emprego na segurança pública, observados nos últimos anos. Em especial, na capacidade exigida quanto à reconstrução de nações, nas operações de construção da paz (“Peace Building”), nas ações policiais internas e em um variado espectro de conflitos (inclusive considerando o conceito de segurança multidimensional), em especial naqueles não convencionais (entre grupos não estatais contra estados ou entre os próprios grupos não estatais) e em crimes transnacionais. Os impactos da tecnologia, em especial nas novas aeronaves, armamentos e no uso do espaço; a reformulação organizacional, por meio da nova configuração da FAB (preparo/emprego, Alas, GAP etc.); e as mudanças doutrinárias expressas na nova árvore de doutrinas e o processo de criação/revisão das mesmas, no foco da integração nacional e na concepção de emprego, são atestados inequívocos de que a reestruturação caminha coerente no ideário internacional da transformação militar. O processo de reestruturação da FAB se assemelha com a ideia geral de TM, porém com características peculiares inerentes ao contexto geopolítico e estratégico brasileiro, às condicionantes orçamentárias, à cultura e tradição, bem como à missão dessa Força Armada. Consolidado o processo, certamente ele será pioneiro para as forças


20 aéreas sul-americanas e para outras nações que tenham a mesma demanda de eficiência administrativa e operacional. Finalizando, é relevante citar que, neste exato momento, a Política Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional estão em processo de revisão com minutas entregues ao Congresso Nacional. Nas versões em vigor, apenas o Livro Branco faz referência aos processos de transformação aqui mencionados, quando cita a “periódica necessidade de se romper paradigmas” e a demanda pela “transformação da defesa” nacional [24]. Esse é mais um indicador que justifica a demanda discutida nesse artigo, até porque o alinhamento conceitual entre os documentos de Defesa nacionais e o processo de TM é uma questão fundamental. Dessa forma, o artigo propôs-se a apresentar uma fundamentação teórica, com perspectiva acadêmica, para a reestruturação em curso na FAB. Por certo, uma pesquisa teórica e empírica mais aprofundada, abrangendo suas características e resultados preliminares poderiam, não somente alimentar estudos no âmbito interno da FAB, mas também nos níveis político e estratégico de decisão, na comunidade científica e nos “think thanks” nacionais, consolidando, em definitivo, a perspectiva apresentada para o programa “Força Aérea 100”. REFERÊNCIAS [1] BRASIL. Comando da Aeronáutica. Revista Aerovisão, n.º 254, Ano 44, Outubro/Novembro/ Dezembro. Mil dias no Comando da Força Aérea: Entrevista com o Tenente-Brigadeiro Rossato. Brasília: Agência Força Aérea (CECOMSAER), 2017, p. 10. [2] SLOAN, E. Military transformation and modern warfare: a reference handbook. Westport: Praeger Security International, 2008. [3] KRONVALL, O. Transformation: The Key to Victory? In: HAUG, K. E.; MAAØ, O. J. (Ed.). Conceptualising Modern War. London: C. Hurst & Co. Publishers Ltd., 2012, p. 260 e 265. [4] TOFFLER, A.; TOFFLER, H. Guerra e antiguerra: sobrevivência na aurora do Terceiro Milênio. 4. Ed. Tradução Luiz Carlos do N. Silva. Rio de Janeiro: Record, 1998, p. 53, 54 e 88. [5] TOWNSHEND, C. (Ed.) The Oxford history of Modern World. Oxford: Oxford Univ. Press, 2000, p. 5. [6] COHEN, E. Technology and warfare. In: BAYLIS, J.; WIRTZ, J. J.; GRAY, C. G. (Ed.) 4. Ed. Strategy in the Contemporary World. Oxford: Oxford University Press, 2014, p. 139.

[7] Id., p. 139. [8] JORDAN, D. et al. Understanding modern warfare. Cambridge: Cambridge Univ. Press, 2008, p. 37. [9] MURRAY, W. Thinking about Revolution in Military Affairs. Joint Force Quarterly, sum. 1997, p. 71. [10] HUNDLEY, R. O. Past revolutions, future transformations: what can the history of revolutions in military affairs tell us about transforming the U.S. military? Washington: RAND, 1999, p. xiii. [11] KREPINEVICH JR., A. F. Cavalry to Computer: The Pattern of Military Revolutions. The National Interest. Fall 1994, p. 1. [12] TOFFLER, A.; TOFFLER, H., p. 142. [13] DREW, D. M.; SNOW, D. M. Making Twenty-first-Century Strategy. An introduction to modern national security processes and problems. Maxwell Air Force Base: Air University Press, 2006, p. 63. [14] SHEEHAN, M. The evolution of modern warfare. In: BAYLIS, J.; WIRTZ, J. J.; GRAY, C. G. (Ed.) 4. Ed. Strategy in the Contemporary World. Oxford: Oxford University Press, 2014, p. 57. [15] SHELDON, J. B. The rise of cyberpower. In: BAYLIS, J.; WIRTZ, J. J.; GRAY, C. G. (Ed.) 4. Ed. Strategy in the Contemporary World. Oxford: Oxford University Press, 2014, p. 316. [16] HANSON, V. D. Por que o Ocidente venceu: massacre e cultura da Grécia antiga ao Vietnã. Tradução Fernanda Abreu. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002, p. 540. [17] KENNEY, S. H. A educação profissional militar e a emergente Revolução nos Assuntos Militares. Airpower Journal. Montgomery, Edição Brasileira, 1º Trimestre, 1997, p. 33. [18] MCKITRICK, J. et al. The Revolution in Military Affairs. In: SCHNEIDER, B. R.; GRINTER, L. E. (Ed.). Battlefield of the future: 21st Century warfare issues. Montgomery: Air University Press, 1998, p. 80. [19] STRACHAN, H. The direction of war. Contemporary strategy in historical perspective. Cambridge: Cambridge University Press, 2013, p. 47. [20] JORDAN, D. et al., p. 55. [21] GRAY, C. S. Modern Strategy. Oxford: Oxford University Press, 1999, p. 3. [22] TOFFLER, A.; TOFFLER, H., p. 68. [23] SLOAN, E., p. 14. [24] BRASIL. Ministério da Defesa. Livro Branco da Defesa Nacional. Decreto Legislativo n.º 373, de 25 de setembro de 2013. Brasília, 2013, p. 191.


21 DEFESA DE ÚLTIMA INSTÂNCIA CONTRA MÍSSEIS APLICADA AO F-5M Cap Av Felipe Braga Galvão de Souza Primeiro Esquadrão do Décimo Quarto Grupo de Aviação (1º/14º GAV)

RESUMO: As técnicas de defesa contra mísseis, tanto ar-ar quanto ar-solo, são uma importante ferramenta para aumentar as chances de sobrevivência das equipagens de combate. As manobras defensivas, buscando-se contrapor ao envelope cinemático de um míssil lançado, são de conhecimento e largamente treinadas nos Esquadrões operadores de aeronaves F-5M. Contudo, as defesas de última instância, realizadas nas situações em que não é mais possível defender-se cinematicamente, são difíceis de serem treinadas, já que exploram, basicamente, as vulnerabilidades de projeto do míssil, complexas de serem simuladas. Este artigo tem como objetivo apresentar as possibilidades de defesas de última instância a serem executadas pela aeronave F-5M, numa condição em que seja alvo de míssil e que não tenha mais chance de defender-se cinematicamente. Inicialmente, serão apresentadas as variáveis envolvidas na construção da consciência situacional do piloto da aeronave alvo de míssil, tomando como fonte as informações geradas pelos sistemas do F-5M. Na sequência, após a análise da situação, será apontada a reação mais indicada, também de acordo com os recursos da plataforma. Palavras Chaves: defesa contra mísseis, última instância, consciência situacional, sistemas do F-5M. LAST INSTANCE MISSILE DEFENSE FOR F-5M ABSTRACT: The missile defense techniques, both air-to-air and surface-to-air threats, are an important tool to improve the chance of survival of a combat crew. The maneuvers applied to O Cap Av Galvão concluiu o CFO em 2007 e possui as qualificações operacionais de Líder Tático e Líder de Esquadrão. Concluiu o Curso Doutrinário de Guerra Eletrônica em 2012. Atualmente é Chefe da Célula de Doutrina e da Célula de Tática e Emprego do 1°/14° GAV. Contato: e-mail galvaofbgs@fab.mil.br, telefone (51) 3462-5328.

counter kinetically a launched missile have been exhaustively trained in F-5M Squadrons. However, the last instance defenses (when it is no more possible to defend kinetically a missile) are tough to train, as they take advantage of missile project weaknesses, which turns the simulation into something imprecise. This paper brings up the reaction possibilities for an F-5M that is being targeted by a missile system and when it is impossible to defend it kinetically. First, the variables related to the situational awareness development in the missile target aircraft will be studied, using the F-5M avionics system features. Finally, the most suitable reaction will be pointed, also according with the platform resources. Keywords: missile defense, last instance, situational awareness, F-5M systems.

I - INTRODUÇÃO Tomando-se como referência uma base de dados estatísticos, a Probability of kill (Pk) dos mísseis gira em torno de 50%, inclusive para os mísseis de geração mais recente. Para se ter uma ideia, quando o AIM-120 entrou em serviço, esperava-se uma Pk próxima a 85%. No entanto, o míssil apresentou a mesma Pk, semelhante aos demais mísseis antecessores. Assim, uma aeronave sendo alvejada por determinado míssil, seja ar-ar ou superfície-ar, mesmo dentro da no-escape zone, ainda tem chances consideráveis de sobrevivência, desde que busque oferecer ao míssil o pior contexto para seu engajamento. O estudo busca demonstrar a melhor reação para o F-5M.

II – CONSTRUÇÃO DA CONSCIÊNCIA SITUACIONAL PELO F-5M ALVO DE SISTEMA DE MÍSSEIS Como ter consciência de um míssil em voo? Na ausência de equipamento do tipo Mis-


22 sile Approach Warning System (MAWS), restam duas possibilidades de detectar a aproximação de um míssil: o Radar Warning Receiver (RWR) e a detecção visual. A primeira possibilidade depende de uma avançada capacidade de inteligência para a montagem da biblioteca de sinais do RWR, que o permitiria interpretar os sinais recebidos de sensores ativos de mísseis e de seus radares diretores. A segunda opção depende de disciplina dos pilotos na aplicação da doutrina de vigilância do espaço aéreo. Esta última é mais efetiva nas fases de lançamento e aceleração do míssil, quando ocorre a queima do combustível. A assinatura visual do míssil constitui-se, basicamente, dos gases exaustores e, quando as condições ambientais favorecerem, da trilha de condensação deixada no espaço. Assim, os mísseis de maior alcance, como o S-400 de fabricação russa, podem ter baixíssima assinatura visual na fase final de sua interceptação, que é justamente quando as manobras evasivas são mais efetivas. Neste caso, o RWR torna-se a única alternativa e somente terá efetividade quando se tratar de míssil ativo (sendo que para o míssil semi-ativo, o alerta mostrado no RWR não dará consciência ao piloto da posição do míssil e sim do radar diretor). Em ambas as situações (RWR e visual), quando o míssil for percebido por algum piloto, um aviso via rádio deverá ser feito com o objetivo de alertar os demais membros da formação. Como saber quem é o alvo? Caso seja claro quem é o alvo do míssil lançado, a chamada rádio poderá ser diretiva para a aeronave alvo. Caso o piloto da aeronave a ser alvejada note o míssil, o início das manobras (que serão explicadas à frente) deverá ser realizadas de imediato e a chamada rádio alertando a situação passa a ser item nice-to-do. Caso a consciência a respeito do lançamento tenha sido obtida pela informação do RWR, todas as aeronaves recebendo as emissões devem se considerar alvo, até que se consiga o contato visual com o rastro de fumaça. Como artifício para auxiliar na identificação de quem é o alvo, usa-se a LOSR (line-of-sight rate). Aquele que enxergar a aproximação do míssil com pouca LOSR (parado ou com pouca movimentação no canopy) provavelmente será o objetivo do míssil. Como saber qual é o tipo de guiamento do míssil? Com uma adequada biblioteca e uma correta programação do sistema EW da aeronave é possível identificar se determinada emissão é de

um míssil ativo. Contudo, em se tratando de um guiamento misto, o piloto não conseguirá edificá-lo. Neste caso, deve-se considerar a pior opção: míssil com qualquer dos tipos de guiamento – radar ativo, semi-ativo, IR, passivo, ou uma mistura deles. Como saber de onde vem e qual a distância? Nas situações em que a aeronave alvo recebeu o alarme de RWR e/ou obteve contato visual com o míssil, fica transparente para o piloto de onde o míssil se aproxima e a qual distância aproximada de sua aeronave. O problema maior é quando a aeronave alvejada não tem o alarme do RWR e não tem contato visual, tendo consciência de que é alvo apenas pela chamada rádio de alguma outra aeronave. Uma chamada diretiva detalhada ajuda na construção da consciência situacional do piloto alvejado. Ex.: “Blue 2, break left, missile 7 o’clock, low, 5 miles”. A seguir, será discutida qual a melhor ação evasiva para a situação reportada.

III – REAÇÕES DO F-5M ENGAJADO POR SISTEMA DE MÍSSEIS Tempo 1 – Break até beam aspect Ao tomar consciência de que é alvo de um lançamento, o piloto deve iniciar um break de máxima performance, de modo que, ao término da manobra, o míssil esteja na linha 3/9h da aeronave. Caso o míssil esteja aproximando pelas 7h da aeronave (conforme exemplo acima), o break deve ser realizado pela esquerda, até que o míssil seja colocado às 9h do F-5M. Este break inicial possui alguns objetivos: 1 – aumentar a probabilidade de espirrar um míssil que esteja próximo. Uma aeronave mudando o plano de voo com 7G obriga o míssil que a intercepta a curvar com carga exponencialmente maior (a carga G dependerá da velocidade do míssil). Caso esteja muito próximo, o sistema de guiamento do míssil pode não ser capaz de fazer uma mudança tão repentina. Importante observar que, se o piloto tiver tomado consciência do míssil através de alerta rádio de outra aeronave, o piloto não saberá a distância do míssil, até que consiga o contato visual ou que a aeronave que tenha feito a chamada transmita


23 essa informação. Assim, até que se saiba a distância, deve-se considerar a pior situação (um míssil próximo), cuja defesa imediata é o break. 2 – girar o setor mais favorável para o envelope IR (caso o míssil seja IR). Independente de ser all-aspect, qualquer míssil IR é mais suscetível a perder o tracking em aspectos que não o cone traseiro de 90°. O break deve ser interrompido assim que o míssil, caso ainda não tenha espirrado, for colocado às 3/9h da aeronave (não faz sentido, para um míssil vindo de grande distância, manter um break indefinidamente. Isso facilitaria o trabalho do míssil, pela previsibilidade do alvo). 3 – aumentar o problema gerado pelo efeito Doppler (caso o míssil seja guiado por RF – radar). O aspecto lateral (3/9h, ou beam aspect) é o pior para qualquer radar, pois faz o contato entrar nos critérios de filtro Doppler, o que pode levar à perda do tracking. 4 – degradar a geometria de interceptação. O aspecto lateral desloca o ponto de impacto para a visada mais afastada do míssil (ver Fig. 1 – aeronave representada pela seta azul e míssil pela vermelha). Assim, obriga-o a realizar a manobra com maior variação angular possível, o que levará a uma considerável perda de energia.

Figura 1 - geometria de interceptação 5 – a maioria dos mísseis tem sua carga de estilhaços dispersada num cone perpen-

dicular ao seu corpo (ver Fig. 2). Assim, o aspecto lateral é o que torna mais difícil a manobra lead bias que o míssil deverá realizar (tal manobra é feita pelo míssil na iminência de ativar sua espoleta. Ela visa alinhar o corpo do míssil com o sentido de deslocamento do alvo para aumentar área do cone de estilhaços colocada sobre o alvo). Como a manobra lead bias é dificultada, aumentam-se as chances de um insucesso nessa manobra, o que torna a carga de estilhaços menos efetiva. Dessa forma, aumenta-se a probabilidade de sobrevivência do alvo diante da menor quantidade de estilhaços.

Figura 2 – cone de dispersão dos estilhaços Tempo 2 – Barrel roll. Uma vez oferecido o aspecto lateral para o míssil (míssil nas 3/9 h), inicia-se uma cabrada com alta carga G, associada a giro de asa para cima do míssil, de forma a mantê-lo na linha 3/9 h (manobra similar a um tunô barril). O barrel roll também poderá ser realizado para baixo, bastando, ao encerrar o break com o míssil às 3/9 h, girar para o dorso e iniciar a manobra. Neste caso, a atitude picada ajudará a manter a velocidade alta, permitindo um barrel roll com carga G mais acentuada. Esta manobra tem 2 objetivos: 1 – mantém o pior aspecto para o míssil enquanto muda continuamente o plano de voo, tornando o alvo imprevisível. Dessa forma, o míssil é forçado a abandonar a navegação proporcional lead para uma praticamente pura. Assim, pode ocorrer uma espirrada do míssil, pois a linha de visada deste para o alvo desloca-se a uma


24 velocidade cada vez maior (característica de uma perseguição pura), forçando o míssil a aumentar a carga G que emprega. 2 – caso seja para baixo, também diminui rapidamente a altitude, o que diminui a Pk de qualquer míssil. Ainda, pode levar o míssil a realizar um tracking looking-down, degradando ainda mais a Pk. Tempo 3 – Jink out Caso o míssil não espirre durante o barrel roll, a manobra de última instância, na iminência do impacto, é uma mudança de pelo menos 90° de plano (com rápido unload e movimentação do vetor sustentação - Lift Vector - LV) seguida de um novo break. Os objetivos são os mesmos explicados no Tempo 1. Electronic Counter Measures / Infra Red Counter Measures (ECM/IRCM) - O emprego disciplinado de chaff durante a execução de todas as manobras poderá contribuir para a quebra do lock do radar do míssil e/ou do diretor de tiro. Caso não seja identificado o tipo de míssil, as IRCM também deverão ser utilizadas, buscando-se contrapor a um míssil IR. Quando não houver mais a possibilidade de se manter o motor em idle, a potência máxima a ser aplicada deve ser a Militar (PPS). Ainda assim, deverá continuar sendo acobertada pelo uso de flare.

F-15 saudita sendo abatido por míssil superfície-ar de forças rebeldes.

Uma vez que esta potência não permite boa manutenção de energia, o barrel roll e os breaks devem ser orientados para baixo, sempre que a altura permitir. IV – CONCLUSÕES As ações evasivas detalhadas neste estudo são relativas a uma situação “hermética” – uma aeronave, um míssil, sem outros fatores externos. Dificilmente uma situação real ocorre em tais condições ideais, mas o conhecimento dos aspectos citados neste estudo irá ajudar um piloto de F-5M em ações evasivas. Cabe salientar que o espaço temporal para a realização do conjunto de manobras apontadas neste estudo é consideravelmente curto, principalmente diante das altas velocidades dos mísseis. Dessa forma, a sua execução deverá ser feita por meio de uma atitude quase que reflexiva, tão logo o piloto se identifique como um alvo e sem condições de defesa cinemática. REFERÊNCIA SHAW, Robert L. Fighter Combat: Tactics and Maneuvering. Naval Institute Press, Maryland, USA, 1987.


