A Experimentação Desmestifcando o Conhecimento do Senso Comum Sobre Queda Livre

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A EXPERIMENTAÇÃO DESMISTIFICANDO O CONHECIMENTO DO SENSO COMUM SOBRE QUEDA LIVRE A Trial Demystifying Knowledge Of Common Sense On Free Fall

Guilherme Lenz [gui599@hotmail.com] Roque Ismael da Costa Gülich [bioroque.girua@hotmail.com] Erica do Espirito Santo Hermel [ericahermel@yahoo.com.br] Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS Rua Major A. Cardoso, 590 – Centro – Cerro Largo - RS Marisa Both [marisaboth@hotmail.com] Escola Estadual de Educação Basica Eugenio Frantz Rua Monteiro Lobato, 514 – Floresta – Cerro Largo – RS Resumo Este artigo expõe e problematiza a realização de uma aula experimental da disciplina de Ciências do Ensino Fundamental sobre a queda livre dos corpos. O objetivo era contextualizar conceitos acerca do conteúdo de queda livre a partir de uma aula prática. A aula experimental foi desenvolvida em duas turmas de 8ª série da Escola Estadual de Ensino Fundamental Eugenio Frantz, na cidade de Cerro Largo, RS. A aula desenvolveu-se através de questões iniciais respondidas pelos alunos, que colocaram a sua visão referente à queda livre dos corpos. Posteriormente, foi realizado o experimento, seguido por outro movimento de questões e discussão da prática, possibilitando a conceitualização de queda livre, e, finalmente, foi utilizado um texto explicativo sobre o tema em estudo. Podemos afirmar que o uso de experimentos em aulas de Ciências torna o conteúdo estudado mais compreensível, com maior interação entre os alunos, tornando o processo de ensino e aprendizagem mais proveitoso e significativo. Palavras-chave: Ensino de ciências, Ensino de Física, Aula Prática, Conceitos Científicos

Abstract This article presents and discusses the experimental realization of a class of the discipline of Science Elementary School on the free fall of bodies. The goal was to contextualize concepts about the content of free fall from a practice session. The trial lesson was developed in two classes of 8th grade School State Eugenio Frantz Elementary School in the city of Cerro Largo, RS. The class was developed through initial questions answered by students who have put their vision on the free fall of bodies. Subsequently, the experiment was conducted, followed by another movement and discussion of practical issues, enabling the conceptualization of free fall, and finally, we used an explanatory text on the subject under study. We can say that the use of experiments in science class makes more understandable the content studied, with greater interaction between students, making the process of teaching and learning more useful and meaningful. Keywords: Teaching Science, Physical Education, Classroom Practice, Scientific Concepts Introdução O ensino de ciências não deve apenas inserir disciplinas no currículo, é necessário implementar programas adequados à realidade que incluam práticas que estimulam a curiosidade e


despertam a vontade de aprender. O uso de atividades experimentais como estratégia para estas práticas é uma das maneiras mais frutíferas de minimizar as dificuldades de se aprender e de se ensinar ciências de modo significativo e consistente. Lamenta-se que nos últimos anos, quando da formação de docentes, foi dispensada pouca ênfase ao papel da experimentação no ensino de ciências. Cabe a nós, atuais Licenciandos em Ciências, com o apoio de nossos professores, realizar estudos e buscar maneiras mais eficazes de realizar experimentação na área de ciências com nossos alunos, pois sabemos que existem possibilidades de uso das atividades experimentais. Entretanto, para que os professores possam lograr sucesso em sua prática pedagógica, acredita-se ser imprescindível que a metodologia experimental adotada seja selecionada tendo em vista quais são os principais objetivos a serem alcançados com a mesma, uma vez que as diferentes modalidades de experimentação tendem a priorizar e facilitar o alcance de diferentes objetivos educacionais, cabendo portanto a quem conduzirá a atividade a escolha mais adequada da mesma, considerando o momento, o contexto e as finalidades pretendidas. Preocupados com a iniciação a docência durante o período de formação inicial dos licenciandos, o Curso de Ciências da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Campus Cerro Largo, participa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação a Docência (PIBIDCiências). Como integrante do projeto do PIBIDCiências, desenvolvo atividades na Escola Estadual de Educação Básica Eugenio Frantz, na cidade de Cerro Largo, onde acompanho a professora nas aulas de ciências, nas turmas da 5ª, 6ª, 7ª e 8ª séries, duas tardes por semana. O projeto do PIBIDCiências que está sendo desenvolvido em nossa Universidade com parceria das escolas de educação básica da rede pública do município em questão, converge na formação com ênfase no eixo central: a Experimentação no ensino de ciências. Dentro das ações do programa, os alunos bolsistas do PIBIDCiências desenvolvem aulas práticas nas escolas onde atuam. Com a supervisão da professora da escola, que também é supervisora do programa, desenvolvi com os alunos das 8ª séries uma aula prática referente ao tema “Queda Livre dos Corpos”, tendo como temática: o estudo de corpos com massas diferentes caem no solo em tempos iguais. O objetivo foi demonstrar aos alunos que todos os corpos, de massas diferentes, abandonados de uma mesma altura, levam o mesmo tempo para atingir o solo.

