ABSORVENDO RADIAÇÕES COM O TERMOSCÓPIO

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ABSORVENDO RADIAÇÕES COM O TERMOSCÓPIO Rafael Schmatz Tolffo (rafatolffo@hotmail.com) Univerdidade Federal da Fronteira Sul/UFFS Marisa Both (marisaboth@hotmail.com) Escola Estadual de Educação Básica Eugênio Frantz Roque Ismael da Costa Güllich (bioroque.girua@hotmail.com) Univerdidade Federal da Fronteira Sul/UFFS Silvia Cristina Willers Siveris (silviasiveris@yahoo.com.br) Escola Estadual de Educação Básica Eugênio Frantz Juliana Machado (juliana.fsc@gmail.com) Universidade Federal da Fronteira Sul/UFFS Resumo Este artigo relata um experimento realizado de modo conjunto por um licenciando do Curso de Graduação em Ciências: Biologia, Física e Química – Licenciatura da Universidade Federal da Fronteira Sul, campus Cerro Largo, bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PICIDCiências/CAPES), e por uma professora da Escola Estadual de Educação Básica Eugênio Frantz, em duas turmas do 3° ano do Ensino Médio, na disciplina de Física, sob orientação de uma professora supervisora e um professor coordenador. A realização deste experimento surgiu no intuito de demonstrar aos alunos a absorção da radiação com o uso de um termoscópio caseiro, ou seja, fazer com que eles compreendam o motivo pelo qual objetos que apresentam a cor preta esquentarem mais que aqueles que apresentam cor branca. Neste artigo estão descritos os procedimentos, bem como uma reflexão acerca do trabalho realizado. Este relato faz referência à atividade de formação docente na perspectiva investigação-ação, que tem como premissa a reflexão sobre a prática e está pautado no desenvolvimento de aulas que se baseiam no educar pela pesquisa. Palavras–chave: Ensino de Física, Experimentação, Reflexão sobre a ação, Educar pela Pesquisa

Abstract This paper reports an experimental activity conducted in a joint manner by a licensee of the Undergraduate Science Course: Biology, Physics and Chemistry of Universidade Federal da Fronteira Sul, Cerro Largo campus, scholar of the Institutional Scholarship Program for New Teachers (PIBIDCiências/CAPES), and a teacher at a public school, Escola de Educação Básica Eugênio Frantz, in two classes of the 3rd year of high school, in physics classes, under


the guidance of a supervisor teacher and a coordinator teacher. This experimental activity was divised in order to show students the absorption of radiation by using a homemade thermoscope, and thus help them understand how dark-coloured objects heat more than lightcoloured ones. This article describes the procedures as well as a reflection on the work done. This report referes to teacher training in research-action approach, which is premised on reflective practice and is guided in developing lessons that are based on education through research. Keywords: Physics Teaching, experimentation, reflection on action, Education by Research.

INTRODUÇÃO No intuito de proporcionar uma atividade de formação inicial aos licenciandos do Curso de Graduação em Ciências: Biologia, Física e Química – Licenciatura da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) juntamente com a CAPES1, tem sido desenvolvido, nesta Universidade, o programa PIBIDCiências 2 . Este subprojeto do programa visa uma ação conjunta entre Universidade e escolas da rede estadual e municipal de ensino situadas no município de Cerro Largo – RS, propiciando uma formação docente de melhor qualidade aos licenciandos das áreas de Ciências, Biologia, Física e Química. O projeto atualmente conta com a atuação de um professor coordenador, duas professoras supervisoras, sendo uma da rede estadual e a outra da rede municipal de ensino, e ainda de quinze bolsistas, sendo todos acadêmicos do Curso de Ciências, que atuam de modo articulado nos componentes curriculares de Ciências e Matemática do Ensino Fundamental e Biologia, Física e Química no Ensino Médio. Das escolas vinculadas ao projeto, temos uma estadual e outra municipal, adicionalmente, como escolas parceiras do projeto, temos mais três escolas estaduais e uma municipal, todas estas situadas no município em questão. Segundo Galiazzi e Moraes (2002, p. 250): O desenvolvimento de projetos integrados por meio do educar pela pesquisa ajuda a aproximar o mundo da formação acadêmica da realidade da sala de aula, tornando a prática mais significativa. Ajuda aos formandos a se impregnarem na teoria dentro da prática ao possibilitar ir à realidade e examiná-la a partir de bases teóricas. É, portanto, uma forma de aproximação entre teoria e prática.