25 FERRAMENTA COMPUTACIONAL DE PROCESSAMENTO DIGITAL DE IMAGENS ISAR 1º Ten Av Hugo Timóteo da Silva Segundo Esquadrão do Sétimo Grupo de Aviação (2°/7° GAV)

RESUMO: A utilização de imagens para registrar e interpretar informações é um tema de grande relevância na atualidade. Por esse motivo, a Força Aérea Brasileira tem aprimorado as suas plataformas de emprego. Um exemplo disso é a modernização das aeronaves P-95BM, às quais foi equipado o radar Seaspray 5000E, que, dentre suas funções, possui o modo inverso do radar de abertura sintética (ISAR, do inglês Inverse Synthetic Aperture Radar). As imagens ISAR geradas pelo Seaspray 5000E apresentam algumas características peculiares, que resultam na necessidade de uma alta capacitação do Operador Radar para interpretar os dados contidos na mesma. Por isso, esse artigo visa apresentar uma ferramenta computacional baseada em algoritmos de processamento digital de imagens e de reconhecimento automático de padrões, desenvolvida para processar imagens ISAR. A relevância desse trabalho reside na importância de uma interpretação objetiva, simples e rápida das imagens por parte dos operadores. Os resultados obtidos apontam uma melhora na apresentação das informações contidas nas imagens ISAR. Também possibilitam a identificação de parâmetros como a simetria e a assimetria dos aspectos obtidos das embarcações imageadas em relação ao seu eixo longitudinal, o que permite reconhecer estruturas mais verticalizadas, como mastros e guindastes no convés, e que, sem a ferramenta criada, não seriam percebidos. Adequando-se, portanto, à relevância do tema, este trabalho apresenta os meios para aumentar a consciência situacional do Operador Radar na análise de imagens ISAR. O 1° Ten Av Timóteo concluiu o CFO em 2013 e possui, especialização em Análise do Ambiente Eletromagnético pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (2016). Atualmente é o chefe da Seção de Guerra Eletrônica do 2°/7° GAV. Contato: e-mail timoteohts@fab.mil.br, telefone (51) 3562-5063.

Palavras Chaves: Guerra eletrônica, Processamento digital de imagens, Reconhecimento de padrões, e ISAR. ISAR IMAGES DIGITAL PROCESSING COMPUTATIONAL TOOL ABSTRACT: The use of images to record and interpret information is a great relevance subject at the present time. For this reason, the Brazilian Air Force has improved its aircrafts. An example of this is the P-95BM aircraft modernization, which has been equipped with the Seaspray 5000E radar, which, among its functions, has the mode Inverse Synthetic Aperture Radar (ISAR). The ISAR images generated by the Seaspray 5000E have some peculiar characteristics, which result in the need of a Radar Operator high capacity to interpret the data contained therein. Therefore, this article aims to present a computational tool based on digital image processing algorithms and automatic pattern recognition, developed to process ISAR images. The relevance of this work lies in the importance of an objective, simple and fast images interpretation by the operators. The results obtained indicate an improvement in the presentation of the information contained in the ISAR images. They also allow the parameters identification such as the symmetry and asymmetry of the obtained ships aspects in relation to their longitudinal axis, which allows to recognize more vertical structures, such as masts and cranes on the deck, and which, without the tool created, would not be perceived. Therefore, according to the relevance of the theme, this work presents the means to increase the Radar Operator’s perception in the ISAR images analysis Keywords: Electronic Warfare, Digital Image Processing, Pattern Recognition, and ISAR.


26 1 – INTRODUÇÃO Para a Aviação de Patrulha, a tecnologia ISAR fornece uma grande vantagem, pois permite o reconhecimento de características de embarcações a uma distância que supera em cinco vezes ou mais a identificação realizada por sensores ópticos, independente de formações meteorológicas e da radiação solar, podendo ser operada em períodos noturnos. O emprego de radares de imageamento envolve uma tecnologia complexa. A informação gerada está contida em uma faixa do espectro eletromagnético (E.M.) diferente do óptico (visível) e, por isso, é preciso compreender a interação da onda com o meio para aprender a distinguir os diferentes aspectos do retorno do sinal radar. Além disso, o ISAR tem a peculiaridade de perceber uma perturbação adicional causada pelos movimentos do alvo em relação à plataforma imageadora. Por esses motivos, a compreensão dos dados produzidos não é simples e demanda conhecimento prévio por parte dos Operadores Radar. Atualmente técnicas e procedimentos ISAR têm, relativamente, pouca abordagem e torna-se essencial a criação de métodos para auxiliar a interpretação dessas imagens [1]. Este trabalho tem justamente esse objetivo: propor uma ferramenta computacional capaz de aumentar a consciência situacional dos operadores na análise de imagens ISAR, diminuindo a subjetividade na análise de informações e facilitando a identificação de características dos alvos. Porém, antes de apresentar essa ferramenta faz-se necessário introduzir uma fundamentação teórica para o melhor entendimento de toda a pesquisa realizada. 2 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 – Aquisição

de imagens

ISAR

a partir de

plataformas aéreas

Uma imagem ISAR é formada a partir do desvio doppler ocasionado pelos movimentos de rotação das embarcações em torno de seus eixos e na direção da onda E.M. incidente. O estado do mar, ou seja, movimentos oceânicos verticais, também contribuem para o fortalecimento desse movimento relativo do alvo ao radar. Quanto maior o estado do mar, maior é a percepção da silhueta do alvo. Porém, quando atinge características de “mar grosso” (nível 7-8), causam mais ruídos e dificultam a interpretação visual, reforçando

a necessidade do uso de ferramentas computacionais para auxiliar na análise de imagens [1]. Cada tipo de movimento rotacional da embarcação proporciona um aspecto de visualização diferente no display do radar. A Fig. 1 mostra como esses movimentos influenciam na formação da imagem.

Figura 1 – Vista de uma imagem ISAR produzida por um movimento puro de: a) arfagem, b) rolamento e c) guinada [Adaptado de 2]. Em síntese, é possível afirmar que um movimento puro de arfagem privilegia a formação de uma imagem com perspectiva lateral da embarcação, movimentos puros de rolamento proporcionam o aspecto frontal/traseiro e movimentos puros de guinada fornecem informações sobre o plano do navio visto de cima. Como uma embarcação não realiza um movimento isolado, essa relação dos rolamentos nos três eixos faz com que as imagens ISAR possuam aspectos gerados por todos os movimentos simultâneos e variem consideravelmente ao longo de um curto período de coleta de dados [2]. 2.2. – Ângulo de aspecto Com base no tópico anterior, pode-se inferir que os movimentos rotacionais do alvo estão diretamente ligados ao processo de formação de uma imagem ISAR. Contudo, esse não é o único parâmetro que influencia tal processo. O posicionamento do eixo de visada do radar em relação à embarcação também é um fator contribuinte [2]. A esse posicionamento atribui-se o termo “ângulo de aspecto”. A Fig. 2 mostra como ele varia em relação ao eixo longitudinal de um navio.


27 aspecto ideal seria o mais alinhado ao eixo longitudinal de uma embarcação. Entretanto, devido ao sombreamento que as próprias estruturas presentes no convés de um navio geram, tem-se que o melhor ângulo de aspecto para imageamento encontra-se de 30° a 45° [4]. Após explicar conceitos a respeito da aquisição das imagens ISAR, serão discutidos nos próximos tópicos fundamentos ligados ao processamento dessas imagens. 2.3 – Processamento digital de imagens O conceito de imagem pode ser definido como uma função f(x,y), em que x e y são coordenadas espaciais de uma matriz e a amplitude de cada um de seus elementos representa sua cor ou intensidade. Esses elementos são denominados pixels, e quando sua intensidade é dada por um intervalo finito e discreto de valores, essa imagem é descrita como digital [5]. Para se processar uma imagem, além da quantidade de pixels que a forma, é necessário se conhecer as dimensões reais de cada pixel, o tipo de varredura do sensor e como a intensidade dos pixels é representada, se a cores ou em níveis de cinza [6]. 2.4 – Níveis de cinza e falsas cores

Figura 2 - Ângulo de aspecto [3]. Em cada um desses ângulos de aspecto um movimento tem mais influência na formação da imagem ISAR. Quanto mais alinhado ao eixo longitudinal (0° ou 180°), o movimento de arfagem é o que mais atua, gerando um perfil lateralizado no display. Mais alinhado ao través da embarcação (90°), o movimento de rolagem é o que mais interfere, proporcionando um aspecto frontal/traseiro. Já o movimento de guinada sempre atuará na formação da imagem, devido ao posicionamento mais elevado (altura) da aeronave, trazendo características de um perfil visto de cima da embarcação. Por meio de uma simples interpretação de imagens, é possível afirmar que o perfil que mais provê informações úteis a respeito das características de um navio é o lateralizado. Com isso, pode-se dizer que, teoricamente, um ângulo de

Conforme descrito no tópico anterior, para representar a intensidade dos pixels de uma imagem RGB são necessários três valores, um para cada cor primária. Como na escala de cinza essas componentes possuem sempre intensidades iguais, pode-se atribuir apenas um único valor para representá-la [8]. A vantagem é que a imagem se torna mais leve e fácil de se processar. Um modelo RGB ocupa três unidades de informação para expressar a intensidade de seus pixels, já uma imagem em níveis de cinza ocupa apenas uma [6]. Atribuir pseudocores ou falsas cores é um processo de relacionar cores (aleatoriamente escolhidas) aos diversos níveis de cinza de uma imagem. Esse procedimento visa facilitar a interpretação visual das informações presentes na imagem, visto que o olho humano é capaz de diferenciar milhares de intensidades de cores, contra apenas pouco mais de uma dezena de níveis de cinza [5].


28 3 – METODOLOGIA 3.1 – Síntese metodológica A Figura 3 apresenta a sequência em que os procedimentos do desenvolvimento da pesquisa foram empregados.

mentos que empregam a filtragem no domínio da frequência baseiam-se na modificação da transformada de Fourier. Já as técnicas do domínio espacial atuam diretamente na matriz de pixels (a imagem digitalizada) [7]. A técnica de filtragem selecionada neste estudo foi a Wavelet Daubechies-4, que atua tanto no domínio da frequência, quanto no domínio espacial. O algoritmo utilizado proporciona cinco imagens de saída, sendo uma passa-baixa (redução de ruídos e homogeneização de valores) e quatro passa-alta (reforço de detalhes) [9]. Apenas a imagem passa-baixa foi empregada no trabalho, com a finalidade de preparar a imagem para o próximo procedimento, a segmentação. 3.5 – Segmentação

Figura 3 - Síntese do processamento das imagens analisadas [3]. 3.2 – Aquisição de dados Os dados foram coletados em uma missão realizada pelo 2°/7° GAV, Esquadrão Phoenix. Considerando o tipo de pesquisa a ser realizada e as peculiaridades dos equipamentos envolvidos, todos os aspectos como condições meteorológicas, estado do mar e as características das embarcações imageadas foram registrados. Além do objetivo de utilizar essas informações para validação de método e desenvolvimento de trabalhos futuros, o armazenamento de dados é essencial para o ganho operacional que os Esquadrões podem ter com essa ferramenta. O 2°/7° GAV está colocando em prática o projeto de criação de uma biblioteca de imagens, por meio desse registro de informações, para que futuramente essa biblioteca auxilie na identificação de alvos e objetivos em missões reais. 3.3 – Conversão de RGB para níveis de cinza A normalização realizada durante a conversão de RGB para níveis de cinza foi adotada neste trabalho conforme a fórmula abaixo [8]: I = 0,299FR + 0,587FG + 0,114FB (1)

3.4 – Técnicas de filtragem

Existem duas categorias de filtragem: a espacial e a no domínio da frequência. Os procedi-

Segmentação é o processo que divide a imagem em um número específico de regiões, cujos elementos possuem características iguais ou semelhantes [10]. Na metodologia empregada no trabalho, a técnica k-medias foi aplicada e as imagens foram divididas em cinco segmentos com base nos valores das intensidades de seus pixels. 3.6 – Mascaramento e visualização de bordas Na próxima etapa, após o processo de segmentação, cada segmento é “binarizado”, ou seja, tem seus valores substituídos por 1. Os demais pixels não pertencentes a esse segmento têm seus valores igualados a 0. Esse segmento binarizado é também conhecido por “máscara” [5]. No passo seguinte, cada máscara é multiplicada pela imagem original, separando-a, assim, os segmentos e possibilitando a análise de cada um separadamente. Com base nas máscaras, é realizado um procedimento a fim de visualizar suas bordas, em que se analisa as relações de vizinhança de cada pixel, encontrando as diferenças de valores entre as regiões compostas por “0” e “1” e demarcando, dessa maneira, as bordas. 4 – RESULTADOS E DISCUSSÕES 4.1 – Imagem

monocromática x

Imagem

com

pseudocores

Adotando-se como referência a fotografia da embarcação, na Fig. 4(a), é possível verificar o fato


29 da visão humana conseguir distinguir de forma mais fácil detalhes em cores do que em níveis de cinza. Na Fig. 4(b), monocromática, percebe-se algumas regiões de maior retorno, como a popa e a proa, por exemplo. Já na Fig. 4(c) com pseudocores essas regiões começam a ter a forma visualmente melhor definida. Algumas características como os mastros ao longo do convés, a superestrutura à ré e até mesmo o pequeno mastro na proa da embarcação tornam-se mais evidentes, ratificando a melhoria da capacidade de discriminação visual de aspectos utilizando pseudocores. Figura 5 – Imagem filtrada e segmentada [Adaptado de 3].

Figura 4 – Comparação entre imagem monocromática, imagem com pseudocores e uma fotografia [O Autor]. 4.2 – Aumento da consciência situacional A ferramenta computacional criada é capaz de evidenciar parâmetros anteriormente quase impossíveis de serem percebidos visualmente. A Fig. 5 mostra uma imagem ISAR que foi processada até as etapas de filtragem e segmentação.

Após reconhecer o eixo longitudinal da embarcação e traçar uma reta por ele, alguns parâmetros podem ser estabelecidos: os aspectos de assimetria e simetria dos segmentos. Quando o aspecto simétrico aparece, ele indica o efeito doppler adicional causado pelo movimento do alvo em direção ao sentido da propagação da onda eletromagnética. Isto provoca uma saturação do sensor no sentido vertical da imagem. Essa simetria indica as partes móveis do alvo em relação a um ponto referencial, que nesse caso é o seu centro. Quanto maior a saturação, mais intenso é o movimento. Estruturas mais verticalizadas nas extremidades do alvo apresentaram velocidade radial superior àquelas que se situam ao centro, proporcionando, portanto, um aspecto simétrico mais acentuado nos segmentos. Por isso, esses aspectos podem ser atribuídos a elementos mais específicos, como mastros, guindastes ou paus de carga, os quais são comumente encontrados em convés de navios. Por outro lado, o aspecto simétrico apresenta informações do retorno direto dos pulsos, pois representa o próprio retorno doppler captado pelo radar. Com isso, é possível se inferir a presença de alguns elementos da embarcação, como por exemplo: superestruturas, porta de gaiutas abertas, a disposição de contêineres no convés, entre outros. 4.3 – Síntese dos resultados Um dos objetivos da ferramenta computacional desenvolvida é tornar mais prática e rápida a análise das imagens ISAR. Por isso, os resultados obtidos nas diversas etapas anteriores foram sintetizados em apenas uma imagem, como exemplificado na Fig. 6.


30

Figura 6 - Produto final [3]. A Figura 6, representa o produto final do processamento digital da imagem ISAR por meio da ferramenta proposta, onde as bordas dos 3 segmentos mais internos da imagem já filtrada e segmentada foram sobrepostas na imagem ISAR originada pelo radar. O ganho dessa última etapa encontra-se na operacionalidade, pois utilizando apena uma imagem é possível analisar todos os aspectos anteriormente discutidos.

A baixa qualidade apresentada pela imagem da Fig. 7 pode estar relacionada a algumas hipóteses. Uma delas diz respeito a características do sensor ou do imageamento, como por exemplo um conceito denominado Intervalo de Processamento Coerente (CPI, do inglês Coherent Processing Interval) que, de forma bem simples, é o intervalo de tempo em que determinado número de ecos provenientes de um mesmo alvo serão integrados no processador do radar. Se o CPI não é adequado, a imagem pode sair com excesso de ruídos ou falta de informações. Outra hipótese está associada a propriedades do meio, como, por exemplo, excesso de ruídos atmosféricos. E ainda, a baixa qualidade pode estar ligada até mesmo a fatores provenientes do próprio alvo, como uma baixa velocidade angular ocasionada, consequentemente, por um estado de mar muito calmo. Em resumo, a ferramenta computacional de processamento de imagens ISAR é eficaz e cumpre os objetivos propostos. Entretanto, como todo método, possui limitações e necessita de requisitos mínimos para que possa ser explorado o seu máximo potencial.

4.4 – Considerações sobre requisitos mínimos para obtenção de dados

Ao longo deste trabalho, foi confirmado que a ferramenta computacional proposta, além de melhorar a análise de imagens ISAR, expande a consciência situacional, revelando informações quase impossíveis de serem percebidas meramente por meio das imagens apresentadas pelo atual sistema aos operadores. Entretanto, é muito importante ressaltar que é requerido um mínimo de qualidade dessas imagens para que o processo se torne eficiente e obtenha resultados positivos. A Fig. 7 mostra o resultado final de uma imagem não adequada, gerando informações pobres e pouco úteis para uma análise.

Figura 7 – Produto final de uma imagem sem qualidade [3].

5 – CONCLUSÃO Neste artigo foi abordado um tema que envolve equipamentos modernos, porém com conceitos muito antigos: o armazenamento de informações por meio de imagens. O alvo de estudos foram as imagens ISAR geradas pelo radar Seaspray 5000E, empregado nas aeronaves P-95BM. A problemática que motivou essa pesquisa foi a alta capacitação dos Operadores Radar requerida para a interpretação desse tipo de imagem. Com base nesses fatores, foi desenvolvida uma metodologia para criar uma ferramenta computacional de processamento de imagens capaz de aumentar a consciência situacional dos operadores na análise de imagens ISAR. Transcorrendo várias etapas desse processamento, tais como filtragem, segmentação, mascaramento e visualização de bordas, foi possível gerar um mecanismo que, não apenas facilita a interpretação das informações, mas também, possibilita explorar aspectos que, baseados apenas nas imagens geradas pelo radar, não poderiam ser identificados. Além disso, essa ferramenta trará um ganho operacional muito grande com a criação de bibliotecas de missão, estruturadas com essas imagens (projeto já iniciado pelo 2°/7° GAV), pois futuramente possibilitará o emprego das mesmas em missões reais, tornando a análise das informações de um teatro de operações marítimo muito mais simples, objetivas e rápidas.