Metodologia A experiência foi aplicada em duas turmas de alunos da 8ª série da Escola Estadual de Educação Básica Eugênio Frantz em aulas com duração de quarenta e cinco minutos para cada turma. Para a realização da aula foram utilizados os seguintes materiais: bola de tênis, bola de pingue-pongue, bola de aço, folha de papel e folha de papel amassada. Também foi necessário um local com cerca de quatro metros de altura para poder soltar os objetos com massas diferentes possibilitando aos alunos a observação de todo trajeto feito pelos objetos, desde seu lançamento até que atingissem o solo, conforme ilustra a figura a seguir:


Fonte: Lenz, 2011. Figura 1: Local de realização da experiência sobre queda livre. Em sala de aula os alunos foram interpelados a responder as seguintes questões, expondo a visão referente ao tema: 1) qual objeto tem maior massa? 2) se jogarmos de uma mesma altura esses objetos, qual chegará primeiro ao chão? Nas alternativas de respostas constava: bola de tênis, bola de pingue-pongue, bola de aço, folha de papel e folha de papel amassada. Ao responder, muitos dos alunos possuíam uma idéia aristotélica, de que corpos leves e pesados teriam tempos de queda diferente. Esse pensamento se manteve até o momento em que o experimento foi realizado. Respondidas as questões, deslocamo-nos ao pátio da escola para um local onde havia altitude suficiente para a realização da prática. Lançamos os objetos, um a um, de uma altura de aproximadamente quatro metros. Os alunos observaram a queda livre das diferentes massas (Figura 2). Após a observação e a explicação da professora, eles perceberam que os materiais caem em tempos iguais. Para identificação disso foi utilizado por um aluno o termo “empardadas”, o que chamou a atenção da professora. Os alunos concluíram que todos os corpos cairiam ao mesmo tempo, com exceção da folha de papel, a qual se não houvesse a influencia do vento, também cairia ao mesmo tempo.

Fonte: Lenz, 2011. Figura 2: Alunos observando e analisando a queda dos corpos.


Após a prática, os alunos retornaram para a sala de aula e responderam mais duas questões: 3) se jogarmos os objetos da mesma altura, qual chegará primeiro? 4) são as mesmas respostas que você emitiu na questão dois? O que foi diferente? Após respondidas as questões, os alunos acompanharam a leitura do texto explicativo sobre queda livre. Terminado esta ação, os alunos concluíram que corpos de massas diferentes quando abandonados de uma determinada altura atingem o solo em tempos iguais. E, para nós professores em formação1, surgia uma grande pergunta, por que os alunos pareciam ter mudado de ideia/resposta/conceito? Tratamos de refletir sobre a prática, descrevê-la para interpretar e compreender o processo de significação conceitual dos alunos, pesquisando, desse modo, a ação.