As atividades do PIBIDCiências são desenvolvidas com base na proposta integradora de pesquisa-formação-ação (ALARCÃO, 2007) proposta na perspectiva da reflexão crítica (CARR; KEMMIS, 1988). Nós, bolsistas, ao sermos inseridos dentro do contexto escolar,

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Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência.


tomamos uma posição frente ao ensino de forma a nos integrarmos neste grupo de professores. Para isto temos que entender: O que é uma escola? Respondendo a esta questão, Alarcão (2007, p.44) afirma que a escola é “uma comunidade educativa, um grupo social constituído por alunos, professores e funcionários e fortes ligações à comunidade envolvente através dos pais e dos representantes do poder” público. A proposta desta pesquisa está relacionada com a prática através da experimentação. Essas práticas estão um tanto quanto defasadas na concepção dos professores atuantes nas escolas em que desenvolvemos o PIBIDCiências, pois as práticas são deixadas de lado por várias razões, tais como: falta de tempo e de materiais e condições de carreira precárias.. Segundo Silva e Zanon (2000, p. 120): ter aulas experimentais não assegura, por si só, a promoção de aprendizagens significativas; não assegura, por si só, o estabelecimento de relações entre teoria e prática (...). A relação teoria-prática é usualmente vista e tratada nas salas de aula como via de mão única, em que „a prática comprova a teoria, ou vice versa‟.

Neste sentido, podemos trabalhar em ação conjunta com os professores, dando a eles o auxílio necessário para transformarmos essa via de mão única em uma via de mão dupla na qual docentes e discentes interajam de forma única nessa formação. E que, pela via da formação, possamos articular aulas experimentais em contextos práticos, numa concepção que tenha a racionalidade prática como base, articulando pesquisa da prática e reflexão (SCHÖN, 2000; CARR; KEMMIS, 1988). Neste artigo consta a descrição de um experimento realizado na disciplina de Física de duas turmas do terceiro ano do Ensino Médio da escola Estadual de Educação Básica Eugênio Frantz e apresentado de forma conjunta pelo bolsista PIBIDCiências com a professora de Física da Escola. O tema abordado neste experimento foi a absorção da radiação com o uso de um termoscópio caseiro previamente construído com materiais de baixo custo e de fácil acesso. Mais especificamente, foi demonstrado e explicado: “Por que objetos que apresentam a cor preta esquentam mais do que os que apresentam a cor branca?”. Na concepção de que esta questão lateja na mente de muitos indivíduos, é que este tema foi escolhido. A intenção deste trabalho é conceituar situações presenciadas no dia a dia dos alunos, fazendo-os perceber que a Física não está somente dentro das escolas, mas sim, presente em suas vivências.

TRABALHANDO A PRÁTICA A prática que nos propusemos a analisar consiste na demonstração da absorção da radiação com o uso de um termoscópio caseiro e para isto, fez-se necessária a construção do


mesmo (Figura 1). Os materiais utilizados para esta construção foram: duas lâmpadas incandescentes de mesmo tamanho; uma mangueira de pequeno diâmetro feita de material transparente, de aproximadamente 20 cm; pedaços de madeira para montagem da estrutura de sustentação do termoscópio; cola silicone; tinta preta; tinta branca e água com corante. A montagem deste experimento foi feita pelo bolsista, sendo que o objetivo dessa prática era apenas demonstrar e conceituar a mesma. Como há uma série de fatores que influenciam no perfeito funcionamento deste experimento, no primeiro teste realizado, percebeu-se que o mesmo não funcionou como deveria, ou seja, não foi possível verificar o desnivelamento da água corada. Houve então, a necessidade de estudar o motivo pelo qual ele não funcionou. Depois de algumas pesquisas relacionadas ao experimento e comparando-o com outros experimentos parecidos, percebeuse que havia dois problemas decorrentes: um do material e outro da montagem. O primeiro deles era que o diâmetro interno da mangueira era muito grande, de modo que o ar contido na lâmpada preta, que se expande por receber energia térmica proveniente de uma energia luminosa, não exercia pressão suficiente para empurrar a água corada para um dos lados. O segundo problema era que se fazia necessário equilibrar o mesmo volume de ar dentro das duas lâmpadas para que, com as duas lâmpadas estando frias não houvesse diferença de pressão entre elas. Após a reelaboração do modelo com o uso do material adequado e equilibrando o volume de ar das lâmpadas foi posto novamente o experimento à prova, percebendo-se o perfeito funcionamento do mesmo. Com o termoscópio em mãos, estava na hora de utilizá-lo em sala de aula. Com a orientação conjunta da professora de Física, a professora supervisora, ambas da Escola Estadual de Educação Básica Eugênio Frantz, e o professor coordenador, da UFFS, foi desenvolvido, por intermédio do bolsista, o experimento com duas turmas do terceiro ano na disciplina de Física do ensino médio. Inicialmente, questionou-se aos alunos da seguinte forma: “É fato que uma pessoa, ao usar roupa preta num dia de sol, sentirá mais calor que outra que esteja vestida de roupa branca?” Em resposta a esta pergunta todos os alunos de ambas as turmas confirmaram que sim, mas ao questioná-los sobre o porquê deste fenômeno, apenas uma aluna de uma turma soube responder: “Porque o preto absorve mais energia que o branco” (Aluna 1). Mas ao ser questionada como este fenômeno ocorre, não soube responder. Para entender melhor a ocorrência deste fenômeno, começou-se explicando que a cor de um objeto é definida pela sua exposição à luz branca, ou seja, proveniente do Sol. Então, novamente os alunos foram questionados se saberiam dizer o que é “luz branca”. Como não