31 REFERÊNCIAS [1] ÖZDEMIR Caner. Inverse Synthetic Aperture Radar Imaging with MATLAB Algorithms, Mersin, Turkey: Wiley, 2012. [2] BÄCKSTRÖM, Veronica; SKÅRBRATT, Anton. Maritime ISAR imaging with airborne radar. 2010. 47p. CHALMERS UNIVERSITY OF TECHNOLOGY, Göteborg, Sweden. [3] SILVA, Hugo Timóteo da. Aumento Da Consciência Situacional Na Análise De Imagens ISAR Por Meio Do Processamento Digital De Imagens. 2016. Trabalho de conclusão de Curso (Curso de Especialização em Análise do Ambiente Eletromagnético), Instituto Tecnológico de Aeronáutica, São José dos Campos, São Paulo. [3] NERI, Vinicius André Lima. Estudo conceitual sobre a influência dos parâmetros do modo ISAR na Geração de Imagens em Sistemas Aeroembarcados de Patrulhamento. 2015. Trabalho de conclusão de Curso (Curso de Especialização em Análise do Ambiente Eletromagnético), Instituto Tecnológico de Aeronáutica, São José dos Campos, São Paulo. [5] GONZALES, Rafael C.; WOODS, Richard C. Processamento Digital de Imagens. 3. ed. São Paulo - SP: Pearson Prenice Hall, 2009. 624 p.

Imagem ISAR do navio Ocean Bright

[6] LOPES, João Manuel Brissom. Formato de Imagens. In: DISCIPLINA DE COMPUTAÇÃO GRÁFICA DA LICENCIATURA EM ENGENHARIA INFORMÁTICA E DE COMPUTADORES, Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa. Lisboa, PT: J. M. Brisson Lopes & Ist, 2003. p. 1 - 44. [7] MARQUES FILHO, Ogê; VIEIRA NETO, Hugo. Processamento Digital de Imagens. Rio de Janeiro: Brasport, 1999. 331 p. [8] KUMAR, Tarun; VERMA, Karun. A Theory Based on Conversion of RGB image to Gray image. International Journal Of Computer Applications. New York, USA, p. 7-10. set. 2010. Disponível em: <https://www.researchgate.net/profile/ Karun_Verma/publication/46286639_A_Theory_ Based_on_Conversion_of_RGB_image_to_Gray_ image/links/5704a3b008ae44d70ee0662c.pdf>. Acesso em: 09 nov. 2016. [9] JENSEN, Arne; LACOUR-HARBO, Anders. Ripples in Mathematics: The Discrete Wavelet Transform. Aalborg, Dinamarca: Springer, 2001. 246 p. [10] Antunes, A.F.B.; Da Luz, N.B. Classificação orientada a objetos de imagens Spot-5 com a finalidade de mapeamento do uso da terra, Anais XIV Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto - SBSR, Natal, RN, Brasil, 2009.


32 DESENVOLVIMENTO DE SIMULADOR DE VOO PARA P-95BM 1º Ten Av Oswaldo Segundo da Costa Neto Terceiro Esquadrão do Sétimo Grupo de Aviação (3º/7ºGAV)

RESUMO: O desenvolvimento de um simulador de voo compatível com as novas características das aeronaves C/P-95 modernizadas é fruto de uma adaptação de diversos softwares, além da criação de algoritmos capazes de trazer ao piloto a imersão necessária para caracterizar um treinamento de qualidade. O uso criterioso do manual da aeronave no aperfeiçoamento das características da sua performance é outro fator de destaque. Por meio da atual utilização do equipamento em voos simulados, o Esquadrão Netuno permanece aperfeiçoando seus pilotos com treinamentos de emergências críticas e não críticas, além de possibilitar a realização do adestramento dos pilotos em voos por instrumento. Palavras Chaves: Simulador de voo; programação em Arduino; treinamento em simuladores. FLIGHT SIMULATOR’S DEVELOPMENT TO P-95BM ABSTRACT: The development of a flight simulator compatible with the new characteristics of the modernized C/P-95 aircraft is the result of an adaptation of several softwares, as well as the creation of algorithms capable of providing the pilot with the necessary immersion to characterize a good training. The judicious use of the aircraft pilot manual to improve the characteristics of performance represented by the simulator is another prominent factor. Through the current use of the equipment on simulated flights, the Netuno Squadron continues to improve the pilots´ skills to deal with critical and non-critical emergency trainings, as well as enabling pilots to train on flights per instrument. Keywords: Flight simulator; Arduino programming; simulator training. I - INTRODUÇÃO A evolução tecnológica pela qual a Força Aérea Brasileira vem passando traz consigo modifi-

cações profundas no projeto de suas aeronaves. A criação de um simulador de voo, no interior de um Esquadrão de Patrulha, teve o objetivo de trazer um realismo maior no ambiente de simulação após a modificação dos sistemas da aeronave P-95. Historicamente, esta aeronave foi apresentada e entregue à Força Aérea Brasileira no ano de 1975. Em 1976, foi feita a primeira encomenda de doze unidades para a FAB, entregues entre os anos de 1977 e 1979, denominadas como P-95. Após algumas modificações do projeto original, as aeronaves denominadas P-95B eram, até 2010, a plataforma mais moderna utilizada pelos Esquadrões de Patrulha, quando, então, a FAB concretizou a aquisição dos P-3 Orion. Conforme dito anteriormente, a Força Aérea Brasileira tem implementado vários programas de revitalização de suas aeronaves nos últimos anos. Entre esses, destaca-se o processo de modernização dos C/P-95, que culminou com a entrega da primeira aeronave em dezembro de 2011. A partir desta modernização, houve a substituição do sistema de navegação e comunicação, cuja concepção digital possibilitou uma integração maior dos sistemas da aeronave e introduziu o conceito de glass cockpit. Conforme defendido por Santos [1], independentemente do tipo de aviação e o estágio do treinamento de voo, o uso do simulador deve ser estimulado durante a formação de pilotos, para que se possa atingir um maior nível de proficiência destes. É importante perceber que, apesar de uma grande evolução tecnológica no projeto C/P-95, o O 1º Ten Av Neto concluiu o CFOAV em 2012 e possui graduação em Ciências Aeronáuticas pela Academia da Força Aérea. Atualmente é Chefe da Célula de Instrução da Seção de Operações do 3º/7º GAV. Contato: e-mail netooscn@fab.mil.br, telefone (91) 3182-9477.


33 simulador de voo utilizado por estas aeronaves não acompanhou tal evolução, tornando-se obsoleto e incompatível com o produto final da modernização. Nesse contexto, verifica-se que, contrastando com a melhoria no campo operacional, ocorreu um agravo no processo de formação dos pilotos devido à carência de um instrumento capaz de treinar o voo simulado. II – A CONSTRUÇÃO DO SIMULADOR Com base nas circunstâncias supracitadas, houve a motivação necessária para a consecução de um projeto que se iniciou no final de 2016 no 3º/7º GAV, Esquadrão Netuno, sediado na Ala 9 em Belém-PA. Este projeto surgiu da necessidade de um simulador de voo que representasse as novas características da aeronave, como o glass cockpit e o sistema de navegação atualizado. Conforme mencionado anteriormente, a modernização sofrida pelo projeto C/P-95 culminou com uma diferença entre os sistemas de navegação e aviônicos entre as aeronaves P-95B e P-95BM a ponto de não haver quaisquer semelhanças nos painéis dessas aeronaves, conforme é possível verificar nas Fig. 1 e Fig. 2.

Com base na inexistência de uma plataforma de treinamento para os pilotos após a referida modernização, o objetivo do desenvolvimento do simulador de voo era que o treinador fosse o mais parecido possível com o projeto final pós-modernização. Dessa forma, a notória semelhança entre o painel utilizado nas aeronaves C/P-95BM e o simulador de voo construído no Esquadrão Netuno é o principal item para garantir a qualidade de simulação, que proporciona o realismo necessário para que haja um treinamento proveitoso, conforme é possível verificar nas Fig. 3 e Fig. 4.

Figura 3 – C-95BM interior.

Figura 4 – Simulador interior.

Figura 1 – P-95B interior.

Figura 2 – P-95BM interior.

No âmbito operacional, o principal objetivo deste simulador não reside no voo visual, mas sim no treinamento de procedimentos de voo por instrumentos, a familiarização com o uso do Painel de Piloto Automático e do GPS Garmin 430. Além disso, o simulador possibilitará ao Pilot Flying o treinamento de Crew Resource Management (CRM) por meio do emprego dos callouts e do processo decisório em determinadas emergências, pois, utilizando a Estação de Instrução, é possível selecionar algumas emergências críticas para que o piloto em treinamento execute as ações necessárias. A referida Estação de Instrução pode ser vista na Fig. 5. Como exemplo de emergências possíveis de serem treinadas, é possível citar: falha no motor em voo; falha no motor na decolagem; fogo no


34 motor em voo; fogo no motor no solo; falhas nos diversos sistemas da aeronave e, até mesmo, colisão com pássaros. Este processo contará sempre com a supervisão de um instrutor, que poderá pausar a simulação, quando necessário, para que se possa fazer questionamentos ou determinar a melhor solução, tirar dúvidas e explicar o funcionamento de determinado sistema da aeronave. Figura 6 – Aeródromo de Belém (SBBE) na visão do simulador.

Figura 5 – Estação do Instrutor. Pode-se dividir o processo de construção do simulador em uma parte estrutural, que é composta por periféricos de simulação de aeronaves (manche, quadro de manetes, pedais, botões) e a parte virtual (instrumentos, software de simulação, interface gráfica). Apesar do foco principal de uso do simulador de voo desenvolvido não ser para os voos visuais, a qualidade gráfica e o realismo dos aeródromos utilizados são suficientes para identificar diversas peculiaridades do terreno. Tal realismo só foi possível graças à tecnologia implementada de ortofotografia, na qual obtém imagens satélites do Google Earth e as utiliza dentro do simulador de voo, possibilitando uma visualização fiel à realidade, como se pode ver na Fig. 6.

Parte Estrutural: Para a confecção da parte estrutural, foi necessário inicialmente o uso de madeira MDF cortada sob medida para as dimensões da cabine do piloto da esquerda (Pilot Flying). Os equipamentos de comunicação e navegação, como piloto automático e GPS, foram fixados ao painel de madeira com o posicionamento correto para uma boa ergonomia, de forma a possibilitar ainda mais realismo durante o treinamento. Ainda na parte estrutural, foram utilizados botões, led’s, switches, chaves e potenciômetros comuns. Entretanto, o painel superior, o painel de extinção de fogo, o comando do trem e o comando dos flapes foram materiais aproveitados de algumas aeronaves P-95A. Estes objetos foram fundamentais para o projeto, pois, apesar de serem peças já descartadas, a similaridade entre elas e as utilizadas atualmente proporcionou maior realismo na operação dos equipamentos. Foi necessária a obtenção de três placas de circuito Arduino Mega para a interface entre todos os botões físicos e a simulação. Estas placas são idênticas à apresentada na Fig. 7. Foram utilizados dois computadores para o projeto (um para o software de simulação e outro para a geração dos instrumentos no painel). Como cérebro para a geração de imagens em múltiplas telas, utilizou-se uma placa de vídeo offboard (modelo Nvidia Asus Geforce GTX 1070, Fig. 8), capaz de enviar quatro sinais de saída vídeo simultâneas, essenciais à composição das telas de visualização do piloto.

Figura 7 – Placa de circuito Arduino Mega 2560.


35 Por fim, foram necessárias três televisões de led com borda fina, fixadas em um suporte de metalon 40 mm x 40 mm estruturado na mesa de madeira componente do painel do simulador. Parte Virtual: A parte virtual é composta inicialmente pelo software X-plane 11 (licença digital), um simulador de voo largamente utilizado no mundo e que, em alguns casos, possui certificação da FAA (Federal Administration Aviation - entidade governamental dos Estados Unidos, responsável pelos regulamentos e todos os aspectos da aviação civil nos EUA). Foi necessária a compra da licença da aeronave EMB-110 desenvolvida pela empresa DreamFoil. Apesar deste aeromodelo de simulação ser feito sob a plataforma da versão “A” dos E-110, a sua obtenção se fez necessária, visto que, de todos os aeromodelos existentes para o X-plane, era o que possuía as características de voo mais próximas dentre aqueles que poderiam ser utilizados para a composição do projeto. Para que houvesse a interação hardware-software, foram utilizadas as placas Arduino, conforme mencionado anteriormente. Entretanto, para que a comunicação fosse obtida de forma satisfatória, fez-se o uso de um software intermediário disponível na internet. Esse programa é freeware e, por meio de plugins confeccionados para o X-plane, utilizando a plataforma UDP protocol, foi capaz de completar a comunicação entre os sinais elétricos recebidos pela placa Arduino, que foram enviados pelos botões físicos do painel, e as respostas virtuais dentro do simulador de voo. De forma simplificada, esse esquema é mostrado na Fig. 9.

Figura 8 – Placa de vídeo GeForce GTX 1070.

Figura 9 – Esquema de interação hardware-software. O painel de instrumentos possui um monitor de 15 polegadas que funciona como CMFD ou glass cockpit. Os instrumentos da aeronave foram desenvolvidos mediante programação em linguagem LUA, utilizando outro software intermediário. O layout idêntico ao utilizado nas aeronaves foi obtido por meio das imagens contidas no manual da aeronave. A criação dos algoritmos capazes de simular os instrumentos de voo e motor teve como premissa a reprodução fiel de todas as informações disponíveis ao piloto nas aeronaves C/P-95BM, com base nos dados obtidos durante a simulação do software principal, o X-Plane. Por intermédio do UPD protocol, os dados que tiveram origem no X-plane são interpretados pelos algoritmos desenvolvidos, que, em seguida, repassam aos pilotos estes dados na forma gráfica. Como exemplos do produto final desse processo podem ser mencionados: torque, NH, NG, temperaturas do motor, quantidade de combustível, altitude e velocidade. Outra característica importante a ser mencionada é a capacidade de realizar treinamentos diurnos e noturnos com visuais igualmente realistas, conforme é possível perceber nas Fig. 10 e Fig. 11.


36 a compra dos materiais necessários para concretizá-la. Além disso, a necessidade do projeto se encaixar no perfil de baixo custo também inviabilizaria a opção de construção de um simulador como o da Fig. 12. Portanto, como muitas partes do projeto foram construídas de forma completamente artesanal, foi possível obter um baixo custo durante a concepção do simulador, que é composto, inclusive, de peças e componentes originais da aeronave, como dito anteriormente.

Figura 10 – Visão do simulador em treinamento diurno.

Figura 11 – Visão do simulador em treinamento noturno. É importante observar que, por meio do mesmo desenvolvimento utilizado neste simulador, seria possível obter resultados mais satisfatórios, com a projeção em telas circulares ou cilíndricas de grandes dimensões a partir de retroprojetores posicionados no teto, como apresentado na Fig. 12.

III – AVALIAÇÃO TÉCNICA No ano de 2017, foi realizada uma Avaliação Técnica (AVATEC) pelo Instituto de Aplicações Operacionais (IAOp) das características do simulador de voo construído nas dependências do 3º/7ºGAV, que teve o objetivo de verificar se o dispositivo de treinamento de voo (Flight Training Device – FTD) atenderia às necessidades básicas de treinamento do Esquadrão Aéreo (EsqAe) e verificar o nível de fidelidade apresentado pelo equipamento, segundo as normas reguladoras internacionais de aviação, Federal Aviation Rules (FAR), da Federal Aviation Administration (FAA). Após extensa vistoria, o IAOp concluiu em sua AVATEC que o Flight Training Device (FTD) tem capacidade computacional, acuracidade, resolução e resposta dinâmica adequadas para o nível de representatividade buscado num FTD nível 4, ressaltando ainda que durante a avaliação foi verificado que alguns requisitos atingiram níveis 5, 6 e por vezes, 7. Contudo, devido à carência de instrumentação não foi possível a execução dos testes para a majoração do nível geral do FTD. Dessa forma, concluiu-se ainda que há evidências suficientes para indicar a implantação do treinamento simulado com base na plataforma avaliada, destacando que caso haja a disponibilidade de pequenos aportes complementares de recursos, é possível que o simulador opere em níveis de fidelidade ainda maiores do que o atual. IV - CONCLUSÕES

Figura 12 – Simulador de voo em projeção cilíndrica. Entretanto, apesar da capacidade otimizada sugerida acima, a restrição orçamentária impediu

Utilizadas por décadas por mais de dez países, as aeronaves C/P-95 são plataformas versáteis e consolidadas. Entretanto, a formação de pilotos militares é contínua e a experiência obtida durante os treinamentos em um simulador de voo são insubstituíveis. Dessa forma, a necessidade de um simulador realista impulsionou a construção do FTD existente no Esquadrão Netuno.


37 As fichas de instrução utilizadas nos treinamentos do simulador contemplam diversos itens e exercícios a serem avaliados e treinados. Entretanto a flexibilidade do equipamento permite outras aplicações, podendo ser utilizado para além de instruções, como por exemplo, a execução de um voo mental de um piloto que treina pra ser instrutor de voo, ou mesmo um piloto recém chegado ao Esquadrão Aéreo, buscando as referências do terreno para o voo visual. Dessa forma, ao investir em um projeto de baixo custo, o 3º/7º GAV (Esquadrão Netuno) preencheu uma lacuna existente na formação e manutenção operacional de seus pilotos. É importante perceber que a motivação inicial que possibilitou toda a criação desta estrutura de treinamento ainda persiste. A constante atualização e desenvolvimento de novas funcionalidades do projeto permitirão, num futuro próximo, alcançar níveis mais altos de realismo e fidelidade ao projeto C/P-95BM. REFERÊNCIAS [1] SANTOS, M.A.B.S. Uso do simulador de voo de baixo custo no processo ensino-aprendizagem de navegação aérea e teoria de voo. Campina Grande, 2015.

Visão geral do simulador construído no 3º/7º GAV.

[2] Centro Histórico Embraer - EMB-111 Bandeirante Patrulha. Embraer. Disponível em <http://institutoembraer.org .br/centrohistoricoembraer/> Acesso em: 03/05/2018. [3] Agência Força Aérea. Novos radar e sistema eletrônico ampliam capacidade da patrulha marítima. Disponível em <http://www.fab.mil. br/noticias/mostra/22976/REAPARELHAMENTO---Novos-radar-e-sistema-eletr%C3%B4nico-ampliam-capacidade-da-patrulha-mar%C3%ADtima> Acesso em: 03/05/2018. [4] Xplane.org The Community Website. Embraer 110 – Bandeirantes. Disponível em <http://store.x-plane.org/Embraer-110--Bandeirantes_p_394.html> Acesso em: 03/05/2018. [5] ArdsimX interface. Arduino-based Input/ output software for DIY home cockpit simulator. Disponível em <http://simvim.com/ardsimx/> Acesso em: 03/05/2018. [6] Air Manager. The best instrument panel tool on the Market. Disponível em <https://siminnovations.com/> Acesso em: 03/05/2018. [7] LESSA, J.L.L.J. Relatório de Avaliação Técnica do Simulador do 3º/7º. 2017 [8] Wikipedia. The Free Encyclopedia. Orthophoto. Disponível em <https://en.wikipedia.org/ wiki/Orthophoto> Acesso em: 31/05/2018.