Discutindo conceitos A aula em geral decorreu da maneira planejada, os alunos da primeira turma da 8ª série mostraram ter um conhecimento maior sobre o assunto, tanto que levaram menos tempo para perceber que os objetos estavam caindo em tempos iguais independentemente de sua massa. Inicialmente, muitos alunos apresentavam um forte pensamento de que o objeto com maior massa tinha a tendência de chegar primeiro ao solo. Como exemplo, podemos citar a resposta da Questão 2 dada pelo Aluno 1: “porque tem mais massa”. Essa ideia encontrava-se presente na maioria das respostas entregues por eles. Acreditamos que um dos motivos é pelo fato de muitos não terem um conhecimento prévio que gera uma concepção espontânea, em que a observação aparente e direta gera uma resposta simples que resolve, para o sujeito o problema em tempo real. Essa concepção é conhecida como senso comum e parece estar de acordo com a ideia aristotélica que explica a questão. A disciplina de Ciências que trabalha na área das Ciências da Natureza é uma das áreas do conhecimento em que é mais clara a observação da transferência do conhecimento que foi iniciado num passado distante para a realidade imediata, o que causa o espontaneísmo das concepções alternativas, o que podemos chamar de “lastro didático” (PIETROCOLA, 2008, p. 3). Esses lastros se caracterizam no pensamento aristotélico ou senso comum que os alunos apresentavam antes da realização do experimento. Mesmo que possa se imaginar que a concepção aristotélica desapareceu e deu lugar a outra concepção alternativa para explicação do fenômeno, acreditamos que não é desse modo que a aprendizagem conceitual ocorre. Não é pela substituição de palavras-conceitos que a significação ocorre, é, antes de tudo, pela interação entre os sujeitos intersubjetivos que se envolvem na ação que no seu contexto coletivo-social vai impregnando significados às palavras. Ao serem discutidas as ações que envolvem o uso recorrente das palavras, os significados vão migrando gradativamente para conceitos científicos (VIGOTSKI, 2001; 2002). O jogo de perguntas proposto pelos professores ao ensinar através da aula prática os conceitos e, posteriormente, com auxílio do texto, é um indicativo de que o planejamento da aula além de contar com uma abordagem experimental, também estava norteado pelos pressupostos da aula com pesquisa (DEMO, 2005; MORAES; GALLIAZZI; RAMOS, 2002; GÜLLICH, 2008). As interações professores-alunos e alunos-alunos propiciadas pelas respostas e questionamentos recorrentes sobre o mesmo assunto fez com que os alunos colocassem em movimento suas concepções, e além de testá-las, foram levados a pensar sobre elas e a se apropriarem do conhecimento que estava em discussão: o conceito de queda livre (VIGOTSKI, 2001; 2002).

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Entendemos por professores em formação o coletivo que se estabelece entre Licenciando de Ciências, Professora de Ciências da Escola e Supervisora do Programa e Professor Formador da UFFS, ambos autores desse escrito.


Após retornarem à sala eles responderam a outra questão: 4) São as mesmas respostas que vocês tinham emitido na questão dois? O que foi diferente? Podemos observar facilmente uma (re)elaboração no pensamento conceitual dos alunos, podendo-se citar a resposta do Aluno 3: “não, nós achamos que a que tinha maior massa chegava primeiro. Mas deu empate. Só na folha de ofício aberta e a amassada, a amassada ganhou”. A resposta do Aluno 3 mostra que ele foi capaz de reorganizar o