houve respostas, em complemento foi dito que esta é a superposição de toda faixa de cores ou de comprimentos de ondas de luz visível. Mas como isso foi descoberto? Ocorreu que no ano de 1666, o cientista Isaac Newton, ao fazer um feixe de luz do Sol atravessar um prisma, observou um padrão colorido e a partir disto concluiu que a luz branca é composta a partir deste conjunto de cores. Embora Newton tenha identificado como sete cores, sabe-se que se trata de um espectro contínuo, contendo infinitos comprimentos de onda. Entende-se assim que a luz branca é a composição de todo um feixe de luz visível, ou seja, todas as cores. A partir disto, pode-se depreender que um objeto qualquer tem uma determinada cor, verde, por exemplo, quando ele refletir senão totalmente, uma grande quantidade desta cor em relação às outras cores que compõe a luz branca. Então se entende que a cor de um objeto vai depender da cor da luz que o está iluminando. Se a cor de um objeto é vermelha e ele for iluminado por uma luz azul, ele absorverá essa cor sem refletir nenhuma luz, ficando então preto. Entende-se assim que uma pessoa consegue ver um objeto porque ele emite ou reflete alguma luz que chega aos seus olhos e que o preto é também a ausência total de luz ou de cor, ou seja, ele absorve todos os comprimentos de onda enquanto a cor branca reflete. Mas ainda não estava explicado por completo o porquê de o preto esquentar mais. Pelo fato da cor preta absorver todos os comprimentos de onda, ela absorve toda energia, e essa energia antes luminosa é convertida então para energia térmica. Contudo, o experimento estava também relacionado com a expansão dos gases. Ao receber energia térmica, o ar contido na lâmpada preta tende a expandir, e isso ocorre devido ao intenso movimento das moléculas desse ar. Com essa expansão há então um desnivelamento do líquido corado, que é na verdade “empurrado” comprimindo o ar contido na lâmpada branca.

REFLETINDO A PRÁTICA Através desta prática pedagógica e demais atividades realizadas na escola e no PIBIDCiências, é possível perceber que o uso da experimentação no Ensino de Ciências não se faz frequente pelos professores atuantes no município de Cerro largo. Para isto Schnetzler e Aragão (207, p. 146) afirmam: acreditamos que a experimentação pode ser uma estratégia de ensino que vincule dinamicamente a Ciência com vivências do aluno, na perspectiva que ela deixe de ser desconectada e distante, meros pacotes de conteúdos a serem reproduzidos, sem inserções/interrelações efetivamente problematizadoras das formas de ver-lidar com situações, fatos e fenômenos, nas vivências de dentro e de fora da escola. Em outras palavras, queremos valorizar a visão do conhecimento escolar como um saber mediador, dinâmico, provisório, capaz de articular o teórico com o prático, o ideal com o real, o científico com o cotidiano.