38 O KC-390 E A PROJEÇÃO DO BRASIL NO CENÁRIO INTERNACIONAL Maj Av Bruno Américo Pereira Grupo Kilo (Ala 2)

RESUMO: Vivemos um momento de transição na política externa. Devido a esta situação internacional, a ajuda humanitária passou a ter papel importante para minorar os efeitos negativos à população, causados por desastres naturais ou conflitos violentos. Este artigo tem por objetivo analisar a projeção do governo brasileiro no cenário internacional. A nova aeronave militar KC-390 é o meio que permitirá a inserção brasileira nesse contexto. Para identificar esta notoriedade, realizou-se uma análise das capacidades operacionais através dos requisitos técnicos, logísticos e industriais, estipulados na fase de pré-desenvolvimento do projeto. Em seguida foi demonstrada a aplicabilidade do futuro avião nas questões de ajuda humanitária a nível global. Após a rodada de análise e demonstração, evidenciou-se que o KC-390 ratificará a prevalência de relações internacionais pacíficas e a projeção do País no campo da segurança cooperativa, com suas medidas de confiança mútua. Foi possível identificar, também, que o KC-390 possibilitará uma maior assistência material e logística, prestadas para fins de conforto social humanitário nos esforços para o desenvolvimento da paz mundial. Assim, este artigo é fundamental para entender o propósito adicional de projeção do Brasil nas relações de cooperação internacional com outros países. Palavras Chaves: KC-390, Projeção, Cenário, e Cooperação Internacional. THE KC-390 AND THE PROJECTION OF BRAZIL IN THE INTERNATIONAL SCENARIO ABSTRACT: We are living a moment of transition in foreign policy. Because of this international situation, humanitarian aid began to play an important role in mitigating the negative effects the population, caused by natural disasters or violent conflicts. This article aims to analyze the projection of the Brazilian Government in the international scenario. The new military aircraft KC-390 is the means that will allow the Brazilian insertion in this context. In order to identify this notoriety,

an analysis of the operational capacities was made through the technical, logistic and industrial requirements stipulated in the pre-development phase of the project. It then demonstrated the applicability of the future aircraft to global humanitarian aid issues. After the round of analysis and demonstration, it was shown that the KC-390 will ratify the prevalence of peaceful international relations and the projection of the country in the field of cooperative security, with its measures of mutual trust. It was also possible to identify that the KC-390 will enable more material and logistical assistance provided for humanitarian comfort and social assistance in efforts to develop world peace. Thus, this article is fundamental to understand the additional purpose of projection of Brazil in international cooperation relations with other countries. Keywords: KC-390, Projection, Scenario, and International Cooperation. I - INTRODUÇÃO A política externa é um instrumento para o desenvolvimento econômico e para a consequente preservação e ampliação da autonomia de um país. Esse é um princípio historicamente assentado para a diplomacia [1]. As interligações entre a esfera doméstica e o contexto externo de uma nação direcionam toda a dinâmica da política externa. Segundo Freire [1], os fatores domésticos e externos combinam-se na

O Maj Av Américo concluiu o CFO em 2003, possui especialização em Análise de Ambiente Eletromagnético no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (2009), especialização em Gestão Pública e Emprego da Força Aérea na Universidade da Força Aérea (2015) e mestrado em Ciências Aeroespaciais na Universidade da Força Aérea (2018). Atualmente é Chefe da Seção de Avaliação e Doutrina e da Seção de Inteligência do EM da Ala 2 e é Oficial Adjunto à Seção de Apoio do Grupo Kilo. Contato: e-mail americobap@fab.mil.br, telefone (62) 3329-7830.


39 formulação da política externa, resultando numa equação em que os recursos internos e a vontade política, conjugados com ameaças e oportunidades externas, conduzem a opções políticas variáveis. O objetivo único dessa equação é a maximização do interesse nacional. No âmbito da Aeronáutica, o esforço para a projeção internacional do Brasil surge diante da possibilidade de desempenhar responsabilidades crescentes em ações humanitárias e em missões de paz sob a égide de organismos multilaterais, de acordo com os interesses nacionais. A capacidade de projeção de poder, visando a sua eventual utilização em operações estabelecidas ou autorizadas pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, também faz parte deste esforço de notoriedade internacional. Todavia, nos dias de hoje, o Brasil possui um desafio nacional de gerir as crises econômicas e políticas. Em parte, é um problema de recursos. Os meios necessários para manter uma presença global escasseiam. Esta instabilidade interna reinante suscita dúvidas a respeito da capacidade brasileira de atuar como parceiro internacional. Diante dessa dificuldade atual, é preciso imaginar opções de política externa, que até ontem pareciam impossíveis, e estimular toda e qualquer forma de projeção internacional do Brasil. Ban Ki-moon [2] enfatiza que, dentre os princípios que regem as relações internacionais, estão a defesa da paz, a solução pacífica de conflitos e a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade. Hoje, mais de 130.000 militares, policiais e civis servem em 16 operações de paz ao redor do mundo [2]. A nação brasileira já participou de mais de 50 operações de paz e missões similares, tendo contribuído com mais de 33.000 militares, policiais e civis na tentativa de minorar os desastres naturais ou conflitos violentos. Assim, apesar do cenário estável do entorno geopolítico imediato e do seu reconhecimento interno e externo como um país amante da paz, o Brasil vem ao longo dos anos cumprindo seu papel nas operações de manutenção da paz, na prevenção de conflitos e na solução pacífica de controvérsias. Como exemplo da participação em missões dessa natureza, no ano de 2003, o Brasil debutou em tarefas de caráter humanitário no âmbito das operações de paz, ao ter transportado e distribuído gêneros alimentícios, suprimentos e medicamentos para a população do Congo. Diante do exposto, desenvolveu-se a seguinte questão: Quais efeitos da chegada da nova aeronave militar KC-390 poderão influenciar a projeção do governo brasileiro no contexto internacional?

II - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA O entendimento norteador da projeção brasileira do KC-390, no cenário internacional, foi delineado pela Política Nacional de Defesa (PND) e pelas teorias de emprego do Poder Aéreo, definidas por Dallaire e Dorn. Com base nessas ideias, torna-se importante explorar e explicar o que é obscuro sob o entendimento de projeção do Brasil nas relações de cooperação internacional com outros países. Alinhando-se às aspirações nacionais e às orientações governamentais, em particular à política externa brasileira, a PND é baseada nos fundamentos, objetivos e princípios constitucionais. Esta política interessa a todos os segmentos da sociedade brasileira e é voltada para a solução pacífica das controvérsias, o fortalecimento da paz e da segurança internacional, o reforço do multilateralismo e a integração sul-americana [5]. As tensões e instabilidades indesejáveis para a paz, caracterizada por assimetrias de poder, são inibidas no multilateralismo e no fortalecimento dos princípios da soberania, da não-intervenção e da igualdade entre os Estados. Ainda segundo a PND [5], a contribuição para a manutenção da paz e da segurança internacional, a intensificação da projeção nacional brasileira e sua maior inserção em processos decisórios internacionais são alguns dos objetivos nacionais de defesa estabelecidos, visando preservar a soberania e os interesses nacionais. Dallaire [6] defende que a prevenção de conflitos e as ações humanitárias devem ser uma tentativa de atuação militar de todas as Nações em prol do multilateralismo empregado pela Organização das Nações Unidas. Para ele, o desenvolvimento e o bem-estar da humanidade são fundamentais para a integração entre os países. Dallaire defende, ainda, que o Exército e a Marinha têm de reconhecer na Força Aérea o nascimento do terceiro irmão, jovem, mas não menos importante no reforço do multilateralismo. A capacidade de atuação do Poder Aéreo deve ser considerada nas Operações de Paz, respeitando conceitos mais atuais de operações conjuntas, integrando os componentes terrestres, aéreos e navais. A teoria de Dallaire é ratificada pela teoria de Dorn [7], que defende a igualdade de importância entre a campanha terrestre e a campanha aérea dentro das Operações de Paz da Organização das Nações Unidas. Para Dorn, a campanha aérea é tão vital quanto a campanha terrestre. O papel do Poder Aéreo nas missões humanitárias foi o ponto focal de quebra de paradigma do conceito


40 comum, antigo e equivocado, de que as Operações de Paz são missões exclusivamente da Força Terrestre [8]. III - ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS No presente artigo, os aspectos domésticos e as influências internacionais para apontar a projeção brasileira do KC-390 foram baseados nas perspectivas econômica, social, tecnológica, institucional e estratégica1. Ao analisar as capacidades operacionais por meio dos requisitos técnicos, logísticos e industriais, estipulados na fase de pré-desenvolvimento do projeto, verifica-se que a aeronave inaugura uma nova era na indústria aeronáutica brasileira. Para sumarizar as perspectivas domésticas e as influências internacionais para apontar a projeção brasileira do KC-390 foi gerado o Quadro 1 a seguir: QUADRO I - PERSPECTIVAS DOMÉSTICAS E INFLUÊNCIAS INTERNACIONAIS Os efeitos positivos para o Brasil com o KC-390 Contribuição favorável às exportações Econômico

Incentivo à Base Industrial de Defesa Geração de parcerias internacionais com Argentina, Portugal e República Tcheca Geração e manutenção de empregos

Social

Ampliação da ajuda humanitária em desastres naturais ou conflitos violentos

Tecnológico

Geração de tecnologia de emprego dual

Institucional

Atendimento completo aos requisitos, gerando a interoperabilidade das Forças Armadas Maior capacidade de mobilização nacional

Estratégico

Ampliação da capacidade do Poder Aeroespacial de dar suporte para a estratégia da dissuasão

Esses efeitos positivos para o Brasil com o KC-390 estão em consonância com Alsina Júnior [9, p. 68], ao afirmar que “[…] a grande estratégia de qualquer Estado envolverá, no mínimo, os seguintes fatores domésticos: políticos, econômicos, ideológicos, institucionais, culturais, geográficos, tecnológicos, papel das lideranças e relações civis-militares”. Informe divulgado em palestra no 3º Workshop do Congelamento Aerodinâmico do KC-390 em abril de 2016.

1

Assim, segundo as teorias de emprego do Poder Aéreo, definidas por Dallaire [6] e Dorn [7], a ampliação da capacidade do Poder Aeroespacial de dar suporte para a estratégia da dissuasão representará uma das maiores influências de projeção brasileira no cenário internacional. A possível atuação do KC-390 em missões como a de Transporte Aéreo Humanitário de Cargas e de Passageiros, uma das tarefas aéreas da Organização das Nações Unidas, ratificará as aspirações nacionais e as orientações governamentais da política externa brasileira. Esses fundamentos, objetivos e princípios constitucionais estão estabelecidos pela PND e foram mencionados por Loreiro [10]. Em se tratando do aparato dissuasório brasileiro como um complexo de meios escassos, dada a vastidão territorial do Brasil, é fundamental que haja uma dinâmica propícia para o deslocamento de força militar para onde for requisitada, seja respondendo a eventuais agressões ou atuando em missões de paz e ações cívico-sociais. [10] Nesse contexto, insere-se o KC-390 como um equipamento possível de incrementar os esforços diplomáticos em operações de peacekeeping ou peace-enforcement em um ambiente de conflito de baixa intensidade e de contrainsurgência. Apesar de a Força Aérea Brasileira, até a atualidade, ter empregado muito pouco a sua Aviação em missões de conflito real, observa-se que ela tem, a partir de 2012, desenvolvido exercícios de simulação de combate2 e participado de exercícios com outros países como, por exemplo, a Maple Flag3, nas quais se empregam as aeronaves em um cenário que simula situações de conflito. Outro exemplo da participação em missões dessa natureza é o Exercício Operacional (EXOP) TÁPIO, atividade que, em 2018, teve por objetivo adestrar Esquadrões Aéreos e Unidades de Infantaria do Comando de Preparo no cumprimento de ações de Força Aérea em cenário similar ao encontrado em missões de paz da Organização das Nações Unidas. Nesses exercícios, podem ser identificadas as limitações das aeronaves frente às ameaças como, por exemplo, os mísseis de ombro, que passaram a ser empregados nos exercícios operacionais da Simulação de uma operação militar, envolvendo duas ou mais forças oponentes, e conduzidas mediante regras, dados e procedimentos fixados, para representar uma situação real ou imaginária [11]. 3 Exercício internacional de simulação de guerra aérea realizado pela Real Força Aérea Canadense (RFAC), na cidade de Cold Lake, no Norte do Canadá, “Aerovisão”, Disponível em <https://issuu.com/portalfab/docs/aerovisao233?backgroundColor=%2523222222> (acesso 20 abril 2018). 2


41 Força Aérea Brasileira visando ao treinamento de suas equipagens de combate. Devido aos equipamentos de autodefesa embarcados e à confiabilidade em termos de disponibilidade, as aeronaves KC-390 poderão ser empregadas em qualquer região do globo, estimulando a atuação das Forças Armadas em todo tipo de tarefa. Este avião terá a capacidade de atender o deslocamento de forças terrestres e equipamentos, facilitando, assim, a política externa brasileira em missões nas quais o Conselho de Segurança das Nações Unidas tenha determinado a existência de uma ameaça, de ruptura da paz ou de ato de agressão. IV - CONCLUSÕES Neste artigo as concepções domésticas e as influências internacionais para apontar a projeção brasileira do KC-390 foram identificadas por meio das perspectivas econômica, social, tecnológica, institucional e estratégica, conforme o Quadro 1. Foi possível identificar que o aspecto estratégico e a “ampliação da capacidade do Poder Aeroespacial de dar suporte para a estratégia da dissuasão”, segundo as teorias de emprego do Poder Aéreo, definidas por Dallaire e Dorn, e ratificadas pela Política Nacional de Defesa, representarão uma das maiores influências de projeção brasileira no cenário internacional. Desta forma, foi possível demonstrar que o KC-390 contribuirá para a estratégia de dissuasão e para a instrumentalização do Poder Aeroespacial, como componente do Poder Militar, auxiliando no suporte às Políticas de Defesa e Externa. Foi possível identificar, também, que o KC-390 possibilitará, em uma visão prospectiva, uma maior participação brasileira nas operações de paz e proporcionará uma maior assistência material e logística, prestadas para fins humanitários nos esforços para o desenvolvimento da paz mundial. Assim, a política de defesa, que se expressa por meio do poder militar, constitui um elemento imprescindível para a condução da política externa de um Estado como o Brasil. Deste modo, o KC-390 pode auxiliar a política externa em seu esforço de ampliação da capacidade de barganha e da autonomia do país. REFERÊNCIAS [1] FREIRE, Maria Raquel. A política externa em transição: O caso da Federação Russa. Rela-

ções Internacionais (R: I), n. 23, p. 75-89, 2009. Disponível em:<http://www.ipri.pt/images/publicacoes/revista_ri/pdf/ri23/n23a05.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2018. [2] BAN KI-MOON. Secretary-General’s Remarks to the Chiefs of Defence Conference. United Nations Secretary-General Ban Ki-moon’s Statements. New York, 2015. Disponível em: <http://www.un.org/sg/statements/index.asp?nid=8498>. Acesso em: 10 mar. 2018. [3] BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Política Externa. O Brasil e as operações de manutenção da paz da ONU. Brasília, DF, 2016. [4] GIL, A.C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007. [5] BRASIL. Ministério da Defesa. Política Nacional de Defesa (minuta). PND Brasília, DF, 2016. [6] DALLAIRE, R. A. Foreword. In: DORN, A. W. (Ed.). Air Power in UN Operations: Wings for Peace. Kindle Edition. Burlington: Ashgate, 2014. [7] DORN, A. W. (Ed.). Air Power in UN Operations: Wings for Peace. Kindle Edition. Burlington: Ashgate, 2014. [8] SILVA, C. C; SANTOS, R. A. S. O emprego do poder aéreo em operações de paz da ONU à luz da doutrina da Força Aérea Brasileira. In: Encontro da Associação Brasileira de Estudos de Defesa, 9., 2016, Florianópolis. Anais eletrônicos... Niterói: 2016. [9] ALSINA JÚNIOR, J. P. S. A Esfinge e o Tridente: Rio-Branco, Grande Estratégia e o Programa de Reaparelhamento Naval (19041910) na Primeira República. 2014. Tese de Doutorado. UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. Disponível em:<http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/17266/3/2014_JoaoPauloSoaresAlsinaJunior.pdf >. Acesso em: 09 abr. 2018. [10] LOREIRO, E. O. Programa KC-390 : o panorama interno, os parceiros e a projeção internacional do Brasil. 2016. 176f. Dissertação (Mestrado em Estudos Estratégicos da Defesa e da Segurança) – Universidade Federal Fluminense, Instituto de Estudos Estratégicos. Niterói, RJ, 2016. [11] BRASIL. Ministério da Defesa. Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas. Portaria nº 9/GAP/MD, de 13 de janeiro de 2016. Aprova o Glossário das Forças Armadas: MD35-G-01. 5. ed. Brasília, DF, 2015. Disponível em:<http:// www.defesa.gov.br/arquivos/legislacao/emcfa/publicacoes/doutrina/md35_g_01_glossario_ffaa_5_ ed_2015.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2018


42 AMPLIANDO A UTILIZAÇÃO DO ESPECTRO ELETROMAGNÉTICO EM MISSÕES OPERACIONAIS DA AERONAVE A-29 1° Ten Av JOÃO BERNARDO COSTA NEVES Segundo Esquadrão do Terceiro Grupo de Aviação (2°/3° GAV)

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo apresentar alguns dispositivos que operam em faixas do espectro eletromagnético que ainda não são utilizadas pelos A-29 da FAB, mostrando quais capacidades podem ser exploradas por essa aeronave em diversos tipos de Teatro de Operação (TO). Palavras chave: Guerra Eletrônica, Espectro Eletromagnético, Super Tucano e Sensores. EXTENDING THE USE OF THE ELECTROMAGNETIC SPECTRUM IN A-29 OPERATIONAL MISSIONS ABSTRACT: The purpose of this article is to present some devices that operate in bands of the electromagnetic spectrum that are not currently used by the Brazilian Air Force A-29, showing what capabilities can be used by this aircraft in various types of Operational Theater. Keywords: Electronic Warfare, Electromagnetic Spectrum, Super Tucano and Sensors.

I – ESPECTRO ELETROMAGNÉTICO Ondas eletromagnéticas propagam-se no vácuo a 299.292,46 km/s (c), ou seja, a aproximadamente 300.000 km/s. A distância entre dois picos de onda determina o comprimento de onda (λ), assim como o número de picos que passam em um determinado ponto fixo no espaço, em certo período, determina a frequência (ƒ) dessa mesma onda [1]. Frequência e comprimento de onda são grandezas inversamente proporcionais. Como a velocidade da luz no vácuo é constante, podemos relacionar tais grandezas de acordo com a equação: ƒ x λ = c (1)

A faixa composta por todos os comprimentos de onda, ou frequências, da radiação eletromagnética (REM) é chamada de espectro eletromagnético. Apesar de não existirem limites e nem uma descontinuidade física, o espectro eletromagnético é comumente estudado por regiões e sub-regiões espectrais. A região do visível, por exemplo, representa uma parcela extremamente pequena do espectro [2]. Analisando-se apenas a REM propriamente dita, pode-se dizer que, dentro do espectro eletromagnético, as principais diferenças entre duas ondas distintas seriam seus comprimentos e, proporcionalmente, suas frequências. Uma pequena mudança na frequência, contudo, pode causar grande diferença na interação entre tais ondas e o material [3]. O comportamento espectral, por vezes chamado de assinatura espectral, de determinado objeto está relacionado ao processo de interação entre o objeto e a REM incidente. A maneira como essa interação ocorre depende da estrutura atômica e molecular de cada objeto ou do meio [3]. Diferentes tipos de materiais podem absorver maior ou menor quantidade da energia da REM de determinada frequência. Essa absorção implica na diminuição da quantidade de energia da REM refletida ou transmitida pela matéria em certas faixas do espectro eletromagnético, também denominadas bandas de absorção [3].