pensamento sobre queda livre e a razão que envolve as massas dos corpos em queda. Principia o conceito de queda livre, de gravidade, porém ainda não está claro que o aluno o domina como um conceito científico, mas já está no caminho, pois um processo bem conduzido faz com que a raiz para o desenvolvimento do conceito científico e a aquisição do conhecimento escolar se inicie, o que provavelmente para os alunos só vai ser estabilizado no ensino médio, em aulas de Física. É tarefa do professor propiciar um ambiente de discussão que possa ser nascedouro de conceitos, propiciar o início dos processos que desencadeiem a formação de conceitos físicos desde o Ensino Fundamental, é parte do compromisso de ensinar Ciências. Ao realizar a experiência com os alunos, notei que o professor de Ciências tem a intensa tarefa de mediar a produção dos conceitos científicos a partir de contextos reais, partindo do cotidiano para então explicá-lo através da Ciência. Faz-se necessário, para ter sucesso no ensinoaprendizagem de Ciências, usar métodos detalhados, maneiras intrigantes, que despertam no aluno a vontade de perceber o que acontece no cotidiano e como se explica a realidade. Percebi que todo o processo, desde a busca pelos materiais utilizados até a realização do experimento, deve ser explicado passo a passo, para que na discussão dos elementos da prática sejam possibilitados momentos de interação entre todos os envolvidos e que os conceitos científicos possam aos poucos ir sendo apreendidos pelos alunos em detrimento dos pensamentos aristotélicos. Percebi que o professor ao fazer uso de um experimento, deve estar com sua aula planejada e preparada, conhecendo conceitos e conhecimentos correlacionados ao tema estudado, pois os alunos ao interagirem no momento da aula experimental usam de sua curiosidade. E este é um momento muito rico na aprendizagem, que deve ser aproveitado pelo professor, se este estiver bem preparado, capaz de esclarecer as dúvidas que surgem, facilitar a conceitualização e mediar a construção de conhecimentos científicos.

Conclusão Ciências não é uma coisa alheia, complicada, fora de contexto e executada somente por estudiosos capacitados em laboratórios. Pelo contrário, ela está presente no nosso dia-a-dia. A articulação entre a teoria e a prática, presente nos experimentos realizados durante aulas de Ciências, colaboram para que o aluno consiga perceber a importância do conteúdo estudado e possa atribuir sentido a este, o que o leva a uma aprendizagem significativa. O PIBIDCiências trabalha na formação de professores na área de Ciências, tendo como uma das preocupações trabalhar Ciências em sala de aula pela via experimental a fim de proporcionar um processo de iniciação a docência para os licenciandos em Ciências através de uma aprendizagem processual e refletida, bem como possibilitar às Escolas e professores envolvidos um processo de inovação nas práticas e currículos em Ciências. Acredito que, após a realização da experiência, os alunos podem ter acesso e produzir um conhecimento mais adequado sobre o tema. Pude observar que a realização dessa aula agregou um grande conhecimento não só a mim como aos alunos. Acredito que, após a realização da experiência, os alunos possam compreender o conhecimento científico como um conhecimento mais amplo e que também pode partir do correto na sua construção/(re)elaboração.


A partir da observação das respostas dos alunos percebi que o senso comum está presente entre os alunos na escola. Não cabe a nós licenciandos e futuros professores de Ciências a tentativa inócua de acabar com os conceitos espontâneos e sim, nos cabe, dinamizar um trabalho que prime pelo diálogo de saberes em que a produção de conceitos científicos sirva para que os alunos em formação possam estabelecer pontes/laços com a realidade, a fim de compreender o cotidiano (concepções espontâneas) através do entendimento científico sobre fenômenos e processo, nisso incide o próprio objetivo de se “ensinar Ciências as novas gerações” (CHAVES, 2007).

Referências CHAVES, Silvia Nogueira. Por que Ensinar Ciências Para as Novas Gerações? Uma Questão Central Para a Formação Docente. Contexto e Educação. Editora Unijuí. Ano 22, nº 7. Jan/Jun. 2007, p. 11-24 DEMO, Pedro. Educar pela Pesquisa. Autores associados. 8° Ed. 2007. GÜLLICH, Roque Ismael da Costa. Educar pela pesquisa: formação e processos de estudo e aprendizagem com pesquisa. Revista de Ciências Humanas (Frederico Westphalen - RS). , v.8, p.11 - 27, 2008. MORAES, Roque; GALIAZZI, Maria do Carmo; RAMOS, Maurivam G.. Pesquisa em sala de aula: fundamentos e pressupostos. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2002. PIETROCOLA, Maurício. Inovação Curricular em Física: Transposição Didática de Teorias Modernas e a Sobrevivência dos Saberes. Disponível em: (http://www.nupic.fe.usp.br/Publicacoes/congressos/Pietrocola_mesaEpef_2008.pdf). Acesso em: 17 de dez. de 2011. VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. Tradução Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p.496. ______. A formação social da mente. Tradução José Cipolla Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.


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