O que as autoras afirmam é que a experimentação e a teoria devem andar juntas, uma em complementação da outra, em que é possível se evidenciar o que é aprendido e ainda associar estas práticas com o cotidiano de cada aluno, podendo eles perceberem que a Ciência não é um mero conteúdo, mas sim um instrumento de aprendizagem do qual eles possam usufruir em suas vivências. Como instrumento de avaliação, foi solicitado após a prática que cada aluno respondesse a duas perguntas. Na primeira, pensando em uma avaliação dos alunos sobre a explicação dada pelo bolsista, questionou-se o que eles acharam da experiência, enquanto que a segunda pergunta foi a mesma feita no começo da explicação: por que a cor preta esquenta mais que a branca? Com essa pergunta esperava-se que os alunos dessem uma explicação conceitual, porém não foi exatamente o que aconteceu. Ao fazer uma avaliação das respostas, percebeu-se que a maioria dos alunos respondeu de maneira pouco diferenciada. Ambas as respostas continham um mesmo contexto, da qual transcreve-se apenas a do Aluno 2: “Porque o preto absorve todas as cores e o branco reflete”. É possível perceber nas respostas a dificuldade de muitos em expressar com palavras o que foi aprendido. Acredita-se que estas respostas simplificadas estão atribuídas à complexidade, por parte do aluno, em escrever conceitos científicos, o que é também atribuído ao pouco tempo das aulas relacionadas ao ensino das ciências. Contudo, analisando as respostas referentes à avaliação da explicação do bolsista, é possível perceber o quanto este exemplo prático propiciou o interesse dos alunos. Isto se evidencia na transcrição do Aluno 3 que diz: “achei a experiência e as explicações interessantes pois de uma forma simples, aprendemos coisas que acontecem todos os dias e não sabemos o motivo”. Neste sentido, Schnetzler e Aragão (2007, p. 134) dizem que: as atividades práticas podem assumir uma importância fundamental na promoção de aprendizagens significativas em ciências e, por isso, consideramos importante valorizar propostas alternativas de ensino e que demonstrem essa potencialidade da experimentação: a de ajudar os alunos a aprender através do estabelecimento de inter-relações entre os saberes teóricos e práticos inerentes aos processos do conhecimento escolar.

Tornar a ciência uma forma de educar para a vida, em que os alunos possam refletir acerca das situações vivenciadas no seu cotidiano, em que eles possam entender os efeitos que a natureza produz, é um anseio que todos os docentes deveriam ter. O objetivo é ensinar conceitos científicos para a compreensão do mundo cotidiano. Ao contrário do que é retratado nos dias de hoje, onde o aluno aprende o conteúdo, muitas vezes, apenas para reproduzi-lo em uma avaliação.


É por intermédio do PIBIDCiências que, desde o início da formação docente, é possível realizar diversas atividades formativas dentro do ambiente escolar e, com isso, vivenciar a prática docente, que faz com que a teoria conceituada, discutida e transmitida, por nossos educadores, passe por um processo de inter-relação educador-educando. Esse processo contínuo de reflexão sobre a prática (investigação-ação) docente que desenvolve a capacidade de educar, formando profissionais amplamente preparados para produzir um ensino de qualidade.

CONCLUSÃO A produção desta atividade demonstra o quanto é importante a realização da experimentação aliada à teoria. Como é possível perceber nos relatos presentes neste artigo, a aproximação do conteúdo com a realidade faz com que os alunos interajam de forma positiva e possam responder às expectativas de aprendizagem, tornando o ensino um instrumento de formação cidadã e não apenas uma reprodução de conceitos científicos. O trabalho realizado pelos bolsistas dentro da comunidade escolar beneficia tanto professores em formação, quanto alunos e professores atuantes. Apesar de um tanto quanto esquecida, devido à desvalorização do ensino de ciências, a experimentação em sala de aula começa aos poucos a ganhar ênfase nas escolas em que o PIBIDCiências atua por conta da sua importância frente a um ensino de qualidade, dialógico, investigativo e crítico.

REFERÊNCIAS ALARCÃO, Isabel. Professores Reflexivos em Uma Escola Reflexiva. 5. ed. São Paulo, Cortez, 2007. GALIAZZI, M. C. e MORAES, R. Educação pela Pesquisa como modo, tempo e espaço de qualificação da formação de professores de ciências. Ciência e Educação, vol. 8, n. 2, 2002. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/ciedu/v8n2/08.pdf> Acesso em 11 de dezembro de 2011. CARR, W. & KEMMIS, S. Teoria crítica de la enseñanza: investigación-acción en la formación del profesorado. Barcelona: Martinez Roca, 1988. SCHÖN, Donald. Tradução de Roberto Cataldo Costa. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e aprendizagem. Porto Alegre: Atmed, 2000. SILVA, C. X. e FILHO, B. B. Física aula por aula. vol. 2. São Paulo, FTD, 2010. Disponível em: <http://www.ensinodefisica.net/2_Atividades/flu-luz_%20e_cores.pdf>; Acesso em: 16 de set. de 2011.


SILVA, L. H. A. e ZANON, L. B. A experimentação no ensino de ciências. In: SCHNETZLER, R. P. e ARAGÃO, R. M. R. Ensino de Ciências: Fundamentos e Abordagens. São Paulo, UNIMEP/CAPES, 2000. p. 120-153. ANEXOS

Fonte: Tolffo, 2011. Figura 1: Etapas da montagem do Termoscópio (A,B,C) e Termoscópio concluído (D).


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