O 1° Ten Av Neves concluiu o CFOAV em 2011 e foi declarado Piloto de Caça em 2012. Possui Especialização em Análise de Ambiente Eletromagnético pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (2016). Atualmente é Oficial Adjunto à Seção de Operações do 2°/3° GAV. Contato: e-mail nevesjbcn@fab. mil.br, telefone (69) 99908-3016.


43 Outros fatores como textura, densidade e posição relativa também influenciam o processo de interação dos alvos com a REM. Resumindo, pode-se dizer que cada alvo absorve ou reflete de modo diferente a REM incidente, em cada uma das faixas do espectro [3].

II – A AERONAVE A-29 E O USO DO ESPECTRO ELETROMAGNÉTICO Desde que entrou em serviço na Força Aérea Brasileira (FAB), a aeronave A-29 vem demonstrando excelente desempenho nas missões para as quais foi concebida. Além disso, características como precisão, baixo custo operacional e grande autonomia permitem que esse vetor cumpra outras missões igualmente bem. Outra característica importante é a compatibilidade da aeronave com uma grande variedade de dispositivos e armamentos. Ser capaz de realizar comunicação segura com outras aeronaves e tropas terrestres, transmitir dados via data-link, operar com sensores imageadores e óculos de visão noturna (OVN), torna o Super Tucano uma plataforma extremamente versátil. O uso da REM pode ocorrer de diferentes formas em um conflito. Aquisição de informações, medição de distâncias, comunicação, camuflagem, guiamento de armamento e inibição do uso do espectro pelo inimigo são algumas das utilidades da onda eletromagnética, durante o combate. As regiões referentes ao ultravioleta, ao visível, ao infravermelho, ao micro-ondas e às ondas de rádio são as regiões do espectro eletromagnético mais utilizadas em combate. Vale ressaltar que os limites, entre uma e outra faixa, não são rigidamente estabelecidos, variando entre alguns pesquisadores. O infravermelho, por exemplo, é uma faixa amplamente utilizada no campo de batalha. Como se pode observar na Tabela I, tal faixa é subdividida em seis regiões: o Near Infrared (700-1000 nm), que se encontra próximo do visível; o Short-Wavelength Infrared (1-3 µm); o Medium-Wavelength Infrared (3-5 µm); o Long-Wavelength Infrared (5-14 µm); o Very Long Wavelength Infrared (14-30 µm); e o Far-Infrared (30-100 µm) [4].

TABELA I - DIVISÃO DE FAIXAS ESPECTRAIS [4]. 25–200 nm

Vacuum Ultraviolet

VUV

200–400 nm

Ultraviolet

UV

400–700 nm

Visible

VIS

700–1000 nm

Near Infrared

NIR

1–3 µm

Short-Wavelength Infrared

SWIR

3–5 µm

MediumWavelength Infrared

MWIR

5–14 µm

Long-Wavelength Infrared

LWIR

14–30 µm

Very Long Wavelength Infrared

VLWIR

30–100 µm

Far-Infrared

FIR

100–1000 µm

Submillimeter

SubMM

Em missões operacionais, a aeronave A-29 da FAB explora faixas do espectro eletromagnético com Óculos de Visão Noturna (OVN) e com imageador FLIR (Forward Looking Infrared), além das ondas de rádio utilizadas para comunicação por voz e transferência de dados. O OVN opera em parte da faixa do visível (Visible) e na faixa do infravermelho próximo (Near Infrared). O equipamento constitui-se, basicamente, em um intensificador de imagens, ampliando a intensidade da REM nas faixas mencionadas e possibilitando ao piloto visualizar o ambiente e alvos que seriam muito difíceis, ou até mesmo impossíveis, de serem detectados a olho nu. Por se tratar de um intensificador, necessita de uma fonte emissora de REM – provida pela luz refletida pela lua, emitida por estrelas, por fontes no solo, entre outras – para seu funcionamento. Todos os objetos emitem radiação infravermelha. Invisíveis ao olho humano, os raios infravermelhos são geralmente chamados de “raios de calor”, apesar de essa terminologia constituir-se em um termo tecnicamente inapropriado. Essa energia infravermelha é gerada pela vibração dos átomos e moléculas que compõem determinada substância. Quanto mais quente a matéria, maior a vibração molecular, e, consequentemente, maior a emissão de infravermelho [5]. Como o FLIR capta a REM emitida pelos objetos, o mesmo não precisa de alguma fonte específica, como o sol. Somente se um objeto atingisse a


44 temperatura de zero absoluto Kelvin (0K), pararia de emitir na faixa do infravermelho. Assim, estando no campo de visão de um imageador FLIR, dificilmente alguém conseguiria se esconder ou se camuflar, seja durante o dia ou a noite. O modelo de FLIR utilizado atualmente na FAB pelo A-29 é o Star SAFIRE, que opera na faixa do MWIR. Contudo, outros modelos, como o Star SAFIRE 380 HLD, além de trabalhar na faixa do MWIR, conseguem operar também na faixa do visível e do infravermelho de onda curta (SWIR). Diferentemente do visível, a faixa de comprimento de onda relativa ao SWIR não sofre tanta interferência em decorrência da presença de certas substâncias na atmosfera, como névoa, poeira e fumaça, sendo a faixa mais recomendada para realizar imageamento em determinadas condições. As figuras seguintes mostram a diferença entre a mesma cena sendo imageada na faixa do visível e na do SWIR, na presença de fumaça (Figura 1) e de névoa (Figura 2), respectivamente.

Figura 1 – Diferença entre imagens na faixa do visível e na do SWIR na presença de fumaça [6].

Figura 2 - Diferença entre imagens na faixa do visível e na do SWIR na presença de névoa [6]. O segundo modelo de FLIR citado, por exemplo, possui quatro tipos de laser (rangefinder, pointer, illuminator e designator) e pode apresentar os seguintes ganhos operacionais: a) capacidade de designação, que permite o emprego de armamentos com kit inteligente (bombas e foguetes) ou de mísseis ar-superfície; e b) capacidade de apontar alvos e mostrar ameaças, não somente para outras aeronaves, mas também para tropas terrestres.

Certamente, tais ganhos mostrar-se-iam bastante efetivos durante um conflito. Entretanto, como essas emissões só podem ser visualizadas com o uso de OVN, tal capacidade está restrita ao período noturno. A fim de mitigar tal deficiência, foram criados dispositivos como o Multi-Band Laser Spot Tracker (MBLST), mostrado na Figura 3.

Figura 3 - Multi-Band Laser Spot Tracker (MBLST) [7]. O MBLST é um imageador que opera na faixa do SWIR, sendo capaz de visualizar todos os tipos de laser emitidos no campo de batalha (rangefinder, pointer, illuminator, designator e marker), nos períodos diurno e noturno. Dessa forma, por meio do laser emitido pela aeronave, o equipamento possibilita a confirmação do alvo para o ataque. A visualização de uma posição inimiga, designada por outra aeronave que esteja utilizando laser, torna-se possível também durante o dia. Além disso, também é possível detectar a posição inimiga, caso a força oponente esteja utilizando algum tipo de laser. Todas essas funcionalidades permitem a execução de coordenações com mínima comunicação rádio, aumentam a consciência situacional e, principalmente, reduzem o risco de fratricídio e de dano colateral. Outros dispositivos, como o Coded Spot Tracker (CST), o Warrior Pulse Repetition Frequency Decoder Module e o SWIR Pocket Scope (SPS) possuem os mesmos objetivos, porém com algumas características diferentes. Além de apontar posições de interesse à tropa terrestre, também possibilita receber do solo informações acerca do posicionamento de alvos. O FLIR Star SAFIRE 380 HLD, assim como outros imageadores da mesma série, são capazes de visualizar pontos nos quais marcadores ou designadores laser estão sendo apontados, seja por outra aeronave ou tropas no solo. Dessa forma, a aeronave imageadora consegue verificar exatamente qual alvo a tropa terrestre


45 deseja que seja atacado, com mínima comunicação rádio e com maior confiabilidade. Além disso, outra ferramenta que também pode ser utilizada é o Handheld Laser Marker (HLM), mostrado na Figura 4.

Figura 4 - Handheld Laser Marker (HLM) [8]. O combatente terrestre insere no HLM um código (o mesmo usado para designar alvos) referente à determinada frequência de repetição. Na aeronave, esse mesmo código deve ser selecionado pelo operador FLIR. O referido equipamento, então, realizará uma busca e apontará para o ponto exato em que o combatente da tropa em solo estará realizando a marcação, destacando, assim, alvos de forma rápida e segura. Apesar de, inicialmente, haver sido concebido apenas para a marcação de alvos, testes estão sendo realizados para verificar a eficácia do HLM também para a designação. Além das faixas do infravermelho, outras partes do espectro eletromagnético ainda podem ser exploradas. O uso da banda Ku, por exemplo, pode trazer benefícios em missões operacionais. Apesar de não ser utilizado por nenhum operador da aeronave A-29, o Super Tucano é compatível com o I-Master GMTI/SAR Radar fabricado pela Thales mostrado na Figura 5.

Figura 5 - I-Master GMTI/SAR Radar [9].

Com dimensões aproximadamente iguais ao FLIR, o I-Master é capaz de adquirir imagens SAR (Synthetic Aperture Radar) e ainda possui funções como Moving Target Indicator (MTI). Assim, o I-Master poderia detectar a movimentação de embarcações, viaturas, tropas de infantaria e, até mesmo, aeronaves voando a baixa altura. A grande diferença entre o I-Master e os aparelhos anteriormente mencionados, que utilizam as faixas do infravermelho, é que este possui característica all weather, ou seja, consegue operar em condições de chuva, nuvens, fumaça e tempestades de areia. Voando sobre uma camada de nuvens, um A-29 seria capaz de adquirir informações acerca do posicionamento inimigo e de transmiti-las para tropas amigas, sem se expor à ameaça de mísseis de ombro. A capacidade de detectar, localizar e acompanhar alvos terrestres em movimento reduziria a necessidade de buscas visuais, as quais, por vezes, revelam-se ineficientes. Inúmeras missões poderiam ser aprimoradas com a utilização desse tipo de sensor, desde o controle aéreo avançado, até missões de defesa aérea. Em missões de apoio aéreo aproximado, por exemplo, com uma maior consciência situacional do posicionamento inimigo, mais empregos poderiam ser realizados em um mesmo período.

III - CONCLUSÃO Tanto em missões de treinamento, quanto em Exercícios Operacionais, é possível verificar a dificuldade de se efetuar a procura e a visualização de alvos fornecidos por tropas no solo. Assim como pode ser percebida a dificuldade em se descrever alvos posicionados em perímetros urbanos para as forças amigas. Também pode-se observar o quanto o laser ajuda na identificação de tais alvos em período noturno. Com a utilização de modelos de FLIR com as capacidades do STAR SAFIRE 380 HLD, é possível mitigar essas dificuldades, utilizando o laser durante o dia e à noite. Além disso, é possível empregar armamentos guiados a laser sem depender de outros modelos de aeronaves. Ressalta-se, ainda, a existência de diversas outras vantagens sobre o atual modelo utilizado. Um radar com característica all weather e função MTI permitiria ao A-29 detectar alvos em


46 movimento em período noturno ou em condições meteorológicas adversas. Tal modelo de radar ainda evitaria a visualização por inimigos portando armamento antiaéreo de ombro, atualmente uma das principais ameaças a esse tipo de aeronave. Em suma, uma gama de missões pode ser aprimorada. Assim como missões que não podem ser executadas atualmente passariam a ser cumpridas com alto nível de eficácia. Deve-se destacar que a possibilidade de introdução de aprimoramentos não se encerra aqui. Muitas regiões do espectro eletromagnético ainda podem ser exploradas, tanto para a defesa, quanto para o ataque. Os dispositivos abordados podem prover grande vantagem sobre o inimigo. Porém, algo muito importante deve ser lembrado: não importa o quão sofisticado tecnologicamente seja o sistema, a aeronave ou o sensor. Caso as táticas, técnicas e procedimentos não evoluam, tais capacidades não serão exploradas em sua plenitude. Em matéria de guerra, o desenvolvimento é ininterrupto. Estejamos preparados.

REFERÊNCIAS [1] MENESES, Paulo Roberto et al. (Org). Introdução ao processamento de imagens de sensoriamento remoto. Brasília: CNPq, 2012. 266p.

Imagem do FLIR STAR SAFIRE 380-LD

[2] MOREIRA, R.D.C. Espectroscopia por imageamento. São José dos Campos: IEAV, 2002. [3] TIPLER, P.A.; MOSCA, G. Física: para cientistas e engenheiros. Tradução de P.M. Mors, N.M. Balzaretti, M.R. Gallas. 6. ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, c2009. 3v. ISBN 978-85-216-1710-5 (v.1); 978-85-216-1711-2 (v.2); 978-85-216-1712-9 (v.3). [4] BASS, M. (Ed.). Handbook of optics. 3. ed. New York, NY: McGraw-Hill, c2010. v. 4. ISBN 978-0-07-149892-0. [5] JEWETT,JR. JOHN W.; SERWAY,RAYMOND A. Física para Cientistas e Engenheiros. Eletricidade e Magnetismo. São Paulo: Cengage Learning, 2012. v.3 488p. [6] Sensors Unlimited, Disponível em: <http://www.sensorsinc.com/gallery/images> Aceso em 23 de abril de 2018. [7] Northrop Grumman Corporation, Disponível em: <http://www.northropgrumman.com/ Capabilities/MBLST/Pages/default.aspx>. Acesso em 23 de abril de 2018. [8] Insight Technology, Disponível em: <http://www.insighttechnology.com/l3-products/ la-10u-peq-handheld-laser-marker-hlm>. Acesso em 28 de abril de 2018. [9] Thales I-Master, Disponível em: <https:// www.thalesgroup.com/en/worldwide/defence/i-master> Acesso em 23 de abril de 2018.


47 FISIOLOGIA DO ESTRESSE EM COMBATE NA ATIVIDADE AÉREA: BUSCA PELA CONDIÇÃO AMARELA Cap Av Rafael Pelizzon Ferreira Primeiro Esquadrão do Décimo Primeiro Grupo de Aviação (1º/11º GAV)

RESUMO: O estresse em combate debilita a capacidade de combate das unidades do mesmo modo que a perda de um combatente por ferimento ou óbito. Por meio de pesquisa bibliográfica, foram verificados os tipos de reações fisiológicas que podem ocorrer ao expor o indivíduo à tensão do combate e como podem afetar no desempenho e segurança da atividade aérea. Foi observado de que modo o estresse é benéfico para a eficiência em combate. Também foram verificados os procedimentos previstos para prevenção e controle das reações sintomáticas e sua aplicabilidade no preparo de tripulantes da FAB. Ao final, corroborou-se a necessidade da preocupação em buscar um treinamento mais próximo das condições reais de emprego, com a simulação adequada do nível de dificuldade esperado em combate sendo o método mais eficiente para a prevenção da incapacitação resultante de reações de estresse em combate. Palavras chaves: Estresse em combate, Fadiga de combate, fisiologia em combate, prevenção de reações de estresse, controle de reações de estresse. PHYSIOLOGY OF COMBAT OPERATIONAL STRESS IN AIR ACTIVITY: SEARCH FOR YELLOW CONDITION ABSTRACT: Combat stress weakens units fighting ability in the same way as the loss of a combatant from injury or death. By means of bibliographical research, were verified the types of physiological reactions that can occur when exposing the individual to the combat tension and how it can affect performance and safety of the aerial activity. It was observed how stress is beneficial to combat efficiency. The procedures for prevention and control of symptomatic reactions and its applicability in the preparing of Brazilian Air Force crew members were also checked. At the end, it was corroborated the need of concern to seek trai-

ning closer to the real conditions of employment, with an adequate simulation of the difficulty level expected in combat being a more efficient method for the prevention of incapacitation resulted from stress reactions in combat. Keywords: Combat Stress, Combat Fatigue, Physiology in Combat, Combat Operational Stress Reaction Prevention, Combat Operational Stress Control. I – INTRODUÇÃO A atividade aérea militar exige que o piloto opere em situações não tão previsíveis ou controladas como na aviação civil. A operação militar moderna exige o voo em um determinado espaço aéreo com variadas aeronaves, cumprindo diversas missões e em diferentes perfis ao mesmo tempo. Nesse contexto, há uma grande carga de trabalho de coordenação entre os diversos elementos do cenário, desde as aeronaves dentro da formação como, também, entre as outras esquadrilhas, órgãos de controle aéreo ou coordenação com meios terrestres e navais. A operação não se restringe ao período diurno, podendo ocorrer de forma continuada, com a ajuda de sistemas de visão noturna ou sob condições meteorológicas adversas. Essas dificuldades são elementos que os Esquadrões Aéreos já estão habituados a lidar.

O Cap Av Pelizzon concluiu o CFOAV em 2006 e possui especialização em Logística pelo Instituto de Logística da Aeronáutica (ILA) em 2015 e Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais (CAP) em 2017. É Líder de Esquadrilha na Aviação de Asas Rotativas e instrutor de RQ-450, H-60L e H-50. Atualmente é o chefe da Subseção de Instrução do 1º/11º GAV. Contato: email pelizzonrpf@fab.mil.br, telefone (84) 3644-7491.


48 Além desses fatores, há a finalidade da atividade militar, que é o emprego em combate contra uma força hostil. Deve-se considerar uma nova peça no tabuleiro, onde alguém que quer impedir que as aeronaves cumpram sua missão por meios tão violentos quanto os seus. O oponente irá oferecer ameaças diretas a partir do solo ou do ar, buscará interferir ou negar a consciência situacional através de medidas de ataque ou proteção no espectro eletromagnético, aumentando a quantidade de variáveis não controladas a serem gerenciadas. Agora, o homem dentro da cabine se defronta com alguém que fará o possível para matá-lo. Não é apenas uma mera situação de gerência e coordenação em que os erros, ou o acerto do oponente, vão lhe custar uma chamada de atenção no debriefing. A consciência do risco de perder a vida irá influir diretamente nas decisões que o piloto pode tomar e ativar respostas que são resultados de um longo processo evolutivo. Essas respostas à tensão podem melhorar a capacidade de combate do piloto até certo ponto, a partir de onde podem interferir de maneira negativa e perigosa. A exposição a esse tipo de cenário leva à ocorrência de reações psicológicas e fisiológicas resultantes do estresse em combate que podem ser identificadas, mitigadas e controladas pelos indivíduos. São descritos neste trabalho, após pesquisa bibliográfica, como as respostas fisiológicas interferem na performance do piloto, bem como medidas de prevenção e controle das reações a fim de garantir maior segurança na atividade aérea. II – ESTRESSE EM COMBATE O termo estresse em combate refere-se às tensões físicas, emocionais e mentais, ou ao sofrimento resultante da exposição do indivíduo ao combate, ou às situações relacionadas ao combate [1]. As reações psicológicas e fisiológicas debilitam consideravelmente o indivíduo e, consequentemente, a capacidade de combate da Força, tanto quanto a perda de homens por ferimento ou óbito. Durante a Segunda Guerra Mundial, verificou-se a ocorrência de uma baixa por motivo de estresse para cada três baixas por ferimentos ou óbito no teatro europeu. Em combates mais ferrenhos e agressivos como a batalha de Okinawa, na campanha do Pacífico, essa proporção chegou a 1:1,3. Esses números levaram as lideranças das FFAA dos EUA a considerarem o controle do es-

tresse em combate como fundamental no nível tático [2]. III – REAÇÕES FISIOLÓGICAS DE ESTRESSE EM COMBATE Ao se deparar com situações de grande estresse ou tensão, o corpo humano apresenta uma série de reações fisiológicas que são resultado de um passado pré-histórico de ameaças em um ambiente em que o ser humano era a caça ou o caçador. Reações de estresse em combate, sejam psicológicas ou fisiológicas, possuem um caráter temporário e efeitos positivos e negativos para o enfrentamento da situação de perigo. A. Sistema nervoso autônomo O sistema nervoso autônomo atua de modo contínuo e inconsciente no corpo humano e é subdividido em sistema simpático e parassimpático. Esses sistemas regulam atividades como respiração, frequência cardíaca, piscar os olhos e atuam um em complemento ao outro. O sistema simpático é responsável pelas respostas fisiológicas frente uma situação de perigo, levando à melhor condição para a pessoa fugir ou lutar. Ele irá, de modo automático, mobilizar do melhor modo as reservas energéticas do corpo, dilatando ou comprimindo vasos sanguíneos e respiratórios, e também disparando hormônios a fim de elevar o nível de atenção ao máximo. De modo oposto, o sistema parassimpático normaliza as funções fisiológicas, permitindo que o organismo possa relaxar e restituir reservas energéticas. Após a exposição à situação de tensão, ocorre o efeito rebote parassimpático do pico de estresse. O corpo, ao perceber que o perigo imediato passou, contrabalanceia as reações do sistema simpático, promovendo o relaxamento involuntário do organismo, com a consequente redução do nível de atenção. Napoleão Bonaparte alertava que “o momento de maior vulnerabilidade é o instante imediato após a vitória” [3]. Esse é o ponto em que o nível de atenção do indivíduo cai consideravelmente. Uma tripulação deve reconhecer essa vulnerabilidade no decorrer de sua missão. Taticamente, o comandante de fração deve perceber que é o momento em que deve substituir o seu pessoal engajado por uma tripulação reserva a qual possa ter um nível de reação adequado em caso de necessidade, pois a qualidade da equipe inicial foi degradada consi-


49 deravelmente, tornando-se vulnerável. Na instrução aérea, um voo deve ser abortado após situação que o caracterize como perigoso. Após alguns minutos posteriores à situação de estresse, a capacidade de intervir e o nível de atenção do instrutor estarão consideravelmente degradados, ainda que não o perceba. B. Eficiência x frequência cardíaca Conforme observado na Fig. 1, Grossman & Siddle [3] verificaram uma relação entre a faixa de frequência cardíaca e as reações fisiológicas do corpo humano, e de que modo a eficiência em combate varia em função da primeira.

Condição Cinza (145-175 bpm): O sistema nervoso simpático dispara reações que visam garantir a própria sobrevivência. Ocorre a vasoconstrição dos membros e da área mais externa do torso, e a degradação do processo cognitivo e das capacidades motoras. Acontecem fenômenos de alteração de percepção como a visão de túnel ou exclusão auditiva. Condição negra (acima de 175 bpm): O corpo humano assume as reações mais primitivas. Há o pico de força física ou de capacidade aeróbica, porém não há mais a consciência de ações cognitivas, o subconsciente assume a decisão de fugir ou lutar. Pode ocorrer a cristalização do indivíduo ou mesmo a excreção involuntária de fezes ou urina. C. A faixa de melhor eficiência em combate

Figura 1 – Relação entre eficiência em combate e a faixa de batimento cardíaco [3]. As faixas foram separadas em cinco condições: branca, amarela, vermelha, cinza e negra. Condição Branca (60-80 bpm): A condição branca é a condição normal em repouso do ser humano. O nível de atenção é baixo e o corpo encontra-se relaxado. Condição Amarela (80-115 bpm): A condição amarela se difere pouco fisiologicamente da condição branca. Nesse caso, há a percepção da ameaça ou do perigo. O nível de atenção em relação ao ambiente externo se eleva, assim como a prontidão para reagir de algum modo em caso de necessidade. É a condição em que os animais selvagens se encontram na natureza, estando em alerta constante para fugir ou atacar uma presa. Condição Vermelha (115-145 bpm): Faixa na qual há o pico de eficiência das capacidades motoras complexas, menor tempo de reação cognitiva e de reconhecimento visual. É o topo da curva de eficiência do combatente. Porém ocorre a degradação da capacidade motora fina.

Verifica-se que as condições ideais para o combate são as reações apresentadas na condição vermelha. Há a melhor capacidade de resposta motora e reconhecimento visual, sendo a performance ótima para o combate corpo-a-corpo. Entretanto, acima de 115 bpm ocorre a degradação da capacidade motora fina. Para a operação aérea isso pode não ser adequado ou seguro. Mesmo sob tensão, o piloto deve ter condições de atuar em interruptores ou botões para disparar o armamento, os lançadores de chaff e flare, como ilustrado na Fig. 2, ou mesmo acionar um botão PTT para comunicação externa. Do mesmo modo, um piloto de helicóptero, por exemplo, deve ter condições de atuar nos comandos de modo suave para efetuar um pouso de assalto ou um pairado estável durante um desembarque ou resgate. Assim, o objetivo dos pilotos deve ser trabalhar em condição amarela [4]. D. Adentrando na condição cinza A condição cinza é um limite tênue entre o pico de eficiência e a degradação da capacidade de combate. Ocorrem reações que alteram a percepção do indivíduo, interferindo diretamente na sua capacidade de tomada de decisão e consciência situacional [3]. i. Vasoconstrição Em situação de perigo, o cérebro prepara o corpo para receber ferimentos. Desse modo, ocorre a contração de vasos sanguíneos das extremidades, como braços e pernas, e da área mais externa do torso. O motivo é reduzir a perda de


50 sangue decorrente de uma possível hemorragia. Também ocorre alteração na percepção da dor. Em reporte de ocorrências policiais há a descrição de diversas situações em que o agente é alvejado por disparos e não percebe [3]. Ele até pode ter sentido os impactos, porém o sistema nervoso simpático inibe a dor nessa região e a vasoconstrição reduz consideravelmente a perda de sangue por aquele ferimento.

lação aos aeronavegantes, não foi encontrado algum reporte de alteração na percepção de alertas sonoros dos sistemas de emergência da aeronave ou alertas como o RWR (Radar Warning Receiver); no entanto, isso não exclui essa possibilidade. Já foi observada, em treinamentos de emergências simuladas com helicópteros bimotores, a falta de percepção da variação do som do motor ou conjunto rotor por alunos, ainda que as variações de volume tenham sido consideráveis, devido à tensão no momento de realizar manobras amplas de recuperação. iii. Visão de túnel

Figura 2 – Aeronave de caça efetuando manobras evasivas [5]. De modo análogo, caso o piloto ou tripulante perceba ou suspeite ter sido atingido por alguma coisa, deve fazer uma verificação visual em si mesmo a fim de identificar algum ferimento. Do mesmo modo, o homem de resgate deve prosseguir em inspeção visual no evasor, ainda que este reporte não ter se ferido. Uma vez ativado o sistema parassimpático, os vasos serão dilatados e poderá ocorrer uma perda de sangue considerável a partir desse momento. A vítima que se encontrava em uma condição estável passa rapidamente a uma situação crítica. Também, resultante dessa vasoconstrição, há a degradação da capacidade motora complexa. Podem ocorrer ações involuntárias que resultem, por exemplo, no disparo inadvertido de um gatilho. Pode ocorrer um comando brusco e repentino, vindo o piloto a extrapolar algum limite estrutural da aeronave. ii. Exclusão auditiva Sob estresse, o cérebro pode selecionar quais sons podem ser percebidos conscientemente pelo combatente. Reporta-se que o atirador houve disparos de outros agentes, porém não percebe o som de seus próprios disparos, gerando dúvida se os realizou ou não. O estudo de Grossman [3] refere-se ao combate com infantaria ou agentes policiais. Em re-

Sob tensão, pode ocorrer uma perda da percepção periférica da visão. Não pode ser confundindo com o obscurecimento da visão periférica resultante da carga G no piloto (gray out). A visão de túnel a que este item se refere está relacionada com a resposta natural em focar a atenção em um alvo ou em uma rota de fuga. Tal efeito é tão conhecido no meio policial que as técnicas de treinamento de atiradores preconizam que, após o engajamento contra o alvo, o agente faça movimentos amplos de cabeça de um lado para o outro antes que se coloque o armamento em segurança ou em espera, a fim de clarear efetivamente o ambiente ao seu redor [6]. Em voo, em especial na instrução aérea, observa-se esse afunilamento do foco quando o aluno se depara com uma situação inusitada. É quando este perde a consciência situacional de onde está outra aeronave, obstáculo ou mesmo pássaros. Mesmo que esteja em uma posição considerada óbvia por outros observadores, o piloto não irá identificar esses elementos, caso dependa da região periférica da visão. Deve-se entender que essa é uma reação esperada naquele momento. iv. Supersensibilidade Durante o enfrentamento de situações extremas, o corpo humano modifica a qualidade da percepção, podendo ocorrer duas situações em que os sentidos são amplificados. Na primeira situação, o indivíduo passa a ter melhoradas, a nitidez e a qualidade da imagem, percebendo detalhes que não identificava anteriormente. Na segunda, sua percepção de tempo se altera, de modo que os acontecimentos ocorrem em “câmera lenta” [3]. É nítido, em situações de emprego do armamento, nas quais o segundo previsto para algo ocorrer leva uma eternidade, podendo levar


51 o piloto a tomar uma decisão precipitada, como repetir um disparo ou iniciar uma abortiva. Isso, por julgar que algo que pretendia fazer não aconteceu. v. Perda da memória recente O indivíduo não se recorda das ações que tomou no momento em que enfrentou uma situação traumática, em especial quando o seu subconsciente assume o comando das reações motoras; efetuando uma resposta agressiva que pode ser por meio de inúmeros golpes contra um oponente, ou mesmo por múltiplos disparos de arma de cano. Nessa situação, o combatente não percebe o que acabou de realizar. Esse tipo de reação pode pôr em cheque a palavra do elemento, por não conseguir se recordar dos fatos recentes de forma involuntária [3]. E. Reações negativas extremas Adentrando na faixa negra, acima de 175 bpm, o subconsciente mais primitivo do ser humano aflora. Se por um lado podem ocorrer eventos de força ou resistência sobre-humana, por outro há a falta de controle cognitivo. Reações de fugir e lutar tornam-se irracionais, podendo inclusive ocorrer a cristalização ou paralisia física do indivíduo, sem que tenha tido qualquer lesão nervosa motora. Nessa condição, são reportadas crises agudas de cegueira ou surdez temporárias, bem como perda de controle total ou parcial sobre braços e pernas (também temporárias) [3]. Tendo em vista que, sob ação involuntária do sistema simpático, o corpo se prepara para utilizar toda energia disponível, este interrompe o trabalho do trato digestivo, além de buscar eliminar o material que não precisa para lutar ou fugir. Desse modo, ocorre a incontinência urinária ou fecal do combatente. Isso é uma consideração importante, porque afeta diretamente o sentimento de orgulho e a autoconfiança do militar. Após a Segunda Guerra Mundial, foi verificado que, sob essa condição, um quarto dos militares norte-americanos envolvidos em combate tiveram alguma ocorrência de ter defecado, e metade reportou alguma ocorrência de ter urinado [2]. Não se considera, obrigatoriamente, que isso ocorrerá, porém percebe-se uma predisposição à dor de barriga ou cólicas ao se antecipar uma situação de risco. Ir ao banheiro antecedendo o guarnecer da aeronave em uma missão com al-

gum risco de contato hostil irá prevenir o aeronavegante de ser vítima de seu próprio organismo, em caso de emergência. IV – PREVENÇÃO DA OCORRÊNCIA DE REAÇÕES FISIOLÓGICAS DE ESTRESSE EM COMBATE A elevação da frequência cardíaca como resposta ao estresse não tem relação direta com o condicionamento físico do indivíduo. Assim, um atleta de ponta pode apresentar reações agressivas, enquanto um combatente com capacidade física normal pode ter uma resistência maior à exposição a situações potencialmente traumáticas. O que faz a diferença ao lidar com o estresse é o condicionamento psicológico do indivíduo [3]. Esse condicionamento ocorre por meio de inoculação gradual e controlada de estresse, a fim de que se possa compreender as respostas fisiológicas. Desse modo, o militar torna-se cada vez mais tolerante à exposição de cargas maiores de tensão. Essa inoculação controlada é realizada por meio de treinamento ou ensaios estáticos do que deve ser feito em situação real. Isso ocorre rotineiramente nas missões de adestramento das unidades aéreas. Entretanto, a curva de adaptação ao estresse será mais eficiente quando houver a simulação de resposta da ameaça. Efetuar um treinamento de manobras evasivas a comando do instrutor, ou simplesmente reagindo a uma ameaça imaginária terá alguma eficiência na familiarização dos procedimentos. Porém, apenas quando houver uma ameaça simulada que reaja e que busque contrapor o aluno, o aprendizado será eficiente. A ação planejada pelo piloto ou tripulante poderá não ocorrer ou ser suficiente. Essa dúvida eleva o nível de tensão e finalmente ocorre a reação automática do organismo ao estresse [3]. Geradores de fumaça que simulam o disparo de mísseis superfície-ar e simuladores que ativem o sistema de alarme da aeronave serão extremamente eficientes no condicionamento do piloto. Organizações policiais buscam o mesmo condicionamento por meio de treinamento do tipo force-on-force, no qual é utilizado armamento com munição não-letal (paintball ou simmunition). Desse modo, obtém-se um alvo que não é passivo, mas sim outro indivíduo que raciocina tal qual o aluno, e que irá reagir caso este hesite. A dor provocada pelo impacto do projétil não-letal dispara as reações características ao estresse em combate [3].


52 Nesse caso, a mera teoria, negligenciando a prática, servirá pouco para preparar o aeronavegante ao combate. O condicionamento psicológico requer um ensaio prático para que seu subconsciente incorpore as ações e reações do seu organismo. É um tipo de aprendizado que requer a atuação psicomotora e o registro sensorial dos eventos. A máxima “você luta como treinou” é a síntese desse processo. Deve-se buscar o treinamento no perfil mais próximo do que se prevê encontrar em combate. Isso envolve o uso de configurações de aeronave e de material individual do tripulante. Se este prevê que irá utilizar um colete balístico em combate, deve também utilizar no treinamento, como parte do condicionamento, conforme observado na Fig. 3. Se é previsto que a aeronave estará pesada ou com determinado fator de arrasto, deve-se limitar suas manobras a essa configuração de voo, a fim de evitar que condicione comandos bruscos, fora do perfil proposto que poderão colocar a aeronave e o resto da tripulação em risco.

Figura 3 – Treinamento empregando as condições e equipamento mais próximos do esperado em situação real [7]. V – CONTROLE DE REAÇÕES FISIOLÓGICAS DE ESTRESSE EM COMBATE O condicionamento é o meio mais efetivo para o piloto manter o controle na condição amarela durante o voo. Entretanto, nem sempre as situações encontradas podem ser previstas ou simuladas. Conforme citado anteriormente, o sistema parassimpático atua nas funções automáticas do corpo. Entretanto, a respiração e o piscar de olhos são as únicas funções do sistema autônomo que podem ser comandadas de forma intencional pelo indivíduo.

Especificamente, a respiração é o único modo para que o ser humano atue de modo ativo e consciente no controle das reações do sistema nervoso autônomo [3]. As FFAA dos EUA estabelecem a chamada “respiração tática” como procedimento de controle realizado de forma ativa por alguém acometido de reações agudas de estresse. A respiração tática é realizada do seguinte modo [1]: a) Inspirar o ar pelo nariz de modo devagar por quatro segundos; b) Prender o ar nos pulmões por mais quatro segundos; c) Expirar o ar pela boca de modo devagar por quatro segundos; d) Prender a respiração por quatro segundos; e e) Repetir o ciclo por mais quatro vezes. Tal maneira de respirar não se difere do que é visto em técnicas de meditação ou ioga, sendo simples e eficiente para o controle de uma reação aguda [3]. Dentro do trabalho de condicionamento, deve ser planejado o emprego da respiração tática no treinamento como controle de prováveis reações de estresse a fim de que o piloto resgate essa lembrança em caso de necessidade. Pode ocorrer, após o evento traumático, um excesso de adrenalina no organismo do indivíduo. Consequentemente, o militar poderá não ter um controle psicomotor refinado das mãos, vindo a surgir tremedeira ou dificuldade em realizar trabalhos de maior precisão, como o manuseio do próprio armamento ou outro tipo de instrumento. Também poderá haver a tendência de permanecer alerta ou hiperativo, tendo dificuldade para descansar. Fazer uso de álcool ou nicotina para tentar relaxar irá apenas atrapalhar a recuperação do indivíduo, sendo na verdade, necessário que este elimine o excesso de adrenalina do organismo. Isso é obtido por alguma atividade física calistênica, sendo recomendável a repetição até se atingir o cansaço característico da fadiga da atividade aeróbica. Desse modo, sua recuperação com o sono ou descanso será mais eficiente [3]. Uma vez que se encerre a exposição do indivíduo à situação de tensão e ele persista com sintomas resultantes do estresse em combate, o tratamento mais eficiente é o afastamento temporário das atividades, e o repouso. Conforme mencionado anteriormente, reações de estresse em combate têm, na sua maioria, um caráter temporário.


53 O protocolo inicial para o atendimento pode ser feito pelos próprios militares da unidade. Isso permite que não haja um uso desnecessário de meios médicos que poderiam ser alocados para atendimentos a feridos em combate [2]. A chave da recuperação, tanto de reações psicológicas como fisiológicas, são o repouso e a manutenção da identidade do indivíduo como combatente. O militar deve entender que sua condição é temporária, ele não pode incorporar a ideia que está doente ou que é um paciente. O Exército norte-americano estabelece um período de um a três dias, enquanto o Corpo de Fuzileiros Navais estabelece o descanso de três a cinco dias, próximo às bases de operação [1]. Somente se persistirem os sintomas, o militar deve então ser encaminhado para acompanhamento psicológico. A consciência da expectativa que os seus companheiros o esperam, e necessitam de seu regresso às operações, ajudarão em uma recuperação mais rápida. Isso ocorre mais efetivamente quando há a manutenção do senso de espírito-de-corpo na unidade [2]. VI – CONCLUSÃO Verifica-se que diversas reações advindas da exposição ao estresse em combate, ou situação análoga, não podem ser negligenciadas. Por vezes, são confundidas como fraquezas, o que afeta a moral do militar. Entretanto, são reações naturais do organismo, sem que o indivíduo tenha controle do ocorrido. Sendo que, pelo contrário, este tornou-se alvo dessas reações por ter se disposto a enfrentar tal situação no cumprimento de seu dever. O planejamento cuidadoso de um programa de treinamento que simule um nível de ameaça adequado permitirá que o efetivo atinja o ponto da curva de aprendizagem sobre o autoconhecimento em combate, sem que sejam expostos a isso. Assim, na ocorrência de uma situação real, o aeronavegante estará melhor preparado para lidar com os desafios que venha a encontrar. Poderá buscar combater dentro da condição amarela, a fim de que tome ações adequadas para a sobrevi-

vência própria e da tripulação, sem a degradação de sua letalidade ou capacidade de combate. A FAB já participou de exercícios como Red flag, Mapple Flag e Angel Thunder, que foram concebidos pela USAF e têm a finalidade de prover ameaças com alto grau de realismo. Esses exercícios contam com a disponibilização de meios e infraestrutura para simulações fidedignas de forças oponentes, alvos, armamento superfície-ar e interferência eletrônica. O objetivo é forçar os tripulantes a avançar na curva de aprendizagem e condicionamento para enfrentar melhor uma situação de combate real. O conhecimento da escalada das reações fisiológicas de estresse em combate, bem como da prevenção e do controle dessas reações, irão permitir que as unidades possam reduzir o risco nas operações aéreas, tomando conta de suas armas mais importantes, que são seus homens e mulheres. REFERÊNCIAS [1] ESTADOS UNIDOS. Department of the Army. Combat and Operational Stress Control Manual for Leaders and Soldiers. (FM 6-22.5). Washington, DC, 2009. [2] FIGLEY, C.R.; NASH, W.P. Combat Stress Injury: theory, research and management. Nova Iorque: Routlege, 2011. [3] GROSSMAN, D. On Combat: The psychological and physiology of deadly conflict in war and peace. 3ª ed. Nova Iorque: Back Bay Books, 2012. [4] JEDICK, R. Combat stress response & tactical breathing. Go Flight Medicine, 2014. Disponível em: <http://goflightmedicine.com/on-combat/>. Acesso em: 27 abr. 2017. [5] PINTEREST. Disponível em: <https:// br.pinterest.com/pin/271553052503887470/>. Acesso em: 25 maio 2017. [6] GROSSMAN, D. On Killing: The psychological cost of learning to kill in war and society. Nova Iorque: Back Bay Books, 1995. [7] PINTEREST. Disponível em: <https:// br.pinterest.com/pin/58687601365935708/> Acesso em: 24 maio 2017.


54 USO DE LÓGICA DATALINK PARA EVITAR FRATRICÍDIOS Cap Av Felipe de Barros Lima Duarte Pereira 1º Grupo de Aviação de Caça (1º GAVCA)

RESUMO: O objetivo deste estudo é reduzir as chances de ocorrência de fratricídio em uma arena de combate BVR (Beyond Visual Range), através de melhorias na lógica de exibição da posição de aeronaves amigas ao piloto. A adequação desta lógica às restrições relacionadas à comunicação digital, encontradas em um sistema Datalink, foi utilizada para buscar manter em alto nível a consciência situacional do piloto em combate, com relação à posição de aeronaves amigas. A confrontação entre a informação precisa da posição da aeronave amiga e a possibilidade de perda desta informação traz à tona o dimensionamento da aceitabilidade do erro da referida posição. Utilizando a teoria de probabilidades de Cadeias Semi-Markovianas e o erro aceito, explorou-se possibilidades de adequação na lógica de exibição da informação ao piloto, tentando fazer perdurar, ao máximo possível, a exibição da informação corretamente recebida anteriormente. Os resultados obtidos demonstraram a relevância de uma lógica adequada na mitigação do risco de ocorrência de fratricídio, mesmo frente a cenários mais severos que o esperado, no que tange à comunicação digital. Palavras Chaves:Datalink, Enlace de dados táticos, Consciência Situacional, Combate BVR e Fratricídio. AVOIDING FRATRICIDES THROUGH THE USE OF PROPER LOGIC IN THE DATALINK SYSTEM ABSTRACT: The objective of this study is to reduce the chances of fratricide in a BVR (Beyond Visual Range) combat arena, through improvements in the logic of displaying aircraft-friendly positions to the pilot. The adequacy of this logic to the restrictions related to digital communication, found in a Datalink system, was used to seek to maintain a high situational awareness level of the pilot in combat, in relation to the position of friendly aircraft.

The confrontation between the precise information of the position of the friendly aircraft and the possibility of loss of this information brings to light the dimensioning of the acceptability of the error of said position. Using the theory of probabilities of semi-Markovian chains and this accepted error, it was explored possibilities of adequacy in the logic of displaying the information to the pilot, trying to make as long as possible the display of correctly received information previously. The results obtained demonstrated the relevance of an adequate logic in the mitigation of the risk of occurrence of fratricide, even in the case of more severe scenarios than expected, regarding digital communication. Keywords: Datalink, Situation Awareness, BVR Combat, and Fratricide. I - INTRODUÇÃO Em uma arena de combate BVR (Beyond Visual Range), a capacidade de discernir as aeronaves amigas das demais envolvidas em um espaço aéreo de interesse é fator relevante para a decisão de executar um tiro míssil, sem estar em contato visual com alvo. Caso a identificação das aeronaves amigas seja incorreta ou não ocorra, existe o risco de fratricídio ou da perda de uma oportunidade de tiro míssil além do alcance visual do piloto, degradando a capacidade operacional e letalidade do vetor engajado. O Cap Av Duarte concluiu o CFOAV em 2009, Bacharel em Ciências Aeronáuticas e Administração pela Academia da Força Aérea (2009), piloto de caça formado pelo 2º/5º GAV (2010) e possui especialização em Análise de Ambiente Eletromagnético pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (2017). Atualmente é Oficial Adjunto à Seção de Controle de Operações Aéreas Militares da ALA 12 e piloto de F-5M do 1º GAVCA. Contato: duartefbldp@fab.mil.br, telefone (21) 3078-0401.


55 O manuseio de informações advindas de sensores embarcados como o radar de bordo e o sistema de enlace de dados táticos (datalink), proporciona ao piloto a correta identificação de uma aeronave em dado Teatro de Operações (TO). Assim, o sistema de enlace de dados táticos possui importância relevante neste processo de identificação, já que a informação de posição dos participantes da rede de dados táticos é compartilhada, proporcionando ao piloto uma rápida identificação da posição das aeronaves amigas. O estudo apresentado objetivou encontrar possibilidade de melhorias na lógica de exibição da posição de aeronaves amigas ao piloto, frente às dificuldades esperadas no trânsito de informações pelo sistema de enlace de dados embarcado. A primeira questão considerada foi acerca da real necessidade de um alto nível de precisão na posição das aeronaves amigas, para fins de decidir por executar um tiro míssil ou não, sem estar em contato visual com determinado alvo. A relação de compromisso entre a menor precisão nas posições de aeronaves amigas, exibidas ao piloto, e a consciência situacional deste foi entendida como fator crucial para o estudo realizado. Assim, considerando as factíveis interrupções e dificuldades no trâmite de informações em um enlace de dados, buscou-se elucidar se ao aceitar certo nível de degradação na precisão da posição de aeronaves amigas é possível ao piloto manter a correta identificação destas. O correto tratamento e utilização da informação de posição das aeronaves amigas mostra-se importante e merecedor de estudo, visando aumentar a capacidade de combate da Força Aérea Brasileira, sugerindo menores chances de fratricídios em combate, menos perdas de oportunidades de tiro BVR, melhores especificações para upgrades de sistemas já utilizados e melhores pré-requisitos para futuros sistemas de enlace de dados táticos, como o Link BR-2, por exemplo.

aeronaves participantes da rede de dados [1]. Dependendo da sofisticação do ataque, este pode tornar o enlace de dados instável ou reduzir sua estabilidade esperada, a despeito das medidas de proteção eletrônicas presentes nos sistemas datalink atuais [2]. A despeito da presença de interferência eletrônica intencional, alguns fenômenos físicos ainda influenciam decisivamente a eficiência e confiabilidade de um sistema de enlace de dados táticos. Esses fenômenos estarão presentes e dificultarão o processo de transmissão e recepção das ondas eletromagnéticas, detentoras das informações de interesse. Um dos fenômenos relevantes no enlace de dados táticos, entre aeronaves de combate, é o desvanecimento em pequena escala, o qual representa alterações na amplitude e fase de uma onda eletromagnética. Essas alterações são causadas por modificações no canal de comunicação ao longo do tempo e/ou movimento relativo entre o transmissor e receptor. Além disso, a variação do tempo de propagação do sinal (causada pela variação da distância entre as antenas) influenciará neste processo de perdas [3]. A Fig. 1 exemplifica o efeito do desvanecimento em larga e pequena escala sob a potência do sinal frente ao deslocamento da antena receptora.

II – DESAFIOS À MANUTENÇÃO DE UM ENLACE DE DADOS TÁTICOS

Figura 1 –Desvanecimento de sinal [3].

A interferência eletrônica intencional, causada por aeronave ou outro meio oponente, pode ser fator relevante na manutenção do fluxo de dados na rede. A redução da consciência situacional é objetivo de um ataque deste tipo ao enlace de dados, já que tal redução impactará diretamente na capacidade de combate e sobrevivência das

Considerando o ambiente operacional de um enlace de dados táticos, no qual as antenas receptoras e/ou emissoras estão em movimento e manobrando nos 3 (três) eixos de acordo com as aeronaves participantes do enlace, teremos efeitos de desvanecimento ainda mais acentuados na potência do sinal [3].


56 O recebimento constante e fluido da informação de posição das aeronaves amigas é a situação ideal, porém dificilmente factível em um cenário denso e hostil do ponto de vista eletromagnético. Aceitando a existência de diversos fenômenos físicos como a propagação multipercurso, reflexão, difração, espalhamento e desvanecimento em pequena ou grande escala, além da presença de interferência eletrônica intencional, cabe ao sistema de enlace de dados táticos procurar contorná-los, mediante soluções estatísticas e/ou lógicas, por exemplo. III – CONSCIÊNCIA SITUACIONAL DO PILOTO A Consciência Situacional (do inglês: Situational Awareness- SA) é definida como “a percepção dos elementos em um ambiente dentro de um volume de tempo e espaço, a compreensão de seus significados e a projeção de seus status em um futuro próximo” [4]. Pilotos de caça consideram informações relativas a sua aeronave, aeronaves inimigas, ameaças advindas de mísseis ar-ar ou ar-solo e identificação de aeronaves amigas no mais alto nível de importância, dentre as informações a se dispor na formação de uma boa SA [5]. A capacidade de identificar uma aeronave como amiga, inimiga ou neutra é de suma importância. Esta influenciará diretamente na ação posterior à identificação. Em se tratando de uma aeronave amiga, maiores informações após a identificação não serão relevantes quando comparado a uma aeronave inimiga, porém a correta identificação é fator necessário para um nível mínimo de SA [1]. Conhecendo-se a importância da correta identificação de uma aeronave na arena de combate e as esperadas dificuldades para transmitir e receber tal informação, em um ambiente operacional saturado e dinâmico, mediante um enlace de dados táticos, faz-se necessário um estudo sobre as possibilidades de manter alto o nível de SA do piloto em combate. Considerando a informação exibida ao piloto em um display na nacele, a Fig. 2 exemplifica uma situação de fácil identificação de uma aeronave amiga (no caso a da direita da figura). Na situação A o nível de SA é alto o suficiente para evitar-se um fratricídio, objetivo final da correta identificação das aeronaves amigas.

Figura 2 –Situação A (alto nível de SA). IV – DEGRADAÇÃO DA CONSCIÊNCIA SITUACIONAL As situações a seguir, B e C, tratam da mesma situação A, porém com a identificação das aeronaves envolvidas degradada. Caso o radar embarcado ou qualquer outro sistema forneça a informação da presença de 2 (duas) aeronaves, conforme situação A, porém com degradação do enlace de dados, a identificação da aeronave amiga pode ser prejudicada, conforme exemplo da Fig. 3 (situação B):

Figura 3 –Situação B (baixo nível de SA). Por não identificar a existência e qual aeronave seria amiga entre as duas que se conhece na situação B, o piloto tende a perder uma oportunidade de tiro BVR ou, caso dispare o armamento, há chance real de fratricídio pela não identificação correta da aeronave amiga. Comparando-se o nível de SA das situações A e B, observa-se o quão prejudicado fica o julgamento do piloto em combate na situação B (figura 3). Caso o sistema de enlace de dados empregado não possua uma lógica de aproveitamento da informação recebida, a situação B tende a ser frequente durante uma missão de combate BVR, conforme observado em missões realizadas por Esquadrões Aéreos da FAB. O método obtido em [1] parte da premissa que o sistema datalink deve prover ao piloto em combate a identificação de uma amiga aeronave amiga, ao menos por exclusão. Na Fig. 4, X1 corresponde a um exemplo da última posição recebida da aeronave amiga, den-


57 tre todas as possíveis dentro do círculo de perímetro tracejado. A partir de X1 e da interrupção do recebimento desta informação, tem-se o círculo de perímetro contínuo, o qual corresponde às posições reais possíveis para a aeronave amiga.

Figura 4 – Identificação de aeronave amiga por exclusão. Assim, percebe-se que seria possível ao piloto identificar que a aeronave à esquerda da figura 4 não é a aeronave amiga, por exclusão. Como consequência, o piloto manteria um nível adequado de SA para prosseguir na sua opção por realizar um tiro além do alcance visual, sobre a aeronave à esquerda da figura 4.

V – LÓGICA APLICADA À MANUTENÇÃO DO NÍVEL DE SA. Considera-se que o sistema de enlace de dados da aeronave em questão possui a seguinte lógica para exibição da posição de uma aeronave amiga: - Válida – até 5 segundos sem receber atualização de posição. Exibição no display: normal. - Degradada – entre 5 e 10 segundos sem receber atualização de posição. Exibição no display: piscando. - Inválida – mais que 10 segundos sem receber atualização de posição. Exibição no display: excluída. Sendo assim, a Fig. 5 exemplifica, ao longo da linha temporal, como a lógica atuará na exibição ou não de uma aeronave amiga no display:

Figura 5 – Atuação da lógica de exibição ao longo do tempo.

Deve-se perceber que os tempos t0 e t3 são determinados pelo desempenho do sistema de enlace de dados frente à severidade das condições encontradas para a transmissão e recepção da informação de posição da aeronave amiga. Em t0 considera-se que a informação de posição deixou de ser recebida, enquanto t3 representa o instante que se volta a receber a referida informação. Já t1 e t2 são determinados puramente pela lógica do sistema. Sendo assim, temos: t1= 5 se t2= 10 s, de acordo com a lógica exemplificada. Em [1] mostrou-se que t2 representa, na verdade, o erro máximo aceito na posição da aeronave amiga, já que após este a exibição da simbologia da aeronave amiga será excluída. Por exemplo, para o t2 adotado teremos um erro máximo de posição de aproximadamente 1,5 NM, considerando a aeronave amiga com velocidade de 0,9 Mach. Após empreender estudos operacionais, obter-se-á o erro máximo de posição de uma aeronave amiga operacionalmente aceito, em uma missão de combate BVR. Em [1] postulou-se, baseado na experiência operacional do autor, que o erro máximo aceito na posição de uma aeronave amiga seria de 5 NM. VI – GANHO OPERACIONAL UTILIZAR A LÓGICA ADEQUADA SISTEMA DATALINK.

AO NO

Utilizando o erro máximo aceito adotado em [1], percebe-se que a lógica adotada no exemplo (correspondente a um erro máximo de 1,5NM), a qual visa manter alto nível de consciência situacional do piloto com relação à posição de uma aeronave amiga, atua aquém das possibilidades frente ao erro aceito de 5 NM. Ou seja, caso o cenário encontrado pelo enlace de dados seja mais severo que o esperado pela lógica inserida e a informação de posição de uma aeronave amiga não seja recebida até t2 haverá interrupção na exibição da informação no displaydo piloto. Ocorre que a interrupção dar-se-á com apenas até 1,5 NM de erro, frente às 5 NM de erro máximo aceito. Aceitando-se até 5 NM de erro na posição de uma aeronave amiga e com 0,9 Mach, teremos que o tempo máximo sem receber informação deve ser de 32 segundos para que o erro não extrapole as 5 NM definidas. A Fig. 6 demonstra como a adequação na lógica poderia atuar, estendendo o tempo de exibição da informação necessária ao piloto em com-


58 bate, ainda dentro do erro de posição aceito. Assim, haveria relevante possibilidade de voltar a receber a informação de interesse antes do descarte desta pela lógica.

Figura 6 – Atuação da lógica de exibição ao longo do tempo (após adequação ao erro máximo aceito operacionalmente). Em [1] estudou-se um cenário tático em que o tempo esperado para voltar a receber a informação de posição de uma aeronave amiga é de 20 segundos, dado que não a recebe mais. Caso a lógica inserida mantenha a exibição da aeronave amiga no displaypor até 32 segundos, no cenário citado acima, haverá uma probabilidade de 99% da exibição não ser interrompida, mantendo-se a consciência situacional do piloto alta [1]. A lógica exemplificada no item V descartaria a informação após 10 s sem receber atualização, o que tornaria instável a exibição da informação de interesse, mesmo que dentro do erro aceito operacionalmente. Em [1] demonstrou-se,mediante a teoria de probabilidades das cadeias Semi-Makovianas associada à distribuição de probabilidades de Rayleigh, o quão eficiente a adoção da lógica mais adequada pode ser. Por exemplo, no cenário citado anteriormente, as condições do ambiente eletromagnético deveriam sofrer uma degradação de aproximadamente 60% [1], para que o tempo esperado de recebimento da informação de interesse fosse de 32 segundos, correspondente ao erro máximo aceito operacionalmente. Assim, mesmo frente a cenários muito severos decorrentes de interferência eletrônica intencional ou condições físicas não propícias à comunicação digital ter-se-ia mantido o nível adequado de consciência situacional do piloto, no aspecto analisado. Tal adequação na lógica torna o sistema de enlace de dados táticos mais resiliente ao longo de sua vida operacional, mesmo sem grandes intervenções de hardware, antenas ou modernizações, trazendo ganho operacional com o baixo custo associado às alterações apenas lógicas no sistema.

VII - CONCLUSÕES O adequado funcionamento do sistema de enlace de dados táticos, em um combate BVR, constitui fator relevante para o sucesso da missão, mediante a manutenção do alto nível de consciência situacional. Por meio do estudo sobre a possibilidade de aproveitamento, ao longo do tempo, de uma informação corretamente recebida, mesmo que seja gerado um erro associado, foi possível observar a manutenção de um alto nível de SA, reduzindo a possibilidade de fratricídio. Consequentemente, o objetivo do estudo, citado na introdução, foi alcançado ao encontrar possibilidade de melhoria na lógica de exibição da posição de aeronaves amigas, frente às instabilidades esperadas em um enlace de dados táticos, decorrentes de fenômenos atrelados à comunicação digital. Assim, acredita-se que o estudo aplicado aos vetores de combate BVR da FAB, no que tange ao tema deste artigo, pode trazer relevantes ganhos na estabilidade de exibição das informações da rede de dados para o piloto em combate e, por consequência, ganho operacional associado a custos relativamente reduzidos. Ademais, o estudo sistemático dos aspectos abordados poderá trazer uma melhor elaboração de pré-requisitos de sistemas de enlace de dados ou gerar alterações destes ainda em fases embrionárias de projeto. REFERÊNCIAS [1]DUARTE, F. B. L. P. Proposta de método para otimização no uso de informações recebidas via datalink na aeronave F-5M, mediante instabilidade na rede de dados, visando evitar fratricídios. 2017. 92f. Trabalho de Conclusão de Curso - Instituto Tecnológico de Aeronáutica, São José dos Campos. p. 17-90. [2]BRASIL. Comando da Aeronáutica. Apostila do curso básico de enlace de dados táticos, 2010. [3] SKLAR, B., RAY, P. K. Digital Communications: Fundamentals and Applications. 2nd edition. New Delhi: Pearson, 2014, 1164 p. [4] ENDSLEY, M. R. Toward a theory of situation awareness in dynamic systems. Human Factors, 37, p. 32–64. 1995. [5] ENDSLEY, M. R. A survey situation awareness requirements in air-to-air combat fighters. The International Journal of Aviation Psychology, v.3, n. 2, p. 157-168, 1993.


59 A UTILIZAÇÃO DO TELÊMETRO LASER PELA AERONAVE A-29 EM MISSÕES DE APOIO AÉREO APROXIMADO 1º Ten Av Leonardo Tosto Lima Terceiro Esquadrão do Terceiro Grupo de Aviação (3º/3º GAV)

RESUMO: O presente artigo objetivou analisar as vantagens da implementação de um telêmetro laser na aeronave A-29 Super Tucano para o cumprimento de missões de Apoio Aéreo Aproximado. A pesquisa foi qualificada como exploratória, pois foi realizada uma investigação acerca do tema, objetivando aumentar a familiaridade com o mesmo. Em relação à coleta de dados, considerou-se como documental, tendo em vista que foram utilizados documentos que não receberam tratamento analítico ou científico, e bibliográfica, pois foram lidos artigos e livros publicados a fim de conhecer o que já foi estudado sobre o assunto. Quanto à abordagem, o artigo é classificado com qualitativo, pois possui o intuito de se obter uma maior compreensão do caso em tela, não tendo foco numa análise numérica dos dados, já que existem poucos divulgados. Após examinar os dados coletados, verificou-se que a utilização do telêmetro laser pela aeronave A-29 em missões de Apoio Aéreo Aproximado pode aumentar a eficácia no emprego do armamento aéreo e, por consequência, diminuir o número de aeronaves e armamento necessário para esse fim assim como a probabilidade de fratricídio. Dessa forma, fica evidenciado na conclusão do artigo que a implementação do telêmetro laser na aeronave A-29 é uma opção a ser considerada pela Força Aérea Brasileira, visando aumentar sua capacidade operacional no que tange às ações de Apoio Aéreo Aproximado. Palavras Chaves: Telêmetro Laser, Apoio Aéreo Aproximado, Sistema de Armas, A-29 Super Tucano. THE USE OF LASER RANGE FINDER BY A-29 FOR CLOSE AIR SUPPORT ABSTRACT: This article intends to analyze the advantages of implementing a laser range finder in the A-29 Super Tucano, in order to accomplish Close Air Support missions. The research was qua-

lified as exploratory, because there was an investigation on the matter, so as to develop familiarity with it. Concerning the data collection, it was classified as documentary, since the documents used did not receive analytical nor scientific treatment, and bibliographic, because articles and published books were read to know what was already studied about the subject. This article is classified as qualitative, because has the intention to gain a better knowledge about the matter, not focusing in analyzing numbers. After examining the collected data, it was verified that the use of a laser range finder in the A-29 performing Close Air Support mission could enhance its efficiency on weapon delivering and, as a consequence, diminish the number of planes and weapons needed to this end, so as the probability of fratricide. As a result, it is highlighted in the conclusion of the article that implementing the laser range finder in the A-29 is an option to be considered by Brazilian Air Force, aiming to develop its operational capability concerning to Close Air Support actions. Keywords: Laser Range Finder (LRF), Close Air Support (CAS), Weapons Systems, A-29 Super Tucano I - INTRODUÇÃO O objetivo geral da pesquisa é analisar as vantagens que a instalação de um telêmetro laser no Super Tucano pode trazer no cumprimento de

O 1o Ten Av Tosto concluiu o CFOAV em 2014, possuindo graduação em Administração Pública e Ciências Aeronáuticas. É Oficial de Segurança de Voo credenciado pelo CENIPA e piloto de caça formado em 2015. Atualmente é Chefe da Equipe de Manutenção de Pista do A-29 ELOG da ALA 5 (Campo Grande – MS). Contato: e-mail tostoltl@ fab.mil.br, telefone (67) 3368-3437.


60 missões de Apoio Aéreo Aproximado (ApAA). Já os objetivos específicos são: analisar as fontes de informação que o sistema de pontaria da aeronave utiliza para calcular o ponto de impacto do armamento, verificar as características do sistema de telêmetro laser em aeronaves e conhecer as características desejáveis em um vetor aéreo para cumprir a ação de ApAA. A linha de pesquisa na qual esse artigo está inserido é a de Emprego de Força Aérea, haja vista estar diretamente relacionado à operação de um dos recursos do avião que impacta na eficácia do piloto durante o combate.

II - CARACTERÍSTICAS DO SISTEMA DE NAVEGAÇÃO E ATAQUE DO A-29 A aeronave A-29 possui um Sistema de Navegação e Ataque (SNA) que faz o gerenciamento dos sensores de navegação da aeronave, das cargas externas (tanques de combustível externos, bombas, lançadores de foguetes) e do emprego de armamento. Assim, o gerenciamento e integração dos dados é realizado pelos computadores de missão (MDP) da aeronave garantindo uma alta confiabilidade e precisão em suas tarefas. Trabalhando em conjunto ao sistema citado no parágrafo acima, existe um outro que é responsável por gerar os dados visuais que aparecem para o piloto, tais quais: ponto de impacto calculado do armamento, tempo de voo da bomba, distância diagonal do armamento para o alvo (também chamada de slant range) entre outros. Assim, com o funcionamento adequado dos sistemas, o piloto é capaz de realizar o gerenciamento e emprego de seu armamento. Através do sistema HOTAS (Hands on Throttle and Stick), que é o conceito de colocar os botões e interruptores mais importantes próximos ou instalados na manete e no manche, o piloto é capaz de selecionar modos em que deseja utilizar o armamento disponível, podendo ser auxiliado pelos computadores da aeronave para maior precisão (são chamados de métodos computadorizados). Os métodos computadorizados consideram a velocidade da aeronave, vento, densidade atmosférica e fator de carga (também chamado de carga “g”) para corrigir, constantemente, o ponto de impacto do armamento mostrado ao piloto. Entretanto, para complementar os cálculos, é ne-

cessário, que o software dos MDP possua em sua memória as tabelas balísticas de cada armamento disponível no inventário do avião e que seja capaz de calcular a distância diagonal para o alvo (slant range), pois sem essas informações não é possível determinar o momento correto de soltura das bombas. Os parâmetros como velocidade, vento e densidade atmosférica são computados através do sistema anemométrico (ADC) que a aeronave possui, enquanto a slant range é calculada através dos dados disponibilizados pelos sensores do SNA. O sistema do A-29 brasileiro permite que o piloto escolha dois métodos de cálculo da altura do avião em relação ao alvo, sendo que um modo utiliza os dados de altitude barométrica e o outro utiliza os dados de altura em relação ao solo. Esses modos apresentam algumas desvantagens que podem influenciar na precisão do sistema. Por exemplo, o modo que utiliza a altitude barométrica como parâmetro fica dependente de uma cota (marcação de altitude de um determinado ponto) precisa do alvo, o que, em certos contextos, é difícil de se conseguir. Em uma missão de Apoio Aéreo Aproximado, por exemplo, na qual podem haver alvos móveis ou ser executada em uma região não-planejada onde não se tem uma medição precisa da altitude na área do alvo, podem ocorrer erros nos cálculos. Por exemplo, se o piloto colocar uma altitude 10 pés abaixo da altitude real do alvo, o cálculo do ponto de lançamento ficaria com um erro de 10 pés. A consequência disso seria um impacto do armamento antes do ponto pretendido. Já o modo que utiliza a altura em relação ao solo como parâmetro, pode ser influenciado por um terreno montanhoso ou com muitos desníveis. Em situações como essa, os sensores podem não captar uma altura precisa do local, devido às mudanças rápidas no relevo.

III - TELÊMETRO LASER A história do LASER (Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation) e por consequência do telêmetro laser ou Laser Range Finder (LRF) remonta ao início da década de 60. Em 1960, Theodore Maiman, físico americano, inventou o laser à base de rubi, enquanto trabalhava para o Hughes Research Laboratories [1]. Após isso, a Força Aérea Americana (USAF) proporcionou um contrato àquela instituição, a fim


61 de que fosse realizado um desenvolvimento do laser para fins militares, surgindo os primeiros LRF e evoluindo, mais tarde, para os laser target designators (designadores de alvo a laser), que, normalmente, possuem telêmetros laser embutidos. Os dispositivos LRF, basicamente, usam um princípio análogo ao do radar para medir distâncias: emitem pulsos de energia e calculam o tempo que leva até o retorno. Metade desse tempo dividido pela velocidade da luz resulta na distância entre o ponto emissor do laser e seu “alvo”. Dessa forma, pode-se compreender que é possível utilizar essa ferramenta para medir a slant range durante o emprego de artefatos bélicos. O Embraer 314 Super Tucano possui provisão para telêmetro laser e pode ser adquirido já com o equipamento de fábrica, como os existentes nas aeronaves da Força Aérea da Colômbia e da Força Aérea do Afeganistão (nos quais os pilotos americanos dão instrução aos pilotos afegãos) [2]. O sensor é compatível e integrado com os diversos sistemas da aeronave, facilitando sua operação. O telêmetro laser é mais um sensor para os métodos computadorizados, utilizando de suas características para efetuar a medição da distância da aeronave para o alvo. Além do aparelho, é necessário que seja instalado um sensor de posicionamento das pás (Blade Position System), já que a linha de visada do telêmetro está numa área onde passam as pás da hélice. Assim, a fim de não se ter nenhum tipo de interferência pela hélice, é instalado um sensor magnético na parte traseira do spinner da aeronave, que controla os pulsos emitidos pelo LRF. O modelo de LRF oferecido junto à aeronave possui a capacidade de realizar medições até 20 quilômetros de distância, mostrando-se bastante flexível quanto a sua utilização nas diversas modalidades de emprego do armamento. Dessa forma, é perceptível que a sua utilização traria benefícios operacionais para as tripulações de A-29. Como já dito anteriormente, os cálculos de emprego são dependentes da acurácia do SNA e a imprecisão em uma das informações processadas pelo mesmo pode afetar diretamente na eficiência do piloto durante seu ataque. Com o uso do equipamento em questão, seria possível aumentar a confiabilidade dos cálculos, já que o sistema utilizaria um meio físico (emissão do laser) para fazer suas medições. A imagem abaixo, sintetiza o que foi dito anteriormente, exemplificando as consequências dos cálculos errôneos de distância do alvo:

Figura 1 - Capacidade de pontaria do Sistema LRF [3].

IV - APOIO AÉREO APROXIMADO NO CONTEXTO DA FORÇA AÉREA BRASILEIRA No contexto brasileiro, de acordo com a Diretriz do Comando da Aeronáutica (DCA) 1-1 [4], a definição de Apoio Aéreo Aproximado é: “...ação que consiste em empregar meios de Força Aérea para detectar, identificar e neutralizar ou destruir forças de superfície inimigas que estejam em contato direto com forças de superfície amigas.” Essas missões, devido à sua natureza, podem basicamente ser executadas de duas formas: pré-planejadas, nas quais existem informações da área onde se vai operar e alguns riscos já foram pontuados, e na forma de alerta, tanto em base como em voo, respondendo a um chamado de emergência das tropas de solo. Nas missões de alerta de ApAA existe um maior número de fatores que podem vir a dificultar sua execução, tais quais: meteorologia, não ter conhecimento da área onde será empregado, não possuir as cartas aeronáuticas necessárias para aquela área, entre outros. A FAB, atualmente, tem em seu inventário o A-29, que é uma aeronave capacitada para cumprir missões de ApAA, sendo, inclusive, “competidor” no programa de Defesa americano Light Air Support (LAS). Às aeronaves que cumprem missões de ApAA é recomendável que se tenha capacidades como: lançamento de armas guiadas (guided munitions), variedade de armamentos no seu inventário, auto-defesa (Radar Warning Receiver, Chaff e Flare, blindagem), autonomia suficiente para navegar até a área do alvo, cumprir a missão e voltar; e, principalmente: sistemas de pontaria precisos [5].


62 Analisando as características desejáveis em uma aeronave que cumpra missões de CAS (Close Air Support), percebemos que nosso A-29 encontra-se defasado. Entretanto, a plataforma possui capacidade para que sejam instaladas as modificações necessárias para aumentar sua operacionalidade, inclusive o telêmetro laser. A instalação desse dispositivo seria de grande valia, aumentando a confiabilidade e precisão do sistema de armamento da aeronave. Um exemplo hipotético para enfatizar a importância desse item pode ser encontrado no seguinte cenário: foi acionada uma missão de alerta de ApAA para apoiar tropas amigas que estão em contato direto com inimigos, nas proximidades de uma região montanhosa, sendo que o piloto não possui consigo as cartas aeronáuticas daquela região. As tropas estão distantes 250 metros, aproximadamente, uma da outra e é autorizado o emprego em Danger Close (emprego de armamento quando as tropas amigas estão abaixo da distância cuja probabilidade de causar incapacitação é de 0.1 %) pelo comandante da fração. Para a utilização de uma bomba de 500 libras, por exemplo, dentro de um raio de 425 metros do seu ponto de impacto existe a chance de 0.1 % de ocasionar ferimentos sérios incapacitantes [6]. Sendo assim, nessa situação hipotética, a imprecisão, que pode ser causada por um equívoco na medição da altitude do alvo, mesmo por alguns metros pode não causar a destruição do inimigo e, mais grave que isso, expor a tropa amiga a um nível de risco mais alto. Sendo assim, é possível observar a necessidade de melhorar o sistema de pontaria do avião, buscando cumprir com mais eficiência a missão que é incumbida aos esquadrões de A-29. Aeronaves que cumprem missões de ApAA, como o A-10 Warthog, AH-64 Apache americanos e SU-25 Frogfoot russo, possuem esse tipo de tecnologia, justamente com a finalidade de torná-las mais precisas, sendo reconhecidas internacionalmente por suas capacidades. Como foi mostrado anteriormente, o ambiente de uma missão de Apoio Aéreo Aproximado é bastante complexo e são necessários auxílios aos pilotos para que desempenhem de forma satisfatória sua função. O telêmetro laser é um

exemplo desses auxílios que possui compatibilidade com a aeronave e o seu uso, tanto no A-29 (Colômbia e Afeganistão/USAF), como nos outros vetores citados acima, provam sua confiabilidade em combates reais (A-10 e o AH-64 são exemplos de aeronaves largamente utilizadas nas operações no Afeganistão a fim de cumprir CAS).

Figura 2 - Telêmetro laser em A-29 da Força Aérea da Colômbia [7].

V - CONCLUSÃO A aquisição da aeronave A-29 como um treinador avançado para as equipagens de caça da FAB mostrou-se um sucesso, já que seus aviônicos se assemelham aos que as aeronaves da primeira linha, A-1 e F-5, possuem, facilitando a transição para as mesmas. Entretanto, a versão brasileira do Super Tucano não é tão completa quanto os modelos de exportação, conforme foi visto no trabalho. Para cumprir a missão que lhe foi designada poderiam ser instalados outros itens que são compatíveis com o avião, como por exemplo: chaff e flare, blindagem e o LRF. Essa comparação com as aeronaves de exportação foi o que motivou a pesquisa desenvolvida nesse artigo, fazendo o autor se aprofundar na área do telêmetro laser, haja vista as limitações identificadas no sistema de pontaria do avião. Analisando o uso do Super Tucano pela Colômbia e Afeganistão nas operações de Contra-Insurgência (COIN), foi pensado, dentro das ações existentes na DCA 1-1 e na própria missão atribuída aos esquadrões de A-29, que Apoio Aéreo Aproximado seria um cenário factível para a aeronave. Esse tipo de ação, da forma como


63 foi explicitado no trabalho, é complexa, exigindo grande habilidade, tanto pela tropa terrestre, no caso de existir um Guia Aéreo Avançado (militar capacitado a executar o guiamento de aeronaves para atacar alvos), quanto do piloto que está como executor daquela ação. Assim, é importante que o piloto tenha a seu alcance as ferramentas necessárias para o cumprimento da missão satisfatoriamente, dando apoio às tropas em contato. O telêmetro laser apresenta-se como uma das ferramentas citadas e o seu uso pode trazer vantagens como a melhora na precisão, aumentando a eficiência do piloto e diminuindo tanto os riscos de fratricídio como o desperdício de armamento. Finalmente, fica evidenciado a importância da precisão, principalmente nas missões de Apoio Aéreo Aproximado, em que o dano colateral pode acarretar em morte de tropas amigas, e, adicionalmente, o fato do LRF ser uma solução viável para uma das limitações que existem atualmente no sistema do A-29.

A-29 Super Tucano em utilização no Afeganistão

REFERÊNCIAS [1] HETCH, Jeff. Laser Evolution. SPIE Professional, Abril, 2009. Disponível em: <https:// spie.org/membership/spie-professional-magazine/ spie-professional-archives-and-special-content/ apr2009-spie-professional/laser-evolution> acesso em set. 2017 [2] Página da Internet War is Boring. Disponível em: <www.warisboring.com/the-deadly-super-tucanos-of-south-america/> acesso em abr. 2018 [3] DE ARAÚJO, Bruno Luiz Santana. Proposta de Necessidade Operacional: Telêmetro Laser para aeronave A-29. Campo Grande, CG, 2008 [4] BRASIL. Comando da Aeronáutica. Doutrina Básica da Força Aérea Brasileira. DCA 1-1. Brasília, 2012. [5] Página da Internet Diálogo. Disponível em: <www.dialogo-americas.com/en/articles/super-tucano-service-us-air-force> acesso em abr. 2018 [6] DEPARTMENT OF THE NAVY. Marine Corps Warfighting Publication. MCWP 3-23.1 Close Air Support. Washington, 1998. [7] Página da Internet Poder Aéreo. Disponível em: <http://www.aereo.jor.br/wp-content/ uploads//2016/08/A-29B-colombiano.jpg> acesso em out. 2017



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